politica sociais pobreza e trabalho

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1 POLÍTICAS SOCIAIS, POBREZA e TRABALHO: dilemas do bem-estar em países de capitalismo periférico RESUMO Este texto analisa a transição da questão social no Brasil contemporâneo, condicionado por políticas de transferência de renda e suas implicações sobre o padrão de redistribuição da renda. Que efeitos a implementação desses programas têm sobre o padrão de desigualdades sociais e a matriz do desenvolvimento? O artigo qualifica teoricamente a questão social e sua especificidade no Brasil; analisa as implicações de alguns indicadores recentes de desconcentração da renda, no Brasil, num contexto declinante da renda funcional do trabalho; especifica os processos de heterogeneidade, segmentação e um conflito redistributivo mais restrito à base e conclui, reafirmando a necessidade do Brasil ultrapassar o estágio de reprodução das “necessidades’, típico das políticas de “tutela” de caráter assistencial, importantes como alívio do orçamento familiar, mas insuficientes, quando distantes de capacidades que possibilitem modificar o padrão de desenvolvimento em padrões de bem- estar social. Palavras-chave: questão social; políticas sociais; desigualdades; desenvolvimento. OBS.: Trabalho inédito em 27 de outubro de 2008. No prelo para uma publicação numa revista. Lançamento previsto para 19 de novembro de 2008.

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Relação entre politicas sociais, pobreza e trabalho

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    POLTICAS SOCIAIS, POBREZA e TRABALHO: dilemas do bem-estar em pases de capitalismo perifrico

    RESUMO

    Este texto analisa a transio da questo social no Brasil contemporneo, condicionado por polticas de transferncia de renda e suas implicaes sobre o padro de redistribuio da renda. Que efeitos a implementao desses programas tm sobre o padro de desigualdades sociais e a matriz do desenvolvimento? O artigo qualifica teoricamente a questo social e sua especificidade no Brasil; analisa as implicaes de alguns indicadores recentes de desconcentrao da renda, no Brasil, num contexto declinante da renda funcional do trabalho; especifica os processos de heterogeneidade, segmentao e um conflito redistributivo mais restrito base e conclui, reafirmando a necessidade do Brasil ultrapassar o estgio de reproduo das necessidades, tpico das polticas de tutela de carter assistencial, importantes como alvio do oramento familiar, mas insuficientes, quando distantes de capacidades que possibilitem modificar o padro de desenvolvimento em padres de bem-estar social.

    Palavras-chave: questo social; polticas sociais; desigualdades; desenvolvimento.

    OBS.: Trabalho indito em 27 de outubro de 2008. No prelo para uma publicao numa revista. Lanamento previsto para 19 de novembro de 2008.

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    POLTICAS SOCIAIS, POBREZA e TRABALHO: dilemas do bem-estar em pases de capitalismo perifrico*

    Anete Brito Leal Ivo**

    A reproduo da pobreza e das desigualdades econmico-sociais nas sociedades capitalistas modernas sempre se constituram num dilema para os ideais democrticos de igualdade. No encaminhamento deste dilema, e em meio ao embate entre socialistas e liberais, o pensamento moderno delineou um conjunto de princpios e de mecanismos institucionais (polticas e direitos sociais) para afrontar a crescente diversificao socioeconmica das sociedades urbano-industriais, a qual chamou de questo social. No Brasil, essa idia de progresso esteve atrelada, primeiramente, superao das relaes escravistas e aos ideais republicanos do final do sculo XIX. E, mais tarde, no contexto do governo Vargas, atrelada formao de um mercado de trabalho urbano-industrial com base na relao de trabalho salarial. Mas o projeto de modernizao nacional se consolidou no Brasil no perodo de construo do projeto nacional-desenvolvimentista dos anos 1950/1960. No entanto, o ideal de igualdade como princpio do desenvolvimento econmico esteve ausente do paradigma histrico brasileiro. Imensos contingentes de trabalhadores ficaram fora das relaes de trabalho assalariadas, desprotegidos das leis trabalhistas, constituindo um imenso contingente do exrcito industrial de reserva1, formado por famlias de trabalhadores pobres que integravam o chamado setor informal urbano e a economia agrcola de subsistncia2.

    * Texto publicado na revista Bahia Anlise & Dados: Estado Brasileiro e polticas sociais: contribuies para o

    debate brasileiro, v. 17, n.4, pp 1121-1133, lanado em 19 de novembro de 2008. Agradeo o convite da SEI para integrar este nmero especial sobre polticas sociais, s contribuies de Jos Ricardo Ramalho, por ocasio de minha tese, e aos comentrios de ngela Borges a este texto. **

    Doutora em Sociologia. Professora do Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da UFBA; Pesquisadora Snior do CRH/UFBA e pesquisadora associada ao Centre de Recherche et Documentation sur lAmrique latine - CREDAL/CNRS-Frana, desde 1996. Foi titular da Ctedra Simon Bolivar da Universidade de Paris III (2000) e Professora Convidada da Universidade de Paris XII (2006). autora do livro Metamorfoses da Questo Democrtica: governabilidade e Pobreza (Buenos Aires: CLACSO), 2001. E-mail: [email protected] 1 Segundo a literatura crtica dos anos 1970/1980. Ver Oliveira (1973) e Souza e Farias (1980), entre outros

    autores. 2 Conforme Delgado e Theodoro (2005) analisam e quantificam, em seus artigos, esse processo.

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    Assim, a reproduo da pobreza e das desigualdades sociais no Brasil, como eixo da questo social nacional, resulta de uma herana patrimonial autoritria3; da insero precria de trabalhadores no mercado de trabalho urbano-industrial; da seletividade de acesso s polticas de proteo em situaes de atividade e inatividade; e da insuficincia de renda, mesmo para os trabalhadores da ativa. Esses fatores juntos constituram um imenso setor da economia brasileira vinculado reproduo social do autoconsumo e de subsistncia; e reproduziram imensas desigualdades sociais de renda, e relaes de precarizao e vulnerabilidade social constantes, que, especialmente na dcada de 1990, se agrava quando a reestruturao produtiva atinge o ncleo protegido do mercado de trabalho. No encaminhamento de um projeto indito de construo da cidadania no Brasil, na dcada de 1980, o movimento de trabalhadores, articulado a inmeros movimentos sociais, conseguiu reconhecer, estender e ampliar os direitos sociais para segmentos de trabalhadores no-contributivos, como a previdncia rural, orientados por uma perspectiva de universalidade. Do ponto de vista das polticas sociais, a Constituio Brasileira de 1988 foi inovadora, antecipando-se a um conjunto de polticas de renda bsica, que apenas comeavam a ser discutidas e formuladas na Europa, diante das mudanas do mundo do trabalho, com o desemprego de longa durao. No entanto, essa perspectiva de universalidade, que marcou as mudanas das polticas sociais na Constituio de 1988, perde gradativamente prioridade, passando a ao social a orientar-se segundo uma concepo focalizada sobre os mais pobres, especialmente no final dos anos 1990 e incio dos anos 2000. Esse deslocamento do desenho e da concepo das polticas sociais ocorre num contexto internacional que enfatiza o combate pobreza, como condio compensatria aos efeitos perversos dos ajustes da dcada anterior, mas converge, ao mesmo tempo, para a demanda histrica da cidadania, no Brasil, na direo da superao das condies de reproduo de inmeras famlias submetidas a nveis de extrema pobreza. Assim, ao final da dcada de 1990, as novas polticas sociais (voltadas para o combate focalizado sobre os mais pobres) se reorientam para a formulao e implementao de programas de transferncia de renda. E esta ao, a partir de 20044, com o governo Lula, ganha eficcia institucional de

    3 Que no reconhecia cidadania aos homens sem propriedade.

    4 O Bolsa Famlia inicia-se como Bolsa Escola em 2001 (Governo FHC) e transforma-se em Bolsa Famlia em

    2003 (Governo Lula), cobrindo quase que 100% do universo previsto pela LOAS ( famlias com renda familiar per capita de a salrio mnimo).

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    cobertura nos limites da populao-alvo definida pela Lei Orgnica de Assistncia Social LOAS.

    Desde ento se combinam polticas de transferncia de renda de natureza e alcances distintos, expressando contextos histricos e foras sociais diferentes na sua construo: aquelas polticas assistenciais que se constituem em direitos sociais bsicos constitucionais, como o Benefcio de Prestao Continuada; e os programas de transferncia de renda focalizados, como o Bolsa Famlia, de carter compensatrio, mas de alcance massivo. Que efeitos a implementao desses programas tm sobre as condies de pobreza, as desigualdades e o padro de desenvolvimento?

    Este texto analisa a transio da questo social no Brasil contemporneo, condicionado por polticas de transferncia de renda de carter multidirecional, e suas implicaes sobre o padro de redistribuio da renda. Que efeitos a implementao desses programas tm sobre o padro de desigualdades sociais e a matriz do desenvolvimento? Para esta anlise, consideramos a redistribuio como elemento central do encaminhamento da questo social, pela qual se efetiva a propriedade da transferncia5 do Estado social frente a duas dimenses crticas do desenvolvimento brasileiro: as desigualdades sociais e a vulnerabilidade das relaes de trabalho, no Brasil.

    A primeira parte deste texto qualifica teoricamente a questo social e sua especificidade no Brasil, distinguindo-a da experincia europia, principalmente pelas profundas desigualdades socioeconmicas e o carter restrito das polticas de proteo social, que impactam sobre o alcance das polticas sociais de transferncia de renda implementadas hoje no Brasil. A segunda parte analisa o impacto das polticas de transferncia de renda na superao das condies de pobreza e sobre a desconcentrao de renda, no Brasil. Caracteriza as modalidades de transferncia de renda do Benefcio de Prestao Continuada e o Programa Bolsa Famlia, observando sua relao com indicadores recentes de desconcentrao da renda trabalho, no Brasil, num contexto de declnio da renda funcional do trabalho no mbito da riqueza nacional. Especifica a heterogeneidade e a segmentao de programas previdencirios entre trabalhadores rurais e urbanos e entre segmentos de trabalhadores da ativa e os no- economicamente ativos, homens e mulheres, como reflexo dessas diferentes polticas. Ademais, avalia o impacto dessas polticas sobre a reproduo familiar e sobre parmetros

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    redistributivos mais amplos (matriz da propriedade de transferncia do Estado social). Na concluso, exploramos algumas conseqncias dessas mudanas sobre o padro redistributivo e a vulnerabilidade social do trabalho, considerando os objetivos mais amplos do bem-estar e o princpio da justia social. O acesso renda a partir da aplicao dos programas focalizados possibilita uma insero mercantil da pobreza ao nvel da auto-reproduo, mas essa insero se faz dissociada da integrao pelo trabalho e distante de capacidades que possibilitem a esses indivduos ultrapassarem o estgio das necessidades.

    A natureza da questo social e os dilemas da modernizao brasileira

    Princpios gerais de construo da questo social A questo social, enquanto questo pblica, emerge da crtica marxista aos princpios

    da democracia liberal (liberdade e igualdades), que, diante do empobrecimento da classe trabalhadora, indagava: ser que o indivduo que no come e no dispe de meios para ganhar a vida verdadeiramente livre? A essa questo, posta pelo marxismo, os liberais europeus responderam com a institucionalizao do direito de obter do Estado, por leis sociais, recursos mnimos que tornem possvel uma vida decente, no nvel tolervel da riqueza coletiva (SCHNAPPER, 2002). Segundo Aron (1969), esses direitos sociais no se opem ao direito-liberdade, mas so condies para o exerccio desse direito, ou seja, eles condicionam a liberdade poltica.

    O social, assim, constitui-se uma inveno hbrida, uma mediao instituda na interseo do civil, do poltico (liberdades polticas e igualdade social) conforme Donzelot [1984], no seu livro Linvention du social. Essai sur le declin des passions politiques , associada preocupao de neutralizar as contradies e desigualdades sociais existentes no mbito da sociedade civil e mercantil, produzidas nas sociedades capitalistas industriais e que se opem ou questionam o imaginrio poltico moderno da democracia. Ou seja, as condies de exerccio da democracia, quando confrontadas crescente pauperizao dos trabalhadores, ao final do sculo XIX, deram lugar a um conjunto de instituies sociais modernas (polticas sociais e direitos sociais), estruturadas na idia de uma solidariedade nacional, que s poderia ser vivida num regime de liberdade, e que se institucionalizou, quela poca, na construo do

    5 Essa propriedade de transferncia analisada em Castel (1995), como elemento central natureza da

    propriedade do Estado social.

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    Estado Providncia, influenciando, mais tarde, a formao do Estado do Bem-estar social, em diversos pases do mundo. As noes de solidariedade ampliada, de direitos sociais e de responsabilidade coletiva estruturaram, ento, o papel social do Estado.

    O direito social (com base no clculo do seguro) buscava dar garantias aos indivduos contra os prejuzos e riscos advindos da nova diviso social do trabalho no regime capitalista. Esta formulao, segundo Donzelot [1984] avanou de uma idia de direitos civis para uma idia do nosso direito, o direito social.

    Por outro lado, a noo de responsabilidade tambm se altera, passando de uma responsabilidade individual para uma responsabilidade coletiva, a partir de uma socializao dos processos aleatrios de riscos da vida, chamando os indivduos a se implicarem coletivamente. Essas mediaes acabaram por definir a estruturao do Estado de Bem-estar social em torno de quatro campos principais (SOUZA SANTOS, 1999): a socializao da economia, pelos direitos da cidadania, que reconhece que o capitalismo no apenas constitudo por fatores de produo e pelo mercado, mas por sujeitos sociais com necessidades bsicas; a politizao do Estado, que atribui aos Estados nacionais o marco normativo e institucional pelo qual se regula o conflito entre economia e sociedade, capital e trabalho6; a segurana civil dos cidados contra a violncia e a garantia da vida; e uma identidade nacional, de modo a sustentar uma legitimidade ampliada.

    Esse regime de solidariedade nacional, pelo qual se encaminhou a questo social, isto , a propriedade da redistribuio do Estado, passa, ento, a ser o fundamento do Estado nacional compatvel com sua definio democrtica.

    Dilemas da questo social brasileira: mercado de trabalho excludente e desigualdades sociais

    Diferenciando-se desses pilares clssicos que organizaram as diferentes concepes dos Estados sociais na Europa, a modernidade brasileira, nucleada na noo de desenvolvimento e no projeto urbano-industrial dos anos 1950 e 1960, esteve marcada pela reproduo de desigualdades socioeconmicas, geradas, inclusive, por formas institucionais excludentes. A proteo social criada na Era Vargas foi seletiva e cobriu apenas parcialmente os trabalhadores regidos por relaes de trabalho assalariadas. O resultado foi uma

    6 Ver a respeito: Polanyi [1944] (2000); Rosanvallon (1995); Souza Santos (1999).

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    modernizao conservadora7, que obteve enormes avanos do ponto de vista do progresso tcnico, sem alterao qualitativa das relaes sociais e sem distribuio de poder, bens e capacidades.

    O pensamento social brasileiro e mesmo latino-americano foi particularmente frtil na construo de uma teoria crtica ao desenvolvimento do capitalismo perifrico, das dcadas de 1960 e 1970, encaminhando a questo do desenvolvimento socioeconmico no mbito de uma perspectiva nacional e de incluso social via acesso ao mercado do trabalho.

    De uma utopia capaz de aglutinar aes de diferentes atores nacionais e mesmo agncias internacionais, esse iderio teve, no plano das prticas, grande efeito sobre a orientao de polticas de planejamento regional e de desenvolvimento urbano-industrial, de modernizao agrria, de desenvolvimento tecnolgico, bem como no avano de aes e polticas voltadas para a cidadania e a incluso social, como eixos centrais para a construo de ideais de bem-estar social, mesmo incompletos. Em que pese o carter inconcluso desse projeto, expresso na reproduo ampliada de um mercado de trabalho informal e da persistncia de uma agricultura de subsistncia, o desenvolvimento econmico at os anos 1970 possibilitou a incorporao crescente de trabalhadores no mercado de trabalho formal, mas a crise dos anos 1980 e a reestruturao produtiva afetaram esta dinmica, particularmente a mobilidade de segmentos jovens no mercado de trabalho.

    O desencantamento: dilemas da integrao diante da dessocializao do trabalho

    O esgotamento dessas possibilidades num quadro de acumulao globalizada e flexvel e de reestruturao produtiva, seguido por mudanas sobre os papis sociais do Estado, de reorientao liberal, configurou particularmente nos anos 1990, entre outros fatores, uma dessocializao social, caracterizada pelos elevados ndices de desemprego, especialmente dos trabalhadores mais jovens; pela precarizao dos empregos; e pela expanso dos indicadores de anomia e violncia, que marcam as metrpoles brasileiras contemporneas.

    Esping-Andersen (2003), examinando as reformas da Previdncia na Amrica Latina, por exemplo, levanta algumas diferenas entre as experincias europias e a dos pases dessa

    7 Expresso especialmente utilizada na literatura das cincias sociais, das dcadas de 1970 e 1980, para

    caracterizar a modernizao do campo brasileiro, assentado num progresso tcnico, na implantao de modernos complexos agroindustriais, mas sem alterao da estrutura fundiria, caracterizada por elevado nvel de concentrao da propriedade.

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    regio. Segundo ele, Quando examinamos o processo de reforma latino-americano atravs da tica do processo europeu de formatao de polticas, tanto pelo elo comum quanto pelas variaes, as questes [da reforma] parecem extremamente complicadas... Embora os problemas sejam os mesmos, as razes so bastante diferentes. E ele segue apontando as diferenas: Na Europa [de um modo geral], o objetivo da eficincia econmica dos planos

    previdencirios est subordinado ao princpio de justia e Bem-estar. Na Amrica Latina, as reformas (da dcada de 1990) parecem ter sido implantadas segundo critrios de eficincia, marcados especialmente pelas questes dos gastos pblicos, com pouca considerao com a maximizao do bem-estar.

    Na Europa, a questo resulta de um perfil dos padres demogrficos, enquanto na Amrica Latina se refere a poucos contribuintes, ou seja, diz respeito mais a mercados de trabalho problemticos que a aposentados ou pensionistas problemticos.

    Um dos problemas do desgaste dos sistemas de repartio de renda, na Europa, o crescimento sustentado do salrio real por longo prazo. Na Amrica Latina, o emprego informal prevalece, e a distribuio de renda extremamente desigual (ESPING-ANDERSEN, 2003), com tendncia, acrescento, de rebaixamento do valor do salrio real.

    Essa anlise tanto especifica as singularidades comparativas no encaminhamento da questo social e das reformas em curso, entre pases da Amrica Latina e a realidade europia, quanto revela que as opes de poltica e os sentidos da reforma esto diretamente subordinados ao quadro de foras sociais e ao contexto econmico que orientam interna e externamente a implementao de polticas.

    No plano interno, alm de fatores relativos cultura poltica e ao volume da pobreza, o carter restrito da proteo social, especialmente at final da dcada de 19808, limitada massa de trabalhadores assalariados e a persistncia de amplos contingentes de trabalhadores precarizados ou vinculados economia de subsistncia e de autoconsumo, excludos do seguro e de direitos sociais, tambm se constitui fator decisivo de iniqidade. No plano externo, a integrao do Brasil dinmica da competio internacional globalizada, especialmente na dcada de 1990, pressiona ainda mais para reduo do custo trabalho e para modelos

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    redutores de reforma da previdncia, como meio de reduo do deficit fiscal (DRAIBE, 2003). Assim, na conjuntura dos anos 1990, um conjunto de fatores atua sobre as condies de reproduo da pobreza e das desigualdades: a expanso da precarizao no mercado de trabalho; os indicadores do desemprego; a reduo dos valores de remunerao do trabalho, especialmente para segmentos que ganham acima do salrio mnimo; e a reorientao do desenho das polticas sociais de assistncia em termos de programas compensatrios de transferncia de renda. a partir, portanto, desses fatores que se pode analisar o alcance e os limites das polticas de transferncia de renda sobre os mais pobres, especialmente a partir de 2004.

    A seguir analisa-se o impacto relativo dos programas de transferncia de renda (PTR) na reduo da pobreza e da indigncia a partir da caracterizao de dois programas de transferncia de renda o Benefcio de Prestao Continuada (BPC) e o Programa Bolsa Famlia (PBF). Confrontamos essas polticas a algumas tendncias atuais sobre os indicadores de desigualdades e formao da renda, no Brasil, analisando suas repercusses sobre o padro de bem-estar social das camadas mais pobres.

    O deslocamento da perspectiva da universalidade da assistncia para a focalizao da assistncia

    A concepo da focalizao dos programas sociais

    A reorientao da poltica social, nos anos 1990, do ponto de vista da agenda liberal, se organiza fora do campo da proteo social com o objetivo de reduzir os efeitos perversos dos ajustamentos estruturais e da reestruturao produtiva, preservando-se o mercado. Esta mudana se faz pela via da focalizao da poltica social sobre os mais pobres (IVO, 2004).

    A focalizao da poltica social um conceito que se situa antes de tudo ao nvel de uma instncia instrumental e operativa, vinculada idia das despesas sociais. Focalizar estabelecer mecanismos e critrios para delimitar quem tem direito aos benefcios

    8 A partir da Constituio Brasileira de 1988 uma nova institucionalidade relativa Seguridade Social amplia a

    cobertura dos Direitos Sociais Bsicos, favorecendo particularmente os trabalhadores rurais, antes desprotegidos, as mulheres e os idosos, num piso de acesso renda do salrio mnimo.

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    institudos como subsdio pblico9. Trata-se de uma poltica destinada a domnios que no questionam a reforma estrutural. No seu desenho eles esto deslocados da dimenso institucional do seguro social. Sua operacionalizao se faz a partir da diferenciao do acesso; do incentivo ao consumo dos pobres, atravs da monetarizao e da descentralizao das aes e controle social dos programas ao nvel local. O modelo da poltica social focalizada contm, portanto, trs paradigmas: o primeiro se refere eficcia do gasto social, priorizando a ateno aos mais pobres. Esta interveno estratgica e flexvel (por princpio) permite reorientar as prioridades governamentais, quando necessrio. O segundo implica uma racionalidade econmica, pela insero dos pobres no mercado, atravs das transferncias monetrias diretas. O terceiro, de natureza social e poltica, define-se por uma concepo partilhada de responsabilidades entre Estado, municipalidades e sociedade quanto ao encaminhamento da questo da pobreza atravs de modalidades de local governance, do empowerment e da participao cidad.

    Subjacente a essa poltica de transferncia de renda existe uma idia de que o mercado de trabalho cada vez mais excludente. Desta forma a monetarizao da assistncia intervm em benefcio de uma insero no mercado, encaminhando a crise de consumo dos mais pobres, ao mesmo tempo em que amplia a dinamizao de uma economia de base popular.

    Incremento financeiro dos programas de transferncia de renda no Brasil sobre a superao da pobreza

    Observando a evoluo dos programas de transferncia de renda no Brasil, distinguimos trs programas (e etapas) da ao social que expressam formatos e/ou conjunturas distintas quanto a sua institucionalidade e aos valores relativos seguridade econmica10: (i) o Benefcio de Prestao Continuada, que se constitui em direito social bsico, de carter constitucional; (ii) um conjunto de programas sociais de transferncia de renda de carter focalizado, implantados ao final do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, mais especificamente em 2002 (Auxlio-gs, Bolsa Escola, Carto-

    9 Cf. CANDIA, J. M. Exclusion y pobreza. La focalizacion de las politicas sociales. Nueva Sociedad. Caracas, n.

    156, p. 116-126, jul./ago. 1998. 10

    Distinguir esses trs modelos e programas adverte contra algumas confuses, como a de tomar por referncia um tipo de interveno e argumentar a partir da outra, como se seus objetivos e formatos fossem os mesmos. Refiro-me, por exemplo, confuso entre programas focalizados e programas de renda mnima de cidadania, que se constituem em direitos bsicos universais.

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    alimentao, PETI, etc.); e (iii) a integrao de alguns desses programas no Programa Bolsa Famlia, que passa a uma cobertura quase total da populao desenhada pela LOAS Lei Orgnica de Assistncia Social.

    O Benefcio de Prestao Continuada, criado por essa Lei, de 1993, destina-se a deficientes e idosos (a partir de 65 anos) de famlias com renda per capita inferior a um quarto de salrio mnimo, com um valor do benefcio no patamar do salrio mnimo, ou seja, R$ 415,00, e previso de gasto mensal, em 2008, de 13, 9 bilhes de reais, o segundo maior gasto social, excluindo-se aqueles da previdncia, segundo dados do Ministrio do Desenvolvimento Social. O Programa Bolsa Famlia atende, em 2008, a um total de onze milhes e cem mil famlias com a alocao de benefcios que variam de R$ 18,00 a R$ 172,00 por famlia cadastrada com filhos at 17 anos e renda mensal at R$120,00 por pessoa, condicionando as famlias vacinao e freqncia escolar das crianas. Estima-se um gasto mensal de 10,4 bilhes de reais para o Bolsa Famlia, colocando-o em terceiro lugar na hierarquia do gasto social11.

    Como j anunciado anteriormente, esses programas de assistncia tm natureza distinta: o BPC um programa orientado para segmentos extremamente pobres e incapacitados para o trabalho (por velhice ou doena) e visa a garantir renda aos indivduos que no podem participar do mercado de trabalho e no so detentores de outros recursos para garantir-lhes a sobrevivncia. Garante uma renda de solidariedade nacional no valor do salrio mnimo e um direito social bsico de carter constitucional. A sua concepo acompanhou a perspectiva universalista da assistncia de ampliao de direitos securitrios a segmentos de pessoas no-contributivas. Neste sentido, o Brasil foi inovador e antecipou-se a implementaes de programas de renda bsica.

    O PBF um programa social focalizado sobre famlias ativas em condies de extrema pobreza ou pobreza, constituindo-se em alvio do oramento domstico. A sua sustentabilidade e implementao no tm garantia constitucional, estando condicionadas a decises de governos. Neste sentido, no se constitui em direito constitucional. O carter massivo de atendimento s famlias, no entanto, o legitima politicamente como um direito moral, pressionando efetivamente o executivo no sentido de sua manuteno e aperfeioamento. Portanto, observadas conjuntamente, cada uma dessas linhas de aes de

    11 Cf. dados da Folha de So Paulo (GOVERNO..., 2008).

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    assistncia conforma nveis de seguridade econmica, desenho institucional e impactos distintos.

    Analisando-se o impacto do Bolsa Famlia sobre os beneficirios, ao nvel dos territrios, a sua apropriao distinta, segundo a configurao da economia e a conseqente dinmica dos mercados de trabalho territorializados. Enquanto nas regies metropolitanas, onde prevalece o trabalho assalariado e protegido, o Bolsa Famlia tem carter complementar, nas regies rurais ele tem se constitudo um mecanismo significativo de acesso renda. A Secretria Nacional de Cidadania do Ministrio de Desenvolvimento Social, Rosani Cunha, por exemplo, afirma que Na regio rural, as pessoas usam o dinheiro para plantar ou criar animais. Nas grandes cidades, o seu uso mais comercial. Ela considera, no entanto, que o maior uso dos recursos destinado alimentao, vesturio e material escolar (DEPENDNCIA ..., 2008).

    Vistos em conjunto, a melhoria da renda resultante da evoluo positiva do valor do salrio mnimo SM e as transferncias de renda dos programas sociais do Estado permitiram que um nmero importante de famlias escapasse da condio da misria (indigncia) e da pobreza nos ltimos anos. Entre 2003 e 2005, observa-se uma queda contnua do nmero de pobres e indigentes12. Em 2003, segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domiclios PNAD, o Brasil tinha 27,4 milhes de indigentes, o que equivalia a 16,1% da populao brasileira, e 64 milhes de pobres, ou seja, 37,2%. Estes percentuais caem para 11,3% e 30,1%, respectivamente, em 2005, observando-se uma queda de 7,1 pontos percentuais dos pobres. Souza (2006) estima que o incremento financeiro do PBF, em agosto de 2006, significou que 4,8% das famlias atendidas ultrapassaram a linha da pobreza e 31,1% das famlias ultrapassaram a extrema pobreza.

    O estudo da FGV, coordenado por Marcelo Neri, Misria, desigualdade e poltica, tambm com base nos dados da PNAD/IBGE, mostra tendncia semelhante, embora com valores diferentes, dadas as diferenas no clculo da linha de pobreza13: a proporo de brasileiros situados abaixo desta linha caiu de 35% para 19%, de 1993 a 2006, uma reduo de

    12 Para efeito de poltica pblica considera-se como indivduo em situao de indigncia e pobreza extrema

    aquele cuja renda domiciliar per capita inferior a do salrio mnimo (renda considerada insuficiente para a garantida do acesso dirio a uma alimentao adequada); e os pobres aqueles cuja renda domiciliar situa-se abaixo do patamar de salrio mnimo (renda reconhecida como insuficiente para cobrir necessidades bsicas tais como moradia, transporte, sade e educao).

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    cerca de 50% do percentual de pobres num perodo de 14 anos. Entre 2003 e 2005 a misria, segundo o conceito desse estudo, cai 6,4 pontos percentuais, isto , passa de 28,17% em 2003 para 22,77% em 2005. Os nmeros de 2006 representam uma marca histrica desses resultados: a proporo de pessoas abaixo da linha de pobreza era 22,77%, em 2005, e cai para 19,31% em 2006.

    Conquanto os dados de reduo da pobreza e crescimento da renda em geral sejam exitosos, especialmente no ltimo ano (2006), eles no so suficientes para os objetivos mais amplos das polticas sociais e do desenvolvimento. Para estes a dimenso da vulnerabilidade no trabalho, entendida como risco permanente de cair em estado de necessidade na ocorrncia de riscos sociais como desemprego, doena ou velhice, tambm um fator importante. Em artigo anterior (IVO, 2004), mostro como a estratificao e a segmentao da assistncia deixa de fora um conjunto de pessoas que demandam assistncia, mas no integram os programas previdencirios nem os de transferncia de renda. So os informais, excludos da proteo e da assistncia os no mans land de Lautier (1999). Apesar do crescimento econmico e do emprego com carteira assinada, a taxa de vulnerabilidade14 dos trabalhadores no Brasil permanece ainda bastante elevada, da ordem de 57,21%, em 2006, afetando 51 milhes da populao economicamente ativa PEA, ainda que apresente uma reduo de 4,64 pontos percentuais em relao ao ano de 1999, quando representava 61,85% da PEA.

    Uma outra dimenso do mercado de trabalho, decisiva para os objetivos das polticas sociais, refere-se ao nvel de remunerao da fora de trabalho. A avaliao desta varivel permite observar a dimenso da segurana alimentar e econmica dos cidados, considerando o patamar das necessidades bsicas definido com base no salrio mnimo. No Brasil, em 2005, 101,7 milhes de pessoas detinham renda domiciliar per capita inferior a um salrio mnimo, e somente 76 milhes de pessoas tinham renda acima deste limite. A melhoria de renda dos mais pobres, resultante do aumento no valor de compra do salrio mnimo, constitui-se, portanto, varivel importante, de carter mais universal, repercutindo favoravelmente sobre as taxas histricas de desigualdades. No entanto, importante considerar o montante de famlias que sobrevivem no patamar dos mnimos sociais, em condies de pobreza extrema e

    13 O estudo considera como abaixo da linha da pobreza aqueles indivduos que viviam com menos de

    R$125,00/ms a preos da Grande So Paulo, em outubro de 2006. 14

    Trabalhadores que integram a populao economicamente ativa PEA sem carteira assinada e que se encontram fora dos direitos sociais do trabalho, mais os trabalhadores domsticos.

  • 14

    autoconsumo. Esta condio unifica na condio genrica de pobres categorias de sujeitos em distintas posies de ocupao (de ativos, inativos, formais e informais, rurais e urbanos). Segundo dados do MDS (SOUZA, 2006), a maioria dos chefes de famlia beneficiados pelo PBF era predominantemente de trabalhadores por conta prpria (27,1%); empregados assalariados (19,4%); desempregados (17,4%), dona de casa (14,4%) e mesmo de aposentados (8,1%), o que nos leva s seguintes concluses: (i) a maioria dos brasileiros permanece num patamar de reproduo ainda extremamente baixo para fazer frente ao custo de vida, nivelando, por necessidade e carncia, trabalhadores da ativa, inativos e mesmo beneficirios da previdncia social, ao considerar-se a renda mdia familiar per capita; (ii) o PBF contribui para o alvio do oramento domstico, mas no chega a garantir segurana alimentar (IBASE, 2008, p.8/9). O estudo do Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas (2008, p. 8/9), desenvolvido em 2007, revela que apenas 16,9 % dos beneficirios do Bolsa Famlia encontram-se em situao de segurana alimentar. Do total, mais de 54,8 % dos beneficirios apresentavam situao de insuficincia alimentar grave (20,7%) ou moderada (34,1%), o que equivale a um total de 29 milhes e 800 mil pessoas; (iii) mesmo em situaes em que os beneficiados tm acesso a benefcios previdencirios, no patamar do salrio mnimo, a solidariedade interna das famlias no suficiente para garantir segurana econmica a todos os membros das famlias.

    O efeito das polticas sociais e da Seguridade Social sobre a renda familiar

    Alguns estudos tm analisado o efeito das transferncias da Seguridade Social e dos PTR sobre a composio da renda familiar no Brasil, especialmente sobre os estratos de renda mais baixos (DELGADO, 2005; NERI, 2007). Segundo Delgado, o perodo de 1991 a 2003 expressa um declnio na participao da renda trabalho no total da renda familiar dos brasileiros, que passa de 85,3%, em 1991, para 78% em 2000, chegando, em 2003, a 73,8%, enquanto cresce proporcionalmente a participao da renda originada de transferncias resultantes da Seguridade Social e dos PTF. Esta, no mesmo perodo, mais que duplica sua participao na composio da renda familiar do brasileiro, passando de 10,2%, em 1991, para

  • 15

    22,4%, em 200315. O estudo da CPS/FGV (NERI, 2007), com base em microdados da PNAD de 2006, mostra efeitos da recuperao do mercado de trabalho sobre a renda familiar, quando a renda proveniente do trabalho passa a representar 75,8%, em 2006, 2 pontos percentuais acima de 2003, enquanto a renda proveniente da Seguridade e dos programas sociais reduz-se apenas 0,7 pontos percentuais, caindo para 21,7%16. Quando se mede a participao relativa dos programas sociais na renda das famlias dos 50% mais pobres, o percentual da renda originada de programas sociais e da Seguridade aumenta sua participao para 23%, mantendo-se a participao da renda trabalho em 75,5%, um patamar prximo do valor geral de participao do trabalho na renda das famlias brasileiras (75,8%).

    Essa evoluo demarca o efeito de duas polticas sociais distintas: (i) de um lado, a ampliao dos direitos sociais bsicos de carter constitucional17, a partir da Constituio Brasileira de 1988, como efeito da expanso de direitos a segmentos sociais no-contributivos, garantidos no patamar do salrio mnimo, num contexto de alta mobilizao e fora do movimento sindical dos trabalhadores; (ii) em seguida, a nfase em programas de transferncia de renda de carter compensatrio, a partir de 2004, como o Bolsa Famlia, cujo desenho focalizado acompanha a prioridade da agenda internacional de luta contra a pobreza e, ao mesmo tempo, demandas internas de superao da fome e das desigualdades sociais no Pas; e (iii) a recuperao e papel do mercado de trabalho na formao da renda das famlias mais pobres em 2006.

    A aplicao sistemtica da poltica de direitos bsicos na Seguridade Social, a Previdncia Rural, desde 1992, e, em menor escala, da Lei Orgnica de Assistncia Social LOAS, a partir de 2005, com a introduo do Benefcio de Prestao Continuada, protegidos por regras constitucionais no limite do salrio mnimo, mostram, segundo Delgado (2005), que depois que se aplicaram esses dispositivos da Seguridade Social houve significativa mudana para melhor no ndice de desigualdade, o que corrobora a tese de que a poltica social de carter universal desconcentradora de renda. Os dispositivos institucionais da seguridade e da assistncia ao nvel do mnimo vital (salrio mnimo) tm carter de entitlement, podendo

    15 A partir deste perodo o programa de Bolsa Famlia expandiu a sua cobertura, passando de 3 milhes de

    famlias (2003) para 11,1 milhes famlias (2006). Tambm aumenta o nmero de beneficirios do BPC a partir de 2005. Ademais, no perodo mais recente, houve uma grande recuperao do valor do salrio mnimo. 16

    Conforme tabela sobre composio da renda (NERI, 2007, p. 23). 17

    O estabelecimento da Previdncia Rural (1992-1995); a aplicao da LOAS (Lei Orgnica de Assistncia Social, 1995-1998); e o Estatuto do Idoso (2003-2004) (DELGADO, 2005).

  • 16

    ser exercidos por iniciativa do cidado, com base em legislao vigente com garantia constitucional, gozando de vinculaes oramentrias permanentes.

    Esse mesmo autor adverte tambm sobre a heterogeneidade desse impacto segundo se considerem os segmentos de trabalhadores rurais e urbanos e os setores de ativos e no- economicamente ativos dos trabalhadores. Poderamos levantar a hiptese de que essa mudana expressa, de um lado, uma ruptura na relao entre proteo e trabalho, demonstrando a eficcia de direitos sociais sobre trabalhadores no-contributivos18, e, de outro, acentua uma segmentao entre trabalhadores rurais e urbanos, atingindo desfavoravelmente o contingente ativo dos trabalhadores urbanos informais menos qualificados e desprotegidos para os quais nenhum programa de proteo foi pensado. Decompondo o ndice de Gini, com base nos Censos Demogrficos 1991 e 2000, na dcada de 1990, para segmentos de trabalhadores ativos e inativos, rural e urbano, homens e mulheres, Delgado e Theodoro (2005, p, 424) revelam que houve significativa melhoria da distribuio de renda rural e, em especial, de inativos e mulheres, em razo da extenso da Seguridade Especial Rural. Segundo os autores, os dados comparativos do ndice de Gini [...] permitem concluir que houve melhoria na desconcentrao da renda rural total (de 0,545 para 0,529) e que esta melhoria se deveu mudana significativa do ndice dos no-economicamente ativos (0,426 e 0,302), especialmente das mulheres (0,351 e 0,235). Esses mesmos dados revelam, contrariamente, que no houve desconcentrao no total da renda familiar urbana, a qual se manteve inalterada (0,608 e 0,605) e em nveis bastante elevados, mesmo considerando-se a desconcentrao favorvel dos no-economicamente ativos urbanos (0,644 e 0,591), particularmente influenciada pela renda das mulheres em geral (0,584 e 0,575) e pelas no-economicamente ativas (0,613 e 0,562), em particular. Assim, o gasto social tem carter redistributivo e seletivo, mas no altera a distribuio funcional da renda entre trabalho e capital. A renda do trabalho inverte sua posio em relao aos ativos e ao PIB nacional, conforme ser explicitado mais adiante.

    O movimento inverso, de expanso dos direitos sociais constitucionais num ambiente de dessocializao no trabalho (desemprego, precarizao), especialmente na dcada de 1990 e incio dos anos 2000, provoca uma ruptura no pilar central de formao do Estado social incompleto, construdo com base numa articulao entre trabalho, proteo e solidariedade

    18 O que pode evoluir positivamente para polticas de redes de proteo de renda bsica.

  • 17

    nacional. A tendncia da proteo como assistncia aos mais pobres segue desconectada da dinmica do mercado de trabalho, ainda que os direitos sociais associados ao trabalho e ao salrio mnimo continuem a representar, ainda hoje, a maioria dos gastos sociais de transferncia de renda. Por exemplo, os gastos sociais com a seguridade e o seguro-desemprego ocupam o primeiro e o segundo lugar na estrutura das despesas sociais, segundo dados do Ministrio do Desenvolvimento Social publicados na Folha de So Paulo (GOVERNO ..., 2008). A reorientao da assistncia via o Programa Bolsa Famlia expressa esse deslocamento, na linha de um alvio aos mais pobres entre os pobres, portanto, fora da concepo de solidariedade nacional que caracterizou a propriedade da transferncia do Estado de bem-estar social em torno do trabalho.

    Desconcentrao da renda e programas de transferncia de renda

    A desconcentrao da renda trabalho

    Um dos elementos centrais no encaminhamento da questo social a distribuio da renda. Ela expressa como a produo da riqueza nacional est repartida entre o trabalho e o capital. As polticas sociais so, portanto, mediadoras dessa transferncia de renda, com o objetivo de garantir segurana econmica e alimentar para as famlias de trabalhadores. Um dos instrumentos metodolgicos para avaliar a desconcentrao da renda o ndice de Gini19, que mede o intervalo entre a mdia dos 10% mais pobres e a mdia dos 10% mais ricos.

    Dados de desempenho da economia brasileira de perodo mais recente tm mostrado declnio desse ndice no Brasil. Estudo do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada IPEA, recentemente divulgado na imprensa20, constata que a desigualdade entre os rendimentos dos trabalhadores brasileiros ocupados reduziu quase 7% entre o quarto trimestre de 2002 e o primeiro de 2008. Nesse perodo o ndice de Gini na renda trabalho caiu de 0,543 para 0,505. O que se destaca, nesta informao, o crescimento mais generalizado da renda, particularmente nos setores mais pobres, e no uma tendncia nova do ndice de Gini. Uma

    19 ndice que mede a concentrao de renda. Ele varia de 0 a 1, sendo que quanto mais perto de 1, maior a

    desigualdade. Ao contrrio, quanto mais perto de 0, menor as desigualdades. 20

    De acordo com a entrevista de Pochmann na Agncia BBC Brasil (DESIGUALDADE..., 2008).

  • 18

    anlise deste indicador numa srie de mais longo prazo mostra uma queda constante dele, especialmente desde 2001.

    A distribuio de renda pode ser analisada, portanto, segundo duas perspectivas que se complementam, mas que, considerado o ponto de partida e a base distinta dos dados, no so necessariamente convergentes. Ou seja, pode-se observar uma melhora na distribuio pessoal da renda, principalmente com base nos dados relativos ao trabalho e s transferncias de renda de programas sociais (sobre a qual a PNAD constri os indicadores de desigualdades), e, ao mesmo tempo, uma piora ou estabilidade na distribuio dos ativos (tomando por base as Contas Nacionais do IBGE). Este o panorama mostrado na anlise das desigualdades no Brasil: h uma desconcentrao da renda trabalho dos indivduos, mas esta tendncia no se mantm ao considerarmos a queda da participao do trabalho em relao aos rendimentos de propriedade no produto interno bruto nacional. Conforme afirmou Pochmann em entrevista recente, a participao dos salrios no PIB tem se mantido estvel desde 2004, revertendo

    uma tendncia de queda verificada at ento (de 40,3%, em 1995, para 35,8%, em 2002). Os nmeros divulgados pelo IPEA (DESIGUALDADES...2008) mostram que a

    diferena se reduziu porque os ganhos de renda dos mais pobres foram quase cinco vezes maior que a recuperao da renda dos mais ricos. O estudo do IPEA divide a populao das regies metropolitanas em dez grupos de renda e mostra variaes nas mdias salariais dos ocupados para cada decil. No acumulado do perodo de 2003 a 2007, os trs primeiros decis (com mdias salariais de R$ 206,00, R$ 378,00 e R$ 422,00) tiveram aumentos salariais, respectivamente, de 21,96%, 29,91% e 15,79%, enquanto os trs decis dos mais ricos (com mdias salariais de R$ 1.159,00; R$ 1.797,00 e R$ 4.853,00) acumularam ganhos apenas de 2,3%, 2,1% e 2,6%, respectivamente21.

    A distribuio de renda e padro de desenvolvimento: algumas dimenses estruturais

    A questo das desigualdades, central no encaminhamento da questo social, no se restringe melhoria na distribuio pessoal da renda, em termos de renda trabalho, mas supe uma anlise estrutural de desenvolvimento, que implica em observar-se a propriedade de

    21 Informaes da Agncia BBC Brasil, com base em entrevista de Mrcio Pochmann (DESIGUALDADE...,

    2008). Os dados apresentam queda da desigualdade entre os rendimentos dos ocupados nas seis principais regies metropolitanas do pas, at o primeiro trimestre de 2008, produzidos pelo IPEA.

  • 19

    transferncia do Estado, considerando a participao entre ativos e o trabalho. Ou seja, diz respeito, entre outras polticas, ao desempenho tributrio. Efetivamente, no desenho do Estado social, quem estava em questo era o mercado. A formatao dos novos programas de focalizao dissociados da dinmica do trabalho significa um alvio de renda e uma insero no mercado de consumo, que podem dinamizar a economia popular, mas operam fora das reas crticas da proteo social e no necessariamente potencializam novos caminhos de integrao social.

    Muitos autores, no Brasil, preocupados com alternativas ao desenvolvimento, reconhecem potencialidades nessas transferncias, como mecanismo de dinamizao de um crculo virtuoso da microeconomia, que pode impactar sobre a economia mais ampla, como Dowbor (2008). Ele considera que fazendo o dinheiro chegar aos do andar de baixo ele se transforma em demanda de bens simples e teis, o que estimula o mercado interno, gerando, por sua vez, pequenos negcios e intensificando os grandes ao promover emprego e gerar mais demanda.

    Asseburg e Gaiger (2007) tambm reconhecem o potencial das microeconomias em diversos pases no estmulo s pequenas unidades produtivas, as quais propiciam em mdio prazo a formao de uma base produtiva dinmica, geradora de postos de trabalhos. Mas advertem, igualmente, que a erradicao da pobreza no se d pela via unilateral das aes governamentais, como os programas de transferncia, e depende de chances nas quais os indivduos afetados possam escolher e atuar como agentes sociais.

    Esse potencial criativo subordina-se, ento, percepo crtica do tipo de relao que se estabelece entre esses agentes no circuito da produo e a criao de uma cobertura de rede de proteo que integre programas distributivos e reinsero social a sistemas de previdncia social, como sugere Cohn (2003, p.74).

    Ou seja, as polticas sociais operam diferentes marcos institucionais que refletem contextos e embate de foras sociais distintas. Observando-se os resultados desses efeitos mais recentes, pode-se afirmar que o modelo de Estado social adotado no Brasil vem corroborando para um padro declinante da renda funcional do trabalho com ganhos de renda dos estratos mais baixos e menores sobre trabalhadores com estratos de rendas mdias e mais elevadas. Isto corrobora uma distribuio da renda trabalho menos desigual entre os de renda mais baixa, num contexto de concentrao geral do capital, o que significa que o conflito

  • 20

    redistributivo se d, sobretudo, entre pobres e quase pobres (trabalhadores assalariados), distinto do perodo anterior de maior desigualdade da renda entre trabalhadores, num contexto geral de maior participao da renda do trabalho na riqueza nacional.

    Consideraes finais

    Os elementos analticos trazidos neste artigo indicam algumas tendncias paradoxais no contexto contemporneo:

    1. O Brasil tem apresentado taxas inditas de queda das desigualdades sociais, medidas pelo ndice de Gini, num contexto de recuperao da economia e gerao de postos de trabalho protegidos. Esta recuperao aumenta a participao do trabalho na formao da renda das famlias, em 2006, que no chega a se equiparar ao patamar de 85% de 1991. Ademais, os programas governamentais, especialmente os programas de transferncias de renda (constitucionais e de programas focalizados), continuam representando um peso significativo e crescente para aqueles 50% mais pobres. Isto significa que apesar da recuperao geral da economia, o nvel de reproduo dessas famlias ainda depende significativamente das polticas pblicas sociais. Dentre elas, o peso da seguridade Social decisivo.

    2. Mas a questo social no diz respeito apenas renda dos mais pobres. Ela condicionada tambm pela vulnerabilidade, que sinaliza para riscos advindos da desproteo, da precarizao e do desemprego. Neste particular, ainda so bastante elevadas as taxa de vulnerabilidade da PEA no Pas, da ordem de 57%, e as taxas de desemprego. O aumento dos gastos sociais com o seguro-desemprego este ano (em decorrncia dos valores do salrio mnimo) tem levado o governo a rediscutir esses valores, em funo das prioridades de investimentos sociais.

    3. O padro da distribuio no linear, segundo se observe o tipo de programa social a que esto vinculados e o ambiente econmico em que so aplicados, com diferenas de impacto por regies, condicionadas ao padro de estruturao do mercado de trabalho e crescimento econmico. O resultado uma segmentao dos benefcios com prejuzo dos estratos de trabalhadores urbanos que no so suficientemente pobres para se constiturem beneficirios do Bolsa Famlia e nem so cobertos pelos benefcios previdencirios. So

  • 21

    os trabalhadores informais urbanos ativos, com renda familiar per capita abaixo de um salrio mnimo, que no so cobertos nem pela Seguridade social nem pelos programas sociais.

    4. A melhoria no perfil da renda que interferiu sobre as taxas mais recentes de desigualdades de renda, com base nos dados da PNAD, entre 2002 e 2006, afeta particularmente os estratos de renda mais baixos, que sofreram o impacto positivo da melhoria do salrio mnimo e dos programas de transferncia de renda. A combinao entre as garantias da poltica monetria para o capital e a nfase na focalizao das polticas sociais sobre os mais pobres, importante do ponto de vista do alvio no oramento familiar, mas segmentada e limitada quanto aos objetivos de seguridade alimentar, acaba por constranger a amplitude da redistribuio, afetando mais aos setores mdios. Desta forma, o conflito redistributivo fica mais restrito base, sustentado pelos setores mdios assalariados, expressando uma redistribuio entre assalariados protegidos, os extremamente pobres e os pobres beneficiados mais recentemente pelas polticas de transferncia de renda.

    5. Se os programas de transferncia de renda representam alvio nas condies de reproduo das famlias de indigentes e pobres, eles, no entanto, so limitados quanto aos objetivos mais amplos do desenvolvimento com eqidade. Sem dvida essas transferncias representam melhoria de condies de vida (especialmente daqueles na linha da indigncia) e dinamizam a economia popular dos pequenos municpios, mas no so potentes para alterar as relaes sociais de enormes desigualdades, reproduzindo uma massa de trabalhadores tutelados pelo Estado e mantidos na esfera do autoconsumo e da necessidade, nas formas autnomas da economia familiar urbana e rural e pelas transferncias de renda dos programas sociais (DELGADO e THEODORO, 2005). Esses exemplos reafirmam a necessidade do Brasil superar o estgio da necessidade e da

    autoreproduo dos trabalhadores e os bloqueios de sua insero produtiva e qualificada no trabalho. Mas preciso considerar que o imperativo de insero no trabalho no significa aceitar formas degradantes de emprego. A defesa do valor do trabalho e da proteo essencial como suporte de identidade da pessoa e como direitos que possibilitem a liberdade e

  • 22

    o acesso a recursos econmicos e cidadania, desde que condicionados a valores de dignidade desse trabalhador22.

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    22 Esta ressalva quer alertar conta alternativas de workfare ou imperativos compulsrios de quaisquer tipos de

    trabalho.

  • 23

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