a criminologi radicaal - daniela...

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A CRIMINOLOGIA RADICAL R o b e r t o L y r a Filho Assumi o compromisso de redigir este ensaio, devido ao Interesse com que venho acompanhando a carreira de Juarez Cirino dos San- tos, desde os seus primeiros passos. Nele, reconheci, de imediato c o tenho proclamado, repetidamente (Lyra Filho, 1980A: 157) o maior talento da nova geração de criminólogos brasileiros. Ê, portanto, '•'nMmcnte grato confirmar, agora, este Juízo e saudar a passagem cio marco doutoral. A Criminologia Radical (Cirino, 1981) é o seu texto mais recente o, no mesmo tempo, a tese de doutoramento que, com os meus insignes I 'o'i'^iw Albuquerque Mello, Fragoso, Mestlerl e Papaleo, aprovei, na yuculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, .•.•.ri' AI :ncto-lhe a nota máxima. Isto, é claro, n&o Importa em concor- dar, sem ressalvas, com tudo quanto o autor, ali sustenta. A própria banca examinadora constituía, como é normal, na vida universitária, uma seleção de professores com significativas diferenças de ponto de vista. AMAs, dentre eles, era eu, sem dúvida, quem demonstrava maio- ros afinidades com a orientação esposada pelo candidato. A minha nroposta duma Criminologia Dialética (Lyra Filho, 1972; 1975; 1981) vi-pi'fsenta um subgrupo da extensa gama de modelos da Criminolo- gia Crítica, a que também pertence, com seu peculiar matiz, a Cri- •ivno'o^ia Radical. Depois de encerrado o debate académico,, de arguição e defesa i'e terrs, podsmc3, aKlra, retomar, em tom mais repousado, um diálogo iiu'.omo, assinalando as divergências e convergências das nossas •Kwr-ões, dentro da unidade substancial de propósitos e esperanças, im mie comungamos. Imprimindo a hajrmonjajjáslça da nossa visão criminolnçlca, r.>fer ; -m(\ na arguição mencionada, ao trabalho de dois arnuitetos , ni!«' nro<etas.sem a morada científica, tendo em mira as mesmas opções -J.omoeraUcas, populares e socialistas. A diversidade do estilo nada

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A CRIMINOLOGIA RADICAL

R o b e r t o L y r a F i l h o

Assumi o compromisso de redig i r este ensaio, devido ao Interesse com que venho acompanhando a carre ira de Juarez Cir ino dos San­tos, desde os seus pr imeiros passos. Nele, reconheci, de imediato — c o tenho proclamado, repetidamente (Lyra F i lho , 1980A: 157) — o maior ta lento da nova geração de criminólogos brasileiros. Ê, por tanto , ' • 'nMmcnte grato conf i rmar, agora, este Juízo e saudar a passagem

cio marco doutora l . A Criminologia Radical (C ir ino, 1981) é o seu texto mais recente

o, no mesmo tempo, a tese de doutoramento que, com os meus insignes I 'o ' i '^ iw Albuquerque Mel lo, Fragoso, Mest ler l e Papaleo, aprovei, n a yuculdade de D i re i to da Universidade Federal do Rio de Janeiro, .•.•.ri'AI:ncto-lhe a no ta máxima. Isto , é claro, n&o Impor ta em concor­dar, sem ressalvas, com tudo quanto o autor, a l i sustenta. A própria banca examinadora constituía, como é no rma l , na vida universitária, uma seleção de professores com signif icativas diferenças de ponto de vista. AMAs, dentre eles, era eu, sem dúvida, quem demonstrava maio-ros afinidades com a orientação esposada pelo candidato. A m i n h a nroposta d u m a Cr imino log ia Dialética (Lyra F i lho , 1972; 1975; 1981) vi-pi'fsenta u m subgrupo da extensa gama de modelos da Cr iminolo­gia Crítica, a que também pertence, com seu peculiar mat iz , a Cr i -•ivno'o^ia Radical .

Depois de encerrado o debate académico,, de arguição e defesa i'e terrs, podsmc3, aK l ra , retomar, em t om mais repousado, u m diálogo i iu ' .omo, assinalando as divergências e convergências das nossas •Kwr-ões, dentro da unidade substancial de propósitos e esperanças, i m mie comungamos.

I m p r i m i n d o a hajrmonjajjáslça da nossa visão criminolnçlca, r.>fer ;-m(\ na arguição mencionada, ao trabalho de dois arnuitetos

, ni!«' nro<etas.sem a morada científica, tendo em m i r a as mesmas opções -J.omoeraUcas, populares e socialistas. A diversidade do estilo nada

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reLlru a fecundidade das sugestões alternativas, que antes ciu-uuu-ce o repertório f ' moldes, no empenho comum, a que ambos •• rvimo-. (Lyra F l l h o . V j a i A : 4 ) .

Se a Criminologia Radical mais não fizesse — c estou convicto de que tem mui tas outras excelências — bastar-lhe-Ja a não oequena virtude, que manifesta, de quebrar o marasmo dos trabalhos ."olmei­ros, ainda predominantes, entre nós.

Na verdade, após o Impulso dado à Criminologia pelos mais i lus­tres precursores, de Tobias Barreto a Roberto Lyra, pai (Lyvv., IüC-1: 107 ss.) — este último Inclusive antecipando a nota crítica —, ficou a nossa discipl ina em grande parte relegada aos dúbios cuidados de não rigorosos especialistas e constantes repetidores do positivismo, de várias espécies. E m 1904, Roberto Lyra, pai , chegava a arrematar u m a síntese histórica, fazendo este apelo, quase patético: "peço aos novos valores que me enviem seus trabalhos, para as menções mere­cidas" (Lyra, 1984: 138).

Apareceu em 1967 a m i n h a pr ime i ra contribuição crítica (Lyra F i lho , 1907), resumindo Idéias divulgadas anter iormente, em aulas e seminários, e in ic iando o rompimento com as posições conservado­ras (Tavares, 1980: 5 ) , que cu lminou na posição dennlt lva, em 1972 (Lyra Pi lho, 1972). A lguns colegas, daqui e do estrangeiro, acolheram então, generosamente, a Cr iminolog ia Dialética, assinalando que sc tratava de perspectiva útil e or ig ina l (Lyra Pi lho, 1975: 29). O obje­t ivo marcante e cada vez mais nítido era, e é, a!!star-me entre os Intelectuais orgânicos do novo bloco histórico, visando o sociiiüsmo clemocrático. Isto, por si só, delineia uma evidente .solidariedade com os propósitos declarados pelo meu jovem e br i lhante cole;,;», Cir ino (Cirino, 1981: 126). Além deste aspecto fundamenta ' , no engajamen­to sóclo-politlco, de próximo parentesco — apesar de alguns matizes dist intivos liga-nos também a oposição à Criminologia Tradic ional , de t imbre positivista e conservador. Desde o neriodo do <••>:•.•!«nação, em *qué~ãpáreccu o prlmcirô^elboço da Criminologia Dialética — subsiste, apesar de tudo, o desllbramento da produção mais comum dos crlmlnólogos brasileiros, perante o qual as UU-ias de Cr . * , o me reconfortam, como esforço notável de questionamento. As nossas su­gestões são paralelas, solidárias e aíins.

Crlmlnólogos de vanguarda, conslderamn* n f f o » m : ' i ' ' u c M i c a úmajatal obstrução. (Lyra F i lho , 1930; 1980 B; 1931 B; 3981 C) , e éraíõnrtrangedor verificar que a. Cr iminolog ia hra':ilt>1 , -:\ d e t y . w a f icar a reboque do Dire i to C r im ina l dogmático (Mcst icr i . 397:2: 90-9 :1). Campeava, então, no Bras i l , a at i tude dogmAUoa, e c a no terreno jurídiro-pcnal que surgiam obras de mérito, erudição c e,ivi>uiovc;ões positivas, Nestas, inclusive, medravam, apesar das limPaçoi-: <!<> en­foque, os posicionamentos progressistas, oscilando entre um 1'bera-

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! i *nio avançado e a aberta s impat ia pelo socialismo, Ve ' * c i tar , a nyivì'W.'.o, os ilustres Albuquerque Mel lo, Fragoso, Mestle. , Ni lo Ba-• 'sia e, mais recentemente, Juax-cz Tavares. J2 claro que menciono, ao .••caso, ì iwnai algumas f iguras de respeitabilidade e proeminência incontroversas. Não tenho a pretensão de organizar o r o l completo L ! O S melhores cr iminal is tas nacionais. O meu propósito é ins ist i r em 1'jc a Criminologia não pode enfrentar essa plêiade, com sugestões ••provei távels, sem u m a reciclagem, que procurei dar-lhe e na qua l Birino desempenha u m papel de relevo..

Acho, ademais, de Justiça assinalar que os jur is tas menciona-los, a t i t u l o de exemplo egrégio, revelaram, sempre, o maior interesse >ola Criminologia, apesar de se prenderem a outras tarefas, em v ir -.ude da própria formação, tendência e hábitos (Tavares, 1980: 5-6). \'ão creio que as ressalvas honestas, por eles traçadas, dentro do •irculo dogmatico, pudessem redimi-los da prisão voluntária, em que ii> conf inaram (Lyra F i lho , 1980; 1980 B ; 1981 B ; 1981 C ) . Mas, em Hia.'quer hipótese, cabla a nós, que mi l i t amos n a Filosofia e Sociolo­ga jurídica e n a Cr imino log ia , avivar a dialética e ins taurar a revisão mtídogmática. Alias, aqueles jur is tas cont inuavam esperando e, eventualmente, chegando a sol icitar — é este o caso, por exemplo, do eminente Fragoso (Fragoso, 1977: 25) — u m subsidio crlmlnológlco e u m diálogo aberto, sem acharem resposta nos imitadores das velhas direções, que nada mais têm a dizer, em t a l confronto. Por isto mes­mo, custa" a descongelar-se a "questão c r i m i n a l " , entre nós. Como se não bastassem as dif iculdades gerais, resumidas por Bara t ta (Ba­rat ta , 1979), a inda aqu i f i cam os requintes idealistas da " t eor ia jurídica do de l i t o " m a l compensados por u m a Criminolog ia , prat ica* i 'a, em regra, segundo a inspiração dos posit ivamos superados.

A falôncia da Cr imino log ia Trad ic iona l é tão óbvia e re tumbante que u m dos seus mais prestigiosos corifeus, no âmbito Internacional , ;á se encarregou de decretá-la, sem rebuços: "pa ra resumir o que dançamos , n u m século de pesquisa e debate, bastam poucas pala­vras: o que propusemos nunca func ionou, e não sabemos por que" (Perracut i , 1975: 53). Semente a Cr iminolog ia Crítica poderia oferecer a a l ternat iva, mas foi precisamente esta que tardou a manifestar-se no Bras i l , em que pese u m a voz isolada, a que Cir ino traz, agora, o auspicioso reforço. De fato, creio que é l i c i to registrar uma certa precedência histórica para a Cr imino log ia Dialética, talvez devida ao fato de que se inspirou, antes de tudo, na Ant lps iqu ia t r l a (Lyra Pilho, 1967), sem dever nada ao movimento propr iamente cr imino- . V'tri.ço, depois ampliado, no_estran'gçi.rQ._Em 1967 ê mesmo em 1972, guando in ic ie i e arrematei a m i n h a proposta, a inda não se t i n h a m avolumado os surtos que Cir ino registra (Cir ino, 1981: 5). Lembra i-ite t i e " u m dos primeiros estudos sistemáticos", resultante do t ra ­balho coletivo de Taylor, Wa l t on e Young, aparece em 1973, e que

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mesmo " u r u " * u r a coordenada u coletiva com u Criminologia Trad i ­c i ona l " (C i rh . . , 1981: 0) só em 19f>3 marca sua presença. Knire \\r,'l e,1974 é que se da, em todo caso, o "acontecimento c ruc ia l " (Cirino, 1981: 7) , quando a Cr iminolog ia Dialética já estava esboçada, pois a sua pr imeira publicação 6 de 1971, nas páginas da Revista do Direito Penal, que celebrava o centeffSflo hegeliano. A l i se ofereci;', o deli­neamento completo duma nova abordagem, l igada h previr, sócio--política e com lodo o seu recorte voltado para o que hoje se denomina Criminologia da Libertação (Lyra F i lho , 1972: 121-12-1). DlaV. izava-"-se o enfoque, armando verdadeira "metadisc ip l ina do Direi to Cr imi ­n a l " (Ferracut l , 1975: 53), que pcrf lgurava a reunificação das perspectivas jur ld i co -c r imlna l e criminológica. E assim se'concluía a aluição do Dire i to Cr imina l dogmático, iniciada com o desmentido de seus princípios básicos, que ocorreu no nróprio seio da Cr::" ino:o-gla L iberal (Barat ta , 1979: 147-1B3).

. À negação, segue-se a negação da negação, na etapa cm que poderá surg ir , sem dogmas, u m Dire i to Cr imina l I H ficri — ainda obstaculizado pelas resistências conservadoras — c para o qual a Cr i ­minolog ia Dialética desejaria oferecer um apoio, que remonta ãs perspectivas filosóficas e sociológicas indispensável;; /Lynt F i lho, 1972; 1975; 1981). Por outro lado, assim como a AntipasquiaTla evo­l u i u , sobretudo com Basaglia, para a mais positiva Psiquiatria Alter­nat iva , a Ant l c r lm ino log la (que se opõe aos endereços tradicionais) expunha, a l ternat ivamente, com a Criminologia Dialética, o roteiro duma reconstrução. Deter-se no âmbito negativista seria favorecer u m anarquismo, que apenas traduz, com repercussão científica, o implícito estímulo do n i i l i smo sóelo-polítieo, já por m im denunciado em 1975, em Taylor, Wa l t on e Young (Lyra Fi lho, 3975: 29-57) c novamente combatido na Car io Aberta que dir ig ia a um colega brasi­leiro, hoje radicado no Canadá (Lyra F i lho , 1931).

A Criminologia Radica} emergiu neste panorama, e foi por Isto que não aceitei, sem reservas, a denominação que se impôs. ií certo

•que Cir ino pretende a t r ibu i r - lhe o sentido de uma descul.i as raizf-s (Cir ino, 1981: 39), marcando, por outro lado, o que se lhe af igura u m avanço, em relação às limitações, que aponta noutros modelos de Criminologia Crítica. Fico à vontade para debater este ponto, uma ve2 que o i lustre colega me situa entre os criminólogos " rad ica is " (Cir ino, 1981: 123) e não me dirige, por tanto , a censura voltada para certas teorias e pessoas, que não ter iam desdobrado, conveniente­mente, o impulso crítico.

Subsiste, porém, o desconforto que experimento, sob ta! rótulo, pois o termo — radical — 6 mu i t o ambíguo, para não dizer visceral­mente polissêmico. Pouco impor ta , é claro, que a obtusidade conser­vadora chame de radical todo aquele que visa á substituição, mesmo

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in f r melos pacíficos, e até convencionais, da es t rutura Implantada (Lyra Füho, 1979: 16 ss). Com Isto, o conservanttsmo vis»» r ep r im i r otia'quer teorJa e praxis progressistas, e é e x t r emamem. honroso incorivi' em tais iras reacionárias. Ocorre, todavia, que, no lado es­querdo, o " rad ica l i smo" pode s igni f icar u m posicionamento anar­quista ou, em todo caso, o t ipo da "doença I n f a n t i l " , que eu mesmo on frente!, no Criminòlogo da Carta Aberta (Lyra F i lho , 1981). Con­sidero isto u m perigo para os nossos objetivos comuns e u m a fonte de equívocos políticos, pr inc ipa lmente em face do modelo de socia­lismo autogestionário, não "estat is ta" , não burocrático, antes l ivre o vi» ;poitador dos direitos humanos, que defendo, com inspiração na advertência solene de B loch (Bloch, 197G: 13).

Mais «rave a inda é o inconveniente que surge no próprio setor crimino'.ógico. Os esquemas classificatórios da reação já adotaram, . 'oui , a et iqueta radical , para indicarem os anarquismos e "esquer-(iismos" puramente destrutivos, t an t o assim que os d is t inguem — rumo " rad i ca i s " — até da Cr imino log ia m a r x i s t a . . . (F lnate l , '!':;(>: 263; Szabo, 1980: 22-23.)

Todavia, se tomarmos o " rad i ca l i smo" como u m a descida às raízes, todo aperfeiçoamento da Cr imino log ia Cr i t i ca é, sem dúvida, u m mergulho " r a d i c a l " ; e nisto C i r ino e eu estamos propriamente de acordo. U m a Cr imino log ia Dialética, t a l como preconizo, ou Ra­dicai, como prefere ele, são esforços para consumar o impulso crítico, Í M < ! O aos condicionamentos in f ra-estrutura is e denunciando as ficções e 'n'.'iativos de superfície, t an to quanto propondo a Aufhebung, para u f o f icar n a p u r a negação. Aliás, t ive ensejo de insist i r neste ponto, em m i n h a arguição; quando confrontava a obra anter ior de Cir ino — Criminologia da Repressão (C i r ino , 1979) e, com ou sem ressalva do rótulo, a sua Criminologia Radical, mais recente (Cir ino, 1981).

Assinalei, então, que o parágrafo In ic ia l e a conclusão 5. f t da Criminologia da Repressão (Cir ino, 1979: 1-2; 115) pareciam conde­nar a ciência criminológica mesma, enquanto a Criminologia Radical manifesta u m a clara a l ternat iva. Por outras palavras, deseja superar a Cr imino log ia Tradic ional , e nâo destruir a ciência que praticamos. Como nota a eminente Lola An iyar , há espaço Indiscutível para uma •-Criminologia da Libertação" (Aniyar, 1981), e este rótulo tem, para m i n , conotações simpáticas, devido A proximidade com a Teologia da Libertiujão, em que busquei paralelo para combater os dogmas dos juristas (Lyra F i lho , 1980: 17-18; 21 ; 42) . Celebro, assim, como bra­s e i r o , os movimentos de liderança, aparecidos no seio do crist ianismo nacional. Neste Angulo e sem prejuízo de qualquer eventual descon­formidade de táticas e objetivos " f i n a i s " (aqui, é claro, eu me reín-o ao modelo socialista democrático, do meu compromisso político), estamos em aliança, n u m a frente única e ampla. Òs "mat izes" a que

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acertadamente se refere a colega venezuelana, em nada obscurecem as "matr i zes " \nlyar, 11)81: G). Cienti f icamente e em nov.n ' " í icno dspecltico do atuação, u mat r i z 6 mesmo a Criminologia Crit ica.

Mas, para entender melhor o que ela significa, enquanto nos opõe à Cr imino loghi Trad ic iona l e seu positivismo, creio que c ne­cessário remontar, brevemente, ás origens da disciplina.

" ' Ninguém ignora •que a Cr iminolog ia nasceu sob o comando da Scuola Positiva do Dire i to C r im ina l e que destes primeiros ensaios advém todo o corpus teórico, servindo ao que, cm contraste com a a tua l Cr iminolog ia Crítica, já se designa como Criminologia Clássica (Mestieri, 1972). Assim também os positivistas chamaram de clássico.-, os próprios antecessores, na ciência jurídica. O te imo — clássico — refere," aí, o t rad ic iona l , o consagrado pelo establishment, o que Já desempenhou seu papel histórico e que novos tempos c c i rcuns ian­ciãs permi tem superar.

A Cr iminolog ia Clássica aparece, deste modo, em ftns do século X I X e, à maneira das ciências natura is e sociais, de que ••u'ào se desgarrou — como a Biologia, a Antronologia Fisica, a Psicologia e a Sociologia, pr lnc lpa 'menlo — vai inserir-sjì no posi t iv i 'mo, ã época generalizado, nos meios científicos. Todo este movimento par­ticipava da ideologia, então ainda hegemônica, do assentado mundo capital ista.

O positivismo çrlmlnológlco, entretanto, se l i nha as mesmas raízes clàssistas'do"positivismo lega'Isla da "ei-incia jurídica" bur­guesa (Lyra Fi lho, 1980: 19 ss. e vasíiint), er-deiido n s m e m - s con­veniências, influentes na teoria soci:'! da intcllujcntziu reinante, não pactuava, sem mais, com os proced imel i os de exegese, presos ao dogma da lei e do Estado e seus "entes jurídicos" abstratos. Ao contrário, os positivistas crimino!óglcos n u t r i r a m a sua polèmica ('e argumentos até certo ponto antidogmáUeos, an monos na fase m H a l da Escola Positiva, subst i tu indo a vi«ãf) do r r lme , como criação legis-lat iva^pel f t noção.da"crimina'idado, como 'a lo bnmrmo e socia!; o desencadearam, assim, ns tecnica 1; de "defesa '':> V . X M I •"••.•de",' ró »v «"/>

jnedtófts 3?übsUativas", com a "nv,v/enç :*o f j p r c i a v ' d n digito T o s processos de "reeducação" do ( Ininf luente. F.-;tá vt'ito que tal .deslocamento apenas trocava a Idéia deVnn i ro l e ."nolal c'as/iistlco, Mediante formalismos jurídicos, nc'o controle ma's reouin 'a ' in e por­ventura (foi a ilusão) ma's e fÌC.ì?, r ^ O u ' i ' ì n i ' o n i - v ' o n " " - n w i - n ' . ^ ' ^ de enxergar, na engrenagem do Poder e pa rdmeím i\;<. e ' : ' «se dom'.-nante, o veículo (assim disfarçadamente legitimado^ da ron f i o contra toda conduta discrepante.

No positivismo crímlnológico avnltavn a infhiè^eia de A U T H ' ; ' O

Corate, seus discípulos e sucessores (Lyra F i lho J! i72\: J " - ' 9 ; .'!.r>-'i7). E o pensamento de Comte não era me"<v; centrine:o e conservador. E m última análise, v inha a assegurar u processo de dominação bur-

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«•.'.íesa. 'Comte fo l " u m a espécie de Napoleão da Filosofia, para a *'..'i:n:tíva ordem (instituída) e progresso (dentro dessa o TO e se-•••mdo seus parâmetros e teleologias)" (Lyra F i lho , 1072Ar 37). As-

ele o cientiíicismo burguês. ! 'ur Jsto mesmo, a rebeldia superf ic ial da Scttola Positiva logo

KIÍ acomodou, através de expedientes ecléticos. De F l o r i an a Gr isp ign i , ')i')deu até o nome, pois este último já preconizava u m "novo ende­reço técnico-científico", de quase p u r a dogmática e t o ta l capitulação ao .'egalismo. Bem se percebe, deste modo, que os dois posltivismos — .'exausta e " n a t u r a l i s t a comteano" — eram conciliáveis, no seu teor básico. Juristas e crlminólogos do posit ivismo amalgamado po­deriam, conseqüentemente, manejar, como alternat ivas, as medidas-i !o tecnicismo jurídico e do " n a t u r a l i s m o " crlminológico. Assim nas­c e u o "dup lo binário", chegando ao disparate de certas "soluções", iu«no a de,"primeiro, " cas t i gar " o "doente " e, depois, t en ta r "curá-lo" (Kra^oso, 1020: 200/7). De qualquer forma, o elemento repressivo

«continuava a funcionar , seja na punição, seja nos provimentos " cu ra -••vos" e "reeducatlvos". Não à toa a Cr imino log ia Cr i t i ca é irmã :v " i u a da Ant lps lqu ia t r l a .

Pena, defesa social, reeducação, prevenção geral ou especial, I n t i ­midação, retribuição e medidas "assistenciais" enriqueciam a palheta, mas, ao f i m e ao cabo, destlnavam-se à mesma p i n t u r a .

De fato, no plano da investigação crlminológlca, a pesquisa, d i ta causai-explicativa, do del i to (considerado ind i v idua l ou coletivamente 11 os ramos "clínico" e "sociológico" da Cr iminolog ia Tradic ional ) lançava u m dado aparentemente mais solto, na análise dos fenôme­nos cr iminais . Todavia, o parâmetro ut i l i zado não se alterava, subs­tancialmente, Já que a visão do cr ime conservava a admissão de que c delito era definido, em todo caso, pelos Códigos ou por outras normas s.viais da ciasse dominante . O Estado subsistia, como u m poder su­postamente Isento, em todo o básico sentido de hegemonia do capita l , î-spo'iando a classe trabalhadora.

N'este panorama, uma reta colocação dialética não deve, entre­tanto , m in imi za r as contradições, seja do próprio Dire i to estatal burguês, seja da dou t r ina criminológica e penitenciária. Nisto, con-."undiriamos os esforços, por exemplo, duma vida à Concepclon Arenal i-om a perseguição de u m Javert a todo Jean Val jean; e, ainda mais gravemente, ficaríamos em queda no que até as posições originárias e ortodoxas do marxismo já v iam como certo meèanismo manifesto (Engels, 1977: 38). - *

U m grande entusiasmo em denunciar os condicionamentos e'assisticos e infra-estruturais tangencia, no próprio Cir ino e decerto ' • o u t r a as suas melhores intenções, a redução mecanicista. Na sua ' . 'Vs ' 1 , o lado crítico nem sempre se volta para aquele fundamenta l

• c'.o, íicando mais preso à consideração — sem dúvida relevantis-

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slma — do outro lado, Isto é, do que t r a i os Interesses e conveniências da classe dom' ante. Devo dizer que encaro com certa preocupação a ênfase exces.../a, que se d istra i das contradições, sobretudo quando se yolta para situações concretas o contribuições teóricas especiais. Talvez esteja a l a razão da s impat ia que Cir ino demonstra, na Cri­minologia Radical, pelas colocações de Foucault . Decerto, ele arrola Foucault entre os autores " ideal is tas" (CirJno, 1021: G l ) ; mas, em seguida, passa à resenha de Surveiller et Punir com o arroubo de quem vai saudar uma Importante contribuição teórica. Não haveria, nisto, uma Incompreensão do próprio sentido da obra focalizada? Foucault mesmo ressalva que, no seu l ivro, não está o enquadramento teórico do estudo sobre as prisões, a l i desenvolvido (Foucault, 1075: 315, nota ) . Este deveria ser buscado em trabalhos anteriores (quanto à epistemologia empregada) e subseqüentes (no que se refere ã inves­tigação histórica, Intentada como preliminar). Ora, na epistemologia aplicada não hã traço que o salve do idealismo o, assim, se compro­mete a própria focalização específica do nroblema penitenciário (Coutinho, 1972; G iano t t i , 1979; C iano t t l , !9 «0 ) . Quero dizer, com Isto, que, nada obstante agudas observações, íiehamentos c cr it icas do autor francês, o seu esforço é, em última análise, em tese e em concreto, deturpado pela visão idealista, que advém de variações prisionais ligadas a substrato Incompatível com toma persoecttva " r a d i c a l " dos problemas. Nem me parece que : cr i t i ca de !\Vo.«,si, esposada por Cir ino, seja suficiente para compensar a superestima-ção do trabalho daquele ardiloso francês, pois, cm Melossi, o que vem à tona 6 precisamente a tendência reduclonlsia e mecanicista, com o vezo de "liqüidar" toda a evolução penitenciária, como se fosso apenas a expressão, sem contradições, da dominação classista. Entre o anarquismo de Foucaul t e o mecanicismo de Melossi, não vejo qual­quer avanço ou melhora.

É certo, porém, e nisto acompanho a posição de Cir ino, que ns projeções Inst i tucionais hão de trazer o selo da estrutura social !m-pluntada e segundo ela se enformarem, nas l inhas gerais. Da mesma forma, o positivismo crlmlnológlco, dando a tais estabelecimentos u m a "justificação" defensista, que requinta e mascara crueza do "cast igo" , transforma-se em canonização ind ire ta da repressão bur­guesa. Reeducação e defesa social desenvolvem teses que agravam as coisas, na medida em que se concedem álibis teóricos e comodidades da "Uoa consciência".

A t r i bu i r , como faz a Cr iminolog ia Clássica, ao comportamento desconforme — no estalão das leis ou das "normas de c u l t u r a " da olasse dominante —, u m elenco de causas (ou, menos rigidamente, fatores de propiciação), de.natureza bio-psiquica ou "soc ia l " — deixa intocados os preceitos ditadòspela dominação ilegítima (sem prejuízo

'i das contradiç.õcj emergentes).

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t Aliás, um certo "marx ismo pos i t iv is ta" não deixou de engolir vor lebre. Identificava aquelas "causas" da delinc nela co-

• • ' . ' . I determinações da miséria,, da in jus ta repar^ão^osjbens^at^da propriedade pnvaTa_d.os_meíds_d olviclâvai contudo," qiie .t cM|mj,n;gj?!ã5e-mcsma.dns.con^vitas é definida.pelÍL'daisft.domlnan :

•e, m forma ..que .resguardados seus Jntejressea^ejposIçfio^Torno a acentuar, aqui, é evidente, as contrãdlçõêsVmüito bêní destacadas na d^tmção dc Roberto Lyra , pa i , entre crimes de criação classística e 'crimes de perigo e dano comuns" , que, "mesmo n u m a sociedade t-.strüturada em classes", não estão ausentes do elenco de tipificações legais (Lyra, 1948: 15). Esta visto, quanto a estes últimos, que, então, reaparece o problema dos fatores, inclusive econômicos, de propicia­d o . De toda sorte, o economiclsmo de Bonger (Taylor, Wa l t on e Yc-.mg, :073: 222 ss) a inda lembrava aquele "socialismo de ju r i s t a s "

1 H i r i s t a s legalistas, entenda-se), que despertou o sarcasmo de Engels I : - : M L ' C ! S , 19U0: 3 ) .

TDm síntese, fa lar de causas ou fatores econômicos, omi t indo (e, portanto, consagrando) os condicionamentos econômicos da t l p l f l -'•aí-ito c r i m i n a l da conduta, revertia, sempre, ao positivismo, apesar d a s pretensões "marx i s tas " .

Em que pesem, torno a acentuar, as contradições da dominação ciassista (que a inda não eram apontadas e exploradas, sequer na direção que hoje t oma o "uso a l t e rna t i vo " do Dire i to de Barcel lona, com repercussão n a Cr imino log ia — Sola, 1979: 54), o parâmetro roücia!" da es t ru tura podia absorver os reformlsmos de superfície, . ta ! como a reeducação, em lugar do castigo, trocando a retribuição peia "defesa social". Esta, assim, permanecia como defesa de classe. Aiiás, a mudança de cartas não afetaria as regras do Jogõ7Pára*este, as "mãos", tomadas com o idealismo dos rótulos, eram francamente intercambiáveis. Mais adiante, o esboço de crise social, ameaçando o establishment, produz ir ia u m retorno de preocupações repressivas, .'teapareceu, conseqüentemente, o "cast igo" , medíante_incrimj.naç9çs_ esneciajs_o\L. mais v io lentas j>e jna^ dos aba[ados_privÍ-V'[',iosda domlnação.'"Àssim, ao " l i be ra l i smo" das ficções "educativas, .•:uo'?õlT' o velho esquema da porretada, com a hister ia conservadora a. pedir sanções cruéis contra o lumpen que ela própria gerara, na violência es t rutura l do sistema. Na hora da escalada, rompem-se os

, esgotos sociais, as baratas e ratazanas invadem as ruas e o burguês man ipu la o susto da pequena-burguesia, levando-a a berrar com ele o " m o r r a per el lo" da mais ant iga tradição absolutista e auto-

' crátiua (Lyra F i lho , 1972: 22). Isto visa, é claro, ocultar a violência estrutura l .

Pouco Importa que uma tradição positivista houvesse trocado as leis peio "sent imento médio de piedade e probidade", como pedra

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de toque das ' '" ' ltudes ou Il icitudes cr iminais , pois ta l noção, mano­brada pelos in . - iectuals burgueses, a pa r t i r de Garofalo (com baronia e tudo ) , acaba conf luindo nos critóiins-gémcós de incriminarão. O "sent imento médio" é moldado peia c'a>'se dominante,-a mesma classe que produz as leis, no mundo capital ista.

A Cr iminolog ia velo, em conseqüência, presa, na origem, a um.\ espécie de idealismo "reeducador", "terapêutico" e "deíensista". como desdobramento da Ideologia soclológlco-ccntrlpeta do controle social conservador. Ele foi, apenas, transposto da Socíolgla burguesa tl.yra. Fi lho, 1 9 3 0 B : 13) para a ciência criminológica nascente. -Veste ângulo, de resto, é que se entende a colocarão de Cirino, na ;.u.t Criminologia da Repressão, quando nega ;\ "ciência u n i t i v a " i'<> crime o próprio status científico (Cirino, 1971): H S i . N';ula obs ta f e . >-v quisermos evitar todo maniquefsmo iníradialctvo —. em que a-xucce uma Ciência (a a tua l , a nossa) e uma ps^ntoc i f -n r i a ( a a n * : " a . a alheia) , temos de convir em que o juízo pwumeitte ncga' ivo sobre a tradição criminológica, não só desdialcUza o enfoque, mas che-a a manifestar u m evidente anacronismo. Não se poderia solicitar a visão dos precursores u m horizonte histórico não Jvseermvel, a a l tura em que t raba lharam. Nem havia condições favoráveis para :\ cons­cientização que lhes é cobrada. Por outro lado. a condenarão, pura eslmples, do positivismo como ideologia, além desse pecado de Inver­são temporal , parece ins inuar que agora chegamos á verdadeira, exata e def in i t iva ciência, que basta aplicar, dogmaticamente — pois há o perigo de u m dogmatismo neo-crlmlnológlco tnmhém. Nsnliuvm etapa científica escapa n certo grau de contaminação ideológica e nenhuma delas se l im i t a , relatlvistlcamente, a isto. Sempre s»- pro-grlde nas conquistas do que Schaff denominou a "verdade-nrocesso" (Schaff, 1970; 09), sem at ing i r u m "saber absoluto", que engendra todos os dogmas (inclusive os do marxismo dogmático).

Antes de render-se ao fascismo da velhice, que lhe macula a biografia, Fe r r i pregara u m "soSfalIsmo de j u r i s t a " que. nada obs'an­te as suas limitações, desempenhou importante funç:V> dinamizadora. Seu reformismo, é evidente, cont inuava pre.so á Sociologia "pos i t i va " (sobretudo na via do organiclsmo á Spencev). Mas iv.r.-.nú-m >\'era contestar-lhe, val idamente, certas contribuições importantes, desde a-polêmica mant ida com Lombroso, para negar a tese do criminoso nato, até o esboço dos " fatores" e as sugestões da "saturação", que I r i am, dali por diante, governar toda a Criminologia Clássica e. ape­sar da básica insuficiência desta, emergir, transfigurados, numa Criminologia Crítica e Dialética (Lyra Fi lho, 1 9 7 5 : 2 9 - 5 7 ; Lvra Fi lho, 1 9 8 1 ) .

Também a Criminolog ia Liberal , como já foi lembrado, cumpre uma etapa importante , no desenvolvimento interno da ciência c r im i ­nológica. Basta destacar, entre outros elementos, a noção de while

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*v'o!lar crime, que os nossos autores t e imam em traduz i r co^o " c r ime d>> colarinho branco". Isto, em português, simplesmente _ não t em sentido. O "colar inho branco" designa aqueles empregados, que se distinguem dos que realizam trabalhos manuais e po r t am uni formes, simbolizados pelo "co lar inho a z u l " (blue collar). A pa r t i r desta i n d i ­cação semiológica, Infla-se e cresce a separação, com base nas si tua­ções opostas de operário e pequeno-burguês, tendendo, através do conceito de white collar crime, a designar certos privilégios que p r i n ­c i p i a m na faixa oscilante da "classe média" e t e r m i n a m englobando a ' a l t a burguesia. Por isso mesmo, pref iro abranger as modalidades I n d i c a d a s na expressão de "cr imes privi legiados", que melhor indica o " r a u crescente de "consideração" e " Imunidades" , sejam elas legais, s" a m consuetudinárias, até contra legem, dos não-operários ou não--trabalhadores, no sentido classistico. A atenção dada a esse fenômeno p o r Suther land adquire m u i t o mais relevo, n a Cr iminolog ia Crítica do r . u e a "associação di ferencia l " , isto é, a tese cr.'minológlca (para ele) básica, lím qualquer hipótese, a Cr imino log ia Crítica t em dedicado — e com razão — estudos avançados e aprofundados ao " c r ime pr iv i leg iado" . Assim se estabeleceu o programa de pesquisa compa­r a d a na América L a t i n a (Aniyar, .1978: 09-102), com o ramo bra­s e i r o , projetado Justamente por Cir ino , que dist ingue o "falso cola-rm.ho b ranco " da pequena burguesia e o " co la r inho branco " propr ia ­m e n t e d i to , da " a l t a classe" (Cir ino, 1979A: 7 ss). Suther land mesmo r v . o estava alheio a essa transposição do tallite collar, da sua modesta des'gnacào pequeno-burguesa, para a vista assestada nos que man i ­p u l a m os cordéis de todo o sistema capital ista. É, de fato, a preocupa­ç ã o com o " c r ime pr iv i leg iado" , que ascende à mat r i z dos mais " a l t o s " p r i v i l é g i o s .

Também o arremate da obra de Cloward Sc Ohlín, embora em perspectiva t im idamente neo-cláslca, abre passo, no contexto l iberal , à agudeza da crítica à es t rutura social, na medida em que esta, c r ian­do obstruções à ascensão social das classes ditas inferiores, gera a cr imina l idade convencional, sobretudo através do lumpen, por ela u i ' - m a produzido. Esta part icular idade da delinqüência, criada pela l a i t a de "opor tun idade " , não só desencadeou a resistência conserva­d o r a m u i t o sintomática (Gõpplnger, 1980: 62), mas também me per­m i t i u desdobrar as sugestões dos crlminólogos americanos, em u m a a n á l i s e da problemática, referente a drogas e cr iminal idade (Lyra Vüb.o, 197G: 26 ss). Aliás, a disposição crítica, pelo menos em Oh i ln , e r a t ã o marcante, que dele pude receber a Inesperada e reconfortante a p r o v a ç ã o do avanço, em carta cheia de s impat ia e compreensão.

A rotulagem {labelUng), cujo restr i to alcance é corretamente a c e n t u a d o por Cirino (Cirino, 1981: 19 ss), já assentava n u m a expres­sa a d o ç ã o daquele modelo-confllto, presente na Criminologia L ibera l — s o b o acicate da crise de estrutura da sociedade — e, embora sem

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ameaçar basicamente o modelo centrípeto-conservador (Lyra Filho, 1980B: 10-13) " i n h a revelando todo o desconforto, ante a situação óbvia. Devido ». superficialidade com que encara o confl ito social, o modelo novo pôde ser intel igentemente cooptado por Dahrendorf. E a rotulação, a ele v inculada, acabou descrevendo, sem explicar, de­vidamente, a "marginalização" dos grupos oprimidos (que 6 preciso d is t inguir , nesta mediação, das classes espoliadas — Lyra Fi lho, 1981C: 25). Entre estes grupos oprimidos estão aqueles cuja "mar ­g inal idade" não se prende, em forma direta, à cisão classístlca. Mlal l le arrola, por exemplo, as minor ias étnicas, regionais e sexuais (MíaU-le, 1978: 123), que o sistema "condena" e cuja posição repr imida pode, inclusive, subsistir, apesar da troca do modo de produção. Assim é que, mesmo em países socialistas, a "rotulação" prossegue e a re­pressão cont inua, i l eg i t imamente (a exemplo do que ocorre, perante o machismo cubano, com a situação das mulheres e dos homos­sexuais; ou, no anti-semitismo soviético, para as restrições de direitos do judeu, por ser- judeu) . IsU&é claro, não afeta a pureza cio Ideal socialista, na medida em que aqueles socialismos autoritários revelam a própria deturpação inadmissível. " U m socialismo autoritário", como dizia Bloch, "é u m a contradição em termos" (Bloch, 19C5: 231-232; Lyra F i lho , 1981E: 9-11). A propósito, vejam-.™ as Justas ressalvas de Loney, quanto ao caso cubano (Loncy, ' l973: '<2-ob) .

** De toda sorte, a teoria da rotulação também não precisa ser abandonada, sem mais, porque cumpr iu e ainda cumpre (inclusive entre nós — Misse, 1979) uma função útil de análise e desmascara­mento, sobretudo se enriquecida com os rccnquodramenios mais precisos.

Não quero alongar o ro l de exemplos, que visam, em todo caso, a subl inhar a m i n h a visão da marcha" e superações da doutr ina c r i -mlnológlca t rad ic ional . Receio que, na demarcação írisante das r u p ­turas, o meu colega Cir ino tenda, ás vezes, a esquecer o lado positivo da Criminologia Clássica e a tomar aquela superação, que in tenta na Criviinologia Radical, u m t a n t o . . . " rad ica lmente" . Tem-se a Im­pressão de que vai por terra, e de forma Irremediável, um passado, que a meu ver se cuida, mais exatamente, de transcender, íncovporando-o. transf igurando-o e reenquadrando-o, na forma dialética de "negação da negação" e que não é caso dum simples aniqui lamento. Por outras palavras, além do perigo do mecanicismo, ronda, no texto, o jogo, também, arriscado, da "verdade" após o " e r ro " , assim como uma espécie de ardente denúncia dos antecedentes, por uma fé mul to vigorosa na "ciência" imaculada que se segue h " p u r a " ideologia. Creio, ao revés, que ainda temos, na pcrspectatlva histórica, os sempre novos caminhos a t r i l h a r e que a melhor convicção, em que estamos (e na qual coincido, em larga parte, com a de C i r ino ) , de todos os modos conduz a precários resultados humanos. Quanto ao itinerário

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percor r ido , ficará sempre a lguma coisa que nSo se reduz a " e r r o " e '•'ideo.'ogia" apenas, porém que se in tegra n a busca "verdade--processo" de" Schafí, a que já me refer i . Por isso mei>«io, Ortega, V.'MV.:\ de suas melhores páginas, apl ica a lição de Hegel ao exame crit ico da fi losofia de K a n t , no tando que " t oda superação é negação, mas toda verdadeira negação 6 conservação". A p a r t i r da i , no ta o uensador espanhol, é que podemos "ser ou t ra coisa, mais além" (Or­tega, lOCC, I V : 25-2G).

U m le i tor malicioso poderia dizer, a esta a l tu ra , que escrevo uma espécie de prefácio à obra de Cir ino , com a preocupação mais cons­tante de ressalvar as minhas divergências e que, nisto, estou mais propenso a fa lar da Cr imino log ia Dialética, de meu repertório, do que da Cr imino log ia Radical , da preferência do meu colega.

Antecipo esta i n t r i g a , destacando que ela é Inte iramente falsa, y.m pr ime i ro lugar , não somos, eu e Cir ino, donos da verdade, a c r i t i ­ca.!- todos os demais, n u m a dogmática pelo avesso (isto é, à luz de outra dogmática), mas, ao invés disto, procuramos ambos o acerto, t 'entro de nossas visões peculiares, com o engajamento comum da . - ^ i Ç í L o o M é s l c a ^ q u ^ 1081: 129). l i ; Í ; segundo lugar , o meu estudo foi concebido exatamente no padrão que me parece mais fecundo e adequado àquele compromisso: o con­f ronto de dois modelos da Cr iminolog ia Cr i t i ca , de evidente paren­tesco e est imulantes características pessoais. É, por assim dizer, o relatório sobre a mane i ra de situar-nos, u m e outro, no cotejo f ra-• e m a ! duma só procura da "verdade-processo". O admirável Gerard l e b r o u n , da mesma forma, prefaciou, com todo o apreço merecido, a. tese de Valério Rohden sobre K a n t , sem preocupar-se com "resol­ver", em "acorde per fe i to" , a mais moderna ha rmon ia do seu discurso. y. até assinalou: "eis que pareço pronunc iar u m requisitório contra 'íohden sob o pretexto de prefaciar seu l ivro . Mas, ju ro , não é nada disto. Ao contrário, tento dizer o mais exatamente possível que espé­cie de interesse encontrei em seu estudo" (Lebrun, 1981: 2&). Re-^ i s t m r os aporismos é também u m a espécie de homenagem, e ela resulta de t ipo superior; é mais s u t i l e desembaraçada do que os améns e rapapés. Estes, no fundo, representam o que chamo "política de ga l inhe i ro " , como se o panorama das Idéias comportasse apenas u m tfalo e a opção fosse p a r t i r para a r i n h a ou adotar a posição de ínui^a submissa. 1

E m todo caso, estamos f irmes, dentro da Cr imino log ia Crítica, naqui lo que a dist ingue do passado e tradição superados. E este posi­c ionamento comum, já o disse n o u t r a ocasião, f ica bem demarcado peio critério sugerido por Chambliss: "o ponto de par t ida para o • •íitudo sistemático do cr ime não é p e r gun ta r " (como na Criminologia Clássica) " po r que certas pessoas se t o rnam criminosas, e outras não,

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mas indagar, pr imeiro , por que certas condutas são definidas como criminosas, utras não" (Chambliss, 1974: 7 ) . Aborda-se, então, o

v que ficava omisso no positivismo crlmlnológico, determinando as i n ­suficiências a que Já me referi . Seja qua l for a modalidade da Cr i ­minologia Cr i t ica , de que se cogite, no entanto, a característica se mantém: é u m 9j^Ugmimento.clO./ÇP.Ô.m L , n o c ' a Incriminarão, rnmo pressuposto-e base_cjê.toda análise,cias condições t!c'cmcrgO.ncia do dej ito^assim j?rocümdo_em suas raizesJijstóriçQtsnçlnis, A este res­peito, comungo ' com Cir ino nu excelente colocarão que !.v/, nestes termos: " a redefinição do objeto científico da Cr imino log ia " (que, a meu ver, não se confunde com uma definição aprior ist ica, Idealista e formal de crime, indicando, n u m elenco fixo, cada tipo "e terno" — Lyra F i lho , 1981) " i n t r oduz um critério político nocs tndo da cú-.. minal idade (e das formas_dç_çontrr)1ê"clo.7c»'imc).. capaz de dotar a teoria""crirnIhõlóglçã.d,a..elimensão histórica de .seu objeto"' rea l " . Não se poderia dizer melhor ; e nem vai nisto u m simples relativismo caótico, mas u m posicionamento ante a questão c r im ina l , em tota­lidade e devenir; isto é, no contexto da situação histórica e nas transformações dos critérios de inc r im inar , que_absnrvem a dialética dominRção^llbertação e, para a Criminologia da Jlvprcsstlo, "oferecem alternativa" duma Criminologia da Libertação. Diga-se, de passagem, aliás, que não se t r a t a de aniqui lar todo controle suciai ou de imagi­nar, nülistlcamente, a jnJhjçn.sQÇiedade. sem..crinv.\ Trata-se de con­t r i b u i r para a desldeologizaçáo da teoria e a "desopressão" do controle social, entregue, riãò~ã"dominãdores ilegítimos e, sim, a própria classe Mcnndenté~e cmvlos 'de libertarão. É neste sen! ido que nos propomos o^'trabaìho'de'lntelectuajs orgânicos dojtooo bloco hiy.óriço. Também sob t a l inspiração carece de scntillô opor prevenr* (> gera! e especial, punição e defesa social, com medidas readaptudon-.s. l ista é uma ant inomia Idealista, e não uma antítese diale ' icamente superávcl. Porque o importante é notar.'a que serve o controle social: ás garan­tias da_construção_duma sociedade .socialista ou á salvaguarda - de uma sociedade que se estrutura em_ dominação espoliativa. Numa comunidade "socialista (reenquadremos, assim, a ' d l s t i n r a , de Tün-nies), há sempre, a punição dos que atentam contra a sua legitima organização, como deve existir (se a queremos legitima) a atenção aos direitos humanos, sem os quais se desnatura o próprio socialismo. Punlr_ou reeducar, impor u m pisto castigo ou defender a sociedade l e .náo a" classe que' espõliativamente a domina) são instrumentos que só ganham senUdo^qUando'siluados'perante o problema relativo à"comünidade que os empregue"è seu grau de legitimidade. Isto, sem "pT^ ju r zo^omo 'no tan i em 'Ernes rB loch , da questão jurídica (que ás vezes confunde os prttextos de defesa socialista, em desnaturamenio autocrático do modelo, e as ra: :cs de uso do controle soe!:1! para o socialismo, sem desnaturamentos) . "A dignidade humana >> impossi-

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vel, sem a libertação econômica, e esta, ac ima de empreiteiros e em­preitados de todo gênero, é Impossível também, se desap >ce a causa •.'os Direitos do Homem. Esses dois resultados não nascem, automat i ­camente, do mesmo ato, mas reciprocamente se reportam u m ao outro. .Vão há verdadeiro estabelecimento dos Direitos Humanos, sem o .'"im da exploração; não há f i m verdadeiro da exploração, sem o estabelecimento dos Direitos Humanos " (Bloch, 1070: 13). Mais do q u e isto: em relação aos sistemas socialistas implantados (Lyra F i lho , l o a i B : 8-11), no t a B loch que "depois de desaparecida a exploração e opressão dos trabalhadores, os Direitos do Homem não são menos mi l i t an tes ; então, assumem signif icado mais positivo, euauanto d i ­reitos à crítica, inexoravelmente objetiva e prática, pelo avanço da .vnstrução socialista, dentro do quadro de solidariedade; (...) sem c i a , o socialismo seria autoritário — uma contradição em termos" /Bloch, 1965: 231-232).

Sobre t a l pano de fundo é que se estendem os desdobramentos, em ciência criminolôgica, do que chamo de Cr iminolog ia Dialética c cuja síntese de princípios atualizados se encontra cm recente obra, já c i tada (Lyra F i lho , 1981). À sua luz , ademais, é que me cabe per-q u i r i r a proximidade das minhas conclusões com as que Cir ino propõe, na sua obra.

O miolo — por assim dizer — descritivo da Criminologia Radical, depois condensado nas conclusões (n.° 2) (Cir ino, 1981: 124-125), pode ser t raduzido, a meu ver, nos termos seguintes.

Dadas as relações de produção, o modo de produção, represen­tando a in f ra -es t ru tura social; dado o modo de produção, as classes, nele div ididas; dada a dominação de u m a classe, a Ideologia e as

ituiçõos, com seus aparelhos; dada a articulação das Instituições, o Estado; dado o Estado, o " D i r e i t o " , que exprime e resguarda os interesses e privilégios da classe dominante ; dado o "D i r e i t o " , como síntese qulntessenciada de "tradição, família e propriedade" (sobre­tudo a última, é c laro ) , o Di re i to C r i m i n a l ; dado o Dire i to Cr imina l , o processo e Julgamento e, no capital ismo, a prisão, a que prat ica­mente só chegam as classes dominadas; dada a prisão, como u m

.^cci.T.o, espelhando o universo social da es t ru tura capital ista, u m a espécie de imitação in t e rna das relações de classe, com os mitos d a reeducação e defesa social, em última análise disfarçando o cas­tigo, que cai sobre o espoliado; dada t a l situação Inst i tuc ional , a cobertura ideológica, em que todas as criminologias, salvo a Radical, const i tuem reforço e disfarce (consciente ou não) do mesmo processo de dominação.

J á af irmei , na arguição da tese, que estaria longe de negar que c a d a traço aplicado nesta contrução tem ponderáveis elementos con-!':rmadores na realidade social. O que me afasta do conjunto é o seu

IÍÍ!

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caráter u n i ' *.eral e compacto, que parece não enxergar mediações e contradlÇu.s, pondo todo o justo fervor de denúncia nuv.a :;:vr/A-Jicaçõo Infradialétlca do processo.

Tenho, por exemplo, u m a visão diferente, da colocação do fenô­meno jurídico (Lyra F i lho , 1081, 10111 A, 1981 13, 1UÜ1 C; Sousa Jr., 1981), que não posso desenvolver aqui, porém que fica bem apartado do simples jogo de infra-estrutura-sttperestrutura, no qual o Direi to é reduzido a um dos seus aspectos. Imre Szabò, o lurisf i loso'o hún­garo, chamou esta l e i tura reduclonista de "marx ismo Kelsen la no" , de vez que, com a aposição "exp l i ca t i va " da infra-estrutura, ficamos dentro do formalismo Jurídlco-eslatal, como se o Dire i to estatal fosse

[todo o Dire i to — e não o é; é, ao revés, cuido cu, a sua parte mais freqüentemente desnaturada, dentro do processo jurídico, seja no desaçaimado domínio capital ista, seja na embna-.juez do Poder, em u m socialismo, que, por isto mesmo, se torm. . autoritário. Dentro daquela concepção reducionista, não cabem as aquisições mais Im­portantes do próprio marxismo atual , e cito, como exemplo, além dos " iur lsnatura l lsmos de combate", como os de Bloch e Mia l l l e , a con­tundente observação (a meu ver exata) de Boaventura de Sousa Santos, mostrando que a "metáfora topográfica" Mnfra-estrutura — superestrutura) , pondo o direito apenas na segunda parte, obscurece o problema da dualidade de poderes, per turba a estratégia socialista è não capta, sequer, a melhor utilização não-burgnesa da legalidade burguesa (o que Barcel lona denomina "uso a l t e rnat i vo " ) . Al-'m disso, não favorece a reta "criação e expansão das instâncias de legalidade socialista a l t e rna t i va " (Santos, 1930: 247-24Ü). Fm síntese, espero, com vivo Interesse, o momento em que a obvu de Cir ino, alò agora voltada para a crise da Crlmino 'ogla Clássica, Incorpore ao seu ins­t r u m e n t a l teórico de superação a plural idade de ordenamentos jurí­dicos, que é a via adotada pela vanguarda sociológica e filosófico--jurídica presente. De toda sorte, a conclusão n . " 2 de Cirino parece comprometer o engajamento dialético da conclusão n.° l , exceto se, por dialética, entendermos a Infradiaietlzação ilo "marxismo pregui­çoso" ainda exposta, sob ta l rótulo, em obras soviéticas (Sartre, 19GÜ: 48) .

Por outro lado, confesso que não entendo mu i t o bem a razão de confinar-se a Criminologia Radical, enquanto ciência, àquelas su­perestruturas do capitalismo, como se os países socialistas, existentes ou que venham a fundar-se, não tivessem uma questione critninale. E eles a têm, é Indiscutível, não apenas como "remanescente" do capitalismo anterior. Esta colocação, que debitava os "restos" á es­t r u t u r a substituída, não é mais defendida, sequer, na União Soviética (Lyra, 19GG: 9) . Sakharov mesmo voHa, subsidiariamente, às condi­ções da "personalidade do cr iminoso" , embora debite ta! desajuste (pressuposta, et pour cause, a perfeição es t rutura l e funcional da

GO

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sociedade soviética — o que é u m a premissa desafiada pelos fatos) ' consideração de que " a consciência do homem não acomoanhou a trvoiução das condições mater ia i s " (Lyra, 19CG: 9) . Elir. .ado este ângulo russo, há que convir, creio eu, em que o problema c r im ina l não e sJ uma questão de troca dos modelos e "correção" da Iníra--estrutura. Ele subsiste, e subsistirá sempre, n u m a visão dialética, a que se poderia dar u m a expressão exata, mais ou menos assim: .uas sociedades (ou momentos da sua es t rutura ) em que o f luxo his­tórico condiciona a pressão reforçada do melo (espoliação de classes, opressão de grupos) , cresce e se avoluma o ângulo macro-crlminoló-

co e, de par com a proliferação v io lenta das normas sociais de repressão da conduta desconforme, esta mesma conduta não pode •;<•:• analisada como se fora (e não mais) u m a emanação de fatores • •••••.dieionantes ou causas ind iv iduais e biopsíqulcas (Lyra F i lho , V 7 ' ! ) . Ao revés, quando o avanço desafoga a pressão es t rutura l , em n o v a s conquistas da estruturação social mais avançada, o ângulo macro-criminológlco t em menos vigor condicionante e explicativo e ••evaiorlzam-se as condições pessoais do delinqüente ou grupo de de­linqüentes. Este, o mot i vo por que, em países socialistas, onde, ma l ­grado todas as distorções autoritárias, houve u m indiscutível progres­so nas condições mater ia is da vida popular, a atenção se volta, mais •ama vez, para os fatores "clínicos" da cr iminal idade. E, da mesma iorma, quando estas mesmas sociedades socialistas mani festam mais intensamente as suas contradições autoritárias e desvios antidemo­cráticos, r e t oma o pensamento crítico, a ind icar a pressão social, as incriminações ilegítimas e os fatores mesológlcos fortemente con­ducentes ao comportamento desafiador, mesmo na cr iminal idade "convenc iona l " (JA que estão presentes os dados de "enervamento" determinados pelo meio mais acre) . Veja-se, a propósito, o problema -.o alcoolismo e suas derivadas, na União Soviética. Essas t ransmuta­ções cie foco logo const i tuem a expressão dialética d u m processo complexo, de que é exemplo a análise sociológica da anomia, fe i ta •H»r A d a m Podgoreckl, na Polônia, e cont inuada na Ing la terra , quando :.e agravaram as tensões, no país de origem.

E m síntese e com respeito ao conjunto das conclusões da tese de Cir ino , parece-me que ela apresenta, saudavelmente, uma crítica — oinbora algo compacta, s impl i f icada e mecânica — da questão c r i ­m i n a ! (em teoria e prática), nas sociedades capitalistas em crise e ('••cadência; mas não funda u m a ciência criminológica, dentro das caracter ís t icas de universalidade, total idade e devenir, ao nível his­tórico em que captamos a "verdade-processo". Esta carência deriva-se, a m e u ver, do fato de que se prende, com excessiva uni lateral ldade, a o s esquemas de um marxismo em vias da superação, que, de toda . • o r t e , o conserva (dialeticamente) e (dialeticamente) t rans f i gura , • •o rno u m a conquista do pensamento humano, a ser t ra tada com

V.1

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reverência algo menos sacramental . Alias, Isto seria, penso eu, o que Marx e até E r r e i s pedir iam, pois já solicitei que me mostrem onde c quando algur* jeles condenou qualquer tipo de "revis ionismo", que é* conseqüência fa ta l de u m ponto de vista dialético. Marx e Engcls começaram por ser (felizmente) os "revis ionistas" de si mesmos, em diferentes fases da sua construção c as vezes t ra ta ram até com rudeza os fãs mais ardorosos e " Incondic ionais" . São exemplo disto a.-» cartas de Engels a Schmidt , reclamando novos estudos históricos e a noção duma sociedade socialista, não como epílogo e solução estável de tudo; ema i s : sem antíteses polares, sem absolutos (Engels: 1975, 518, 519, 529). Neste ângulo, reconforto-mc na conclusão de Engels, a respeito de certa rigidez dogmática do que Lefebvre chamou "marx ismo b r u ­t o " : "para ela, Hegel não e x i s t i u . . . " (Engels, 1975: 529).

Gostaria, entretanto, de ser bem compreendido, quando vou de­senvolvendo à margem das páginas, freqüentemente admiráveis, dc Cir ino as minhas dúvidas c ressalvas. Estes comentários mani festam, antes de tudo, o meu grande respeito c admiração pela trajetória ascendente do colega e pelo já considerável lastro que acumv. luu. em tão curto período. Se me parece que /. Criminoloyia liadical const i tu i u m f ruto ainda não totalmente amadurecido de seu talento, o à:.*.o de se destacar, nele, a rara qualidade. Ademais/quando nos empe­nhamos, a f ina l , em posicionamentos concretos, o mais frequentemen­te decrescem as reservas — como, por exemplo, no corretíssimo esboço duma pol i t ica científica, em vista da nova pol i t ica c r im ina l . Esta regressa na tese, a t i t u l o de conclusão 8.*, ecoando o estudo anterior sobre defesa social e desenvolvimento, JvatameiHu np 'umlU!o nas Jor­nadas Latlno-Amerlcanas de Defesa Suclul (México, !i)7í)). Keportu--me, especialmente, aos parágrafos finais, mu l to bem Jnsn'-ados e mu l t o precisos (Cir ino, 1979 B : 31-32).

Já estamos longe das promessas. Há realizações ponderáveis e 'continuo atento, para dar ao jovem colega paranaense os novos tes­temunhos da m i n h a admiração. Até mo sinto como tentado, em que pesem divergências menores, aqu 1 lealmente arroladas, a r e n d i r o que atr ibuem a Verdi, perante Carias Gomes: "<piexto aiovnw co. mlncia ilove Jlnisco io"... No l im ia r da velhice e das despedidas, é reconfortante saber que a Criminologia brasileira conta com u m lutador de tão excepcional Inteligência, íntegro caráter e destacado ardor progressista.

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