poliffonia

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estudos semióticos issn 1980-4016 semestral vol. 6, n o 2 p. 66–76 novembro de 2010 www.fflch.usp.br/dl/semiotica/es Desenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifonia Vera Lúcia Pires * Fátima Andréia Tamanini-Adames ** Resumo: Este artigo se dedica a revisar o desenvolvimento do conceito de polifonia, posição de distanciamento máximo entre autor e personagens em um infindável diálogo, a partir da análise de algumas obras pertencentes à ficção dostoieviskiana, feita por Bakhtin no livro Problemas da poética de Dostoiévski, no qual Dostoiévski é definido como o criador do romance polifônico. O dialogismo, essência da teoria bakhtiniana do discurso, reitera a presença do sujeito na comunicação, que não é vista apenas como uma simples transmissão de informação, mas como uma interação verbal ou não verbal. Os sujeitos se constituem na e pela interação. O discurso, construído a partir do discurso do outro, nunca está concluso. Então, todo texto é composto de várias vozes que, na polifonia, têm de ser equipolentes. Segundo Bakhtin, a polifonia é parte essencial de toda enunciação, já que em um mesmo texto ocorrem diferentes vozes que se expressam, e que todo discurso é formado por diversos discursos. Só compreendemos enunciados quando reagimos às palavras que despertam em nós ressonâncias ideológicas e/ou concernentes à nossa vida. A realidade do signo é objetiva e passível de um estudo metodologicamente unitário. Bakhtin chama esse estudo do discurso bivocal, que inevitavelmente surge sob as condições de comunicação dialógica e ultrapassa os limites da linguística, de metalinguística. Palavras-chave: polifonia, dialogismo, metalinguística Introdução Na música, o termo polifonia é usado desde há muito para designar um tipo de composição musical em que várias vozes, ou várias melodias, sobrepõem-se em simultâneo. Em oposição à polifonia, está a monodia, ou homofonia, na qual as vozes executam o mesmo mo- vimento melódico, seguindo um mesmo padrão rítmico. Ou, então, uma determinada melodia se sobrepõe às outras vozes, que se subordinam, adquirindo um mero papel de acompanhamento 1 Mas não é só a música que reivindica o termo poli- fonia. O filósofo da linguagem, Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975), na década de vinte do último século, lançou a ideia de polifonia, empregando o con- ceito na análise da ficção dostoievskiana e sugerindo que a mesma colocava em jogo uma multiplicidade de vozes ideologicamente distintas, as quais resistiam ao discurso autoral. Bakhtin estendeu o conceito a todo gênero romance, no qual, para o filósofo da linguagem, ora se orquestram, ora se digladiam linguagens sociais que se impõem ao autor do romance como expressão da diversidade social que este quer representar na sua escrita. Assim, para Bakhtin, a polifonia é parte essencial de toda enunciação, já que em um mesmo texto ocorrem diferentes vozes que se expressam, e que todo discurso é formado por diversos discursos. Schnaiderman (2005, p. 15) diz que a lição de Bakhtin sobre a importância da multiplicidade de vozes em * Universidade Federal de Santa Maria (ufsm). Endereço para correspondência: [email protected] . ** Universidade Federal de Santa Maria (ufsm). Endereço para correspondência: [email protected] . 1 A trajetória da homofonia à polifonia na história da música ocidental inicia-se durante o papado de Gregório, por volta do ano 600, quando a Igreja Católica, então a principal potência política do Ocidente, procurou unificar o canto da Igreja sobre o modelo romano. Duzentos anos depois, Carlos Magno interessou-se pela unificação da liturgia, com um duplo fim político — disciplinar o poderoso papado e fortificar a unidade de seu império —, impondo um repertório de cantos de Igreja que julgava ser o verdadeiro canto prescrito por Gregório. O chamado “canto gregoriano”, composto de melodias unitárias e homofônicas, tentava expressar o poder político-religioso da Igreja Católica. Somente no século XII, surge outro tipo de composição em que vários segmentos melódicos desenvolvem-se interdepen- dentemente, na qual as melodias diferenciam-se e não são mais as mesmas nas várias vozes. Depois de séculos de imposição de um repertório musical monódico, sucessivo e horizontal, surgia o emaranhado polifônico de várias vozes, desenvolvendo-se simultaneamente, ou seja, a música polifônica, que irá predominar de forma mais efetiva a partir do século XIV (Paulo Augusto Faria Mota, A música polifônica medieval europeia como precursora da noção de tempo métrico na ciência moderna, Artnet. Juiz de Fora, 2006. Disponível em: www.artnet.com.br/pmotta/gillaum.htm . Acesso em: 5 dez. 2009)

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estudos semioacuteticos

issn 1980-4016

semestral

vol 6 no 2

p 66 ndash76novembro de 2010

wwwfflchuspbrdlsemioticaes

Desenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifonia

Vera Luacutecia Pires

Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

Resumo Este artigo se dedica a revisar o desenvolvimento do conceito de polifonia posiccedilatildeo de distanciamentomaacuteximo entre autor e personagens em um infindaacutevel diaacutelogo a partir da anaacutelise de algumas obras pertencentesagrave ficccedilatildeo dostoieviskiana feita por Bakhtin no livro Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski no qual Dostoieacutevskieacute definido como o criador do romance polifocircnico O dialogismo essecircncia da teoria bakhtiniana do discursoreitera a presenccedila do sujeito na comunicaccedilatildeo que natildeo eacute vista apenas como uma simples transmissatildeo deinformaccedilatildeo mas como uma interaccedilatildeo verbal ou natildeo verbal Os sujeitos se constituem na e pela interaccedilatildeoO discurso construiacutedo a partir do discurso do outro nunca estaacute concluso Entatildeo todo texto eacute composto devaacuterias vozes que na polifonia tecircm de ser equipolentes Segundo Bakhtin a polifonia eacute parte essencial de todaenunciaccedilatildeo jaacute que em um mesmo texto ocorrem diferentes vozes que se expressam e que todo discurso eacuteformado por diversos discursos Soacute compreendemos enunciados quando reagimos agraves palavras que despertamem noacutes ressonacircncias ideoloacutegicas eou concernentes agrave nossa vida A realidade do signo eacute objetiva e passiacutevel deum estudo metodologicamente unitaacuterio Bakhtin chama esse estudo do discurso bivocal que inevitavelmentesurge sob as condiccedilotildees de comunicaccedilatildeo dialoacutegica e ultrapassa os limites da linguiacutestica de metalinguiacutestica

Palavras-chave polifonia dialogismo metalinguiacutestica

IntroduccedilatildeoNa muacutesica o termo polifonia eacute usado desde haacute muitopara designar um tipo de composiccedilatildeo musical em quevaacuterias vozes ou vaacuterias melodias sobrepotildeem-se emsimultacircneo Em oposiccedilatildeo agrave polifonia estaacute a monodiaou homofonia na qual as vozes executam o mesmo mo-vimento meloacutedico seguindo um mesmo padratildeo riacutetmicoOu entatildeo uma determinada melodia se sobrepotildee agravesoutras vozes que se subordinam adquirindo um meropapel de acompanhamento1

Mas natildeo eacute soacute a muacutesica que reivindica o termo poli-fonia O filoacutesofo da linguagem Mikhail MikhailovichBakhtin (1895-1975) na deacutecada de vinte do uacuteltimoseacuteculo lanccedilou a ideia de polifonia empregando o con-

ceito na anaacutelise da ficccedilatildeo dostoievskiana e sugerindoque a mesma colocava em jogo uma multiplicidade devozes ideologicamente distintas as quais resistiam aodiscurso autoral Bakhtin estendeu o conceito a todogecircnero romance no qual para o filoacutesofo da linguagemora se orquestram ora se digladiam linguagens sociaisque se impotildeem ao autor do romance como expressatildeoda diversidade social que este quer representar nasua escrita Assim para Bakhtin a polifonia eacute parteessencial de toda enunciaccedilatildeo jaacute que em um mesmotexto ocorrem diferentes vozes que se expressam eque todo discurso eacute formado por diversos discursosSchnaiderman (2005 p 15) diz que a liccedilatildeo de Bakhtinsobre a importacircncia da multiplicidade de vozes em

Universidade Federal de Santa Maria (ufsm) Endereccedilo para correspondecircncia 〈 verapiresterracombr 〉 Universidade Federal de Santa Maria (ufsm) Endereccedilo para correspondecircncia 〈 fandreiayahoocombr 〉1 A trajetoacuteria da homofonia agrave polifonia na histoacuteria da muacutesica ocidental inicia-se durante o papado de Gregoacuterio por volta do ano 600

quando a Igreja Catoacutelica entatildeo a principal potecircncia poliacutetica do Ocidente procurou unificar o canto da Igreja sobre o modelo romanoDuzentos anos depois Carlos Magno interessou-se pela unificaccedilatildeo da liturgia com um duplo fim poliacutetico mdash disciplinar o poderoso papadoe fortificar a unidade de seu impeacuterio mdash impondo um repertoacuterio de cantos de Igreja que julgava ser o verdadeiro canto prescrito porGregoacuterio O chamado ldquocanto gregorianordquo composto de melodias unitaacuterias e homofocircnicas tentava expressar o poder poliacutetico-religioso daIgreja Catoacutelica Somente no seacuteculo XII surge outro tipo de composiccedilatildeo em que vaacuterios segmentos meloacutedicos desenvolvem-se interdepen-dentemente na qual as melodias diferenciam-se e natildeo satildeo mais as mesmas nas vaacuterias vozes Depois de seacuteculos de imposiccedilatildeo de umrepertoacuterio musical monoacutedico sucessivo e horizontal surgia o emaranhado polifocircnico de vaacuterias vozes desenvolvendo-se simultaneamenteou seja a muacutesica polifocircnica que iraacute predominar de forma mais efetiva a partir do seacuteculo XIV (Paulo Augusto Faria Mota A muacutesicapolifocircnica medieval europeia como precursora da noccedilatildeo de tempo meacutetrico na ciecircncia moderna Artnet Juiz de Fora 2006 Disponiacutevel em〈 wwwartnetcombrpmottagillaumhtm 〉 Acesso em 5 dez 2009)

Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

nosso mundo foi uma liccedilatildeo de afirmaccedilatildeo democraacuteticae antiautoritaacuteria partida de algueacutem que era viacutetima daviolecircncia stalinista

Fiorin (2006 p 20) concorda com a concepccedilatildeo bakh-tiniana de que ldquonatildeo satildeo as unidades da liacutengua quesatildeo dialoacutegicas mas os enunciadosrdquo O autor (2006p 22) tambeacutem diz que as unidades da liacutengua natildeosatildeo dirigidas a ningueacutem soacute os enunciados tecircm desti-nataacuterio De acordo com Bakhtin (1999 p 131-132)para compreendermos a enunciaccedilatildeo de outrem deve-mos orientar-nos em direccedilatildeo a ela e encontrar o lugaradequado dela no contexto correspondente

A cada palavra da enunciaccedilatildeo que estamosem processo de compreender fazemos cor-responder uma seacuterie de palavras nossas for-mando uma reacuteplica Quanto mais numerosase substanciais forem mais profunda e realeacute a nossa compreensatildeo (Bakhtin 1999 p132)

Soacute podemos compreender enunciados quando reagi-mos agraves palavras que despertam em noacutes ressonacircnciasideoloacutegicas eou concernentes agrave nossa vida Compre-ender eacute opor agrave palavra do locutor uma contrapalavraldquoO ser refletido no signo natildeo apenas nele se refletemas tambeacutem se refrata O que determina essa refraccedilatildeodo ser no signo ideoloacutegico O confronto de interessessociais nos limites de uma soacute e mesma comunidadesemioacutetica []rdquo (Bakhtin 1999 p 46)

No ano de 1929 Bakhtin escreveu Problemas dasobras criativas de Dostoieacutevski reeditado em 1963 sob otiacutetulo de Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Nesse li-vro Bakhtin (2008 p 4) defende que ldquoDostoieacutevski natildeocria escravos mudos (como Zeus) mas pessoas livrescapazes de colocar-se lado a lado com seu criador dediscordar dele e ateacute rebelar-se contra elerdquo

Os textos que inspiraram as reflexotildees bakhtinianasacerca da polifonia satildeo os do seu conterracircneo Fioacute-dor Dostoieacutevski considerado hoje um dos maiores emais inovadores romancistas da literatura mundial detodos os tempos2 ldquoAquelas profundidades da almahumana cuja representaccedilatildeo Dostoieacutevski consideravatarefa fundamental de seu realismo no sentido su-premo revelam-se apenas no apelo tensordquo (Bakhtin2008 p 292)

Conforme Scorsolini-Comin et al (2008 p 6) Bakh-tin emprega a palavra polifonia para descrever o fatode que o discurso resulta de uma trama de diferentesvozes sem que nunca exista a dominaccedilatildeo de uma voz

sobre as outras E uma das caracteriacutesticas do conceitode dialogismo de Bakhtin eacute conceber a unidade domundo como polifocircnica na qual a recuperaccedilatildeo do co-letivo se faz via linguagem sendo a presenccedila do outroconstante A linguagem na concepccedilatildeo bakhtinianaeacute uma realidade intersubjetiva e essencialmente dia-loacutegica em que o indiviacuteduo eacute sempre atravessado pelacoletividade

Bakhtin (2008 p 308) definiu Dostoieacutevski como ocriador do chamado ldquoromance polifocircnicordquo entendidocomo um texto em que diversas vozes ideoloacutegicas con-traditoacuterias coexistem em peacute de igualdade com o proacuteprionarrador Eacute um tipo de romance que se contrapotildee aoromance monoloacutegico Entretanto Rechdan (2003 p46) adverte que dialogismo natildeo deve ser confundidocom polifonia pois o dialogismo eacute o princiacutepio dialoacute-gico constitutivo da linguagem enquanto a polifoniase caracteriza por vozes polecircmicas em um discursoPodemos concluir que nos gecircneros polifocircnicos haacutevozes tatildeo polecircmicas quanto as dos personagens dosromances de Dostoieacutevski os quais funcionam comoseres autocircnomos com visatildeo de mundo voz e posiccedilatildeoproacutepria Ao contraacuterio como na monodinia musicalnos gecircneros que tendem agrave monologia uma voz dominaas outras vozes que se subordinam ldquoo monologismotal qual o capitalismo reduz o indiviacuteduo agrave situaccedilatildeo deobjetordquo (Venturelli 2006)3

Este artigo se propotildee a revisar a partir da anaacutelisedo discurso de Dostoieacutevski em algumas de suas obrasfeita por Bakhtin no livro Problemas da poeacutetica de Dos-toieacutevski no qual o romancista eacute definido como o criadordo romance polifocircnico o desenvolvimento do conceitode polifonia ldquoposiccedilatildeo de distanciamento maacuteximardquo (Be-zerra 2008b p IX) entre autor e personagens em uminfindaacutevel diaacutelogo Para tanto revisamos tambeacutem osconceitos de dialogismo mdash que para Bezerra (2008bp IX) ldquoconstitui o fundamento maior de Problemas dapoeacutetica de Dostoieacutevskirdquo mdash e metalinguiacutestica mdash perspec-tiva que conforme Bezerra (2008b p XV) estuda asrelaccedilotildees dialoacutegicas pertencentes ao campo do discursode natureza dialoacutegica e que portanto natildeo podem serestudadas em uma perspectiva rigorosamente linguiacutes-tica

1 DialogismoSegundo Scorsolini-Comin et al (2008 p 6) o con-ceito de dialogismo de Bakhtin entende a palavra comopossuindo um constante movimento entende o su-jeito natildeo apenas sendo influenciado pelo meio mas

2 O escritor russo Fioacutedor Mikhailovich Dostoieacutevski (1821-1881) eacute considerado um dos maiores romancistas de todos os tempos Ele foichamado por muitos como o fundador da corrente literaacuteria existencialista principalmente pelo romance Notas do subterracircneo tambeacutemtraduzido no Brasil por Memoacuterias do subsolo descrito por alguns criacuteticos como a melhor proposta para existencialismo jaacute escrita Dostoieacutevskiexplora em sua obra a autodestruiccedilatildeo e a humilhaccedilatildeo inerentes ao ser humano aleacutem de analisar patologias que podem levar ao suiciacutedio agraveloucura ou mesmo ao homiciacutedio O modernismo literaacuterio os estudos linguiacutesticos a teologia e a psicologia foram especialmente influenci-ados por suas ideias Fonte Wikipeacutedia [on-line] Disponiacutevel em 〈 httpptwikipediaorgwikiFiC3B3dor_DostoiC3A9vski 〉Desenvolvido pela Wikimedia Foundation Acesso em 12 de novembro de 2009

3 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas

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tambeacutem agindo sobre o ambiente transformando-oO dialogismo acontece dentro de qualquer produccedilatildeocultural verbal ou natildeo verbal elitista ou popular

Brait (apud Rechdan 2003 p 47) lembra que paraprecisar teoricamente o conceito bakhtiniano de dialo-gismo deve-se entender o princiacutepio da heterogeneidadeou a ideia de que a linguagem eacute heterogecircnea isto eacute deque o discurso eacute construiacutedo a partir do discurso do ou-tro que eacute o ldquojaacute ditordquo sobre o qual qualquer discurso seconstroacutei O sujeito de Bakhtin construiacutedo pelo outroeacute tambeacutem um sujeito construiacutedo na linguagem quetem um projeto de fala que natildeo depende soacute de sua in-tenccedilatildeo mas depende do outro primeiro eacute o outro comquem fala depois o outro ideoloacutegico tecido por outrosdiscursos do contexto ao mesmo tempo o sujeito eacutecorpo satildeo as outras vozes que o constituem Natildeo haacutesujeito anterior agrave enunciaccedilatildeo ou agrave escritura O sujeitode Bakhtin se constitui na e pela interaccedilatildeo e reproduzna sua fala e na sua praacutetica o seu contexto imediato esocial Mas ldquonatildeo se pode dizer que haja dois tipos dedialogismo entre enunciados e entre o locutor e seuinterlocutor Na verdade o interlocutor eacute sempre umaresposta um enunciado e por isso todo dialogismosatildeo relaccedilotildees entre enunciadosrdquo (Fiorin 2006 p 32)

De acordo com Fiorin (2006 p 19) ldquodialogismo satildeoas relaccedilotildees de sentido que se estabelecem entre doisenunciadosrdquo entendendo que haacute dois conceitos para otermo No primeiro conceito chamado de constitutivomdash que ldquonatildeo se mostra no fio do discursordquo (Fiorin 2006p 32) mdash ldquodialogismo eacute o modo de funcionamento dalinguagemrdquo pois todo enunciado constitui-se a par-tir de outro enunciado e tem pelo menos duas vozesdiz Fiorin (2006 p 24) No segundo chamado decomposicional mdash que se mostra mdash haacute a ldquoincorporaccedilatildeopelo enunciador da(s) voz(es) do outro no enunciadordquo(Fiorin 2006 p 32) Neste uacuteltimo que eacute uma formaparticular de composiccedilatildeo do discurso podemos inseriro discurso do outro citando abertamente o discursoalheio ou atraveacutes do discurso bivocal ldquointernamentedialogizado em que natildeo haacute separaccedilatildeo muito niacutetida doenunciado citante e do citadordquo (Fiorin 2006 p 33)

Rechdan (2003 p 46) escreve que o diaacutelogo tantono exterior na relaccedilatildeo com o outro como no interiorda consciecircncia ou escrito realiza-se na linguagem Odiaacutelogo refere-se a qualquer forma de discurso desderelaccedilotildees dialoacutegicas do cotidiano ateacute textos literaacuteriosBakhtin considera o diaacutelogo como as relaccedilotildees queocorrem entre interlocutores em uma accedilatildeo histoacutericasocialmente compartilhada que embora exista em umtempo e local especiacuteficos eacute sempre mutaacutevel devido agravesvariaccedilotildees do contexto

De acordo com Venturelli (2006)4 um autor aoescrever natildeo estaacute sozinho mas inserido numa seacuteriecriando uma teia entre seu trabalho e os que o precede-ram e os que o sucederam sintetizando muitas vozes

com a sua Um autor estaacute sempre na relaccedilatildeo dialoacutegicacom os outros e na polifonia sua voz eacute chamada agraveinteraccedilatildeo com as outras tantas vozes da sociedade emque se insere Em Dostoieacutevski os heroacuteis estatildeo abertosuns aos outros a monologia eacute destruiacuteda e forma-se umnovo gecircnero noveliacutestico percebido por Bakhtin atraveacutesde sua original teoria do discurso em que o significadosoacute pode nascer do diaacutelogo Segundo Bezerra (2008b pX) em Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Bakhtinparte da hipoacutetese segundo a qual as personagens deDostoieacutevski revelam tamanha independecircncia interiorem relaccedilatildeo ao autor participante e organizador dodiaacutelogo que ldquopermite-lhes ateacute rebelar-se contra seucriadorrdquo

2 Dostoieacutevski ldquoo sujeito doapelordquo

Conforme Bakhtin (2008 p 292) a autoconsciecircnciado heroacutei em Dostoieacutevski eacute totalmente dialogada es-tando sempre voltada para fora dirigindo-se a si aum outro e a um terceiro Fora do que ele chamade ldquoapelo vivo para si mesma e para os outrosrdquo a au-toconsciecircncia natildeo existe nem para si mesma Natildeo eacutepossiacutevel dominar e entender o homem interior atraveacutesde uma anaacutelise neutra indiferente assim como natildeo eacutepossiacutevel dominaacute-lo fundindo-se com ele ou penetrandoem seu iacutentimo Somente atraveacutes da comunicaccedilatildeo comele por via dialoacutegica podemos forccedilaacute-lo a revelar-sea si mesmo ldquoRepresentar o homem interior como oentendia Dostoieacutevski soacute eacute possiacutevel representando acomunicaccedilatildeo dele com outro Somente na comunica-ccedilatildeo na interaccedilatildeo do homem com o homem revela-seo homem no homem para outros ou para si mesmordquoBakhtin (2008 p 292)

Sendo assim Bakhtin (2008 p 292) enfatiza queno centro do mundo artiacutestico de Dostoieacutevski deve estarsituado o diaacutelogo o diaacutelogo natildeo como um meio mascomo um fim No mundo de Dostoieacutevski o diaacutelogo eacute aproacutepria accedilatildeo lembra Faraco (2005 p 48) SegundoBakhtin (2008 p 293) no romance de Dostoieacutevski ohomem natildeo apenas se revela exteriormente como setorna pela primeira vez aquilo que eacute natildeo soacute para osoutros mas tambeacutem para si mesmo ldquoSer significacomunicar-se pelo diaacutelogo Quando termina o diaacutelogotudo termina Daiacute o diaacutelogo em essecircncia natildeo podernem dever terminarrdquo (Bakhtin 2008 p 293) No ro-mance isso significa uma inconclusibilidade eternado diaacutelogo A obra de Dostoieacutevski nunca estaacute acabadaestaacute sempre na disputa de um diaacutelogo e aberta agrave intera-ccedilatildeo ldquoTudo eacute meio o diaacutelogo eacute o fim Uma soacute voz nadatermina e nada resolve Duas vozes satildeo o miacutenimo devida o miacutenimo de existecircnciardquo (Bakhtin 2008 p 293)

Bakhtin (2008 p 293) chama de ldquoinfinitude poten-cial do diaacutelogordquo o diaacutelogo do enredo que tende para o

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Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

fim como o proacuteprio evento do enredo do qual o diaacutelogo eacuteno fundo um momento O diaacutelogo em Dostoieacutevski inde-pende interiormente da inter-relaccedilatildeo entre os falantesno enredo embora evidentemente seja preparadopelo enredo O nuacutecleo do diaacutelogo estaacute sempre fora doenredo mas a envoltura do diaacutelogo sempre estaacute nasprofundezas do enredo

Segundo Bakhtin (2008 p 293) ldquoo esquema baacutesicodo diaacutelogo em Dostoieacutevski eacute muito simples a contra-posiccedilatildeo do homem ao homem enquanto contraposiccedilatildeodo eu ao outrordquo Para exemplificar o autor cita o heroacuteido livro Memoacuterias do subsolo o qual pensava em suamocidade ldquoeu sou um eles satildeo todosrdquo Para esseheroacutei o mundo se desintegra em dois campos em umestou eu no outro estatildeo eles cada pessoa existe antesde tudo como um outro e essa definiccedilatildeo do homemdetermina imediatamente a atitude daquele em facedeste O ldquohomem do subsolordquo reduz todas as pessoasa um denominador comum que eacute o outro De acordocom Bezerra (2005 p 194) isto eacute um novo enfoquedo homem mdash o enfoque dialoacutegico mdash uma nova posiccedilatildeoque transforma o objeto ou melhor o homem reifi-cado em outro sujeito em outro eu que se autorrevelalivremente

A vida no enredo na qual existem amigosirmatildeos pais esposas rivais mulheres ama-das etc e na qual ele poderia ser irmatildeofilho ou marido eacute por ele vivida apenas emsonho Em sua vida real natildeo existem essascategorias humanas reais Por isso os diaacutelo-gos interiores e exteriores nessa obra satildeo tatildeoabstratos e tatildeo precisos [] (Bakhtin 2008p 294)

Para Bakhtin (2008 p 294) em Memoacuterias do sub-solo a infinitude do diaacutelogo exterior se manifesta damesma maneira que a infinitude do diaacutelogo interiorO outro real soacute pode entrar no mundo do heroacutei comoo outro com o qual ele jaacute vem travando sua polecircmicainterior Qualquer voz real do outro funde-se inevita-velmente com a voz do outro que jaacute soa aos ouvidosdo ldquohomem do subsolordquo E a palavra real do outro eacuteda mesma forma levada para o que Bakhtin chamade perpetuum moacutebile tal qual todas as reacuteplicas an-tecipaacuteveis do outro A voz humana real e a reacuteplicaantecipaacutevel do outro natildeo podem dar por acabado ointerminaacutevel diaacutelogo interior do personagem destacaBakhtin (2008 p 295) Entatildeo soacute resta ao ldquohomem dosubsolordquo permanecer em sua irremediaacutevel oposiccedilatildeo aooutro A essecircncia da ciecircncia do diaacutelogo em Dostoieacutevskiestaacute na inter-relaccedilatildeo do diaacutelogo interior e do exterior

Bakhtin (2008 p 100) destaca que Dostoieacutevski ti-nha o dom de ldquoauscultarrdquo o diaacutelogo de sua eacutepoca comoum grande diaacutelogo de captar natildeo soacute as vozes isoladasde seu tempo mas a interaccedilatildeo dialoacutegica entre elas Tal

qual um meacutedico ele ldquoauscultavardquo as vozes dominantesda eacutepoca em que vivia fossem elas vozes oficiais ouvozes ainda fracas em termos de ldquoideias latentes aindanatildeo auscultadas por ningueacutemrdquo Dostoieacutevski de acordocom Bakhtin (2008 p 100) sentia que as ideias deseu tempo comeccedilavam a amadurecer como ldquoembriotildeesde futuras concepccedilotildees do mundordquo

Segundo Faraco (2005 p 46) Bakhtin argumentaque Dostoieacutevski foi um grande inovador na arte doromance porque encontrou meios de construir a ima-gem artiacutestica da inconclusibilidade humana mudandoradicalmente a posiccedilatildeo do autor-criador Faraco (2005p 47) lembra que para Bakhtin Dostoieacutevski criou oautor-criador que reserva para si apenas ldquoo miacutenimo in-dispensaacutevel do excedente que eacute necessaacuterio agrave conduccedilatildeoda narrativa deslocando todo o demais para o campode visatildeo e conhecimento do proacuteprio heroacuteirdquo

Bakhtin mostra que o novo enfoque do ho-mem em Dostoieacutevski representa uma pro-funda revoluccedilatildeo do conceito de realismo notocante agrave construccedilatildeo da personagem na me-dida em que o homem-personagem eacute vistoem seu movimento interior vinculado ao mo-vimento da histoacuteria social e cultural de suaeacutepoca e nela enraizado mas natildeo estagnadorazatildeo pela qual natildeo eacute mero objeto do discursodo autor (Bezerra 2005 p 199)

O romance polifocircnico de Dostoieacutevski natildeo se resolvenatildeo haacute siacutentese natildeo atinge uma apoteose As cons-ciecircncias do autor e das personagens satildeo infinitas einconclusas Mas justamente por isto alguns criacuteticosacusaram o escritor de ser prolixo e escrever mal des-taca Venturelli (2006)5 E foi desse limbo que Bakhtino resgatou A criacutetica da eacutepoca viu como ldquomau acaba-mentordquo seus romances que nunca terminarem comum final em que tudo fica resolvido Dostoieacutevski pelocontraacuterio deixa as vozes pulularem no seu texto e eacuteaiacute que entra Bakhtin com sua percepccedilatildeo de linguagemde que a obra dostoievskiana eacute polifocircnica

As vaacuterias vozes que Dostoieacutevski deixa soltas em con-fronto tecircm o mesmo peso e valor e a voz do narradoraparece como mais uma entre tantas tratando-se deuma ldquoposiccedilatildeo de distanciamento maacutexima que permiteao autor assumir o grau extremo de objetividade emrelaccedilatildeo ao universo representado e agraves criaturas queo povoamrdquo (Bezerra 2008b p IX) A voz do narradornatildeo coloca as outras sob seu comando mas requisitaa voz do leitor para o diaacutelogo e para entrar no entre-vero dos vaacuterios planos ideoloacutegicos que satildeo chamadospara o romance que eacute comparado a uma arena comtodos os pontos de vista em disputa e em igualdade decondiccedilatildeo

O que a ortodoxia viu como rusticidade Bakhtinviu como romance polifocircnico em que natildeo haacute escravos

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do narrador mas gente livre para contradizer o proacute-prio criador As relaccedilotildees que Bakhtin manteacutem comDostoieacutevski alcanccedilaram uma intimidade como a queexiste entre duplos principalmente porque Bakhtindedicou sua vida meditando sobre o papel do outro emrelaccedilatildeo ao eu acredita Venturelli (2006)6 ldquoO homemem Dostoieacutevski eacute o sujeito do apelo Natildeo se pode falarsobre ele pode-se apenas dirigir-se a elerdquo (Bakhtin2008 p 292) De acordo com Fiorin (2006 p 17)para Bakhtin ldquoviver eacute agir em relaccedilatildeo ao que natildeo eacuteo eu isto eacute o outrordquo ldquoQuem diz um deve dizer doisele eacute atraiacutedo pela necessidade imanente de uma seacuterierdquo(Bakhtin 2009 p 53)

3 No miacutenimo dois heroacuteisBezerra (2008b p XVIII) escreve que ldquoa fonte do dialo-gismo bakhtiniano eacute a obra de Dostoieacutevski na qual odiaacutelogo entre as personagens eacute uma luta entre pontosde vista e juiacutezos de valorrdquo externados por suas vozesldquoPor traacutes do enunciado existe o falante o sujeito dotadode consciecircnciardquo (Bezerra 2008b p XVII) Para Bezerra(2008b p XXII) a consciecircncia eacute produto da interaccedilatildeoe do conviacutevio de muitas consciecircncias que ldquona oacutetica dodialogismordquo participam desse conviacutevio respeitando osvalores dos outros que igualmente respeitam os seusA reiteraccedilatildeo da presenccedila do sujeito conforme Bezerra(2008b p XVIII) perpassa toda a reflexatildeo em tornodo dialogismo em Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski

ldquoA ligaccedilatildeo profunda e essencial ou a coincidecircnciaparcial entre as palavras do outro em um heroacutei e o dis-curso interior e secreto do outro heroacutei satildeo momentosobrigatoacuterios em todos os diaacutelogos importantes de Dos-toieacutevskirdquo escreve Bakhtin (2008 p 296) De acordocom Bakhtin (2008 p 295) ldquoDostoieacutevski sempre intro-duz dois heroacuteis de maneira a que cada um deles estejaintimamente ligado agrave voz interior do outro embora elenunca mais venha a ser a personificaccedilatildeo direta delardquoNo melhor Dostoieacutevski muda o valor artiacutestico-formalda autoconsciecircncia pois seu heroacutei manteacutem um nuacutecleoinacabado e irresoluto que resiste ao seu acabamentoesteacutetico acrescenta Faraco (2005 p 46)

ldquoA autoconsciecircncia do heroacutei em Dostoieacutevski eacute total-mente dialogada [] ela vai se revelando no fundoda consciecircncia socialmente alheia do outro sobre elerdquoFaraco (2005 p 47-48) O heroacutei percebe a si mesmoatraveacutes da mediaccedilatildeo da consciecircncia dos outros heroacuteisPara Bakhtin as consciecircncias do autor e dos heroacuteisem Dostoieacutevski satildeo infinitas e inconclusas

Bakhtin (2008 p 298) defende que nos diaacutelogos deDostoieacutevski natildeo se chocam duas vozes monoloacutegicasintegrais mas duas vozes que ele chama de fracio-nadas reacuteplicas abertas de um heroacutei correspondem areacuteplicas veladas de outro heroacutei ldquoA contraposiccedilatildeo a

um heroacutei de dois heroacuteis entre os quais cada um estaacuteligado agraves reacuteplicas opostas do diaacutelogo interior do outroeacute o conjunto tiacutepico em Dostoieacutevskirdquo (Bakhtin 2008p 298) Mas Bakhtin (2008 p 298) destaca quepara a correta compreensatildeo da ideia de Dostoieacutevskideve-se levar em conta a sua apreciaccedilatildeo do papel dooutro enquanto ldquooutrordquo pois eacute fazendo a mesma pa-lavra passar por diferentes vozes que se opotildeem umasagraves outras que ele obteacutem os principais efeitos artiacutesticosSegundo Fiorin (2006 p 58) ldquoo mundo interior eacutea dialogizaccedilatildeo da heterogeneidade de vozes sociaisrdquoentatildeo os sujeitos constroem enunciados ideoloacutegicospois satildeo uma resposta ativa agraves vozes interiorizadas

Venturelli (2006)7 parafraseando Bakhtin (2008)salienta que Dostoieacutevski consegue levar cada heroacutei afalar com voz proacutepria sem interferecircncia do narradorcriando o romance polifocircnico com muacuteltiplos pontosde vista e diversas vozes de igual valor na tessitura daobra Ele adverte entretanto que isso natildeo quer dizerque Dostoieacutevski natildeo tenha um ponto de vista pessoalapenas que este eacute mais um entre a trama tensa deoutras visotildees expostas numa obra Sendo assim asopiniotildees do autornarrador natildeo podem ser separadasda teoria bakhtiniana que diz que nunca o sujeito estaacutelivre para impor sua intenccedilatildeo no discurso devendomediaacute-la atraveacutes das intenccedilotildees dos outros O pontode vista de algueacutem emerge atraveacutes da interaccedilatildeo desuas palavras e as do outro na interaccedilatildeo dialoacutegica einacabada Entrar em diaacutelogo com o outro eacute obrigatoacute-rio Bakhtin valorizando o dialogismo mostra como aautoconsciecircncia do eu funciona na interaccedilatildeo humana

O sujeito do romance de Dostoieacutevski natildeo podeser reduzido a este ou agravequele tema nem auma determinada vida porque este sujeito eacuteo eu dos outros natildeo como objeto mas comooutro sujeito segundo a oacutetica de Bakhtin Haacuteo intercacircmbio de significados de vida hiacutebridosOs personagens natildeo satildeo unidades biografi-camente completas Satildeo autoconsciecircnciasabertas em relaccedilatildeo a outras consciecircncias Ven-turelli (2006)8

4 PolifoniaDe acordo com Faraco (2005 p 48) Bakhtin deu oexperimental e fatiacutedico nome de polifonia a essa inova-ccedilatildeo na relaccedilatildeo autorheroacutei em Dostoieacutevski Esse seriaum dos temas mais difiacuteceis de seu pensamento En-tretanto Bakhtin nunca voltou salvo em observaccedilotildeesesparsas em seus apontamentos a essa discussatildeo Fa-raco (2005 p 49) acredita que ldquoo termo polifonia valehoje mais pela seduccedilatildeo derivada de livres associaccedilotildees

6 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas7 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas8 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas

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do que como categoria coerente de um certo arcabouccediloteoacutericordquo Nesse sentido afirma Bakhtin

Em toda parte eacute o cruzamento a consonacircnciaou a dissonacircncia de reacuteplicas do diaacutelogo abertocom as reacuteplicas do diaacutelogo interior dos heroacuteisEm toda parte um determinado conjunto deideias pensamentos e palavras passa por vaacute-rias vozes imisciacuteveis soando em cada umade modo diferente (2008 p 308)

Segundo Bakhtin (2008 p 308) Dostoieacutevski no ro-mance Os democircnios expotildee claramente ldquoas funccedilotildees nodiaacutelogo do outro enquanto tal desprovido de qualquerconcretizaccedilatildeo social e vitalmente pragmaacuteticardquo Outropersonagem ldquoum desconhecido um homem a quemjamais houvesse vistordquo desempenha as suas funccedilotildeesno diaacutelogo fora do enredo como um ldquohomem no ho-memrdquo representando todos os outros para o eu Comoresultado desse status do outro a comunicaccedilatildeo sefirma no lado oposto de todas as formas sociais reais econcretas tais como as familiares as de camada as declasse ou as fabular-vitais Para o autor nos diaacutelogosconfessionais a voz do outro real estaacute em posiccedilatildeo anaacute-loga fora do enredo Esses diaacutelogos ldquosatildeo preparadospelo enredo mas seus pontos culminantes mdash augedos diaacutelogos mdash colocam-se acima do sujeito no campoabstrato da relaccedilatildeo pura do homem com o homemrdquoAssim Dostoieacutevski cria esse novo gecircnero denominadopor Bakhtin de polifocircnico que apresenta vaacuterios pon-tos de vista e vaacuterias vozes cada qual recebendo donarrador o que lhe eacute devido

Bakhtin primeiro estudioso a elaborar os conceitosde polifonia e heterogeneidade defendeu a ideia deque todo texto eacute um objeto heterogecircneo de que todotexto eacute constituiacutedo por vaacuterias vozes eacute a reconfiguraccedilatildeode outros textos que lhe datildeo origem dialogando comele retomando-o Os sujeitos se constituem como taisnas accedilotildees interativas sua consciecircncia se forma noprocesso de interiorizaccedilatildeo de discursos preexistentesmaterializados nos diferentes gecircneros discursivos atu-alizados nas contiacutenuas e permanentes interlocuccedilotildeesde que vatildeo participando

Para Bakhtin (1999 p 31-38) a comunicaccedilatildeo eacuteuma interaccedilatildeo de consciecircncias individuais com outrasconsciecircncias individuais num processo que ganha emcomplexidade quando o conteuacutedo e a forma dessa co-municaccedilatildeo satildeo observados como signos que por suavez tambeacutem possuem forma e conteuacutedo ideoloacutegicosem constante interaccedilatildeo a partir de esferas e de camposespeciacuteficos evidentes em muacuteltiplos discursos Entatildeoa realidade fundamental da linguagem eacute a atividadesociossemioacutetica que se daacute entre indiviacuteduos nas rela-ccedilotildees sociais historicamente situadas A consciecircncia eacuteideoloacutegica dialoacutegica e semiotizada

Todo signo estaacute sujeito aos criteacuterios de avali-accedilatildeo ideoloacutegica [] O domiacutenio do ideoloacutegicocoincide com o domiacutenio dos signos satildeo mu-tuamente correspondentes Ali onde o signose encontra encontra-se tambeacutem o ideoloacute-gico Tudo o que eacute ideoloacutegico possui um valorsemioacutetico [] Eacute seu caraacuteter semioacutetico quecoloca todos os fenocircmenos ideoloacutegicos soba mesma definiccedilatildeo geral (Bakhtin 1999 p32-33)

A autoconsciecircncia do heroacutei eacute um dado incisivo na re-presentaccedilatildeo de sua imagem no plano polifocircnico acres-centa Venturelli (2006)9 O autor chama de ldquocoperni-canardquo a guinada de Dostoieacutevski com sua obra polifocirc-nica pois para Bakhtin os meios de comunicaccedilatildeodifundem uma visatildeo monoloacutegica de sociedade comalgumas vozes se sobressaindo a outras Na polifo-nia ao contraacuterio as muacuteltiplas vozes satildeo equipolentesldquoimagine-se o romance como um grande coral de vozesdiacutespares e o narrador como um regente destas vozesdando o mesmo espaccedilo e o mesmo valor a todas umainteraccedilatildeo sempre em aberto na imagem didaacutetica dePaulo Bezerrardquo (Venturelli 2006)10

(Bezerra 2005 p 194) destaca que o dialogismocontrapotildee-se ao tratamento reificante do homem Nodialogismo a imagem do homem eacute construiacuteda dentroda comunicaccedilatildeo interativa na qual o ser humano se re-conhece atraveacutes do outro e na imagem que o outro fazdele Dostoieacutevski procura conhecer o homem em suaverdadeira essecircncia como um outro eu uacutenico e inaca-baacutevel natildeo se propotildee conhecer a si mesmo propotildee-seconhecer o outro o eu estranho Entatildeo para Dos-toieacutevski soacute se pode compreender o proacuteprio eu mdash o eupara mim mdash juntamente com o outro com o outro eue com o reconhecimento do meu eu pelo outro mdash o eupara o outro O eu assim nunca seraacute um eu sozinhopois soacute pode ter vida real em um mundo povoado pormuacuteltiplos sujeitos independentes e isocircnomos

O autor do romance polifocircnico natildeo defineas personagens e suas consciecircncias agrave reve-lia das proacuteprias personagens mas deixa queelas mesmas se definam no diaacutelogo com ou-tros sujeitos-consciecircncias pois as sente aseu lado e agrave sua frente como ldquoconsciecircnciasequipolentes dos outros tatildeo infinitas e incon-clusiacuteveisrdquo como a dele autor (Bezerra 2005p 195)

ldquoO que caracteriza a polifonia eacute a posiccedilatildeo do autorcomo regente do grande coro de vozes que participamdo processo dialoacutegicordquo (Bezerra 2005 p 194) Masesse autor eacute ativo na medida em que rege vozes que elecria ou recria entretanto deixando que se manifestem

9 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas10 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas

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com autonomia Conforme Bezerra (2005 p 199)Bakhtin natildeo reserva uma funccedilatildeo secundaacuteria ao autorno processo polifocircnico o qual natildeo renuncia ao seuponto de vista nem se limita a montar pontos de vistaalheios mas ele enfatiza a relaccedilatildeo de reciprocidadeinteiramente nova e especial entre a verdade do sujeitoe a verdade do outro O ativismo do autor tem umcaraacuteter dialoacutegico especial e estaacute diretamente vinculadoagrave consciecircncia ativa e isocircnoma do outro Eacute um ativismoque estabelece uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre a consciecircn-cia criadora e a consciecircncia recriada participando dodiaacutelogo com direito agrave interlocuccedilatildeo com outras vozesinclusive com a voz do autor mas suas peculiaridadesde falante ldquoTrata-se de uma mudanccedila radical da po-siccedilatildeo do autor em relaccedilatildeo agraves pessoas representadasque de pessoas coisificadas se transformam em indi-vidualidadesrdquo Bezerra (2005 p 194) Entatildeo em ummesmo espaccedilo do romance haacute a convivecircncia e a inte-raccedilatildeo de uma multiplicidade de vozes plenivalentes econsciecircncias independentes imisciacuteveis e equipolentesNa polifonia estas vozes e consciecircncias ldquonatildeo satildeo objetodo discurso do autor satildeo sujeitos de seus proacutepriosdiscursosrdquo possuem independecircncia na estrutura daobra combinam-se com a palavra do autor e com asvozes de outras personagens de acordo com Bezerra(2005 p 195)

Conforme Grillo (2005 p 1164) as noccedilotildees de dialo-gismo e de polifonia estatildeo entre as principais contribui-ccedilotildees dos trabalhos de Bakhtin e de seus parceiros masnatildeo se pode esquecer que a relaccedilatildeo de contradiccedilatildeo eacuteum dos aspectos constitutivos da polifonia em Bakhtinldquonatildeo basta que haja diversas vozes antes eacute preciso queelas se constituam por meio do diaacutelogo em pontosde vista contraditoacuteriosrdquo (Grillo 2005 p 1165) ldquoSe asociedade eacute dividida em grupos sociais com interessesdivergentes entatildeo os enunciados satildeo sempre o espaccedilode luta entre vozes sociais o que significa que satildeo ine-vitavelmente o lugar da contradiccedilatildeo [] O contrato sefaz com uma das vozes de uma polecircmicardquo (Fiorin 2006p 25) Essas vozes de grupos sociais com interessesdivergentes e manifestas nos enunciados podem serpercebidas atraveacutes de uma anaacutelise metalinguiacutestica

5 Metalinguiacutestica e anaacutelisedialoacutegica do discurso

De acordo com Bakhtin (2008 p 309) o diaacutelogo ex-terior expresso eacute inseparaacutevel do diaacutelogo interior e emcerto sentido nele se baseia e ambos satildeo igualmenteinseparaacuteveis do grande diaacutelogo do romance no seu todoque os engloba Bakhtin chama esse tipo de estudo demetalinguiacutestico o qual eacute o estudo das muacuteltiplas varie-dades do chamado discurso bivocal e sua influecircnciaem diversos aspectos da construccedilatildeo do discurso Naobra de Dostoieacutevski o discurso bivocal encontra mateacute-ria abundante o objeto fundamental da representaccedilatildeo

de Dostoieacutevski eacute o proacuteprio discurso o discurso plenis-significativo ldquoAs obras de Dostoieacutevski satildeo o discursosobre o discurso voltado para o discursordquo (Bakhtin2008 p 309)

Bakhtin (2008 p 207) natildeo analisa o discurso emDostoieacutevski linguisticamente no sentido rigoroso dotermo pois acredita que ldquoas relaccedilotildees dialoacutegicas em-bora pertenccedilam ao campo do discurso natildeo pertencema um campo puramente linguiacutestico de seu estudordquo(Bakhtin 2008 p 208) Entretanto para Bakhtin(2008 p 207) as pesquisas metalinguiacutesticas ldquonatildeo po-dem ignorar a linguiacutestica e devem aplicar seus resulta-dosrdquo linguiacutestica e metalinguiacutestica devem se completarmutuamente sem se fundir

Grillo (2006 p 123) diz que Bakhtin apresenta tantoa linguiacutestica quanto a metalinguiacutestica como estudandosob diferentes acircngulos o mesmo fenocircmeno isto eacute odiscurso ldquoA epistemologia de uma metalinguiacutesticafunda-se sobre trecircs aspectos a complementaridadeem relaccedilatildeo agrave linguiacutestica de sua eacutepoca a delimitaccedilatildeode um objeto de pesquisa e a proposiccedilatildeo de um campode fenocircmenos a estudarrdquo (Grillo 2006 p 122)

[] Metalinguiacutestica aqui interpretada comoteoriaanaacutelise dialoacutegica do discurso faz partedas estrateacutegias utilizadas por Bakhtin paraa partir da minuciosa leitura e anaacutelise doconjunto da obra de Dostoieacutevski configuraro gecircnero polifocircnico e apresentar o conceitode polifonia E natildeo o contraacuterio (Brait 2006p 14)

Segundo Fiorin (2006 p 115) o romance eacute umgecircnero literaacuterio plurilinguiacutestico pluriestiliacutestico e plu-rivocal Para Fiorin (2006 p 90) a palavra que eacuterepresentada e natildeo a que representa eacute sempre bi-vocal Acosta-Pereira (2008 p 12) escreve que ldquoodiscurso bivocal eacute introduzido pelo autor sob o acircnguloda comunicaccedilatildeo dialoacutegica isto eacute sob o plano do dis-cursordquo O discurso bivocal orienta-se simultaneamentepara o objeto do discurso e para o discurso do outronuma dupla orientaccedilatildeo do discurso que materializa-sena forma de enunciados

Para Brait (2006 p 13) eacute justamente essa bivo-calidade de diaacutelogo situado no objeto e na maneirade enfrentaacute-lo que caracteriza a novidade da meta-linguiacutestica e de suas consequecircncias para os estudosda linguagem Segundo Brait (2006 p 24) ldquoBakhtinnatildeo tinha um conceito ad hoc de polifonia para testarnos escritos de Dostoievskirdquo O conceito eacute formulado apartir dos textos de Dostoieacutevski e esta eacute uma da carac-teriacutestica fundamental da teoriaanaacutelise dialoacutegica dodiscurso ldquonatildeo aplicar conceitos a fim de compreenderum discurso mas deixar que os discursos revelem suaforma de produzir sentido a partir do ponto de vistadialoacutegico num embaterdquo

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O discurso representaacutevel converge com o ou-tro discurso representativo em um niacutevel e emisonomia Penetram um no outro sobrepotildee-se um ao outro sob diferentes acircngulos dialoacute-gicos [] Como resultado desse encontrorevelam-se e aparecem em primeiro planonovos aspectos e novas funccedilotildees da palavra(Bakhtin 2008 p 309)

Concordamos aqui com Grillo (2006 p 124) quandoobserva que apesar de serem oriundas da anaacutelise daprosa dostoievskiana ldquoas relaccedilotildees dialoacutegicas e emespecial a palavra bivocal enquanto objetos de estudoda metalinguiacutestica satildeo encaradas por Bakhtin comopertencentes agraves nossas praacuteticas cotidianas natildeo serestringindo agrave literaturardquo

Bakhtin formulou nos textos de sua uacuteltimafase uma disciplina de estudo da linguagema metalinguiacutestica que tem por objeto as rela-ccedilotildees dialoacutegicas e a palavra bivocal Essas re-laccedilotildees satildeo de natureza axioloacutegico-semacircnticaocorrem entre enunciados e tambeacutem no in-terior de um mesmo enunciado [] Apesarde a proposiccedilatildeo de uma ciecircncia dialoacutegica dalinguagem ter suas origens nos estudos deobras literaacuterias o projeto da metalinguiacutesticacontempla um conjunto de fenocircmenos quenatildeo se restringem aos enunciados da esferaliteraacuteria (Grillo 2006 p 121)

Conforme Fiorin (2006 p 59) os enunciados satildeosempre histoacutericos pois satildeo constitutivamente dialoacutegi-cos Valendo-se da concepccedilatildeo dialoacutegica de Bakhtinuma anaacutelise histoacuterica de textos deixa de ser apenas anarraccedilatildeo de uma eacutepoca para transformar-se em umaanaacutelise semacircntica diferenciada que mostra ldquoaprova-ccedilotildees ou reprovaccedilotildees adesotildees ou recusas polecircmicase contratos deslizamentos de sentido apagamentosetcrdquo O sentido eacute que eacute histoacuterico dessa forma aHistoacuteria natildeo pode ser exterior a ele e sim interior

Consideraccedilotildees finaisBezerra (2005 p 191) entende que Bakhtin concebeuduas modalidades no romance o monoloacutegico mdash aoqual estatildeo associados os conceitos de monologismoautoritarismo acabamento mdash e o polifocircnico mdash ao qualestatildeo associados os conceitos de realidade em forma-ccedilatildeo inconclusibilidade natildeo acabamento dialogismopolifonia A inconclusibilidade e o natildeo acabamentodecorrem da condiccedilatildeo do romance como um gecircneroem formaccedilatildeo sempre sujeito a mudanccedilas com perso-nagens ou heroacuteis representados em um processo deevoluccedilatildeo que nunca se conclui Entatildeo dialogismo epolifonia estatildeo vinculados agrave natureza ampla e multi-facetada do romance ao seu grande nuacutemero de per-sonagens agrave capacidade do autor de ldquorecriar seres e

caracteres humanos traduzida na multiplicidade devozes da vida social cultural e ideoloacutegica representadardquo(Bezerra 2005 p 191-192) ldquo[] a passagem domonologismo para o dialogismo que tem na polifoniasua forma suprema equivale agrave libertaccedilatildeo do indiviacuteduoque de escravo mudo da consciecircncia do autor se tornasujeito de sua proacutepria consciecircnciardquo (Bezerra 2005 p193)

Segundo Fiorin (2006 p 128) forccedilas centriacutepetas mdashque aspiram ao monologismo e buscam o fechamentoa unidade a homogeneidade mdash bem como forccedilas cen-triacutefugas mdash que buscam tanto a abertura a diversidadea heterogeneidade quanto buscam desvelar o dialo-gismo constitutivo do discurso mdash atuam sobre asliacutenguas As vozes do poder tecircm sempre uma accedilatildeocentriacutepeta ldquobuscando reduzir o pluriacutevoco ao uniacutevocordquo(Fiorin 2006 p 82) Mas um sujeito nunca pode sercompletamente assujeitado pois sempre participa deforma uacutenica do diaacutelogo de vozes a histoacuteria da formaccedilatildeode sua consciecircncia eacute singular diz Fiorin (2006 p 58)

De acordo com Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin natildeoconstroacutei suas concepccedilotildees de monologismo dialogismoe polifonia como abstraccedilotildees desprovidas de conteuacutedohistoacuterico social e ideoloacutegicordquo O conceito de reificaccedilatildeo mdashusado por Marx para analisar no sistema de produccedilatildeocapitalista a relaccedilatildeo entre a produccedilatildeo da mercadoriae seu produtor na qual a produccedilatildeo submete de forao homem a uma metamorfose que o reduz a objetodo processo a mero reprodutor de papeacuteis eacute aplicadopor Bakhtin ao processo de construccedilatildeo do romancemonoloacutegico A reificaccedilatildeo do homem teria surgido paraBakhtin juntamente com o surgimento da sociedadede classes e chegado ao limite com o capitalismo ob-serva Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin desvela o fatode que a circulaccedilatildeo das vozes numa formaccedilatildeo socialestaacute submetida ao poder Natildeo haacute neutralidade no jogodas vozesrdquo (Fiorin 2006 p 31-32)

Se por um lado o capitalismo reduz os indiviacute-duos agrave condiccedilatildeo de objetos por outro tambeacutemprovoca a maior estratificaccedilatildeo social e o maiornuacutemero de conflitos da histoacuteria da sociedadehumana gerando vozes e consciecircncias queresistem a tal reduccedilatildeo E Bakhtin afirma queo romance polifocircnico soacute pocircde realizar-se naera capitalista (Bezerra 2005 p 193)

A autoconsciecircncia do heroacutei eacute a caracteriacutestica princi-pal na construccedilatildeo de sua imagem no enfoque polifocirc-nico o que pressupotildee tambeacutem uma posiccedilatildeo nova doautor na representaccedilatildeo desse personagem Descobre-se um aspecto novo do homem do homem no homemque requer um enfoque novo do homem e uma novaposiccedilatildeo do autor destaca Bezerra (2005 p 193) E ohomem no homem natildeo eacute um objeto silencioso eacute simoutro sujeito a quem cabe autorrevelar-se livremente

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outro eu com direitos iguais no diaacutelogo interativo comos demais falantes

As vozes satildeo assimiladas de diferentes maneiras noprocesso de construccedilatildeo da consciecircncia de acordo comFiorin (2006 p 56) Haacute vozes que satildeo incorporadascomo a voz de autoridade e que se adere de modoincondicional e por isso eacute centriacutepeta impermeaacutevelresistente a impregnar-se de outras vozes Mas outrasvozes satildeo assimiladas como posiccedilotildees de sentido inter-namente persuasivas e vistas como uma entre outraspor isso satildeo centrifugas e permeaacuteveis agrave impregnaccedilatildeopor outras vozes estando sempre abertas agrave mudanccedila

Sendo a consciecircncia sociossemioacutetica ou sejaformada de discursos sociais o que significaque seu conteuacutedo eacute siacutegnico cada indiviacuteduotem uma histoacuteria particular de constituiccedilatildeode seu mundo interior pois ele eacute resultantedo embate e das interrelaccedilotildees desses doistipos de vozes Quanto mais a consciecircnciafor formada de vozes de autoridade mais elaseraacute monoloacutegica ptolomaica Quanto maisfor constituiacuteda de vozes internamente persu-asivas mais seraacute dialoacutegica galileana (Fiorin2006 p 56)

A ldquodificuldade de leitura da obra bakhtiniana fezaparecer diversos Bakhtinsrdquo (Fiorin 2006 p 15) umque criticou a psicanaacutelise mdash dizendo que ldquoa consciecircnciaeacute muito mais terriacutevel que quaisquer complexos incons-cientesrdquo (Bezerra 2008a p XXI) mdash o estruturalismo eo formalismo e que ldquomostrou que todas as explicaccedilotildeestotalizantes eram monoloacutegicasrdquo (Fiorin 2006 p 15)um interacionista que tratou das relaccedilotildees do eu com ooutro ldquoentre posiccedilotildees sociaisrdquo (Idem p 15) um queldquonatildeo aderiu propriamente ao marxismordquo (Idem p 15)um linguista que ldquonatildeo produziu uma teoria acabada dalinguagemrdquo um teoacuterico da literatura que natildeo ofereceuuma ldquoteoria literaacuteria completardquo (Idem p 16)

[] em Bakhtin coexistem um homem religi-oso e um marxista dialogando entre si Eacute odialogismo aparecendo soberano na proacutepriavida de quem teorizou sobre ele Natildeo cabepois levantar duacutevidas desse tipo sobre umpensador que concebe tudo em confronto emdiaacutelogo e para quem o importante eacute sobre-tudo a manifestaccedilotildees das diferentes vozes(Schnaiderman 2005 p 17)

Em um mundo que tende ao monologismo ldquoumavoz monoloacutegica firme pressupotildee um apoio social firmepressupotildee um noacutesrdquo (Bezerra 2008a p 317) em ummundo polifocircnico ao contraacuterio o pluralismo de ideiasdeveria ser efetivamente respeitado ldquoporque todas

as vozes seriam equipolentes nenhuma voz social seimporia como a palavra uacuteltima e definitivardquo (Fiorin2006 p 83) Aqui acreditamos em um Bakhtin pen-sador maior que conforme Schnaiderman (2005 p17) antecipou questotildees filosoacuteficas contemporacircneasparticularmente as de Sartre11 e Heidegger12 e quesoube identificar a submissatildeo de sujeitos cujas vo-zes representam um mero papel de acompanhamentoAcreditamos em um Bakhtin que reivindicou indiviacute-duos ou ldquoheroacuteisrdquo que tais quais os personagens deDostoieacutevski satildeo dotados de vozes resistentes a vozescentriacutepetas que procuram se impor como autoras desentido Para Bezerra (2008a p 317) uma voz solitaacute-ria se torna instaacutevel o autor (Bezerra 2008b p XXII)lembra que no dialogismo o culto do individualismo eacutevisto como uma trageacutedia pois ldquoviver eacute comunicar-sepelo diaacutelogordquo Entatildeo mesmo que natildeo existam normasmorais vaacutelidas em si como normas morais entende-mos aqui com Bakhtin (2009 p 24) que ldquoexiste umsujeito moral com uma determinada estrutura (natildeouma estrutura fiacutesica ou psicoloacutegica eacute claro) e eacute neleque noacutes temos que nos apoiarrdquo Sujeitos livres comconsciecircncias ideologicamente distintas e com vozesinternamente persuasivas ldquocom iguais direitos comopersonas respeitando os valores dos outros que igual-mente respeitam os seusrdquo (Bezerra 2008b p XXII)esses satildeo os sujeitos que cremos existir em um mundopolifocircnico

Referecircncias

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Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

Bezerra Paulo2005 Polifonia In Brait Beth (Org) Bakhtinconceitos-chave Rio de Janeiro Contexto

Bezerra Paulo2008a Adendo 1 In Bakhtin Mikhail MikhailovichProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Rio de JaneiroForense Universitaacuteria

Bezerra Paulo2008b Prefaacutecio uma obra agrave prova do tempo InBakhtin Mikhail Mikhailovich Problemas da poeacuteticade Dostoieacutevski Rio de Janeiro Forense Universitaacute-ria

Brait Beth2006 Anaacutelise e teoria do discurso In Brait Beth(Org) Bakhtin outros conceitos-chave Satildeo PauloContexto

Faraco Carlos Alberto2005 Autor e autoria In Brait Beth (Org) Bakhtinconceitos-chave Satildeo Paulo Contexto

Fiorin Joseacute Luiz2006 Introduccedilatildeo ao pensamento de Bakhtin SatildeoPaulo Aacutetica

Grillo Sheila Vieira de Camargo2005 Polifonia e transmissatildeo do discurso alheiono gecircnero reportagem Estudos Linguiacutesticos (34)

Disponiacutevel em 〈 wwwsaofranciscoedubredusfpublicacoesRevistaHorizontesVolume_08uploadAddressArt15B65655Dpdf 〉 Acesso em 5 out 2009

Grillo Sheila Vieira de Camargo2006 A metalinguiacutestica por uma ciecircncia dialoacutegicada linguagem Horizontes Volume 24 Nuacutemero 2Disponiacutevel em 〈 wwwgelorgbr 〉 Acesso em 10 out2009

Rechdan Maria Letiacutecia de Almeida2003 Dialogismo ou polifonia Revista de CiecircnciasHumanas Volume 9 Nuacutemero 1 p 45-54 TaubateacuteUnitau

Schnaiderman Boris2005 Bakhtin 40 graus uma experiecircncia brasi-leira In Brait Beth (Org) Bakhtin dialogismo econstruccedilatildeo do sentido Campinas Editora Unicamp

Scorsolini-Comin Fabio et alii2008 A beleza do erro puro do engano da(im)perfeiccedilatildeo reflexotildees poacutes-modernas Revista Ele-trocircnica de Comunicaccedilatildeo Volume 5 Nuacutemero 1 Dis-poniacutevel em 〈 wwwfacefbrrec 〉 Acesso em 5 out2009

Venturelli Paulo Ceacutesar2006 O romance como arena polifocircnica IHU on lineDisponiacutevel em 〈 wwwunisinosbrihu 〉 Acesso em 5out 2009

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Dados para indexaccedilatildeo em liacutengua estrangeira

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima Andreacuteia

Development of the Bakhtinian Concept of Polyphony

Estudos Semioacuteticos vol 6 n 2 (2010) p 66-76

issn 1980-4016

Abstract In Problems of Dostoevskyrsquos Poetics Bakhtin defines Dostoevsky as the creator of the polyphonicnovel We intend to review in this paper the development of the concept of polyphony defined as the position ofmaximum distance between the author and the characters in a never-ending dialogue Dialogism essence of theBakhtinian discourse theory reiterates the subjectrsquos presence in the communication which is not seen merelyas the transmission of information but as verbal or non-verbal interaction Individuals are built from interactionand through interaction Discourses built from other discourses are never concluded and therefore texts havemany voices These voices must be equipollent in polyphony According to Bakhtin polyphony is an essential partof all enunciations since different voices are expressed in a same text and every discourse is built by severaldiscourses We only understand enunciations when we react to words that awaken in us ideological andorindividual echoes The reality of signs is objective and it can be studied Bakhtin calls this study metalinguisticswhich is the study of bivocal discourse that inevitably arises under the conditions of dialogical communication andgoes beyond linguistic study

Keywords polyphony dialogism metalinguistics

Como citar este artigo

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima AndreacuteiaDesenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifo-nia Estudos Semioacuteticos [on-line] Disponiacutevel em〈 httpwwwfflchuspbrdlsemioticaes 〉 Editores Respon-saacuteveis Francisco E S Merccedilon e Mariana Luz P deBarros Volume 6 Nuacutemero 2 Satildeo Paulo novembro de2010 p 66ndash76 Acesso em ldquodiamecircsanordquo

Data de recebimento do artigo 15122009

Data de sua aprovaccedilatildeo 11032010

  • Introduccedilatildeo
  • Dialogismo
  • Dostoieacutevski ``o sujeito do apelo
  • No miacutenimo dois heroacuteis
  • Polifonia
  • Metalinguiacutestica e anaacutelise dialoacutegica do discurso
  • Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
Page 2: poliffonia

Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

nosso mundo foi uma liccedilatildeo de afirmaccedilatildeo democraacuteticae antiautoritaacuteria partida de algueacutem que era viacutetima daviolecircncia stalinista

Fiorin (2006 p 20) concorda com a concepccedilatildeo bakh-tiniana de que ldquonatildeo satildeo as unidades da liacutengua quesatildeo dialoacutegicas mas os enunciadosrdquo O autor (2006p 22) tambeacutem diz que as unidades da liacutengua natildeosatildeo dirigidas a ningueacutem soacute os enunciados tecircm desti-nataacuterio De acordo com Bakhtin (1999 p 131-132)para compreendermos a enunciaccedilatildeo de outrem deve-mos orientar-nos em direccedilatildeo a ela e encontrar o lugaradequado dela no contexto correspondente

A cada palavra da enunciaccedilatildeo que estamosem processo de compreender fazemos cor-responder uma seacuterie de palavras nossas for-mando uma reacuteplica Quanto mais numerosase substanciais forem mais profunda e realeacute a nossa compreensatildeo (Bakhtin 1999 p132)

Soacute podemos compreender enunciados quando reagi-mos agraves palavras que despertam em noacutes ressonacircnciasideoloacutegicas eou concernentes agrave nossa vida Compre-ender eacute opor agrave palavra do locutor uma contrapalavraldquoO ser refletido no signo natildeo apenas nele se refletemas tambeacutem se refrata O que determina essa refraccedilatildeodo ser no signo ideoloacutegico O confronto de interessessociais nos limites de uma soacute e mesma comunidadesemioacutetica []rdquo (Bakhtin 1999 p 46)

No ano de 1929 Bakhtin escreveu Problemas dasobras criativas de Dostoieacutevski reeditado em 1963 sob otiacutetulo de Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Nesse li-vro Bakhtin (2008 p 4) defende que ldquoDostoieacutevski natildeocria escravos mudos (como Zeus) mas pessoas livrescapazes de colocar-se lado a lado com seu criador dediscordar dele e ateacute rebelar-se contra elerdquo

Os textos que inspiraram as reflexotildees bakhtinianasacerca da polifonia satildeo os do seu conterracircneo Fioacute-dor Dostoieacutevski considerado hoje um dos maiores emais inovadores romancistas da literatura mundial detodos os tempos2 ldquoAquelas profundidades da almahumana cuja representaccedilatildeo Dostoieacutevski consideravatarefa fundamental de seu realismo no sentido su-premo revelam-se apenas no apelo tensordquo (Bakhtin2008 p 292)

Conforme Scorsolini-Comin et al (2008 p 6) Bakh-tin emprega a palavra polifonia para descrever o fatode que o discurso resulta de uma trama de diferentesvozes sem que nunca exista a dominaccedilatildeo de uma voz

sobre as outras E uma das caracteriacutesticas do conceitode dialogismo de Bakhtin eacute conceber a unidade domundo como polifocircnica na qual a recuperaccedilatildeo do co-letivo se faz via linguagem sendo a presenccedila do outroconstante A linguagem na concepccedilatildeo bakhtinianaeacute uma realidade intersubjetiva e essencialmente dia-loacutegica em que o indiviacuteduo eacute sempre atravessado pelacoletividade

Bakhtin (2008 p 308) definiu Dostoieacutevski como ocriador do chamado ldquoromance polifocircnicordquo entendidocomo um texto em que diversas vozes ideoloacutegicas con-traditoacuterias coexistem em peacute de igualdade com o proacuteprionarrador Eacute um tipo de romance que se contrapotildee aoromance monoloacutegico Entretanto Rechdan (2003 p46) adverte que dialogismo natildeo deve ser confundidocom polifonia pois o dialogismo eacute o princiacutepio dialoacute-gico constitutivo da linguagem enquanto a polifoniase caracteriza por vozes polecircmicas em um discursoPodemos concluir que nos gecircneros polifocircnicos haacutevozes tatildeo polecircmicas quanto as dos personagens dosromances de Dostoieacutevski os quais funcionam comoseres autocircnomos com visatildeo de mundo voz e posiccedilatildeoproacutepria Ao contraacuterio como na monodinia musicalnos gecircneros que tendem agrave monologia uma voz dominaas outras vozes que se subordinam ldquoo monologismotal qual o capitalismo reduz o indiviacuteduo agrave situaccedilatildeo deobjetordquo (Venturelli 2006)3

Este artigo se propotildee a revisar a partir da anaacutelisedo discurso de Dostoieacutevski em algumas de suas obrasfeita por Bakhtin no livro Problemas da poeacutetica de Dos-toieacutevski no qual o romancista eacute definido como o criadordo romance polifocircnico o desenvolvimento do conceitode polifonia ldquoposiccedilatildeo de distanciamento maacuteximardquo (Be-zerra 2008b p IX) entre autor e personagens em uminfindaacutevel diaacutelogo Para tanto revisamos tambeacutem osconceitos de dialogismo mdash que para Bezerra (2008bp IX) ldquoconstitui o fundamento maior de Problemas dapoeacutetica de Dostoieacutevskirdquo mdash e metalinguiacutestica mdash perspec-tiva que conforme Bezerra (2008b p XV) estuda asrelaccedilotildees dialoacutegicas pertencentes ao campo do discursode natureza dialoacutegica e que portanto natildeo podem serestudadas em uma perspectiva rigorosamente linguiacutes-tica

1 DialogismoSegundo Scorsolini-Comin et al (2008 p 6) o con-ceito de dialogismo de Bakhtin entende a palavra comopossuindo um constante movimento entende o su-jeito natildeo apenas sendo influenciado pelo meio mas

2 O escritor russo Fioacutedor Mikhailovich Dostoieacutevski (1821-1881) eacute considerado um dos maiores romancistas de todos os tempos Ele foichamado por muitos como o fundador da corrente literaacuteria existencialista principalmente pelo romance Notas do subterracircneo tambeacutemtraduzido no Brasil por Memoacuterias do subsolo descrito por alguns criacuteticos como a melhor proposta para existencialismo jaacute escrita Dostoieacutevskiexplora em sua obra a autodestruiccedilatildeo e a humilhaccedilatildeo inerentes ao ser humano aleacutem de analisar patologias que podem levar ao suiciacutedio agraveloucura ou mesmo ao homiciacutedio O modernismo literaacuterio os estudos linguiacutesticos a teologia e a psicologia foram especialmente influenci-ados por suas ideias Fonte Wikipeacutedia [on-line] Disponiacutevel em 〈 httpptwikipediaorgwikiFiC3B3dor_DostoiC3A9vski 〉Desenvolvido pela Wikimedia Foundation Acesso em 12 de novembro de 2009

3 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas

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estudos semioacuteticos vol 6 no 2

tambeacutem agindo sobre o ambiente transformando-oO dialogismo acontece dentro de qualquer produccedilatildeocultural verbal ou natildeo verbal elitista ou popular

Brait (apud Rechdan 2003 p 47) lembra que paraprecisar teoricamente o conceito bakhtiniano de dialo-gismo deve-se entender o princiacutepio da heterogeneidadeou a ideia de que a linguagem eacute heterogecircnea isto eacute deque o discurso eacute construiacutedo a partir do discurso do ou-tro que eacute o ldquojaacute ditordquo sobre o qual qualquer discurso seconstroacutei O sujeito de Bakhtin construiacutedo pelo outroeacute tambeacutem um sujeito construiacutedo na linguagem quetem um projeto de fala que natildeo depende soacute de sua in-tenccedilatildeo mas depende do outro primeiro eacute o outro comquem fala depois o outro ideoloacutegico tecido por outrosdiscursos do contexto ao mesmo tempo o sujeito eacutecorpo satildeo as outras vozes que o constituem Natildeo haacutesujeito anterior agrave enunciaccedilatildeo ou agrave escritura O sujeitode Bakhtin se constitui na e pela interaccedilatildeo e reproduzna sua fala e na sua praacutetica o seu contexto imediato esocial Mas ldquonatildeo se pode dizer que haja dois tipos dedialogismo entre enunciados e entre o locutor e seuinterlocutor Na verdade o interlocutor eacute sempre umaresposta um enunciado e por isso todo dialogismosatildeo relaccedilotildees entre enunciadosrdquo (Fiorin 2006 p 32)

De acordo com Fiorin (2006 p 19) ldquodialogismo satildeoas relaccedilotildees de sentido que se estabelecem entre doisenunciadosrdquo entendendo que haacute dois conceitos para otermo No primeiro conceito chamado de constitutivomdash que ldquonatildeo se mostra no fio do discursordquo (Fiorin 2006p 32) mdash ldquodialogismo eacute o modo de funcionamento dalinguagemrdquo pois todo enunciado constitui-se a par-tir de outro enunciado e tem pelo menos duas vozesdiz Fiorin (2006 p 24) No segundo chamado decomposicional mdash que se mostra mdash haacute a ldquoincorporaccedilatildeopelo enunciador da(s) voz(es) do outro no enunciadordquo(Fiorin 2006 p 32) Neste uacuteltimo que eacute uma formaparticular de composiccedilatildeo do discurso podemos inseriro discurso do outro citando abertamente o discursoalheio ou atraveacutes do discurso bivocal ldquointernamentedialogizado em que natildeo haacute separaccedilatildeo muito niacutetida doenunciado citante e do citadordquo (Fiorin 2006 p 33)

Rechdan (2003 p 46) escreve que o diaacutelogo tantono exterior na relaccedilatildeo com o outro como no interiorda consciecircncia ou escrito realiza-se na linguagem Odiaacutelogo refere-se a qualquer forma de discurso desderelaccedilotildees dialoacutegicas do cotidiano ateacute textos literaacuteriosBakhtin considera o diaacutelogo como as relaccedilotildees queocorrem entre interlocutores em uma accedilatildeo histoacutericasocialmente compartilhada que embora exista em umtempo e local especiacuteficos eacute sempre mutaacutevel devido agravesvariaccedilotildees do contexto

De acordo com Venturelli (2006)4 um autor aoescrever natildeo estaacute sozinho mas inserido numa seacuteriecriando uma teia entre seu trabalho e os que o precede-ram e os que o sucederam sintetizando muitas vozes

com a sua Um autor estaacute sempre na relaccedilatildeo dialoacutegicacom os outros e na polifonia sua voz eacute chamada agraveinteraccedilatildeo com as outras tantas vozes da sociedade emque se insere Em Dostoieacutevski os heroacuteis estatildeo abertosuns aos outros a monologia eacute destruiacuteda e forma-se umnovo gecircnero noveliacutestico percebido por Bakhtin atraveacutesde sua original teoria do discurso em que o significadosoacute pode nascer do diaacutelogo Segundo Bezerra (2008b pX) em Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Bakhtinparte da hipoacutetese segundo a qual as personagens deDostoieacutevski revelam tamanha independecircncia interiorem relaccedilatildeo ao autor participante e organizador dodiaacutelogo que ldquopermite-lhes ateacute rebelar-se contra seucriadorrdquo

2 Dostoieacutevski ldquoo sujeito doapelordquo

Conforme Bakhtin (2008 p 292) a autoconsciecircnciado heroacutei em Dostoieacutevski eacute totalmente dialogada es-tando sempre voltada para fora dirigindo-se a si aum outro e a um terceiro Fora do que ele chamade ldquoapelo vivo para si mesma e para os outrosrdquo a au-toconsciecircncia natildeo existe nem para si mesma Natildeo eacutepossiacutevel dominar e entender o homem interior atraveacutesde uma anaacutelise neutra indiferente assim como natildeo eacutepossiacutevel dominaacute-lo fundindo-se com ele ou penetrandoem seu iacutentimo Somente atraveacutes da comunicaccedilatildeo comele por via dialoacutegica podemos forccedilaacute-lo a revelar-sea si mesmo ldquoRepresentar o homem interior como oentendia Dostoieacutevski soacute eacute possiacutevel representando acomunicaccedilatildeo dele com outro Somente na comunica-ccedilatildeo na interaccedilatildeo do homem com o homem revela-seo homem no homem para outros ou para si mesmordquoBakhtin (2008 p 292)

Sendo assim Bakhtin (2008 p 292) enfatiza queno centro do mundo artiacutestico de Dostoieacutevski deve estarsituado o diaacutelogo o diaacutelogo natildeo como um meio mascomo um fim No mundo de Dostoieacutevski o diaacutelogo eacute aproacutepria accedilatildeo lembra Faraco (2005 p 48) SegundoBakhtin (2008 p 293) no romance de Dostoieacutevski ohomem natildeo apenas se revela exteriormente como setorna pela primeira vez aquilo que eacute natildeo soacute para osoutros mas tambeacutem para si mesmo ldquoSer significacomunicar-se pelo diaacutelogo Quando termina o diaacutelogotudo termina Daiacute o diaacutelogo em essecircncia natildeo podernem dever terminarrdquo (Bakhtin 2008 p 293) No ro-mance isso significa uma inconclusibilidade eternado diaacutelogo A obra de Dostoieacutevski nunca estaacute acabadaestaacute sempre na disputa de um diaacutelogo e aberta agrave intera-ccedilatildeo ldquoTudo eacute meio o diaacutelogo eacute o fim Uma soacute voz nadatermina e nada resolve Duas vozes satildeo o miacutenimo devida o miacutenimo de existecircnciardquo (Bakhtin 2008 p 293)

Bakhtin (2008 p 293) chama de ldquoinfinitude poten-cial do diaacutelogordquo o diaacutelogo do enredo que tende para o

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fim como o proacuteprio evento do enredo do qual o diaacutelogo eacuteno fundo um momento O diaacutelogo em Dostoieacutevski inde-pende interiormente da inter-relaccedilatildeo entre os falantesno enredo embora evidentemente seja preparadopelo enredo O nuacutecleo do diaacutelogo estaacute sempre fora doenredo mas a envoltura do diaacutelogo sempre estaacute nasprofundezas do enredo

Segundo Bakhtin (2008 p 293) ldquoo esquema baacutesicodo diaacutelogo em Dostoieacutevski eacute muito simples a contra-posiccedilatildeo do homem ao homem enquanto contraposiccedilatildeodo eu ao outrordquo Para exemplificar o autor cita o heroacuteido livro Memoacuterias do subsolo o qual pensava em suamocidade ldquoeu sou um eles satildeo todosrdquo Para esseheroacutei o mundo se desintegra em dois campos em umestou eu no outro estatildeo eles cada pessoa existe antesde tudo como um outro e essa definiccedilatildeo do homemdetermina imediatamente a atitude daquele em facedeste O ldquohomem do subsolordquo reduz todas as pessoasa um denominador comum que eacute o outro De acordocom Bezerra (2005 p 194) isto eacute um novo enfoquedo homem mdash o enfoque dialoacutegico mdash uma nova posiccedilatildeoque transforma o objeto ou melhor o homem reifi-cado em outro sujeito em outro eu que se autorrevelalivremente

A vida no enredo na qual existem amigosirmatildeos pais esposas rivais mulheres ama-das etc e na qual ele poderia ser irmatildeofilho ou marido eacute por ele vivida apenas emsonho Em sua vida real natildeo existem essascategorias humanas reais Por isso os diaacutelo-gos interiores e exteriores nessa obra satildeo tatildeoabstratos e tatildeo precisos [] (Bakhtin 2008p 294)

Para Bakhtin (2008 p 294) em Memoacuterias do sub-solo a infinitude do diaacutelogo exterior se manifesta damesma maneira que a infinitude do diaacutelogo interiorO outro real soacute pode entrar no mundo do heroacutei comoo outro com o qual ele jaacute vem travando sua polecircmicainterior Qualquer voz real do outro funde-se inevita-velmente com a voz do outro que jaacute soa aos ouvidosdo ldquohomem do subsolordquo E a palavra real do outro eacuteda mesma forma levada para o que Bakhtin chamade perpetuum moacutebile tal qual todas as reacuteplicas an-tecipaacuteveis do outro A voz humana real e a reacuteplicaantecipaacutevel do outro natildeo podem dar por acabado ointerminaacutevel diaacutelogo interior do personagem destacaBakhtin (2008 p 295) Entatildeo soacute resta ao ldquohomem dosubsolordquo permanecer em sua irremediaacutevel oposiccedilatildeo aooutro A essecircncia da ciecircncia do diaacutelogo em Dostoieacutevskiestaacute na inter-relaccedilatildeo do diaacutelogo interior e do exterior

Bakhtin (2008 p 100) destaca que Dostoieacutevski ti-nha o dom de ldquoauscultarrdquo o diaacutelogo de sua eacutepoca comoum grande diaacutelogo de captar natildeo soacute as vozes isoladasde seu tempo mas a interaccedilatildeo dialoacutegica entre elas Tal

qual um meacutedico ele ldquoauscultavardquo as vozes dominantesda eacutepoca em que vivia fossem elas vozes oficiais ouvozes ainda fracas em termos de ldquoideias latentes aindanatildeo auscultadas por ningueacutemrdquo Dostoieacutevski de acordocom Bakhtin (2008 p 100) sentia que as ideias deseu tempo comeccedilavam a amadurecer como ldquoembriotildeesde futuras concepccedilotildees do mundordquo

Segundo Faraco (2005 p 46) Bakhtin argumentaque Dostoieacutevski foi um grande inovador na arte doromance porque encontrou meios de construir a ima-gem artiacutestica da inconclusibilidade humana mudandoradicalmente a posiccedilatildeo do autor-criador Faraco (2005p 47) lembra que para Bakhtin Dostoieacutevski criou oautor-criador que reserva para si apenas ldquoo miacutenimo in-dispensaacutevel do excedente que eacute necessaacuterio agrave conduccedilatildeoda narrativa deslocando todo o demais para o campode visatildeo e conhecimento do proacuteprio heroacuteirdquo

Bakhtin mostra que o novo enfoque do ho-mem em Dostoieacutevski representa uma pro-funda revoluccedilatildeo do conceito de realismo notocante agrave construccedilatildeo da personagem na me-dida em que o homem-personagem eacute vistoem seu movimento interior vinculado ao mo-vimento da histoacuteria social e cultural de suaeacutepoca e nela enraizado mas natildeo estagnadorazatildeo pela qual natildeo eacute mero objeto do discursodo autor (Bezerra 2005 p 199)

O romance polifocircnico de Dostoieacutevski natildeo se resolvenatildeo haacute siacutentese natildeo atinge uma apoteose As cons-ciecircncias do autor e das personagens satildeo infinitas einconclusas Mas justamente por isto alguns criacuteticosacusaram o escritor de ser prolixo e escrever mal des-taca Venturelli (2006)5 E foi desse limbo que Bakhtino resgatou A criacutetica da eacutepoca viu como ldquomau acaba-mentordquo seus romances que nunca terminarem comum final em que tudo fica resolvido Dostoieacutevski pelocontraacuterio deixa as vozes pulularem no seu texto e eacuteaiacute que entra Bakhtin com sua percepccedilatildeo de linguagemde que a obra dostoievskiana eacute polifocircnica

As vaacuterias vozes que Dostoieacutevski deixa soltas em con-fronto tecircm o mesmo peso e valor e a voz do narradoraparece como mais uma entre tantas tratando-se deuma ldquoposiccedilatildeo de distanciamento maacutexima que permiteao autor assumir o grau extremo de objetividade emrelaccedilatildeo ao universo representado e agraves criaturas queo povoamrdquo (Bezerra 2008b p IX) A voz do narradornatildeo coloca as outras sob seu comando mas requisitaa voz do leitor para o diaacutelogo e para entrar no entre-vero dos vaacuterios planos ideoloacutegicos que satildeo chamadospara o romance que eacute comparado a uma arena comtodos os pontos de vista em disputa e em igualdade decondiccedilatildeo

O que a ortodoxia viu como rusticidade Bakhtinviu como romance polifocircnico em que natildeo haacute escravos

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do narrador mas gente livre para contradizer o proacute-prio criador As relaccedilotildees que Bakhtin manteacutem comDostoieacutevski alcanccedilaram uma intimidade como a queexiste entre duplos principalmente porque Bakhtindedicou sua vida meditando sobre o papel do outro emrelaccedilatildeo ao eu acredita Venturelli (2006)6 ldquoO homemem Dostoieacutevski eacute o sujeito do apelo Natildeo se pode falarsobre ele pode-se apenas dirigir-se a elerdquo (Bakhtin2008 p 292) De acordo com Fiorin (2006 p 17)para Bakhtin ldquoviver eacute agir em relaccedilatildeo ao que natildeo eacuteo eu isto eacute o outrordquo ldquoQuem diz um deve dizer doisele eacute atraiacutedo pela necessidade imanente de uma seacuterierdquo(Bakhtin 2009 p 53)

3 No miacutenimo dois heroacuteisBezerra (2008b p XVIII) escreve que ldquoa fonte do dialo-gismo bakhtiniano eacute a obra de Dostoieacutevski na qual odiaacutelogo entre as personagens eacute uma luta entre pontosde vista e juiacutezos de valorrdquo externados por suas vozesldquoPor traacutes do enunciado existe o falante o sujeito dotadode consciecircnciardquo (Bezerra 2008b p XVII) Para Bezerra(2008b p XXII) a consciecircncia eacute produto da interaccedilatildeoe do conviacutevio de muitas consciecircncias que ldquona oacutetica dodialogismordquo participam desse conviacutevio respeitando osvalores dos outros que igualmente respeitam os seusA reiteraccedilatildeo da presenccedila do sujeito conforme Bezerra(2008b p XVIII) perpassa toda a reflexatildeo em tornodo dialogismo em Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski

ldquoA ligaccedilatildeo profunda e essencial ou a coincidecircnciaparcial entre as palavras do outro em um heroacutei e o dis-curso interior e secreto do outro heroacutei satildeo momentosobrigatoacuterios em todos os diaacutelogos importantes de Dos-toieacutevskirdquo escreve Bakhtin (2008 p 296) De acordocom Bakhtin (2008 p 295) ldquoDostoieacutevski sempre intro-duz dois heroacuteis de maneira a que cada um deles estejaintimamente ligado agrave voz interior do outro embora elenunca mais venha a ser a personificaccedilatildeo direta delardquoNo melhor Dostoieacutevski muda o valor artiacutestico-formalda autoconsciecircncia pois seu heroacutei manteacutem um nuacutecleoinacabado e irresoluto que resiste ao seu acabamentoesteacutetico acrescenta Faraco (2005 p 46)

ldquoA autoconsciecircncia do heroacutei em Dostoieacutevski eacute total-mente dialogada [] ela vai se revelando no fundoda consciecircncia socialmente alheia do outro sobre elerdquoFaraco (2005 p 47-48) O heroacutei percebe a si mesmoatraveacutes da mediaccedilatildeo da consciecircncia dos outros heroacuteisPara Bakhtin as consciecircncias do autor e dos heroacuteisem Dostoieacutevski satildeo infinitas e inconclusas

Bakhtin (2008 p 298) defende que nos diaacutelogos deDostoieacutevski natildeo se chocam duas vozes monoloacutegicasintegrais mas duas vozes que ele chama de fracio-nadas reacuteplicas abertas de um heroacutei correspondem areacuteplicas veladas de outro heroacutei ldquoA contraposiccedilatildeo a

um heroacutei de dois heroacuteis entre os quais cada um estaacuteligado agraves reacuteplicas opostas do diaacutelogo interior do outroeacute o conjunto tiacutepico em Dostoieacutevskirdquo (Bakhtin 2008p 298) Mas Bakhtin (2008 p 298) destaca quepara a correta compreensatildeo da ideia de Dostoieacutevskideve-se levar em conta a sua apreciaccedilatildeo do papel dooutro enquanto ldquooutrordquo pois eacute fazendo a mesma pa-lavra passar por diferentes vozes que se opotildeem umasagraves outras que ele obteacutem os principais efeitos artiacutesticosSegundo Fiorin (2006 p 58) ldquoo mundo interior eacutea dialogizaccedilatildeo da heterogeneidade de vozes sociaisrdquoentatildeo os sujeitos constroem enunciados ideoloacutegicospois satildeo uma resposta ativa agraves vozes interiorizadas

Venturelli (2006)7 parafraseando Bakhtin (2008)salienta que Dostoieacutevski consegue levar cada heroacutei afalar com voz proacutepria sem interferecircncia do narradorcriando o romance polifocircnico com muacuteltiplos pontosde vista e diversas vozes de igual valor na tessitura daobra Ele adverte entretanto que isso natildeo quer dizerque Dostoieacutevski natildeo tenha um ponto de vista pessoalapenas que este eacute mais um entre a trama tensa deoutras visotildees expostas numa obra Sendo assim asopiniotildees do autornarrador natildeo podem ser separadasda teoria bakhtiniana que diz que nunca o sujeito estaacutelivre para impor sua intenccedilatildeo no discurso devendomediaacute-la atraveacutes das intenccedilotildees dos outros O pontode vista de algueacutem emerge atraveacutes da interaccedilatildeo desuas palavras e as do outro na interaccedilatildeo dialoacutegica einacabada Entrar em diaacutelogo com o outro eacute obrigatoacute-rio Bakhtin valorizando o dialogismo mostra como aautoconsciecircncia do eu funciona na interaccedilatildeo humana

O sujeito do romance de Dostoieacutevski natildeo podeser reduzido a este ou agravequele tema nem auma determinada vida porque este sujeito eacuteo eu dos outros natildeo como objeto mas comooutro sujeito segundo a oacutetica de Bakhtin Haacuteo intercacircmbio de significados de vida hiacutebridosOs personagens natildeo satildeo unidades biografi-camente completas Satildeo autoconsciecircnciasabertas em relaccedilatildeo a outras consciecircncias Ven-turelli (2006)8

4 PolifoniaDe acordo com Faraco (2005 p 48) Bakhtin deu oexperimental e fatiacutedico nome de polifonia a essa inova-ccedilatildeo na relaccedilatildeo autorheroacutei em Dostoieacutevski Esse seriaum dos temas mais difiacuteceis de seu pensamento En-tretanto Bakhtin nunca voltou salvo em observaccedilotildeesesparsas em seus apontamentos a essa discussatildeo Fa-raco (2005 p 49) acredita que ldquoo termo polifonia valehoje mais pela seduccedilatildeo derivada de livres associaccedilotildees

6 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas7 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas8 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas

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do que como categoria coerente de um certo arcabouccediloteoacutericordquo Nesse sentido afirma Bakhtin

Em toda parte eacute o cruzamento a consonacircnciaou a dissonacircncia de reacuteplicas do diaacutelogo abertocom as reacuteplicas do diaacutelogo interior dos heroacuteisEm toda parte um determinado conjunto deideias pensamentos e palavras passa por vaacute-rias vozes imisciacuteveis soando em cada umade modo diferente (2008 p 308)

Segundo Bakhtin (2008 p 308) Dostoieacutevski no ro-mance Os democircnios expotildee claramente ldquoas funccedilotildees nodiaacutelogo do outro enquanto tal desprovido de qualquerconcretizaccedilatildeo social e vitalmente pragmaacuteticardquo Outropersonagem ldquoum desconhecido um homem a quemjamais houvesse vistordquo desempenha as suas funccedilotildeesno diaacutelogo fora do enredo como um ldquohomem no ho-memrdquo representando todos os outros para o eu Comoresultado desse status do outro a comunicaccedilatildeo sefirma no lado oposto de todas as formas sociais reais econcretas tais como as familiares as de camada as declasse ou as fabular-vitais Para o autor nos diaacutelogosconfessionais a voz do outro real estaacute em posiccedilatildeo anaacute-loga fora do enredo Esses diaacutelogos ldquosatildeo preparadospelo enredo mas seus pontos culminantes mdash augedos diaacutelogos mdash colocam-se acima do sujeito no campoabstrato da relaccedilatildeo pura do homem com o homemrdquoAssim Dostoieacutevski cria esse novo gecircnero denominadopor Bakhtin de polifocircnico que apresenta vaacuterios pon-tos de vista e vaacuterias vozes cada qual recebendo donarrador o que lhe eacute devido

Bakhtin primeiro estudioso a elaborar os conceitosde polifonia e heterogeneidade defendeu a ideia deque todo texto eacute um objeto heterogecircneo de que todotexto eacute constituiacutedo por vaacuterias vozes eacute a reconfiguraccedilatildeode outros textos que lhe datildeo origem dialogando comele retomando-o Os sujeitos se constituem como taisnas accedilotildees interativas sua consciecircncia se forma noprocesso de interiorizaccedilatildeo de discursos preexistentesmaterializados nos diferentes gecircneros discursivos atu-alizados nas contiacutenuas e permanentes interlocuccedilotildeesde que vatildeo participando

Para Bakhtin (1999 p 31-38) a comunicaccedilatildeo eacuteuma interaccedilatildeo de consciecircncias individuais com outrasconsciecircncias individuais num processo que ganha emcomplexidade quando o conteuacutedo e a forma dessa co-municaccedilatildeo satildeo observados como signos que por suavez tambeacutem possuem forma e conteuacutedo ideoloacutegicosem constante interaccedilatildeo a partir de esferas e de camposespeciacuteficos evidentes em muacuteltiplos discursos Entatildeoa realidade fundamental da linguagem eacute a atividadesociossemioacutetica que se daacute entre indiviacuteduos nas rela-ccedilotildees sociais historicamente situadas A consciecircncia eacuteideoloacutegica dialoacutegica e semiotizada

Todo signo estaacute sujeito aos criteacuterios de avali-accedilatildeo ideoloacutegica [] O domiacutenio do ideoloacutegicocoincide com o domiacutenio dos signos satildeo mu-tuamente correspondentes Ali onde o signose encontra encontra-se tambeacutem o ideoloacute-gico Tudo o que eacute ideoloacutegico possui um valorsemioacutetico [] Eacute seu caraacuteter semioacutetico quecoloca todos os fenocircmenos ideoloacutegicos soba mesma definiccedilatildeo geral (Bakhtin 1999 p32-33)

A autoconsciecircncia do heroacutei eacute um dado incisivo na re-presentaccedilatildeo de sua imagem no plano polifocircnico acres-centa Venturelli (2006)9 O autor chama de ldquocoperni-canardquo a guinada de Dostoieacutevski com sua obra polifocirc-nica pois para Bakhtin os meios de comunicaccedilatildeodifundem uma visatildeo monoloacutegica de sociedade comalgumas vozes se sobressaindo a outras Na polifo-nia ao contraacuterio as muacuteltiplas vozes satildeo equipolentesldquoimagine-se o romance como um grande coral de vozesdiacutespares e o narrador como um regente destas vozesdando o mesmo espaccedilo e o mesmo valor a todas umainteraccedilatildeo sempre em aberto na imagem didaacutetica dePaulo Bezerrardquo (Venturelli 2006)10

(Bezerra 2005 p 194) destaca que o dialogismocontrapotildee-se ao tratamento reificante do homem Nodialogismo a imagem do homem eacute construiacuteda dentroda comunicaccedilatildeo interativa na qual o ser humano se re-conhece atraveacutes do outro e na imagem que o outro fazdele Dostoieacutevski procura conhecer o homem em suaverdadeira essecircncia como um outro eu uacutenico e inaca-baacutevel natildeo se propotildee conhecer a si mesmo propotildee-seconhecer o outro o eu estranho Entatildeo para Dos-toieacutevski soacute se pode compreender o proacuteprio eu mdash o eupara mim mdash juntamente com o outro com o outro eue com o reconhecimento do meu eu pelo outro mdash o eupara o outro O eu assim nunca seraacute um eu sozinhopois soacute pode ter vida real em um mundo povoado pormuacuteltiplos sujeitos independentes e isocircnomos

O autor do romance polifocircnico natildeo defineas personagens e suas consciecircncias agrave reve-lia das proacuteprias personagens mas deixa queelas mesmas se definam no diaacutelogo com ou-tros sujeitos-consciecircncias pois as sente aseu lado e agrave sua frente como ldquoconsciecircnciasequipolentes dos outros tatildeo infinitas e incon-clusiacuteveisrdquo como a dele autor (Bezerra 2005p 195)

ldquoO que caracteriza a polifonia eacute a posiccedilatildeo do autorcomo regente do grande coro de vozes que participamdo processo dialoacutegicordquo (Bezerra 2005 p 194) Masesse autor eacute ativo na medida em que rege vozes que elecria ou recria entretanto deixando que se manifestem

9 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas10 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas

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estudos semioacuteticos vol 6 no 2

com autonomia Conforme Bezerra (2005 p 199)Bakhtin natildeo reserva uma funccedilatildeo secundaacuteria ao autorno processo polifocircnico o qual natildeo renuncia ao seuponto de vista nem se limita a montar pontos de vistaalheios mas ele enfatiza a relaccedilatildeo de reciprocidadeinteiramente nova e especial entre a verdade do sujeitoe a verdade do outro O ativismo do autor tem umcaraacuteter dialoacutegico especial e estaacute diretamente vinculadoagrave consciecircncia ativa e isocircnoma do outro Eacute um ativismoque estabelece uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre a consciecircn-cia criadora e a consciecircncia recriada participando dodiaacutelogo com direito agrave interlocuccedilatildeo com outras vozesinclusive com a voz do autor mas suas peculiaridadesde falante ldquoTrata-se de uma mudanccedila radical da po-siccedilatildeo do autor em relaccedilatildeo agraves pessoas representadasque de pessoas coisificadas se transformam em indi-vidualidadesrdquo Bezerra (2005 p 194) Entatildeo em ummesmo espaccedilo do romance haacute a convivecircncia e a inte-raccedilatildeo de uma multiplicidade de vozes plenivalentes econsciecircncias independentes imisciacuteveis e equipolentesNa polifonia estas vozes e consciecircncias ldquonatildeo satildeo objetodo discurso do autor satildeo sujeitos de seus proacutepriosdiscursosrdquo possuem independecircncia na estrutura daobra combinam-se com a palavra do autor e com asvozes de outras personagens de acordo com Bezerra(2005 p 195)

Conforme Grillo (2005 p 1164) as noccedilotildees de dialo-gismo e de polifonia estatildeo entre as principais contribui-ccedilotildees dos trabalhos de Bakhtin e de seus parceiros masnatildeo se pode esquecer que a relaccedilatildeo de contradiccedilatildeo eacuteum dos aspectos constitutivos da polifonia em Bakhtinldquonatildeo basta que haja diversas vozes antes eacute preciso queelas se constituam por meio do diaacutelogo em pontosde vista contraditoacuteriosrdquo (Grillo 2005 p 1165) ldquoSe asociedade eacute dividida em grupos sociais com interessesdivergentes entatildeo os enunciados satildeo sempre o espaccedilode luta entre vozes sociais o que significa que satildeo ine-vitavelmente o lugar da contradiccedilatildeo [] O contrato sefaz com uma das vozes de uma polecircmicardquo (Fiorin 2006p 25) Essas vozes de grupos sociais com interessesdivergentes e manifestas nos enunciados podem serpercebidas atraveacutes de uma anaacutelise metalinguiacutestica

5 Metalinguiacutestica e anaacutelisedialoacutegica do discurso

De acordo com Bakhtin (2008 p 309) o diaacutelogo ex-terior expresso eacute inseparaacutevel do diaacutelogo interior e emcerto sentido nele se baseia e ambos satildeo igualmenteinseparaacuteveis do grande diaacutelogo do romance no seu todoque os engloba Bakhtin chama esse tipo de estudo demetalinguiacutestico o qual eacute o estudo das muacuteltiplas varie-dades do chamado discurso bivocal e sua influecircnciaem diversos aspectos da construccedilatildeo do discurso Naobra de Dostoieacutevski o discurso bivocal encontra mateacute-ria abundante o objeto fundamental da representaccedilatildeo

de Dostoieacutevski eacute o proacuteprio discurso o discurso plenis-significativo ldquoAs obras de Dostoieacutevski satildeo o discursosobre o discurso voltado para o discursordquo (Bakhtin2008 p 309)

Bakhtin (2008 p 207) natildeo analisa o discurso emDostoieacutevski linguisticamente no sentido rigoroso dotermo pois acredita que ldquoas relaccedilotildees dialoacutegicas em-bora pertenccedilam ao campo do discurso natildeo pertencema um campo puramente linguiacutestico de seu estudordquo(Bakhtin 2008 p 208) Entretanto para Bakhtin(2008 p 207) as pesquisas metalinguiacutesticas ldquonatildeo po-dem ignorar a linguiacutestica e devem aplicar seus resulta-dosrdquo linguiacutestica e metalinguiacutestica devem se completarmutuamente sem se fundir

Grillo (2006 p 123) diz que Bakhtin apresenta tantoa linguiacutestica quanto a metalinguiacutestica como estudandosob diferentes acircngulos o mesmo fenocircmeno isto eacute odiscurso ldquoA epistemologia de uma metalinguiacutesticafunda-se sobre trecircs aspectos a complementaridadeem relaccedilatildeo agrave linguiacutestica de sua eacutepoca a delimitaccedilatildeode um objeto de pesquisa e a proposiccedilatildeo de um campode fenocircmenos a estudarrdquo (Grillo 2006 p 122)

[] Metalinguiacutestica aqui interpretada comoteoriaanaacutelise dialoacutegica do discurso faz partedas estrateacutegias utilizadas por Bakhtin paraa partir da minuciosa leitura e anaacutelise doconjunto da obra de Dostoieacutevski configuraro gecircnero polifocircnico e apresentar o conceitode polifonia E natildeo o contraacuterio (Brait 2006p 14)

Segundo Fiorin (2006 p 115) o romance eacute umgecircnero literaacuterio plurilinguiacutestico pluriestiliacutestico e plu-rivocal Para Fiorin (2006 p 90) a palavra que eacuterepresentada e natildeo a que representa eacute sempre bi-vocal Acosta-Pereira (2008 p 12) escreve que ldquoodiscurso bivocal eacute introduzido pelo autor sob o acircnguloda comunicaccedilatildeo dialoacutegica isto eacute sob o plano do dis-cursordquo O discurso bivocal orienta-se simultaneamentepara o objeto do discurso e para o discurso do outronuma dupla orientaccedilatildeo do discurso que materializa-sena forma de enunciados

Para Brait (2006 p 13) eacute justamente essa bivo-calidade de diaacutelogo situado no objeto e na maneirade enfrentaacute-lo que caracteriza a novidade da meta-linguiacutestica e de suas consequecircncias para os estudosda linguagem Segundo Brait (2006 p 24) ldquoBakhtinnatildeo tinha um conceito ad hoc de polifonia para testarnos escritos de Dostoievskirdquo O conceito eacute formulado apartir dos textos de Dostoieacutevski e esta eacute uma da carac-teriacutestica fundamental da teoriaanaacutelise dialoacutegica dodiscurso ldquonatildeo aplicar conceitos a fim de compreenderum discurso mas deixar que os discursos revelem suaforma de produzir sentido a partir do ponto de vistadialoacutegico num embaterdquo

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Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

O discurso representaacutevel converge com o ou-tro discurso representativo em um niacutevel e emisonomia Penetram um no outro sobrepotildee-se um ao outro sob diferentes acircngulos dialoacute-gicos [] Como resultado desse encontrorevelam-se e aparecem em primeiro planonovos aspectos e novas funccedilotildees da palavra(Bakhtin 2008 p 309)

Concordamos aqui com Grillo (2006 p 124) quandoobserva que apesar de serem oriundas da anaacutelise daprosa dostoievskiana ldquoas relaccedilotildees dialoacutegicas e emespecial a palavra bivocal enquanto objetos de estudoda metalinguiacutestica satildeo encaradas por Bakhtin comopertencentes agraves nossas praacuteticas cotidianas natildeo serestringindo agrave literaturardquo

Bakhtin formulou nos textos de sua uacuteltimafase uma disciplina de estudo da linguagema metalinguiacutestica que tem por objeto as rela-ccedilotildees dialoacutegicas e a palavra bivocal Essas re-laccedilotildees satildeo de natureza axioloacutegico-semacircnticaocorrem entre enunciados e tambeacutem no in-terior de um mesmo enunciado [] Apesarde a proposiccedilatildeo de uma ciecircncia dialoacutegica dalinguagem ter suas origens nos estudos deobras literaacuterias o projeto da metalinguiacutesticacontempla um conjunto de fenocircmenos quenatildeo se restringem aos enunciados da esferaliteraacuteria (Grillo 2006 p 121)

Conforme Fiorin (2006 p 59) os enunciados satildeosempre histoacutericos pois satildeo constitutivamente dialoacutegi-cos Valendo-se da concepccedilatildeo dialoacutegica de Bakhtinuma anaacutelise histoacuterica de textos deixa de ser apenas anarraccedilatildeo de uma eacutepoca para transformar-se em umaanaacutelise semacircntica diferenciada que mostra ldquoaprova-ccedilotildees ou reprovaccedilotildees adesotildees ou recusas polecircmicase contratos deslizamentos de sentido apagamentosetcrdquo O sentido eacute que eacute histoacuterico dessa forma aHistoacuteria natildeo pode ser exterior a ele e sim interior

Consideraccedilotildees finaisBezerra (2005 p 191) entende que Bakhtin concebeuduas modalidades no romance o monoloacutegico mdash aoqual estatildeo associados os conceitos de monologismoautoritarismo acabamento mdash e o polifocircnico mdash ao qualestatildeo associados os conceitos de realidade em forma-ccedilatildeo inconclusibilidade natildeo acabamento dialogismopolifonia A inconclusibilidade e o natildeo acabamentodecorrem da condiccedilatildeo do romance como um gecircneroem formaccedilatildeo sempre sujeito a mudanccedilas com perso-nagens ou heroacuteis representados em um processo deevoluccedilatildeo que nunca se conclui Entatildeo dialogismo epolifonia estatildeo vinculados agrave natureza ampla e multi-facetada do romance ao seu grande nuacutemero de per-sonagens agrave capacidade do autor de ldquorecriar seres e

caracteres humanos traduzida na multiplicidade devozes da vida social cultural e ideoloacutegica representadardquo(Bezerra 2005 p 191-192) ldquo[] a passagem domonologismo para o dialogismo que tem na polifoniasua forma suprema equivale agrave libertaccedilatildeo do indiviacuteduoque de escravo mudo da consciecircncia do autor se tornasujeito de sua proacutepria consciecircnciardquo (Bezerra 2005 p193)

Segundo Fiorin (2006 p 128) forccedilas centriacutepetas mdashque aspiram ao monologismo e buscam o fechamentoa unidade a homogeneidade mdash bem como forccedilas cen-triacutefugas mdash que buscam tanto a abertura a diversidadea heterogeneidade quanto buscam desvelar o dialo-gismo constitutivo do discurso mdash atuam sobre asliacutenguas As vozes do poder tecircm sempre uma accedilatildeocentriacutepeta ldquobuscando reduzir o pluriacutevoco ao uniacutevocordquo(Fiorin 2006 p 82) Mas um sujeito nunca pode sercompletamente assujeitado pois sempre participa deforma uacutenica do diaacutelogo de vozes a histoacuteria da formaccedilatildeode sua consciecircncia eacute singular diz Fiorin (2006 p 58)

De acordo com Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin natildeoconstroacutei suas concepccedilotildees de monologismo dialogismoe polifonia como abstraccedilotildees desprovidas de conteuacutedohistoacuterico social e ideoloacutegicordquo O conceito de reificaccedilatildeo mdashusado por Marx para analisar no sistema de produccedilatildeocapitalista a relaccedilatildeo entre a produccedilatildeo da mercadoriae seu produtor na qual a produccedilatildeo submete de forao homem a uma metamorfose que o reduz a objetodo processo a mero reprodutor de papeacuteis eacute aplicadopor Bakhtin ao processo de construccedilatildeo do romancemonoloacutegico A reificaccedilatildeo do homem teria surgido paraBakhtin juntamente com o surgimento da sociedadede classes e chegado ao limite com o capitalismo ob-serva Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin desvela o fatode que a circulaccedilatildeo das vozes numa formaccedilatildeo socialestaacute submetida ao poder Natildeo haacute neutralidade no jogodas vozesrdquo (Fiorin 2006 p 31-32)

Se por um lado o capitalismo reduz os indiviacute-duos agrave condiccedilatildeo de objetos por outro tambeacutemprovoca a maior estratificaccedilatildeo social e o maiornuacutemero de conflitos da histoacuteria da sociedadehumana gerando vozes e consciecircncias queresistem a tal reduccedilatildeo E Bakhtin afirma queo romance polifocircnico soacute pocircde realizar-se naera capitalista (Bezerra 2005 p 193)

A autoconsciecircncia do heroacutei eacute a caracteriacutestica princi-pal na construccedilatildeo de sua imagem no enfoque polifocirc-nico o que pressupotildee tambeacutem uma posiccedilatildeo nova doautor na representaccedilatildeo desse personagem Descobre-se um aspecto novo do homem do homem no homemque requer um enfoque novo do homem e uma novaposiccedilatildeo do autor destaca Bezerra (2005 p 193) E ohomem no homem natildeo eacute um objeto silencioso eacute simoutro sujeito a quem cabe autorrevelar-se livremente

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estudos semioacuteticos vol 6 no 2

outro eu com direitos iguais no diaacutelogo interativo comos demais falantes

As vozes satildeo assimiladas de diferentes maneiras noprocesso de construccedilatildeo da consciecircncia de acordo comFiorin (2006 p 56) Haacute vozes que satildeo incorporadascomo a voz de autoridade e que se adere de modoincondicional e por isso eacute centriacutepeta impermeaacutevelresistente a impregnar-se de outras vozes Mas outrasvozes satildeo assimiladas como posiccedilotildees de sentido inter-namente persuasivas e vistas como uma entre outraspor isso satildeo centrifugas e permeaacuteveis agrave impregnaccedilatildeopor outras vozes estando sempre abertas agrave mudanccedila

Sendo a consciecircncia sociossemioacutetica ou sejaformada de discursos sociais o que significaque seu conteuacutedo eacute siacutegnico cada indiviacuteduotem uma histoacuteria particular de constituiccedilatildeode seu mundo interior pois ele eacute resultantedo embate e das interrelaccedilotildees desses doistipos de vozes Quanto mais a consciecircnciafor formada de vozes de autoridade mais elaseraacute monoloacutegica ptolomaica Quanto maisfor constituiacuteda de vozes internamente persu-asivas mais seraacute dialoacutegica galileana (Fiorin2006 p 56)

A ldquodificuldade de leitura da obra bakhtiniana fezaparecer diversos Bakhtinsrdquo (Fiorin 2006 p 15) umque criticou a psicanaacutelise mdash dizendo que ldquoa consciecircnciaeacute muito mais terriacutevel que quaisquer complexos incons-cientesrdquo (Bezerra 2008a p XXI) mdash o estruturalismo eo formalismo e que ldquomostrou que todas as explicaccedilotildeestotalizantes eram monoloacutegicasrdquo (Fiorin 2006 p 15)um interacionista que tratou das relaccedilotildees do eu com ooutro ldquoentre posiccedilotildees sociaisrdquo (Idem p 15) um queldquonatildeo aderiu propriamente ao marxismordquo (Idem p 15)um linguista que ldquonatildeo produziu uma teoria acabada dalinguagemrdquo um teoacuterico da literatura que natildeo ofereceuuma ldquoteoria literaacuteria completardquo (Idem p 16)

[] em Bakhtin coexistem um homem religi-oso e um marxista dialogando entre si Eacute odialogismo aparecendo soberano na proacutepriavida de quem teorizou sobre ele Natildeo cabepois levantar duacutevidas desse tipo sobre umpensador que concebe tudo em confronto emdiaacutelogo e para quem o importante eacute sobre-tudo a manifestaccedilotildees das diferentes vozes(Schnaiderman 2005 p 17)

Em um mundo que tende ao monologismo ldquoumavoz monoloacutegica firme pressupotildee um apoio social firmepressupotildee um noacutesrdquo (Bezerra 2008a p 317) em ummundo polifocircnico ao contraacuterio o pluralismo de ideiasdeveria ser efetivamente respeitado ldquoporque todas

as vozes seriam equipolentes nenhuma voz social seimporia como a palavra uacuteltima e definitivardquo (Fiorin2006 p 83) Aqui acreditamos em um Bakhtin pen-sador maior que conforme Schnaiderman (2005 p17) antecipou questotildees filosoacuteficas contemporacircneasparticularmente as de Sartre11 e Heidegger12 e quesoube identificar a submissatildeo de sujeitos cujas vo-zes representam um mero papel de acompanhamentoAcreditamos em um Bakhtin que reivindicou indiviacute-duos ou ldquoheroacuteisrdquo que tais quais os personagens deDostoieacutevski satildeo dotados de vozes resistentes a vozescentriacutepetas que procuram se impor como autoras desentido Para Bezerra (2008a p 317) uma voz solitaacute-ria se torna instaacutevel o autor (Bezerra 2008b p XXII)lembra que no dialogismo o culto do individualismo eacutevisto como uma trageacutedia pois ldquoviver eacute comunicar-sepelo diaacutelogordquo Entatildeo mesmo que natildeo existam normasmorais vaacutelidas em si como normas morais entende-mos aqui com Bakhtin (2009 p 24) que ldquoexiste umsujeito moral com uma determinada estrutura (natildeouma estrutura fiacutesica ou psicoloacutegica eacute claro) e eacute neleque noacutes temos que nos apoiarrdquo Sujeitos livres comconsciecircncias ideologicamente distintas e com vozesinternamente persuasivas ldquocom iguais direitos comopersonas respeitando os valores dos outros que igual-mente respeitam os seusrdquo (Bezerra 2008b p XXII)esses satildeo os sujeitos que cremos existir em um mundopolifocircnico

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Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

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Dados para indexaccedilatildeo em liacutengua estrangeira

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima Andreacuteia

Development of the Bakhtinian Concept of Polyphony

Estudos Semioacuteticos vol 6 n 2 (2010) p 66-76

issn 1980-4016

Abstract In Problems of Dostoevskyrsquos Poetics Bakhtin defines Dostoevsky as the creator of the polyphonicnovel We intend to review in this paper the development of the concept of polyphony defined as the position ofmaximum distance between the author and the characters in a never-ending dialogue Dialogism essence of theBakhtinian discourse theory reiterates the subjectrsquos presence in the communication which is not seen merelyas the transmission of information but as verbal or non-verbal interaction Individuals are built from interactionand through interaction Discourses built from other discourses are never concluded and therefore texts havemany voices These voices must be equipollent in polyphony According to Bakhtin polyphony is an essential partof all enunciations since different voices are expressed in a same text and every discourse is built by severaldiscourses We only understand enunciations when we react to words that awaken in us ideological andorindividual echoes The reality of signs is objective and it can be studied Bakhtin calls this study metalinguisticswhich is the study of bivocal discourse that inevitably arises under the conditions of dialogical communication andgoes beyond linguistic study

Keywords polyphony dialogism metalinguistics

Como citar este artigo

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima AndreacuteiaDesenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifo-nia Estudos Semioacuteticos [on-line] Disponiacutevel em〈 httpwwwfflchuspbrdlsemioticaes 〉 Editores Respon-saacuteveis Francisco E S Merccedilon e Mariana Luz P deBarros Volume 6 Nuacutemero 2 Satildeo Paulo novembro de2010 p 66ndash76 Acesso em ldquodiamecircsanordquo

Data de recebimento do artigo 15122009

Data de sua aprovaccedilatildeo 11032010

  • Introduccedilatildeo
  • Dialogismo
  • Dostoieacutevski ``o sujeito do apelo
  • No miacutenimo dois heroacuteis
  • Polifonia
  • Metalinguiacutestica e anaacutelise dialoacutegica do discurso
  • Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
Page 3: poliffonia

estudos semioacuteticos vol 6 no 2

tambeacutem agindo sobre o ambiente transformando-oO dialogismo acontece dentro de qualquer produccedilatildeocultural verbal ou natildeo verbal elitista ou popular

Brait (apud Rechdan 2003 p 47) lembra que paraprecisar teoricamente o conceito bakhtiniano de dialo-gismo deve-se entender o princiacutepio da heterogeneidadeou a ideia de que a linguagem eacute heterogecircnea isto eacute deque o discurso eacute construiacutedo a partir do discurso do ou-tro que eacute o ldquojaacute ditordquo sobre o qual qualquer discurso seconstroacutei O sujeito de Bakhtin construiacutedo pelo outroeacute tambeacutem um sujeito construiacutedo na linguagem quetem um projeto de fala que natildeo depende soacute de sua in-tenccedilatildeo mas depende do outro primeiro eacute o outro comquem fala depois o outro ideoloacutegico tecido por outrosdiscursos do contexto ao mesmo tempo o sujeito eacutecorpo satildeo as outras vozes que o constituem Natildeo haacutesujeito anterior agrave enunciaccedilatildeo ou agrave escritura O sujeitode Bakhtin se constitui na e pela interaccedilatildeo e reproduzna sua fala e na sua praacutetica o seu contexto imediato esocial Mas ldquonatildeo se pode dizer que haja dois tipos dedialogismo entre enunciados e entre o locutor e seuinterlocutor Na verdade o interlocutor eacute sempre umaresposta um enunciado e por isso todo dialogismosatildeo relaccedilotildees entre enunciadosrdquo (Fiorin 2006 p 32)

De acordo com Fiorin (2006 p 19) ldquodialogismo satildeoas relaccedilotildees de sentido que se estabelecem entre doisenunciadosrdquo entendendo que haacute dois conceitos para otermo No primeiro conceito chamado de constitutivomdash que ldquonatildeo se mostra no fio do discursordquo (Fiorin 2006p 32) mdash ldquodialogismo eacute o modo de funcionamento dalinguagemrdquo pois todo enunciado constitui-se a par-tir de outro enunciado e tem pelo menos duas vozesdiz Fiorin (2006 p 24) No segundo chamado decomposicional mdash que se mostra mdash haacute a ldquoincorporaccedilatildeopelo enunciador da(s) voz(es) do outro no enunciadordquo(Fiorin 2006 p 32) Neste uacuteltimo que eacute uma formaparticular de composiccedilatildeo do discurso podemos inseriro discurso do outro citando abertamente o discursoalheio ou atraveacutes do discurso bivocal ldquointernamentedialogizado em que natildeo haacute separaccedilatildeo muito niacutetida doenunciado citante e do citadordquo (Fiorin 2006 p 33)

Rechdan (2003 p 46) escreve que o diaacutelogo tantono exterior na relaccedilatildeo com o outro como no interiorda consciecircncia ou escrito realiza-se na linguagem Odiaacutelogo refere-se a qualquer forma de discurso desderelaccedilotildees dialoacutegicas do cotidiano ateacute textos literaacuteriosBakhtin considera o diaacutelogo como as relaccedilotildees queocorrem entre interlocutores em uma accedilatildeo histoacutericasocialmente compartilhada que embora exista em umtempo e local especiacuteficos eacute sempre mutaacutevel devido agravesvariaccedilotildees do contexto

De acordo com Venturelli (2006)4 um autor aoescrever natildeo estaacute sozinho mas inserido numa seacuteriecriando uma teia entre seu trabalho e os que o precede-ram e os que o sucederam sintetizando muitas vozes

com a sua Um autor estaacute sempre na relaccedilatildeo dialoacutegicacom os outros e na polifonia sua voz eacute chamada agraveinteraccedilatildeo com as outras tantas vozes da sociedade emque se insere Em Dostoieacutevski os heroacuteis estatildeo abertosuns aos outros a monologia eacute destruiacuteda e forma-se umnovo gecircnero noveliacutestico percebido por Bakhtin atraveacutesde sua original teoria do discurso em que o significadosoacute pode nascer do diaacutelogo Segundo Bezerra (2008b pX) em Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Bakhtinparte da hipoacutetese segundo a qual as personagens deDostoieacutevski revelam tamanha independecircncia interiorem relaccedilatildeo ao autor participante e organizador dodiaacutelogo que ldquopermite-lhes ateacute rebelar-se contra seucriadorrdquo

2 Dostoieacutevski ldquoo sujeito doapelordquo

Conforme Bakhtin (2008 p 292) a autoconsciecircnciado heroacutei em Dostoieacutevski eacute totalmente dialogada es-tando sempre voltada para fora dirigindo-se a si aum outro e a um terceiro Fora do que ele chamade ldquoapelo vivo para si mesma e para os outrosrdquo a au-toconsciecircncia natildeo existe nem para si mesma Natildeo eacutepossiacutevel dominar e entender o homem interior atraveacutesde uma anaacutelise neutra indiferente assim como natildeo eacutepossiacutevel dominaacute-lo fundindo-se com ele ou penetrandoem seu iacutentimo Somente atraveacutes da comunicaccedilatildeo comele por via dialoacutegica podemos forccedilaacute-lo a revelar-sea si mesmo ldquoRepresentar o homem interior como oentendia Dostoieacutevski soacute eacute possiacutevel representando acomunicaccedilatildeo dele com outro Somente na comunica-ccedilatildeo na interaccedilatildeo do homem com o homem revela-seo homem no homem para outros ou para si mesmordquoBakhtin (2008 p 292)

Sendo assim Bakhtin (2008 p 292) enfatiza queno centro do mundo artiacutestico de Dostoieacutevski deve estarsituado o diaacutelogo o diaacutelogo natildeo como um meio mascomo um fim No mundo de Dostoieacutevski o diaacutelogo eacute aproacutepria accedilatildeo lembra Faraco (2005 p 48) SegundoBakhtin (2008 p 293) no romance de Dostoieacutevski ohomem natildeo apenas se revela exteriormente como setorna pela primeira vez aquilo que eacute natildeo soacute para osoutros mas tambeacutem para si mesmo ldquoSer significacomunicar-se pelo diaacutelogo Quando termina o diaacutelogotudo termina Daiacute o diaacutelogo em essecircncia natildeo podernem dever terminarrdquo (Bakhtin 2008 p 293) No ro-mance isso significa uma inconclusibilidade eternado diaacutelogo A obra de Dostoieacutevski nunca estaacute acabadaestaacute sempre na disputa de um diaacutelogo e aberta agrave intera-ccedilatildeo ldquoTudo eacute meio o diaacutelogo eacute o fim Uma soacute voz nadatermina e nada resolve Duas vozes satildeo o miacutenimo devida o miacutenimo de existecircnciardquo (Bakhtin 2008 p 293)

Bakhtin (2008 p 293) chama de ldquoinfinitude poten-cial do diaacutelogordquo o diaacutelogo do enredo que tende para o

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fim como o proacuteprio evento do enredo do qual o diaacutelogo eacuteno fundo um momento O diaacutelogo em Dostoieacutevski inde-pende interiormente da inter-relaccedilatildeo entre os falantesno enredo embora evidentemente seja preparadopelo enredo O nuacutecleo do diaacutelogo estaacute sempre fora doenredo mas a envoltura do diaacutelogo sempre estaacute nasprofundezas do enredo

Segundo Bakhtin (2008 p 293) ldquoo esquema baacutesicodo diaacutelogo em Dostoieacutevski eacute muito simples a contra-posiccedilatildeo do homem ao homem enquanto contraposiccedilatildeodo eu ao outrordquo Para exemplificar o autor cita o heroacuteido livro Memoacuterias do subsolo o qual pensava em suamocidade ldquoeu sou um eles satildeo todosrdquo Para esseheroacutei o mundo se desintegra em dois campos em umestou eu no outro estatildeo eles cada pessoa existe antesde tudo como um outro e essa definiccedilatildeo do homemdetermina imediatamente a atitude daquele em facedeste O ldquohomem do subsolordquo reduz todas as pessoasa um denominador comum que eacute o outro De acordocom Bezerra (2005 p 194) isto eacute um novo enfoquedo homem mdash o enfoque dialoacutegico mdash uma nova posiccedilatildeoque transforma o objeto ou melhor o homem reifi-cado em outro sujeito em outro eu que se autorrevelalivremente

A vida no enredo na qual existem amigosirmatildeos pais esposas rivais mulheres ama-das etc e na qual ele poderia ser irmatildeofilho ou marido eacute por ele vivida apenas emsonho Em sua vida real natildeo existem essascategorias humanas reais Por isso os diaacutelo-gos interiores e exteriores nessa obra satildeo tatildeoabstratos e tatildeo precisos [] (Bakhtin 2008p 294)

Para Bakhtin (2008 p 294) em Memoacuterias do sub-solo a infinitude do diaacutelogo exterior se manifesta damesma maneira que a infinitude do diaacutelogo interiorO outro real soacute pode entrar no mundo do heroacutei comoo outro com o qual ele jaacute vem travando sua polecircmicainterior Qualquer voz real do outro funde-se inevita-velmente com a voz do outro que jaacute soa aos ouvidosdo ldquohomem do subsolordquo E a palavra real do outro eacuteda mesma forma levada para o que Bakhtin chamade perpetuum moacutebile tal qual todas as reacuteplicas an-tecipaacuteveis do outro A voz humana real e a reacuteplicaantecipaacutevel do outro natildeo podem dar por acabado ointerminaacutevel diaacutelogo interior do personagem destacaBakhtin (2008 p 295) Entatildeo soacute resta ao ldquohomem dosubsolordquo permanecer em sua irremediaacutevel oposiccedilatildeo aooutro A essecircncia da ciecircncia do diaacutelogo em Dostoieacutevskiestaacute na inter-relaccedilatildeo do diaacutelogo interior e do exterior

Bakhtin (2008 p 100) destaca que Dostoieacutevski ti-nha o dom de ldquoauscultarrdquo o diaacutelogo de sua eacutepoca comoum grande diaacutelogo de captar natildeo soacute as vozes isoladasde seu tempo mas a interaccedilatildeo dialoacutegica entre elas Tal

qual um meacutedico ele ldquoauscultavardquo as vozes dominantesda eacutepoca em que vivia fossem elas vozes oficiais ouvozes ainda fracas em termos de ldquoideias latentes aindanatildeo auscultadas por ningueacutemrdquo Dostoieacutevski de acordocom Bakhtin (2008 p 100) sentia que as ideias deseu tempo comeccedilavam a amadurecer como ldquoembriotildeesde futuras concepccedilotildees do mundordquo

Segundo Faraco (2005 p 46) Bakhtin argumentaque Dostoieacutevski foi um grande inovador na arte doromance porque encontrou meios de construir a ima-gem artiacutestica da inconclusibilidade humana mudandoradicalmente a posiccedilatildeo do autor-criador Faraco (2005p 47) lembra que para Bakhtin Dostoieacutevski criou oautor-criador que reserva para si apenas ldquoo miacutenimo in-dispensaacutevel do excedente que eacute necessaacuterio agrave conduccedilatildeoda narrativa deslocando todo o demais para o campode visatildeo e conhecimento do proacuteprio heroacuteirdquo

Bakhtin mostra que o novo enfoque do ho-mem em Dostoieacutevski representa uma pro-funda revoluccedilatildeo do conceito de realismo notocante agrave construccedilatildeo da personagem na me-dida em que o homem-personagem eacute vistoem seu movimento interior vinculado ao mo-vimento da histoacuteria social e cultural de suaeacutepoca e nela enraizado mas natildeo estagnadorazatildeo pela qual natildeo eacute mero objeto do discursodo autor (Bezerra 2005 p 199)

O romance polifocircnico de Dostoieacutevski natildeo se resolvenatildeo haacute siacutentese natildeo atinge uma apoteose As cons-ciecircncias do autor e das personagens satildeo infinitas einconclusas Mas justamente por isto alguns criacuteticosacusaram o escritor de ser prolixo e escrever mal des-taca Venturelli (2006)5 E foi desse limbo que Bakhtino resgatou A criacutetica da eacutepoca viu como ldquomau acaba-mentordquo seus romances que nunca terminarem comum final em que tudo fica resolvido Dostoieacutevski pelocontraacuterio deixa as vozes pulularem no seu texto e eacuteaiacute que entra Bakhtin com sua percepccedilatildeo de linguagemde que a obra dostoievskiana eacute polifocircnica

As vaacuterias vozes que Dostoieacutevski deixa soltas em con-fronto tecircm o mesmo peso e valor e a voz do narradoraparece como mais uma entre tantas tratando-se deuma ldquoposiccedilatildeo de distanciamento maacutexima que permiteao autor assumir o grau extremo de objetividade emrelaccedilatildeo ao universo representado e agraves criaturas queo povoamrdquo (Bezerra 2008b p IX) A voz do narradornatildeo coloca as outras sob seu comando mas requisitaa voz do leitor para o diaacutelogo e para entrar no entre-vero dos vaacuterios planos ideoloacutegicos que satildeo chamadospara o romance que eacute comparado a uma arena comtodos os pontos de vista em disputa e em igualdade decondiccedilatildeo

O que a ortodoxia viu como rusticidade Bakhtinviu como romance polifocircnico em que natildeo haacute escravos

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do narrador mas gente livre para contradizer o proacute-prio criador As relaccedilotildees que Bakhtin manteacutem comDostoieacutevski alcanccedilaram uma intimidade como a queexiste entre duplos principalmente porque Bakhtindedicou sua vida meditando sobre o papel do outro emrelaccedilatildeo ao eu acredita Venturelli (2006)6 ldquoO homemem Dostoieacutevski eacute o sujeito do apelo Natildeo se pode falarsobre ele pode-se apenas dirigir-se a elerdquo (Bakhtin2008 p 292) De acordo com Fiorin (2006 p 17)para Bakhtin ldquoviver eacute agir em relaccedilatildeo ao que natildeo eacuteo eu isto eacute o outrordquo ldquoQuem diz um deve dizer doisele eacute atraiacutedo pela necessidade imanente de uma seacuterierdquo(Bakhtin 2009 p 53)

3 No miacutenimo dois heroacuteisBezerra (2008b p XVIII) escreve que ldquoa fonte do dialo-gismo bakhtiniano eacute a obra de Dostoieacutevski na qual odiaacutelogo entre as personagens eacute uma luta entre pontosde vista e juiacutezos de valorrdquo externados por suas vozesldquoPor traacutes do enunciado existe o falante o sujeito dotadode consciecircnciardquo (Bezerra 2008b p XVII) Para Bezerra(2008b p XXII) a consciecircncia eacute produto da interaccedilatildeoe do conviacutevio de muitas consciecircncias que ldquona oacutetica dodialogismordquo participam desse conviacutevio respeitando osvalores dos outros que igualmente respeitam os seusA reiteraccedilatildeo da presenccedila do sujeito conforme Bezerra(2008b p XVIII) perpassa toda a reflexatildeo em tornodo dialogismo em Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski

ldquoA ligaccedilatildeo profunda e essencial ou a coincidecircnciaparcial entre as palavras do outro em um heroacutei e o dis-curso interior e secreto do outro heroacutei satildeo momentosobrigatoacuterios em todos os diaacutelogos importantes de Dos-toieacutevskirdquo escreve Bakhtin (2008 p 296) De acordocom Bakhtin (2008 p 295) ldquoDostoieacutevski sempre intro-duz dois heroacuteis de maneira a que cada um deles estejaintimamente ligado agrave voz interior do outro embora elenunca mais venha a ser a personificaccedilatildeo direta delardquoNo melhor Dostoieacutevski muda o valor artiacutestico-formalda autoconsciecircncia pois seu heroacutei manteacutem um nuacutecleoinacabado e irresoluto que resiste ao seu acabamentoesteacutetico acrescenta Faraco (2005 p 46)

ldquoA autoconsciecircncia do heroacutei em Dostoieacutevski eacute total-mente dialogada [] ela vai se revelando no fundoda consciecircncia socialmente alheia do outro sobre elerdquoFaraco (2005 p 47-48) O heroacutei percebe a si mesmoatraveacutes da mediaccedilatildeo da consciecircncia dos outros heroacuteisPara Bakhtin as consciecircncias do autor e dos heroacuteisem Dostoieacutevski satildeo infinitas e inconclusas

Bakhtin (2008 p 298) defende que nos diaacutelogos deDostoieacutevski natildeo se chocam duas vozes monoloacutegicasintegrais mas duas vozes que ele chama de fracio-nadas reacuteplicas abertas de um heroacutei correspondem areacuteplicas veladas de outro heroacutei ldquoA contraposiccedilatildeo a

um heroacutei de dois heroacuteis entre os quais cada um estaacuteligado agraves reacuteplicas opostas do diaacutelogo interior do outroeacute o conjunto tiacutepico em Dostoieacutevskirdquo (Bakhtin 2008p 298) Mas Bakhtin (2008 p 298) destaca quepara a correta compreensatildeo da ideia de Dostoieacutevskideve-se levar em conta a sua apreciaccedilatildeo do papel dooutro enquanto ldquooutrordquo pois eacute fazendo a mesma pa-lavra passar por diferentes vozes que se opotildeem umasagraves outras que ele obteacutem os principais efeitos artiacutesticosSegundo Fiorin (2006 p 58) ldquoo mundo interior eacutea dialogizaccedilatildeo da heterogeneidade de vozes sociaisrdquoentatildeo os sujeitos constroem enunciados ideoloacutegicospois satildeo uma resposta ativa agraves vozes interiorizadas

Venturelli (2006)7 parafraseando Bakhtin (2008)salienta que Dostoieacutevski consegue levar cada heroacutei afalar com voz proacutepria sem interferecircncia do narradorcriando o romance polifocircnico com muacuteltiplos pontosde vista e diversas vozes de igual valor na tessitura daobra Ele adverte entretanto que isso natildeo quer dizerque Dostoieacutevski natildeo tenha um ponto de vista pessoalapenas que este eacute mais um entre a trama tensa deoutras visotildees expostas numa obra Sendo assim asopiniotildees do autornarrador natildeo podem ser separadasda teoria bakhtiniana que diz que nunca o sujeito estaacutelivre para impor sua intenccedilatildeo no discurso devendomediaacute-la atraveacutes das intenccedilotildees dos outros O pontode vista de algueacutem emerge atraveacutes da interaccedilatildeo desuas palavras e as do outro na interaccedilatildeo dialoacutegica einacabada Entrar em diaacutelogo com o outro eacute obrigatoacute-rio Bakhtin valorizando o dialogismo mostra como aautoconsciecircncia do eu funciona na interaccedilatildeo humana

O sujeito do romance de Dostoieacutevski natildeo podeser reduzido a este ou agravequele tema nem auma determinada vida porque este sujeito eacuteo eu dos outros natildeo como objeto mas comooutro sujeito segundo a oacutetica de Bakhtin Haacuteo intercacircmbio de significados de vida hiacutebridosOs personagens natildeo satildeo unidades biografi-camente completas Satildeo autoconsciecircnciasabertas em relaccedilatildeo a outras consciecircncias Ven-turelli (2006)8

4 PolifoniaDe acordo com Faraco (2005 p 48) Bakhtin deu oexperimental e fatiacutedico nome de polifonia a essa inova-ccedilatildeo na relaccedilatildeo autorheroacutei em Dostoieacutevski Esse seriaum dos temas mais difiacuteceis de seu pensamento En-tretanto Bakhtin nunca voltou salvo em observaccedilotildeesesparsas em seus apontamentos a essa discussatildeo Fa-raco (2005 p 49) acredita que ldquoo termo polifonia valehoje mais pela seduccedilatildeo derivada de livres associaccedilotildees

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do que como categoria coerente de um certo arcabouccediloteoacutericordquo Nesse sentido afirma Bakhtin

Em toda parte eacute o cruzamento a consonacircnciaou a dissonacircncia de reacuteplicas do diaacutelogo abertocom as reacuteplicas do diaacutelogo interior dos heroacuteisEm toda parte um determinado conjunto deideias pensamentos e palavras passa por vaacute-rias vozes imisciacuteveis soando em cada umade modo diferente (2008 p 308)

Segundo Bakhtin (2008 p 308) Dostoieacutevski no ro-mance Os democircnios expotildee claramente ldquoas funccedilotildees nodiaacutelogo do outro enquanto tal desprovido de qualquerconcretizaccedilatildeo social e vitalmente pragmaacuteticardquo Outropersonagem ldquoum desconhecido um homem a quemjamais houvesse vistordquo desempenha as suas funccedilotildeesno diaacutelogo fora do enredo como um ldquohomem no ho-memrdquo representando todos os outros para o eu Comoresultado desse status do outro a comunicaccedilatildeo sefirma no lado oposto de todas as formas sociais reais econcretas tais como as familiares as de camada as declasse ou as fabular-vitais Para o autor nos diaacutelogosconfessionais a voz do outro real estaacute em posiccedilatildeo anaacute-loga fora do enredo Esses diaacutelogos ldquosatildeo preparadospelo enredo mas seus pontos culminantes mdash augedos diaacutelogos mdash colocam-se acima do sujeito no campoabstrato da relaccedilatildeo pura do homem com o homemrdquoAssim Dostoieacutevski cria esse novo gecircnero denominadopor Bakhtin de polifocircnico que apresenta vaacuterios pon-tos de vista e vaacuterias vozes cada qual recebendo donarrador o que lhe eacute devido

Bakhtin primeiro estudioso a elaborar os conceitosde polifonia e heterogeneidade defendeu a ideia deque todo texto eacute um objeto heterogecircneo de que todotexto eacute constituiacutedo por vaacuterias vozes eacute a reconfiguraccedilatildeode outros textos que lhe datildeo origem dialogando comele retomando-o Os sujeitos se constituem como taisnas accedilotildees interativas sua consciecircncia se forma noprocesso de interiorizaccedilatildeo de discursos preexistentesmaterializados nos diferentes gecircneros discursivos atu-alizados nas contiacutenuas e permanentes interlocuccedilotildeesde que vatildeo participando

Para Bakhtin (1999 p 31-38) a comunicaccedilatildeo eacuteuma interaccedilatildeo de consciecircncias individuais com outrasconsciecircncias individuais num processo que ganha emcomplexidade quando o conteuacutedo e a forma dessa co-municaccedilatildeo satildeo observados como signos que por suavez tambeacutem possuem forma e conteuacutedo ideoloacutegicosem constante interaccedilatildeo a partir de esferas e de camposespeciacuteficos evidentes em muacuteltiplos discursos Entatildeoa realidade fundamental da linguagem eacute a atividadesociossemioacutetica que se daacute entre indiviacuteduos nas rela-ccedilotildees sociais historicamente situadas A consciecircncia eacuteideoloacutegica dialoacutegica e semiotizada

Todo signo estaacute sujeito aos criteacuterios de avali-accedilatildeo ideoloacutegica [] O domiacutenio do ideoloacutegicocoincide com o domiacutenio dos signos satildeo mu-tuamente correspondentes Ali onde o signose encontra encontra-se tambeacutem o ideoloacute-gico Tudo o que eacute ideoloacutegico possui um valorsemioacutetico [] Eacute seu caraacuteter semioacutetico quecoloca todos os fenocircmenos ideoloacutegicos soba mesma definiccedilatildeo geral (Bakhtin 1999 p32-33)

A autoconsciecircncia do heroacutei eacute um dado incisivo na re-presentaccedilatildeo de sua imagem no plano polifocircnico acres-centa Venturelli (2006)9 O autor chama de ldquocoperni-canardquo a guinada de Dostoieacutevski com sua obra polifocirc-nica pois para Bakhtin os meios de comunicaccedilatildeodifundem uma visatildeo monoloacutegica de sociedade comalgumas vozes se sobressaindo a outras Na polifo-nia ao contraacuterio as muacuteltiplas vozes satildeo equipolentesldquoimagine-se o romance como um grande coral de vozesdiacutespares e o narrador como um regente destas vozesdando o mesmo espaccedilo e o mesmo valor a todas umainteraccedilatildeo sempre em aberto na imagem didaacutetica dePaulo Bezerrardquo (Venturelli 2006)10

(Bezerra 2005 p 194) destaca que o dialogismocontrapotildee-se ao tratamento reificante do homem Nodialogismo a imagem do homem eacute construiacuteda dentroda comunicaccedilatildeo interativa na qual o ser humano se re-conhece atraveacutes do outro e na imagem que o outro fazdele Dostoieacutevski procura conhecer o homem em suaverdadeira essecircncia como um outro eu uacutenico e inaca-baacutevel natildeo se propotildee conhecer a si mesmo propotildee-seconhecer o outro o eu estranho Entatildeo para Dos-toieacutevski soacute se pode compreender o proacuteprio eu mdash o eupara mim mdash juntamente com o outro com o outro eue com o reconhecimento do meu eu pelo outro mdash o eupara o outro O eu assim nunca seraacute um eu sozinhopois soacute pode ter vida real em um mundo povoado pormuacuteltiplos sujeitos independentes e isocircnomos

O autor do romance polifocircnico natildeo defineas personagens e suas consciecircncias agrave reve-lia das proacuteprias personagens mas deixa queelas mesmas se definam no diaacutelogo com ou-tros sujeitos-consciecircncias pois as sente aseu lado e agrave sua frente como ldquoconsciecircnciasequipolentes dos outros tatildeo infinitas e incon-clusiacuteveisrdquo como a dele autor (Bezerra 2005p 195)

ldquoO que caracteriza a polifonia eacute a posiccedilatildeo do autorcomo regente do grande coro de vozes que participamdo processo dialoacutegicordquo (Bezerra 2005 p 194) Masesse autor eacute ativo na medida em que rege vozes que elecria ou recria entretanto deixando que se manifestem

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com autonomia Conforme Bezerra (2005 p 199)Bakhtin natildeo reserva uma funccedilatildeo secundaacuteria ao autorno processo polifocircnico o qual natildeo renuncia ao seuponto de vista nem se limita a montar pontos de vistaalheios mas ele enfatiza a relaccedilatildeo de reciprocidadeinteiramente nova e especial entre a verdade do sujeitoe a verdade do outro O ativismo do autor tem umcaraacuteter dialoacutegico especial e estaacute diretamente vinculadoagrave consciecircncia ativa e isocircnoma do outro Eacute um ativismoque estabelece uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre a consciecircn-cia criadora e a consciecircncia recriada participando dodiaacutelogo com direito agrave interlocuccedilatildeo com outras vozesinclusive com a voz do autor mas suas peculiaridadesde falante ldquoTrata-se de uma mudanccedila radical da po-siccedilatildeo do autor em relaccedilatildeo agraves pessoas representadasque de pessoas coisificadas se transformam em indi-vidualidadesrdquo Bezerra (2005 p 194) Entatildeo em ummesmo espaccedilo do romance haacute a convivecircncia e a inte-raccedilatildeo de uma multiplicidade de vozes plenivalentes econsciecircncias independentes imisciacuteveis e equipolentesNa polifonia estas vozes e consciecircncias ldquonatildeo satildeo objetodo discurso do autor satildeo sujeitos de seus proacutepriosdiscursosrdquo possuem independecircncia na estrutura daobra combinam-se com a palavra do autor e com asvozes de outras personagens de acordo com Bezerra(2005 p 195)

Conforme Grillo (2005 p 1164) as noccedilotildees de dialo-gismo e de polifonia estatildeo entre as principais contribui-ccedilotildees dos trabalhos de Bakhtin e de seus parceiros masnatildeo se pode esquecer que a relaccedilatildeo de contradiccedilatildeo eacuteum dos aspectos constitutivos da polifonia em Bakhtinldquonatildeo basta que haja diversas vozes antes eacute preciso queelas se constituam por meio do diaacutelogo em pontosde vista contraditoacuteriosrdquo (Grillo 2005 p 1165) ldquoSe asociedade eacute dividida em grupos sociais com interessesdivergentes entatildeo os enunciados satildeo sempre o espaccedilode luta entre vozes sociais o que significa que satildeo ine-vitavelmente o lugar da contradiccedilatildeo [] O contrato sefaz com uma das vozes de uma polecircmicardquo (Fiorin 2006p 25) Essas vozes de grupos sociais com interessesdivergentes e manifestas nos enunciados podem serpercebidas atraveacutes de uma anaacutelise metalinguiacutestica

5 Metalinguiacutestica e anaacutelisedialoacutegica do discurso

De acordo com Bakhtin (2008 p 309) o diaacutelogo ex-terior expresso eacute inseparaacutevel do diaacutelogo interior e emcerto sentido nele se baseia e ambos satildeo igualmenteinseparaacuteveis do grande diaacutelogo do romance no seu todoque os engloba Bakhtin chama esse tipo de estudo demetalinguiacutestico o qual eacute o estudo das muacuteltiplas varie-dades do chamado discurso bivocal e sua influecircnciaem diversos aspectos da construccedilatildeo do discurso Naobra de Dostoieacutevski o discurso bivocal encontra mateacute-ria abundante o objeto fundamental da representaccedilatildeo

de Dostoieacutevski eacute o proacuteprio discurso o discurso plenis-significativo ldquoAs obras de Dostoieacutevski satildeo o discursosobre o discurso voltado para o discursordquo (Bakhtin2008 p 309)

Bakhtin (2008 p 207) natildeo analisa o discurso emDostoieacutevski linguisticamente no sentido rigoroso dotermo pois acredita que ldquoas relaccedilotildees dialoacutegicas em-bora pertenccedilam ao campo do discurso natildeo pertencema um campo puramente linguiacutestico de seu estudordquo(Bakhtin 2008 p 208) Entretanto para Bakhtin(2008 p 207) as pesquisas metalinguiacutesticas ldquonatildeo po-dem ignorar a linguiacutestica e devem aplicar seus resulta-dosrdquo linguiacutestica e metalinguiacutestica devem se completarmutuamente sem se fundir

Grillo (2006 p 123) diz que Bakhtin apresenta tantoa linguiacutestica quanto a metalinguiacutestica como estudandosob diferentes acircngulos o mesmo fenocircmeno isto eacute odiscurso ldquoA epistemologia de uma metalinguiacutesticafunda-se sobre trecircs aspectos a complementaridadeem relaccedilatildeo agrave linguiacutestica de sua eacutepoca a delimitaccedilatildeode um objeto de pesquisa e a proposiccedilatildeo de um campode fenocircmenos a estudarrdquo (Grillo 2006 p 122)

[] Metalinguiacutestica aqui interpretada comoteoriaanaacutelise dialoacutegica do discurso faz partedas estrateacutegias utilizadas por Bakhtin paraa partir da minuciosa leitura e anaacutelise doconjunto da obra de Dostoieacutevski configuraro gecircnero polifocircnico e apresentar o conceitode polifonia E natildeo o contraacuterio (Brait 2006p 14)

Segundo Fiorin (2006 p 115) o romance eacute umgecircnero literaacuterio plurilinguiacutestico pluriestiliacutestico e plu-rivocal Para Fiorin (2006 p 90) a palavra que eacuterepresentada e natildeo a que representa eacute sempre bi-vocal Acosta-Pereira (2008 p 12) escreve que ldquoodiscurso bivocal eacute introduzido pelo autor sob o acircnguloda comunicaccedilatildeo dialoacutegica isto eacute sob o plano do dis-cursordquo O discurso bivocal orienta-se simultaneamentepara o objeto do discurso e para o discurso do outronuma dupla orientaccedilatildeo do discurso que materializa-sena forma de enunciados

Para Brait (2006 p 13) eacute justamente essa bivo-calidade de diaacutelogo situado no objeto e na maneirade enfrentaacute-lo que caracteriza a novidade da meta-linguiacutestica e de suas consequecircncias para os estudosda linguagem Segundo Brait (2006 p 24) ldquoBakhtinnatildeo tinha um conceito ad hoc de polifonia para testarnos escritos de Dostoievskirdquo O conceito eacute formulado apartir dos textos de Dostoieacutevski e esta eacute uma da carac-teriacutestica fundamental da teoriaanaacutelise dialoacutegica dodiscurso ldquonatildeo aplicar conceitos a fim de compreenderum discurso mas deixar que os discursos revelem suaforma de produzir sentido a partir do ponto de vistadialoacutegico num embaterdquo

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Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

O discurso representaacutevel converge com o ou-tro discurso representativo em um niacutevel e emisonomia Penetram um no outro sobrepotildee-se um ao outro sob diferentes acircngulos dialoacute-gicos [] Como resultado desse encontrorevelam-se e aparecem em primeiro planonovos aspectos e novas funccedilotildees da palavra(Bakhtin 2008 p 309)

Concordamos aqui com Grillo (2006 p 124) quandoobserva que apesar de serem oriundas da anaacutelise daprosa dostoievskiana ldquoas relaccedilotildees dialoacutegicas e emespecial a palavra bivocal enquanto objetos de estudoda metalinguiacutestica satildeo encaradas por Bakhtin comopertencentes agraves nossas praacuteticas cotidianas natildeo serestringindo agrave literaturardquo

Bakhtin formulou nos textos de sua uacuteltimafase uma disciplina de estudo da linguagema metalinguiacutestica que tem por objeto as rela-ccedilotildees dialoacutegicas e a palavra bivocal Essas re-laccedilotildees satildeo de natureza axioloacutegico-semacircnticaocorrem entre enunciados e tambeacutem no in-terior de um mesmo enunciado [] Apesarde a proposiccedilatildeo de uma ciecircncia dialoacutegica dalinguagem ter suas origens nos estudos deobras literaacuterias o projeto da metalinguiacutesticacontempla um conjunto de fenocircmenos quenatildeo se restringem aos enunciados da esferaliteraacuteria (Grillo 2006 p 121)

Conforme Fiorin (2006 p 59) os enunciados satildeosempre histoacutericos pois satildeo constitutivamente dialoacutegi-cos Valendo-se da concepccedilatildeo dialoacutegica de Bakhtinuma anaacutelise histoacuterica de textos deixa de ser apenas anarraccedilatildeo de uma eacutepoca para transformar-se em umaanaacutelise semacircntica diferenciada que mostra ldquoaprova-ccedilotildees ou reprovaccedilotildees adesotildees ou recusas polecircmicase contratos deslizamentos de sentido apagamentosetcrdquo O sentido eacute que eacute histoacuterico dessa forma aHistoacuteria natildeo pode ser exterior a ele e sim interior

Consideraccedilotildees finaisBezerra (2005 p 191) entende que Bakhtin concebeuduas modalidades no romance o monoloacutegico mdash aoqual estatildeo associados os conceitos de monologismoautoritarismo acabamento mdash e o polifocircnico mdash ao qualestatildeo associados os conceitos de realidade em forma-ccedilatildeo inconclusibilidade natildeo acabamento dialogismopolifonia A inconclusibilidade e o natildeo acabamentodecorrem da condiccedilatildeo do romance como um gecircneroem formaccedilatildeo sempre sujeito a mudanccedilas com perso-nagens ou heroacuteis representados em um processo deevoluccedilatildeo que nunca se conclui Entatildeo dialogismo epolifonia estatildeo vinculados agrave natureza ampla e multi-facetada do romance ao seu grande nuacutemero de per-sonagens agrave capacidade do autor de ldquorecriar seres e

caracteres humanos traduzida na multiplicidade devozes da vida social cultural e ideoloacutegica representadardquo(Bezerra 2005 p 191-192) ldquo[] a passagem domonologismo para o dialogismo que tem na polifoniasua forma suprema equivale agrave libertaccedilatildeo do indiviacuteduoque de escravo mudo da consciecircncia do autor se tornasujeito de sua proacutepria consciecircnciardquo (Bezerra 2005 p193)

Segundo Fiorin (2006 p 128) forccedilas centriacutepetas mdashque aspiram ao monologismo e buscam o fechamentoa unidade a homogeneidade mdash bem como forccedilas cen-triacutefugas mdash que buscam tanto a abertura a diversidadea heterogeneidade quanto buscam desvelar o dialo-gismo constitutivo do discurso mdash atuam sobre asliacutenguas As vozes do poder tecircm sempre uma accedilatildeocentriacutepeta ldquobuscando reduzir o pluriacutevoco ao uniacutevocordquo(Fiorin 2006 p 82) Mas um sujeito nunca pode sercompletamente assujeitado pois sempre participa deforma uacutenica do diaacutelogo de vozes a histoacuteria da formaccedilatildeode sua consciecircncia eacute singular diz Fiorin (2006 p 58)

De acordo com Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin natildeoconstroacutei suas concepccedilotildees de monologismo dialogismoe polifonia como abstraccedilotildees desprovidas de conteuacutedohistoacuterico social e ideoloacutegicordquo O conceito de reificaccedilatildeo mdashusado por Marx para analisar no sistema de produccedilatildeocapitalista a relaccedilatildeo entre a produccedilatildeo da mercadoriae seu produtor na qual a produccedilatildeo submete de forao homem a uma metamorfose que o reduz a objetodo processo a mero reprodutor de papeacuteis eacute aplicadopor Bakhtin ao processo de construccedilatildeo do romancemonoloacutegico A reificaccedilatildeo do homem teria surgido paraBakhtin juntamente com o surgimento da sociedadede classes e chegado ao limite com o capitalismo ob-serva Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin desvela o fatode que a circulaccedilatildeo das vozes numa formaccedilatildeo socialestaacute submetida ao poder Natildeo haacute neutralidade no jogodas vozesrdquo (Fiorin 2006 p 31-32)

Se por um lado o capitalismo reduz os indiviacute-duos agrave condiccedilatildeo de objetos por outro tambeacutemprovoca a maior estratificaccedilatildeo social e o maiornuacutemero de conflitos da histoacuteria da sociedadehumana gerando vozes e consciecircncias queresistem a tal reduccedilatildeo E Bakhtin afirma queo romance polifocircnico soacute pocircde realizar-se naera capitalista (Bezerra 2005 p 193)

A autoconsciecircncia do heroacutei eacute a caracteriacutestica princi-pal na construccedilatildeo de sua imagem no enfoque polifocirc-nico o que pressupotildee tambeacutem uma posiccedilatildeo nova doautor na representaccedilatildeo desse personagem Descobre-se um aspecto novo do homem do homem no homemque requer um enfoque novo do homem e uma novaposiccedilatildeo do autor destaca Bezerra (2005 p 193) E ohomem no homem natildeo eacute um objeto silencioso eacute simoutro sujeito a quem cabe autorrevelar-se livremente

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estudos semioacuteticos vol 6 no 2

outro eu com direitos iguais no diaacutelogo interativo comos demais falantes

As vozes satildeo assimiladas de diferentes maneiras noprocesso de construccedilatildeo da consciecircncia de acordo comFiorin (2006 p 56) Haacute vozes que satildeo incorporadascomo a voz de autoridade e que se adere de modoincondicional e por isso eacute centriacutepeta impermeaacutevelresistente a impregnar-se de outras vozes Mas outrasvozes satildeo assimiladas como posiccedilotildees de sentido inter-namente persuasivas e vistas como uma entre outraspor isso satildeo centrifugas e permeaacuteveis agrave impregnaccedilatildeopor outras vozes estando sempre abertas agrave mudanccedila

Sendo a consciecircncia sociossemioacutetica ou sejaformada de discursos sociais o que significaque seu conteuacutedo eacute siacutegnico cada indiviacuteduotem uma histoacuteria particular de constituiccedilatildeode seu mundo interior pois ele eacute resultantedo embate e das interrelaccedilotildees desses doistipos de vozes Quanto mais a consciecircnciafor formada de vozes de autoridade mais elaseraacute monoloacutegica ptolomaica Quanto maisfor constituiacuteda de vozes internamente persu-asivas mais seraacute dialoacutegica galileana (Fiorin2006 p 56)

A ldquodificuldade de leitura da obra bakhtiniana fezaparecer diversos Bakhtinsrdquo (Fiorin 2006 p 15) umque criticou a psicanaacutelise mdash dizendo que ldquoa consciecircnciaeacute muito mais terriacutevel que quaisquer complexos incons-cientesrdquo (Bezerra 2008a p XXI) mdash o estruturalismo eo formalismo e que ldquomostrou que todas as explicaccedilotildeestotalizantes eram monoloacutegicasrdquo (Fiorin 2006 p 15)um interacionista que tratou das relaccedilotildees do eu com ooutro ldquoentre posiccedilotildees sociaisrdquo (Idem p 15) um queldquonatildeo aderiu propriamente ao marxismordquo (Idem p 15)um linguista que ldquonatildeo produziu uma teoria acabada dalinguagemrdquo um teoacuterico da literatura que natildeo ofereceuuma ldquoteoria literaacuteria completardquo (Idem p 16)

[] em Bakhtin coexistem um homem religi-oso e um marxista dialogando entre si Eacute odialogismo aparecendo soberano na proacutepriavida de quem teorizou sobre ele Natildeo cabepois levantar duacutevidas desse tipo sobre umpensador que concebe tudo em confronto emdiaacutelogo e para quem o importante eacute sobre-tudo a manifestaccedilotildees das diferentes vozes(Schnaiderman 2005 p 17)

Em um mundo que tende ao monologismo ldquoumavoz monoloacutegica firme pressupotildee um apoio social firmepressupotildee um noacutesrdquo (Bezerra 2008a p 317) em ummundo polifocircnico ao contraacuterio o pluralismo de ideiasdeveria ser efetivamente respeitado ldquoporque todas

as vozes seriam equipolentes nenhuma voz social seimporia como a palavra uacuteltima e definitivardquo (Fiorin2006 p 83) Aqui acreditamos em um Bakhtin pen-sador maior que conforme Schnaiderman (2005 p17) antecipou questotildees filosoacuteficas contemporacircneasparticularmente as de Sartre11 e Heidegger12 e quesoube identificar a submissatildeo de sujeitos cujas vo-zes representam um mero papel de acompanhamentoAcreditamos em um Bakhtin que reivindicou indiviacute-duos ou ldquoheroacuteisrdquo que tais quais os personagens deDostoieacutevski satildeo dotados de vozes resistentes a vozescentriacutepetas que procuram se impor como autoras desentido Para Bezerra (2008a p 317) uma voz solitaacute-ria se torna instaacutevel o autor (Bezerra 2008b p XXII)lembra que no dialogismo o culto do individualismo eacutevisto como uma trageacutedia pois ldquoviver eacute comunicar-sepelo diaacutelogordquo Entatildeo mesmo que natildeo existam normasmorais vaacutelidas em si como normas morais entende-mos aqui com Bakhtin (2009 p 24) que ldquoexiste umsujeito moral com uma determinada estrutura (natildeouma estrutura fiacutesica ou psicoloacutegica eacute claro) e eacute neleque noacutes temos que nos apoiarrdquo Sujeitos livres comconsciecircncias ideologicamente distintas e com vozesinternamente persuasivas ldquocom iguais direitos comopersonas respeitando os valores dos outros que igual-mente respeitam os seusrdquo (Bezerra 2008b p XXII)esses satildeo os sujeitos que cremos existir em um mundopolifocircnico

Referecircncias

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11 Jean-Paul Sartre Lrsquoacircge de raison Paris Gallimard 197212 Martin El ser y el tiempo 7 ed Traduccedilatildeo de J Gaos MeacutexicoMadridBuenos Aires F Cultura Economica 1989

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Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

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Bezerra Paulo2008a Adendo 1 In Bakhtin Mikhail MikhailovichProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Rio de JaneiroForense Universitaacuteria

Bezerra Paulo2008b Prefaacutecio uma obra agrave prova do tempo InBakhtin Mikhail Mikhailovich Problemas da poeacuteticade Dostoieacutevski Rio de Janeiro Forense Universitaacute-ria

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Faraco Carlos Alberto2005 Autor e autoria In Brait Beth (Org) Bakhtinconceitos-chave Satildeo Paulo Contexto

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Venturelli Paulo Ceacutesar2006 O romance como arena polifocircnica IHU on lineDisponiacutevel em 〈 wwwunisinosbrihu 〉 Acesso em 5out 2009

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Dados para indexaccedilatildeo em liacutengua estrangeira

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima Andreacuteia

Development of the Bakhtinian Concept of Polyphony

Estudos Semioacuteticos vol 6 n 2 (2010) p 66-76

issn 1980-4016

Abstract In Problems of Dostoevskyrsquos Poetics Bakhtin defines Dostoevsky as the creator of the polyphonicnovel We intend to review in this paper the development of the concept of polyphony defined as the position ofmaximum distance between the author and the characters in a never-ending dialogue Dialogism essence of theBakhtinian discourse theory reiterates the subjectrsquos presence in the communication which is not seen merelyas the transmission of information but as verbal or non-verbal interaction Individuals are built from interactionand through interaction Discourses built from other discourses are never concluded and therefore texts havemany voices These voices must be equipollent in polyphony According to Bakhtin polyphony is an essential partof all enunciations since different voices are expressed in a same text and every discourse is built by severaldiscourses We only understand enunciations when we react to words that awaken in us ideological andorindividual echoes The reality of signs is objective and it can be studied Bakhtin calls this study metalinguisticswhich is the study of bivocal discourse that inevitably arises under the conditions of dialogical communication andgoes beyond linguistic study

Keywords polyphony dialogism metalinguistics

Como citar este artigo

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima AndreacuteiaDesenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifo-nia Estudos Semioacuteticos [on-line] Disponiacutevel em〈 httpwwwfflchuspbrdlsemioticaes 〉 Editores Respon-saacuteveis Francisco E S Merccedilon e Mariana Luz P deBarros Volume 6 Nuacutemero 2 Satildeo Paulo novembro de2010 p 66ndash76 Acesso em ldquodiamecircsanordquo

Data de recebimento do artigo 15122009

Data de sua aprovaccedilatildeo 11032010

  • Introduccedilatildeo
  • Dialogismo
  • Dostoieacutevski ``o sujeito do apelo
  • No miacutenimo dois heroacuteis
  • Polifonia
  • Metalinguiacutestica e anaacutelise dialoacutegica do discurso
  • Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
Page 4: poliffonia

Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

fim como o proacuteprio evento do enredo do qual o diaacutelogo eacuteno fundo um momento O diaacutelogo em Dostoieacutevski inde-pende interiormente da inter-relaccedilatildeo entre os falantesno enredo embora evidentemente seja preparadopelo enredo O nuacutecleo do diaacutelogo estaacute sempre fora doenredo mas a envoltura do diaacutelogo sempre estaacute nasprofundezas do enredo

Segundo Bakhtin (2008 p 293) ldquoo esquema baacutesicodo diaacutelogo em Dostoieacutevski eacute muito simples a contra-posiccedilatildeo do homem ao homem enquanto contraposiccedilatildeodo eu ao outrordquo Para exemplificar o autor cita o heroacuteido livro Memoacuterias do subsolo o qual pensava em suamocidade ldquoeu sou um eles satildeo todosrdquo Para esseheroacutei o mundo se desintegra em dois campos em umestou eu no outro estatildeo eles cada pessoa existe antesde tudo como um outro e essa definiccedilatildeo do homemdetermina imediatamente a atitude daquele em facedeste O ldquohomem do subsolordquo reduz todas as pessoasa um denominador comum que eacute o outro De acordocom Bezerra (2005 p 194) isto eacute um novo enfoquedo homem mdash o enfoque dialoacutegico mdash uma nova posiccedilatildeoque transforma o objeto ou melhor o homem reifi-cado em outro sujeito em outro eu que se autorrevelalivremente

A vida no enredo na qual existem amigosirmatildeos pais esposas rivais mulheres ama-das etc e na qual ele poderia ser irmatildeofilho ou marido eacute por ele vivida apenas emsonho Em sua vida real natildeo existem essascategorias humanas reais Por isso os diaacutelo-gos interiores e exteriores nessa obra satildeo tatildeoabstratos e tatildeo precisos [] (Bakhtin 2008p 294)

Para Bakhtin (2008 p 294) em Memoacuterias do sub-solo a infinitude do diaacutelogo exterior se manifesta damesma maneira que a infinitude do diaacutelogo interiorO outro real soacute pode entrar no mundo do heroacutei comoo outro com o qual ele jaacute vem travando sua polecircmicainterior Qualquer voz real do outro funde-se inevita-velmente com a voz do outro que jaacute soa aos ouvidosdo ldquohomem do subsolordquo E a palavra real do outro eacuteda mesma forma levada para o que Bakhtin chamade perpetuum moacutebile tal qual todas as reacuteplicas an-tecipaacuteveis do outro A voz humana real e a reacuteplicaantecipaacutevel do outro natildeo podem dar por acabado ointerminaacutevel diaacutelogo interior do personagem destacaBakhtin (2008 p 295) Entatildeo soacute resta ao ldquohomem dosubsolordquo permanecer em sua irremediaacutevel oposiccedilatildeo aooutro A essecircncia da ciecircncia do diaacutelogo em Dostoieacutevskiestaacute na inter-relaccedilatildeo do diaacutelogo interior e do exterior

Bakhtin (2008 p 100) destaca que Dostoieacutevski ti-nha o dom de ldquoauscultarrdquo o diaacutelogo de sua eacutepoca comoum grande diaacutelogo de captar natildeo soacute as vozes isoladasde seu tempo mas a interaccedilatildeo dialoacutegica entre elas Tal

qual um meacutedico ele ldquoauscultavardquo as vozes dominantesda eacutepoca em que vivia fossem elas vozes oficiais ouvozes ainda fracas em termos de ldquoideias latentes aindanatildeo auscultadas por ningueacutemrdquo Dostoieacutevski de acordocom Bakhtin (2008 p 100) sentia que as ideias deseu tempo comeccedilavam a amadurecer como ldquoembriotildeesde futuras concepccedilotildees do mundordquo

Segundo Faraco (2005 p 46) Bakhtin argumentaque Dostoieacutevski foi um grande inovador na arte doromance porque encontrou meios de construir a ima-gem artiacutestica da inconclusibilidade humana mudandoradicalmente a posiccedilatildeo do autor-criador Faraco (2005p 47) lembra que para Bakhtin Dostoieacutevski criou oautor-criador que reserva para si apenas ldquoo miacutenimo in-dispensaacutevel do excedente que eacute necessaacuterio agrave conduccedilatildeoda narrativa deslocando todo o demais para o campode visatildeo e conhecimento do proacuteprio heroacuteirdquo

Bakhtin mostra que o novo enfoque do ho-mem em Dostoieacutevski representa uma pro-funda revoluccedilatildeo do conceito de realismo notocante agrave construccedilatildeo da personagem na me-dida em que o homem-personagem eacute vistoem seu movimento interior vinculado ao mo-vimento da histoacuteria social e cultural de suaeacutepoca e nela enraizado mas natildeo estagnadorazatildeo pela qual natildeo eacute mero objeto do discursodo autor (Bezerra 2005 p 199)

O romance polifocircnico de Dostoieacutevski natildeo se resolvenatildeo haacute siacutentese natildeo atinge uma apoteose As cons-ciecircncias do autor e das personagens satildeo infinitas einconclusas Mas justamente por isto alguns criacuteticosacusaram o escritor de ser prolixo e escrever mal des-taca Venturelli (2006)5 E foi desse limbo que Bakhtino resgatou A criacutetica da eacutepoca viu como ldquomau acaba-mentordquo seus romances que nunca terminarem comum final em que tudo fica resolvido Dostoieacutevski pelocontraacuterio deixa as vozes pulularem no seu texto e eacuteaiacute que entra Bakhtin com sua percepccedilatildeo de linguagemde que a obra dostoievskiana eacute polifocircnica

As vaacuterias vozes que Dostoieacutevski deixa soltas em con-fronto tecircm o mesmo peso e valor e a voz do narradoraparece como mais uma entre tantas tratando-se deuma ldquoposiccedilatildeo de distanciamento maacutexima que permiteao autor assumir o grau extremo de objetividade emrelaccedilatildeo ao universo representado e agraves criaturas queo povoamrdquo (Bezerra 2008b p IX) A voz do narradornatildeo coloca as outras sob seu comando mas requisitaa voz do leitor para o diaacutelogo e para entrar no entre-vero dos vaacuterios planos ideoloacutegicos que satildeo chamadospara o romance que eacute comparado a uma arena comtodos os pontos de vista em disputa e em igualdade decondiccedilatildeo

O que a ortodoxia viu como rusticidade Bakhtinviu como romance polifocircnico em que natildeo haacute escravos

5 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas

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estudos semioacuteticos vol 6 no 2

do narrador mas gente livre para contradizer o proacute-prio criador As relaccedilotildees que Bakhtin manteacutem comDostoieacutevski alcanccedilaram uma intimidade como a queexiste entre duplos principalmente porque Bakhtindedicou sua vida meditando sobre o papel do outro emrelaccedilatildeo ao eu acredita Venturelli (2006)6 ldquoO homemem Dostoieacutevski eacute o sujeito do apelo Natildeo se pode falarsobre ele pode-se apenas dirigir-se a elerdquo (Bakhtin2008 p 292) De acordo com Fiorin (2006 p 17)para Bakhtin ldquoviver eacute agir em relaccedilatildeo ao que natildeo eacuteo eu isto eacute o outrordquo ldquoQuem diz um deve dizer doisele eacute atraiacutedo pela necessidade imanente de uma seacuterierdquo(Bakhtin 2009 p 53)

3 No miacutenimo dois heroacuteisBezerra (2008b p XVIII) escreve que ldquoa fonte do dialo-gismo bakhtiniano eacute a obra de Dostoieacutevski na qual odiaacutelogo entre as personagens eacute uma luta entre pontosde vista e juiacutezos de valorrdquo externados por suas vozesldquoPor traacutes do enunciado existe o falante o sujeito dotadode consciecircnciardquo (Bezerra 2008b p XVII) Para Bezerra(2008b p XXII) a consciecircncia eacute produto da interaccedilatildeoe do conviacutevio de muitas consciecircncias que ldquona oacutetica dodialogismordquo participam desse conviacutevio respeitando osvalores dos outros que igualmente respeitam os seusA reiteraccedilatildeo da presenccedila do sujeito conforme Bezerra(2008b p XVIII) perpassa toda a reflexatildeo em tornodo dialogismo em Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski

ldquoA ligaccedilatildeo profunda e essencial ou a coincidecircnciaparcial entre as palavras do outro em um heroacutei e o dis-curso interior e secreto do outro heroacutei satildeo momentosobrigatoacuterios em todos os diaacutelogos importantes de Dos-toieacutevskirdquo escreve Bakhtin (2008 p 296) De acordocom Bakhtin (2008 p 295) ldquoDostoieacutevski sempre intro-duz dois heroacuteis de maneira a que cada um deles estejaintimamente ligado agrave voz interior do outro embora elenunca mais venha a ser a personificaccedilatildeo direta delardquoNo melhor Dostoieacutevski muda o valor artiacutestico-formalda autoconsciecircncia pois seu heroacutei manteacutem um nuacutecleoinacabado e irresoluto que resiste ao seu acabamentoesteacutetico acrescenta Faraco (2005 p 46)

ldquoA autoconsciecircncia do heroacutei em Dostoieacutevski eacute total-mente dialogada [] ela vai se revelando no fundoda consciecircncia socialmente alheia do outro sobre elerdquoFaraco (2005 p 47-48) O heroacutei percebe a si mesmoatraveacutes da mediaccedilatildeo da consciecircncia dos outros heroacuteisPara Bakhtin as consciecircncias do autor e dos heroacuteisem Dostoieacutevski satildeo infinitas e inconclusas

Bakhtin (2008 p 298) defende que nos diaacutelogos deDostoieacutevski natildeo se chocam duas vozes monoloacutegicasintegrais mas duas vozes que ele chama de fracio-nadas reacuteplicas abertas de um heroacutei correspondem areacuteplicas veladas de outro heroacutei ldquoA contraposiccedilatildeo a

um heroacutei de dois heroacuteis entre os quais cada um estaacuteligado agraves reacuteplicas opostas do diaacutelogo interior do outroeacute o conjunto tiacutepico em Dostoieacutevskirdquo (Bakhtin 2008p 298) Mas Bakhtin (2008 p 298) destaca quepara a correta compreensatildeo da ideia de Dostoieacutevskideve-se levar em conta a sua apreciaccedilatildeo do papel dooutro enquanto ldquooutrordquo pois eacute fazendo a mesma pa-lavra passar por diferentes vozes que se opotildeem umasagraves outras que ele obteacutem os principais efeitos artiacutesticosSegundo Fiorin (2006 p 58) ldquoo mundo interior eacutea dialogizaccedilatildeo da heterogeneidade de vozes sociaisrdquoentatildeo os sujeitos constroem enunciados ideoloacutegicospois satildeo uma resposta ativa agraves vozes interiorizadas

Venturelli (2006)7 parafraseando Bakhtin (2008)salienta que Dostoieacutevski consegue levar cada heroacutei afalar com voz proacutepria sem interferecircncia do narradorcriando o romance polifocircnico com muacuteltiplos pontosde vista e diversas vozes de igual valor na tessitura daobra Ele adverte entretanto que isso natildeo quer dizerque Dostoieacutevski natildeo tenha um ponto de vista pessoalapenas que este eacute mais um entre a trama tensa deoutras visotildees expostas numa obra Sendo assim asopiniotildees do autornarrador natildeo podem ser separadasda teoria bakhtiniana que diz que nunca o sujeito estaacutelivre para impor sua intenccedilatildeo no discurso devendomediaacute-la atraveacutes das intenccedilotildees dos outros O pontode vista de algueacutem emerge atraveacutes da interaccedilatildeo desuas palavras e as do outro na interaccedilatildeo dialoacutegica einacabada Entrar em diaacutelogo com o outro eacute obrigatoacute-rio Bakhtin valorizando o dialogismo mostra como aautoconsciecircncia do eu funciona na interaccedilatildeo humana

O sujeito do romance de Dostoieacutevski natildeo podeser reduzido a este ou agravequele tema nem auma determinada vida porque este sujeito eacuteo eu dos outros natildeo como objeto mas comooutro sujeito segundo a oacutetica de Bakhtin Haacuteo intercacircmbio de significados de vida hiacutebridosOs personagens natildeo satildeo unidades biografi-camente completas Satildeo autoconsciecircnciasabertas em relaccedilatildeo a outras consciecircncias Ven-turelli (2006)8

4 PolifoniaDe acordo com Faraco (2005 p 48) Bakhtin deu oexperimental e fatiacutedico nome de polifonia a essa inova-ccedilatildeo na relaccedilatildeo autorheroacutei em Dostoieacutevski Esse seriaum dos temas mais difiacuteceis de seu pensamento En-tretanto Bakhtin nunca voltou salvo em observaccedilotildeesesparsas em seus apontamentos a essa discussatildeo Fa-raco (2005 p 49) acredita que ldquoo termo polifonia valehoje mais pela seduccedilatildeo derivada de livres associaccedilotildees

6 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas7 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas8 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas

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do que como categoria coerente de um certo arcabouccediloteoacutericordquo Nesse sentido afirma Bakhtin

Em toda parte eacute o cruzamento a consonacircnciaou a dissonacircncia de reacuteplicas do diaacutelogo abertocom as reacuteplicas do diaacutelogo interior dos heroacuteisEm toda parte um determinado conjunto deideias pensamentos e palavras passa por vaacute-rias vozes imisciacuteveis soando em cada umade modo diferente (2008 p 308)

Segundo Bakhtin (2008 p 308) Dostoieacutevski no ro-mance Os democircnios expotildee claramente ldquoas funccedilotildees nodiaacutelogo do outro enquanto tal desprovido de qualquerconcretizaccedilatildeo social e vitalmente pragmaacuteticardquo Outropersonagem ldquoum desconhecido um homem a quemjamais houvesse vistordquo desempenha as suas funccedilotildeesno diaacutelogo fora do enredo como um ldquohomem no ho-memrdquo representando todos os outros para o eu Comoresultado desse status do outro a comunicaccedilatildeo sefirma no lado oposto de todas as formas sociais reais econcretas tais como as familiares as de camada as declasse ou as fabular-vitais Para o autor nos diaacutelogosconfessionais a voz do outro real estaacute em posiccedilatildeo anaacute-loga fora do enredo Esses diaacutelogos ldquosatildeo preparadospelo enredo mas seus pontos culminantes mdash augedos diaacutelogos mdash colocam-se acima do sujeito no campoabstrato da relaccedilatildeo pura do homem com o homemrdquoAssim Dostoieacutevski cria esse novo gecircnero denominadopor Bakhtin de polifocircnico que apresenta vaacuterios pon-tos de vista e vaacuterias vozes cada qual recebendo donarrador o que lhe eacute devido

Bakhtin primeiro estudioso a elaborar os conceitosde polifonia e heterogeneidade defendeu a ideia deque todo texto eacute um objeto heterogecircneo de que todotexto eacute constituiacutedo por vaacuterias vozes eacute a reconfiguraccedilatildeode outros textos que lhe datildeo origem dialogando comele retomando-o Os sujeitos se constituem como taisnas accedilotildees interativas sua consciecircncia se forma noprocesso de interiorizaccedilatildeo de discursos preexistentesmaterializados nos diferentes gecircneros discursivos atu-alizados nas contiacutenuas e permanentes interlocuccedilotildeesde que vatildeo participando

Para Bakhtin (1999 p 31-38) a comunicaccedilatildeo eacuteuma interaccedilatildeo de consciecircncias individuais com outrasconsciecircncias individuais num processo que ganha emcomplexidade quando o conteuacutedo e a forma dessa co-municaccedilatildeo satildeo observados como signos que por suavez tambeacutem possuem forma e conteuacutedo ideoloacutegicosem constante interaccedilatildeo a partir de esferas e de camposespeciacuteficos evidentes em muacuteltiplos discursos Entatildeoa realidade fundamental da linguagem eacute a atividadesociossemioacutetica que se daacute entre indiviacuteduos nas rela-ccedilotildees sociais historicamente situadas A consciecircncia eacuteideoloacutegica dialoacutegica e semiotizada

Todo signo estaacute sujeito aos criteacuterios de avali-accedilatildeo ideoloacutegica [] O domiacutenio do ideoloacutegicocoincide com o domiacutenio dos signos satildeo mu-tuamente correspondentes Ali onde o signose encontra encontra-se tambeacutem o ideoloacute-gico Tudo o que eacute ideoloacutegico possui um valorsemioacutetico [] Eacute seu caraacuteter semioacutetico quecoloca todos os fenocircmenos ideoloacutegicos soba mesma definiccedilatildeo geral (Bakhtin 1999 p32-33)

A autoconsciecircncia do heroacutei eacute um dado incisivo na re-presentaccedilatildeo de sua imagem no plano polifocircnico acres-centa Venturelli (2006)9 O autor chama de ldquocoperni-canardquo a guinada de Dostoieacutevski com sua obra polifocirc-nica pois para Bakhtin os meios de comunicaccedilatildeodifundem uma visatildeo monoloacutegica de sociedade comalgumas vozes se sobressaindo a outras Na polifo-nia ao contraacuterio as muacuteltiplas vozes satildeo equipolentesldquoimagine-se o romance como um grande coral de vozesdiacutespares e o narrador como um regente destas vozesdando o mesmo espaccedilo e o mesmo valor a todas umainteraccedilatildeo sempre em aberto na imagem didaacutetica dePaulo Bezerrardquo (Venturelli 2006)10

(Bezerra 2005 p 194) destaca que o dialogismocontrapotildee-se ao tratamento reificante do homem Nodialogismo a imagem do homem eacute construiacuteda dentroda comunicaccedilatildeo interativa na qual o ser humano se re-conhece atraveacutes do outro e na imagem que o outro fazdele Dostoieacutevski procura conhecer o homem em suaverdadeira essecircncia como um outro eu uacutenico e inaca-baacutevel natildeo se propotildee conhecer a si mesmo propotildee-seconhecer o outro o eu estranho Entatildeo para Dos-toieacutevski soacute se pode compreender o proacuteprio eu mdash o eupara mim mdash juntamente com o outro com o outro eue com o reconhecimento do meu eu pelo outro mdash o eupara o outro O eu assim nunca seraacute um eu sozinhopois soacute pode ter vida real em um mundo povoado pormuacuteltiplos sujeitos independentes e isocircnomos

O autor do romance polifocircnico natildeo defineas personagens e suas consciecircncias agrave reve-lia das proacuteprias personagens mas deixa queelas mesmas se definam no diaacutelogo com ou-tros sujeitos-consciecircncias pois as sente aseu lado e agrave sua frente como ldquoconsciecircnciasequipolentes dos outros tatildeo infinitas e incon-clusiacuteveisrdquo como a dele autor (Bezerra 2005p 195)

ldquoO que caracteriza a polifonia eacute a posiccedilatildeo do autorcomo regente do grande coro de vozes que participamdo processo dialoacutegicordquo (Bezerra 2005 p 194) Masesse autor eacute ativo na medida em que rege vozes que elecria ou recria entretanto deixando que se manifestem

9 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas10 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas

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com autonomia Conforme Bezerra (2005 p 199)Bakhtin natildeo reserva uma funccedilatildeo secundaacuteria ao autorno processo polifocircnico o qual natildeo renuncia ao seuponto de vista nem se limita a montar pontos de vistaalheios mas ele enfatiza a relaccedilatildeo de reciprocidadeinteiramente nova e especial entre a verdade do sujeitoe a verdade do outro O ativismo do autor tem umcaraacuteter dialoacutegico especial e estaacute diretamente vinculadoagrave consciecircncia ativa e isocircnoma do outro Eacute um ativismoque estabelece uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre a consciecircn-cia criadora e a consciecircncia recriada participando dodiaacutelogo com direito agrave interlocuccedilatildeo com outras vozesinclusive com a voz do autor mas suas peculiaridadesde falante ldquoTrata-se de uma mudanccedila radical da po-siccedilatildeo do autor em relaccedilatildeo agraves pessoas representadasque de pessoas coisificadas se transformam em indi-vidualidadesrdquo Bezerra (2005 p 194) Entatildeo em ummesmo espaccedilo do romance haacute a convivecircncia e a inte-raccedilatildeo de uma multiplicidade de vozes plenivalentes econsciecircncias independentes imisciacuteveis e equipolentesNa polifonia estas vozes e consciecircncias ldquonatildeo satildeo objetodo discurso do autor satildeo sujeitos de seus proacutepriosdiscursosrdquo possuem independecircncia na estrutura daobra combinam-se com a palavra do autor e com asvozes de outras personagens de acordo com Bezerra(2005 p 195)

Conforme Grillo (2005 p 1164) as noccedilotildees de dialo-gismo e de polifonia estatildeo entre as principais contribui-ccedilotildees dos trabalhos de Bakhtin e de seus parceiros masnatildeo se pode esquecer que a relaccedilatildeo de contradiccedilatildeo eacuteum dos aspectos constitutivos da polifonia em Bakhtinldquonatildeo basta que haja diversas vozes antes eacute preciso queelas se constituam por meio do diaacutelogo em pontosde vista contraditoacuteriosrdquo (Grillo 2005 p 1165) ldquoSe asociedade eacute dividida em grupos sociais com interessesdivergentes entatildeo os enunciados satildeo sempre o espaccedilode luta entre vozes sociais o que significa que satildeo ine-vitavelmente o lugar da contradiccedilatildeo [] O contrato sefaz com uma das vozes de uma polecircmicardquo (Fiorin 2006p 25) Essas vozes de grupos sociais com interessesdivergentes e manifestas nos enunciados podem serpercebidas atraveacutes de uma anaacutelise metalinguiacutestica

5 Metalinguiacutestica e anaacutelisedialoacutegica do discurso

De acordo com Bakhtin (2008 p 309) o diaacutelogo ex-terior expresso eacute inseparaacutevel do diaacutelogo interior e emcerto sentido nele se baseia e ambos satildeo igualmenteinseparaacuteveis do grande diaacutelogo do romance no seu todoque os engloba Bakhtin chama esse tipo de estudo demetalinguiacutestico o qual eacute o estudo das muacuteltiplas varie-dades do chamado discurso bivocal e sua influecircnciaem diversos aspectos da construccedilatildeo do discurso Naobra de Dostoieacutevski o discurso bivocal encontra mateacute-ria abundante o objeto fundamental da representaccedilatildeo

de Dostoieacutevski eacute o proacuteprio discurso o discurso plenis-significativo ldquoAs obras de Dostoieacutevski satildeo o discursosobre o discurso voltado para o discursordquo (Bakhtin2008 p 309)

Bakhtin (2008 p 207) natildeo analisa o discurso emDostoieacutevski linguisticamente no sentido rigoroso dotermo pois acredita que ldquoas relaccedilotildees dialoacutegicas em-bora pertenccedilam ao campo do discurso natildeo pertencema um campo puramente linguiacutestico de seu estudordquo(Bakhtin 2008 p 208) Entretanto para Bakhtin(2008 p 207) as pesquisas metalinguiacutesticas ldquonatildeo po-dem ignorar a linguiacutestica e devem aplicar seus resulta-dosrdquo linguiacutestica e metalinguiacutestica devem se completarmutuamente sem se fundir

Grillo (2006 p 123) diz que Bakhtin apresenta tantoa linguiacutestica quanto a metalinguiacutestica como estudandosob diferentes acircngulos o mesmo fenocircmeno isto eacute odiscurso ldquoA epistemologia de uma metalinguiacutesticafunda-se sobre trecircs aspectos a complementaridadeem relaccedilatildeo agrave linguiacutestica de sua eacutepoca a delimitaccedilatildeode um objeto de pesquisa e a proposiccedilatildeo de um campode fenocircmenos a estudarrdquo (Grillo 2006 p 122)

[] Metalinguiacutestica aqui interpretada comoteoriaanaacutelise dialoacutegica do discurso faz partedas estrateacutegias utilizadas por Bakhtin paraa partir da minuciosa leitura e anaacutelise doconjunto da obra de Dostoieacutevski configuraro gecircnero polifocircnico e apresentar o conceitode polifonia E natildeo o contraacuterio (Brait 2006p 14)

Segundo Fiorin (2006 p 115) o romance eacute umgecircnero literaacuterio plurilinguiacutestico pluriestiliacutestico e plu-rivocal Para Fiorin (2006 p 90) a palavra que eacuterepresentada e natildeo a que representa eacute sempre bi-vocal Acosta-Pereira (2008 p 12) escreve que ldquoodiscurso bivocal eacute introduzido pelo autor sob o acircnguloda comunicaccedilatildeo dialoacutegica isto eacute sob o plano do dis-cursordquo O discurso bivocal orienta-se simultaneamentepara o objeto do discurso e para o discurso do outronuma dupla orientaccedilatildeo do discurso que materializa-sena forma de enunciados

Para Brait (2006 p 13) eacute justamente essa bivo-calidade de diaacutelogo situado no objeto e na maneirade enfrentaacute-lo que caracteriza a novidade da meta-linguiacutestica e de suas consequecircncias para os estudosda linguagem Segundo Brait (2006 p 24) ldquoBakhtinnatildeo tinha um conceito ad hoc de polifonia para testarnos escritos de Dostoievskirdquo O conceito eacute formulado apartir dos textos de Dostoieacutevski e esta eacute uma da carac-teriacutestica fundamental da teoriaanaacutelise dialoacutegica dodiscurso ldquonatildeo aplicar conceitos a fim de compreenderum discurso mas deixar que os discursos revelem suaforma de produzir sentido a partir do ponto de vistadialoacutegico num embaterdquo

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O discurso representaacutevel converge com o ou-tro discurso representativo em um niacutevel e emisonomia Penetram um no outro sobrepotildee-se um ao outro sob diferentes acircngulos dialoacute-gicos [] Como resultado desse encontrorevelam-se e aparecem em primeiro planonovos aspectos e novas funccedilotildees da palavra(Bakhtin 2008 p 309)

Concordamos aqui com Grillo (2006 p 124) quandoobserva que apesar de serem oriundas da anaacutelise daprosa dostoievskiana ldquoas relaccedilotildees dialoacutegicas e emespecial a palavra bivocal enquanto objetos de estudoda metalinguiacutestica satildeo encaradas por Bakhtin comopertencentes agraves nossas praacuteticas cotidianas natildeo serestringindo agrave literaturardquo

Bakhtin formulou nos textos de sua uacuteltimafase uma disciplina de estudo da linguagema metalinguiacutestica que tem por objeto as rela-ccedilotildees dialoacutegicas e a palavra bivocal Essas re-laccedilotildees satildeo de natureza axioloacutegico-semacircnticaocorrem entre enunciados e tambeacutem no in-terior de um mesmo enunciado [] Apesarde a proposiccedilatildeo de uma ciecircncia dialoacutegica dalinguagem ter suas origens nos estudos deobras literaacuterias o projeto da metalinguiacutesticacontempla um conjunto de fenocircmenos quenatildeo se restringem aos enunciados da esferaliteraacuteria (Grillo 2006 p 121)

Conforme Fiorin (2006 p 59) os enunciados satildeosempre histoacutericos pois satildeo constitutivamente dialoacutegi-cos Valendo-se da concepccedilatildeo dialoacutegica de Bakhtinuma anaacutelise histoacuterica de textos deixa de ser apenas anarraccedilatildeo de uma eacutepoca para transformar-se em umaanaacutelise semacircntica diferenciada que mostra ldquoaprova-ccedilotildees ou reprovaccedilotildees adesotildees ou recusas polecircmicase contratos deslizamentos de sentido apagamentosetcrdquo O sentido eacute que eacute histoacuterico dessa forma aHistoacuteria natildeo pode ser exterior a ele e sim interior

Consideraccedilotildees finaisBezerra (2005 p 191) entende que Bakhtin concebeuduas modalidades no romance o monoloacutegico mdash aoqual estatildeo associados os conceitos de monologismoautoritarismo acabamento mdash e o polifocircnico mdash ao qualestatildeo associados os conceitos de realidade em forma-ccedilatildeo inconclusibilidade natildeo acabamento dialogismopolifonia A inconclusibilidade e o natildeo acabamentodecorrem da condiccedilatildeo do romance como um gecircneroem formaccedilatildeo sempre sujeito a mudanccedilas com perso-nagens ou heroacuteis representados em um processo deevoluccedilatildeo que nunca se conclui Entatildeo dialogismo epolifonia estatildeo vinculados agrave natureza ampla e multi-facetada do romance ao seu grande nuacutemero de per-sonagens agrave capacidade do autor de ldquorecriar seres e

caracteres humanos traduzida na multiplicidade devozes da vida social cultural e ideoloacutegica representadardquo(Bezerra 2005 p 191-192) ldquo[] a passagem domonologismo para o dialogismo que tem na polifoniasua forma suprema equivale agrave libertaccedilatildeo do indiviacuteduoque de escravo mudo da consciecircncia do autor se tornasujeito de sua proacutepria consciecircnciardquo (Bezerra 2005 p193)

Segundo Fiorin (2006 p 128) forccedilas centriacutepetas mdashque aspiram ao monologismo e buscam o fechamentoa unidade a homogeneidade mdash bem como forccedilas cen-triacutefugas mdash que buscam tanto a abertura a diversidadea heterogeneidade quanto buscam desvelar o dialo-gismo constitutivo do discurso mdash atuam sobre asliacutenguas As vozes do poder tecircm sempre uma accedilatildeocentriacutepeta ldquobuscando reduzir o pluriacutevoco ao uniacutevocordquo(Fiorin 2006 p 82) Mas um sujeito nunca pode sercompletamente assujeitado pois sempre participa deforma uacutenica do diaacutelogo de vozes a histoacuteria da formaccedilatildeode sua consciecircncia eacute singular diz Fiorin (2006 p 58)

De acordo com Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin natildeoconstroacutei suas concepccedilotildees de monologismo dialogismoe polifonia como abstraccedilotildees desprovidas de conteuacutedohistoacuterico social e ideoloacutegicordquo O conceito de reificaccedilatildeo mdashusado por Marx para analisar no sistema de produccedilatildeocapitalista a relaccedilatildeo entre a produccedilatildeo da mercadoriae seu produtor na qual a produccedilatildeo submete de forao homem a uma metamorfose que o reduz a objetodo processo a mero reprodutor de papeacuteis eacute aplicadopor Bakhtin ao processo de construccedilatildeo do romancemonoloacutegico A reificaccedilatildeo do homem teria surgido paraBakhtin juntamente com o surgimento da sociedadede classes e chegado ao limite com o capitalismo ob-serva Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin desvela o fatode que a circulaccedilatildeo das vozes numa formaccedilatildeo socialestaacute submetida ao poder Natildeo haacute neutralidade no jogodas vozesrdquo (Fiorin 2006 p 31-32)

Se por um lado o capitalismo reduz os indiviacute-duos agrave condiccedilatildeo de objetos por outro tambeacutemprovoca a maior estratificaccedilatildeo social e o maiornuacutemero de conflitos da histoacuteria da sociedadehumana gerando vozes e consciecircncias queresistem a tal reduccedilatildeo E Bakhtin afirma queo romance polifocircnico soacute pocircde realizar-se naera capitalista (Bezerra 2005 p 193)

A autoconsciecircncia do heroacutei eacute a caracteriacutestica princi-pal na construccedilatildeo de sua imagem no enfoque polifocirc-nico o que pressupotildee tambeacutem uma posiccedilatildeo nova doautor na representaccedilatildeo desse personagem Descobre-se um aspecto novo do homem do homem no homemque requer um enfoque novo do homem e uma novaposiccedilatildeo do autor destaca Bezerra (2005 p 193) E ohomem no homem natildeo eacute um objeto silencioso eacute simoutro sujeito a quem cabe autorrevelar-se livremente

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estudos semioacuteticos vol 6 no 2

outro eu com direitos iguais no diaacutelogo interativo comos demais falantes

As vozes satildeo assimiladas de diferentes maneiras noprocesso de construccedilatildeo da consciecircncia de acordo comFiorin (2006 p 56) Haacute vozes que satildeo incorporadascomo a voz de autoridade e que se adere de modoincondicional e por isso eacute centriacutepeta impermeaacutevelresistente a impregnar-se de outras vozes Mas outrasvozes satildeo assimiladas como posiccedilotildees de sentido inter-namente persuasivas e vistas como uma entre outraspor isso satildeo centrifugas e permeaacuteveis agrave impregnaccedilatildeopor outras vozes estando sempre abertas agrave mudanccedila

Sendo a consciecircncia sociossemioacutetica ou sejaformada de discursos sociais o que significaque seu conteuacutedo eacute siacutegnico cada indiviacuteduotem uma histoacuteria particular de constituiccedilatildeode seu mundo interior pois ele eacute resultantedo embate e das interrelaccedilotildees desses doistipos de vozes Quanto mais a consciecircnciafor formada de vozes de autoridade mais elaseraacute monoloacutegica ptolomaica Quanto maisfor constituiacuteda de vozes internamente persu-asivas mais seraacute dialoacutegica galileana (Fiorin2006 p 56)

A ldquodificuldade de leitura da obra bakhtiniana fezaparecer diversos Bakhtinsrdquo (Fiorin 2006 p 15) umque criticou a psicanaacutelise mdash dizendo que ldquoa consciecircnciaeacute muito mais terriacutevel que quaisquer complexos incons-cientesrdquo (Bezerra 2008a p XXI) mdash o estruturalismo eo formalismo e que ldquomostrou que todas as explicaccedilotildeestotalizantes eram monoloacutegicasrdquo (Fiorin 2006 p 15)um interacionista que tratou das relaccedilotildees do eu com ooutro ldquoentre posiccedilotildees sociaisrdquo (Idem p 15) um queldquonatildeo aderiu propriamente ao marxismordquo (Idem p 15)um linguista que ldquonatildeo produziu uma teoria acabada dalinguagemrdquo um teoacuterico da literatura que natildeo ofereceuuma ldquoteoria literaacuteria completardquo (Idem p 16)

[] em Bakhtin coexistem um homem religi-oso e um marxista dialogando entre si Eacute odialogismo aparecendo soberano na proacutepriavida de quem teorizou sobre ele Natildeo cabepois levantar duacutevidas desse tipo sobre umpensador que concebe tudo em confronto emdiaacutelogo e para quem o importante eacute sobre-tudo a manifestaccedilotildees das diferentes vozes(Schnaiderman 2005 p 17)

Em um mundo que tende ao monologismo ldquoumavoz monoloacutegica firme pressupotildee um apoio social firmepressupotildee um noacutesrdquo (Bezerra 2008a p 317) em ummundo polifocircnico ao contraacuterio o pluralismo de ideiasdeveria ser efetivamente respeitado ldquoporque todas

as vozes seriam equipolentes nenhuma voz social seimporia como a palavra uacuteltima e definitivardquo (Fiorin2006 p 83) Aqui acreditamos em um Bakhtin pen-sador maior que conforme Schnaiderman (2005 p17) antecipou questotildees filosoacuteficas contemporacircneasparticularmente as de Sartre11 e Heidegger12 e quesoube identificar a submissatildeo de sujeitos cujas vo-zes representam um mero papel de acompanhamentoAcreditamos em um Bakhtin que reivindicou indiviacute-duos ou ldquoheroacuteisrdquo que tais quais os personagens deDostoieacutevski satildeo dotados de vozes resistentes a vozescentriacutepetas que procuram se impor como autoras desentido Para Bezerra (2008a p 317) uma voz solitaacute-ria se torna instaacutevel o autor (Bezerra 2008b p XXII)lembra que no dialogismo o culto do individualismo eacutevisto como uma trageacutedia pois ldquoviver eacute comunicar-sepelo diaacutelogordquo Entatildeo mesmo que natildeo existam normasmorais vaacutelidas em si como normas morais entende-mos aqui com Bakhtin (2009 p 24) que ldquoexiste umsujeito moral com uma determinada estrutura (natildeouma estrutura fiacutesica ou psicoloacutegica eacute claro) e eacute neleque noacutes temos que nos apoiarrdquo Sujeitos livres comconsciecircncias ideologicamente distintas e com vozesinternamente persuasivas ldquocom iguais direitos comopersonas respeitando os valores dos outros que igual-mente respeitam os seusrdquo (Bezerra 2008b p XXII)esses satildeo os sujeitos que cremos existir em um mundopolifocircnico

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Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

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Dados para indexaccedilatildeo em liacutengua estrangeira

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima Andreacuteia

Development of the Bakhtinian Concept of Polyphony

Estudos Semioacuteticos vol 6 n 2 (2010) p 66-76

issn 1980-4016

Abstract In Problems of Dostoevskyrsquos Poetics Bakhtin defines Dostoevsky as the creator of the polyphonicnovel We intend to review in this paper the development of the concept of polyphony defined as the position ofmaximum distance between the author and the characters in a never-ending dialogue Dialogism essence of theBakhtinian discourse theory reiterates the subjectrsquos presence in the communication which is not seen merelyas the transmission of information but as verbal or non-verbal interaction Individuals are built from interactionand through interaction Discourses built from other discourses are never concluded and therefore texts havemany voices These voices must be equipollent in polyphony According to Bakhtin polyphony is an essential partof all enunciations since different voices are expressed in a same text and every discourse is built by severaldiscourses We only understand enunciations when we react to words that awaken in us ideological andorindividual echoes The reality of signs is objective and it can be studied Bakhtin calls this study metalinguisticswhich is the study of bivocal discourse that inevitably arises under the conditions of dialogical communication andgoes beyond linguistic study

Keywords polyphony dialogism metalinguistics

Como citar este artigo

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima AndreacuteiaDesenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifo-nia Estudos Semioacuteticos [on-line] Disponiacutevel em〈 httpwwwfflchuspbrdlsemioticaes 〉 Editores Respon-saacuteveis Francisco E S Merccedilon e Mariana Luz P deBarros Volume 6 Nuacutemero 2 Satildeo Paulo novembro de2010 p 66ndash76 Acesso em ldquodiamecircsanordquo

Data de recebimento do artigo 15122009

Data de sua aprovaccedilatildeo 11032010

  • Introduccedilatildeo
  • Dialogismo
  • Dostoieacutevski ``o sujeito do apelo
  • No miacutenimo dois heroacuteis
  • Polifonia
  • Metalinguiacutestica e anaacutelise dialoacutegica do discurso
  • Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
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do narrador mas gente livre para contradizer o proacute-prio criador As relaccedilotildees que Bakhtin manteacutem comDostoieacutevski alcanccedilaram uma intimidade como a queexiste entre duplos principalmente porque Bakhtindedicou sua vida meditando sobre o papel do outro emrelaccedilatildeo ao eu acredita Venturelli (2006)6 ldquoO homemem Dostoieacutevski eacute o sujeito do apelo Natildeo se pode falarsobre ele pode-se apenas dirigir-se a elerdquo (Bakhtin2008 p 292) De acordo com Fiorin (2006 p 17)para Bakhtin ldquoviver eacute agir em relaccedilatildeo ao que natildeo eacuteo eu isto eacute o outrordquo ldquoQuem diz um deve dizer doisele eacute atraiacutedo pela necessidade imanente de uma seacuterierdquo(Bakhtin 2009 p 53)

3 No miacutenimo dois heroacuteisBezerra (2008b p XVIII) escreve que ldquoa fonte do dialo-gismo bakhtiniano eacute a obra de Dostoieacutevski na qual odiaacutelogo entre as personagens eacute uma luta entre pontosde vista e juiacutezos de valorrdquo externados por suas vozesldquoPor traacutes do enunciado existe o falante o sujeito dotadode consciecircnciardquo (Bezerra 2008b p XVII) Para Bezerra(2008b p XXII) a consciecircncia eacute produto da interaccedilatildeoe do conviacutevio de muitas consciecircncias que ldquona oacutetica dodialogismordquo participam desse conviacutevio respeitando osvalores dos outros que igualmente respeitam os seusA reiteraccedilatildeo da presenccedila do sujeito conforme Bezerra(2008b p XVIII) perpassa toda a reflexatildeo em tornodo dialogismo em Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski

ldquoA ligaccedilatildeo profunda e essencial ou a coincidecircnciaparcial entre as palavras do outro em um heroacutei e o dis-curso interior e secreto do outro heroacutei satildeo momentosobrigatoacuterios em todos os diaacutelogos importantes de Dos-toieacutevskirdquo escreve Bakhtin (2008 p 296) De acordocom Bakhtin (2008 p 295) ldquoDostoieacutevski sempre intro-duz dois heroacuteis de maneira a que cada um deles estejaintimamente ligado agrave voz interior do outro embora elenunca mais venha a ser a personificaccedilatildeo direta delardquoNo melhor Dostoieacutevski muda o valor artiacutestico-formalda autoconsciecircncia pois seu heroacutei manteacutem um nuacutecleoinacabado e irresoluto que resiste ao seu acabamentoesteacutetico acrescenta Faraco (2005 p 46)

ldquoA autoconsciecircncia do heroacutei em Dostoieacutevski eacute total-mente dialogada [] ela vai se revelando no fundoda consciecircncia socialmente alheia do outro sobre elerdquoFaraco (2005 p 47-48) O heroacutei percebe a si mesmoatraveacutes da mediaccedilatildeo da consciecircncia dos outros heroacuteisPara Bakhtin as consciecircncias do autor e dos heroacuteisem Dostoieacutevski satildeo infinitas e inconclusas

Bakhtin (2008 p 298) defende que nos diaacutelogos deDostoieacutevski natildeo se chocam duas vozes monoloacutegicasintegrais mas duas vozes que ele chama de fracio-nadas reacuteplicas abertas de um heroacutei correspondem areacuteplicas veladas de outro heroacutei ldquoA contraposiccedilatildeo a

um heroacutei de dois heroacuteis entre os quais cada um estaacuteligado agraves reacuteplicas opostas do diaacutelogo interior do outroeacute o conjunto tiacutepico em Dostoieacutevskirdquo (Bakhtin 2008p 298) Mas Bakhtin (2008 p 298) destaca quepara a correta compreensatildeo da ideia de Dostoieacutevskideve-se levar em conta a sua apreciaccedilatildeo do papel dooutro enquanto ldquooutrordquo pois eacute fazendo a mesma pa-lavra passar por diferentes vozes que se opotildeem umasagraves outras que ele obteacutem os principais efeitos artiacutesticosSegundo Fiorin (2006 p 58) ldquoo mundo interior eacutea dialogizaccedilatildeo da heterogeneidade de vozes sociaisrdquoentatildeo os sujeitos constroem enunciados ideoloacutegicospois satildeo uma resposta ativa agraves vozes interiorizadas

Venturelli (2006)7 parafraseando Bakhtin (2008)salienta que Dostoieacutevski consegue levar cada heroacutei afalar com voz proacutepria sem interferecircncia do narradorcriando o romance polifocircnico com muacuteltiplos pontosde vista e diversas vozes de igual valor na tessitura daobra Ele adverte entretanto que isso natildeo quer dizerque Dostoieacutevski natildeo tenha um ponto de vista pessoalapenas que este eacute mais um entre a trama tensa deoutras visotildees expostas numa obra Sendo assim asopiniotildees do autornarrador natildeo podem ser separadasda teoria bakhtiniana que diz que nunca o sujeito estaacutelivre para impor sua intenccedilatildeo no discurso devendomediaacute-la atraveacutes das intenccedilotildees dos outros O pontode vista de algueacutem emerge atraveacutes da interaccedilatildeo desuas palavras e as do outro na interaccedilatildeo dialoacutegica einacabada Entrar em diaacutelogo com o outro eacute obrigatoacute-rio Bakhtin valorizando o dialogismo mostra como aautoconsciecircncia do eu funciona na interaccedilatildeo humana

O sujeito do romance de Dostoieacutevski natildeo podeser reduzido a este ou agravequele tema nem auma determinada vida porque este sujeito eacuteo eu dos outros natildeo como objeto mas comooutro sujeito segundo a oacutetica de Bakhtin Haacuteo intercacircmbio de significados de vida hiacutebridosOs personagens natildeo satildeo unidades biografi-camente completas Satildeo autoconsciecircnciasabertas em relaccedilatildeo a outras consciecircncias Ven-turelli (2006)8

4 PolifoniaDe acordo com Faraco (2005 p 48) Bakhtin deu oexperimental e fatiacutedico nome de polifonia a essa inova-ccedilatildeo na relaccedilatildeo autorheroacutei em Dostoieacutevski Esse seriaum dos temas mais difiacuteceis de seu pensamento En-tretanto Bakhtin nunca voltou salvo em observaccedilotildeesesparsas em seus apontamentos a essa discussatildeo Fa-raco (2005 p 49) acredita que ldquoo termo polifonia valehoje mais pela seduccedilatildeo derivada de livres associaccedilotildees

6 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas7 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas8 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas

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do que como categoria coerente de um certo arcabouccediloteoacutericordquo Nesse sentido afirma Bakhtin

Em toda parte eacute o cruzamento a consonacircnciaou a dissonacircncia de reacuteplicas do diaacutelogo abertocom as reacuteplicas do diaacutelogo interior dos heroacuteisEm toda parte um determinado conjunto deideias pensamentos e palavras passa por vaacute-rias vozes imisciacuteveis soando em cada umade modo diferente (2008 p 308)

Segundo Bakhtin (2008 p 308) Dostoieacutevski no ro-mance Os democircnios expotildee claramente ldquoas funccedilotildees nodiaacutelogo do outro enquanto tal desprovido de qualquerconcretizaccedilatildeo social e vitalmente pragmaacuteticardquo Outropersonagem ldquoum desconhecido um homem a quemjamais houvesse vistordquo desempenha as suas funccedilotildeesno diaacutelogo fora do enredo como um ldquohomem no ho-memrdquo representando todos os outros para o eu Comoresultado desse status do outro a comunicaccedilatildeo sefirma no lado oposto de todas as formas sociais reais econcretas tais como as familiares as de camada as declasse ou as fabular-vitais Para o autor nos diaacutelogosconfessionais a voz do outro real estaacute em posiccedilatildeo anaacute-loga fora do enredo Esses diaacutelogos ldquosatildeo preparadospelo enredo mas seus pontos culminantes mdash augedos diaacutelogos mdash colocam-se acima do sujeito no campoabstrato da relaccedilatildeo pura do homem com o homemrdquoAssim Dostoieacutevski cria esse novo gecircnero denominadopor Bakhtin de polifocircnico que apresenta vaacuterios pon-tos de vista e vaacuterias vozes cada qual recebendo donarrador o que lhe eacute devido

Bakhtin primeiro estudioso a elaborar os conceitosde polifonia e heterogeneidade defendeu a ideia deque todo texto eacute um objeto heterogecircneo de que todotexto eacute constituiacutedo por vaacuterias vozes eacute a reconfiguraccedilatildeode outros textos que lhe datildeo origem dialogando comele retomando-o Os sujeitos se constituem como taisnas accedilotildees interativas sua consciecircncia se forma noprocesso de interiorizaccedilatildeo de discursos preexistentesmaterializados nos diferentes gecircneros discursivos atu-alizados nas contiacutenuas e permanentes interlocuccedilotildeesde que vatildeo participando

Para Bakhtin (1999 p 31-38) a comunicaccedilatildeo eacuteuma interaccedilatildeo de consciecircncias individuais com outrasconsciecircncias individuais num processo que ganha emcomplexidade quando o conteuacutedo e a forma dessa co-municaccedilatildeo satildeo observados como signos que por suavez tambeacutem possuem forma e conteuacutedo ideoloacutegicosem constante interaccedilatildeo a partir de esferas e de camposespeciacuteficos evidentes em muacuteltiplos discursos Entatildeoa realidade fundamental da linguagem eacute a atividadesociossemioacutetica que se daacute entre indiviacuteduos nas rela-ccedilotildees sociais historicamente situadas A consciecircncia eacuteideoloacutegica dialoacutegica e semiotizada

Todo signo estaacute sujeito aos criteacuterios de avali-accedilatildeo ideoloacutegica [] O domiacutenio do ideoloacutegicocoincide com o domiacutenio dos signos satildeo mu-tuamente correspondentes Ali onde o signose encontra encontra-se tambeacutem o ideoloacute-gico Tudo o que eacute ideoloacutegico possui um valorsemioacutetico [] Eacute seu caraacuteter semioacutetico quecoloca todos os fenocircmenos ideoloacutegicos soba mesma definiccedilatildeo geral (Bakhtin 1999 p32-33)

A autoconsciecircncia do heroacutei eacute um dado incisivo na re-presentaccedilatildeo de sua imagem no plano polifocircnico acres-centa Venturelli (2006)9 O autor chama de ldquocoperni-canardquo a guinada de Dostoieacutevski com sua obra polifocirc-nica pois para Bakhtin os meios de comunicaccedilatildeodifundem uma visatildeo monoloacutegica de sociedade comalgumas vozes se sobressaindo a outras Na polifo-nia ao contraacuterio as muacuteltiplas vozes satildeo equipolentesldquoimagine-se o romance como um grande coral de vozesdiacutespares e o narrador como um regente destas vozesdando o mesmo espaccedilo e o mesmo valor a todas umainteraccedilatildeo sempre em aberto na imagem didaacutetica dePaulo Bezerrardquo (Venturelli 2006)10

(Bezerra 2005 p 194) destaca que o dialogismocontrapotildee-se ao tratamento reificante do homem Nodialogismo a imagem do homem eacute construiacuteda dentroda comunicaccedilatildeo interativa na qual o ser humano se re-conhece atraveacutes do outro e na imagem que o outro fazdele Dostoieacutevski procura conhecer o homem em suaverdadeira essecircncia como um outro eu uacutenico e inaca-baacutevel natildeo se propotildee conhecer a si mesmo propotildee-seconhecer o outro o eu estranho Entatildeo para Dos-toieacutevski soacute se pode compreender o proacuteprio eu mdash o eupara mim mdash juntamente com o outro com o outro eue com o reconhecimento do meu eu pelo outro mdash o eupara o outro O eu assim nunca seraacute um eu sozinhopois soacute pode ter vida real em um mundo povoado pormuacuteltiplos sujeitos independentes e isocircnomos

O autor do romance polifocircnico natildeo defineas personagens e suas consciecircncias agrave reve-lia das proacuteprias personagens mas deixa queelas mesmas se definam no diaacutelogo com ou-tros sujeitos-consciecircncias pois as sente aseu lado e agrave sua frente como ldquoconsciecircnciasequipolentes dos outros tatildeo infinitas e incon-clusiacuteveisrdquo como a dele autor (Bezerra 2005p 195)

ldquoO que caracteriza a polifonia eacute a posiccedilatildeo do autorcomo regente do grande coro de vozes que participamdo processo dialoacutegicordquo (Bezerra 2005 p 194) Masesse autor eacute ativo na medida em que rege vozes que elecria ou recria entretanto deixando que se manifestem

9 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas10 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas

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com autonomia Conforme Bezerra (2005 p 199)Bakhtin natildeo reserva uma funccedilatildeo secundaacuteria ao autorno processo polifocircnico o qual natildeo renuncia ao seuponto de vista nem se limita a montar pontos de vistaalheios mas ele enfatiza a relaccedilatildeo de reciprocidadeinteiramente nova e especial entre a verdade do sujeitoe a verdade do outro O ativismo do autor tem umcaraacuteter dialoacutegico especial e estaacute diretamente vinculadoagrave consciecircncia ativa e isocircnoma do outro Eacute um ativismoque estabelece uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre a consciecircn-cia criadora e a consciecircncia recriada participando dodiaacutelogo com direito agrave interlocuccedilatildeo com outras vozesinclusive com a voz do autor mas suas peculiaridadesde falante ldquoTrata-se de uma mudanccedila radical da po-siccedilatildeo do autor em relaccedilatildeo agraves pessoas representadasque de pessoas coisificadas se transformam em indi-vidualidadesrdquo Bezerra (2005 p 194) Entatildeo em ummesmo espaccedilo do romance haacute a convivecircncia e a inte-raccedilatildeo de uma multiplicidade de vozes plenivalentes econsciecircncias independentes imisciacuteveis e equipolentesNa polifonia estas vozes e consciecircncias ldquonatildeo satildeo objetodo discurso do autor satildeo sujeitos de seus proacutepriosdiscursosrdquo possuem independecircncia na estrutura daobra combinam-se com a palavra do autor e com asvozes de outras personagens de acordo com Bezerra(2005 p 195)

Conforme Grillo (2005 p 1164) as noccedilotildees de dialo-gismo e de polifonia estatildeo entre as principais contribui-ccedilotildees dos trabalhos de Bakhtin e de seus parceiros masnatildeo se pode esquecer que a relaccedilatildeo de contradiccedilatildeo eacuteum dos aspectos constitutivos da polifonia em Bakhtinldquonatildeo basta que haja diversas vozes antes eacute preciso queelas se constituam por meio do diaacutelogo em pontosde vista contraditoacuteriosrdquo (Grillo 2005 p 1165) ldquoSe asociedade eacute dividida em grupos sociais com interessesdivergentes entatildeo os enunciados satildeo sempre o espaccedilode luta entre vozes sociais o que significa que satildeo ine-vitavelmente o lugar da contradiccedilatildeo [] O contrato sefaz com uma das vozes de uma polecircmicardquo (Fiorin 2006p 25) Essas vozes de grupos sociais com interessesdivergentes e manifestas nos enunciados podem serpercebidas atraveacutes de uma anaacutelise metalinguiacutestica

5 Metalinguiacutestica e anaacutelisedialoacutegica do discurso

De acordo com Bakhtin (2008 p 309) o diaacutelogo ex-terior expresso eacute inseparaacutevel do diaacutelogo interior e emcerto sentido nele se baseia e ambos satildeo igualmenteinseparaacuteveis do grande diaacutelogo do romance no seu todoque os engloba Bakhtin chama esse tipo de estudo demetalinguiacutestico o qual eacute o estudo das muacuteltiplas varie-dades do chamado discurso bivocal e sua influecircnciaem diversos aspectos da construccedilatildeo do discurso Naobra de Dostoieacutevski o discurso bivocal encontra mateacute-ria abundante o objeto fundamental da representaccedilatildeo

de Dostoieacutevski eacute o proacuteprio discurso o discurso plenis-significativo ldquoAs obras de Dostoieacutevski satildeo o discursosobre o discurso voltado para o discursordquo (Bakhtin2008 p 309)

Bakhtin (2008 p 207) natildeo analisa o discurso emDostoieacutevski linguisticamente no sentido rigoroso dotermo pois acredita que ldquoas relaccedilotildees dialoacutegicas em-bora pertenccedilam ao campo do discurso natildeo pertencema um campo puramente linguiacutestico de seu estudordquo(Bakhtin 2008 p 208) Entretanto para Bakhtin(2008 p 207) as pesquisas metalinguiacutesticas ldquonatildeo po-dem ignorar a linguiacutestica e devem aplicar seus resulta-dosrdquo linguiacutestica e metalinguiacutestica devem se completarmutuamente sem se fundir

Grillo (2006 p 123) diz que Bakhtin apresenta tantoa linguiacutestica quanto a metalinguiacutestica como estudandosob diferentes acircngulos o mesmo fenocircmeno isto eacute odiscurso ldquoA epistemologia de uma metalinguiacutesticafunda-se sobre trecircs aspectos a complementaridadeem relaccedilatildeo agrave linguiacutestica de sua eacutepoca a delimitaccedilatildeode um objeto de pesquisa e a proposiccedilatildeo de um campode fenocircmenos a estudarrdquo (Grillo 2006 p 122)

[] Metalinguiacutestica aqui interpretada comoteoriaanaacutelise dialoacutegica do discurso faz partedas estrateacutegias utilizadas por Bakhtin paraa partir da minuciosa leitura e anaacutelise doconjunto da obra de Dostoieacutevski configuraro gecircnero polifocircnico e apresentar o conceitode polifonia E natildeo o contraacuterio (Brait 2006p 14)

Segundo Fiorin (2006 p 115) o romance eacute umgecircnero literaacuterio plurilinguiacutestico pluriestiliacutestico e plu-rivocal Para Fiorin (2006 p 90) a palavra que eacuterepresentada e natildeo a que representa eacute sempre bi-vocal Acosta-Pereira (2008 p 12) escreve que ldquoodiscurso bivocal eacute introduzido pelo autor sob o acircnguloda comunicaccedilatildeo dialoacutegica isto eacute sob o plano do dis-cursordquo O discurso bivocal orienta-se simultaneamentepara o objeto do discurso e para o discurso do outronuma dupla orientaccedilatildeo do discurso que materializa-sena forma de enunciados

Para Brait (2006 p 13) eacute justamente essa bivo-calidade de diaacutelogo situado no objeto e na maneirade enfrentaacute-lo que caracteriza a novidade da meta-linguiacutestica e de suas consequecircncias para os estudosda linguagem Segundo Brait (2006 p 24) ldquoBakhtinnatildeo tinha um conceito ad hoc de polifonia para testarnos escritos de Dostoievskirdquo O conceito eacute formulado apartir dos textos de Dostoieacutevski e esta eacute uma da carac-teriacutestica fundamental da teoriaanaacutelise dialoacutegica dodiscurso ldquonatildeo aplicar conceitos a fim de compreenderum discurso mas deixar que os discursos revelem suaforma de produzir sentido a partir do ponto de vistadialoacutegico num embaterdquo

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O discurso representaacutevel converge com o ou-tro discurso representativo em um niacutevel e emisonomia Penetram um no outro sobrepotildee-se um ao outro sob diferentes acircngulos dialoacute-gicos [] Como resultado desse encontrorevelam-se e aparecem em primeiro planonovos aspectos e novas funccedilotildees da palavra(Bakhtin 2008 p 309)

Concordamos aqui com Grillo (2006 p 124) quandoobserva que apesar de serem oriundas da anaacutelise daprosa dostoievskiana ldquoas relaccedilotildees dialoacutegicas e emespecial a palavra bivocal enquanto objetos de estudoda metalinguiacutestica satildeo encaradas por Bakhtin comopertencentes agraves nossas praacuteticas cotidianas natildeo serestringindo agrave literaturardquo

Bakhtin formulou nos textos de sua uacuteltimafase uma disciplina de estudo da linguagema metalinguiacutestica que tem por objeto as rela-ccedilotildees dialoacutegicas e a palavra bivocal Essas re-laccedilotildees satildeo de natureza axioloacutegico-semacircnticaocorrem entre enunciados e tambeacutem no in-terior de um mesmo enunciado [] Apesarde a proposiccedilatildeo de uma ciecircncia dialoacutegica dalinguagem ter suas origens nos estudos deobras literaacuterias o projeto da metalinguiacutesticacontempla um conjunto de fenocircmenos quenatildeo se restringem aos enunciados da esferaliteraacuteria (Grillo 2006 p 121)

Conforme Fiorin (2006 p 59) os enunciados satildeosempre histoacutericos pois satildeo constitutivamente dialoacutegi-cos Valendo-se da concepccedilatildeo dialoacutegica de Bakhtinuma anaacutelise histoacuterica de textos deixa de ser apenas anarraccedilatildeo de uma eacutepoca para transformar-se em umaanaacutelise semacircntica diferenciada que mostra ldquoaprova-ccedilotildees ou reprovaccedilotildees adesotildees ou recusas polecircmicase contratos deslizamentos de sentido apagamentosetcrdquo O sentido eacute que eacute histoacuterico dessa forma aHistoacuteria natildeo pode ser exterior a ele e sim interior

Consideraccedilotildees finaisBezerra (2005 p 191) entende que Bakhtin concebeuduas modalidades no romance o monoloacutegico mdash aoqual estatildeo associados os conceitos de monologismoautoritarismo acabamento mdash e o polifocircnico mdash ao qualestatildeo associados os conceitos de realidade em forma-ccedilatildeo inconclusibilidade natildeo acabamento dialogismopolifonia A inconclusibilidade e o natildeo acabamentodecorrem da condiccedilatildeo do romance como um gecircneroem formaccedilatildeo sempre sujeito a mudanccedilas com perso-nagens ou heroacuteis representados em um processo deevoluccedilatildeo que nunca se conclui Entatildeo dialogismo epolifonia estatildeo vinculados agrave natureza ampla e multi-facetada do romance ao seu grande nuacutemero de per-sonagens agrave capacidade do autor de ldquorecriar seres e

caracteres humanos traduzida na multiplicidade devozes da vida social cultural e ideoloacutegica representadardquo(Bezerra 2005 p 191-192) ldquo[] a passagem domonologismo para o dialogismo que tem na polifoniasua forma suprema equivale agrave libertaccedilatildeo do indiviacuteduoque de escravo mudo da consciecircncia do autor se tornasujeito de sua proacutepria consciecircnciardquo (Bezerra 2005 p193)

Segundo Fiorin (2006 p 128) forccedilas centriacutepetas mdashque aspiram ao monologismo e buscam o fechamentoa unidade a homogeneidade mdash bem como forccedilas cen-triacutefugas mdash que buscam tanto a abertura a diversidadea heterogeneidade quanto buscam desvelar o dialo-gismo constitutivo do discurso mdash atuam sobre asliacutenguas As vozes do poder tecircm sempre uma accedilatildeocentriacutepeta ldquobuscando reduzir o pluriacutevoco ao uniacutevocordquo(Fiorin 2006 p 82) Mas um sujeito nunca pode sercompletamente assujeitado pois sempre participa deforma uacutenica do diaacutelogo de vozes a histoacuteria da formaccedilatildeode sua consciecircncia eacute singular diz Fiorin (2006 p 58)

De acordo com Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin natildeoconstroacutei suas concepccedilotildees de monologismo dialogismoe polifonia como abstraccedilotildees desprovidas de conteuacutedohistoacuterico social e ideoloacutegicordquo O conceito de reificaccedilatildeo mdashusado por Marx para analisar no sistema de produccedilatildeocapitalista a relaccedilatildeo entre a produccedilatildeo da mercadoriae seu produtor na qual a produccedilatildeo submete de forao homem a uma metamorfose que o reduz a objetodo processo a mero reprodutor de papeacuteis eacute aplicadopor Bakhtin ao processo de construccedilatildeo do romancemonoloacutegico A reificaccedilatildeo do homem teria surgido paraBakhtin juntamente com o surgimento da sociedadede classes e chegado ao limite com o capitalismo ob-serva Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin desvela o fatode que a circulaccedilatildeo das vozes numa formaccedilatildeo socialestaacute submetida ao poder Natildeo haacute neutralidade no jogodas vozesrdquo (Fiorin 2006 p 31-32)

Se por um lado o capitalismo reduz os indiviacute-duos agrave condiccedilatildeo de objetos por outro tambeacutemprovoca a maior estratificaccedilatildeo social e o maiornuacutemero de conflitos da histoacuteria da sociedadehumana gerando vozes e consciecircncias queresistem a tal reduccedilatildeo E Bakhtin afirma queo romance polifocircnico soacute pocircde realizar-se naera capitalista (Bezerra 2005 p 193)

A autoconsciecircncia do heroacutei eacute a caracteriacutestica princi-pal na construccedilatildeo de sua imagem no enfoque polifocirc-nico o que pressupotildee tambeacutem uma posiccedilatildeo nova doautor na representaccedilatildeo desse personagem Descobre-se um aspecto novo do homem do homem no homemque requer um enfoque novo do homem e uma novaposiccedilatildeo do autor destaca Bezerra (2005 p 193) E ohomem no homem natildeo eacute um objeto silencioso eacute simoutro sujeito a quem cabe autorrevelar-se livremente

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outro eu com direitos iguais no diaacutelogo interativo comos demais falantes

As vozes satildeo assimiladas de diferentes maneiras noprocesso de construccedilatildeo da consciecircncia de acordo comFiorin (2006 p 56) Haacute vozes que satildeo incorporadascomo a voz de autoridade e que se adere de modoincondicional e por isso eacute centriacutepeta impermeaacutevelresistente a impregnar-se de outras vozes Mas outrasvozes satildeo assimiladas como posiccedilotildees de sentido inter-namente persuasivas e vistas como uma entre outraspor isso satildeo centrifugas e permeaacuteveis agrave impregnaccedilatildeopor outras vozes estando sempre abertas agrave mudanccedila

Sendo a consciecircncia sociossemioacutetica ou sejaformada de discursos sociais o que significaque seu conteuacutedo eacute siacutegnico cada indiviacuteduotem uma histoacuteria particular de constituiccedilatildeode seu mundo interior pois ele eacute resultantedo embate e das interrelaccedilotildees desses doistipos de vozes Quanto mais a consciecircnciafor formada de vozes de autoridade mais elaseraacute monoloacutegica ptolomaica Quanto maisfor constituiacuteda de vozes internamente persu-asivas mais seraacute dialoacutegica galileana (Fiorin2006 p 56)

A ldquodificuldade de leitura da obra bakhtiniana fezaparecer diversos Bakhtinsrdquo (Fiorin 2006 p 15) umque criticou a psicanaacutelise mdash dizendo que ldquoa consciecircnciaeacute muito mais terriacutevel que quaisquer complexos incons-cientesrdquo (Bezerra 2008a p XXI) mdash o estruturalismo eo formalismo e que ldquomostrou que todas as explicaccedilotildeestotalizantes eram monoloacutegicasrdquo (Fiorin 2006 p 15)um interacionista que tratou das relaccedilotildees do eu com ooutro ldquoentre posiccedilotildees sociaisrdquo (Idem p 15) um queldquonatildeo aderiu propriamente ao marxismordquo (Idem p 15)um linguista que ldquonatildeo produziu uma teoria acabada dalinguagemrdquo um teoacuterico da literatura que natildeo ofereceuuma ldquoteoria literaacuteria completardquo (Idem p 16)

[] em Bakhtin coexistem um homem religi-oso e um marxista dialogando entre si Eacute odialogismo aparecendo soberano na proacutepriavida de quem teorizou sobre ele Natildeo cabepois levantar duacutevidas desse tipo sobre umpensador que concebe tudo em confronto emdiaacutelogo e para quem o importante eacute sobre-tudo a manifestaccedilotildees das diferentes vozes(Schnaiderman 2005 p 17)

Em um mundo que tende ao monologismo ldquoumavoz monoloacutegica firme pressupotildee um apoio social firmepressupotildee um noacutesrdquo (Bezerra 2008a p 317) em ummundo polifocircnico ao contraacuterio o pluralismo de ideiasdeveria ser efetivamente respeitado ldquoporque todas

as vozes seriam equipolentes nenhuma voz social seimporia como a palavra uacuteltima e definitivardquo (Fiorin2006 p 83) Aqui acreditamos em um Bakhtin pen-sador maior que conforme Schnaiderman (2005 p17) antecipou questotildees filosoacuteficas contemporacircneasparticularmente as de Sartre11 e Heidegger12 e quesoube identificar a submissatildeo de sujeitos cujas vo-zes representam um mero papel de acompanhamentoAcreditamos em um Bakhtin que reivindicou indiviacute-duos ou ldquoheroacuteisrdquo que tais quais os personagens deDostoieacutevski satildeo dotados de vozes resistentes a vozescentriacutepetas que procuram se impor como autoras desentido Para Bezerra (2008a p 317) uma voz solitaacute-ria se torna instaacutevel o autor (Bezerra 2008b p XXII)lembra que no dialogismo o culto do individualismo eacutevisto como uma trageacutedia pois ldquoviver eacute comunicar-sepelo diaacutelogordquo Entatildeo mesmo que natildeo existam normasmorais vaacutelidas em si como normas morais entende-mos aqui com Bakhtin (2009 p 24) que ldquoexiste umsujeito moral com uma determinada estrutura (natildeouma estrutura fiacutesica ou psicoloacutegica eacute claro) e eacute neleque noacutes temos que nos apoiarrdquo Sujeitos livres comconsciecircncias ideologicamente distintas e com vozesinternamente persuasivas ldquocom iguais direitos comopersonas respeitando os valores dos outros que igual-mente respeitam os seusrdquo (Bezerra 2008b p XXII)esses satildeo os sujeitos que cremos existir em um mundopolifocircnico

Referecircncias

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Bakhtin Mikhail1999 Marxismo e filosofia da linguagem proble-mas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico na ciecircnciada linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud e YaraFrateschi Vieira Satildeo Paulo Hucitec

Bakhtin Mikhail2008 Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Tra-duccedilatildeo de Paulo Bezerra Rio de Janeiro ForenseUniversitaacuteria

Bakhtin Mikhail2009 Para uma filosofia do ato Traduccedilatildeo de Car-los Alberto Faraco e Cristoacutevatildeo Tezza Disponiacutevelem 〈 letrasuspdownloadwordpresscom20090920livro-para-uma-filosofia-do-ato 〉 Acesso em 12 dez 2009

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Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

Bezerra Paulo2005 Polifonia In Brait Beth (Org) Bakhtinconceitos-chave Rio de Janeiro Contexto

Bezerra Paulo2008a Adendo 1 In Bakhtin Mikhail MikhailovichProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Rio de JaneiroForense Universitaacuteria

Bezerra Paulo2008b Prefaacutecio uma obra agrave prova do tempo InBakhtin Mikhail Mikhailovich Problemas da poeacuteticade Dostoieacutevski Rio de Janeiro Forense Universitaacute-ria

Brait Beth2006 Anaacutelise e teoria do discurso In Brait Beth(Org) Bakhtin outros conceitos-chave Satildeo PauloContexto

Faraco Carlos Alberto2005 Autor e autoria In Brait Beth (Org) Bakhtinconceitos-chave Satildeo Paulo Contexto

Fiorin Joseacute Luiz2006 Introduccedilatildeo ao pensamento de Bakhtin SatildeoPaulo Aacutetica

Grillo Sheila Vieira de Camargo2005 Polifonia e transmissatildeo do discurso alheiono gecircnero reportagem Estudos Linguiacutesticos (34)

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Grillo Sheila Vieira de Camargo2006 A metalinguiacutestica por uma ciecircncia dialoacutegicada linguagem Horizontes Volume 24 Nuacutemero 2Disponiacutevel em 〈 wwwgelorgbr 〉 Acesso em 10 out2009

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Venturelli Paulo Ceacutesar2006 O romance como arena polifocircnica IHU on lineDisponiacutevel em 〈 wwwunisinosbrihu 〉 Acesso em 5out 2009

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Dados para indexaccedilatildeo em liacutengua estrangeira

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima Andreacuteia

Development of the Bakhtinian Concept of Polyphony

Estudos Semioacuteticos vol 6 n 2 (2010) p 66-76

issn 1980-4016

Abstract In Problems of Dostoevskyrsquos Poetics Bakhtin defines Dostoevsky as the creator of the polyphonicnovel We intend to review in this paper the development of the concept of polyphony defined as the position ofmaximum distance between the author and the characters in a never-ending dialogue Dialogism essence of theBakhtinian discourse theory reiterates the subjectrsquos presence in the communication which is not seen merelyas the transmission of information but as verbal or non-verbal interaction Individuals are built from interactionand through interaction Discourses built from other discourses are never concluded and therefore texts havemany voices These voices must be equipollent in polyphony According to Bakhtin polyphony is an essential partof all enunciations since different voices are expressed in a same text and every discourse is built by severaldiscourses We only understand enunciations when we react to words that awaken in us ideological andorindividual echoes The reality of signs is objective and it can be studied Bakhtin calls this study metalinguisticswhich is the study of bivocal discourse that inevitably arises under the conditions of dialogical communication andgoes beyond linguistic study

Keywords polyphony dialogism metalinguistics

Como citar este artigo

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima AndreacuteiaDesenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifo-nia Estudos Semioacuteticos [on-line] Disponiacutevel em〈 httpwwwfflchuspbrdlsemioticaes 〉 Editores Respon-saacuteveis Francisco E S Merccedilon e Mariana Luz P deBarros Volume 6 Nuacutemero 2 Satildeo Paulo novembro de2010 p 66ndash76 Acesso em ldquodiamecircsanordquo

Data de recebimento do artigo 15122009

Data de sua aprovaccedilatildeo 11032010

  • Introduccedilatildeo
  • Dialogismo
  • Dostoieacutevski ``o sujeito do apelo
  • No miacutenimo dois heroacuteis
  • Polifonia
  • Metalinguiacutestica e anaacutelise dialoacutegica do discurso
  • Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
Page 6: poliffonia

Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

do que como categoria coerente de um certo arcabouccediloteoacutericordquo Nesse sentido afirma Bakhtin

Em toda parte eacute o cruzamento a consonacircnciaou a dissonacircncia de reacuteplicas do diaacutelogo abertocom as reacuteplicas do diaacutelogo interior dos heroacuteisEm toda parte um determinado conjunto deideias pensamentos e palavras passa por vaacute-rias vozes imisciacuteveis soando em cada umade modo diferente (2008 p 308)

Segundo Bakhtin (2008 p 308) Dostoieacutevski no ro-mance Os democircnios expotildee claramente ldquoas funccedilotildees nodiaacutelogo do outro enquanto tal desprovido de qualquerconcretizaccedilatildeo social e vitalmente pragmaacuteticardquo Outropersonagem ldquoum desconhecido um homem a quemjamais houvesse vistordquo desempenha as suas funccedilotildeesno diaacutelogo fora do enredo como um ldquohomem no ho-memrdquo representando todos os outros para o eu Comoresultado desse status do outro a comunicaccedilatildeo sefirma no lado oposto de todas as formas sociais reais econcretas tais como as familiares as de camada as declasse ou as fabular-vitais Para o autor nos diaacutelogosconfessionais a voz do outro real estaacute em posiccedilatildeo anaacute-loga fora do enredo Esses diaacutelogos ldquosatildeo preparadospelo enredo mas seus pontos culminantes mdash augedos diaacutelogos mdash colocam-se acima do sujeito no campoabstrato da relaccedilatildeo pura do homem com o homemrdquoAssim Dostoieacutevski cria esse novo gecircnero denominadopor Bakhtin de polifocircnico que apresenta vaacuterios pon-tos de vista e vaacuterias vozes cada qual recebendo donarrador o que lhe eacute devido

Bakhtin primeiro estudioso a elaborar os conceitosde polifonia e heterogeneidade defendeu a ideia deque todo texto eacute um objeto heterogecircneo de que todotexto eacute constituiacutedo por vaacuterias vozes eacute a reconfiguraccedilatildeode outros textos que lhe datildeo origem dialogando comele retomando-o Os sujeitos se constituem como taisnas accedilotildees interativas sua consciecircncia se forma noprocesso de interiorizaccedilatildeo de discursos preexistentesmaterializados nos diferentes gecircneros discursivos atu-alizados nas contiacutenuas e permanentes interlocuccedilotildeesde que vatildeo participando

Para Bakhtin (1999 p 31-38) a comunicaccedilatildeo eacuteuma interaccedilatildeo de consciecircncias individuais com outrasconsciecircncias individuais num processo que ganha emcomplexidade quando o conteuacutedo e a forma dessa co-municaccedilatildeo satildeo observados como signos que por suavez tambeacutem possuem forma e conteuacutedo ideoloacutegicosem constante interaccedilatildeo a partir de esferas e de camposespeciacuteficos evidentes em muacuteltiplos discursos Entatildeoa realidade fundamental da linguagem eacute a atividadesociossemioacutetica que se daacute entre indiviacuteduos nas rela-ccedilotildees sociais historicamente situadas A consciecircncia eacuteideoloacutegica dialoacutegica e semiotizada

Todo signo estaacute sujeito aos criteacuterios de avali-accedilatildeo ideoloacutegica [] O domiacutenio do ideoloacutegicocoincide com o domiacutenio dos signos satildeo mu-tuamente correspondentes Ali onde o signose encontra encontra-se tambeacutem o ideoloacute-gico Tudo o que eacute ideoloacutegico possui um valorsemioacutetico [] Eacute seu caraacuteter semioacutetico quecoloca todos os fenocircmenos ideoloacutegicos soba mesma definiccedilatildeo geral (Bakhtin 1999 p32-33)

A autoconsciecircncia do heroacutei eacute um dado incisivo na re-presentaccedilatildeo de sua imagem no plano polifocircnico acres-centa Venturelli (2006)9 O autor chama de ldquocoperni-canardquo a guinada de Dostoieacutevski com sua obra polifocirc-nica pois para Bakhtin os meios de comunicaccedilatildeodifundem uma visatildeo monoloacutegica de sociedade comalgumas vozes se sobressaindo a outras Na polifo-nia ao contraacuterio as muacuteltiplas vozes satildeo equipolentesldquoimagine-se o romance como um grande coral de vozesdiacutespares e o narrador como um regente destas vozesdando o mesmo espaccedilo e o mesmo valor a todas umainteraccedilatildeo sempre em aberto na imagem didaacutetica dePaulo Bezerrardquo (Venturelli 2006)10

(Bezerra 2005 p 194) destaca que o dialogismocontrapotildee-se ao tratamento reificante do homem Nodialogismo a imagem do homem eacute construiacuteda dentroda comunicaccedilatildeo interativa na qual o ser humano se re-conhece atraveacutes do outro e na imagem que o outro fazdele Dostoieacutevski procura conhecer o homem em suaverdadeira essecircncia como um outro eu uacutenico e inaca-baacutevel natildeo se propotildee conhecer a si mesmo propotildee-seconhecer o outro o eu estranho Entatildeo para Dos-toieacutevski soacute se pode compreender o proacuteprio eu mdash o eupara mim mdash juntamente com o outro com o outro eue com o reconhecimento do meu eu pelo outro mdash o eupara o outro O eu assim nunca seraacute um eu sozinhopois soacute pode ter vida real em um mundo povoado pormuacuteltiplos sujeitos independentes e isocircnomos

O autor do romance polifocircnico natildeo defineas personagens e suas consciecircncias agrave reve-lia das proacuteprias personagens mas deixa queelas mesmas se definam no diaacutelogo com ou-tros sujeitos-consciecircncias pois as sente aseu lado e agrave sua frente como ldquoconsciecircnciasequipolentes dos outros tatildeo infinitas e incon-clusiacuteveisrdquo como a dele autor (Bezerra 2005p 195)

ldquoO que caracteriza a polifonia eacute a posiccedilatildeo do autorcomo regente do grande coro de vozes que participamdo processo dialoacutegicordquo (Bezerra 2005 p 194) Masesse autor eacute ativo na medida em que rege vozes que elecria ou recria entretanto deixando que se manifestem

9 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas10 Entrevista retirada da Internet e sem numeraccedilatildeo de paacuteginas

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estudos semioacuteticos vol 6 no 2

com autonomia Conforme Bezerra (2005 p 199)Bakhtin natildeo reserva uma funccedilatildeo secundaacuteria ao autorno processo polifocircnico o qual natildeo renuncia ao seuponto de vista nem se limita a montar pontos de vistaalheios mas ele enfatiza a relaccedilatildeo de reciprocidadeinteiramente nova e especial entre a verdade do sujeitoe a verdade do outro O ativismo do autor tem umcaraacuteter dialoacutegico especial e estaacute diretamente vinculadoagrave consciecircncia ativa e isocircnoma do outro Eacute um ativismoque estabelece uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre a consciecircn-cia criadora e a consciecircncia recriada participando dodiaacutelogo com direito agrave interlocuccedilatildeo com outras vozesinclusive com a voz do autor mas suas peculiaridadesde falante ldquoTrata-se de uma mudanccedila radical da po-siccedilatildeo do autor em relaccedilatildeo agraves pessoas representadasque de pessoas coisificadas se transformam em indi-vidualidadesrdquo Bezerra (2005 p 194) Entatildeo em ummesmo espaccedilo do romance haacute a convivecircncia e a inte-raccedilatildeo de uma multiplicidade de vozes plenivalentes econsciecircncias independentes imisciacuteveis e equipolentesNa polifonia estas vozes e consciecircncias ldquonatildeo satildeo objetodo discurso do autor satildeo sujeitos de seus proacutepriosdiscursosrdquo possuem independecircncia na estrutura daobra combinam-se com a palavra do autor e com asvozes de outras personagens de acordo com Bezerra(2005 p 195)

Conforme Grillo (2005 p 1164) as noccedilotildees de dialo-gismo e de polifonia estatildeo entre as principais contribui-ccedilotildees dos trabalhos de Bakhtin e de seus parceiros masnatildeo se pode esquecer que a relaccedilatildeo de contradiccedilatildeo eacuteum dos aspectos constitutivos da polifonia em Bakhtinldquonatildeo basta que haja diversas vozes antes eacute preciso queelas se constituam por meio do diaacutelogo em pontosde vista contraditoacuteriosrdquo (Grillo 2005 p 1165) ldquoSe asociedade eacute dividida em grupos sociais com interessesdivergentes entatildeo os enunciados satildeo sempre o espaccedilode luta entre vozes sociais o que significa que satildeo ine-vitavelmente o lugar da contradiccedilatildeo [] O contrato sefaz com uma das vozes de uma polecircmicardquo (Fiorin 2006p 25) Essas vozes de grupos sociais com interessesdivergentes e manifestas nos enunciados podem serpercebidas atraveacutes de uma anaacutelise metalinguiacutestica

5 Metalinguiacutestica e anaacutelisedialoacutegica do discurso

De acordo com Bakhtin (2008 p 309) o diaacutelogo ex-terior expresso eacute inseparaacutevel do diaacutelogo interior e emcerto sentido nele se baseia e ambos satildeo igualmenteinseparaacuteveis do grande diaacutelogo do romance no seu todoque os engloba Bakhtin chama esse tipo de estudo demetalinguiacutestico o qual eacute o estudo das muacuteltiplas varie-dades do chamado discurso bivocal e sua influecircnciaem diversos aspectos da construccedilatildeo do discurso Naobra de Dostoieacutevski o discurso bivocal encontra mateacute-ria abundante o objeto fundamental da representaccedilatildeo

de Dostoieacutevski eacute o proacuteprio discurso o discurso plenis-significativo ldquoAs obras de Dostoieacutevski satildeo o discursosobre o discurso voltado para o discursordquo (Bakhtin2008 p 309)

Bakhtin (2008 p 207) natildeo analisa o discurso emDostoieacutevski linguisticamente no sentido rigoroso dotermo pois acredita que ldquoas relaccedilotildees dialoacutegicas em-bora pertenccedilam ao campo do discurso natildeo pertencema um campo puramente linguiacutestico de seu estudordquo(Bakhtin 2008 p 208) Entretanto para Bakhtin(2008 p 207) as pesquisas metalinguiacutesticas ldquonatildeo po-dem ignorar a linguiacutestica e devem aplicar seus resulta-dosrdquo linguiacutestica e metalinguiacutestica devem se completarmutuamente sem se fundir

Grillo (2006 p 123) diz que Bakhtin apresenta tantoa linguiacutestica quanto a metalinguiacutestica como estudandosob diferentes acircngulos o mesmo fenocircmeno isto eacute odiscurso ldquoA epistemologia de uma metalinguiacutesticafunda-se sobre trecircs aspectos a complementaridadeem relaccedilatildeo agrave linguiacutestica de sua eacutepoca a delimitaccedilatildeode um objeto de pesquisa e a proposiccedilatildeo de um campode fenocircmenos a estudarrdquo (Grillo 2006 p 122)

[] Metalinguiacutestica aqui interpretada comoteoriaanaacutelise dialoacutegica do discurso faz partedas estrateacutegias utilizadas por Bakhtin paraa partir da minuciosa leitura e anaacutelise doconjunto da obra de Dostoieacutevski configuraro gecircnero polifocircnico e apresentar o conceitode polifonia E natildeo o contraacuterio (Brait 2006p 14)

Segundo Fiorin (2006 p 115) o romance eacute umgecircnero literaacuterio plurilinguiacutestico pluriestiliacutestico e plu-rivocal Para Fiorin (2006 p 90) a palavra que eacuterepresentada e natildeo a que representa eacute sempre bi-vocal Acosta-Pereira (2008 p 12) escreve que ldquoodiscurso bivocal eacute introduzido pelo autor sob o acircnguloda comunicaccedilatildeo dialoacutegica isto eacute sob o plano do dis-cursordquo O discurso bivocal orienta-se simultaneamentepara o objeto do discurso e para o discurso do outronuma dupla orientaccedilatildeo do discurso que materializa-sena forma de enunciados

Para Brait (2006 p 13) eacute justamente essa bivo-calidade de diaacutelogo situado no objeto e na maneirade enfrentaacute-lo que caracteriza a novidade da meta-linguiacutestica e de suas consequecircncias para os estudosda linguagem Segundo Brait (2006 p 24) ldquoBakhtinnatildeo tinha um conceito ad hoc de polifonia para testarnos escritos de Dostoievskirdquo O conceito eacute formulado apartir dos textos de Dostoieacutevski e esta eacute uma da carac-teriacutestica fundamental da teoriaanaacutelise dialoacutegica dodiscurso ldquonatildeo aplicar conceitos a fim de compreenderum discurso mas deixar que os discursos revelem suaforma de produzir sentido a partir do ponto de vistadialoacutegico num embaterdquo

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Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

O discurso representaacutevel converge com o ou-tro discurso representativo em um niacutevel e emisonomia Penetram um no outro sobrepotildee-se um ao outro sob diferentes acircngulos dialoacute-gicos [] Como resultado desse encontrorevelam-se e aparecem em primeiro planonovos aspectos e novas funccedilotildees da palavra(Bakhtin 2008 p 309)

Concordamos aqui com Grillo (2006 p 124) quandoobserva que apesar de serem oriundas da anaacutelise daprosa dostoievskiana ldquoas relaccedilotildees dialoacutegicas e emespecial a palavra bivocal enquanto objetos de estudoda metalinguiacutestica satildeo encaradas por Bakhtin comopertencentes agraves nossas praacuteticas cotidianas natildeo serestringindo agrave literaturardquo

Bakhtin formulou nos textos de sua uacuteltimafase uma disciplina de estudo da linguagema metalinguiacutestica que tem por objeto as rela-ccedilotildees dialoacutegicas e a palavra bivocal Essas re-laccedilotildees satildeo de natureza axioloacutegico-semacircnticaocorrem entre enunciados e tambeacutem no in-terior de um mesmo enunciado [] Apesarde a proposiccedilatildeo de uma ciecircncia dialoacutegica dalinguagem ter suas origens nos estudos deobras literaacuterias o projeto da metalinguiacutesticacontempla um conjunto de fenocircmenos quenatildeo se restringem aos enunciados da esferaliteraacuteria (Grillo 2006 p 121)

Conforme Fiorin (2006 p 59) os enunciados satildeosempre histoacutericos pois satildeo constitutivamente dialoacutegi-cos Valendo-se da concepccedilatildeo dialoacutegica de Bakhtinuma anaacutelise histoacuterica de textos deixa de ser apenas anarraccedilatildeo de uma eacutepoca para transformar-se em umaanaacutelise semacircntica diferenciada que mostra ldquoaprova-ccedilotildees ou reprovaccedilotildees adesotildees ou recusas polecircmicase contratos deslizamentos de sentido apagamentosetcrdquo O sentido eacute que eacute histoacuterico dessa forma aHistoacuteria natildeo pode ser exterior a ele e sim interior

Consideraccedilotildees finaisBezerra (2005 p 191) entende que Bakhtin concebeuduas modalidades no romance o monoloacutegico mdash aoqual estatildeo associados os conceitos de monologismoautoritarismo acabamento mdash e o polifocircnico mdash ao qualestatildeo associados os conceitos de realidade em forma-ccedilatildeo inconclusibilidade natildeo acabamento dialogismopolifonia A inconclusibilidade e o natildeo acabamentodecorrem da condiccedilatildeo do romance como um gecircneroem formaccedilatildeo sempre sujeito a mudanccedilas com perso-nagens ou heroacuteis representados em um processo deevoluccedilatildeo que nunca se conclui Entatildeo dialogismo epolifonia estatildeo vinculados agrave natureza ampla e multi-facetada do romance ao seu grande nuacutemero de per-sonagens agrave capacidade do autor de ldquorecriar seres e

caracteres humanos traduzida na multiplicidade devozes da vida social cultural e ideoloacutegica representadardquo(Bezerra 2005 p 191-192) ldquo[] a passagem domonologismo para o dialogismo que tem na polifoniasua forma suprema equivale agrave libertaccedilatildeo do indiviacuteduoque de escravo mudo da consciecircncia do autor se tornasujeito de sua proacutepria consciecircnciardquo (Bezerra 2005 p193)

Segundo Fiorin (2006 p 128) forccedilas centriacutepetas mdashque aspiram ao monologismo e buscam o fechamentoa unidade a homogeneidade mdash bem como forccedilas cen-triacutefugas mdash que buscam tanto a abertura a diversidadea heterogeneidade quanto buscam desvelar o dialo-gismo constitutivo do discurso mdash atuam sobre asliacutenguas As vozes do poder tecircm sempre uma accedilatildeocentriacutepeta ldquobuscando reduzir o pluriacutevoco ao uniacutevocordquo(Fiorin 2006 p 82) Mas um sujeito nunca pode sercompletamente assujeitado pois sempre participa deforma uacutenica do diaacutelogo de vozes a histoacuteria da formaccedilatildeode sua consciecircncia eacute singular diz Fiorin (2006 p 58)

De acordo com Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin natildeoconstroacutei suas concepccedilotildees de monologismo dialogismoe polifonia como abstraccedilotildees desprovidas de conteuacutedohistoacuterico social e ideoloacutegicordquo O conceito de reificaccedilatildeo mdashusado por Marx para analisar no sistema de produccedilatildeocapitalista a relaccedilatildeo entre a produccedilatildeo da mercadoriae seu produtor na qual a produccedilatildeo submete de forao homem a uma metamorfose que o reduz a objetodo processo a mero reprodutor de papeacuteis eacute aplicadopor Bakhtin ao processo de construccedilatildeo do romancemonoloacutegico A reificaccedilatildeo do homem teria surgido paraBakhtin juntamente com o surgimento da sociedadede classes e chegado ao limite com o capitalismo ob-serva Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin desvela o fatode que a circulaccedilatildeo das vozes numa formaccedilatildeo socialestaacute submetida ao poder Natildeo haacute neutralidade no jogodas vozesrdquo (Fiorin 2006 p 31-32)

Se por um lado o capitalismo reduz os indiviacute-duos agrave condiccedilatildeo de objetos por outro tambeacutemprovoca a maior estratificaccedilatildeo social e o maiornuacutemero de conflitos da histoacuteria da sociedadehumana gerando vozes e consciecircncias queresistem a tal reduccedilatildeo E Bakhtin afirma queo romance polifocircnico soacute pocircde realizar-se naera capitalista (Bezerra 2005 p 193)

A autoconsciecircncia do heroacutei eacute a caracteriacutestica princi-pal na construccedilatildeo de sua imagem no enfoque polifocirc-nico o que pressupotildee tambeacutem uma posiccedilatildeo nova doautor na representaccedilatildeo desse personagem Descobre-se um aspecto novo do homem do homem no homemque requer um enfoque novo do homem e uma novaposiccedilatildeo do autor destaca Bezerra (2005 p 193) E ohomem no homem natildeo eacute um objeto silencioso eacute simoutro sujeito a quem cabe autorrevelar-se livremente

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outro eu com direitos iguais no diaacutelogo interativo comos demais falantes

As vozes satildeo assimiladas de diferentes maneiras noprocesso de construccedilatildeo da consciecircncia de acordo comFiorin (2006 p 56) Haacute vozes que satildeo incorporadascomo a voz de autoridade e que se adere de modoincondicional e por isso eacute centriacutepeta impermeaacutevelresistente a impregnar-se de outras vozes Mas outrasvozes satildeo assimiladas como posiccedilotildees de sentido inter-namente persuasivas e vistas como uma entre outraspor isso satildeo centrifugas e permeaacuteveis agrave impregnaccedilatildeopor outras vozes estando sempre abertas agrave mudanccedila

Sendo a consciecircncia sociossemioacutetica ou sejaformada de discursos sociais o que significaque seu conteuacutedo eacute siacutegnico cada indiviacuteduotem uma histoacuteria particular de constituiccedilatildeode seu mundo interior pois ele eacute resultantedo embate e das interrelaccedilotildees desses doistipos de vozes Quanto mais a consciecircnciafor formada de vozes de autoridade mais elaseraacute monoloacutegica ptolomaica Quanto maisfor constituiacuteda de vozes internamente persu-asivas mais seraacute dialoacutegica galileana (Fiorin2006 p 56)

A ldquodificuldade de leitura da obra bakhtiniana fezaparecer diversos Bakhtinsrdquo (Fiorin 2006 p 15) umque criticou a psicanaacutelise mdash dizendo que ldquoa consciecircnciaeacute muito mais terriacutevel que quaisquer complexos incons-cientesrdquo (Bezerra 2008a p XXI) mdash o estruturalismo eo formalismo e que ldquomostrou que todas as explicaccedilotildeestotalizantes eram monoloacutegicasrdquo (Fiorin 2006 p 15)um interacionista que tratou das relaccedilotildees do eu com ooutro ldquoentre posiccedilotildees sociaisrdquo (Idem p 15) um queldquonatildeo aderiu propriamente ao marxismordquo (Idem p 15)um linguista que ldquonatildeo produziu uma teoria acabada dalinguagemrdquo um teoacuterico da literatura que natildeo ofereceuuma ldquoteoria literaacuteria completardquo (Idem p 16)

[] em Bakhtin coexistem um homem religi-oso e um marxista dialogando entre si Eacute odialogismo aparecendo soberano na proacutepriavida de quem teorizou sobre ele Natildeo cabepois levantar duacutevidas desse tipo sobre umpensador que concebe tudo em confronto emdiaacutelogo e para quem o importante eacute sobre-tudo a manifestaccedilotildees das diferentes vozes(Schnaiderman 2005 p 17)

Em um mundo que tende ao monologismo ldquoumavoz monoloacutegica firme pressupotildee um apoio social firmepressupotildee um noacutesrdquo (Bezerra 2008a p 317) em ummundo polifocircnico ao contraacuterio o pluralismo de ideiasdeveria ser efetivamente respeitado ldquoporque todas

as vozes seriam equipolentes nenhuma voz social seimporia como a palavra uacuteltima e definitivardquo (Fiorin2006 p 83) Aqui acreditamos em um Bakhtin pen-sador maior que conforme Schnaiderman (2005 p17) antecipou questotildees filosoacuteficas contemporacircneasparticularmente as de Sartre11 e Heidegger12 e quesoube identificar a submissatildeo de sujeitos cujas vo-zes representam um mero papel de acompanhamentoAcreditamos em um Bakhtin que reivindicou indiviacute-duos ou ldquoheroacuteisrdquo que tais quais os personagens deDostoieacutevski satildeo dotados de vozes resistentes a vozescentriacutepetas que procuram se impor como autoras desentido Para Bezerra (2008a p 317) uma voz solitaacute-ria se torna instaacutevel o autor (Bezerra 2008b p XXII)lembra que no dialogismo o culto do individualismo eacutevisto como uma trageacutedia pois ldquoviver eacute comunicar-sepelo diaacutelogordquo Entatildeo mesmo que natildeo existam normasmorais vaacutelidas em si como normas morais entende-mos aqui com Bakhtin (2009 p 24) que ldquoexiste umsujeito moral com uma determinada estrutura (natildeouma estrutura fiacutesica ou psicoloacutegica eacute claro) e eacute neleque noacutes temos que nos apoiarrdquo Sujeitos livres comconsciecircncias ideologicamente distintas e com vozesinternamente persuasivas ldquocom iguais direitos comopersonas respeitando os valores dos outros que igual-mente respeitam os seusrdquo (Bezerra 2008b p XXII)esses satildeo os sujeitos que cremos existir em um mundopolifocircnico

Referecircncias

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Bakhtin Mikhail1999 Marxismo e filosofia da linguagem proble-mas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico na ciecircnciada linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud e YaraFrateschi Vieira Satildeo Paulo Hucitec

Bakhtin Mikhail2008 Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Tra-duccedilatildeo de Paulo Bezerra Rio de Janeiro ForenseUniversitaacuteria

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Fiorin Joseacute Luiz2006 Introduccedilatildeo ao pensamento de Bakhtin SatildeoPaulo Aacutetica

Grillo Sheila Vieira de Camargo2005 Polifonia e transmissatildeo do discurso alheiono gecircnero reportagem Estudos Linguiacutesticos (34)

Disponiacutevel em 〈 wwwsaofranciscoedubredusfpublicacoesRevistaHorizontesVolume_08uploadAddressArt15B65655Dpdf 〉 Acesso em 5 out 2009

Grillo Sheila Vieira de Camargo2006 A metalinguiacutestica por uma ciecircncia dialoacutegicada linguagem Horizontes Volume 24 Nuacutemero 2Disponiacutevel em 〈 wwwgelorgbr 〉 Acesso em 10 out2009

Rechdan Maria Letiacutecia de Almeida2003 Dialogismo ou polifonia Revista de CiecircnciasHumanas Volume 9 Nuacutemero 1 p 45-54 TaubateacuteUnitau

Schnaiderman Boris2005 Bakhtin 40 graus uma experiecircncia brasi-leira In Brait Beth (Org) Bakhtin dialogismo econstruccedilatildeo do sentido Campinas Editora Unicamp

Scorsolini-Comin Fabio et alii2008 A beleza do erro puro do engano da(im)perfeiccedilatildeo reflexotildees poacutes-modernas Revista Ele-trocircnica de Comunicaccedilatildeo Volume 5 Nuacutemero 1 Dis-poniacutevel em 〈 wwwfacefbrrec 〉 Acesso em 5 out2009

Venturelli Paulo Ceacutesar2006 O romance como arena polifocircnica IHU on lineDisponiacutevel em 〈 wwwunisinosbrihu 〉 Acesso em 5out 2009

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Dados para indexaccedilatildeo em liacutengua estrangeira

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima Andreacuteia

Development of the Bakhtinian Concept of Polyphony

Estudos Semioacuteticos vol 6 n 2 (2010) p 66-76

issn 1980-4016

Abstract In Problems of Dostoevskyrsquos Poetics Bakhtin defines Dostoevsky as the creator of the polyphonicnovel We intend to review in this paper the development of the concept of polyphony defined as the position ofmaximum distance between the author and the characters in a never-ending dialogue Dialogism essence of theBakhtinian discourse theory reiterates the subjectrsquos presence in the communication which is not seen merelyas the transmission of information but as verbal or non-verbal interaction Individuals are built from interactionand through interaction Discourses built from other discourses are never concluded and therefore texts havemany voices These voices must be equipollent in polyphony According to Bakhtin polyphony is an essential partof all enunciations since different voices are expressed in a same text and every discourse is built by severaldiscourses We only understand enunciations when we react to words that awaken in us ideological andorindividual echoes The reality of signs is objective and it can be studied Bakhtin calls this study metalinguisticswhich is the study of bivocal discourse that inevitably arises under the conditions of dialogical communication andgoes beyond linguistic study

Keywords polyphony dialogism metalinguistics

Como citar este artigo

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima AndreacuteiaDesenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifo-nia Estudos Semioacuteticos [on-line] Disponiacutevel em〈 httpwwwfflchuspbrdlsemioticaes 〉 Editores Respon-saacuteveis Francisco E S Merccedilon e Mariana Luz P deBarros Volume 6 Nuacutemero 2 Satildeo Paulo novembro de2010 p 66ndash76 Acesso em ldquodiamecircsanordquo

Data de recebimento do artigo 15122009

Data de sua aprovaccedilatildeo 11032010

  • Introduccedilatildeo
  • Dialogismo
  • Dostoieacutevski ``o sujeito do apelo
  • No miacutenimo dois heroacuteis
  • Polifonia
  • Metalinguiacutestica e anaacutelise dialoacutegica do discurso
  • Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
Page 7: poliffonia

estudos semioacuteticos vol 6 no 2

com autonomia Conforme Bezerra (2005 p 199)Bakhtin natildeo reserva uma funccedilatildeo secundaacuteria ao autorno processo polifocircnico o qual natildeo renuncia ao seuponto de vista nem se limita a montar pontos de vistaalheios mas ele enfatiza a relaccedilatildeo de reciprocidadeinteiramente nova e especial entre a verdade do sujeitoe a verdade do outro O ativismo do autor tem umcaraacuteter dialoacutegico especial e estaacute diretamente vinculadoagrave consciecircncia ativa e isocircnoma do outro Eacute um ativismoque estabelece uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre a consciecircn-cia criadora e a consciecircncia recriada participando dodiaacutelogo com direito agrave interlocuccedilatildeo com outras vozesinclusive com a voz do autor mas suas peculiaridadesde falante ldquoTrata-se de uma mudanccedila radical da po-siccedilatildeo do autor em relaccedilatildeo agraves pessoas representadasque de pessoas coisificadas se transformam em indi-vidualidadesrdquo Bezerra (2005 p 194) Entatildeo em ummesmo espaccedilo do romance haacute a convivecircncia e a inte-raccedilatildeo de uma multiplicidade de vozes plenivalentes econsciecircncias independentes imisciacuteveis e equipolentesNa polifonia estas vozes e consciecircncias ldquonatildeo satildeo objetodo discurso do autor satildeo sujeitos de seus proacutepriosdiscursosrdquo possuem independecircncia na estrutura daobra combinam-se com a palavra do autor e com asvozes de outras personagens de acordo com Bezerra(2005 p 195)

Conforme Grillo (2005 p 1164) as noccedilotildees de dialo-gismo e de polifonia estatildeo entre as principais contribui-ccedilotildees dos trabalhos de Bakhtin e de seus parceiros masnatildeo se pode esquecer que a relaccedilatildeo de contradiccedilatildeo eacuteum dos aspectos constitutivos da polifonia em Bakhtinldquonatildeo basta que haja diversas vozes antes eacute preciso queelas se constituam por meio do diaacutelogo em pontosde vista contraditoacuteriosrdquo (Grillo 2005 p 1165) ldquoSe asociedade eacute dividida em grupos sociais com interessesdivergentes entatildeo os enunciados satildeo sempre o espaccedilode luta entre vozes sociais o que significa que satildeo ine-vitavelmente o lugar da contradiccedilatildeo [] O contrato sefaz com uma das vozes de uma polecircmicardquo (Fiorin 2006p 25) Essas vozes de grupos sociais com interessesdivergentes e manifestas nos enunciados podem serpercebidas atraveacutes de uma anaacutelise metalinguiacutestica

5 Metalinguiacutestica e anaacutelisedialoacutegica do discurso

De acordo com Bakhtin (2008 p 309) o diaacutelogo ex-terior expresso eacute inseparaacutevel do diaacutelogo interior e emcerto sentido nele se baseia e ambos satildeo igualmenteinseparaacuteveis do grande diaacutelogo do romance no seu todoque os engloba Bakhtin chama esse tipo de estudo demetalinguiacutestico o qual eacute o estudo das muacuteltiplas varie-dades do chamado discurso bivocal e sua influecircnciaem diversos aspectos da construccedilatildeo do discurso Naobra de Dostoieacutevski o discurso bivocal encontra mateacute-ria abundante o objeto fundamental da representaccedilatildeo

de Dostoieacutevski eacute o proacuteprio discurso o discurso plenis-significativo ldquoAs obras de Dostoieacutevski satildeo o discursosobre o discurso voltado para o discursordquo (Bakhtin2008 p 309)

Bakhtin (2008 p 207) natildeo analisa o discurso emDostoieacutevski linguisticamente no sentido rigoroso dotermo pois acredita que ldquoas relaccedilotildees dialoacutegicas em-bora pertenccedilam ao campo do discurso natildeo pertencema um campo puramente linguiacutestico de seu estudordquo(Bakhtin 2008 p 208) Entretanto para Bakhtin(2008 p 207) as pesquisas metalinguiacutesticas ldquonatildeo po-dem ignorar a linguiacutestica e devem aplicar seus resulta-dosrdquo linguiacutestica e metalinguiacutestica devem se completarmutuamente sem se fundir

Grillo (2006 p 123) diz que Bakhtin apresenta tantoa linguiacutestica quanto a metalinguiacutestica como estudandosob diferentes acircngulos o mesmo fenocircmeno isto eacute odiscurso ldquoA epistemologia de uma metalinguiacutesticafunda-se sobre trecircs aspectos a complementaridadeem relaccedilatildeo agrave linguiacutestica de sua eacutepoca a delimitaccedilatildeode um objeto de pesquisa e a proposiccedilatildeo de um campode fenocircmenos a estudarrdquo (Grillo 2006 p 122)

[] Metalinguiacutestica aqui interpretada comoteoriaanaacutelise dialoacutegica do discurso faz partedas estrateacutegias utilizadas por Bakhtin paraa partir da minuciosa leitura e anaacutelise doconjunto da obra de Dostoieacutevski configuraro gecircnero polifocircnico e apresentar o conceitode polifonia E natildeo o contraacuterio (Brait 2006p 14)

Segundo Fiorin (2006 p 115) o romance eacute umgecircnero literaacuterio plurilinguiacutestico pluriestiliacutestico e plu-rivocal Para Fiorin (2006 p 90) a palavra que eacuterepresentada e natildeo a que representa eacute sempre bi-vocal Acosta-Pereira (2008 p 12) escreve que ldquoodiscurso bivocal eacute introduzido pelo autor sob o acircnguloda comunicaccedilatildeo dialoacutegica isto eacute sob o plano do dis-cursordquo O discurso bivocal orienta-se simultaneamentepara o objeto do discurso e para o discurso do outronuma dupla orientaccedilatildeo do discurso que materializa-sena forma de enunciados

Para Brait (2006 p 13) eacute justamente essa bivo-calidade de diaacutelogo situado no objeto e na maneirade enfrentaacute-lo que caracteriza a novidade da meta-linguiacutestica e de suas consequecircncias para os estudosda linguagem Segundo Brait (2006 p 24) ldquoBakhtinnatildeo tinha um conceito ad hoc de polifonia para testarnos escritos de Dostoievskirdquo O conceito eacute formulado apartir dos textos de Dostoieacutevski e esta eacute uma da carac-teriacutestica fundamental da teoriaanaacutelise dialoacutegica dodiscurso ldquonatildeo aplicar conceitos a fim de compreenderum discurso mas deixar que os discursos revelem suaforma de produzir sentido a partir do ponto de vistadialoacutegico num embaterdquo

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Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

O discurso representaacutevel converge com o ou-tro discurso representativo em um niacutevel e emisonomia Penetram um no outro sobrepotildee-se um ao outro sob diferentes acircngulos dialoacute-gicos [] Como resultado desse encontrorevelam-se e aparecem em primeiro planonovos aspectos e novas funccedilotildees da palavra(Bakhtin 2008 p 309)

Concordamos aqui com Grillo (2006 p 124) quandoobserva que apesar de serem oriundas da anaacutelise daprosa dostoievskiana ldquoas relaccedilotildees dialoacutegicas e emespecial a palavra bivocal enquanto objetos de estudoda metalinguiacutestica satildeo encaradas por Bakhtin comopertencentes agraves nossas praacuteticas cotidianas natildeo serestringindo agrave literaturardquo

Bakhtin formulou nos textos de sua uacuteltimafase uma disciplina de estudo da linguagema metalinguiacutestica que tem por objeto as rela-ccedilotildees dialoacutegicas e a palavra bivocal Essas re-laccedilotildees satildeo de natureza axioloacutegico-semacircnticaocorrem entre enunciados e tambeacutem no in-terior de um mesmo enunciado [] Apesarde a proposiccedilatildeo de uma ciecircncia dialoacutegica dalinguagem ter suas origens nos estudos deobras literaacuterias o projeto da metalinguiacutesticacontempla um conjunto de fenocircmenos quenatildeo se restringem aos enunciados da esferaliteraacuteria (Grillo 2006 p 121)

Conforme Fiorin (2006 p 59) os enunciados satildeosempre histoacutericos pois satildeo constitutivamente dialoacutegi-cos Valendo-se da concepccedilatildeo dialoacutegica de Bakhtinuma anaacutelise histoacuterica de textos deixa de ser apenas anarraccedilatildeo de uma eacutepoca para transformar-se em umaanaacutelise semacircntica diferenciada que mostra ldquoaprova-ccedilotildees ou reprovaccedilotildees adesotildees ou recusas polecircmicase contratos deslizamentos de sentido apagamentosetcrdquo O sentido eacute que eacute histoacuterico dessa forma aHistoacuteria natildeo pode ser exterior a ele e sim interior

Consideraccedilotildees finaisBezerra (2005 p 191) entende que Bakhtin concebeuduas modalidades no romance o monoloacutegico mdash aoqual estatildeo associados os conceitos de monologismoautoritarismo acabamento mdash e o polifocircnico mdash ao qualestatildeo associados os conceitos de realidade em forma-ccedilatildeo inconclusibilidade natildeo acabamento dialogismopolifonia A inconclusibilidade e o natildeo acabamentodecorrem da condiccedilatildeo do romance como um gecircneroem formaccedilatildeo sempre sujeito a mudanccedilas com perso-nagens ou heroacuteis representados em um processo deevoluccedilatildeo que nunca se conclui Entatildeo dialogismo epolifonia estatildeo vinculados agrave natureza ampla e multi-facetada do romance ao seu grande nuacutemero de per-sonagens agrave capacidade do autor de ldquorecriar seres e

caracteres humanos traduzida na multiplicidade devozes da vida social cultural e ideoloacutegica representadardquo(Bezerra 2005 p 191-192) ldquo[] a passagem domonologismo para o dialogismo que tem na polifoniasua forma suprema equivale agrave libertaccedilatildeo do indiviacuteduoque de escravo mudo da consciecircncia do autor se tornasujeito de sua proacutepria consciecircnciardquo (Bezerra 2005 p193)

Segundo Fiorin (2006 p 128) forccedilas centriacutepetas mdashque aspiram ao monologismo e buscam o fechamentoa unidade a homogeneidade mdash bem como forccedilas cen-triacutefugas mdash que buscam tanto a abertura a diversidadea heterogeneidade quanto buscam desvelar o dialo-gismo constitutivo do discurso mdash atuam sobre asliacutenguas As vozes do poder tecircm sempre uma accedilatildeocentriacutepeta ldquobuscando reduzir o pluriacutevoco ao uniacutevocordquo(Fiorin 2006 p 82) Mas um sujeito nunca pode sercompletamente assujeitado pois sempre participa deforma uacutenica do diaacutelogo de vozes a histoacuteria da formaccedilatildeode sua consciecircncia eacute singular diz Fiorin (2006 p 58)

De acordo com Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin natildeoconstroacutei suas concepccedilotildees de monologismo dialogismoe polifonia como abstraccedilotildees desprovidas de conteuacutedohistoacuterico social e ideoloacutegicordquo O conceito de reificaccedilatildeo mdashusado por Marx para analisar no sistema de produccedilatildeocapitalista a relaccedilatildeo entre a produccedilatildeo da mercadoriae seu produtor na qual a produccedilatildeo submete de forao homem a uma metamorfose que o reduz a objetodo processo a mero reprodutor de papeacuteis eacute aplicadopor Bakhtin ao processo de construccedilatildeo do romancemonoloacutegico A reificaccedilatildeo do homem teria surgido paraBakhtin juntamente com o surgimento da sociedadede classes e chegado ao limite com o capitalismo ob-serva Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin desvela o fatode que a circulaccedilatildeo das vozes numa formaccedilatildeo socialestaacute submetida ao poder Natildeo haacute neutralidade no jogodas vozesrdquo (Fiorin 2006 p 31-32)

Se por um lado o capitalismo reduz os indiviacute-duos agrave condiccedilatildeo de objetos por outro tambeacutemprovoca a maior estratificaccedilatildeo social e o maiornuacutemero de conflitos da histoacuteria da sociedadehumana gerando vozes e consciecircncias queresistem a tal reduccedilatildeo E Bakhtin afirma queo romance polifocircnico soacute pocircde realizar-se naera capitalista (Bezerra 2005 p 193)

A autoconsciecircncia do heroacutei eacute a caracteriacutestica princi-pal na construccedilatildeo de sua imagem no enfoque polifocirc-nico o que pressupotildee tambeacutem uma posiccedilatildeo nova doautor na representaccedilatildeo desse personagem Descobre-se um aspecto novo do homem do homem no homemque requer um enfoque novo do homem e uma novaposiccedilatildeo do autor destaca Bezerra (2005 p 193) E ohomem no homem natildeo eacute um objeto silencioso eacute simoutro sujeito a quem cabe autorrevelar-se livremente

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estudos semioacuteticos vol 6 no 2

outro eu com direitos iguais no diaacutelogo interativo comos demais falantes

As vozes satildeo assimiladas de diferentes maneiras noprocesso de construccedilatildeo da consciecircncia de acordo comFiorin (2006 p 56) Haacute vozes que satildeo incorporadascomo a voz de autoridade e que se adere de modoincondicional e por isso eacute centriacutepeta impermeaacutevelresistente a impregnar-se de outras vozes Mas outrasvozes satildeo assimiladas como posiccedilotildees de sentido inter-namente persuasivas e vistas como uma entre outraspor isso satildeo centrifugas e permeaacuteveis agrave impregnaccedilatildeopor outras vozes estando sempre abertas agrave mudanccedila

Sendo a consciecircncia sociossemioacutetica ou sejaformada de discursos sociais o que significaque seu conteuacutedo eacute siacutegnico cada indiviacuteduotem uma histoacuteria particular de constituiccedilatildeode seu mundo interior pois ele eacute resultantedo embate e das interrelaccedilotildees desses doistipos de vozes Quanto mais a consciecircnciafor formada de vozes de autoridade mais elaseraacute monoloacutegica ptolomaica Quanto maisfor constituiacuteda de vozes internamente persu-asivas mais seraacute dialoacutegica galileana (Fiorin2006 p 56)

A ldquodificuldade de leitura da obra bakhtiniana fezaparecer diversos Bakhtinsrdquo (Fiorin 2006 p 15) umque criticou a psicanaacutelise mdash dizendo que ldquoa consciecircnciaeacute muito mais terriacutevel que quaisquer complexos incons-cientesrdquo (Bezerra 2008a p XXI) mdash o estruturalismo eo formalismo e que ldquomostrou que todas as explicaccedilotildeestotalizantes eram monoloacutegicasrdquo (Fiorin 2006 p 15)um interacionista que tratou das relaccedilotildees do eu com ooutro ldquoentre posiccedilotildees sociaisrdquo (Idem p 15) um queldquonatildeo aderiu propriamente ao marxismordquo (Idem p 15)um linguista que ldquonatildeo produziu uma teoria acabada dalinguagemrdquo um teoacuterico da literatura que natildeo ofereceuuma ldquoteoria literaacuteria completardquo (Idem p 16)

[] em Bakhtin coexistem um homem religi-oso e um marxista dialogando entre si Eacute odialogismo aparecendo soberano na proacutepriavida de quem teorizou sobre ele Natildeo cabepois levantar duacutevidas desse tipo sobre umpensador que concebe tudo em confronto emdiaacutelogo e para quem o importante eacute sobre-tudo a manifestaccedilotildees das diferentes vozes(Schnaiderman 2005 p 17)

Em um mundo que tende ao monologismo ldquoumavoz monoloacutegica firme pressupotildee um apoio social firmepressupotildee um noacutesrdquo (Bezerra 2008a p 317) em ummundo polifocircnico ao contraacuterio o pluralismo de ideiasdeveria ser efetivamente respeitado ldquoporque todas

as vozes seriam equipolentes nenhuma voz social seimporia como a palavra uacuteltima e definitivardquo (Fiorin2006 p 83) Aqui acreditamos em um Bakhtin pen-sador maior que conforme Schnaiderman (2005 p17) antecipou questotildees filosoacuteficas contemporacircneasparticularmente as de Sartre11 e Heidegger12 e quesoube identificar a submissatildeo de sujeitos cujas vo-zes representam um mero papel de acompanhamentoAcreditamos em um Bakhtin que reivindicou indiviacute-duos ou ldquoheroacuteisrdquo que tais quais os personagens deDostoieacutevski satildeo dotados de vozes resistentes a vozescentriacutepetas que procuram se impor como autoras desentido Para Bezerra (2008a p 317) uma voz solitaacute-ria se torna instaacutevel o autor (Bezerra 2008b p XXII)lembra que no dialogismo o culto do individualismo eacutevisto como uma trageacutedia pois ldquoviver eacute comunicar-sepelo diaacutelogordquo Entatildeo mesmo que natildeo existam normasmorais vaacutelidas em si como normas morais entende-mos aqui com Bakhtin (2009 p 24) que ldquoexiste umsujeito moral com uma determinada estrutura (natildeouma estrutura fiacutesica ou psicoloacutegica eacute claro) e eacute neleque noacutes temos que nos apoiarrdquo Sujeitos livres comconsciecircncias ideologicamente distintas e com vozesinternamente persuasivas ldquocom iguais direitos comopersonas respeitando os valores dos outros que igual-mente respeitam os seusrdquo (Bezerra 2008b p XXII)esses satildeo os sujeitos que cremos existir em um mundopolifocircnico

Referecircncias

Acosta-Pereira Rodrigo2008 Gecircneros do discurso - experiecircncias psi-cossociais tipificadas Letra Magna Ano 4 Nuacute-mero 9 Santa Cruz do Sul juldez Disponiacutevelem 〈 wwwletramagnacom 〉 Acesso em 5 out 2009

Bakhtin Mikhail1999 Marxismo e filosofia da linguagem proble-mas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico na ciecircnciada linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud e YaraFrateschi Vieira Satildeo Paulo Hucitec

Bakhtin Mikhail2008 Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Tra-duccedilatildeo de Paulo Bezerra Rio de Janeiro ForenseUniversitaacuteria

Bakhtin Mikhail2009 Para uma filosofia do ato Traduccedilatildeo de Car-los Alberto Faraco e Cristoacutevatildeo Tezza Disponiacutevelem 〈 letrasuspdownloadwordpresscom20090920livro-para-uma-filosofia-do-ato 〉 Acesso em 12 dez 2009

11 Jean-Paul Sartre Lrsquoacircge de raison Paris Gallimard 197212 Martin El ser y el tiempo 7 ed Traduccedilatildeo de J Gaos MeacutexicoMadridBuenos Aires F Cultura Economica 1989

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Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

Bezerra Paulo2005 Polifonia In Brait Beth (Org) Bakhtinconceitos-chave Rio de Janeiro Contexto

Bezerra Paulo2008a Adendo 1 In Bakhtin Mikhail MikhailovichProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Rio de JaneiroForense Universitaacuteria

Bezerra Paulo2008b Prefaacutecio uma obra agrave prova do tempo InBakhtin Mikhail Mikhailovich Problemas da poeacuteticade Dostoieacutevski Rio de Janeiro Forense Universitaacute-ria

Brait Beth2006 Anaacutelise e teoria do discurso In Brait Beth(Org) Bakhtin outros conceitos-chave Satildeo PauloContexto

Faraco Carlos Alberto2005 Autor e autoria In Brait Beth (Org) Bakhtinconceitos-chave Satildeo Paulo Contexto

Fiorin Joseacute Luiz2006 Introduccedilatildeo ao pensamento de Bakhtin SatildeoPaulo Aacutetica

Grillo Sheila Vieira de Camargo2005 Polifonia e transmissatildeo do discurso alheiono gecircnero reportagem Estudos Linguiacutesticos (34)

Disponiacutevel em 〈 wwwsaofranciscoedubredusfpublicacoesRevistaHorizontesVolume_08uploadAddressArt15B65655Dpdf 〉 Acesso em 5 out 2009

Grillo Sheila Vieira de Camargo2006 A metalinguiacutestica por uma ciecircncia dialoacutegicada linguagem Horizontes Volume 24 Nuacutemero 2Disponiacutevel em 〈 wwwgelorgbr 〉 Acesso em 10 out2009

Rechdan Maria Letiacutecia de Almeida2003 Dialogismo ou polifonia Revista de CiecircnciasHumanas Volume 9 Nuacutemero 1 p 45-54 TaubateacuteUnitau

Schnaiderman Boris2005 Bakhtin 40 graus uma experiecircncia brasi-leira In Brait Beth (Org) Bakhtin dialogismo econstruccedilatildeo do sentido Campinas Editora Unicamp

Scorsolini-Comin Fabio et alii2008 A beleza do erro puro do engano da(im)perfeiccedilatildeo reflexotildees poacutes-modernas Revista Ele-trocircnica de Comunicaccedilatildeo Volume 5 Nuacutemero 1 Dis-poniacutevel em 〈 wwwfacefbrrec 〉 Acesso em 5 out2009

Venturelli Paulo Ceacutesar2006 O romance como arena polifocircnica IHU on lineDisponiacutevel em 〈 wwwunisinosbrihu 〉 Acesso em 5out 2009

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Dados para indexaccedilatildeo em liacutengua estrangeira

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima Andreacuteia

Development of the Bakhtinian Concept of Polyphony

Estudos Semioacuteticos vol 6 n 2 (2010) p 66-76

issn 1980-4016

Abstract In Problems of Dostoevskyrsquos Poetics Bakhtin defines Dostoevsky as the creator of the polyphonicnovel We intend to review in this paper the development of the concept of polyphony defined as the position ofmaximum distance between the author and the characters in a never-ending dialogue Dialogism essence of theBakhtinian discourse theory reiterates the subjectrsquos presence in the communication which is not seen merelyas the transmission of information but as verbal or non-verbal interaction Individuals are built from interactionand through interaction Discourses built from other discourses are never concluded and therefore texts havemany voices These voices must be equipollent in polyphony According to Bakhtin polyphony is an essential partof all enunciations since different voices are expressed in a same text and every discourse is built by severaldiscourses We only understand enunciations when we react to words that awaken in us ideological andorindividual echoes The reality of signs is objective and it can be studied Bakhtin calls this study metalinguisticswhich is the study of bivocal discourse that inevitably arises under the conditions of dialogical communication andgoes beyond linguistic study

Keywords polyphony dialogism metalinguistics

Como citar este artigo

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima AndreacuteiaDesenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifo-nia Estudos Semioacuteticos [on-line] Disponiacutevel em〈 httpwwwfflchuspbrdlsemioticaes 〉 Editores Respon-saacuteveis Francisco E S Merccedilon e Mariana Luz P deBarros Volume 6 Nuacutemero 2 Satildeo Paulo novembro de2010 p 66ndash76 Acesso em ldquodiamecircsanordquo

Data de recebimento do artigo 15122009

Data de sua aprovaccedilatildeo 11032010

  • Introduccedilatildeo
  • Dialogismo
  • Dostoieacutevski ``o sujeito do apelo
  • No miacutenimo dois heroacuteis
  • Polifonia
  • Metalinguiacutestica e anaacutelise dialoacutegica do discurso
  • Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
Page 8: poliffonia

Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

O discurso representaacutevel converge com o ou-tro discurso representativo em um niacutevel e emisonomia Penetram um no outro sobrepotildee-se um ao outro sob diferentes acircngulos dialoacute-gicos [] Como resultado desse encontrorevelam-se e aparecem em primeiro planonovos aspectos e novas funccedilotildees da palavra(Bakhtin 2008 p 309)

Concordamos aqui com Grillo (2006 p 124) quandoobserva que apesar de serem oriundas da anaacutelise daprosa dostoievskiana ldquoas relaccedilotildees dialoacutegicas e emespecial a palavra bivocal enquanto objetos de estudoda metalinguiacutestica satildeo encaradas por Bakhtin comopertencentes agraves nossas praacuteticas cotidianas natildeo serestringindo agrave literaturardquo

Bakhtin formulou nos textos de sua uacuteltimafase uma disciplina de estudo da linguagema metalinguiacutestica que tem por objeto as rela-ccedilotildees dialoacutegicas e a palavra bivocal Essas re-laccedilotildees satildeo de natureza axioloacutegico-semacircnticaocorrem entre enunciados e tambeacutem no in-terior de um mesmo enunciado [] Apesarde a proposiccedilatildeo de uma ciecircncia dialoacutegica dalinguagem ter suas origens nos estudos deobras literaacuterias o projeto da metalinguiacutesticacontempla um conjunto de fenocircmenos quenatildeo se restringem aos enunciados da esferaliteraacuteria (Grillo 2006 p 121)

Conforme Fiorin (2006 p 59) os enunciados satildeosempre histoacutericos pois satildeo constitutivamente dialoacutegi-cos Valendo-se da concepccedilatildeo dialoacutegica de Bakhtinuma anaacutelise histoacuterica de textos deixa de ser apenas anarraccedilatildeo de uma eacutepoca para transformar-se em umaanaacutelise semacircntica diferenciada que mostra ldquoaprova-ccedilotildees ou reprovaccedilotildees adesotildees ou recusas polecircmicase contratos deslizamentos de sentido apagamentosetcrdquo O sentido eacute que eacute histoacuterico dessa forma aHistoacuteria natildeo pode ser exterior a ele e sim interior

Consideraccedilotildees finaisBezerra (2005 p 191) entende que Bakhtin concebeuduas modalidades no romance o monoloacutegico mdash aoqual estatildeo associados os conceitos de monologismoautoritarismo acabamento mdash e o polifocircnico mdash ao qualestatildeo associados os conceitos de realidade em forma-ccedilatildeo inconclusibilidade natildeo acabamento dialogismopolifonia A inconclusibilidade e o natildeo acabamentodecorrem da condiccedilatildeo do romance como um gecircneroem formaccedilatildeo sempre sujeito a mudanccedilas com perso-nagens ou heroacuteis representados em um processo deevoluccedilatildeo que nunca se conclui Entatildeo dialogismo epolifonia estatildeo vinculados agrave natureza ampla e multi-facetada do romance ao seu grande nuacutemero de per-sonagens agrave capacidade do autor de ldquorecriar seres e

caracteres humanos traduzida na multiplicidade devozes da vida social cultural e ideoloacutegica representadardquo(Bezerra 2005 p 191-192) ldquo[] a passagem domonologismo para o dialogismo que tem na polifoniasua forma suprema equivale agrave libertaccedilatildeo do indiviacuteduoque de escravo mudo da consciecircncia do autor se tornasujeito de sua proacutepria consciecircnciardquo (Bezerra 2005 p193)

Segundo Fiorin (2006 p 128) forccedilas centriacutepetas mdashque aspiram ao monologismo e buscam o fechamentoa unidade a homogeneidade mdash bem como forccedilas cen-triacutefugas mdash que buscam tanto a abertura a diversidadea heterogeneidade quanto buscam desvelar o dialo-gismo constitutivo do discurso mdash atuam sobre asliacutenguas As vozes do poder tecircm sempre uma accedilatildeocentriacutepeta ldquobuscando reduzir o pluriacutevoco ao uniacutevocordquo(Fiorin 2006 p 82) Mas um sujeito nunca pode sercompletamente assujeitado pois sempre participa deforma uacutenica do diaacutelogo de vozes a histoacuteria da formaccedilatildeode sua consciecircncia eacute singular diz Fiorin (2006 p 58)

De acordo com Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin natildeoconstroacutei suas concepccedilotildees de monologismo dialogismoe polifonia como abstraccedilotildees desprovidas de conteuacutedohistoacuterico social e ideoloacutegicordquo O conceito de reificaccedilatildeo mdashusado por Marx para analisar no sistema de produccedilatildeocapitalista a relaccedilatildeo entre a produccedilatildeo da mercadoriae seu produtor na qual a produccedilatildeo submete de forao homem a uma metamorfose que o reduz a objetodo processo a mero reprodutor de papeacuteis eacute aplicadopor Bakhtin ao processo de construccedilatildeo do romancemonoloacutegico A reificaccedilatildeo do homem teria surgido paraBakhtin juntamente com o surgimento da sociedadede classes e chegado ao limite com o capitalismo ob-serva Bezerra (2005 p 192) ldquoBakhtin desvela o fatode que a circulaccedilatildeo das vozes numa formaccedilatildeo socialestaacute submetida ao poder Natildeo haacute neutralidade no jogodas vozesrdquo (Fiorin 2006 p 31-32)

Se por um lado o capitalismo reduz os indiviacute-duos agrave condiccedilatildeo de objetos por outro tambeacutemprovoca a maior estratificaccedilatildeo social e o maiornuacutemero de conflitos da histoacuteria da sociedadehumana gerando vozes e consciecircncias queresistem a tal reduccedilatildeo E Bakhtin afirma queo romance polifocircnico soacute pocircde realizar-se naera capitalista (Bezerra 2005 p 193)

A autoconsciecircncia do heroacutei eacute a caracteriacutestica princi-pal na construccedilatildeo de sua imagem no enfoque polifocirc-nico o que pressupotildee tambeacutem uma posiccedilatildeo nova doautor na representaccedilatildeo desse personagem Descobre-se um aspecto novo do homem do homem no homemque requer um enfoque novo do homem e uma novaposiccedilatildeo do autor destaca Bezerra (2005 p 193) E ohomem no homem natildeo eacute um objeto silencioso eacute simoutro sujeito a quem cabe autorrevelar-se livremente

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estudos semioacuteticos vol 6 no 2

outro eu com direitos iguais no diaacutelogo interativo comos demais falantes

As vozes satildeo assimiladas de diferentes maneiras noprocesso de construccedilatildeo da consciecircncia de acordo comFiorin (2006 p 56) Haacute vozes que satildeo incorporadascomo a voz de autoridade e que se adere de modoincondicional e por isso eacute centriacutepeta impermeaacutevelresistente a impregnar-se de outras vozes Mas outrasvozes satildeo assimiladas como posiccedilotildees de sentido inter-namente persuasivas e vistas como uma entre outraspor isso satildeo centrifugas e permeaacuteveis agrave impregnaccedilatildeopor outras vozes estando sempre abertas agrave mudanccedila

Sendo a consciecircncia sociossemioacutetica ou sejaformada de discursos sociais o que significaque seu conteuacutedo eacute siacutegnico cada indiviacuteduotem uma histoacuteria particular de constituiccedilatildeode seu mundo interior pois ele eacute resultantedo embate e das interrelaccedilotildees desses doistipos de vozes Quanto mais a consciecircnciafor formada de vozes de autoridade mais elaseraacute monoloacutegica ptolomaica Quanto maisfor constituiacuteda de vozes internamente persu-asivas mais seraacute dialoacutegica galileana (Fiorin2006 p 56)

A ldquodificuldade de leitura da obra bakhtiniana fezaparecer diversos Bakhtinsrdquo (Fiorin 2006 p 15) umque criticou a psicanaacutelise mdash dizendo que ldquoa consciecircnciaeacute muito mais terriacutevel que quaisquer complexos incons-cientesrdquo (Bezerra 2008a p XXI) mdash o estruturalismo eo formalismo e que ldquomostrou que todas as explicaccedilotildeestotalizantes eram monoloacutegicasrdquo (Fiorin 2006 p 15)um interacionista que tratou das relaccedilotildees do eu com ooutro ldquoentre posiccedilotildees sociaisrdquo (Idem p 15) um queldquonatildeo aderiu propriamente ao marxismordquo (Idem p 15)um linguista que ldquonatildeo produziu uma teoria acabada dalinguagemrdquo um teoacuterico da literatura que natildeo ofereceuuma ldquoteoria literaacuteria completardquo (Idem p 16)

[] em Bakhtin coexistem um homem religi-oso e um marxista dialogando entre si Eacute odialogismo aparecendo soberano na proacutepriavida de quem teorizou sobre ele Natildeo cabepois levantar duacutevidas desse tipo sobre umpensador que concebe tudo em confronto emdiaacutelogo e para quem o importante eacute sobre-tudo a manifestaccedilotildees das diferentes vozes(Schnaiderman 2005 p 17)

Em um mundo que tende ao monologismo ldquoumavoz monoloacutegica firme pressupotildee um apoio social firmepressupotildee um noacutesrdquo (Bezerra 2008a p 317) em ummundo polifocircnico ao contraacuterio o pluralismo de ideiasdeveria ser efetivamente respeitado ldquoporque todas

as vozes seriam equipolentes nenhuma voz social seimporia como a palavra uacuteltima e definitivardquo (Fiorin2006 p 83) Aqui acreditamos em um Bakhtin pen-sador maior que conforme Schnaiderman (2005 p17) antecipou questotildees filosoacuteficas contemporacircneasparticularmente as de Sartre11 e Heidegger12 e quesoube identificar a submissatildeo de sujeitos cujas vo-zes representam um mero papel de acompanhamentoAcreditamos em um Bakhtin que reivindicou indiviacute-duos ou ldquoheroacuteisrdquo que tais quais os personagens deDostoieacutevski satildeo dotados de vozes resistentes a vozescentriacutepetas que procuram se impor como autoras desentido Para Bezerra (2008a p 317) uma voz solitaacute-ria se torna instaacutevel o autor (Bezerra 2008b p XXII)lembra que no dialogismo o culto do individualismo eacutevisto como uma trageacutedia pois ldquoviver eacute comunicar-sepelo diaacutelogordquo Entatildeo mesmo que natildeo existam normasmorais vaacutelidas em si como normas morais entende-mos aqui com Bakhtin (2009 p 24) que ldquoexiste umsujeito moral com uma determinada estrutura (natildeouma estrutura fiacutesica ou psicoloacutegica eacute claro) e eacute neleque noacutes temos que nos apoiarrdquo Sujeitos livres comconsciecircncias ideologicamente distintas e com vozesinternamente persuasivas ldquocom iguais direitos comopersonas respeitando os valores dos outros que igual-mente respeitam os seusrdquo (Bezerra 2008b p XXII)esses satildeo os sujeitos que cremos existir em um mundopolifocircnico

Referecircncias

Acosta-Pereira Rodrigo2008 Gecircneros do discurso - experiecircncias psi-cossociais tipificadas Letra Magna Ano 4 Nuacute-mero 9 Santa Cruz do Sul juldez Disponiacutevelem 〈 wwwletramagnacom 〉 Acesso em 5 out 2009

Bakhtin Mikhail1999 Marxismo e filosofia da linguagem proble-mas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico na ciecircnciada linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud e YaraFrateschi Vieira Satildeo Paulo Hucitec

Bakhtin Mikhail2008 Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Tra-duccedilatildeo de Paulo Bezerra Rio de Janeiro ForenseUniversitaacuteria

Bakhtin Mikhail2009 Para uma filosofia do ato Traduccedilatildeo de Car-los Alberto Faraco e Cristoacutevatildeo Tezza Disponiacutevelem 〈 letrasuspdownloadwordpresscom20090920livro-para-uma-filosofia-do-ato 〉 Acesso em 12 dez 2009

11 Jean-Paul Sartre Lrsquoacircge de raison Paris Gallimard 197212 Martin El ser y el tiempo 7 ed Traduccedilatildeo de J Gaos MeacutexicoMadridBuenos Aires F Cultura Economica 1989

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Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

Bezerra Paulo2005 Polifonia In Brait Beth (Org) Bakhtinconceitos-chave Rio de Janeiro Contexto

Bezerra Paulo2008a Adendo 1 In Bakhtin Mikhail MikhailovichProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Rio de JaneiroForense Universitaacuteria

Bezerra Paulo2008b Prefaacutecio uma obra agrave prova do tempo InBakhtin Mikhail Mikhailovich Problemas da poeacuteticade Dostoieacutevski Rio de Janeiro Forense Universitaacute-ria

Brait Beth2006 Anaacutelise e teoria do discurso In Brait Beth(Org) Bakhtin outros conceitos-chave Satildeo PauloContexto

Faraco Carlos Alberto2005 Autor e autoria In Brait Beth (Org) Bakhtinconceitos-chave Satildeo Paulo Contexto

Fiorin Joseacute Luiz2006 Introduccedilatildeo ao pensamento de Bakhtin SatildeoPaulo Aacutetica

Grillo Sheila Vieira de Camargo2005 Polifonia e transmissatildeo do discurso alheiono gecircnero reportagem Estudos Linguiacutesticos (34)

Disponiacutevel em 〈 wwwsaofranciscoedubredusfpublicacoesRevistaHorizontesVolume_08uploadAddressArt15B65655Dpdf 〉 Acesso em 5 out 2009

Grillo Sheila Vieira de Camargo2006 A metalinguiacutestica por uma ciecircncia dialoacutegicada linguagem Horizontes Volume 24 Nuacutemero 2Disponiacutevel em 〈 wwwgelorgbr 〉 Acesso em 10 out2009

Rechdan Maria Letiacutecia de Almeida2003 Dialogismo ou polifonia Revista de CiecircnciasHumanas Volume 9 Nuacutemero 1 p 45-54 TaubateacuteUnitau

Schnaiderman Boris2005 Bakhtin 40 graus uma experiecircncia brasi-leira In Brait Beth (Org) Bakhtin dialogismo econstruccedilatildeo do sentido Campinas Editora Unicamp

Scorsolini-Comin Fabio et alii2008 A beleza do erro puro do engano da(im)perfeiccedilatildeo reflexotildees poacutes-modernas Revista Ele-trocircnica de Comunicaccedilatildeo Volume 5 Nuacutemero 1 Dis-poniacutevel em 〈 wwwfacefbrrec 〉 Acesso em 5 out2009

Venturelli Paulo Ceacutesar2006 O romance como arena polifocircnica IHU on lineDisponiacutevel em 〈 wwwunisinosbrihu 〉 Acesso em 5out 2009

75

Dados para indexaccedilatildeo em liacutengua estrangeira

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima Andreacuteia

Development of the Bakhtinian Concept of Polyphony

Estudos Semioacuteticos vol 6 n 2 (2010) p 66-76

issn 1980-4016

Abstract In Problems of Dostoevskyrsquos Poetics Bakhtin defines Dostoevsky as the creator of the polyphonicnovel We intend to review in this paper the development of the concept of polyphony defined as the position ofmaximum distance between the author and the characters in a never-ending dialogue Dialogism essence of theBakhtinian discourse theory reiterates the subjectrsquos presence in the communication which is not seen merelyas the transmission of information but as verbal or non-verbal interaction Individuals are built from interactionand through interaction Discourses built from other discourses are never concluded and therefore texts havemany voices These voices must be equipollent in polyphony According to Bakhtin polyphony is an essential partof all enunciations since different voices are expressed in a same text and every discourse is built by severaldiscourses We only understand enunciations when we react to words that awaken in us ideological andorindividual echoes The reality of signs is objective and it can be studied Bakhtin calls this study metalinguisticswhich is the study of bivocal discourse that inevitably arises under the conditions of dialogical communication andgoes beyond linguistic study

Keywords polyphony dialogism metalinguistics

Como citar este artigo

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima AndreacuteiaDesenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifo-nia Estudos Semioacuteticos [on-line] Disponiacutevel em〈 httpwwwfflchuspbrdlsemioticaes 〉 Editores Respon-saacuteveis Francisco E S Merccedilon e Mariana Luz P deBarros Volume 6 Nuacutemero 2 Satildeo Paulo novembro de2010 p 66ndash76 Acesso em ldquodiamecircsanordquo

Data de recebimento do artigo 15122009

Data de sua aprovaccedilatildeo 11032010

  • Introduccedilatildeo
  • Dialogismo
  • Dostoieacutevski ``o sujeito do apelo
  • No miacutenimo dois heroacuteis
  • Polifonia
  • Metalinguiacutestica e anaacutelise dialoacutegica do discurso
  • Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
Page 9: poliffonia

estudos semioacuteticos vol 6 no 2

outro eu com direitos iguais no diaacutelogo interativo comos demais falantes

As vozes satildeo assimiladas de diferentes maneiras noprocesso de construccedilatildeo da consciecircncia de acordo comFiorin (2006 p 56) Haacute vozes que satildeo incorporadascomo a voz de autoridade e que se adere de modoincondicional e por isso eacute centriacutepeta impermeaacutevelresistente a impregnar-se de outras vozes Mas outrasvozes satildeo assimiladas como posiccedilotildees de sentido inter-namente persuasivas e vistas como uma entre outraspor isso satildeo centrifugas e permeaacuteveis agrave impregnaccedilatildeopor outras vozes estando sempre abertas agrave mudanccedila

Sendo a consciecircncia sociossemioacutetica ou sejaformada de discursos sociais o que significaque seu conteuacutedo eacute siacutegnico cada indiviacuteduotem uma histoacuteria particular de constituiccedilatildeode seu mundo interior pois ele eacute resultantedo embate e das interrelaccedilotildees desses doistipos de vozes Quanto mais a consciecircnciafor formada de vozes de autoridade mais elaseraacute monoloacutegica ptolomaica Quanto maisfor constituiacuteda de vozes internamente persu-asivas mais seraacute dialoacutegica galileana (Fiorin2006 p 56)

A ldquodificuldade de leitura da obra bakhtiniana fezaparecer diversos Bakhtinsrdquo (Fiorin 2006 p 15) umque criticou a psicanaacutelise mdash dizendo que ldquoa consciecircnciaeacute muito mais terriacutevel que quaisquer complexos incons-cientesrdquo (Bezerra 2008a p XXI) mdash o estruturalismo eo formalismo e que ldquomostrou que todas as explicaccedilotildeestotalizantes eram monoloacutegicasrdquo (Fiorin 2006 p 15)um interacionista que tratou das relaccedilotildees do eu com ooutro ldquoentre posiccedilotildees sociaisrdquo (Idem p 15) um queldquonatildeo aderiu propriamente ao marxismordquo (Idem p 15)um linguista que ldquonatildeo produziu uma teoria acabada dalinguagemrdquo um teoacuterico da literatura que natildeo ofereceuuma ldquoteoria literaacuteria completardquo (Idem p 16)

[] em Bakhtin coexistem um homem religi-oso e um marxista dialogando entre si Eacute odialogismo aparecendo soberano na proacutepriavida de quem teorizou sobre ele Natildeo cabepois levantar duacutevidas desse tipo sobre umpensador que concebe tudo em confronto emdiaacutelogo e para quem o importante eacute sobre-tudo a manifestaccedilotildees das diferentes vozes(Schnaiderman 2005 p 17)

Em um mundo que tende ao monologismo ldquoumavoz monoloacutegica firme pressupotildee um apoio social firmepressupotildee um noacutesrdquo (Bezerra 2008a p 317) em ummundo polifocircnico ao contraacuterio o pluralismo de ideiasdeveria ser efetivamente respeitado ldquoporque todas

as vozes seriam equipolentes nenhuma voz social seimporia como a palavra uacuteltima e definitivardquo (Fiorin2006 p 83) Aqui acreditamos em um Bakhtin pen-sador maior que conforme Schnaiderman (2005 p17) antecipou questotildees filosoacuteficas contemporacircneasparticularmente as de Sartre11 e Heidegger12 e quesoube identificar a submissatildeo de sujeitos cujas vo-zes representam um mero papel de acompanhamentoAcreditamos em um Bakhtin que reivindicou indiviacute-duos ou ldquoheroacuteisrdquo que tais quais os personagens deDostoieacutevski satildeo dotados de vozes resistentes a vozescentriacutepetas que procuram se impor como autoras desentido Para Bezerra (2008a p 317) uma voz solitaacute-ria se torna instaacutevel o autor (Bezerra 2008b p XXII)lembra que no dialogismo o culto do individualismo eacutevisto como uma trageacutedia pois ldquoviver eacute comunicar-sepelo diaacutelogordquo Entatildeo mesmo que natildeo existam normasmorais vaacutelidas em si como normas morais entende-mos aqui com Bakhtin (2009 p 24) que ldquoexiste umsujeito moral com uma determinada estrutura (natildeouma estrutura fiacutesica ou psicoloacutegica eacute claro) e eacute neleque noacutes temos que nos apoiarrdquo Sujeitos livres comconsciecircncias ideologicamente distintas e com vozesinternamente persuasivas ldquocom iguais direitos comopersonas respeitando os valores dos outros que igual-mente respeitam os seusrdquo (Bezerra 2008b p XXII)esses satildeo os sujeitos que cremos existir em um mundopolifocircnico

Referecircncias

Acosta-Pereira Rodrigo2008 Gecircneros do discurso - experiecircncias psi-cossociais tipificadas Letra Magna Ano 4 Nuacute-mero 9 Santa Cruz do Sul juldez Disponiacutevelem 〈 wwwletramagnacom 〉 Acesso em 5 out 2009

Bakhtin Mikhail1999 Marxismo e filosofia da linguagem proble-mas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico na ciecircnciada linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud e YaraFrateschi Vieira Satildeo Paulo Hucitec

Bakhtin Mikhail2008 Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Tra-duccedilatildeo de Paulo Bezerra Rio de Janeiro ForenseUniversitaacuteria

Bakhtin Mikhail2009 Para uma filosofia do ato Traduccedilatildeo de Car-los Alberto Faraco e Cristoacutevatildeo Tezza Disponiacutevelem 〈 letrasuspdownloadwordpresscom20090920livro-para-uma-filosofia-do-ato 〉 Acesso em 12 dez 2009

11 Jean-Paul Sartre Lrsquoacircge de raison Paris Gallimard 197212 Martin El ser y el tiempo 7 ed Traduccedilatildeo de J Gaos MeacutexicoMadridBuenos Aires F Cultura Economica 1989

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Bezerra Paulo2005 Polifonia In Brait Beth (Org) Bakhtinconceitos-chave Rio de Janeiro Contexto

Bezerra Paulo2008a Adendo 1 In Bakhtin Mikhail MikhailovichProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Rio de JaneiroForense Universitaacuteria

Bezerra Paulo2008b Prefaacutecio uma obra agrave prova do tempo InBakhtin Mikhail Mikhailovich Problemas da poeacuteticade Dostoieacutevski Rio de Janeiro Forense Universitaacute-ria

Brait Beth2006 Anaacutelise e teoria do discurso In Brait Beth(Org) Bakhtin outros conceitos-chave Satildeo PauloContexto

Faraco Carlos Alberto2005 Autor e autoria In Brait Beth (Org) Bakhtinconceitos-chave Satildeo Paulo Contexto

Fiorin Joseacute Luiz2006 Introduccedilatildeo ao pensamento de Bakhtin SatildeoPaulo Aacutetica

Grillo Sheila Vieira de Camargo2005 Polifonia e transmissatildeo do discurso alheiono gecircnero reportagem Estudos Linguiacutesticos (34)

Disponiacutevel em 〈 wwwsaofranciscoedubredusfpublicacoesRevistaHorizontesVolume_08uploadAddressArt15B65655Dpdf 〉 Acesso em 5 out 2009

Grillo Sheila Vieira de Camargo2006 A metalinguiacutestica por uma ciecircncia dialoacutegicada linguagem Horizontes Volume 24 Nuacutemero 2Disponiacutevel em 〈 wwwgelorgbr 〉 Acesso em 10 out2009

Rechdan Maria Letiacutecia de Almeida2003 Dialogismo ou polifonia Revista de CiecircnciasHumanas Volume 9 Nuacutemero 1 p 45-54 TaubateacuteUnitau

Schnaiderman Boris2005 Bakhtin 40 graus uma experiecircncia brasi-leira In Brait Beth (Org) Bakhtin dialogismo econstruccedilatildeo do sentido Campinas Editora Unicamp

Scorsolini-Comin Fabio et alii2008 A beleza do erro puro do engano da(im)perfeiccedilatildeo reflexotildees poacutes-modernas Revista Ele-trocircnica de Comunicaccedilatildeo Volume 5 Nuacutemero 1 Dis-poniacutevel em 〈 wwwfacefbrrec 〉 Acesso em 5 out2009

Venturelli Paulo Ceacutesar2006 O romance como arena polifocircnica IHU on lineDisponiacutevel em 〈 wwwunisinosbrihu 〉 Acesso em 5out 2009

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Development of the Bakhtinian Concept of Polyphony

Estudos Semioacuteticos vol 6 n 2 (2010) p 66-76

issn 1980-4016

Abstract In Problems of Dostoevskyrsquos Poetics Bakhtin defines Dostoevsky as the creator of the polyphonicnovel We intend to review in this paper the development of the concept of polyphony defined as the position ofmaximum distance between the author and the characters in a never-ending dialogue Dialogism essence of theBakhtinian discourse theory reiterates the subjectrsquos presence in the communication which is not seen merelyas the transmission of information but as verbal or non-verbal interaction Individuals are built from interactionand through interaction Discourses built from other discourses are never concluded and therefore texts havemany voices These voices must be equipollent in polyphony According to Bakhtin polyphony is an essential partof all enunciations since different voices are expressed in a same text and every discourse is built by severaldiscourses We only understand enunciations when we react to words that awaken in us ideological andorindividual echoes The reality of signs is objective and it can be studied Bakhtin calls this study metalinguisticswhich is the study of bivocal discourse that inevitably arises under the conditions of dialogical communication andgoes beyond linguistic study

Keywords polyphony dialogism metalinguistics

Como citar este artigo

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima AndreacuteiaDesenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifo-nia Estudos Semioacuteticos [on-line] Disponiacutevel em〈 httpwwwfflchuspbrdlsemioticaes 〉 Editores Respon-saacuteveis Francisco E S Merccedilon e Mariana Luz P deBarros Volume 6 Nuacutemero 2 Satildeo Paulo novembro de2010 p 66ndash76 Acesso em ldquodiamecircsanordquo

Data de recebimento do artigo 15122009

Data de sua aprovaccedilatildeo 11032010

  • Introduccedilatildeo
  • Dialogismo
  • Dostoieacutevski ``o sujeito do apelo
  • No miacutenimo dois heroacuteis
  • Polifonia
  • Metalinguiacutestica e anaacutelise dialoacutegica do discurso
  • Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
Page 10: poliffonia

Vera Luacutecia Pires Faacutetima Andreacuteia Tamanini-Adames

Bezerra Paulo2005 Polifonia In Brait Beth (Org) Bakhtinconceitos-chave Rio de Janeiro Contexto

Bezerra Paulo2008a Adendo 1 In Bakhtin Mikhail MikhailovichProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Rio de JaneiroForense Universitaacuteria

Bezerra Paulo2008b Prefaacutecio uma obra agrave prova do tempo InBakhtin Mikhail Mikhailovich Problemas da poeacuteticade Dostoieacutevski Rio de Janeiro Forense Universitaacute-ria

Brait Beth2006 Anaacutelise e teoria do discurso In Brait Beth(Org) Bakhtin outros conceitos-chave Satildeo PauloContexto

Faraco Carlos Alberto2005 Autor e autoria In Brait Beth (Org) Bakhtinconceitos-chave Satildeo Paulo Contexto

Fiorin Joseacute Luiz2006 Introduccedilatildeo ao pensamento de Bakhtin SatildeoPaulo Aacutetica

Grillo Sheila Vieira de Camargo2005 Polifonia e transmissatildeo do discurso alheiono gecircnero reportagem Estudos Linguiacutesticos (34)

Disponiacutevel em 〈 wwwsaofranciscoedubredusfpublicacoesRevistaHorizontesVolume_08uploadAddressArt15B65655Dpdf 〉 Acesso em 5 out 2009

Grillo Sheila Vieira de Camargo2006 A metalinguiacutestica por uma ciecircncia dialoacutegicada linguagem Horizontes Volume 24 Nuacutemero 2Disponiacutevel em 〈 wwwgelorgbr 〉 Acesso em 10 out2009

Rechdan Maria Letiacutecia de Almeida2003 Dialogismo ou polifonia Revista de CiecircnciasHumanas Volume 9 Nuacutemero 1 p 45-54 TaubateacuteUnitau

Schnaiderman Boris2005 Bakhtin 40 graus uma experiecircncia brasi-leira In Brait Beth (Org) Bakhtin dialogismo econstruccedilatildeo do sentido Campinas Editora Unicamp

Scorsolini-Comin Fabio et alii2008 A beleza do erro puro do engano da(im)perfeiccedilatildeo reflexotildees poacutes-modernas Revista Ele-trocircnica de Comunicaccedilatildeo Volume 5 Nuacutemero 1 Dis-poniacutevel em 〈 wwwfacefbrrec 〉 Acesso em 5 out2009

Venturelli Paulo Ceacutesar2006 O romance como arena polifocircnica IHU on lineDisponiacutevel em 〈 wwwunisinosbrihu 〉 Acesso em 5out 2009

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Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima Andreacuteia

Development of the Bakhtinian Concept of Polyphony

Estudos Semioacuteticos vol 6 n 2 (2010) p 66-76

issn 1980-4016

Abstract In Problems of Dostoevskyrsquos Poetics Bakhtin defines Dostoevsky as the creator of the polyphonicnovel We intend to review in this paper the development of the concept of polyphony defined as the position ofmaximum distance between the author and the characters in a never-ending dialogue Dialogism essence of theBakhtinian discourse theory reiterates the subjectrsquos presence in the communication which is not seen merelyas the transmission of information but as verbal or non-verbal interaction Individuals are built from interactionand through interaction Discourses built from other discourses are never concluded and therefore texts havemany voices These voices must be equipollent in polyphony According to Bakhtin polyphony is an essential partof all enunciations since different voices are expressed in a same text and every discourse is built by severaldiscourses We only understand enunciations when we react to words that awaken in us ideological andorindividual echoes The reality of signs is objective and it can be studied Bakhtin calls this study metalinguisticswhich is the study of bivocal discourse that inevitably arises under the conditions of dialogical communication andgoes beyond linguistic study

Keywords polyphony dialogism metalinguistics

Como citar este artigo

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima AndreacuteiaDesenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifo-nia Estudos Semioacuteticos [on-line] Disponiacutevel em〈 httpwwwfflchuspbrdlsemioticaes 〉 Editores Respon-saacuteveis Francisco E S Merccedilon e Mariana Luz P deBarros Volume 6 Nuacutemero 2 Satildeo Paulo novembro de2010 p 66ndash76 Acesso em ldquodiamecircsanordquo

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  • Introduccedilatildeo
  • Dialogismo
  • Dostoieacutevski ``o sujeito do apelo
  • No miacutenimo dois heroacuteis
  • Polifonia
  • Metalinguiacutestica e anaacutelise dialoacutegica do discurso
  • Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
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Development of the Bakhtinian Concept of Polyphony

Estudos Semioacuteticos vol 6 n 2 (2010) p 66-76

issn 1980-4016

Abstract In Problems of Dostoevskyrsquos Poetics Bakhtin defines Dostoevsky as the creator of the polyphonicnovel We intend to review in this paper the development of the concept of polyphony defined as the position ofmaximum distance between the author and the characters in a never-ending dialogue Dialogism essence of theBakhtinian discourse theory reiterates the subjectrsquos presence in the communication which is not seen merelyas the transmission of information but as verbal or non-verbal interaction Individuals are built from interactionand through interaction Discourses built from other discourses are never concluded and therefore texts havemany voices These voices must be equipollent in polyphony According to Bakhtin polyphony is an essential partof all enunciations since different voices are expressed in a same text and every discourse is built by severaldiscourses We only understand enunciations when we react to words that awaken in us ideological andorindividual echoes The reality of signs is objective and it can be studied Bakhtin calls this study metalinguisticswhich is the study of bivocal discourse that inevitably arises under the conditions of dialogical communication andgoes beyond linguistic study

Keywords polyphony dialogism metalinguistics

Como citar este artigo

Pires Vera Luacutecia Tamanini-Adames Faacutetima AndreacuteiaDesenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifo-nia Estudos Semioacuteticos [on-line] Disponiacutevel em〈 httpwwwfflchuspbrdlsemioticaes 〉 Editores Respon-saacuteveis Francisco E S Merccedilon e Mariana Luz P deBarros Volume 6 Nuacutemero 2 Satildeo Paulo novembro de2010 p 66ndash76 Acesso em ldquodiamecircsanordquo

Data de recebimento do artigo 15122009

Data de sua aprovaccedilatildeo 11032010

  • Introduccedilatildeo
  • Dialogismo
  • Dostoieacutevski ``o sujeito do apelo
  • No miacutenimo dois heroacuteis
  • Polifonia
  • Metalinguiacutestica e anaacutelise dialoacutegica do discurso
  • Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias