política criminal e direito penal - prof. dr. juarez cirino dos santos

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.- ZG~ XEROY VALOR A". •••••. ( PASTA (Q l r3 . PROFo. , MATÉRIA z.. g 105(13 ORIGINA •.. Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos Professor de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná DIREITO PENAL 'ParteGeral 5 a edição revista e ampliada •. Clrupo I .-conceito Móilao1f Florianópolis - 2012

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  • .- ZG~XEROY VALOR A". . (PASTA (Q l r3 .PROFo. ,MATRIA z.. g 105(13

    ORIGINA ..

    Prof. Dr. Juarez Cirino dos SantosProfessor de Direito Penal da Universidade Federal do Paran

    DIREITO PENAL'ParteGeral

    5a ediorevista e ampliada

    . Clrupo I.-conceito Milao1fFlorianpolis - 2012

  • Editora CONCEITO EDITORIAL

    S237d

    ISBN 978-85-7874-286-7

    CDU - 343"1940"

    Santos, Juarez Cirino dos

    NOTA DO AUTOR PARAA 5a EDIO

    Apresentamos aos estudantes e professores de Direito Penal eaos profissionais do Sistema de Justia Criminal a 5a edio do nossoDireito Penal- Parte Geral, revisada, atualizada e com acrscimosem vrios captulos, alm de incluir, novamente, o captulo sobre aResponsabilidade penal da pessoajurfdica, reestruturado na forma e nocontedo, com novos argumentos contra a tese incorporada na lei.

    Esta nova edio mantm as caractersticas cientficas, polticase ideolgicas que informam a ideia central do livro: somente a demo-cracia real pode reduzir a violncia estrutural e institucional de umasociedade desigual e injusta, determinando reduo proporcional daviolncia pessoal de indivduos deformados por condies sociaisadversas, insuportveis e insuperveis pelas vias normais da relaocapitalltrabalho assalariado.

    A crescente acolhida do livro por acadmicos e profissionais docontrole social justifica o esforo de apresentar o estado atual da cinciado Crime e da Pena em sua relao crtica com as teorias polticas esociais do capitalismo contemporneo.

    Jos Antnio Peres GedielJos Antnio SavarisLenio Luiz StreckMarcelo AlkmimMartonio Mont' Alverne B.LimaMichel MascarenhasRenata Elaine SilvaSamantha Ribeiro Meyer PtlugSrgio Ricardo F.de AquinoTheodoro Vicente AgostinhoVicente BarretoWagner Balera

    Conselho EditorialAndr MaiaAdriana MildartAline de C. M. Maia LiberatoCarlos Alberto P.de CastroCesar Luiz PasoldDiego Araujo CamposEdson Luiz BarbosaFauzi Hassan ChoukrJacinto CoutinhoJerson Gonalves C.JuniorJoo Batista LazzariJonas Machado Ramos

    727p.

    CatalogaonaPublicao:BibliotecriaCristinaG. de Amorlm CRB-14/898

    Direito Penal- Parte Geral! Juarez Cirino dos Santos - 5.00. - Florianpolis: Conceito Editorial. 2012.

    PresldeRteSalzio Costa

    Editor ChefeSalzio Costa

    EditoresOrides MezzarobaValdemar P.da Luz

    Assistentes EditoriaisRosimari Ouriques

    CapaJonny M. Prochnow

    DiagramaoRafael Simon

    I. Direito Penal 2. Criminologia 3. PolicicaCriminal I. Ttulo

    Curitiba, fevereiro de 2012.Proibida a reproduo total ou parcial, por qualquer meio ou processo.

    A violao dos direitos autorais punfvel como crime, previsto no Cdigo Penal ena Ler de direitos autorais (Lei nO9.610, de 19.02.199B).

    () Copyright 2012 Impresso no Brasil / Printed in Brazil

    Juarez Cirino dos Santos

    RuaFelipe Schmidt. 321 - sala 1003, Centro, CEP88010-000 - Florianpolis/SC

    Editorial: Fone (48) 3205-1300 - [email protected]

    Comercial: Fone (48) 3240-1300 - [email protected]

    www.conceitojur.com.br

    iii

  • J,

    CAPTULO 17POLTICA CRIMINAL E DIREITO PENAL

    A Poltica Criminal constitui o programa oficial de controle docrime eda criminalidade - uma definio comum em Criminologia!;o Direito Penal representa o sistema de normas que define crimes,comina penas e estabelece os princpios de sua aplicao - uma defi-nio comum em Direito Penal2 No Brasil e nos pases perifricos, apoltica criminal do Estado no inclui polticas pblicas de emprego,salrio digno, escolarizao, moradia, sade e outras medidas comple-mentares, como programas oficiais capazes de alterar ou de reduzir ascondie~ sociais adversas da populao marginalizada do mercado detrabalho e dos direitos de cidadania, definveis como determinaesestruturais do crime e da crimin:rlidade; por isso, o que d.everiaser umapoltica criminal positiva do Estado existe, de fato, como mera polticapenal negativa instituda pelo Cdigo Penal e leis complementares: adefinio de crimes, a aplicao de penas e a execuo penal, comonveis sucessivos da poltica penal do Estado, representam a nicaresposta oficial para a questo criminal3

    A poltica.penal realizada pelo Direito Penal legitimada pelateoria da pena, construda pelos discursos de retribuio do crime edepre~'enogeral e especial da criminalidade - asfunes atribudas pena criminal pela ideologia penal oficial4 A compreenso da Poltica

    I KAlSER, Krimnologie, 1993. p. 642-643.2 Comparar ROXIN, Strafrecht, 1997. ~ 1, ns. 1-2, p. 1.3 Nesse se:ltido, BARATTA, Criminologia crtica e crtica do direito penal, 1999,2' edio,p.203-204.

    4 Ver BA.RATTA. Criminologia crtica e crtica do direito penal, 1999: 2' edio, p. 191;ROXIN, Strnftecht, 1997, ~ 3, n. 1-32, p. 41-54.

    419

  • 420

    5 CIRINO DOS SANTOS, A criminologia radical, 2006, p. 99-100: "O Direito _ oua circulao - intermedidrio necessdrio da produo capitalista, no qual nada ocorre,mas pelo qual tudoi ocorre: .a ideologia jurldica da proteo. geral de sujeitos livrese iguais, vigente nd esfera do Direito-circulao-mercado, oculta a desigualdade dasrelaes coleti1!as de produo (relaes de classes), a coao das relaes econdmicassobre o tra.balhador e a explorao do trabalho pela apropriao de mais-valia, comotrabalho no remunerado. Essa relao entre aparncia (liberdade e igualdade na esferado Direito-circulao) e realidade (coao e explorao das relaesdeproa'uo) explicaas funes de mistificao (ou de representao ilusria) e de reproduo das relaessociais realizada pela ideologia: a aparncia de igualdade e de liberdade do Direito-circulao reproduz a realidade da coao e explorao das relaes de produo, queproduzem aquela aparncia. " . . .

    6. CIRINO DOS SANTOS, A criminologia radi.1I,2006, p. 128;

    Criminal - rectius, poltica penal - pressupe o estudo das fUnesatribudas pena criminal, como instrumento principal do programaoficial de controle do crime e da criminalidade.

    Mas a anlise da pena criminal no pode se limitar ao estudodas funes atribudas pelo discurso oficial, definidas como funesdeclaradas ou manifestas da pena criminal; pelo contrrio, esse estudodeve rasgar o vu da aparncia das funes declaradas da ideologiajurdica oficial, para identificar as funes reais ou latentes da penacriminal, que podem explicar sua existncia, aplicao e execuo nassociedades de classes sociais antagnicas, fundadas na relao capita/ltrabalho assalariado, que define a separao fora de trabalho/meios deproduo das sociedades contemporneas, De modo geral, as formasideolgicas de controle social possuem uma dimenso real pela qualcumprem a funo de reproduzir a realidade, e uma dimenso ilusriapela qual ocultam ou encobrem a natureza da realidade reproduzida5.No caso da pena criminal, as funes declaradas constituem o discursooficial di teoria jurdica da pena; as funes reais encobertas pelasfunes aparentes da pena criminal constituem o objeto de pesquisada teoria criminolgica da pena6

    O estudo da relao entre Poltica Criminal e Direito Penal, naperspectiva das funes declaradas ou manifestas e das funes reais ou

    Poltica Criminal e Direito Penal

    1 C 't ' A pena como retribuio do crime representa a imposio. oncel o. , , . al'd aljusto contra o mal injusto do crime, necessano para re lzar';s~U::u restabelecer o Direito8, segundo a frmula de SENE~:J ~ quia peccatum esfJ.A sobrevivncia histrica da pena r:trt.bu-~~:t _ ~ mais antiga e mais popular fUno atribuda pena cr111~m~_ arece inexplicvel para o discurso oficial: a pe~a ~omo eXpt~aodtcul abilidade lembra suplcios e fogueiras medlevais, conce~ldos

    PPurijicar a alma do condenado; a pena como compensaao ~epara , d h ano taoculpabilidade atualiza o impulso de vmgana o ser um ,d 10velho quanto o mun o , . A

    A literatura penal possui vrias explica.es par~ a sob.revlve~:da funo retributiva da pena criminal. Primeuo, a pSlcologia pop ,

    421

    7 CIRINO DOS SANTOS, Polltica criminal: realidades e iluses do discurso, penal, inDiscursos sediciosos (crime, direito e sociedade), 2002, n. 12, p. 53-57. 32

    & Ver ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 48; GROPP,NStrtec~(' 200~iJND~'101':102; ROXIN, Strafrecht. 1997, ~ 3, n, 2, p. 41. oras!. ver ,Introduo ao direito penal, 2002, p. 152-156. S tfr h

    9 SENECA, De ira, Livro 1, 16, 21 (punido, porque pecou); ver NAUCKE, tra ec t,2000, n. 139. p. 32.

    10 BRANDO, Introduo ao direito penal, 2002, y. 21 a 29.

    1.A pena co~o retribuio de culpabilidade

    1. O discurso oficial da teoria jurdica da pena

    d ' . al tambm explica a esquizofrenia do programalatentes a pena cnmm , , d doficial de Poltica Criminal realizado pelo Direito Penal nas soclel'~~satuais, marcado pela contradio entre o discurso pen~l e a rea t eda pena, que seguem direes diametralmente opostas ,

    Capitulo 17Capitulo 11Teoria da Pena

  • 422

    11 ROX1N, Straftecht, 1997, ~ 3, n. 2, p. 41.12 Ver ROX1N, Straftecljt, 1997, ~ 3, n. 5, p. 43.13 Nesse sentido; BRANDO, Introduo ao direito p~nal, 2002, p. 156-159; tambm,

    BUSATO/HUAPAYA, Introduo ao direito penal (fundamentos para um sistemapenalde"!ocrdtico), 2003, p. 207-209.

    14 ~T, Methaphysik der Sitten (1797), p. 331. Nessa passagem, a clebre hipteseda dissoluo da sociedade: "Mesmo se a comunidade de cidados, com a concordnciade todes os membros, se dissolvesse, o ltimo assassinoencontradc na priso deveria serpr:viamente executadc, para que cada um receba o valor de seufato e a culpa do sanguenao pese sobre opovo que no insistiu na punio. "

    15 HEGEL, Reehtsphilosophie (1821), ~ 99.

    evidentemente regida pelo talio, poderia ser a base antropolgica dapena retributiva: a retaliao expressa no olho por olho, dente por denteconstitui mecanismo comum dos seres zoolgicos e, por isso, atitudegeneralizada do homem, esse zoon politikon11, Segundo, a tradioreligiosa judaico-crist ocidental apresenta urna imagem retributivo-vingativa da justia divina, que talvez constitua a influncia culturalmais poderosa sobre a disposio psquica retributiva da psicologiapopular- portanto, de origem mais social do que biolgica12, Tercei-ro, a filosofia idealista ocidental retributival3 KANT (1724-1804)define a justia retributiva corno lei inviolvel, um imperativo cate-grico pelo qual todo aquele que mata deve morrer, para que cada umreceba o valor de seu fato e a culpa do sangue no recaia sobre o povoque no puniu seus culpadosl4; HEGEL (l770-1831) define crimecorno negao do direito e pena corno negao do crime - portanto,corno reafirmao do direito - e considera a justia retributiva anica digna do ser humano: criticou a teoria da coao psicolgicade FEUERBACH (l775-1833) porque no tratava o homem cornoser "dotado de honra e liberdade", mas corno um co ameaado comum basto15, Quarto, o discurso retributivo baseia-se na lei penal,que consagra o princpio da retribuio: o legislador determina aojuiz aplicar a pena conforme necessrio e suficiente para reprovaodo crime (art, 59, CP) - por essa via, o discurso retributivo alcana

    Poltica C'rimJnal e Lnrcu-u.l. C:;/."'.

    16 N. t'd tambm o Tribunal Federal Constitucional alemo (22, 132): "todaesse sen 1 o, , de I'" ROXIN

    pena criminal ,por natureza, retribuio atravs da imposio um ma ,In ,Strafrecht, 1997, ~ 3, n. 6, p. 43.

    17 ROX1N, Strafrecht, 1993, ~ 3, n. 8, p. 43-44.18 WELZEL, Das Deutsche Strafreeht, 1969, p. 138.19 ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 49-50. No Brasil, CIRlNO DOS SANTOS, A

    moderna teoria de fato punivel, 2004, p. 209-15.

    423

    Captulo 17

    .' dA' a criminal 'para a qual a pena criminal retribuioa Junspru enCl ,d. . ~ d mal

    16atravs a lmpoSlao e um '

    2 Crtica ,'urdica. A crtica jurdica da funo retributiva t~m,por, " d c lmmal'objeto a natureza expiatria ou compensatona a pena r "retribuir, como mtodo de expiar ou de compensar um mal (o cn-me) com outro mal (a pena), pode corresponde~ a uma~~r~na - e,

    dl'da constituir um ato defe' -, mas no e democratlco, nemnessa me , " d, 'fi 17 Na~oe'democrtico porque no Estado Democratlco eClentl co . ~Direito (a) o poder exercido em nome do povo - e nao em nome

    d D_ e (b) o Direito Penal tem por objetivo proteger bens

    e eus , d ~" 'fijurdicOS _ e no realizar vinganas, Por outro la o'. nao e clent~ c~porque a retribuio do crime pressupe um dado mde~onstravel.a liberdade de vontade do ser humano, pressuposta no JUizo de .cul-pabilidade _ presente em frmulas famosas corno o p~~er de a~tr de

    J d WELZEV8 _ no admite prova empmca, AsSim, aoutro moaO e' .pena como retribuio do crime fundamenta-se num dado mde-monstrve1: o mito de liberdade pressuposto na culpabilidade doautor. A impossibilidade de demonstrar a l~berda.de ~ressuposta .n,aculpabilidade determinou mudana na funao atrlbUlda culpablh-dade: a culpabilidade perde a antiga funo de funda.me~t~ da pena,que legitima o poder punitivo do Estado em face do mdlvl.du~, paraassumir a funo atual de limitao da pena, que garante ~ mdlvlduocontra o poder punitivo do Estado - uma mudana de smal dotada

    . 'fi d 1" 19de importante Slg111ca o po ItlCO . .

    Captulo 17Teoria da Pena

  • 424

    . i .20 FOUCAULT, Vigiarepunir, 1977,p.15.

    21 VerNAUCI\E, Strafrecht, 2000, p. 33-34, n. 141; ROXIN, Strafrecht, 1997, ~ 3, n: 7,p. 43; ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 51-52 e 56 5.; GROPp' St'ra.frecht,2001,p. 104-105, n. 106. No Brasil, comparar BUSATO/HUAPAYA,Introduo ao direitopenal (fUndamentos para um sistema penal democrdtico), 2003, p. 220-4.

    22 SENECA, De ira, Livro I, XIX-7 (punido, para que no peque), referindo PlATAO(427-347 a.c.) que, por sua vez, invocava PROTGORAS (485-415 a.c.): "Nam, utPlato ait, nemoprudenspunit quia peccatum est, sed nepeccetur~ VerROXIN, Stra.frecht,1997, n. 11, p. 44-45; tambm, ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 51-52 e 56 s.;GROPp' Strafrecht, 2001, n; 106, p. 34.

    1. Conceito. A funo de preveno especial da pena criminal, domi-nante nos sculos 19 e.20, atribuio legal dos sujeitos da aplicaoe da execuo penal: primeiro, o programa de preveno especial defi-nido pelo juiz no momento de aplicao da pena, atravs da sentenacriminal individualizada conforme necessrio e suficiente para preveniro crime (art. 59, CP); segundo, o programa de preveno especial de-finido 'na sentena criminal realizado pelos tcnicos da execuo dapena criminal - os chamados ortopedistas da moral, na concepo deFOUCAULT20 -, com o objetivo de promover a harmnica integraosocial do condenado (art. l, LEP).

    A execuo do programa de preveno especial ocorre em doisprocessos simultneos, pelos quais o Estado espera evitar crimesfuturos do condenado: por um lado, a preveno especial negativade neutralizao (ou inocuizao) do condenado, consistente nain capacitao para praticar novos crimes durante a execuo dapena2); por outro lado, a preveno especial positiva de correo (ouressocializao) do condenado, realizada pelo trabalho de psiclogos,socilogos, assistentes sociais e outros funcionrios da qrtopedia moraldo establecimento penitencirio - segundo outra frmula antiga:punitur, ne pecoetu,:z.2.

    Polltica Criminal e Direito PenalCapitulo 17

    425

    23 Ver KUNZ, Kriminologie, 1994, n. 19, p. 286.KUN7 K' . l"trie 1994 n 40 p 294 "Com isto, a execuo ressocializadora2"; .., rtmtno""o_, ,.,. . ., da

    .L- .t:..ndamento,alm dafinalidade de evitao da criminalttiade atravescontt:m um novo JU de . L' "melhoria" (do condenado). Por um lado, fica claro que o pensamen:o . re:soczazzaaoligado compensao dos danos colaterais da execuo da pena nao Justifica - comosemprEse verifica - manter pessoaspresasfindado na o'ucessidadede tratamento. Por outrolado, ttm tratamento custodial conforme uma terapia pseudomdica de melhora"!e~to, ~excluda: a execuo teraputica deve respeitar a autonomia pess~a~d~'preso e se lzmltar aoferta deprogramas de ajuda com base em reivindicaes voluntartas.

    2~ PILGRAM/STEINERT, Pladoyer fur bessere Grunde fur die AbschaffungderGefiingnisse, in H. Ortner (Editor), Freiheit statt Strafe. Frankfurt a. M. (1981), p.133-154.

    2f lv".tAIR, What works: nothing or everything? Measuring the ejfectiveness of sentencing, inResearch Bulletin 30 (1991), p. 3-8.

    2. Crtica jurdica. A preveno especial negativa de.neutr~iz~~o docondenado parece indiscutvel: a incapacitao selettva de llldlVlduos. considerados perigosos constitui efeito evidente da execuo da penaporque impede a prtica de crimes fora dos limites da priso23 - as-sim, a neutralizao do condenado seria uma das funes declaradascumpridas pela pena criminal.

    A crtica jurdica da preveno especial positiva falada sup~essode direitos no atingidos pela privao de liberdade, da necessIdadede respeitar a autonomia do preso e de limitar os programas de r:s-socializao a casos individuais voluntrios: afinal, o condenado naopode ser compelido ao tratamento penitencirio, o Estado no tem odireito de melhorar pessoas segundo critrios morais prprios e, enfim,prender pessoas fundado na necessidade de melhoria teraputica .. 'fi' 124lllJUStl cave .

    O reconhecimento da ineficcia corretiva da preveno especialpositiva e dos efeitos nocivos da preveno especial negativa atribu-dos pena privativa de liberdade so diludos, ~egundo PIL?~/STEINERT25 ,por frequentes declaraes simphstas de que aznda nao

    l'h d . ~ 26temos nada metJ or o que a pnsao .

    Capitulo 17Teoria da Pena

    2. A pena como preven.o especial

  • 27 I;EUERBACH, Lehrbueh des gemeinen in Deutseh/and geltenden peinliehe1i Reehts,1801 (1966, p. 38).

    28 Ver BRANDAo, Introduo ao direito penal, 2002, p. 160; BUSATO/HUAPAYA,Introduo ao direito penal (fundamentos para um sistema penal democrd#eo), 2003,p.216-217.

    29 ROXIN, Strafreeht, 1997, ~ 2, n. 38-39, p. 25.30 ]AKOBS, Strafreeht, 1993, n. 5, p. 36-37.

    1. Conceito. A funo de preveno geral atribuda pena criminaligualmente tem por objetivo evitar crimes futuros mediante uma formanegativa antiga e uma forma positiva ps-moderna.

    1.1. A preveno geral negativa aparece na forma tradicional deintimidao penal, expressa na clebre teoria da coao psicolgica deFEUERBACH (1775-1833)27: o Estado espera que a ameaa da pena.desestimule pessoas de praticarem cri~es28.

    1.2. A preveno geral positiva - tambm chamada teoria da pre-veno/integrao - surge no final do sculo 20 e pretende repre-sentar o novo fundamento do sistema penal. A base sociolgica dateoria foi desenvolvida por LUHMANN, que atribui ao Direito asfunes (a) de estabilizao do sistepla social, (b) de orientao daao e (c) de institucionalizao de expectativas normativas. Nessalinha, aparecem duas variantes: a) ROXIN29 conebe a prevenogeral positiva no contexto de outras funes declaradas da penacriminal, legitimada pela proteo de bens jurdicos, de naturezasubsidiria (existem outros meios mais efetivos) e fragmentria(proteo parcial dos bens jurdicos selecionados); b) ]AKOBSconcebe a preveno geral positiva de modo absoluto, excluindo asfunes declardas de intimidao, de correo e de retribuio dodiscurso punitivo: a pena afirmao da validade da norma penalviolada - definida como bem jurdico-penapo, categoria formal

    31 JAKOBS, StTafreeht, 1993, ns. 3-4, p. 35-36 s., ns. 7-8, p. 37-38.32 BECCARlA, Dei delitti e dellepene (1764), 1973 (reimpresso),p. 73.

    33 ROXIN, StTafreeht, 1997, ~ 3, n. 32, p. 52-53.34 ROXIN, Strafrecht, 1997, ~ 3, n. 32, p. 52-53.

    Poltica Criminal e Direito Penal

    substitutiva da categoria real do bem jurdico -, aplicada com oobjetivo de estabilizar as expectativas normativas e de restabelecer aconfiana no Direito, frustradas pelo crime31.

    2. Crtica jurdica. A crtica jurdica tem por objeto a dimensonegativa e a dimenso positiva da funo de preven~o geral da pena

    criminal. 2.1. A crtica da preveno geral negativa destaca a ineficcia .da ~me-aapenal para inibir comportamentos criminosos, conforme l~d~cama inutilidade das cruis penas corporais medievais e a noctvtdadedas penas privativas de liberdade do Direito Penal. moderno. Ali~s,afirma-se que no a gravidade da pena - ou o ngor da execuaopenal _, mas a certeza (ou a probabilidade) da punio. q~e podedesestimular o autor de praticar crimes - uma velha teona Ja enun-ciada por BECcARIA (1738-1794)32, sempre retomada como teoriamoderna pelo discurso de tericos do controle social. Alm disso, apreveno geral negativa possui dois defeitos graves: primeiro, a faltade critrio limitador da pena transforma a ameaa penal em terrorismoestatal33_ como indica a lei de crimes hediondos, essa infeliz invenodo legislador brasileiro; segundo, a natureza exemplar da pena comopreveno geral negativa viola a dignidade humana porque acusadosreais so punidos de forma exemplar para influenciar a conduta deacusados potenciais - em outras palavras, aumenta-se injustamenteo sofrimento de acusados rea~spara desestimular o comportamentocriminoso de acusados potenciais34

    2.2. O carter formal-cerebrino do discurso de integraolprevenoparece descrever um mundo irreal: a) por exemplo, a superposiode efeitos poltico-criminais de ROXIN: o efeito sociopedaggico de

    Capitulo 17Capitulo 17Teoriada Pena

    3. A pena como preveno geral

    426427

  • 4. As teorias unificadas: a pena como retribuio epreveno

    1.Conceito. As,teorias unificadas da pena criminal conjugam as teo-rias isolatias com o objetivo de superar as deficincias particulares decada teoria, mediante fuso das funes declaradas de retribuio, depreveno geral e dt;preveno especial da pena criminal39.Ento, a penarepresentaria (a) retribuio do injusto realizado, mediante compensao

    exerccio em fidelidade jurdica produzido pela atividade da justiapenal; o efeito de aumento da confiana do cidado no ordenamentojurdico pela percepo da imposio do Direito; o efeito de pacifi-cao social pela punio da violao do Direito e, portanto, soluodo conflito com o autoc35; b) mais grave o formalismo abstrato dalinguagem hermtica de JAKOBS: a preveno geral positiva comodemonstrdo de validade da norma, necessria para reafirmar as ex-pectativas, normativas frustradas pelo comportamento criminos036,seria exerccio de confiana na norma (saber o que esperar na interaosocial), de fidelidade jurdica (reconhecimento da pena como efeitoda contradio da norma) e de aceitao das consequncias jurdicas(conexo do comportamento criminoso com o dever de suportar apena)37- na verdade, postulados do contrato social do sculo 18, comaceitao das normas sociaiS na qualidade de membro da sociedade eaceitao da punio na qualidade de infrator das normas sociais38.

    Politiea Criminal e Direito PenalCapitulo 17

    ou expiao da culpabilidade, (b) preveno especial positiva mediantecorreo do autor pela ao' pedaggica da execuo penal, alm depreveno especial negativa como segurana social pela neutralizaodo autor e, finalmente, (c) preveno geral negativa atravs da intimi-dao de criminosos potenciais pela ameaa penal e preveno geralpositiva como manuteno/reforo da confiana na ordem jl!rdica etc. 40.

    Atualmente, as teorias unificadas predominam na legislao,na jurisprudncia e na literatura penal ocidental. Por exemplo,o CP alemo adta as teorias unificadas da pena criminal: o ~ 46do Strafgesetzbuch define culpabilidade como fundamento da pena(retribuio), determinada conforme os efeitos esperados para a vidafutura do autor na comunidade (preveno especial); o ~ 47 mencio-na o objetivo de defesa da ordem jurdica (preveno geral)41- nessesentido, o Tribunal Constitucional alemo atribui pena criminal afuno absoluta de retribuio da culpabilidade, assim como as funesrelativas de preveno do crime e de ressocializao do delinquente42.No Brasil, o CP consagra as teorias unificadas ao determinar a apli-cao da pena "conforme seja necessrio e suficiente para reprovao epreveno do crime" (art. 59, CP): a reprovao exprime a ideia deretribuio da culpabilidade; a preveno do crime abrange as moda-lidades de preveno especial (correo e neutralizao do autor) e depreveno geral (intimidao e manuteno/reforo da confiana naordem Jurdica) atribudas pena criminal.

    Em outra perspectiva, essa trplice funo atribuda penacriminal corresponderia aos trs nveis de realizao do Direito Pe-nal: a funo de preveno geral negativa corresponde cominaoda ameaa penal no tipo legal; a funo de retribuio e a funo de

    CapiTUlo 17Teoria da Pena

    35 ROXIN, Strafteeht, 1997, ~ 3, n. 27, p. 50-SI.36 ]AKOBS, Strafteeht, 1993, n. 6, p. 7.37 ]AKOBS, Strafreeht, 1993, ns. 15 e 16, p. 13.38 FOUCAULT, Vigiar epunir, 1977, p. 69-76.39- EBERT, Strafreeht, 2001, p. 235.

    428

    40 HASSEMER, Einfilhrung in die Grundlagen des Strafreehts, 1990, p. 325; NAUCKE,Strafrecht, 2000, n. 142, p. 34 e ns. 33-43, p. 53-57, ns. 33-43; EBERT, Strafreeht,2001, p. 235.

    41 Ver WESSELS/BEULKE, Strafteeht, 2000, 30' edio, ~ 1, I, 4, n. 12, p. 4.42 BUNDESVERFASSUNGSGERICHT, Deciso 45, 187,253.

    429

  • 430

    II O discurso crtico da teoria criminolgica da pena

    43 Ver, por exemplo, EBERT, Strafrecht, 2001, p. 236.44 ZAFFARONI/BATISTNALAGWSLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, p. 114.45. ROXIN, Strafrecht, 1997, ~ 3, n. 35, p. 54; comparar EBERT, Strafrecht,2001, p. 235.

    Poltica Criminal e Direito Penal

    A) A crtica negativa! agnstica da pena criminal

    1. A teoria negativa/agnstica da pena criminal tem por fundamentomodelos ideais de estado de polcia e de estado de direito, coexistentes no

    46 ZAFFARONI/BATISTNALAGWSLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003.47 Ver CIRINO DOS SANTOS, A criminologia radical, 2006, p. 128: 'i'! Criminologia

    Radical distingue objetivos ideol6gicos aparentes do sistema punitivo (represso dacriminalidade, controle e reduo do crime e ressocializaodo criminoso) e objetivosreais ocultos do sistema punitivo (reproduo das relaes de produo e da massacriminalizada), demonstrando que o fracasso hist6rico do sistema penal limita-se aosobjetivos ideol6gicos aparentes, porque os objetivos reais ocultos do sistema punitivorepresentam xito hist6rico absoluto desse aparelho de reproduo do poder econmico epoltico da sociedadecapitalista. "

    48 PASUKANIS, Teoriageral do direito e o marxismo, 1972.49 RUSCHE/KIRCHHEIMER, Punishment and social structure, 1939.

    50 MELOSSI/PAVARINI, Cdrcely jdbrica, 1980.51 BARATIA, Criminologia critica e critica do direito penal, 1999.52 FOUCAULT, Vigiar epunir, 1977.

    431

    diferentes: a) a teoria negativa/agnstica da pena, fundada na dicotomiaestado de direito/estado de polcia, elaborada pelo trabalho coletivo deRAL ZAFFARONI e NILO BATISTA46(com a contribuio atualde A. ALAGIA e A. SLOKAR); b) a teoria materialista/dialtica dapena, fundada na distino entre funes reais e funes ilusrias daideologia penal nas sociedades capitalistas47,desenvolvid:\pela tradiomarxista em criminologia, formada por PASUKANIS48, RUSCHEIKIRCHHEIMER49, MELOSSIIPAVARINPo e BARATTA51- paracitar os mais conhecidos -, com a contribuio relevante do estrutu-ralista FOUCAULT52.

    Captulo 17Captulo 17

    o discurso crtico da teoria criminolgica da pena produzidopor 1uas teorias principais, com propsitos comuns, mas mtodos

    preveno geral positiva correspondem aplicao judicial da pena;as funes de preveno especial positiva e negativa correspondem execuo penal43.2. Crtica jurdica. Os defeitos das teorias isoladas no desaparecemnas teorias unificadas da pena criminal, com a reunio das funes (a)de compensar ou expiar a culpabilidade, (b) de corrigir e neutralizar ocriminoso, e (c) de intimidar autores potenciais e de rnanter/reforara confiana no Direito. Por outro lado, a admisso de diferentes fun-es da pena criminal, mediante cumulao de teorias contraditriase reciprocamente excludentes, significa adotar uma pluralidade dediscursos legitimantes capazes de racionalizar qualquer punio pelaescolha da teoria mais adequada para o caso concreto44.

    A crtica pode ser sintetizada em dois argumentos: primeiro, ofeixe de funes conflitantes das teorias unificadas no permite superaras debilidades especficas de cada funo declarada da pena criminal- ao contrrio, as teorias unificadas significam a soma dos defeitosdas teorias particulares; segundo, no existe nenhum fundamentofilosfico ou cientfico capaz de unificar concepes penais fundadasem teorias contraditrias, com finalidades prticas reciprocamenteexcludentes45.

    Teoria da Pena

  • 53 ZAFFARONIIBATISTNAlAGWSLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, p.~4-95.

    54 WFARONI/BATISTNAIAGWSLOKAR, Direito penal brasileiro,2003, p. 94 e 99.55 ZAFFARONIIBATISTNAlAGWSLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, p. 94~95

    e 100.

    56 ZAFFARONIIBATISTNAIAGWSLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, p. 99 e108-109.

    57 ZAFFARONI/BATISTNAlAGWSLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, p. 109.

    interior do Esta~o moderno em relao de excluso recproca53 assimsintetizados: .

    a) o modelo ideal de estado depolcia caracteriza-se pelo exercciode poder vertical e autoritdrio e pela distribuio de justia substancia-lista de grupos ou classessociais, expressiva de direitos meta-humanospaternalistas, que suprime os conflitos humanos mediante as funesmanifestas positivas de retribuio e depreveno da pena criminal, con-forme a vontade hegemnica do grupo ou classe social no poder54;

    b) o modelo ideal de estado de direito caracteriza-se pelo exercciode poder horizontalldemocrdtico e pela distribuio de justia procedi-mental da maioria, expressiva de direitos humanos .fraternos, que resolveos conflitos humanos conforme regras democrticas estabelecidas comreduo ou limitao do poder punitivo do estado de pollcia55. . ,

    2..D.o po~to de vista. cientfico, a teoria negativa/agnstica da penacnmmal e, ;mtes e aCima de tudo, lima teoria negativa das funesdeclaradas ou manifestas da pena criminal, expressas no discurso oficiald~ ~etribuio e de preveno geral e especial (positivas e negativas),rejeitadas como falsas pelos autores56 - que recuperam conceito deTO,~IAS BARRETO para definir pena criminal como ato de poderpoltttco correspondente aofundamento jurdico da guerra5;';em segun-do lugar, uma teoria agnstica das funes reais ou latentes da pena

    51 ZA.FFARONIIBATISTNALAGWSLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, p.99-100: "Trata-se de um conceito de pena que negativo por duas razes: a) no concedequalquer fUno positiva pena; b) obtido por excluso (...). agnstico quanto suafUno, pois confessa no conhec-la. "

    51 ZAFFARONIIBATISTNALAGWSLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, p.108-109 e 110-112.

    6.1 ZAFFARONI/BATISTNALAGWSLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, p.99-103 e 108.

    Poltica Criminal e Direito Penallpltulo 17

    criminal porque renuncia cognio dos objetivos ocultos da penacriminal, que seriam mltiplos e heterogneos58.

    3. Do ponto de vista poltico-criminal, a teoria negativa/agnsticada pena tem por objetivo ampliar a segurana jurdica de todos oshabitantes mediante reduo do poder punitivo do estado de polciae correspondente ampliao do estado de-direito, pdo~reforo do po-der de deciso das agncias jurdicas59 - fundado em conceito nticolimitador do sistema punitivo -, capazes de limitar, mas incapazesde suprimir o estado de polcia, cujo poder maior transcenderia apena criminal para vigiar, registrar e controlar ideias, movimentose dissidnciasG.

    4. O objetivo de conter o poder punitivo do estado de polcia intrnsecoem todo estado de direito, proposto pela teoria negativa/agnstica dapena criminal- produzida pela inteligncia criativa de EUGENIORAL ZAFFARONI e de NILO BATISTA, comprometidos com ademocratizao do sistema punitivo na periferia do sistema poltico-econmico globalizado -, justifica a teoria negativa/agnstica da penacriminal como teoria crtica, humanista e democrtica do DireitoPenal, credenciada para influenciar projetos de poltica criminal e aprtica jurdico-penal na Amrica Latina. Afinal, definir pena comoato de poder poltico, atribuir pena o mesmo fundamento jurdico.da guerra e rejeitar como falsas as funes manifestas ou declaradas da

    Capitulo 17Teoria da Pena

    432 433

  • 434

    61 ZAFFARONIIBATISTNALAGWSLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, p.. 98-100 e 108-109.

    pena criminal significa ruptura radical e definitiva com o discurso delei e ordem do poder punitiv061

    5. Assim, (a) considerando o humanismo filosfico e os objetivospoltico-criminais democrticos da teoria negativa/agnstica da penacriminal, (b) agindo com a perspectiva declarada de ampliar a con-vergncia terica e metodolgica entre a teoria negativa/agnstica e ateoria materialista/dialtica da pena criminal, e (c) levando em contaque nenhuma teoria cientfica nasce acabada do cerebro humano, masadquire status cientfico. pelo debate crtico coletivo, parece recomen-dvel fazer os seguintes comentrios complementares:

    5.1. Do ponto de vista conceitual, o componente negativo da teo-ria negativa/agnstica da pena criminal, como rejeio das funesdeclaradas ou manifestas atribudas pena pelo discurso oficial, po-deria ser assumido pela teoria materialista/dialtica da pena - quepesquisa as dimenses de realidade e de iluso da ideologia penal nassociedades capitalistas - porque tem por objeto a dimenso ilusriada ideologia penal; mas o componente agnstico do conceito, comorenncia de cognio das funes reais ou latentes do sistema penal,na medida em que indica desinteresse cientfico sobre realidadesocultas por detrs da aparncia de instituies sociais, parece rompercom a tradio histrica da Criminologia Crtica - nesse caso, emcontraste com a inegvel natureza crtica do trabalho intelectual dosautores, que explicam a represso penal pela seletividade fundadaem esteretipos desencadeados por indicadores sociais negativos depobreza, marginalizao etc.

    5.2. Do pOlito de vista metodolgico, a teoria negativa/agnstica dapen~ criminal descarta o conceito de modo de produo da vida social- qe define a articulao de foras produtivas materiais (homens etecnologia) em determinadas relaes de produo histricas (no caso,

    Poltica Criminal e Direito Penal

    435

    62 CIRINO DOS SANTOS, A criminologia radical, 2006, p. 129: '/I. categoria geralexpliativa do Direito, capaz de esclareceras relaesentre a ~parncia e,a rea~idadedesuasfunes, o conceitode modo de produo da vida matenal: a!rotea~ ~ Igualdadena esfera de circulao esconde a dominao poltica e a exploraa.oecono"!lc~ de cta:sena esfera de produo. O Direito, como relaosocial objetiva, re~lzzafunoes ~o~tt.ca:aparentes de proteo da igualdade e da liberdade efu.nes reaISocultas rJ: mstltulaoe reproduo das relaes sociais de produo: a deSIgualdade das relaoes de classes

    Captulo 17

    I ~ . al/trabalho assalariado) nas quais se manifesta a luta dea re aao caplt ' Aclassesda formao social - como mtodo de anlise do~ fenomenos

    ..' sociais, o que explicaria a relativa abstrao dos conceitos ~e Es:a-do, de poder poltico e de pena criminal, carentes de determmaoeshistricas concretas: o Estado parece independente da estrutura ~eclassesda sociedade civil (mais no original argentino do que na versaobrasileira, em que o conceito de classe social introduzido por NILOBATISTA); o poder polftico do Estado parece isolado da l~ta de ctas.:es

    na estrutura econmica da relao capital/trabalho assalanado - alla~,o conceito de luta de classes seria o melhor argumento para a analogiaentre pena e guerra, assumida pelos autores; e a pe~a .criminal parecediluda na coero oficial mediante privao de dtrett~s ~u dor, s~midentificar apriso ,como modalidade especfica de pumao das sOCIe-dades capitalistas.5.3. Finalmente, do ponto de vista das formas jurdicas do poderpoltico da relao capital/trabalho assalariado, a pura e simples nega-o das funes declaradas ou manifestas e a atitude agnstica em fa~edas funes reais ou latentes da pena criminal- que define~ a teo:lanegativa/agnstica da pena criminal-, parecem cancelar as dlm~nsoesde realidade e de iluso das formas ideolgicas de controle SOCialdassociedades de classes sociais antagnicas, com o abandono da crticacriminolgica fundada na dialtica das funes declar~ ou manifestasda ideologia penal- que legitimam o discurso ofiCial sobre cnme econtrole social- e das funes reais ou latentes do sistema penal- quegarantem as relaes sociais fundadas na separao fora de trabalho/meios de produo das sociedades capitalistas62

    Captulo 17Teoria da Pena

  • 1. A pena como retribuio equivalente do crime

    B) A crtica materialista! dialtica da penacriminal

    (explorao) e a coao das relaes econmicas (dominao) o contedo institudo ereproduzido pela forma livre e igual do Direito. "

    63 PASUKANIS, Teoria geral do direito e o marxismo, 1972, p. 203.

    Poltica Criminal e Direito PenalCaptulo 17

    da ordem social capitalista64. A sntese do materialismo histrico foiformulada por MARX n'o clebre Prefdcio de 1859, que apresentao mtodo de estudo das formaes sociais modernas. Segundo essaconcepo, o Direito e o Estado no podem ser compreendidos porsi mesmos, mas pelas relaes da vida material da sociedade civil, cujaanatomia representada pela economia poltica. Na: produo da vidasocial, os homens entram em relaes de produo determinadas e ne-cessrias, cujo conjunto constitui a estrutura econmica da sociedade,a .base real sobre a qual se elevam superestruturas jurdicas e polticas,e qual correspondem determinadas formas de conscincia social. Omodo de produo da vida material condiciona os processos da vidasocial, poltica e intelectual, em geral: no a conscincia dos homensque determina o ser, mas o ser social que determina a conscincia. Oconceito de modo deproduo contm a dialtica de foras produtivas erelaes de produo: a princpio, as relaes sociais de produo - ourelaes de propriedade - correspondem s foras produtivas mate-riais (homens, tecnologia e natureza), mas em determinado estgiode desenvolvimento as [oras produtivas entram em contradiocom as relaes de produo, que se transformam em entraves ao seudesenvolvimento, abrindo um perodo histrico de revoluo social.Nesses perodos de transformao histrica deve-se distinguir a mu-dana das condies econmicas de produo, que permitem verificaocientfica rigorosa, por um. lado, e a alterao das formas ideolgicas,juridicas e pollticas pelas quais os homens definem e disciplinam osconflitos sociais, por outro lado. Essas pocas histricas no podemser avaliadas por sua conscincia jurdica, poltica ou filosfica, maspelas contradies da vida material, constitudas pelo conflito entreforas produtivas e relaes de produ065.

    3.A explicao materialista da retribuio equivalente da pena criminal,com o emprego de categorias cientficas desenvolvidas para explicar

    64 MARX, Anti-Duhring, 1876, p. 78.6S MARX, -:;ontribuiopara a crtica da economia poltica (Prefcio), 1973.

    Captulo 17Teoria da Pena

    1. O discurso crtico da teoria mate~ialista/dialti~a pretende revelara n~tu~e:a rea~ da pena criminal nas sociedades contemporneas: aretr~bu1ao equwalente- contrariamente ao que pensa a crtica jurdica- ~ao represent~ resqucio metafsico de expiao do mal injusto doc:Ime pelo mal Justo da pena (como pretendem tericos dapreven-~o), nem se reduz ao argumento antropolgico de sobrevivncia davmgana retaliatria no psiquismo h~mano, nem pode ser explicadapor argumentos filosficos do tipo imperativo categrico ou dignidadedo ser humano, assim como no se confina aos argumentos legais dapena necessria e suficiente para reprovao do crime. A teoria cri-minolgi~a materialista/dialtica introduz uma explicao poltica daem~rgncia histrica do conceito jurdico-econmico da retribuioequwalente, como fenmeno socioestrutural especfico. das socieda-des capitalistas: a funo de retribuio equivalente da pena criminalcorresponde aos"fundamentos materiais e ideolgicos das sociedadesfundadas ~a relao capital/trabalho assalariado porque existe comofor~a de equival~cia juridica fundada nas relaes de produo dasSOCIedadescontemporneas63.

    2. A teoria materialista/dialtica da histria parte do princpio deque;a produo e a circulao de mercadorias o fundamento material

    436437

  • a relao capital/trabalho assalariado das sociedades capitalistas, foiinaugurada por PASUKANIS em A teoria geral do direito e o marxismo(1924), que inicia uma tradio de pensamento crtico em teoria jur-dica e criminolgica, na qual se inserem contribuies fundamentaisda teoria marxista sobre crime e controle social.

    Nessa tradio crtica, RUSCHE/KIRCHHEIMER, emPunishment and social structure (1939)66, formulam a tese de quetodo sistema de produo tende a descobrir punies que correspondem ssuas relaes produtivas, demonstrando a relao mercado de trabalho/sistema de punio: o trabalhador integrado no mercado de trabalho controlado pela disciplina do capital, enquanto o trabalhador fora domercado de trabalho controlado pela disciplina da priso. Igualmente,FOUCAULT, em Surveiller etpunir (1975), define o sistema punitivocomo fenmeno social concreto ligado ao processo de produo, menospelos efeitos negativos de represso e mais pelos efeitos polticos positivosde dominao/ explorao - uma econonzla poltica do corpo programadapara produzir corpos dceis e teis como disciplina da fora de trabalh067-, cujo xito histrico aparece na gesto diferencial da criminalidade,com represso das camadas sociais subalternas e imunidade das elitesde poder econmico e poltico da sociedade capitalista68 Na mesmapoca, MELOSSI/PAVARINI, em Cdrcere e jdbrica (1977)69, defi-nem a relao cdrcere/fdbrica como a matriz histrica do capitalismo,demonstrando que as relaes de trabalho da fbrica, principal insti-tuio da estrutura social, dependem da disciplina do sistema penal,principal instituio de controle social do capitalismo, para mantere reproduzir as relaes sociais de dominao/explorao de classe: a

    priso produziria um novo tipo humano, o chamado cap~tal varidvel_ capaz de produzir um valor superior ao seu preo de mercado -,representado pelo trabalho assalariad070 Finalmente, BARATTA, emCriminologia crtica e crtica do direito penal (1986)71, integra as contri-buies da tradio materialista! dialtica em uma c~ncepo unitriade Criminologia Crtica para a sociedade capitalista: mostra a funode reproduo social do sistema penal e prope uma politica criminalalternativa de reduo do Direito Penal desigual e de ampliao dademocracia real, cujo significado poltico aparece na perspectiva deabolio do sistema penal, condicionada superao do capitalismocomo modo de produo de classes.

    4. A estrutura material das relaes econmicas do capitalismo baseia-se no princpio da retribuio equivalente em todos os nveis da vidasocial: do trabalho pelo saldrio na produo social de bens ou servios- apesar da expropriao de mais-valia; da mercadoria pelo preo nadistribuio social de bens ou servios - no obstante o lucro etc.Logo, as formas jurdicas das relaes de poder da formao socialinstituem a retribuio equivalente, no mbito da responsabilidadecivil, por exemplo, sob a forma do contrato, da indenizao etc.; nombito da responsabilidade penal, a retribuio equivalente insti-tuda sob a forma da pena privativa de liberdade, como valor de trocado crime medido pelo tempo de liberdade suprimida72 A retribuioequivalente, como valor de troca do crime nas sociedades capitalistas,est ligada ao critrio geral do valor da mercadoria, determinadopela quantidade de trabalho social necessrio para sua produo: o

    Politica Criminal e Direito PenalCapitulo 17Capitulo 1~Teoria da Pena

    66 RVSCHE/KIRCHHEIMER, Punishment and social structure, 2003, p. 5: "Everysystem of produ.::tion tends to discover punishments wich correspond to its productiverelationships':

    67 FOUCAULT, Vigiar epunir, 1977, p. 26-32 e 125-152.68 FOUCAULT, Vigiar epunir, 1977, p. 244-248.

    69 MELOSSIIPAVARlNI, Crcel y fdbrica (los origenes dei sistema penitenciario), 1980.

    438

    70 MELOSSI, Punishment and social structure, in Crime and socialjustice, 9, p. 73-85.71 BARATTA, Criminologia critica e critica do direito penal, 1999,2" edio.

    72 PASUKANIS, Teoriageral do direito e o marxismo, 1972, p. 202: '~pena proporcionaCt culpabilid.tde representa fundamentalmente a mesma forma que a reparaoproporcionaCt ao dano. (. ..) Esta forma est inconscientemente, mas profunCtmente,ligada representao do homem abstrato e do trabalho humano abstrato mensurvelpelo tempo. "

    439

  • 440

    73 Ver CIRINO DOS SANTOS, A criminologia radical, 2006, p, 87: ~ definio dapena como forma salrio" da privao de liberdade, baseada no '~'alorde troca"do tempo,formulada por Foucault - e, antes dele, por Rusche e Kirchheimer -, aparece ainda maisclaramente em Pasukanis, ao indicar a "medida de tempo" como critrio comlJ,mparadeterminar o valor do trabalho na economia e a privao de liberdade no Direito. "

    74 PASUKANIS,A teoriageral do direito e o marxismo, 1972, p. 202: "Paraque a ideia dapossibilidade de reparar o delito atravs de um quanrurn de liberdade tenha podido nascerfoi preciso que ~odasas;formas concretas da riqueza social tivesseinsido reduzidas maisabstrata e mais simples dasformas, ao trabalho humano medido pelo tempo, "

    75 Essa correlao foi observada por tericos tradicionais, como KELSEN, Algemeinelheorie der Normen, 1990, p. 109-110: 't imtituio de sanes comequncia doemprego do ..decisivo principio da retribuio para a vida comunitdria. Pode ser assimformulado: se um membro da comunidad se comporta de modo lesivo a interesses dacomunidade, deve serpunido, ou seja, deve ser-lhe imposto um mal; se ele se comporta demodo a promover interessesda comunidade, deve ser recompemado, ou seja, deve ser-lheatribui do um bem. Oprincipio da retribuio exprime oprincipio deJustia da igualdade:igual por igua~ bem por bem, mal por mal Como oprincipio do talio: olho por olho,dente por dente. "

    tempo mdio de dispndio de energia produtiva, segundo MAJU(73.A Importncia da teoria de PASUKANIS est em situar a retribuioequivalente no fecho da transio his.rica do "sujeito zoolgico" davingana de sangue para o "sujeito jurdico" da pena proporcional: atroca igual exclui a vingana posterior, primeiro pelo talio, mais tardepela composio e, finalmente, consolida-se como retribuio equivalentemedida pelo tempo de liberdade suprimida - conforme o critrio devalor da sociedade capitalista74,

    5. A concepo de pena como re';'ibuio equivalente da sociedadecapitalista, no sentido de valor de troca que realiza o princpio daigualdade do Direito, corresponde lgica da troca de fora de tra-balho pelo equivalente salarial no mercado, que reduz toda riquezasocial ao trabalho abstrato medido pelo tempo, o critrio geral do valorna Economia e no Direito75 Por um lado, a pena como retribuioequivalente representa o momento jurdico da igualdade formal, queoculta a submisso total da instituio carcerria, como aparelho dis-ciplinar exaustivo para produzir sujeitos dceis e teis, que configura

    Poltica Criminal e Direito Penal

    441

    --------~. -:- . 1972 P 163-183,76 PASUKANIS, Teoriageral do direito e o marxIsmo, ,.

    'b' de roletrios' por outro lado, o salrio comoo ~ce~e ~comoj l rtca do ~rabalho, ~a relao jurdica entre sujeitosretnbu:.ao equwa ente d lt a del'gualdade real do processo"", . " merca o ocu a ""livres' e 19UalS no , , _ de mais-vaLia significa retribuiode produo, em q~e a e~pr~~r::;:~hador ao capitalista significa de-desitu;al.e a SUL bdordma,aodapela coao das necessidades econmicas,pendencta rea, etermma , , 76 ~

    fi ram a fbrica como crcere do operano ,que con gu , , al' _. inaLcom a mercadoria na SOCiedadecaplt lS

    6, A analogia da pena crtm d' _ de va 'or de uso da mercadoria: sed' l' bm a imensao l,ta po e mc Uir, tam, , t' 1 d PASUKANIS

    o valor de troca da pena criminal eXiste, na ormu a e da en~

    como retrib.ui~~o equivaLen~:~eCri::~~;~~o e~;;:; ed~;;reve~ocriminal eXlstlfla nas fun5 'I' ~ ' Jecla"adas atribudas ao valorL ' d d funoes Utl nanas UI "gera, no sentl o .e , al medido pelo tempo de liberdade suprimidade troca da pena cnmm ,do condenado: (

    a) a pr:veno ,espe~:~::~:i~:r~:;:u~~~:~~~n:~~o~~~:t:e a prevenao espeCialp d . . al s funes reais/latentes dea retribuio equivalente a pena cnmmdisciplina da classe trabalhadora; . .

    ~ eral neuativa de intimidao de cnmmososb) a prevenao g ~ / - d- al ositiva de integraao prevenao a

    potenciais e a prevenao ger ~Pda vaLidade da norma, na linha deena criminal, como afirmaao , , . I' ha de

    p . .,1; ao dos valores comumtarzos, na m]AKOBS, ou como aj'rm , , al' fun-ROXIN, vinculam a retribuif~O eduiv~::::;i~e~n~:~~:a ::laoes reais/Latentes de preservaao a ar A

    ~apital/trabaLho assaLariado das sociedades contemporaneas. ,

    Contudo, se o vaLorde troca da retribuio e~ui~aLe~tefucara~ten~a, , al l de usoambUldo as noes e

    a funo real da .PLenacnmLm , o, v~:~es declaradas ineficazes, maspreveno especta e gera pOSSUl

    Captulo 17Capitulo 17Teoria da Pena

  • 442

    2. ~ ~reveno especial como garantia das relaesSOCIaIS

    1:A preveno especial negativa de neutralizao do condenado me-diante privao de' liberdade - a incapacitao seletiva de indivduosconsiderados perigosos -, em princpio incontestvel porque impede a

    Politica Criminal e Direito Penal

    443

    79 KUNZ, Kriminologie, 1994, fiS. 21-24, p. 286-287 e fiS. 42-46, p. 295-296;ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 41-47 e 60-62; BARATTA, Criminologia crticae crtica do direito penal, 1999, 2" edio, p. 173 e s.

    Captulo 17

    .0 .. prtica de crimes fora dos limites da priso, igualmente possui aspectos00. contraditrios, como demonstra a crtica criminolgica

    79:

    a) a privao de liberdade produz maior reincidncia - portan-to, maior criminal idade -, determinada pelos reais efeitos nocivos da

    priso;b) a privao de liberdade exerce influncia negativa na vida

    real do condenado, mediante desclassificao social objetiva, reduodas chances de futuro comportamento legal e formao subjetiva da. autoimagem de criminoso - portanto, habituado punio;

    c) a execuo da pena privativa de liberdade representa a mximadesintegrao social do condenado, com a perda do lugar de trabalho,a dissoluo dos laos familiares, afetivos e sociais, a formao pessoalde atitudes de dependncia determinadas pela regulamentao da vidaprisional, alm do estigma social de ex-condenado;

    d) a subcultura da priso produz deformaes psquicas e emo-cionais no condenado, que excluem a reintegrao social e realizama chamada self fulfilling prophecy, como disposio aparentementeinevitvel de carreiras criminosas;

    e) prognoses negativas fundadas em indicadores sociais desfavo-rveis, como pobreza, desemprego, escolarizao precria, moradia emfavelasetc. desencadeiam esteretipos justificadores de criminalizaopara correo individual por penas privativas de liberdade, cuja exe-cuo significa experincia subcultural de prisionalizao, deformaopessoal e ampliao de prognsticos negativos de futuras reinseresno sistema de controle;

    f) finalmente, o grau de periculosidade criminal do condenado proporcional durao da pena privativa de liberdade: quanto maior a

    Captulo 17Teoriada Pena

    funes reais eficazes de garantia das condies fundamentais dasociedade capitalista: garantem a s'eparao fora de trabalho/meios deproduo sobre a qual assenta o modo de produo fundado na con-tradio capital/trabalho assalariado. Dito de outra maneira: o valorde uso atribudo pena criminal, intil do ponto de vista das funesdeclaradas do sistema penal, til do ponto de vista das funespolticas reais da pena criminal, precisamente porque a desigualdadesocial e a opresso de classe do capitalismo garantida pelo discursopenal da correo/neutralizao individual e da intimidao/reforo dafidelidade jurdica do povo77

    . Concluso: se a pena constitui retribuio equivalente do crime,m~dida p~lo tempo de liberdade suprimida segundo a gravidade docnme realIzado, determinada pela conjuno de desvalor de ao ede desvalor de resultado, ento a pena como retribuio equivalenterepresenta a forma de punio especfica e caracterstica da sociedadecapitalista, que deve perdurar enquanto subsistir a sociedade de pro-dutores de mercadorias78 - gostemos ou no disso.

    n PASUKANIS,A teoria geral do direito e o marxismo, 1972, p. 185 S.78 PASU~IS, Teori~ger:aldo direito e o marxismo, 1972, p. 207: "Enquanto a frmul

    mercantll e a forma Jun'dica que dela resulta continuarem a imprimir sociedade a suamarra, a ideia de que a oravidade de ~_L J-l' de L..LL. o" , .aaa ae ,to po ser catcUtaaae expressaem mesesouanos de prnao (...) conservara, na prdtica judicidria, a suaforra e a sua significao reais."

  • 444

    80 ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 41-47 e 60-62; tambm, KUNZ, Kriminologie,1994, ns. 21-24, p. 286-287.

    81 KVNZ, KriminobJgie, 1994, I, 39, p. 294.

    82 BARATTA, CriminobJgia crtica e crtica do Direito Penal, 1999,2' edio, p. 205.83 FOUCAULT, Vtgiar epunir, 1977, p. 239.

    84 MARTINSON, What Wrks? Questions and answer about prison reform, 1974,p.22-54.

    85 Ver BARATTA, CriminobJgia critica e critica do direito penal, 1999, 2" edio,p. 104-19; ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 82-83.

    experincia do preso com a subcultura da priso, maior a reincidnciae a formao de carreiras criminosas, conforme demonstra o labelingapproach80

    2. A crtica criminolgica da funo de preveno especial positiva dapena criminal- baseada na noo de crime como problema individuale na concepo de pena como tratamento curativo8l - demonstra ofracasso histrico do projeto tcnico-corretivo da pris082,caracteriza-d~ pelo reconhecimento continuado do fracasso e pela reproposiore1tera~a do mesmo projeto fracassado - segundo o clebre isomorfismoreflrmuta de FOUCAULT83. A crise do projeto de reconstruo docondenad,o como forra de trabalho til, sintetizada no famoso nothingworks." ~e ~TINSON84, est na origem da atual transformaoda pr~sao.em ~nstrumento le pura deterrence, reduzido prevenoespecial negattva de segurana e de incapacitao do preso.

    . .As distores do projeto tcnico-corretivo de preveno especialpo.stt~va abran?em os momentos de aplicao e de execuo da penacrImmal. A CrIseda aplicao da pena reside na contradio entre odiscurso do processo legal devido e a realidade do exerccio seletivo dopo~er de punir: a) por um lado, o discurso do processo legal devido,regido pela dogmtica como critrio de racionalidade, v o crime comorealidade ontolgica pr-constituda, que o sistema de justia criminalidentifica e proce~sa85;b) por outro lado, a realidade do exerccio seletivodo poder de punir, encoberta pelo discurso do processo legal devido~

    Poltica Criminal e Direito Penal

    445

    permite (a) compreender o crime como realidade social construfdapelo sistema de controle social, (b) definir criminalizao como umbem social negativo distribudo desigualmente pela posio social doautor, e (c) identificar o sistema de justia criminal como instituioativa na transformao do cidado em criminos086. O crime comorealidade social construfda, a criminalizao como b'em /ocial negativoe o sistema de justia criminal como instituio ativa na distribuiosocial da criminalizao podem ser explicados pela lgica menos oumais inconsciente das chamad~ metarregras - ou basic rules, segun-do CICOUREL87 -, mecanismos psquicos de natureza emocionalatuantes no crebro do operador do Direito, constitudos de estere-tipos, preconceitos, idiossincrasias e outras deformaes ideolgicasdo intrprete88 - definidos por SACK como o momento decisivo do

    86 Cl)mparar BARATTA, Criminologia crtica e crtica do direito penal, 1999,2" edio,p. 159-70; ZAFFARONIIBATISTAlALAGWSLOKAR, Direito penal brasileiro,1993, p. 49-53.

    87 CICO UREL, Basic and normative rules in negotiation ofstatus and roles,in OREITZEL(Editor), 1970, p. 4-45.

    88 Ver LOPES ]R., Introduo critica ao processopenal, 2004, p. 74-83, especialmente p.76-78, com o seguinte trecho antolgico: ':Aqui estd um outro grave problema: ojuizque assume '-uma cultura subjacente, de forte conotao de defesa socia~ incrementadapela ao persistente dos meios de comunicao, reclamando menos impunidade e maiorrit:Jrpenal (:..). aquele juiz que absorve essediscurso de limpeza social e assim passaa atuar, colocando-se no papel de defensor da lei e da ordem, verdadeiro guardio dasegurana pblica e da paz social. (...) Essejuiz representa uma das maiores ameaas ao

    . processopenal e prpria administrao dajustia, pois presafdcil dosjuzos apriorsticosde inverossimilitude das teses defensivas; (...) introjeta com facilidade os discursos de"C9mbateao crime" (...) e transforma oprocessonuma encenao inti~ pois desde o inciojd tem definida a hiptese acusatria como verdadeira. Logo, invocando uma vez maisCORDERO, essejuiz, ao elegerde incio a hiptese verdadeira, no faz no processo maistM que uma mcenao, destinada a mascarar a hdbil alquimia de transformar osfatos emsuporte da escolha iniciaL Ou seja, no decide a partir dosfatos apresentados no processo,ser.oda hiptese inicialmente eleita como verdadeira. A deciso no foi construda apartirda prova, pois elajd foi tomada de incio. oprejuzo que decorre do pr-juzo. "

    Capr.Jo 17CaptubJ 17Teoria da Pena

  • 446

    89 SA;CK, Neue Perspektiven in der Kriminologie, in Kriminalsoziologie organizado porR. Konig e F. Sack, 1968, p. 469. '

    90 Ver BARATTA, Criminologia crtica e crtica do direito penal, 1999, 2' edio,p. 104-109; ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 82-83.

    91 Ver BARATTA, Criminologia crtica e crtica do direitopenaL, 1999, 2' edio, p. 184.92 . BECKER, Outsiders:,Studies in t~e SociologyofDeviance, 1963, p. 8-14; anlise ampla em

    BERGALLI, La recaia en eLdeMo: modos de reaccionarcontra ella, 1980, p. 215-243.

    processo de criminalizao89 -, capazes de esclarecer a concentrao darepresso penal em setores sociais marginalizados ou subalternos, ouna rea das drogas, ou do patrimnio, por exemplo - e no nos crimescontra a economia, a ordem tributria, a ecologia etc., prprios daselites de poder econmico e poltico da sociedade90.

    3. Enfim, a crise da execuo da pena, como realizao do projetotcnico-corretivo da priso, irreversvel. E a explicao da crise simples: a priso introduz o condenado em duplo processo de trans-formao pessoal, de desculturao pelo desaprendizado dos val6res enormas de convivncia social, e de aculturao pelo aprendizado devalores e normas de sobrevivncia na priso91,a violncia e a corrUpo- ou seja, a priso s ensina a viver na priso. Em poucas palavras, apriso prisionaliza o preso que, depois de aprender a viver na priso,retoma para as mesmas condies sociais adversas que determinarama criminalizao anterior.

    Em sntese, o processo simultneo de desculturao e de acultura-o descrito por BARATTA designa aqueles mecanismos de adaptaopesso,al subcultura da priso desencadeados pela rotulao oficial docidado como criminoso, que transformam a auto imagem e deformamapersonalidade do condenado, recondicionada como produto de nova(re)comtruo social, orientada pelos valores e normas de sobrevivnciana priso, como i.ndica o labeling approach92 Cumprida a pena, o re-torno do condenado prisionalizado para as mesmas condies sociaisadversas determinantes da criminalizao anterior encontra um novocomponente: a atifude dos outros. A expectativa da comunidade de

    Polftica CriminaL e Direito Penal

    3. A preveno geral como afirmao da ideologiadominante

    1. A preveno geral negativa da ameaa penal pode ter efeito de-sestimulante em crimes de reflexo (crimes econmicos, ecolgicos,tributrios etc.), caractersticos do Direito Penal simblico, mas noteria efeito em crimes impulsivos (violncia pessoal ou sexual, porexemplo)96,prprios da criminalidade comum estampada nos meios decomunicao de massa. Logo, a inibio de impulsos antissociais pela

    447

    93 LEMERT, Human Deviance, Social Problems and Social Control, 1972, p. 62-92.94 Ver ZAFFARONl/BATISTAlAlAGWSLOKAR, Dirritopenal brasileiro,2003, p. 116.95 FOUCAULT, Vigiar epunir, 1977, p. 244-248.96 ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 64-65.

    que o estigmatizado se comporte conforme o estigma, ou seja, qu~assuma o papel de criminoso praticando nOVoscrimes fecha as supostaspossibilidades de reinsero social e completa o modelo sequencial.deformao de carreiras criminosas, realizando a chamada self fulfillmgprophecy, em que o condenado assume as caractersticas do rtul?,concretizando a previso de autorrealizao93 e confirr\lando a teonada construo da personalidade no processo de interao social.

    4. Como visto, o fracasso histrico da priso refere-se funo de-clarada de correp (de ressocializao, de reeducao etc. - em suma,do que definido como ideologia re)94 do condenado, atribuda pena criminal pela ideologia do sistema punitivo, porque a funoreal de controle seletivo da' criminalidade, fundado em indicadoressociais negativos, e de garantia de relaes sociais desiguais, fundadasna relao capital/trabalho assalariado, constitui incontestvel xitohistrico, como assinala FOUCAULT95.

    Captulo 17Captulo 17Teoria da Pena

  • 448

    97 ALBRECBT, Kriminologie, 1999, p. 74-75.98 BARAITA, Integrazione-prevenzione. Una "nuova"jondazione della pena all'interno

    della te0ritf sistmiea, in Dei delitti e delle pene, 1984, n. 1, p. 13.99 BARATTA, Integrazione-prevenzione. Una "nuova"jondazione della pena all'interno

    della teoria sistmiea, in Dei delitti e delle pene, 1984, n. 1, p. 17 e s.

    ameaa penal somente seria relevante no Direito Penal simblico - umdireito destitudo de eficcia instrumental e institudo para legitimaoretrica do poder punitivo do Estado, mediante criao/difuso deimagens ilusrias de eficincia repressiva na psicologia do povo -, mas absolutamente irrelevante no Direito Penal instrumental, cujo objeto delimitado pela criminal idade comum, rea de incidncia exclusivada represso penal seletiva97

    2. A preveno geral positiva substitui a proteo de direitos individuaispela proteo de complexos funcionais - finanas, tributos, ecologia,energia etc., - ou seja, substitui a proteo de bens jurdicos indivi-duais pel proteo de funes sistmicas98 A concepo do Direitocomo subsistema normativo de estabilizao do sistema social mostraa natureza conservadora d,a teoria, como discurso de reproduo/conservao da realidade social, construdo com base no sistema dedireito positivo. Como sempre, a resposta penal uma reao sinto-matolgica ao nvel da manifestao do conflito (o fato criminoso)- e no ao nvel da produo do conflito (determinaes estruturaisda desigualdade social) -, justificada pelos supostos efeitos de inte-grao social e de aumento da confiana institucional; desse modo,encobre os reais efeitos negativos de desagregao social dos presos,introduzidos em carreiras criminosas por um sistema penal desigual

    I'. 99E ale se etlvo ,. m poucas p avras: enquanto o discurso da preveno/integrao legitiina a represso seletiva das camadas subalternas e aimunidade das elites de poder econmico e poltico, o discurso crticorevela a ligao da represso seletiva dos marginalizados sociais com

    , j,

    Polltiea Criminal e Direito Penal

    449

    100 BARAITA, Integrazione-prevenzione. Una "nuova"jondazione delta pena all'internodella teoria sistmiea, in Dei delitti e delle pene, 1984, n. 1, p. 22 e s.

    101 J1\KOB5, Strafreeht, 1993, n. 9, p. 9 e ns. 1-5, p. 35-37.102 J-I\KOB5, Stra.freeht, 1993, n. 9, p. 9-10.103 JAKOB5, Strafreeht, 1993, ns. 6-8, p. 37-38.104 JAKOB5, 5trafrecht, 1993, ns. 6-8, p. 37-38.

    a reproduo das relaes sociais desiguais, precisamente mediante od ~ d.e 'al d . al100processo e gestao lrerenCI o sistema pen .

    3. A anlise do discurso de JAKOBS - a mais ortodoxa aplicao dateoria - permite um diagnstico claro: primeiro definir crime comoviolao da norma significa reduzir crime leso da vontade do poder_ conforme indica o conceito de frustrao das expectativas norma-tivas -, que prescinde da leso de bens jurdicos como fundamentoconstitucional de punibilidade101; segundo, definir pena como reaocontra a violao da norma - ou seja, como contradio contradioda norma, que reafirma e estabiliza a validade da norma violada scustas do competente/responsvel102 - parece ter por objetivo garantira fidelidade do cidado vontade do poder103; terceiro, se a puniodo criminoso aumenta a confiana no Direito, reforando afidelidadejurdica do povo e, ao contrrio, a no punio do criminoso diminuia confiana no Direito, reduzindo afidelidade jurdica do povo, entoa tarefa do Direito Penal seria satisfazer os impulsos punitivos dapopulao - um objetivo irracional substitutivo da proteo de bensjuridicos, que atrela o Direito Penal barbrie dos instintos primitivos;quarto - ,eparadoxalmente -, o crime como frustrao das expec:ativasnormativas e a pena como demonstrao da validade da norma parecem

    d fu ~ d . . al104 ~concentrar to as as noes a pena cnmm: pressupoe a ameaapenal, implica a aplicao e execuo da pena como neutralizao ecorreo do condenado e existe, de fato, como exerccio comunitrio

    Capitulo 17Capitulo 17"

    Teoria da Pna

  • 450

    105 ~~:,,:~~m,PbPPEL EL HlRECHE, A fUno dapena na visode Claus Roxin,:: ~AKOBS, Strafreeht, ~993, ns. 15-16, p. 13-14, em especial n. 22-25, p. 44-46.

    ARAITA, Integraztone-prevenzione. Una "nuova"fondazione della pena ali" tdella te ria .. . D m emo. . o . szstemtca, In e deUtti e delle pene, 1984, n. 1;ALBRECHT.Knmmologze, 1999, p. 66-67. '

    108 B~TISTA, Pr:z:uia senhora Vigas: o anteprojew de reforma no sistema de .DISCursos sedicIosos,. n. 9-10, p. 105, fala da "constatadainca acidade do . penas, m

    ~:~;:s::;c:e~~o:::~ lh~ so.atir~s ?Or um legisladorq~ ofereceao~=:=(. mmalizaao pnmdna do conflito) como sefora uma soluo reaL"

    d trib' ~ 105d fi 'de re utao, e m a como necessria para restabelecer a confianana norma e rforar a fidelidade jurdica do cidado10G

    4. Na verdade, a funo de preveno geral positiva fe~menocontem~o~neo a? ~ireito Penal simblico, produzido pela pressocorpo~at1v:sta d~ smdlcatos, associaes de classes, partidos polticos,~rga~lzaoe~ na~ governamentais etc., representado pela crimina-hzaao. de sttua~es sociais problemdticas nas reas da economia, daecologIa, da genetica e outras, em que o Estado no parece interes-sado em sol~es sociais -:eais, mas em solues penais simblicas,com ge~erall~ada subordmao de direitos humanos a exignciasde fun~lOnahdade do sistema econmico, tributrio etc., comodenuncIava BARATTN07. .

    . Co~o se sabe, o Direito Penal realiza funes instrumentais deefetlv.a aplt~ao prtica e funes simblicas de projeo de imagensna pSIc~log~a.popular, mas o segmento legal conhecido como DireitoPenal stmboltco, caracterizado pela criminalizao do risco em rcad . d' d b eas~ a vez m.aIs lstantes o em jurdico - a ps-moderna criminaliza-~o do !ertgo abstrato -, no tem funo instrumental, apenas funostmbltca de legitimao do poder poltico. Na rea das situaes sociaispr~b~mdticas, o Direito Penal parece reduzido ao papel ideolgico decn~~ao de smbolos no imaginrio popular, com o objetivo oculto de~egIt1maro pod~r poltico do Estado e o prprio Direito Penal comomstrumento de poltica social108.A legitimao do poder poltico do

    Poltica Criminal e Direito Penal

    451

    109 BARATIA, Criminologia crtica e critica do direito penal, 1999,2' edio, p. 207;ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 74-75.

    110 ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 74.75.111 ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 69-70.112 ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 68-80.113 ZAFFARONI/BATISTNALAGWSLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, p. 41:

    "No hd nenhum estadode direito puro; o estado de direito no passa de uma barreiraarepresaro estadodepolcia que invariavelmente sobreviveem seu interior. ( ..) O estado dedireito concebido como o que submete todos os habitantes lei e ope-seao estado depolcia, onde todos os habitantes esto subordinados ao poder daqueles que mandam."

    Captulo 17

    Estado ocorre pela criao de uma aparncia de eficincia repressiva nachamada luta contra '0 crime - definido como inimigo comum -, quegarante a lealdade do eleitorado e, de quebra, reproduz o poder pol-

    , tic0109 _ como, por exemplo, o lastimvel apoio de partidos popularesa projetos de leis repressivas no Brasil explicvel exclusivamente porsua conversibilidade em votos, ou seja, por seus efeitps polticos deconservao/reproduo do poder... A legitimao do Direito Penal pela criao de smbolos no ima-

    ginrio popular simblica, porque a penalizao das situaes proble-mdticas no significa soluo social do problema, mas soluopenal parasatisfao retrica da opinio' pblicallo; no obstante, possui efeitoinstrumental, porque legitima o Direito Penal como programa desigualde controle social, agora revigorado para a repressoseletiva contra favelase bairros pobres das periferias urbanas, especialmente c0!ltra a fora detrabalho marginalizada do mercado, sem funo na reproduo do capi-tal- porque, pelo menos no nvel simblico, o Direito Penal seria igualpara todos11l Alis, o discurso eficientista da preveno geral positivapermite justificar a reduo ou excluso de garantias constitucionaisde liberdade, igualdade, presuno de inocncia e outras garantias doprocessopenl civilizadoll2, cuja constante supresso histrica mostraa existncia simultnea de um Estado de Direito para as classes hege-mnicas e de um Estado de Polcia para as camadas subalternas - umpouco na linha de ZAFFARONIIBATISTNALAGIA/SLOKARI13

    Captulo 17Teoria da Pena

  • 452

    4. Concluso

    114 Ver BARATTA, Criminologia critica e crticd.do direitopenal 1999 2' ed' - 161'tambm, ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 44-45. ' , Ia0, p. ,

    Poltica Criminal e Direito Penal

    453

    115 BARATTA, Criminologia critica e crtica do direito penal, 1999,2' edio, p. 167.116 BARATTA, Criminologia critica e crtica do direito penal, 1999, 2' edio, p. 165-

    167.

    Capitulo 17

    Essaconcepo mostra o significado de conservaQe de reprodu-. o social realizado pelo programa desigual e seletivo d Direito Penal,. cujas sanes estigmatizantes realizam dupla funo: de um lado, a fun-opolirica de garantir e reproduzir a escala social vertical, como funoreal da ideologia penal; de outro lado, a funo ideolgica de encobrir!imunizar comportamentos danosos das elites de pode! econmico epoltico dasociedade, como funo ilusria da ideologia penal1l5

    2. Nesse contexto, a desigualdade do Direito Penal exprime a relaodos mecanismos seletivos do processo de criminalizao com as leis dedesenvolvimento histrico da formao econmica capitalista: a) ao

    .. nvel da criminalizao primdria, a ideologia da proteo de bens jur-dicos oculta a realidade da proteo seletiva de interesses e privilgiosdas classes 'sociais hegemnicas, em duas direes: criminalizao decomportamentos dpicos das classes sociais subalternas (especialmentemarginalizados sociais) e excluso dos comportamentos socialmentedanosos das classeshegemnicas da fo.r:maosocial; b) ao nvel da cri-minalizao secunddria, a posio social do acusado representa a variveldecisiva do processo penal, tambm em duas direes: concentrao dacriminalizaao nos marginalizados sociais e no subproletariado - com aposio precria no mercado de trabalho (desocupao, subocupao etrabalho no qualificado) como varivel interveniente - e imunizaopenal das elites de poder econmico e poltico1l6

    3. Em resWno: a) a pena criminal cumpre a funo de retribuio equi-l.lalente do crime nas sociedades modernas, precisamente mediante aneutraliza.o de condenados reais durante a execuo da pena - even-tualmente, com a funo complementar de intimidao de autorespotenciais; b) as outras funes (i) de correo individual (prevenoespecial positiva, destruda pela experincia histrica e arquivada pelo

    Captulo 17Teoria da Pena

    -, alm de escamotear ou disfarar a relao da criminal idade coes~~ra de desigualdade da sociedade contempornea, instituda ;1:DIreIto e garantida pelo poder do Estado.

    5. P~r ltimo, a funo declarada de preveno geral negativa (intimi-da~o pela ameaa penal) ou de preveno geral positiva (afirmao dv~ltt:l,!de d~ nor~a) atribudas pela ideologia do sistema penal pen:crImmal, .e o dIscurso encobridor da funo real da pena criminalde garantia da. ordem social capitalista, fundada na separao flr~de e:ab~lho/metos de produo, que institui e reproduz relaes sociaisdeSIguaIs e opressivas.

    1. O discurso. crtico d.a ~eoria criminQlgica da pena define o DireitoP~nal como sIstema dmamico desigual em todos os nveis de suas fun-oes: .a) ;~ nvel da definio de crimes constitui proteo seletiva debens J~n~cos representativos das necessidades e interesses das classeshegem~~Icas nas r~laes de produo/circulao econmica e de po-der p~h~co ~as sO~Iedadescapitalistas; b) ao nvel da aplicao depenascons~It~ estIgmatlZao~eletivade indivduos excludos das relaes deproduaoe.de.poder polttico da formao social; c) ao nvel da execuopenal constltw represso seletiva de marginalizados sociais do mercadode trabalho e portant d " til ...~ . .'. /. ~ o, e SUjeItossem u . idade real nas relaes deproduao/d1stnbwao material - embora com utilidade simblica nopro~es~o de reproduo das condies sociais desiguais e opressivas docapttalIsmo1l4 .

    ..

  • 454

    117 'Nesse sentido, ZAFFARONIIBATISTNALAGWSLOKAR, Direito penal brasileiro,2003, p. 44 S.

    118 Comparar GIMBERNAT ORDEIG, Hat die Straftechtstlogmatik eine Zukunft?,ZStW, 82 (1970), p. 405 s. .

    119 Ver CIRINO DOS SANTOS, Novas hipteses de crimina1izao, in ANAIS daXVIII Conferncia Nacional dosAdvogados, 2002, v. I, p. 937-946.

    labeling approtUh), e (in-de afirmao da validade da norma (prevenogeral pusitiva, em contradio com a correlao sistema penal/mercado detrabalho) constituem retrica encobridora das funes reaisda pena crimi-nal, de garantia da desigualdade social e da opresso de classeda relaocapital/trabalho assalariado das sociedades contemporneas.

    4. Por isso, a funo de retribuio equivalente do crime- fundada no valorde troca medido pelo tempo (a) de trabalho social necessriona economia,e (b) de liberdade pessoal suprimida no Direito-legitima a pena segundoa lgica do capital, produtora de um Direito Penaldesigual, como pro-grama de criminalizao seletiva de marginalizados sociaisdo mercado detrabalho, orientado por indicadores sociais negativos (pobreza, desempregoetc.) que ativam esteretipos,preconceitos, idiossincrasiaspessoaise todo osistema ideolgico dos agentes de controle social, excluindo ou reduzindoa funo de c.ritmo de racionalidade atribuda dogmtica penall17.

    5. Ento, por que fazer dogmtica penal? A dogmtica penal depen-de do critrio que informa o trabalho cientfico em Direito Penal:a) produzir dogmtica penal como Critrio de racionalidade do sistemapunitivo significa assumir o ponto de vistado poder repressivodo Estadono processo de criminalizao de marginalizados do mercado de trabalhoe da pobreza social, em geral; b) produzir dogmtica penal como sistemade garantias do indivduo em face do poder punitivo do Estado1l8,nosentido de consguir conceitos capazes de excluir ou de reduzir o poderde interveno do Estado na esfera da liberdade individual- e, portanto,capazesde impedir ou de amenizar o sofrimento humano produzido peladesigualdade e pe4 seletividade do sistema penal- constitui tarefa cien-tfica de significado democrtico nas socieddes contemporneasl19.

    455

    1 PASUKANIS, A teoria geral do direito e o marxismo, 1972, p. 163.2 FOUCAULT, Vigiar epunir, 1977, p. 207.3 FOUCAULT, Vigiar e punir, 1977, p. 127; ClRINO DOS SANTOS, A criminologia,

    radical, 2006, p. 77-78.

    A priso o aparelho disciplinar exaustivo .da soc~edade~apit~-lista, constitudo para exerccio do poder de pumr me.dIante p:I~aaode liberdade, em que o tempo exprime a relao cr~me/pumao:. otempO o critrio geral e abstrato do valor da mercado:la na eco~or:ll~,assim como a medida de retribuio equivalente do cn.me no Duelto .Portanto, esse dispositivo do poder disciplinar funclOna como apa-relho jurdico econmico, que cobra a dvida do crime em tempo deliberdade suprimida, e como ~parelho tcnico disciplinar, programadop~a realizar a transformao individual do condenad02

    O mtodo de transformao individual da priso a disciplina, apoltica de coero exercida para dissociar a energia ~o.co:P? da vonta~de pessoal do condenado, com o objetivo de constfU1rmdivIduos dcetse teis, que obedecem e produzem3 Os recursos do poder disciplinarso a vigilncia hierrquica, a sano normalizadora e o exame,con~or-me a clebre formulao de FOUCAULT: a) a vigilncia hierrqUIca,pela qual tcnicas de ver prodUzem efeitos de poder, exercida. p~rdispositivos que obrigam pelo olhar, represe~tados p,or red~sV~rtlCalSde relaes de controle; b) a sano normal,zadora e .co~s~ltUldaporuma ordem artificial de punies e recompensas dIscIplmares, em

    1. Introduo

    ..CAPTULO 1.8PRISO E CONTROLE SOCIAL

    Captulo 17Teoria da Pena

    00000001000000020000000300000004000000050000000600000007000000080000000900000010000000110000001200000013000000140000001500000016000000170000001800000019000000200000002100000022