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POLÍTICA SOCIAL E SEGURANÇA PÚBLICA EM TEMPOS DE BARBÁRIE
Eduardo Anicésio de Matos1
Liliane Capilé Charbel2
Resumo:O presente artigo tem como objetivo discutir os abalos ocorridos nos modelos de proteção social a partir da reestruturação do Capital no início da década de 1970 que tiveram fortes repercussões sobre os modelos de proteção social que predominaram no período pós-segunda Guerra que foi denominado por muitos autores como "os anos dourados". Entretanto o Capital mostra no início dos anos 1970 que se a política social foi um elemento importante na economia política pós-guerra, onde por todo mundo capitalista desenvolvido ocorreu um período de crescimento e prosperidade sem precedentes, sua condição não é a mesma na onda longa de estagnação no decorrer da década de 70. Nesse sentido o Estado privilegiará medidas coercitivas para o enfrentamento das manifestações da questão social. São tempos de destruição das políticas de proteção social e do aumento de ações repressivas , onde o encarceramento, o genocídio e a violência fazem parte essencial para o controle e a manutenção da ordem. Se em meados do Século XX , o Capital monopolista teve como estratégia o Welfare State e medidas civilizatórias para superar o agravamento da luta de classes e a crise econômica que se arrastava desde 1929, as medidas tomadas no final desse século XX faz parte da estratégia dessa mesma classe hegemônica para superação da crise que se instala desde o início dos anos 1970. Dessa forma utilizaremos como suporte teórico os autores Loic Wacquant, Elaine Behring, Potyara Pereira e Pierson .
Palavras-chave: Política Social, Capitalismo, Segurança Pública
Resumen:Este artículo tiene como objetivo discutir las conmociones cerebrales que ocurre en los modelos de protección social de la reestructuración de la capital a principios de 1970 que tuvo un fuerte impacto en los modelos de protección social que prevaleció en el periodo de la Segunda Guerra Mundial después de que se ha denominado por muchos autores como "los años dorados". Sin embargo, la capital muestra a principios de 1970 que la política social era un elemento importante en la posguerra la economía política, donde todo el mundo capitalista desarrollado experimentó un período de crecimiento y prosperidad sin precedentes, su condición no es la misma en la onda larga estancamiento en la década de los 70. en este sentido, el Estado se centrará en medidas coercitivas para hacer frente a las manifestaciones de la cuestión social. Son tiempos de destrucción de las políticas de protección social y el aumento de las acciones represivas, donde el encarcelamiento, el genocidio y la violencia son una parte esencial para controlar y mantener el orden. En la mitad del siglo XX, El capital monopolista tuvo como las estrategias y medidas civilizadoras del Estado de Bienestar para superar el agravamiento de la lucha de clases y la crisis económica que se arrastra desde 1929,
1 Mestrando do Programa de Pós Graduação de Política Social da Universidade Federal de Mato Grosso.
2 Doutora em Serviço Social pela UFRJ e Professora do quadro permanente do Programa de Pós graduação de Política Social da Universidade Federal de Mato Grosso.
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las medidas adoptadas a finales del siglo XX es parte de esta estrategia hegemónico mismo para superar la crisis que se instala desde principios de 1970. por lo tanto utilizamos como autores de apoyo teórico Loïc Wacquant, Elaine Behring, Potyara Pereira y de clase Pierson.
Palavras-chave: Política Social, Capitalismo,Seguridad Pública.
1.Introdução
As políticas sociais ou padrões de proteção social se desenvolveram como respostas
à questão social, mais precisamente nas mobilizações operárias do final do século XIX em
resistência à exploração do Capital. Se na metade da década de 40 do século XX tais políticas
pareciam consolidar-se, ampliando sua abrangência e elevando as mais nobres ilusões de
Marshall deque haveria uma singular combinação entre acumulação e equidade. Todavia, logo
no entrar da década de 70 essas ilusões começaram a ser desfeita, demonstrando que “o
capitalismo democrático” não foi mais que um breve episódio no desenvolvimento do Modo
de Produção Capitalista” (Netto, Braz, p.206, 2007).
Não tem como contestar que as mudanças estruturais do capitalismo a partir do início
da década de 1970 tiveram forte repercussão sobre os modelos de proteção social que
predominaram no período pós- segunda guerra, denominado por muitos como “os anos
dourados”, o Capital demonstra mais uma vez que sua incessante busca por condições
favoráveis de taxa de lucro está acima das necessidades humanas. Se a política social foi um
elemento importante na economia política pós-guerra, onde pôr todo mundo capitalista
desenvolvido ocorreu um período de crescimento e prosperidade sem precedentes
(Pierson,1991), sua condição não é a mesma na onda longa de estagnação no decorrer da
década de 70 (Behring, 2004).
No meados do século XX, o Capital monopolista teve como estratégia o Welfare
State e o Keynesianismo para superar o agravamento da luta de classes e a crise econômica
que se arrastava desde 1929, trazendo como consequências reformas sociais civilizatórias.
Agora, sua nova estratégia denominada por muitos como Neoliberalismo, faz parte da
estratégia dessa mesma classe hegemônica para superação da crise econômica que se instala
desde o início dos anos 70.Segundo Montaño, é imprescindível conseguirmos entender que o
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Estado de Bem Estar e o modelo de Estado Neoliberal fazem parte, em contextos distintos, da
estratégia da mesma classe hegemônica para obter o mesmo resultado: reverter os efeitos das
crises, legitimar a ordem e consolidar e desenvolver a concentração de capital nas corporações
monopolistas. Dessa maneira, o autor nos esclarece que:
Separar o projeto neoliberal do sistema que o engendra, e para o qual se
constitui, leva frequentemente a uma crítica nostálgica (e romântica) do
neoliberalismo, rememorando as “bondades” do Welfare State. Não é o
neoliberalismo que engendra as contradições, a exclusão social, política e
econômica, em oposição ao Estado de Bem estar, que as superaria; é o
sistema capitalista que cria e recria estas relações contraditórias e
excludentes, para o qual tanto o Welfare quanto o neoliberalismo se
constituem, diferenciadamente e em contextos diversos, em estratégias de
superação de crise e legitimação. (Montaño, 1999, p. 2)
Tendo a clareza da inevitável obsessão destrutiva e acumulativa do Capital,
principalmente em sua fase madura,podemos ter uma maior compreensão das“novas” e velhas
mazelas que assolam o mundo contemporâneo ou na feliz expressão de Behring (2004),
tempos de barbárie. Se a afirmação de que existe um desmantelamento dos sistemas de bem
estar, soa como exagero, como aponta Vianna (1998). Por outro lado, é inegável que à perda
de direitos de cidadania por serviços e políticas sociais, assistenciais ou por uma seguridade
social estatais, universais e de qualidade fazem parte das políticas dos países centrais,
enquanto a precarização e a focalização é a resposta dada pelo Capital nos países ditos
periféricos.
É improvável que a sociedade e o próprio capital prescindam da política social, mas
cabe aqui indagar de que política social se trata¿ Nesse sentido é imprescindível entender o
papel que vem ocupando a Segurança Pública na atual ordem, afinal se é notório a diminuição
com gastos sociais, o mesmo não se pode dizer com os investimentos em segurança. Não é à
toa que o sociólogo francês Wacquant (2001) denominou que estamos vivendo a emersão de
um estado penal como forma de enfrentamento das expressões da questão social. Dessa
forma, o genocídio, o encarceramento e o aumento de ações coercitivas é a tônica das ações
do Estado que tem deixado as ditas políticas de segurança cidadã apenas nos documentos
oficiais e longe da realidade do cotidiano da maioria da pessoas.
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2. A Política social no Brasil
Ao se tratar da implementação das políticas sociais no Brasil, é importante se atentar
ao que Berenice Rojas Couto (2004) aponta como singularidades que certamente tiveram
repercussões na efetivação e no modo de como esses direitos foram organizados. Ao contrário
de alguns países capitalistas avançados, não fomos o berço da Revolução Industrial e as
relações sociais capitalistas desenvolveram-se aqui de forma bem diferente dos países
centrais, como esclarece Potyara:
Diferente, pois, das políticas sociais dos países capitalistas avançados, que
nasceram livres da dependência econômica e do domínio colonialista, o
sistema de bem-estar brasileiro sempre expressou as limitações decorrentes
dessas injunções. (Potyara, p.125, 2000)
Nesse sentido, a proteção social no Brasil não se apoiou nas pilastras do pleno
emprego, dos serviços sociais universais e ao contrário do que ocorreu na Europa pós-
segunda guerra não se constituiu o amplo acordo entre “direita e esquerda e entre capital e
trabalho” (Pierson,1991), o que convencionou chamar de consenso de pós-guerra. Pelo
contrário, no Brasil uma forma particular de sua formação é aquilo que Coutinho denomina de
política pelo auto, ou seja, “por meio da conciliação entre frações das classes dominantes, de
medidas aplicadas de cima para baixo” (Coutinho IN Iasi).
Dessa forma, podemos dizer que a experiência brasileira de proteção social possuiu
diferenças com o modelo dos países centrais, pois sua experiência produziu um modelo que
segundo Potyara(2000) pode ser denominado como um “Sistema de bem-estar periférico”,
onde sempre esteve presente ações de medidas coercitivas, mesmo nos momentos em que se
parece buscar formas de legitimação como bem esclarece Mauro Iasi:
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O Estado de classe no Brasil que tem por fundamento a defesa da ordem da
propriedade privada e as condições que garantam a acumulação de
capitais, sempre agiu combinando diferentes formas de garantia da ordem,
ora predominando formas repressivas, ora na busca da formação de
consensos. O que importa ressaltar é que mesmo nos momentos nos quais a
busca por formas de legitimação e de hegemonia predominam, o aspecto
repressivo nunca foi relegado (Iasi, 2013).
Acredito que esses são elementos importantes para entendermos melhor os motivos
de termos um histórico de segurança repressora e violadora dos direitos humanos e,
principalmente, para demostrar a fragilidade dos argumentos dos que acreditam que não
temos após a constituição de 1988 um novo modelo de segurança que garanta os direitos
humanos e do cidadão. Isto devido, fundamentalmente, ao nosso legado histórico que deixou
uma forte cultura autoritária nas ações do Estado e dos próprios agentes públicos.
Tais argumentos desconsidera ou pelo menos não consegue observar que os países
capitalistas desenvolvido em um contexto de reconstrução de um continente dilacerado pela
guerra, tensionado pela luta de classes e em busca de legitimidade do capital no contexto da
chamada “guerra fria” (Behring,2004) possibilitaria condições para se fazer um consenso
entre classes, que teve como consequência uma ampliação de medidas civilizatória que
representaram certas conquistas para a classe trabalhadora, mesmo que isso lhe custasse, pelo
menos para parte de seus representantes, o abandono de suas pretensões históricas, como
esclarece Pierson:
No âmbito de classes, o consenso significou o abandono por parte dos
representantes do trabalho de sua tradicional aspiração à socialização da
economia e da ideologia e práticas de “guerra de classe”. Para o Capital,
isso significou uma aceitação do compromisso com o pleno emprego, a
propriedade pública de utilidades estratégicas e apoio ao WelfareState.
Ambos trabalho e capital partilhariam de objetivos comuns (e recompensas)
do crescimento econômico sustentável. Esse compromisso foi administrado
pela supervisora presença do governo, o qual coordenaria as relações entre
sindicatos e empregadores, asseguraria as condições básicas pra o
crescimento econômico e administraria o WelfareState. (Pierson, p. 22,
1991)
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Já reafirmamos aqui que as estratégias das classes dominantes no brasil percorreu
caminhos distintos dos países capitalista centrais, onde os acordos firmados pelas frações das
elites sempre representavam medidas vindas de cima para baixo e sempre acompanhada das
ações coercitivas para a manutenção da ordem e dos seus interesses. É verdade que na década
de 1980 ocorreram importantes avanços políticos e sociais pelo menos do ponto de vista
formal-Institucional, como aponta Potyara:
Graças à mobilização da sociedade, as políticas sociais tornaram-se
centrais, nessa década, na agenda de reformas institucionais que culminou
com a promulgação da constituição federal de 1988. Nesta constituição, a
reformulação formal do sistema de proteção social encorpou valores e
critérios que, não obstante antigos no estrangeiro, soaram, no Brasil como
inovação semântica, conceitual e política. Os conceitos de” direitos
sociais”, “seguridade social”, “universalização”, “equidade”,
“descentralização político-administrativo”, “controle democrático”,
“mínimos sociais”, dentre outros, passaram, de fato, a construir categorias-
chaves norteadoras da constituição de um novo padrão de política social a
ser adotado no país. (Potyara, p.152, 2000)
Entretanto, mesmo havendo um ascenso das lutas democráticas e dos movimentos
sociais que apontavam condições políticas e uma base de legitimidade forte para a realização
de reformas efetivas, muitas contra tendências se interpuseram, fazendo com que “todos esses
progressos constitucionais não frutificassem na prática, sendo, ao contrário alvos de uma
“contra reforma conservadora”.” (Potyara, p.156, 2000)
Neste contexto, os anos 90 até os dias de hoje no Brasil têm sido de contra reforma do
Estado, redimensionamento e destruição das conquistas de 1988. Esse elemento não pode
ficar de fora ao explicarmos, porque não temos hoje uma “segurança cidadã” e continuamos
assistindo uma segurança pública violadora dos Direitos Humanos. Afinal, como ter uma
Segurança garantidora dos direitos humanos e do cidadão, como se propõe, em tempos de
destruição de direitos¿ Algo que só pode soar como intenções nos diversos documentos
oficiais e nos discurso das autoridades para buscar uma legitimidade que tente encobrir as
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mais diversas barbaridades protagonizadas pelos órgãos de segurança pública contra a
população, principalmente a mais pobre.
2. As medidas coercitivas como resposta a questão social
Potyara(2008) chamava a atenção para uma curiosidade contemporânea, ultimamente
se fala muito em Política Social, necessidades sociais e direito de cidadania, mesmo sendo um
contexto ideológico e politicamente adverso. Tal anacronismo também pode ser facilmente
observado na Segurança Pública, nunca se falou tanto em segurança cidadã, direitos humanos
ou algo que venha “suavizar” os métodos repressivos das políticas de segurança. Entretanto,
em pleno Estado de direito medidas que contrariam tais discursos não só subsistem como a
cada dia parece ser predominante nas ações do Estado.
Vale ressaltar que, ao contrário de muitos autores, não acreditamos que essas medidas
repressivas por parte do Estado sejam apenas alguns desvios do Estado democrático ou apenas
fruto da herança que ainda temos dos tempos de Ditadura Militar. Mas, pelo contrário, tais
análises desconsidera que essas medidas fazem parte e são de extrema necessidade para os
interesses do Capital, como sinaliza Iasi:
Parece-nos que esta aproximação desconsidera que tais práticas
permanecem porque têm uma funcionalidade específica na ordem da
sociedade de classes a ser mantida; e que se fundamenta em contradições
que se reproduzem manifestando-se em desigualdades de fato que a
igualdade formal não consegue reverter.( Iasi ,2013)
O que não pode se perder de vista é que a estratégia do Capital, para recuperar suas
taxas de lucro, nesse último período, tem sido “a diminuição das funções estatais coesivas,
principalmente aquelas que respondem à satisfação de direitos sociais” (Braz, Netto, 2007,
p.227).Nesse sentido, as contradições da relação Capital e Trabalho tendem a se acentuar e
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uma das principais respostas do Estado para isso é o aumento de medidas coercitivas para o
enfrentamento das manifestações da questão social.
O fato é que essa reestruturação da produção e dos mercados para tornar rentável os
negócios dos Capital tem tornado suas contradições cada vez mais gritantes (Behring, 2004).
Milhares de pessoas são jogadas à pobreza extrema, que diga de passagem tem aumentado
desde os anos 80, um número cada vez maior de pessoas se encontram desempregada ou em
condições precárias de trabalho. E qual a resposta do Estado para isso¿ Se por um lado amplia
os programas paliativos e focalizado, por outro amplia-se as “necessárias” medidas coercitiva
como forma de controle da pobreza e dos que por algum motivo venha contestar a ordem
vigente.
O sociólogo Wacquant (2001), fazendo uma análise da situação americana, mostra
que, enquanto houve diminuição com os gastos assistenciais, o gasto com encarceramento
cresceu de forma assustadora, chegando a um crescimento de 314% de 1970 a 1991. Essa
realidade não se difere no Brasil, acrescentando apenas as condições precárias e sub-humanas
em que estão submetidos os encarcerados brasileiros.
Ao analisarmos os dados do Departamento Penitenciário Nacional, observamos que
em 1990 o Brasil possuía 90 mil presos e até junho de 2012 essa população já estava em torno
de 549 mil, ou seja, houve um crescimento de 511%, como podemos observar abaixo:
ANO TOTALDE
PRESOS
Crescimento
porcentual anual
Crescimento
absoluto anual
1990 90.000 ______________ _______________
1992 114.137 27,0% 24.337
1993 126.152 10,3% 11.815
1994 129.169 2,4% 3.017
1995 148.760 15,2% 19.591
1997 170.602 14,7% 21.842
1999 194.074 13,8% 23.472
2000 232.755 19,9% 38.681
2001 233.859 0,5% 1.104
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2002 239.345 2,3% 5.486
2003 308.304 28,8% 68.959
2004 336.358 9,1% 28.054
2005 361.408 7,4% 25.044
2006 401.236 11,0% 39.834
2007 422.590 5,3% 21.354
2008 451.229 6,8% 28.629
2009 473.626 5,0% 22.407
2010 496.251 4,8% 22.625
2011 514.582 3,7% 18.331
2012* 549.577 6,8% 34.995
* Dados atualizados até junho de 2012 de acordo com os dados do DEPEN
Fonte: Gráfico produzido pelo Instituto Avante Brasil a partir do dados do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional). Ministério da Justiça.
Mas, o controle da pobreza, e dos que por algum motivo chocam com os interesses do
Estado de classe, não se restringe ao encarceramento. Segundo uma análise elaborada pelo
Instituto “Sou da Paz”, noterceiro semestre de 2012, de cada cinco pessoas mortas em São
Paulo, uma era morta pela Polícia Militar (PM). Já no Rio de Janeiro nos últimos dez anos a
PM matou cerca de dez mil pessoas, sendo a grande maioria jovens e negros (Iasi,2013).
Essa é a política que cabe aclasse trabalhadora, seja ela em qual situação se encontra:
desempregada, com emprego precário ou mesmo os que por hora estão assistidos de alguma
garantia, todas têm de conviver todos os dias com:
O cacete, o porrete da ordem, a cadeia, o manicômio, os porões, sacos
plásticos na cabeça, covas rasas, matagais, tapas na cara, valas comuns,
celas lotadas. Não como exceção, como regra, ração diária de barbárie,
exercício sistemático de arbitrariedade. Como dizia Brecht “No regime que
criaram a humanidade é exceção. Assim, quem se mostra humano paga caro
essa lição”. (Iasi, 2013)
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Entretanto essas barbáries cotidianas não acontecem sem resistência, pois insurgências
ocorrem sistematicamente, seja de forma individualiza em revoltas locais, ou seja em
explosões de massa, como ocorreu em Junho de 2013, no Brasil, onde diversas
manifestações populares sacudiram o país, mostrando que “apassivamento” da classe
trabalhadora tem limites e que o acirramento da luta de classe pode construir outros
caminhos, que não estes apontados pelas classes dominantes.
Mas, as manifestações de Junho também são pedagógicas para entendermos como o
Estado tem se portado frente às demandas populares, pois se a presidenta DilmaRoussef foi
à televisão dizer que estava ouvindo as vozes das ruas, as ações construída por ela e pelos
governos Estaduais não foram de atendimento às demandas dos manifestantes. Pelo
contrário, houve um reforço das medidas coercitivas para enfrentar “o problema”.
Se as cenas das arbitrariedades cometida pelas forças de segurança contra os
manifestantes ganharam a internet e rodaram o mundo, rendendo manifestações as mais
diversas contra essas ações repressivas por parte do Estado, tais mobilizações parecem não
ter conseguido sensibilizar as autoridades. Tendo em vista que a resposta dada pelos
mesmos é o aumento gigantesco de suas tropas e seus métodos repressivos para as possíveis
manifestações que ocorreram em 2014 ano da copa do mundo de futebol.
Já antecipando ao possível acirramento da luta de classe para o próximo período, o
Estado brasileiro, governado por um partido de esquerda, o PT (Partido dos Trabalhadores),
não parece caminhar para medidas coesivas que possa amenizar tais conflitos. Ao contrário,
em 20 de Dezembro de 2013, o governo Dilma do PT, lançou a Portaria Normativa 3.46,
atribuindo ao Exército, Marinha e Aeronáutica a condição de planejar organizar, gerenciar e
efetuar ações repressivas contra manifestantes.
Essa portaria, que alguns setores dos movimentos de Esquerda tem apelidado de Ato
Institucional nº 1 do governo petista, é lançada com a justificativa de garantir a lei e a
ordem em situações previsíveis ou em eminente situação de crise política. E, para
isso, as Forças Armadas passam a ter a incumbência de assessora e efetuar todas as
medidas necessária com vistas a repressão e a restauração da ordem desejada, mas, é
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claro, que a ordem desejada das elites é bem distinta do que necessita a maioria da
população.
Medidas como essas desnudam as verdadeiras intenções do Estado e das classes
dominantes, longe de construir sua hegemonia a base de um consenso que possa atender
algumas demandas das classes subalternas. Em meio ao acirramento da luta de classe, o
caminho construído, em sua fase “de esgotamento histórico de seu modo de produção”
(LESSA, 2007, p.8), é aumentar a barbárie, utilizando para isso seus órgãos de segurança,
ou melhor, de repressão, para controlar a pobreza e criminalizar os movimentos sociais,que
nessa portaria fica bem claro, que para o Estado são vistos como possíveis oponentes, tanto
quanto os narcotraficantes.
3.CONCLUSÃO
Como pode se verificar, as mudanças estruturais ocorridas no capitalismo a partir dos
anos de 1970 promoveram fortes impactos sobre os modelos de proteção socialnos países
centrais, e, principalmente, nos países periféricos,que em virtude da dependência econômica
nunca conseguiram ter um padrão de proteção social comparado aos modelos dos países
desenvolvidos.
Nesse sentido, as estratégias do Capital nesse último período para recuperar suas taxas
de lucro tem sido nefasta para a classe trabalhadora, pois os desmonte das poucas políticas
de proteção social e o endurecimento de medidas coercitivas tem sido as respostas dadas
pelo Estado, para se garantir a rentabilidade.
Os contornos dados pelo capitalismo na atualidade podem ser traduzidos naquilo que
Behring denominou de tempos de barbárie, pois o encarceramento, o genocídio, a repressão e
a violência são instrumentos que fazem parte do cotidiano da atual ordem societária, o que
tem levado:
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O descarte crescente de milhões de seres humanos das fontes de trabalho e
de vida, violações a direitos que se supunha conquistado e consolidado a
séculos, e por derradeiro, a ameaça à própria vida. Sua lógica de predador
insaciável de homens, de coisas e da natureza, sua inevitável obsessão
acumulativa e destrutiva, inerente à dinâmica da concorrência e da busca
do lucro, não lhe permite mudar de rumo, sequer moderá-lo. (
Trindade,2011, p.18)
Ao nosso ver, essa lógica de funcionamento do Capitalismo tem sido o principal
empecilho para a consolidação das políticas de Segurança Cidadã, que por sua propositura
necessitam de medidas coesivas por parte do Estado, visando contemplar, pelo menos em
parte, alguns direitos para os trabalhadores. Entretanto, na atual estratégia do Capital o
caminho é justamente o inverso, ou seja, a destruição de direitos.
As últimas mobilizações populares ocorridas no país apontam que o Estado, e as
classes que o dirige, continua apostando nas medidas coercitivas para a manutenção da
ordem da propriedade privada. Mas, por outro lado, os levantes populares demonstram que o
tempo de “apassivamento” das classes estão com seus dias contados e esse acirramento é a
esperança de que os tempos de barbárie sejam superados para construção de uma nova
sociedade, onde as necessidades humanas prevaleçam sobre os interesses de alguns poucos.
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