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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE ECONOMIA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL MODALIDADE A DISTÂNCIA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO POLÍTICA DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: O reassentamento da comunidade do Araxá/Campina Grande-PB em busca da garantia do direito à moradia. Ana Luiza Severino Bezerra Pós-graduando lato sensu em Gestão Pública Municipal - UFPB Yure Silva Lima Professor da Universidade Estadual da Paraíba - UEPB RESUMO: A Política de Habitação de Interesse Social destaca-se no cenário nacional a partir do ano de 2003 quando é criado o Ministério das Cidades, avolumando consideravelmente as intervenções habitacionais. Ponderando o déficit habitacional uma demanda complexa, neste trabalho buscou-se identificar a satisfação dos beneficiários em relação à ocupação das unidades habitacionais e disponibilidade dos serviços urbanos, no bairro do Araxá/Campina Grande-PB, questionando-os sobre a utilização das áreas comuns, como vem ocorrendo a sua adaptação a nova moradia e os benefícios mais importantes do reassentamento. Este é um estudo descritivo, de cunho qualitativo, tendo como sujeitos do estudo famílias beneficiárias diretas do Projeto de Urbanização de Assentamentos Subnormais do bairro em questão. A coleta de dados se fez mediante aplicação de questionário e a definição do número de participantes correspondeu a 10% do universo de 358 famílias beneficiárias, reassentadas no período 2009-2011. Por fim, percebe-se que conquista da moradia é indispensável para o exercício da cidadania destas comunidades, mas não encerra esta trajetória, pois pensar em intervenção habitacional com efetividade requer um olhar mais amplo da realidade, passando por questões de educação, saúde, geração de trabalho e renda, entre outras, envolvendo dimensões econômicas, políticas, sociais e culturais. PALAVRAS-CHAVE: Habitação de Interesse Social. Direito à moradia. Reassentamento. 1 - INTRODUÇÃO O Brasil é considerado um país predominantemente urbano e segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), a taxa de urbanização chegou a 84,4% no ano de 2010. Este intenso processo de urbanização está relacionado com a

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL MODALIDADE A DISTÂNCIA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

POLÍTICA DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL:O reassentamento da comunidade do Araxá/Campina Grande-PB em busca

da garantia do direito à moradia.

Ana Luiza Severino BezerraPós-graduando lato sensu em Gestão Pública Municipal - UFPB

Yure Silva LimaProfessor da Universidade Estadual da Paraíba - UEPB

RESUMO: A Política de Habitação de Interesse Social destaca-se no cenário nacional a partir do ano de 2003 quando é criado o Ministério das Cidades, avolumando consideravelmente as intervenções habitacionais. Ponderando o déficit habitacional uma demanda complexa, neste trabalho buscou-se identificar a satisfação dos beneficiários em relação à ocupação das unidades habitacionais e disponibilidade dos serviços urbanos, no bairro do Araxá/Campina Grande-PB, questionando-os sobre a utilização das áreas comuns, como vem ocorrendo a sua adaptação a nova moradia e os benefícios mais importantes do reassentamento. Este é um estudo descritivo, de cunho qualitativo, tendo como sujeitos do estudo famílias beneficiárias diretas do Projeto de Urbanização de Assentamentos Subnormais do bairro em questão. A coleta de dados se fez mediante aplicação de questionário e a definição do número de participantes correspondeu a 10% do universo de 358 famílias beneficiárias, reassentadas no período 2009-2011. Por fim, percebe-se que conquista da moradia é indispensável para o exercício da cidadania destas comunidades, mas não encerra esta trajetória, pois pensar em intervenção habitacional com efetividade requer um olhar mais amplo da realidade, passando por questões de educação, saúde, geração de trabalho e renda, entre outras, envolvendo dimensões econômicas, políticas, sociais e culturais.

PALAVRAS-CHAVE: Habitação de Interesse Social. Direito à moradia. Reassentamento.

1 - INTRODUÇÃO

O Brasil é considerado um país predominantemente urbano e segundo dados do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), a taxa de urbanização chegou a

84,4% no ano de 2010. Este intenso processo de urbanização está relacionado com a

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reprodução de desigualdades sociais, expressa pela falta de acesso a equipamentos e serviços

públicos, com moradias precárias, a violência urbana, entre outros.

O déficit habitacional é uma demanda complexa a ser enfrentada pelo poder público,

visando à promoção do direito à moradia a todos os cidadãos, especialmente após a sua

inserção enquanto direito social no artigo 6º da Constituição Federal de 1988, através da

Emenda Constitucional nº. 26, no ano 2000.

A atuação do Estado na política habitacional é sistematizada no período ditatorial e

após a extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH) em 1986, suas atribuições são

transferidas para a Caixa Econômica Federal, que passa a executar a política habitacional a

partir de uma concepção financeira, não assistindo a camada populacional de 0 a 3 salários

mínimos.

Somente no ano de 2003, através da Lei nº 10.683 é criado o Ministério das Cidades e

desde então são várias as tentativas do Governo Federal e demais entes federativos em

promover melhores condições de vida para aqueles excluídos do acesso à cidade e demais

políticas públicas urbanas, através da implementação de programas/projetos de habitação,

saneamento, transporte, trânsito e planejamento territorial.

É importante atentar para o fato de que a moradia está além da construção de casas,

perpassando questões sociais, econômicas e culturais que condicionam a adaptação das

famílias beneficiárias e geram novas formas de sociabilidade. Sendo assim, a dificuldade de

adaptação no início da pós-ocupação é um fator importante a ser considerado em se tratando

da efetividade dos projetos que concorrem para a redução do déficit habitacional, visto que,

tais famílias viveram, por muito tempo, em casas maiores, apesar das precárias condições e

das áreas irregulares, sem exigências legais ou normais instituídas. Surgem novos desafios

para tal processo adaptativo, principalmente pela redução do espaço externo das moradias e

pelo uso coletivo de algumas áreas, a exemplo dos quintais e escadas. A permanência dos

beneficiários nas unidades habitacionais instiga demandas a serem pesquisadas sobre até que

ponto as necessidades financeiras ou a não identificação com a modalidade construtiva das

casas podem influenciar neste processo de adaptação às novas moradias.

Sendo assim, nesta pesquisa buscou-se identificar a satisfação das famílias

beneficiárias diretas do reassentamento do bairro Araxá/Campina Grande-PB em relação à

ocupação das unidades habitacionais e disponibilidade dos serviços urbanos, como vem

ocorrendo a adaptação dos mesmos e identificar as modificações produzidas pelos moradores

nas novas casas. Para tanto, procurou-se pontuar aspectos importantes relativos à trajetória da

Política de Habitação de Interesse Social, a importância da participação social através dos

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movimentos de moradia na implementação desta política e elementos da Política de Habitação

de Interesse Social no município de Campina Grande/PB.

Logo, afirma-se a necessidade de uma política urbana que promova a integração social

e territorial de toda a população que vive em assentamentos urbanos precários e que

ultrapasse a simples entrega da casa, mas, também difunda uma nova cultura urbana,

inclusiva, redistributiva, participativa e sustentável, para que, enfim, o déficit habitacional

possa ser enfrentado com efetividade.

2 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O reassentamento da comunidade do bairro do Araxá/Campina Grande-PB realiza-se

em busca da garantia do direito à moradia digna, integrando uma área subnormal ao conjunto

da cidade através da sua regularização urbanística e fundiária.

Nesse contexto, algumas questões se apresentam no tocante à efetividade dos projetos

que concorrem para a redução do déficit habitacional, incitando demandas a serem

pesquisadas sobre o processo de adaptação e pertencimento a estas novas moradias por parte

das famílias beneficiárias.

Sendo assim, habitar determinado espaço implica determinações sociais, econômicas e

culturais, enquanto aspectos relevantes para a operacionalização da Política de Habitação de

Interesse Social, cuja intersetorialidade com as demais políticas públicas ainda se coloca

como um desafio.

2.1 Trajetória da Política de Habitação de Interesse Social.

O direito à moradia está previsto no Art. 6º da Constituição Federal de 1988, alterado

pela Emenda Constitucional nº. 26/2000, que passou a vigorar com a seguinte redação:

“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

Contudo, há que se destacar a atuação do Estado na política habitacional, dando-lhe

diretrizes nacionais, a partir da instituição do Plano Nacional de Habitação (PNH) e a criação

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do Banco Nacional de Habitação (BNH) em 1964, cujo Sistema Financeiro de Habitação

(SFH) tinha seus recursos originados, basicamente, da arrecadação do Sistema Brasileiro de

Empréstimos e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

O BNH sistematizou a política habitacional no governo militar, como forma de conter

as tensões da área urbana que reivindicavam o direito de moradia, apresentando características

centralizadoras, como: administração autoritária; inexistência de participação na concepção

dos programas e projetos; falta de controle social na gestão dos recursos; construção de

conjuntos habitacionais como única forma de acesso à moradia; ausência de estratégias para

incorporar processos alternativos de produção da moradia, como a autoconstrução, nos

programas públicos. Dessa forma, foram realizados projetos padronizados, sem respeitar as

peculiaridades regionais e culturais, fomentou a indústria da construção civil e favoreceu

agentes financeiros através da captação de recursos do FGTS.

A segregação territorial e o espraiamento das cidades são conseqüências negativas

desse crescimento fragmentado e periférico reforçando os contrates socioespaciais, que

segundo Maia (2010) também são perceptíveis na cidade de Campina Grande-PB, cuja

periferia cresce de forma heterogênea, tanto com loteamentos fechados da população de alta

renda, como com os novos conjuntos habitacionais construídos pelo Estado para a população

de baixa renda.

Com o processo de redemocratização do país e emergência de vários movimentos

sociais, que reivindicavam inclusive moradia digna, as três esferas de governos: Federal,

Estaduais, Municipais e Distrito Federal, se viram forçadas a descentralizar e formular

estratégias para o enfrentamento da questão habitacional, utilizando recursos orçamentários

próprios e apoiados nas tradicionais práticas de mutirão.

No governo Fernando Henrique (1995-2003), são retomados os financiamentos com

base nos recursos do FGTS, e segundo Bonduki e Rossetto (2008, p. 08), os programas

focados na urbanização de áreas precárias, a exemplo do Pro Moradia, tiveram fraco

desempenho. Em 1999 é criado o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), voltado

para a produção de novas unidades habitacionais para arrendamento, inicialmente gerido pela

Caixa Econômica Federal, passando sua gestão ao Ministério das Cidades no ano de 2004.

A implementação de tais programas não influenciou na redução do déficit

habitacional, uma vez que o acesso à moradia continuou restrito aos que podiam pagar pela

aquisição da casa própria. Sobre os investimentos realizados na política habitacional durante o

governo FHC, Bonduki e Rossetto (2008, p. 08) relatam que “apenas 8,47% foram destinados

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para a baixíssima renda (até 3 Salários Mínimos) - faixa de salário onde se concentram 83,2%

do déficit habitacional quantitativo.”

Nesse período merece destaque a aprovação do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), a

principal legislação de regulação do espaço urbano que tem por objetivo ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, aprovado em 2001,

depois de 13 anos de tramitação.

A criação do Ministério das Cidades em 2003 é um marco na política urbana e nas

políticas setoriais de habitação, saneamento, transporte e planejamento territorial,

preenchendo um vazio institucional deixado pela extinção do BNH e fortalecendo a

descentralização e municipalização das referidas políticas.

O Conselho das Cidades (ConCidades) criado pelo Decreto 5.031/04, tem a finalidade

de estudar e propor diretrizes para a formulação e implementação da Política Nacional de

Desenvolvimento Urbano (PNDU), bem como acompanhar a sua execução. No ano de 2005,

o ConCidades aprova a Política Nacional de Habitação (PNH)1, quando é sancionada a Lei nº.

11.124/05, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS),

cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e institui o Conselho Gestor

do FNHIS.

Em 2007, o governo Lula (2003-2010) lançou o Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC), contemplando o setor habitacional com investimentos em infraestrutura e

estímulo ao crédito e ao financiamento, ampliando também a discussão sobre os problemas de

regularização fundiária.

O Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), lançado em 2009, pretende viabilizar

o acesso a um milhão de moradias para famílias com renda mensal de até 10 salários mínimos

e colocou a habitação de interesse social na agenda do país. Em 2011 é lançado o Programa

Minha Casa Minha Vida 2 que estabeleceu como principal meta o financiamento da

construção de dois milhões de moradias até o ano de 2014, beneficiando famílias com renda

mensal de até R$ 4.600,00, incluindo, também, a produção ou reforma de habitações rurais.

É importante reconhecer que este foi um passo importante no sentido de construir

políticas públicas destinadas a garantir o direito à habitação, contudo, é imprescindível que se

atente para a questão urbana, relacionada com a estrutura política, econômica e social,

gerando desigualdades sociais e exclusão socioterritorial.

1 Acesse a PNH na íntegra: http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/secretaria-de-habitacao/politica-nacional-de-habitacao/4PoliticaNacionalHabitacao.pdf

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O PNH já percorreu um longo caminho, mas ainda há muito que se construir. A

participação e controle social tornam-se instrumentos relevantes na gestão de tais políticas,

buscando-se um meio termo no qual crescimento econômico e desenvolvimento social

possam caminhar juntos pela garantia da equidade e justiça social.

2.2 Movimentos de Moradia: a participação social na implementação da Política de

Habitação de Interesse Social.

Estado e sociedade civil, através dos movimentos sociais, estabelecem relações

permeadas de contradições e de permanentes disputas de projetos políticos nos espaços

públicos. A mobilização pela emenda da Reforma Urbana aglomerou diversos atores sociais,

como movimentos sociais; sindicatos; associações; Organizações Não Governamentais

(ONGs); intelectuais; entre outros, gerando redes de articulação como o Fórum da Reforma

Urbana2.

A nova PNH direciona-se ao fortalecimento da cidadania, da participação e da

democracia, apresentando como um de seus princípios a gestão democrática com participação

dos diferentes segmentos da sociedade possibilitando controle social e transparência nas

decisões e procedimentos.

A defesa da participação social na política habitacional é uma das principais bandeiras

de luta da sociedade civil, com destaque para a participação na discussão e implementação

dos projetos e programas, para a criação de conselhos gestores que definam as diretrizes da

política habitacional e a destinação dos recursos nas três esferas de governo; a realização de

conferências de habitação, e também a implantação de programas autogestionários, nos quais

as associações de moradores assumem a gestão do empreendimento.

É preciso que se aprenda a pensar mais articuladamente, orientando a gestão pública

em todos os níveis, porque as demandas habitacionais deste país são complexas e históricas, e

sem vontade política, recursos e ações conjuntas bem definidas, a efetividade de quais quer

políticas públicas se tornará utópica. Dessa forma, o conceito de governança assume

importância, que segundo Azevedo (1999, p. 66) está além da capacidade administrativa do

Estado, ao passo que envolve o sistema de intermediação de interesses, onde a participação da

2 Desde fins da década de 80, congrega movimentos populares, associações de classe, ONGs e instituições de pesquisa que querem promover a Reforma Urbana, lutando pela garantia da moradia de qualidade, água e saneamento, transporte acessível e eficiente.

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sociedade civil no processo de definição, acompanhamento e implementação de políticas

públicas será decisivo para a sustentabilidade das mesmas.

Nesse contexto é que os Conselhos gestores se constituem como uma importante

experiência de participação social e espaço de gestão democrática, ampliando o debate entre

governo e sociedade em busca de eficiência e efetividade das políticas públicas.

2.3 Elementos da Política de Habitação de Interesse Social no município de Campina

Grande/PB.

O município de Campina Grande, de acordo com dados divulgados pelo IBGE, com

uma população estimada em 385.213 habitantes no ano de 2010 e apresenta uma taxa de

urbanização de 95%. Conforme dados do Diagnóstico do Setor Habitacional, realizado pela

Secretaria de Planejamento para elaboração do Plano Municipal de Habitação de Interesse

Social, no ano de 2009, o déficit habitacional corresponde a aproximadamente 16 mil novas

moradias para famílias com renda mensal entre 0 e 3 salários mínimos. A crescente demanda

por moradias é um problema em todas as regiões do país e de acordo com dados da Pesquisa

Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD, 2009), o déficit habitacional brasileiro é de 5,8

milhões de moradias.

O Termo de Adesão da Prefeitura de Campina Grande ao Plano Local de Habitação de

Interesse Social (PLHIS) foi realizado em julho de 2007, quando houve o comprometimento

de se criar o Conselho Gestor e o Fundo Municipal de Habitação, critérios para que a cidade

se habilite e possa receber os recursos dos programas federais de Habitação de Interesse

Social e de agências internacionais como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID).

O Projeto de Lei de nº 088/2009, que dispõe sobre a Política Municipal de Habitação

(PMH), cria o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (PMHIS) e institui o

Conselho Gestor do Fundo, foi aprovado por unanimidade pela Câmara Municipal.

O PLHIS é uma exigência da Lei Nº 11.124/05, que norteia a definição das estratégias,

o desenho dos programas habitacionais e as prioridades de investimentos, que devem ser

discutidas entre o governo e sociedade civil. Este é um mecanismo eficiente em direção ao

planejamento local do setor habitacional e definição de um plano de ação para enfrentar seus

principais problemas, especialmente no tocante à habitação de interesse social. No âmbito da

PLHIS são propostos programas de provisão de unidades habitacionais, urbanização de

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assentamentos precários, regularização fundiária, melhorias habitacionais e desenvolvimento

institucional.

Os órgãos governamentais que atuam na cidade em direção da diminuição do déficit

habitacional são: Companhia Estadual de Habitação Popular (CEHAP) e a Secretaria

Municipal de Planejamento (SEPLAN). De acordo com dados da Prefeitura Municipal de

Campina Grande, as metas de construção de novas unidades habitacionais no município são:

Nome do Assentamento Programa Nº de UH Sub-TotalColinas do Sol

Cehap

406

3334Três Irmãs 639Acácio Figueiredo 1143Raimundo Suassuna 813Novo Cruzeiro 333Nova Palmeira

MCMV

950

5044Bodocongó 1062Malvinas 912Fronteiras 1000Serrotão 1120Araxá

PAC

460

1088Bodocongó 472Novo Horizonte 56Jardim Europa 100Bodocongó III UCES3 100 100Pedregal HBB4 160 160Bairro das Cidades PSH/OGU5 367 367Total 10 093

Tabela 1: Metas de construção de novas unidades habitacionais no municípioFonte: Prefeitura Municipal de Campina Grande, 2010

Contudo, o que pode-se perceber é que a política municipal de habitação é formulada a

partir de um modelo centralizador, destacando a atuação dos atores políticos governamentais

em todo o processo. Dessa forma, o ciclo da política acontece de forma estanque, distanciando

e fragilizando os processos de formulação, implementação e monitoramento, o que

compromete a efetividade da política, pouco contribuindo para a efetividade das ações

voltadas à redução do déficit habitacional do município de Campina Grande.

No tocante a intersetorialidade das políticas públicas, esta não acontece, dificultando o

atendimento integrado das demandas postas pelo seu público alvo. A política de habitação

3 UCES: União Campinense de Equipamentos Sociais.4 HBB: Habitar Brasil/BID.5 PSH/OGU: Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social/Orçamento Geral da União.

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acontece com se fosse algo separado e distinto das demais políticas, sem que se atente para a

importância da integralidade das ações.

3 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa realizada trata-se de uma análise cujo objetivo é apresentar uma realidade

específica. Neste estudo serão utilizados dados quantitativos e qualitativos, dando ênfase

maior aos dados qualitativos, procurando conhecer como determinados fenômenos se

manifestam (ZANELLA, 2009).

O campo de estudo é a comunidade reassentada no bairro do Araxá, na cidade de

Campina Grande – PB, cuja ocupação irregular ocorrida a mais de vinte anos em área de

domínio público, desprovida de infra-estrutura urbana, habitações de baixo padrão

construtivo, desordenamento urbanístico, sendo área de risco, dada a proximidade da linha

férrea, além de ser cortada por um canal, cujo esgoto corria a céu aberto.

O universo de uma pesquisa, conforme Marcone e Lakatos (2002, p. 225), refere-se ao

“[...] conjunto de seres animados ou inanimados que apresentam pelo menos uma

característica em comum”. Dessa forma, o universo desta pesquisa abrange 358 famílias

beneficiárias diretas do Projeto de Urbanização de Assentamentos Subnormais residentes no

bairro da Araxá/CG, que já residem no novo Conjunto Habitacional, tendo sido reassentadas

no período 2009-2011. Em se tratando de um estudo qualitativo, a amostra da pesquisa

constará de 10% do seu universo, equivalendo a aplicação de 36 questionários, selecionados

aleatoriamente, a partir de uma lista contendo os nomes dos respectivos beneficiários,

disponibilizada pela Equipe Técnica Social responsável pela execução do Projeto Técnico de

Trabalho Social.

A coleta de dados se fez mediante a pesquisa bibliográfica, realização de visitas

domiciliares e aplicação de questionário, no mês de novembro de 2011.

O referencial teórico foi coletado a partir da pesquisa bibliográfica por permitir a

leitura de informações sobre a temática estudada, possibilitando uma posição crítica do

pesquisador. Utilizamos a investigação de caráter exploratório e descritivo, devido “os

estudos exploratórios permitirem ao investigador aumentar sua experiência em torno de

determinado problema. O pesquisador parte de uma hipótese e aprofunda seu estudo nos

limites de uma realidade [...]” (TRIVINÕS, 1987, p. 109). Também foram aplicados

questionários, constituídos por uma série ordenada de perguntas referentes ao tema de

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pesquisa, a fim de identificar a satisfação dos beneficiários em relação à ocupação das

unidades habitacionais e disponibilidade dos serviços urbanos.

De posse dos dados, foram extraídos os temas referentes aos objetivos da pesquisa e

ponderados a partir da análise de conteúdo, uma vez que, segundo Minayo (1992, p. 74)

“Através da análise de conteúdo podemos encontrar respostas para as questões formuladas e

também confirmar ou não as afirmações estabelecidas antes do trabalho de investigação”.

Corrobora-se o compromisso com a socialização dos resultados da pesquisa,

ressaltando o intuito de fornecer subsídios para a implementação de políticas públicas que

concorram para o acesso e à efetivação dos direitos sociais.

4 - ANÁLISE DE RESULTADOS

4.1 O perfil socioeconômico dos beneficiários do Projeto de Urbanização de

Assentamentos Subnormais do bairro do Araxá em Campina Grande/PB.

Os sujeitos da pesquisa corresponderam a 36 famílias beneficiadas diretamente com o

Projeto de Urbanização de Assentamentos Subnormais do bairro do Araxá, podem ser

caracterizados de acordo com o sexo e a faixa etária, sendo notável a predominância do sexo

feminino, na faixa entre 35 e 51 anos de idade, conforme a Tabela 2:

Categorias %De 18 a 30 anos

De 31 a 50 anos

Mais de 51 anos

Masculino

Feminino

33,4

47,2

19,4

22,2

77,8Tabela 2 – Sexo e faixa etária dos sujeitos da pesquisaFonte: Sistematização dos autores. Novembro, 2011

De acordo com a Síntese dos Indicadores Sociais (IBGE, 2010), de 1999 para 2009, o

número médio de pessoas na família, considerando os diversos arranjos familiares, tem caído,

destacando-se aqui as famílias mais pobres (renda mensal per capita de até ½ salário

mínimo), cujo número médio de pessoas por família chega a 4,2. Na comunidade reassentada

do Araxá tal fato se confirma, ao passo que 55,5% dos entrevistados informaram que suas

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famílias são compostas entre 04 e 06 pessoas, 38,9% são compostas de 01 a 03 pessoas e

5,6% têm famílias compostas por 07 pessoas, de acordo com a Tabela 3:

Número de pessoas %04 a 06 55,501 a 03 38,9

07 5,6Tabela 3 – Número de pessoas residentes.

Fonte: Sistematização dos autores. Novembro, 2011

Quando questionados acerca da escolaridade, percebemos que o acesso ao ensino

formal por parte dos adultos é defasado. Conforme a Tabela 4 percebe-se que 58,3% cursaram

o ensino fundamental, 22,2% chegaram a cursar o ensino médio e 19,4% informaram nunca

ter freqüentado escola.

Escolaridade %Ensino Fundamental 58,3

Ensino Médio 22,2Não alfabetizados 19,4

Tabela 4 – Escolaridade dos sujeitos da pesquisa.Fonte: Sistematização dos autores. Novembro, 2011

Em se tratando de um grupo de indivíduos em condição produtiva para o mercado de

trabalho, os mesmos sobrevivem do trabalho informal (subemprego, trabalho terceirizado,

parcial, temporário), vítimas do desemprego e da exclusão social urbana. Diante de tal fato, o

tipo de ocupação de 19,5% dos entrevistados era informal, 69,4% estavam desempregados e

11,1% eram aposentados ou pensionistas, em conformidade com a Tabela 5:

Ocupação %Desempregado 69,4

Informal 19,5Aposentado/Pensionista 11,1

Tabela 5 – Escolaridade dos sujeitos da pesquisa.Fonte: Sistematização dos autores. Novembro, 2011

Correlacionada a essa informação, a renda familiar mensal de 36,1% das famílias não

atingia um salário mínimo, 44,4% chegava a 01 salário mínimo, 5,5% estava entre 02 e 03

salário mínimos e 13,9% não souberam informar o rendimento mensal da família, de acordo

com os dados da Tabela 6:

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Tabela 6 – Rendimento mensal das famílias beneficiárias.Fonte: Sistematização dos autores. Novembro, 2011

Dessa forma, percebemos que entre os entrevistados, além das péssimas condições de

habitabilidade, acessavam precariamente os serviços de educação, saúde e trabalho, cuja

garantia de direitos sociais estava longe da sua realidade.

4.2 A adaptação e satisfação da comunidade reassentada aos novos espaços ocupados.

É importante que a cidade seja observada enquanto uma estrutura dinâmica que se

transforma historicamente, sendo uma organização socioespacial, com suas diversas partes em

constante influência mútua, sendo também palco de luta pela sobrevivência, trabalho e

moradia (PAZ e TABOADA, 2010).

O processo de reassentamento da comunidade do Araxá/Campina Grande-PB

imprimiu mudanças na forma de habitabilidade das famílias, exigindo um processo de

adaptação por parte das mesmas aos novos espaços ocupados. A maioria dos entrevistados

ainda faz relações entre a nova e a antiga moradia, referindo-se, principalmente ao tamanho

das casas e aos quintais, e também ao fato de não poderem realizar ampliações nas casas.

Neste sentido complexo de morar é que Nalin (2007, p. 96) afirma “que o cenário que envolve

o hábitat é complexo, relacional e não está atrelado somente à casa, mas estabelece outras

imagens ou outros tantos espaços”.

Compreender o significado da moradia para estas famílias está além das melhorias

objetivas como o acesso a serviços básicos de esgotamento sanitário, energia elétrica, ruas

pavimentadas ou água tratada e encanada. É importante, também, que se considerem as

significações daqueles barracos de taipa e/ou casas de alvenaria de baixo padrão construtivo,

pois elas estão carregadas pela história de vida de muitas pessoas que muito tempo não

Rendimento Mensal %01 Salário Mínimo 44,4

Menos de 01 Salário Mínimo 36,102 a 03 Salários Mínimos 5,5Não souberam informar 13,9

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conheceu outra forma de se habitar, uma vez que, “o homem projeta em seu espaço a forma

como se relaciona com o mundo, com os outros e consigo mesmo” (NALIN, 2007, p. 97).

Quando questionados sobre a utilização de áreas comuns, como a escada e o quintal,

55,6% dos entrevistados avaliaram este aspecto negativamente, pois nunca vivenciaram a

experiência de residirem um dúplex6, tendo como reclamações mais freqüentes o barulho

vindo da movimentação no 1º andar e a falta de limpeza das escadas. Os 30,5% que se

colocaram indiferentes a esta situação, argumentaram que, por residirem na parte térrea dos

duplex, não sentiram dificuldades em dividir tais espaços e os 13,9% que avaliam a utilização

das escadas e quintais positivamente pontuaram como fator importante a preservação da

antiga vizinhança.

A situação precária em que tais famílias viviam as colocava em risco cotidianamente,

além de serem privadas de serviços básicos, principalmente os de saúde e saneamento. As

famílias beneficiadas pontuam, freqüentemente, as dificuldades enfrentadas por elas,

principalmente no inverno, uma vez que, as ameaças de desabamento eram constantes, além

das péssimas condições de mobilidade dentro da área de ocupação. Sendo assim, quando

perguntados sobre os benefícios do reassentamento, por ordem de importância, os

entrevistados elegeram como melhoria mais significativa a urbanização da área, elencando os

demais na seguinte ordem:

Categorias - % 1º 2º 3º 4ºUrbanização da área 97,2 2,8 __ __Melhor estrutura da casa 2,8 52,8 33,3 11,1Facilidade de acesso aos equipamentos comunitários e

serviços públicos__ 33,3 44,4 22,2

Segurança __ 11,1 22,2 66,7Tabela 3 – Benefícios do reassentamento de acordo com entrevistados

Fonte: Sistematização dos autores, 2011

Em se tratando do tamanho das casas, para o atendimento das necessidades das

famílias beneficiárias, 63,9% delas, apesar de considerá-las pequenas, afirmam estar

satisfeitas, pois logo comparam a estrutura física da atual moradia com a antiga, normalmente

de taipa e com instalações elétricas e hidráulicas irregulares. Já 36,1% dos entrevistados

consideram que as novas casas não atendem as necessidades da sua família, seja pelo número

de pessoas residentes, seja pela impossibilidade de ampliação, condição importante para a

6Tipologia das unidades habitacionais (UHs) entregues às famílias reassentadas no bairro do Araxá/Campina Grande-PB. Constitui-se de um bloco com quatro UHs, sendo dois térreos e dois 1º andares, medindo 44,5 m2

cada unidade.

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obtenção de renda dos mesmos, visto que alguns tiveram que vender animal, carroças ou não

tem um lugar fechado para acomodarem os materiais recicláveis coletados, conforme se pode

ver na foto a seguir:

Assim, nota-se que a infraestrutura da casa associada à urbanização são fatores

determinantes no processo de adaptação dos novos conjuntos habitacionais por parte dos

moradores, principalmente quando estes não precisam ser reassentados para outras

localidades. Contudo, a falta de espaço externamente é um fator relevante neste processo.

De fato, há uma urgência no desenvolvimento de métodos e técnicas para a produção

de moradias necessárias ao enfrentamento do déficit habitacional brasileiro, bem como a

preocupação no sentido de que elas sejam erguidas com qualidade.

Mais que uma casa, as intervenções habitacionais buscam garantir o acesso a direitos

sociais e integrar assentamentos irregulares à cidade. Ter mais qualidade de vida é uma

questão unânime entre todos os entrevistados, passando por questões de segurança,

acessibilidade e condições dignas de moradia. Contudo, novas formas de morar impactam

diretamente na sua organização social, inclusive nas diversas formas como essas famílias

estabelecem sua renda familiar.

Sendo assim, a inclusão dos assentamentos precários ao tecido urbano da cidade, com

vistas à garantia do direito à moradia é um desafio tanto para o poder público, quanto para a

sociedade civil, que deve se colocar cada vez mais participativa para que suas demandas

sejam atendidas, respeitando a diversidade que lhe é inerente.

4.3 Interferências produzidas pelos moradores no ambiente construído.

Foto 1 – Materiais recicláveis acumulados.Fonte: Acervo da pesquisadora. Novembro, 2011

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Os Projetos de Urbanização de Assentamentos Precários, a exemplo do desenvolvido

no bairro do Araxá/Campina Grande-PB, cujo procedimento ocasiona a mudança de local de

moradia, apesar da pouca distância, das famílias beneficiárias, com vistas à melhoria das

condições de habitabilidade, traz à tona um processo de mudanças que, por vezes, causa

rompimentos de vínculos e alterações no cotidiano dos moradores. Tal fato incide diretamente

sobre a apropriação ou abandono das novas moradias, visto que, a partir de determinado

padrão construtivo, todas as famílias são enquadradas em um mesmo arquétipo de habitação

com os quais não estavam acostumadas, fazendo surgir a necessidade de um processo

adaptativo a nova forma de morar.

Das intervenções construtivas nas unidades habitacionais realizadas pelos moradores,

33,4% já realizaram alguma intervenção na casa, sendo que a mais comum é a construção de

muro ou cerca, apesar da Prefeitura Municipal de Campina Grande não autorizar, visto que, o

projeto original será descaracterizado. Na Foto 2 constata-se que a existência do grande

número de cercas nos fundos das casas:

Também verificamos que alguns entrevistados promoveram melhorias internamente,

como pintura, revestimento do piso com cerâmica e troca de janelas. Os outros 66,6% dos

entrevistados que não realizaram intervenção nas casas, não o fizeram por não terem

autorização e nenhum tipo de orientação para promovê-la. Contudo, todos os entrevistados

expressaram o interesse em realizar alguma ampliação para uso da própria família, sendo

prioridade a construção de mais um quarto e/ou aumento da área da cozinha. Na Foto 3 nota-

se a realização de melhorias como pintura, revestimento em cerâmica e grades no portão e

janelas:

Foto 2 – Cercas no quintal das casas.Fonte: Acervo da pesquisadora. Novembro, 2011

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Neste ponto, há uma grande insatisfação das famílias beneficiárias com relação ao

projeto, pois as mesmas não se julgam proprietárias das suas casas por não poderem adaptá-

las as suas necessidades e nem possuírem nenhum documento que comprove a sua

titularidade.

A forma como se dá o processo de adaptação de tais espaços é um aspecto relevante

para a sustentabilidade dessas novas comunidades, que apresentam peculiaridades e, portanto,

demandam ações que não somente tentem padronizá-las.

Na busca pela garantia de direitos sociais, tais intervenções habitacionais buscam

integrar ocupações irregulares à cidade. Dessa forma, é importante se atentar para questões

físicas, fundiárias e sociais, na tentativa de que tal política possa ter efetividade.

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das ponderações acerca da trajetória da Política de Habitação de Interesse

Social brasileira, alguns apontamentos de como esta vem sendo implementada e a importância

dos movimentos sociais neste processo, se pode indicar neste trabalho, algumas considerações

que se acredita serem importantes para a compreensão de alguns conceitos, construídos

historicamente, que perpassam e orientam, de forma consciente ou não, a ação diária dos

gestores públicos.

Não obstante, tem-se a clareza de que esse estudo não é ponto de partida – dada a

produção analítica acerca de tal questão – nem ponto de chegada, pois a realidade é muito

complexa e dinâmica, carregada de determinações, que configuram e reconfiguram a

totalidade social.

Foto 3 – Pequenas melhorias realizadas.Fonte: Acervo da pesquisadora. Novembro, 2011

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É notória a importância do entendimento de que a PNHIS está além da construção de

moradias para famílias pobres. Este é um direito dos cidadãos em situação de vulnerabilidade

social, que deve ser prestado com qualidade e interligado com as demais políticas públicas.

Mas, também é preciso perceber a diversidade dos sujeitos e de suas demandas que perpassam

por questões tanto objetivas quanto subjetivas que condicionam a sua adaptação aos novos

espaços ocupados, visto que habitar implica determinações sociais, econômicas e culturais,

dimensões decisivas para a sustentabilidade das intervenções habitacionais.

Com a garantia legal do direito à moradia prevista na Constituição Federal de 1988 a

política habitacional começa a tomar outros rumos em direção à desconstrução do modelo de

política mercadológica, centralizadora e autoritária que vigorou por tantos anos no país, sendo

incluída na agenda governamental e operacionalizada, com destaque para a criação do

Ministério das Cidades e do Conselho das Cidades.

Desde então, várias são as tentativas do governo federal e demais entes federativos em

promover melhores condições de vida para aqueles excluídos do acesso às cidades e demais

políticas públicas, através da implementação de programas/projetos de provisão habitacional e

urbanização de áreas irregulares.

A inclusão dos assentamentos precários ao tecido urbano, a exemplo da comunidade

do Araxá, é um desafio para o poder público e para a sociedade civil, que deve se colocar

cada vez mais participativa em busca do atendimento de suas demandas de inclusão social a

partir do acesso a moradia digna.

Fazem-se notório os ganhos de qualidade de vida com a urbanização da área e em

termos de melhores condições de acesso aos equipamentos públicos e comunitários, contudo,

há muito que se fazer em direção à sustentabilidade das famílias beneficiárias depois de

reassentadas.

Além de dificuldades na apropriação dos espaços, muitas vezes em virtude da

modalidade de construção verticalizada, da falta de espaços externos a casa ou da utilização

de espaços comuns, ainda há que se considerar que morar em uma área regular traz algumas

despesas que não faziam parte do seu cotidiano, como pagar água, luz, entre outras. Tais

fatores fazem surgir a necessidade de ações que concorram para a geração de renda da

comunidade, visando a sua sustentabilidade.

Diante do exposto é plausível perceber a relevância desse trabalho enquanto uma

oportunidade de discussão e reflexão acerca do espaço habitado, do Conjunto Araxá,

contribuindo enquanto insumos para projetos futuros da mesma natureza.

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Dessa forma, uma leitura ampla da conjuntura política, econômica, social e cultural

subsidiará uma análise mais clara acerca do processo no qual estão inseridas as políticas

públicas de proteção social brasileira, inclusive a habitacional. A reversão do quadro de

desigualdade das cidades e a construção de uma política de direitos é uma tarefa longa, lenta,

gradativa, para que a construção da equidade e justiça social possa acontecer

verdadeiramente, concorrendo para a efetividade destas ações.

________________________________________

Ana Luiza Severino Bezerra. Bacharel em Serviço Social pela Universidade Estadual da

Paraíba (UEPB/2007); Especialista em Políticas Públicas e Assistência Social

(FURNE/UNIPÊ/2010). Assistente Social na Secretaria de Planejamento da Prefeitura

Municipal de Campina Grande. E-mail: [email protected].

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