poemas juarroz
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MARCO AURLIO PINOTTI CATALO
O VAZIO COMO MTODO
EXERCCIOS ESPIRITUAIS NA POESIA DE ROBERTOJUARROZ
CAMPINAS,
2013
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PORTERESINHA DE JESUS JACINTHO CRB8/6879 - BIBLIOTECA DO
INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM - UNICAMP
C28v
Catalo, Marco, 1974-O vazio como mtodo. Exerccios espirituais na poesia
de Roberto Juarroz / Marco Aurlio Pinotti Catalo. --Campinas, SP : [s.n.], 2013.
Orientador : Miriam Viviana Grate.Tese (doutorado) - Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.
1. Juarroz, Roberto, 1925-. 2. Poesia Argentina Histria e Crtica. 3. Exerccios espirituais. I. Grate,Miriam, 1960-. II. Universidade Estadual de Campinas.Instituto de Estudos da Linguagem. III. Ttulo.
Informaes para Biblioteca Digital
Ttulo em ingls: Emptiness as a method. Spiritual exercises in RobertoJuarrozs poetry.Palavras-chave em ingls:Roberto JuarrozArgentinean poetrySpiritual exercisesrea de concentrao:Teoria e Crtica Literria.Titulao:Doutor em Teoria e Histria Literria.Banca examinadora:Miriam Viviana Grate [Orientador]Augusto MassiSilvia Ins Crcamo de Arcuri
Marcos Antonio SiscarPablo Simpson Kilzer AmorinData da defesa:15-04-2013.Programa de Ps-Graduao:Teoria e Histria Literria.
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Agradeo FAPESP pela bolsa concedida entre 2009 e 2013, que permitiu mina
dedica!o integral a este trabalo, assim como o acesso bibliogra"ia especiali#ada$ %raas
tamb&m bolsa "oi poss'(el di(ulgar o trabalo em e(entos cient'"icos no )rasil e no e*terior$
Agradeo especialmente pro"essora +iriam %rate, pela disponibilidade, clare#a e
dedica!o demonstradas ao longo destes anos de con('(io, e pela generosidade em aceitar
orientar um trabalo um pouco distante da sua rea de pesquisa$ Agradeo a -aura .errato,
que me recebeu uma tarde em /emperle para uma con(ersa que, para al&m de sua dimens!o
simblica, esclareceu alguns aspectos importantes da po&tica de uarro#$
%ostaria de agradecer tamb&m aos pro"essores Edgardo obr e +arcos Siscar, pelas
cr'ticas e sugest4es "eitas durante o e*ame de quali"ica!o, que apontaram caminos instigantes
para a re"ormula!o deste trabalo$ Agradeo igualmente aos pro"essores Augusto +assi, Sil(ia.rcamo e Pablo Simpson, e no(amente ao pro"essor +arcos Sicar, por suas argui4es tese,
que ampliaram meu ori#onte de re"le*!o e me a5udaram a eliminar algumas incorre4es do
te*to$ Agradeo ainda aos pro"essores Ale*andre Soares .arneiro 6a quem de(o a descoberta
da obra de Pierre 7adot8, Ana .ecilia lmos e Sil(ana Serrani, por se disporem a participar da
banca de e*ame desta tese$
Agradeo a todos os "uncionrios do :nstituto de Estudos da -inguagem que de
alguma "orma a5udaram a dar corpo a este trabalo$ Aos amigos que sugeriram leituras ou que
simplesmente tornaram meu trabalo mais pra#eroso pela sua lembrana, especialmente a
Ale*andre ;oca, Anna ini, .aio %agliardi, Elen de +edeiros,
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RESUMO
Este trabalo se di(ide em duas partes> na primeira, apresentamos um ensaio
interpretati(o sobre a obra do poeta argentino ;oberto uarro# 6192?@199?8, tendo como ei*o
a in(estiga!o acerca da proeminncia da met"ora do (a#io em seus te*tos$ =a segunda,
aportamos uma antologia bil'ngue de 2B2 poemas tradu#idos para o portugus$ /omando
como centro de nossa anlise a met"ora do (a#io, tentamos estabelecer um ei*o interpretati(o
que norteasse nossa indaga!o acerca de todos os outros aspectos relati(os obra de uarro#>
sua posi!o em rela!o a outros escritores argentinos e ispano@americanos da &pocaC os
elementos de"inidores de seu estilo literrioC a apropria!o em sua po&tica de elementos dacultura oriental, especialmente do )udismo DenC o uso recorrente de termos que remetem
es"era m'stica e religiosaC assim como a de"ini!o de outra met"ora "undamental como
denominador de toda a sua obra, a verticalidade, que se mani"esta n!o apenas no t'tulo de seus
li(ros, mas como elemento norteador de sua interpreta!o da realidade$ A met"ora do (a#io
aparece nesta obra "requentemente associada busca de uma altera!o na percep!o do leitor
acerca dos limites do real$ Alguns elementos estil'sticos recorrentes camam a aten!o para
esse carter de e*erc'cio imaginati(o, que tem como meta uma trans"orma!o radical do leitor,
sua prpria in(en!o a partir da intermin(el in(en!o que & a linguagem$ rastreamento
desses traos estil'sticos e(idenciou que o carter de e*erc'cio espiritual n!o se limita
met"ora do (a#io, mas se estende a parte signi"icati(a da produ!o literria de uarro#,
podendo ser encontrado desde o seu primeiro li(ro, re(elando@se tamb&m uma das concep4es
"undamentais em suas re"le*4es tericas sobre a literatura$
Pala(ras@ca(e> ;oberto uarro#C poesia argentinaC (a#ioC e*erc'cio espiritual$
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ABSTRACT
/is tesis is di(ided in tGo parts> in te "irst one is presented an interpretati(e essa
about te GorH o" te Argentinean poet ;oberto uarro# 6192? I 199?8, in Gic pre(ails an
in(estigation about te prominence o" te metapor o" emptiness in is te*ts$ /e second part
presents a bilingual antolog Git 2B2 poems translated into Portuguese$ As Ge cose to
center te analsis in te metapor o" emptiness, Ge tried to establis an interpretati(e a*is in
Gic our questions about all oter aspects related to uarro#Js GorH Gould be accomplised,
suc as> is position in relation Git oter Argentinean and -atin@American Griters o" is timeC
te elements tat de"ine is literar stileC te appropriation o" oriental culture elements in tispoetics, especiall Den )uddismC te recurrent use o" Gords tat are indicati(es to mstical
and religious speresC as Gell as te de"inition o" oter metapor tat is crucial as a
denominator o" all is GorH> te verticality, tat is mani"ested not onl in is booHJs titles, but
also as a guide element "or is interpretation o" realit$ /e metapor o" emptiness appears in
tis GorH "requentl associated to a searc "or a cange in te readerJs perception about te
limits o" realit$ Some recurrent stlistics elements call attention toGards tis imaginati(e
e*ercise nature, tat aims a radical trans"ormation o" te reader, is personal in(ention
Gereo" te endless in(ention tat is language$ /e pursuit o" tese stlistic traces maHes
clear tat te nature o" spiritual e*ercise is not limited to te metapor o" emptiness, but is
e*tended to a signi"icant part o" uarro#Js literar production, possible to be "ound since is
"irst booH, re(ealing also one o" te crucial conceptions in is teoretical tougts about
literature$
Ke@Gords> ;oberto uarro#C Argentinean poetrC emptinessC spiritual e*ercises$
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SUMRIO
:ntrodu!o 1
(a#io como m&todo L
(a#io como meta 39
(a#io como met"ora L3
Sobre a escola dos te*tos e a tradu!o 9?
Antologia tradu#ida 10?
)ibliogra"ia B3L
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INTRODUO
=uma obra (asta como a do poeta argentino ;oberto uarro# 6192?@199?8, que
compreende quator#e li(ros publicados ao longo de quase quarenta anos, & particularmente
signi"icati(a a unidade de estilo e de propsito que a de"ine$ .om uma po&tica caracteri#ada
pelo despo5amento, pela ausncia de alardes e*pressi(os1 6caracter'stica obser(ada por
%raciela Sola 619BB8, num dos primeiros te*tos cr'ticos sobre esta obra8 M e mesmo de
arti"'cios "ormais mais corriqueiros, como a rima, a alitera!o e a m&trica regular M, seus te*tos
rigorosamente constru'dos, muitas (e#es "undamentados numa estrutura sim&trica, suscitam
uma leitura especialmente atenta aos m'nimos mati#es de sentido$ A meridiana clare#a 6c"$
;;N%OED PA;=, 19Q3> R98 de seu estilo, aliada ao carter especulati(o dos poemas,que se apresentam como uma indaga!o constante acerca da realidade e dos seus "undamentos,
"e# com que esta poesia "osse caracteri#ada como "ilos"ica, cerebral, abstrata e at&
m'stica por parte da cr'tica 6c"$ .E=/A=:=8$ .ontudo, como procuraremos demonstrar
neste trabalo, esses ad5eti(os se re(elam precrios e insu"icientes quando analisamos mais
detidamente os te*tos$
carter unitrio desta obra, mani"esto no prprio t'tulo dos li(ros 6Poesa vertical,
publicado em 19?QC Segunda poesa vertical, em 19B3C e assim sucessi(amente, at& Dcimocuarta
poesa vertical, publicado postumamente em 199L8 e na organi#a!o dos poemas 6identi"icados
apenas com nmeros, como se esti(&ssemos diante de um nico grande poema que se
desdobrasse em di(ersos "ragmentos8, propiciou uma s&rie de estudos que apontam para
alguns elementos recorrentes> a re"le*!o acerca da cria!o literria e dos limites da linguagemC a
busca pela transcendncia e a constata!o reiterada de sua impossibilidadeC a presena de
elementos da cultura oriental, especialmente do )udismo DenC a recorrncia de alguns ncleos
de indaga!o, como o silncio e a morte, e algumas imagens, como o centro, o salto e o (a#io$
=o entanto, a maior parte desses estudos se limita a apontar algumas dessas caracter'sticas,
quase sempre se atendo a uma abordagem meramente temtica, sem tentar estabelecer um
('nculo mais estreito entre elas$
1Salvo quando indicado na Bibliografia, todas as tradues de citaes em lngua estrangeira so de minha
responsabilidade.
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/omando como centro de nossa anlise a met"ora do (a#io, tentamos estabelecer
um ei*o interpretati(o que norteasse nossa indaga!o acerca de todos os outros aspectos
relati(os obra de uarro#> sua posi!o em rela!o a outros escritores argentinos e ispano@
americanos da &pocaC os elementos de"inidores de seu estilo literrio, como a in(ers!o de
signos apontada por .ort#ar 619B?> L8 ou as constru4es recorrentes com (erbos no
in"initi(oC a apropria!o em sua po&tica de elementos da cultura oriental, especialmente do
)udismo DenC o uso recorrente de termos que remetem es"era m'stica e religiosaC assim como
a de"ini!o de outra met"ora "undamental como denominador de toda a sua obra, a
verticalidade, que se mani"esta n!o apenas no t'tulo de seus li(ros, mas como elemento norteador
de sua interpreta!o da realidade$
esde o in'cio, partimos do pressuposto de que a met"ora do (a#io n!o era apenas
um elemento temtico recorrente, e que seu uso repetido tina um carter instrumental, quenum primeiro momento de"inimos como um m&todo de in(estiga!o da realidade$ A partir
da anlise mais detida da con"igura!o dessa met"ora ao longo dos quator#e li(ros publicados
por uarro#, conclu'mos que o conceito de e*erc'cio espiritual, "ormulado pelo istoriador
da "iloso"ia Pierre 7adot, poderia esclarecer melor esse e outros aspectos importantes de sua
produ!o literria$
.omo detalaremos adiante, mais do que um simples m&todo de in(estiga!o da
realidade, a met"ora do (a#io aparece na obra de uarro# "requentemente associada busca de
uma altera!o na percep!o do leitor acerca dos limites do real$ Alguns elementos estil'sticos
recorrentes camam a aten!o para esse carter de e*erc'cio imaginati(o, (oltado n!o apenas a
descre(er uma e*perincia sub5eti(a 6do escritor8, mas tamb&m a criar outra 6no leitor8$
rastreamento desses traos estil'sticos e(idenciou que o carter de e*erc'cio espiritual n!o se
limita(a met"ora do (a#io, mas se estendia a parte signi"icati(a da produ!o literria de
uarro#, podendo ser encontrado desde o seu primeiro li(ro, re(elando@se tamb&m uma das
concep4es "undamentais em suas re"le*4es tericas sobre a literatura$
Embora uarro# n!o recorra e*plicitamente ao termo e*erc'cio espiritual, sua
concep!o da poesia como uma converso integral do ser umano 6$$$8, uma transformao da
realidade que & o omem 6OA;;D, 19Q0> 3L8 e(idencia o propsito de atribuir a seus
te*tos um carter trans"ormador ou etopo&tico 6c"$ FO.AO-/, 199R> 13B?8$ Sob essa
perspecti(a, compreendemos melor (rias peculiaridades de seu estilo, como o uso reiterado
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de (erbos no in"initi(o ou a men!o constante necessidade de se "a#er ou criar algo, que
con"erem aos seus poemas o carter de um programa de a!o "ormulado como in(ecti(a ao
leitor$
('nculo estabelecido por Peter Sloterdi5H 62011> 318 entre e*erc'cio intencional e
tens!o (ertical nos permitiu a(anar signi"icati(amente na compreens!o do ad5eti(o utili#ado
por uarro# para sinteti#ar sua obra$ A partir dessa apro*ima!o, a Poesa verticalse re(ela como
um pro5eto n!o apenas est&tico, mas tamb&m e*istencial, o que con"ere obra de uarro# uma
posi!o singular no debate entre a poesia enga5ada e o te*to autTnomo, que se tra(a(a no
momento em que ele comea a publicar seus li(ros$
e "orma similar, a apropria!o de elementos da cultura oriental gana um no(o
signi"icado a partir dessa perspecti(a$ Passamos a compreender por que, ao contrrio de tantos
escritores latino@americanos da &poca M dentre os quais cta(io Pa# & apenas o caso maisemblemtico M, uarro# n!o se interessou pelo haiku, mas dedicou grande aten!o ao kan,
narrati(a da tradi!o Den caracteri#ada por sua estrane#a$ Por outro lado, o estudo mais
detalado acerca dos kans e da "un!o da met"ora do (a#io no )udismo Den esclareceu
alguns aspectos importantes da po&tica de uarro#, particularmente a utili#a!o recorrente de
parado*os e de met"oras enigmticas$
.umpre ressaltar aqui o dilogo entre os di"erentes poemas do autor> como obser(a
Dugasti 61991> B9B8, n!o seria pertinente no caso de uarro# analisar seus (olumes
separadamenteC ao contrrio> isso suporia uma "ala na prpria base da anlise, uma (e# que
uma das qualidades de sua poesia reside na abordagem dos mesmos temas sob di"erentes
Ungulos$ Em sentido semelante, ;odr'gue# Padrn 619Q3> ?08 a"irma que os te*tos de
;oberto uarro# n!o acabam em si mesmosC n!o s!o unidades independentes$ Entre si geram
um mo(imento con5unto e de"inem com ele os limites de um espao cu5o ritmo anterior (em
determinado pela coes!o lograda entre essas unidades 5ustapostas, declarando assim a (ontade
unitria e progressi(a que M ainda na contradi!o M abita como "ora matri# 6e motri#8 desta
poesia$ /amb&m para ;i(era 619Q1> R28 as poss'(eis leituras desta obra tm que le(ar em
conta o mecanismo que a "a# "uncionar plenamente> o da intrate*tualidade$ Por conta disso,
embora n!o tenamos procurado sistemati#ar a po&tica de uarro# num bloco "ecado e isento
de "issuras, tentamos ressaltar o dilogo que cada no(o te*to estabelece com os precedentes,
com o intuito de identi"icar algumas (ertentes "undamentais de sua obra$
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Este trabalo se di(ide em duas partes> na primeira, apresentamos um ensaio
interpretati(o sobre a obra de uarro#, tendo como ei*o a in(estiga!o acerca da proeminncia
da met"ora do (a#io em seus te*tos$ =a segunda, aportamos uma antologia bil'ngue de 2B2
poemas tradu#idos para o portugus, que permitir!o ao leitor um conecimento mais amplo da
obra do poeta, ainda pouco di"undida no )rasil$ E(identemente, um con5unto (asto e
signi"icati(o como este propicia uma s&rie de quest4es al&m das que "oram abordadas em nossa
anlise, e um dos ob5eti(os deste trabalo & que o corpusbil'ngue apresentado aqui possa ser(ircomo ponto de partida para no(as pesquisas acerca desta obra$
ensaio interpretati(o, por sua (e#, di(ide@se em trs partes$ =a primeira, intitulada
O vazio como mtodo, tomamos como ponto de partida a publica!o da re(ista Poesa Poesa, que
comea a circular no mesmo ano em que uarro# publica seu primeiro li(ro 619?Q8, e, a partir
de uma anlise de suas diretri#es, procuramos situar uarro# no debate literrio da &poca,
especialmente em rela!o ao conceito de enga5amento po&tico$ Fundamentando@nos no
conceito de e*erc'cio espiritual "ormulado por Pierre 7adot 62001> BL8, procuramos
demonstrar que a tentati(a de con"erir um trao etopo&tico aos seus poemas & um dos
elementos que singulari#a a obra de uarro# no panorama da poesia ispano@americana da
segunda metade do s&culo VV$
Atra(&s de uma e*empli"ica!o abrangente, e(idenciamos a presena dos e*erc'cios
espirituais desde a primeira Poesa vertical, ressaltando sua intensi"ica!o a partir do quinto li(ro
de uarro#, 5ustamente no momento em que a met"ora do (a#io tamb&m se torna mais
presente$ Estabelecemos, a partir dessa obser(a!o, um ('nculo entre esses dois elementos, que
se torna mais claro atra(&s da anlise do dilogo entre a obra de uarro# e a de Antonio
Porcia, tomada como uma das re"erncias centrais a partir das quais uarro# estabelece sua
prpria po&tica$
=a segunda parte do ensaio, O vazio como meta, analisamos mais detidamente a maneira
como a met"ora do (a#io se desdobra ao longo da Poesa vertical, nos trs aspectos que
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5ulgamos mais rele(antes> em rela!o identidade indi(idual, linguagem e "undamenta!o
meta"'sica da e*istncia$ A partir de uma apro*ima!o com a obra de =iet#sce 6mediada em
boa parte pelas interpreta4es de Sloterdi5H e ;ort8, demonstramos a rela!o entre (a#io e
(erticalidade, as duas met"oras que estruturam a obra de uarro# e de"inem seu estilo e sua
interpreta!o da realidade$
=uma obra em que s!o "requentes termos como con(ers!o, sal(a!o, in"inito e
eternidade, mas em que se questiona reiteradamente a e*istncia de eus, & importante
elucidar com maior precis!o o sentido da espiritualidade que le atribu'mos$ )aseando@nos
nas distin4es estabelecidas por Foucault entre a ascese clssica e o ascetismo crist!o,
procuramos demonstrar que a obra de uarro# pode ser classi"icada como asc&tica, mas n!o
como m'stica, e que sua (alora!o positi(a da met"ora do (a#io tem mais elementos em
comum com o )udismo Den do que com o misticismo crist!o$Finalmente, na terceira parte do ensaio, intitulada O vazio como met!fora, in(estigamos
os pontos de contato entre a obra de uarro# e o )udismo Den, pelo qual o poeta mani"estou
grande interesse$ /omando como ei*o de nossa anlise os kans, e*press4es enigmticas em
que o parado*o desempena um papel "undamental, compreendemos melor n!o apenas a
utili#a!o "requente dos parado*os na Poesa vertical, mas tamb&m outro aspecto praticamente
ignorado pela cr'tica at& o momento> o uso da met"ora na obra de uarro#$
A a"irma!o de a(idson segundo a qual uma met"ora n!o diz algo de no(o, mas
apontapara um aspecto que comumente n!o notar'amos elucidou parte do carter enigmtico e
desconcertante da poesia de uarro#> como no caso dos kans, parte signi"icati(a dessa obra
n!o pede que a compreendamos em termos estritamente discursi(os, mas que trans"ormemos
nosso (ocabulrio M e, com isso, trans"ormemo@nos M com ela$
E(idencia@se, assim, que a apropria!o da cultura oriental por parte de uarro# di"ere
signi"icati(amente daquela que predomina na literatura ispano@americana da &poca 6de que
cta(io Pa# tal(e# se5a o e*emplo mais e(idente8 "undamentalmente por sua n"ase no aspecto
etopo&tico 6e n!o apenas est&tico8 da literatura M que o "ar buscar no kan, e n!o no haiku,
um modelo para sua prpria cria!o$
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OVAZIO COMO MTODO
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Em 19?Q, no mesmo ano em que publica seu primeiro li(ro, ;oberto uarro# "unda,
com os escritores +ario +orales e ieter KaspareH, a re(ista Poesa Poesa, que ter (inte
nmeros impressos at& 19B?, quando dei*a de"initi(amente de circular$ Embora sua
repercuss!o no conte*to literrio argentino da &poca tena sido m'nima 6c"$ E;AS
)E-A-.WDA;, 2010> 3L?8, a re(ista & particularmente importante para nossa pesquisaporque re(ela alguns dos pressupostos que nortear!o a cria!o po&tica de uarro# neste
per'odo$
esde seu t'tulo, a"irma@se a autonomia da poesia em oposi!o s correntes que
depois dominar!o em parte a d&cada de sessenta, cada (e# mais abertas realidade pol'tica e
social do pa's 6."$ P:XA, 199B> 2R@2?8$ Essa concep!o & rea"irmada pelo prprio uarro#, ao
analisar retrospecti(amente a iniciati(a de cria!o da re(ista> =ossa ideia era dar a ler uma
poesia que n!o esti(esse enga5ada em outra coisa que n!o "osse ela mesma, e era di"'cil na
&poca porque 5ustamente o conceito de enga5amento esta(a muito na moda 6+O=:E;,
19938$
A obser(a!o & corroborada pela a"irma!o de almaroni 61993> 108 segundo a qual
as po&ticas dos anos sessenta aparecem estreitamente ligadas circula!o
crescente de discursos pol'ticos que alcanar!o um de seus espaos sociais de
maior pregnUncia nos meios de produ!o intelectual e art'stica, e que prop4em
(is4es do mundo e da istria revolucion!rias ou trans"ormadoras, conectadas
diretamente com o processo istrico que se inicia na Argentina depois de 19??
e na Am&rica -atina a partir da ;e(olu!o .ubana$ Esse conte*to opera
tamb&m sobre a produ!o de literatura, e no caso da l'rica parece urgi@la a
abandonar o que se percebe como seu carter tradicionalmente esteti#ante ou
gratuito, para contaminar@se com a realidade social at& a mimeti#a!o e assumir
"un4es comunicati(as ou pragmtico@pol'ticas$
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A leitura de outras re(istas literrias contemporUneas a Poesa Poesa ilustra com
clare#a a moda de que uarro# se quei*a$ Em "l #rillo de Papel, por e*emplo, como aponta
+ariela .ristina )lanco 6200Q> 118,
torna@se camati(o obser(ar a coe*istncia armoniosa dos te*tos literrios com
re"le*4es em torno da ;e(olu!o .ubana, do peronismo, do caso Padilla, dos
processos de descoloni#a!o entre os quais se destacam a discuss!o sobre a
Arg&lia, da luta dos negros por seus direitos nos Estados Onidos encabeada
pelos Panteras =egras, assim como artigos e entre(istas dos mais destacados
intelectuais europeus 6Sartre, .amus, Simone de )eau(oir, ;&gis ebra como
os de maior renome8, latino@americanos 6quase todos os escritores do $oom8 e
argentinos 6Ernesto .e %ue(ara, .ort#ar, a(id YiZas, entre outros8$
=uma &poca em que, nas pala(ras de /ern 61990>1?8, a pol'tica se torna(a a regi!o
con"eridora de sentido das di(ersas prticas, a poesia de uarro# nasce marcada pela tens!o
entre o compromisso da obra e o compromisso do autor 6%:-+A=, 1999> Q08$ =o
entanto, se a maior parte dos escritores argentinos do per'odo compartila a concep!o de
.&sar Fernnde# +oreno 6apud)-A=., 200Q> 1R8 e n!o considera que sua disciplina este5a
redu#ida apenas e*press!o (erbal sob "ormas l'ricas, a postura de uarro# n!o & t!o isolada
quanto poderia parecer$
.omo aponta .alabrese 620018, a concep!o da poesia como ati(idade autTnoma e
autossu"iciente se a"irma 5 em 19?0, com a re(ista Poesa %uenos &ires 6dirigida por ;al
%usta(o Aguirre8, que, tomando como base as proposi4es do surrealismo "rancs e do
criacionismo ispano@americano, postula o que +uscietti camou de ilus!o de puro te*to
atra(&s da anula!o no discurso das marcas macrote*tuais de emiss!o e recep!o 6c"$
)-A=., 200Q> 1B8$
Entre as duas linas dominantes que con"iguram este campo po&tico argentino apartir das produ4es de meados dos cinquenta e da d&cada de sessenta, com seus
prolongamentos na d&cada de setenta 6'dem> 138, uarro# parece optar inequi(ocamente por
aquela que recusa a permeabilidade entre o discurso po&tico e o e*trate*tual$ Ale5andra
Pi#arniH, que publicar (rios te*tos em Poesa Poesa, assinala numa resena ao primeiro
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nmero da re(ista> As composi4es que ela recole tm em comum a carncia de elementos
retricos e e*trapo&ticos 6&pudE;AS )E-A-.WDA;, 2010> 3LL8$
Signi"icati(amente, ao assinalar o moti(o de tal postura est&tica, uarro# 6c"$
+O=:E;, 19938 utili#a as met"oras da queda e do (a#io>
+as quando caem os ideais, as ideologias, a pol'tica como (alor supremo, ent!o
pode nos ocorrer de e*perimentarmos o sentimento de que a (ida & despro(ida
de sentido, intil$ [uando o (a#io entra assim em ns, pouqu'ssimas coisas
podem nos recon"ortar ou abitar esse (a#io$ +etemo@nos a ler, a escre(er, e se
"orma assim no mundo uma multid!o oculta e silenciosa que recupera um
sentido nessa linguagem condu#ida ao e*tremo que & a poesia$
;e(ela@se, assim, um primeiro sentido para a verticalidadeque o poeta escole como
denominador de sua obra 6lembremos que o primeiro li(ro de uarro# se intitula Poesa verticalC
o segundo, de 19B3, Segunda poesa vertical, e assim sucessi(amente, at& a Decimocuarta poesa
vertical, publicado postumamente em 199L8> em oposi!o ori#ontalidade da a!o pol'tica
6e, sobretudo, da instrumentali#a!o da literatura pela pol'tica8, uarro# rei(indica uma tens!o
entre a queda dos ideais e a busca de sua supera!o atra(&s da poesia$
Embora se trate de uma considera!o retrospecti(a 6"eita 5 nos ltimos anos de (ida
do poeta, em 19938, cumpre ressaltar o ('nculo estabelecido pelo prprio uarro# entre
(erticalidade e (a#io$ Segundo essa perspecti(a, & a constata!o do (a#io das ideologias e da
trans"orma!o istrica 6sua ine(it(el contingncia8 que o le(a a en"ati#ar o trabalo do
indi('duo sobre si mesmo 6metemo@nos a ler, a escre(er8, a necessidade de uma
trans"orma!o atra(&s da linguagem po&tica M que se distinguiria da linguagem cotidiana
5ustamente por seu carter e*tremo$
=uma outra entre(ista 6de 19Q08, a contraposi!o entre esses dois ei*os 6o ori#ontal,
da contingncia istrica, e o (ertical, da cria!o art'stica8 torna@se e(idente>
Se o omem "osse somente istria, seria o mais "ormid(el "racasso da
realidade$ Se o omem n!o ti(esse uma (ia para cegar al&m da sel(ageria da
istria, o omem seria um "ato sem transcendncia na realidade$ Sua
capacidade criadora & anti@istria, & mais que istria, & trans@istria$ Por isso
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o poema cria anti@istria$ Por isso a istria n!o poder nunca com os poetas,
ainda que os assassine$ 6OA;;D, 19Q0> 11L8
=esse sentido, uarro# se a"asta de obras como as de Fernnde# +oreno ou uan
%elman, que buscam incorporar as (o#es da rua, da pol'tica, do 5ornalismo, dos meios decomunica!o de massa 6A-+A;=:, 1993> 138, uma (e# que M como os surrealistas, mas
tamb&m se apoiando nas proposi4es de 7eidegger 6c"$ )-A=., 200Q> 1B8 M concebe a
poesia como uma ruptura, uma "ratura do real abitual para obter acesso a outra coisa, acesso
a outra "orma n!o t!o aparente do real, tal(e# aos "undamentos do real 6OA;;D, 19Q0>
298$ Essa esca(a!o em busca dos "undamentos do real se d, sobretudo, atra(&s da
tentati(a de cria!o de uma no(a linguagem, aleia ao automatismo da (is!o consuetudinria
e estancada da realidade 6OA;;D, 199R8$
=o entanto, como o prprio uarro# nos lembra em um de seus poemas 6V:, :Y, 2R28,
negar algo & um reconecimento$\ /oda nega!o & uma a"irma!o$ Assim, o in"lu*o da
politi#a!o da literatura na &poca, combatido nas pginas de Poesa Poesa, pode ser notado no
prprio l&*ico da Poesa vertical 6sobretudo em seus primeiros (olumes8, em que se insinuam
pala(ras aparentemente estranas ao propsito de autonomia est&tica$ < assim que o poema
:,Q, que se inicia com uma re"le*!o (ertical acerca do di(ino 6=!o sei se tudo & deus$\ =!o
sei se algo & deus8, logo se abre ori#ontalmente para pala(ras que remetem ao cotidiano
mais imediato> +as toda pala(ra nomeia a deus>\ sapato, gre(e, cora!o, coleti(o$ =asequncia, o poema problemati#ar a re"erencialidade de cada uma dessas pala(ras 6im(el
coleti(o para deuses,\ sapato para andar pelas pala(ras,\ gre(e dos mortos com a roupa gasta,\
cora!o com o sangue das ru'nas8C ainda assim, sua simples presena no poema re(ela um
dilogo 6ainda que (elado8 com a poesia mais uni(ocamente enga5ada da &poca$
Por outro lado, se constru4es inslitas como um telado de ausncias 6:, R8,
enquanto manuseio esta morte com orrios de trens 6:, ?8 ou os mortos comeam a
(estir\ mortalas de papel 6:, 208 apontam para um dilogo com o surrealismo, o rigor
geom&trico de (rios poemas, assim como sua recusa do irracional, distingue nitidamente sua
2Como os poemas de Juarroz no tm ttulo, adotamos o seguinte padro para identific-los: o algarismo
romano indica o livro (eventualmente, um segundo algarismo romano indica a parte do livro) em que o poema
aparece, e o algarismo arbico indica sua localizao no livro. Assim, V, 4 remete ao quarto poema da Quinta
poesa vertical, XI, IV, 24 indica o vigsimo quarto poema da quarta parte da Undcima poesa vertical, e
assim sucessivamente.
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obra da de poetas como lga ro#co e Enrique +olina, para quem a poesia & uma e*press!o
(ital irrenunci(el, como e*press!o do tor(elino da emo!o e do dese5o 6."$ P;:E/, 200B>
3LL8$ .omo aponta Eraso )elalc#ar 62011> B38,
uarro# n!o se dei*ou arrastar pelos 5ogos de linguagem automticosC inclusi(e,
situou@se em seus ant'podas$ .omo o poeta de(e (igiar cada pala(ra, nada mais
distante da densidade deslumbrante e do radicalismo e*pressi(o dos surrealistas,
que a ascese, o *tase sbrio de uarro#> nem pala(ra 5ubilosa nem (italismo
e*altado, mas medita!o$
.om rela!o ao criacionismo, embora algumas "ormula4es de uarro# se apro*imem
da concep!o de Yicente 7uidobro M que de"ine o poema criado como um poema em que
cada parte constituti(a e todo o con5unto representam um "ato no(o, independente do mundo
e*terno, desligado de toda outra realidade que n!o ele mesmo, e para quem a poesia n!o
de(e imitar os aspectos das coisas, mas sim seguir as leis construti(as que constituem sua
essncia e que les con"erem a independncia de tudo o que &J 6c"$ P;:E/, 200B> 3L38 M
(eremos que a rei(indica!o da autossu"icincia do poeta "unciona mais como um elemento de
distin!o em rela!o poesia comprometida do que como uma con(ic!o pro"unda$
;espondendo c&lebre proposi!o de 7uidobro 6Por que cantais a rosa, Poetas]\
Fa#ei que ela "loresa no poema8, uarro# prop4e um passo al&m> de(emos conseguir que arosa\ que acabamos de criar ao ol@la\ nos crie por sua (e# 6Y:::, Q8$ .umpre ressaltar aqui
dois elementos importantes> em primeiro lugar, a concep!o do poema como cria!o (i(a,
capa# de alterar a percep!o do leitor e de trans"orm@lo radicalmente a ponto de tamb&m
cri@loC em segundo, a importUncia do olhar como elemento estruturador da realidade>
criamos a rosa ao ol@la, mas ao ol@la tamb&m nossa percep!o se altera e, com ela, nossa
prpria constitui!o sub5eti(a$ A coloca!o estrat&gica do sintagma al mirarla potenciali#a
essa ambiguidade que, para uarro#, denota a importUncia "undamental do olar em sua
po&tica$
=o entanto, o poema n!o se det&m a'$ Aps propor esse e*erc'cio de recria!o
atra(&s do olar, o te*to termina com um aceno ambicioso para o que uarro# considera a
aposta "undamental da poesia 6e alcanar que depois\ ela engendre de no(o ao in"inito8> a
cria!o de um mo(imento que se desdobre para al&m da contingncia indi(idual do poeta e do
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leitor, algo que s seria poss'(el atra(&s das reiteradas leituras que se perpetuam atra(&s do
tempo e (irtualmente podem se repetir ad infinitum$ /al concep!o da poesia s & poss'(el
atra(&s da pressuposi!o de um leitor ati(o, que se recria atra(&s da leitura, e de um te*to que
se prop4e como e*erc'cio de trans"orma!o$
escon"iando tanto da pretensa liberdade absoluta 6c"$ P;:E/, 200B> 3L38 da
imagem po&tica em rela!o a qualquer re"erncia e*terna, preconi#ada pelo grupo de Poesa
%uenos &ires, quanto da suposta transparncia da poesia social, uarro# se ( instado a
elaborar sua prpria resposta tens!o entre essas duas po&ticas$ Se a necessidade de se colocar
claramente em rela!o a um conte*to le(a@o a uma mani"esta!o inicial aparentemente un'(oca
a "a(or da autonomia da poesia, o desen(ol(imento da sua obra re(elar uma postura muito
mais mati#ada, em que o es"oro por apagar de uma (e# por todas as "ronteiras entre a arte e
a (ida caracter'stico da produ!o cultural dos anos sessenta 6c"$ %:-+A=, 1999> R18 e setenta6c"$ .)AS .A;;A)A-C %A):;//, 200Q> 1B98 o condu# n!o politi#a!o de seus
poemas, mas concep!o da poesia como e*erc'cio espiritual$
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2$
conceito de e*erc'cio espiritual est no cerne da obra do istoriador da "iloso"ia
Pierre 7adot$ Segundo ele, n!o & poss'(el compreender as correntes "ilos"icas antigas sem
le(ar em conta a sua perspecti(a de e*perincia concreta$ En"ati#ando a prtica recorrente, por
parte dos "ilso"os da Antiguidade, de uma s&rie de e*erc'cios que apontam para uma
trans"orma!o do indi('duo, 7adot prop4e uma no(a concep!o da "iloso"ia antiga> n!o se
trata de uma constru!o terica, como ser entendida a partir do s&culo V:, mas de um
m&todo de "orma!o e autotrans"orma!o$
s e*erc'cios espirituais s!o de"inidos por 7adot 62001> BL8 como prticas, que
podiam ser de ordem "'sica, como o regime alimentar, ou discursi(a, como o dilogo e a
medita!o, ou intuiti(a, como a contempla!o, mas que eram todas destinadas a operar umamodi"ica!o e uma trans"orma!o no su5eito que as pratica(a$ Ele assinala que, embora o
termo tena se tornado mais di"undido a partir da publica!o da obra de :ncio de -oola 6os
c&lebres "(ercitia spiritualia, de 1?RQ8, trata@se de um procedimento que o cristianismo grego
buscou na prtica "ilos"ica antiga, em que 5 se encontra a no!o da "iloso"ia como !skesis,
e*erc'cio$ =esse sentido, os e*erc'cios religiosos seriam apenas um tipo muito particular de
e*erc'cio espiritual$
E(identemente, o uso de um termo carregado de conota4es religiosas pode propiciar
interpreta4es equi(ocadas sobre seu signi"icado$ =o entanto, dada a di"iculdade de encontrar
uma denomina!o mais abrangente para a e*perincia que pretende descre(er, o istoriador
acaba 5usti"icando seu uso da seguinte maneira>
=!o & mais de muito bom@tom, o5e em dia, empregar o termo espiritual$ +as
& preciso se resignar a empregar esse termo, (isto que os outros ad5eti(os ou
quali"icati(os poss'(eis> ps'quico, moral^, &tico, intelectual, de
pensamento, da alma n!o recobrem todos os aspectos da realidade que
queremos descre(er$ 67A/, 2002> 208
/orna@se clara na passagem acima a originalidade da interpreta!o de 7adot acerca da
"iloso"ia antiga> o ato "ilos"ico n!o & mais entendido apenas como ato de conecimento, mas
como ato ontolgico, que mobili#a o omem em todos os seus aspectos 6intelectual, emoti(o,
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&tico, intuiti(o8, com o ob5eti(o de produ#ir uma trans"orma!o, um aprimoramento no
indi('duo que o pratica$ /al interpreta!o ser(iu como base para o conceito de cuidado de si,
"ormulado por +icel Foucault, que rea"irma o parentesco entre as pala(ras epimleiae melte
6(ocbulo que tem a acep!o de e*erc'cio e tamb&m de medita!o8 na cultura clssica>
A no!o de epimleian!o designa simplesmente esta atitude geral ou esta "orma
de aten!o (oltada para si$ /amb&m designa sempre algumas a4es, a4es que
s!o e*ercidas de si para consigo, a4es pelas quais nos assumimos, nos
modi"icamos, nos puri"icamos, nos trans"ormamos e nos trans"iguramos$ a',
uma s&rie de prticas que s!o, na sua maioria, e*erc'cios, cu5o destino 6na
istria da cultura, da "iloso"ia, da moral, da espiritualidade ocidental8 ser bem
longo$ 6FO.AO-/, 200R> 1R@1?8
Embora a prtica de si3 tena sido um modo de agir que te(e rela4es muito
pri(ilegiadas com a "iloso"ia 6'$idem> 1Q?8, a literatura clssica participa de modo decisi(o na
di"us!o dos te*tos que "oram publicados, que circularam e que ser(iram como esp&cies de
manuais para a prtica de si 6'$idem8$ )asta uma leitura atenta dos poemas de 7orcio ou de
-ucr&cio para notar (rias instUncias trans"orma!o da conduta do leitor 6de que o carpe diem
& apenas a mais c&lebre8$
Para al&m da di"iculdade de se delimitar claramente se obras como os a"orismos de
Epicuro, as cartas de Sneca, o )anualde Epicteto e os Pensamentosde +arco Aur&lio de(em
ser classi"icadas como "ilos"icas ou literrias, Foucault prop4e uma no(a categoria para
aqueles te*tos que demandam ser lidos, apreciados, meditados, utili#ados, testados>
Esses te*tos tm o papel de operadores que permitem aos indi('duos
interrogarem@se sobre sua prpria conduta, (elar por ela, "orm@la e modelarem
a si mesmos como su5eitos &ticosC eles se re(estem em suma de uma "un!o
etopo&tica, para transpor uma pala(ra que se encontra em Plutarco$6FO.AO-/, 199R> 13B?8
3Foucault utiliza indistintamente os termos cuidado de si e prtica de si, enfatizando o aspecto prtico da
epimleia.
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-e(ando em considera!o os pressupostos acima, ler esses te*tos segundo uma
perspecti(a puramente est&tica seria "ecar os olos para sua especi"icidade$ E atra(&s da
distin!o de Foucault, o termo espiritual gana um no(o sentido e uma no(a 5usti"icati(a>
opondo a espiritualidade "iloso"ia 6mas tamb&m cincia ou arte concebidos
como campos autTnomos de conecimento ou contempla!o abstratos8, ele a de"ine da
seguinte "orma>
A espiritualidade postula que a (erdade 5amais & dada de pleno direito ao su5eito$
6$$$8 Postula a necessidade de que o su5eito se modi"ique, se trans"orme, se
desloque, torne@se, em certa medida e at& certo ponto, outro que n!o ele
mesmo, para ter direito ao acesso (erdade$ A (erdade s & dada ao su5eito a
um preo que p4e em 5ogo o ser mesmo do su5eito$ 6$$$8 :sto acarreta, como
consequncia, que segundo este ponto de (ista n!o pode a(er (erdade sem
uma con(ers!o ou sem uma trans"orma!o do su5eito$ 6FO.AO-/, 200R> 198
Sob o ponto de (ista da cincia contemporUnea, nada mais du(idoso do que essa
necessidade de con(ers!o$ A "alsa cincia se reconece "requentemente pelo "ato de que, para
ser acess'(el, ela demanda uma con(ers!o do su5eito e promete, ao termo do seu
desen(ol(imento, uma ilumina!o do su5eito 6'$idem> 398$ =o entanto, & o prprio Foucault
quem nos lembra que, se podemos reconecer a "alsa cincia pela sua estrutura de
espiritualidade,
n!o se de(e esquecer que, em "ormas de saber que n!o constituem
propriamente cincias, e que n!o de(emos assimilar estrutura prpria da
cincia, reencontramos, de maneira muito "orte e muito n'tida, alguns elementos
ao menos, algumas e*igncias da espiritualidade$ 6'$idem8
Se a descri!o de poemas como e*erc'cios espirituais soa estrana ao leitor
contemporUneo, se o bom@tom nos le(a a descon"iar da propriedade desses termos, isso se
de(e, sobretudo, a nossa concep!o do campo est&tico como autTnomo e irredut'(el$ Assim
como a cincia moderna, a est&tica se a"irma a partir do s&culo VY:: em contraposi!o
espiritualidade$ "ato de que uma obra de arte se propona como uma instUncia de
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trans"orma!o pessoal, e n!o como ob5eto de contempla!o desinteressada, parece torn@la
menos art'stica a nossos olos$
.omo lembra %iorgio Agamben, a ideia do bom gosto opera uma cis!o entre o
artista M que passa a ser (isto como nico respons(el pela cria!o da obra de arte M e o n!o
artista M redu#ido ao papel de espectador passi(o, que de(e apreciar desinteressadamenteo ob5eto
art'stico$ E(identemente, tal cis!o n!o & isenta de consequncias>
/udo ocorre, em suma, como se o bom gosto, permitindo a quem & dotado dele
perceber opoint de perfectionda obra de arte, terminasse, na realidade, por torn@lo
indi"erente a elaC ou como se a arte, entrando no per"eito mecanismo recepti(o
do bom gosto, perdesse aquela (italidade que um mecanismo menos per"eito,
mas mais interessado, consegue, no entanto, conser(ar$ 6A%A+)E=, 200?> 328
A culmina!o desse processo de esteti#a!o da arte & a considera!o da linguagem
art'stica como t&cnica pura, separada das contingncias biogr"icas do autor e do leitor, e
independente das suas concep4es morais$ < a (is!o que predomina em algumas pginas de
Poesa %uenos &ires, cu5o representante terico mais destacado, Edgar )ale, de"ine o poema
como um te*to em que cada parte constituti(a e todo o con5unto representam um "ato no(o,
independente do mundo e*terno, desligado de toda outra realidade que n!o ele mesmo 6."$
P;:E/, 200B> 3L38$uarro# parece aderir a essa postura quando a"irma a irredutibilidade da poesia a
qualquer norma de conduta e*terna 6pol'tica, moral ou religiosa8C no entanto, ele se apro*ima
da etopo&tica de Foucault ao precisar que a poesia, que n!o tem nada a (er com a &tica,
uma &tica pro"unda$ Porque em ltimo termo & um modo de ser, de se condu#ir em
pro"undidade, uma atitude plena diante do real 619Q0> ?08$
A concep!o da poesia como modo de serse assenta numa distin!o 6muito semelante
"eita por Foucault entre "iloso"ia e espiritualidade8 entre uma atitude de puro
conecimento e a atitude etopo&tica>
7 algo que na e*clusi(a dimens!o do conecimento n!o se d, pelo menos
como interesse imediato e permanente, e & o que poder'amos camar uma
converso integral do ser umano$ 6$$$8 7 duas atitudes de base que & necessrio
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discriminar$ A primeira, que de"iniria substancialmente a cincia e a "iloso"ia,
tenta elucidar o sentido das coisas$ A segunda, em que incluir'amos a m'stica, a
arte e a poesia, persegue n!o apenas a busca do sentido, mas tamb&m uma
transformaoda realidade que & o omem$ 6OA;;D, 19Q0> 3L8
Para uarro#, portanto, a inclus!o da poesia no campo da m'stica, em oposi!o ao da
cincia e da "iloso"ia, 5usti"ica@se, sobretudo, pela constata!o da necessidade de converso
integral do ser umano M o que nos autori#a a de"ini@la 6nos termos de Foucault, 200R> 218
como prtica espiritual> para a espiritualidade, um ato de conecimento, em si mesmo e por si
mesmo, 5amais conseguiria dar acesso (erdade se n!o "osse preparado, acompanado,
duplicado, consumado por certa trans"orma!o do su5eito$
e resto, n!o somos os primeiros a atribuir o ad5eti(o espiritual poesia de
uarro#$ Ao tradu#i@la para o "rancs, ;oger +unier a publicou 65untamente com a obra de
Antonio Porcia, sobre a qual nos deteremos mais adiante8 numa cole!o intitulada Documents
spirituels, na qual "iguram, entre outros t'tulos, obras como *e kan zen, de /osiiHo :#utsu, *e
Secret du +da, de Sri Aurobindo, ,horie et prati-ue du )andala, de %iuseppe /ucci, *ettre au(
.assidim sur l/e(tase, de ou )aer de -ouba(itc, e 0en1 ,ao et 2irvana, de /omas +erton$ =o
pre"cio a suas tradu4es, ele en"ati#a sua dimens!o espiritual e(idente 6+O=:E;, 19Q0> L8$
-onge de ser uma compreens!o idiossincrtica sobre a e*perincia po&tica, a postura
de uarro# se estende a parte de sua gera!o, como assinala +a* Aub 619B0> 1L@1Q8 ao analisara poesia escrita no +&*ico na d&cada de ?0>
+ais que um e*erc'cio de e*press!o, a poesia era uma ati(idade (ital> n!o
quer'amos tanto di#er algo pessoal quanto pessoalmente nos reali#armos em algo
que nos transcendesse$$$ Para ns, o poema era um ato, ou se5a, era um e*erc'cio
espiritual$ A todos ns interessa(a a poesia como e*perincia$$$ como algo que
tina de ser (i(ido$
.omo obser(a cta(io Pa#, a autonomia da poesia em rela!o a outras modalidades
da e*perincia umana & uma das conquistas da modernidadeC por outro lado, ele lembra que
n!o & poss'(el dissociar o poema de sua pretens!o de mudar o omem sem o perigo de
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trans"orm@la numa "orma ino"ensi(a de literatura 6199R> 131@1328$ =o mesmo te*to, Pa#
assinala que
uma nota comum a todos os poemas, sem a qual n!o seriam nunca poesia> a
participa!o$ .ada (e# que o leitor re(i(e de "ato o poema, alcana um estadoque podemos camar de po&tico$ A e*perincia pode adotar esta ou aquela
"orma, mas & sempre um ir al&m de si, um quebrar os muros temporais, para ser
outro$ 6'$idem3 ?18
Sem pretender ampliar e*cessi(amente o escopo deste trabalo, uma leitura atenta da
produ!o po&tica do ltimo s&culo poderia nos re(elar que a concep!o da poesia como
e*erc'cio espiritual n!o & t!o estrana literatura contemporUnea, como poderia parecer
primeira (ista$ Em Du musst dein *e$en 4ndern5 6$er &nthropotechnik, de 2009, Peter Sloterdi5H
reinterpreta a istria da cultura ocidental a partir da anlise do e*erc'cio espiritual como
elemento "ormador da sub5eti(idade umana$ Para isso, toma como ponto de partida o c&lebre
poema ,orso arcaico de &polo, de ;ilHe, com sua in5un!o e(es mudar de (ida 6u Fora &
mudares de (ida, na tradu!o de +anuel )andeira8$
/e*tos como :dos de maro, AntTnio abandonado pelo deus e /anto quanto
poss'(el, de .ostantin .a(a"iC Acaso, A autotomia e Yida imediata, de _islaGa
S#mborsHaC 5ogo em que estamos, -imites e nota *ii, de uan %elman s!o outrose*emplos 6que poderiam se multiplicar inde"inidamente8 de poemas que se prop4em n!o como
e"us4es sentimentais ou 5ogos (erbais ou re"le*4es em (erso, mas sim como con(ites para que
se (e5a o mundo de outra "orma e para que se a5a de outra "orma$
Ademais, a e*perincia da leitura como e*erc'cio espiritual n!o & e*clusi(a da poesia$
< o que ;ort 62001> 2B28 aponta acerca das narrati(as de ames e Proust>
E*atamente como os leitores religiosos descobrem@se en(ol(idos em algo maior
do que eles mesmos, algo que ocasionalmente se parece com um *taseorgsmico, os leitores de ames e Proust descobrem@se en(ol(idos naquela
esp&cie de alargamento subitamente partilado da imagina!o e intensidade
subitamente partilada do momento passageiro que ocorre quando dois amantes
descobrem que seu amor & rec'proco$ Proust e ames o"erecem a seus leitores
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reden!o, mas n!o uma (erdade redentora, assim como o amor redime o
amante, mas n!o le acrescenta nenum conecimento$
carter de e*erc'cio espiritual se torna e(idente nesta passagem> n!o se trata da
incorpora!o de uma doutrina ou de in"orma4es sobre determinados assuntosC trata@se deuma e*perincia imaginati(a e "ormadora, que n!o en(ol(e apenas o intelecto, mas mobili#a
tamb&m a sensibilidade e a intui!o do leitor$ E(identemente, nenum te*to implica
necessariamente a trans"orma!o do seu leitorC um poema ou uma narrati(a s pode ser M no
m*imo M um con(ite, um aceno trans"orma!o$ =o entanto, o ob5eti(o deste trabalo &
mostrar que em alguns te*tos esse con(ite & mais e(idente e mais imperioso do que em outros$
Pretendemos tamb&m demonstrar que, na obra de uarro#, os e*erc'cios espirituais
assumem uma rele(Uncia particular, constituindo@se como um dos traos de"inidores de sua
singularidade no panorama da poesia latino@americana da segunda metade do s&culo VV$
Ademais, o conceito de e*erc'cio espiritual & "undamental para que compreendamos
plenamente o uso peculiar que uarro# "a# de duas met"oras centrais em sua obra po&tica> a
(erticalidade e o (a#io$
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3$
s primeiros e*emplos de e*erc'cio espiritual na poesia de uarro# s!o atuali#a4es
de uma prtica que remonta Antiguidade> a premedita!o 6no sentido estoico de praemeditatio>
medita!o antecipada8 da morte$ Em :, 9, a possibilidade de que a morte ocorra no prprio
instante em que se medita sobre ela & o ponto de partida para uma re"le*!o acerca da solid!o e
do desamparo do omem> s eu me penso,\ e se eu morresse agora,\ ningu&m, nem eu,
pensaria em mim$
poema :, 3L apresenta uma in5un!o mais e*pl'cita ao leitor> Enquanto "a#es
qualquer coisa,\ algu&m est morrendo$ =uma estrutura que se tornar recorrente na obra de
uarro#, a primeira estro"e apresenta um enunciado que ser desen(ol(ido, ampliado e
precisado pelas estro"es seguintes$ A repeti!o de (rios termos 6enquanto, ainda que,algu&m8, assim como o "ato de se dirigir a um tun!o nomeado, rei(indicando sua aten!o
permanente, en"ati#a o carter admonitrio do poema, que se inscre(e numa longa tradi!o
literria e "ilos"ica que remonta a Plat!o 6c"$ %:=D)O;%, 199B> Q@118$
s (erbos no gerndio 6morrendo, tentando8 en"ati#am o carter cont'nuo da
morte, que, a despeito do que se "aa 6ou n!o se "aa8 n!o dei*a de se "a#er presente em todos
os instantes$ cmulo desse processo ocorre no d'stico "inal do poema 6Por isso, se te
perguntam pelo mundo,\ responde simplesmente> algu&m est morrendo$8, atra(&s da
apro*ima!o "Tnica e semUntica das pala(ras mundo e morrendo 6intensi"icada pelo eco
do termo responde8, em que um (ocbulo ecoa o outro e intensi"ica ainda mais a ideia da
onipresena da morte$
=este poema, como nos te*tos de Epicteto e de outros estoicos,
o e*erc'cio consiste em pensar que a morte nos alcanar no momento mesmo
em que estamos "a#endo alguma coisa$ Por esta esp&cie de olar da morte que
lanamos sobre nossa prpria ocupa!o, podemos a(aliar como ela &$
6FO.AO-/, 200R> ?Q18
Embora o poema de uarro# se limite a recordar a ine(itabilidade da morte, sem
qualquer in5un!o moral e*pl'cita, o memento mori tem como consequncia plaus'(el uma
a(alia!o sobre a prpria (ida$ s (erbos no presente 6"a#es, lustras, odeias, escre(es8
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apontam para outro elemento em comum com os e*erc'cios estoicos> n!o se trata de imaginar
a morte como e(ento "uturo e incerto, mas de um pensamento sobre mim mesmo enquanto
estou morrendo 6FO.AO-/, 200R> ?Q28$
e*erc'cio imaginati(o da morte ser um elemento recorrente na Poesa vertical,
reaparecendo em quase todos os li(ros publicados por uarro#$ Assimilado met"ora do
(a#io, ganar um acento prprio e incon"und'(el em poemas como Y::, 9?, em que o
e*erc'cio de educar o pensamento\ nas transposi4es do (a#io se "undamenta na
constata!o da "initude de todas as coisas$ =este poema 6como em (rios outros do autor8, ao
mesmo tempo em que se preconi#a a necessidade do e*erc'cio 6e(e@se preparar o
pensamento\ 6$$$8 e(e@se educ@lo8, apresenta@se uma s&rie de imagens 6as cortinas que n!o
bai*am ao terminar a obra, as "endas que acabam por in(adir o teatro, as casas sem
paredes, as constela4es que regressam8 que em certa medida 5 au*iliam a operar essaconstru!o do olar 6c"$ Y:, B8 a que parece se destinar grande parte dos te*tos da Poesa
vertical$
.oncebido desde o primeiro poema do primeiro li(ro de uarro# como o elemento
que estrutura a realidade 6Oma rede de olar\ mant&m unido o mundo,\ n!o o dei*a cair 6:,
188, o olar aparece como ob5eto de (rios e*erc'cios de trans"orma!o> tamb&m um
momento\ em que a nica sal(a!o & mudar o olar,\ troc@lo por outro\ 6$$$8 temos que
in(entar outro olar 6Y::, 11R8C de(e@se alcanar esse olar\ que ola um como se "osse
dois$\ 6$$$8 o olar que cria a si mesmo ao olar 6Y:::, 18$ =esse sentido, o e*erc'cio reiterado
do poeta 6e do leitor8 seria "undar uma (is!o mais li(re 6V:::, 108C in(entar uma (is!o 6V:,
:, 218C abrir outro olar no olar 6V:Y, 9Q8, atre(er@se a criar 6V, ?18 essa outra lu# que
trans"igure o olar e, consequentemente, o mundo$
Sob esse aspecto, uarro# se apro*ima no(amente da tradi!o clssica dos e*erc'cios
espirituais, segundo a qual
a prtica de si n!o mais se imp4e apenas sobre o "undo de ignorUncia 6$$$$8$ A
prtica de si imp4e@se sobre o "undo de erros, de maus bitos, de de"orma!o e
de dependncia estabelecidas e incrustadas, e que se trata de abalar$ .orre!o@
libera!o, bem mais que "orma!o@saber> & neste ei*o que se desen(ol(er a
prtica de si$ 6$$$8 /ornarmo@nos o que nunca "omos, este &, penso eu, um dos
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mais "undamentais elementos ou temas dessa prtica de si$ 6FO.AO-/, 200R>
11B8
A met"ora do olar que cria a si mesmo ao olar 6como o te*to que nos l e a
msica que nos ou(e, no poema Y:::, Q8 aponta para o carter re"le*i(o do e*erc'cio M que,con"orme assinala Sloterdi5H 62011> R?L8, "undamenta@se na constata!o de que todo gesto
e*ecutado, a partir da segunda (e#, "orma seu ator e continua a de"ini@lo$
.egamos aqui a outro elemento "undamental na obra de uarro#> a necessidade de
autocria!o M estreitamente (inculada, como (eremos adiante, met"ora do (a#io$ Por ora,
cumpre ressaltar que o poeta argentino n!o se limita a atuali#ar os elementos presentes nos
e*erc'cios espirituais da Antiguidade, mas aporta uma distin!o "undamental> ao contrrio dos
e*erc'cios estoicos e epicuristas, que apontam para uma meta clara, ainda que distante
6corpori"icada na imagem ideal do sbio8, na maior parte dos poemas de uarro# os e*erc'cios
aparecem como um processo cont'nuo e intermin(el$
A met"ora recorrente do salto, que alude necessidade de superar a realidade
presente, encontra sua "ormula!o mais singular em Y:, 1, quando se postula a cria!o de um
salto como um incndio,\ um salto que consuma o espao\ onde de(eria terminar$ A
impossibilidade de se (islumbrar uma certe#a consoladora ou um modelo de e*istncia como
meta de"initi(a 6ceguei a minas inseguranas de"initi(as8 le(a a um mo(imento de
internali#a!o da (erticalidade 6criar o prprio abismo\ e desaparecer para dentro8, queculmina na a"irma!o do prprio e*erc'cio como meta> /er'amos que ser um salto 67uase
poesia, 238$
Ao contrrio do ascetismo crist!o, que se "undamenta em uma "orma de prtica
cu5os elementos, "ases, progressos sucessi(os de(em ser renncias cada (e# mais se(eras, tendo
como al(o e no limite a renncia essencial que & a renncia a si 6FO.AO-/, 200R> 3Q?@
3QB8, a ascese preconi#ada pela Poesa vertical n!o se "undamenta em nenum a(ano
antecipador e crente em dire!o plenitude 6c"$ S-/E;:K, 2011> 11B8 ou a qualquer
estado ideal de comun!o com o di(ino$
.oncebido como um muro\ que domestica o olar 6V:Y, 998, o bito & (isto
como algo a ser superado M n!o para ser substitu'do por bitos melores ou com o intuito
de se buscar uma conduta e*emplar, mas simplesmente porque sua presena impede a
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possibilidade de uma e*istncia autntica$ =esse sentido, estamos pr*imos da "ormula!o de
Sartre 619Q3> 128 segundo a qual os $ons bitos n!o s!o nunca bons, porque s!o bitos$ Se
o prprio in"inito "orma calos,\ trans"orma@se em costume 6Y:, Q18, a nica de"esa poss'(el
contra a domestica!o da transcendncia em imagens "amiliares & a incorpora!o processual
do quase imposs'(el 6c"$ S-/E;:K, 2011> 1Q18, o e*erc'cio cont'nuo cu5o nico
"undamento & o (a#io> S resta apoiar@se num salto\ para dar outro salto$
E(identemente, a cr'tica ao bito atra(&s de met"oras verticais & um elemento
bastante tradicional$ .omo aponta Sloterdi5H 62011> 3118, todas as ascens4es de ordem "'sica e
corporal comeam por uma secess!o com o bito$ Em uarro#, por&m, o mo(imento
ascensional n!o pode ser des(inculado do seu in(erso, o mo(imento de descida e esca(a!o
em dire!o ao "undamento de tudo M que em muitos poemas resulta na abertura para o
sem "undo 6V:, :Y, 1R8$A met"ora da -ueda 5 est presente na primeira Poesa vertical, com a constata!o
lcida de que de(e@se cair e n!o se pode escoler onde 6:, 1L8$ .omo ocorre em rela!o
met"ora do salto, ela gana um grau maior de originalidade e comple*idade a partir do
momento em que se con5uga com a prtica do e*erc'cio espiritual$ .air ent!o dei*a de ser uma
"atalidade para se tornar um propsito e*istencial> cair de lina em lina, at& abandonar o
dossel das linas\ e cair no aberto,\ despido at& de "ormas 6:Y, BR8C s um omem que cai\
poderia sustentar um deus 6V:::, 2?8$
A a"irma!o parado*al de que a queda & um ponto 6Y, ?98 mani"esta a inten!o de
reconecer a queda como estado permanente, do qual & imposs'(el se retirar$ .omo na
imagem do salto que consuma o espao\ onde de(eria terminar 6Y:, 18, n!o apoio para a
e*istncia umana, nem mesmo na imagem de um "undo contra o qual nos cocar'amos
algum dia$ A iminncia do coque & tudo de que se disp4e$ .omo aponta .ru# P&re# 61991>
1B8, a queda nesta poesia n!o equi(ale e*puls!o do para'so, mas nos transmite a peremptria
sensa!o de (ertigem e abismamento que para uarro# & o e*istir$
+ais que sugerir uma pro"undidade essencial, uarro# en"ati#a o processo de
esca(ar at& onde cessam as imagens, n!o propriamente para encontrar algo concreto, mas
para encontrar ali a outra cegueira,\ a que 5 n!o depende de n!o (er 6:::, ::, 1B8C nesse
sentido, & e*emplar a imagem do poo em outro poo$ E at& em outro 6:::, :, 1Q8, que
con"ere um carter m(el (erticalidade, en"ati#ando seu aspecto de e*erc'cio incessante$ e
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modo similar, a queda n!o pressup4e necessariamente um "undo, como notamos em :Y, BR>
no momento em que o mo(imento de descida ameaa se imobili#ar, o poema prop4e um no(o
comeo> E ent!o (irar a queda\ e (oltar a cair$
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R$
:nstado numa entre(ista a comentar a verticalidade como denominador da sua obra,
uarro#, num primeiro momento, o"ereceu uma e*plica!o estritamente est&tica>
Em mina 5u(entude, "ui sentindo que em boa parte da poesia, e ainda nos
grandes poetas, a(ia #onas rela*adas, um pouco elsticas, substitu'(eis, #onas
que podiam ser dei*adas de lado$ escobria em muitos autores 6e o5e acredito
que na maior parte da poesia8 "ragmentos de suas obras em que a descri!o, a
anedota ou a e"us!o sentimental de(oram a poesia$ Ent!o comecei a (i(er a
nostalgia por uma poesia mais cerrada, onde cada elemento "osse como algo
insubstitu'(el e se tirssemos uma ('rgula ou mudssemos de lugar uma pala(ra
ocorreria uma catstro"eC uma poesia que n!o se limitasse a culti(ar oatmos"&rico ou as rela4es sentimentais, mas que ti(esse 6que ousasse ter8 a
possibilidade de reunir de uma (e# por todas o que "oi t!o "alsamente di(idido>
o pensar e a emo!o$ 6OEXASC /-E, 199Q> 118
E(identemente, & muito mais "cil "ormular do que pTr em prtica tal propsito$ =!o
"altam, ao longo dos quator#e (olumes da Poesa vertical, passagens substitu'(eis, #onas que
podiam ser dei*adas de lado$ Embora aponte para alguns traos importantes de sua po&tica 6a
recusa do anedtico em "a(or do insubstitu'(el e, sobretudo, o propsito de con5ugar
intelecto e emo!o8, tal e*plica!o pareceu insu"iciente ao prprio poeta, que em seguida
agregou outros elementos que nos parecem re(eladores>
Senti tamb&m que comumente (i(emos num espao pequeno da realidade, um
segmento diminuto$ 6$$$8 A poesia tem como ob5eti(o imediato, bsico, produ#ir
uma "ratura e esta consiste em quebrar a escala consuetudinria, a escala
repetiti(a, apequenada, do real$ < abrir a realidade e pro5et@la numa escala
maior, entendendo por escala maior n!o uma abstra!o, uma iptese ou uma
utopia$ 6$$$8 A ideia de (erticalidade sup4e atra(essar, romper, ir al&m da
dimens!o aplanada, estereotipada, con(encional, e buscar o outro$ 6'dem> 11@128
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=esta passagem, estabelece@se de modo e(idente o ('nculo apontado por Sloterdi5H
62011> 318 entre e*erc'cio intencional e tens!o (ertical$ Para uarro#, a (erticalidade & um
processo de $usca e ruptura> busca de uma dimens!o e*istencial (ertical que s pode ser
alcanada atra(&s de um e*erc'cio constante de quebra dos ancestrais automatismos 6V, 118
ori#ontais que condicionam nossa percep!o da realidade$
A n"ase na rela!o entre (ida e poesia 6e na concep!o da poesia como instrumento
de abertura da realidade8 & mais um elemento que nos incita a atribuir Poesa vertical a
"un!o de e*erc'cio espiritual$ Ainda que o termo n!o este5a presente em nenuma de suas
pginas, a concep!o da poesia como e*erc'cio proposto ao leitor aparece e*plicitamente em
poemas como V:, :, 9 6ainda que o e*erc'cio comece\ com a ausncia que em cada um8,
V:, :, 13 6Para iniciar o trabalo\ pode@se, por e*emplo,\ tomar todos os nomes prprios8,
V:::, 32 6=!o nos ensinaram\ o nico e*erc'cio que poderia nos sal(ar8 e V:Y, 23 6/al(e#este e*erc'cio progressi(o\ nos permita depois abre(iar a eternidade8$
Sintomaticamente, no mesmo momento em que se intensi"ica a presena da met"ora
do (a#io na obra de uarro# 6a partir de 7uinta Poesa +ertical, de 19LR8, tamb&m gana "ora
um trao de estilo que se tornar caracter'stico de sua escrita, o uso reiterado de (erbos no
in"initi(o, em constru4es que se colocam como programas de a!o> "alar a partir da
ausncia, "alar com a pala(ra suspensa 6Y, L8, empurrar todo o dito, empurrar tua
pala(ra e mina pala(ra, empurrar depois o silncio 6Y, 208, comear por escutar de
no(o, trans"ormar@se depois, at& escutar 6Y, 238, trespassar os limites da noite,
desemoldurar a istria oculta que nos narra, quebrar o episdio que nos toca, saltar do
cenrio, partir sem outro arti"'cio 6Y, 3R8, um dia para ir at& deus, um dia para (oltar de
deus, um dia para ser deus, um dia para "alar como deus, um dia para morrer como
deus, um dia para n!o e*istir como deus 6Y, 3?8, dispor ainda um sinal de menos\ e
comear para trs a unir de no(o, e ter o bom cuidado\ de n!o errar outra (e# o camino
6Y, 3Q8, abraar sua cabea 6Y, 398, sangrar com um sangue transparente 6Y, R18, esca(ar
ou preencer as coisas\ com o olar, "a#er o que se pensa\ apenas por pens@lo 6Y, R28,
separar um relgio da noite, instalar um circuito 6Y, ?Q8$
/amb&m s!o "requentes os poemas que mencionam a urgncia ou a necessidade de se
"a#er ou criar algo> cegou para ela o momento\ de escre(er no ar 6Y, 28C precisamos de
uma letra que n!o precise saltar, precisamos de um espao que ( de dentro para dentro 6Y,
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308C 5 n!o resta outra alternati(a\ sen!o apertar o bot!o que no centro 6Y, 3R8C [uem
poder continuar olando\ com o olar (a#io] 6Y, RR8C e(emos (i(er a sombra como um
"ruto, de(emos dei*@la gota a gota 6Y, ?B8C de(e@se cortar os "ios 6Y, ?Q8C =!o se de(e
esperar o coque do "undo 6Y, ?98$ .om esses procedimentos, a partir deste li(ro a poesia de
uarro# gana cada (e# mais nitidamente os contornos do e*erc'cio espiritual$
utro procedimento recorrente em seus li(ros & a descri!o de algo que se coloca
como meta a ser alcanada 6pelo poeta] pelo leitor]8> Om mist&rio\ cu5o maior mist&rio se5a
sua claridade$\ Om mist&rio que consista em se mostrar 6Y::, 28C Oma n&(oa t!o densa\ que
n!o saibamos\ se nosso mo(imento\ (ai para trs ou para adiante 6V, R08$ Embora n!o este5a
presente aqui, o (erbo no in"initi(o 6"a#er, criar, propiciar8 est impl'cito, e tamb&m indica um
con(ite a!o, um e*erc'cio de memria e de autocon(encimento$ A prpria sequncia de
alguns destes poemas indica isso> Om caos lcido,\ um caos de 5anelas abertas$\ 6$$$8 Yia5arpelas linas\ que se quebram a cada instante\ 6$$$8 tocar as (&rtebras sem ei*o,\ os c'rculos sem
centro 6:Y, RQ8C Om mist&rio a que se tena que acostumar\ como um olo a uma no(a
"orma de lu#$\\ E ent!o, plantar ali os ltimos "arrapos 6Y::, 28C Om completo abandono,\
um abandono que nos permita con"undir@nos com o aberto\ e e*tirpar as separa4es,\ as
segrega4es e os nmeros$\\ Abolir, por e*emplo, a pala(ra 6Y::, 998$
A sequncia de (rios poemas torna e(idente que a in5un!o ao e*erc'cio n!o se dirige
apenas ao prprio su5eito do enunciado, mas tamb&m ao leitor 6ou pelo menos di# respeito a
um su5eito coleti(o, um ns que ultrapassa a "igura do poeta8> /emos que comear\ a n!o
nos re"letirmos mais nas poas,\ a apagar nossa imagem dos espelos,\ a abdicar de nossas
cTmodas representa4es 6Y::, 3?8C :r arrancando pala(ra a pala(ra\ do corpo inusitado\ da
linguagem do omem\ 6$$$8 5 que n!o pudemos dotar cada uma\ com a pala(ra que espera(a
6Y::, L?8C /al(e# se assum'ssemos ent!o\ nosso n!o buscado deslocamento,\ nossa
marginalidade ou e*'lio,\ poder'amos 6$$$8 6Y::, LQ8C Escapar do olar dos outros 6$$$8\ +as
como escapar\ do olar que nos rodeia ainda que n!o a5a nada]\ /al(e# unicamente se
crescermos para trs,\ se crescermos para o pequeno,\ se crescermos at& merecermos o nada
6Y::, 9B8C [uebrar o ipnotismo das coisas, 6$$$8\ que nos le(a a segui@las, 6$$$8 quebrar o ciclo
ist&rico\ de nos sentirmos sempre em "rente de algo 6Y::, 1018C e(emos conseguir que o
te*to que lemos\ nos leia 6Y:::, Q8C o omem de(e dar todos os seus passos 6Y:::, 218C `s
(e#es precisamos de um peso suplementar 6$$$8\ < preciso ent!o n!o se esquecer 6V:, :Y, 3B8C
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& preciso recuperar o balbucio\ do comeo ou do "im$\ 6$$$8 /al(e# descubramos ent!o 6V::,
B8C Educar as sementes do nada\ 6$$$8 Porque nos "a# "alta essa coleita 6V::, RL8C Aprender
a descer degrau por degrau\ e deter@se em cada um 6$$$8\ S assim n!o rodaremos 6V::, LR8C
e(e@se ganar o (a#io desde antes,\ coloni#@lo com nossos abandonos 6V:Y, ?18$
A longa 6embora n!o e*austi(a8 lista de e*emplos acima demonstra que o e*erc'cio
espiritual n!o & uma caracter'stica episdica ou circunstancial na obra de uarro#C ao contrrio,
& um dos elementos de"inidores de sua singularidade no panorama da literatura argentina 6e
mundial8 do s&culo VV$ =!o temos conecimento de nenuma outra obra po&tica em que se
obser(e tamana pro"us!o de e*emplos, nem traos estil'sticos t!o recorrentes, de e*erc'cios
espirituais$ A s'ntese encontrada por uarro# para a tens!o entre cria!o est&tica e
responsabilidade &tica s encontra paralelo na obra de Antonio Porcia$
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?$
=!o & raro que se associe o nome de ;oberto uarro# ao do 'talo@argentino Antonio
Porcia 61QQ?@19BQ8$ .omo se sabe, os dois se coneceram no in'cio de 19?1, sete anos antes
de uarro# publicar seu primeiro li(ro, e a ami#ade se mante(e at& a morte de Porcia$ A
rela!o que se estabelece desde o primeiro encontro entre os dois escritores n!o se restringir
ao campo pessoal> em 19?Q, Porcia escre(er um de seus nicos te*tos cr'ticos de que se tem
not'cia, o bre('ssimo pre"cio primeira Poesa +erticalC uarro#, por sua (e#, ser um dos
principais respons(eis pela di(ulga!o das +oces de Porcia, atra(&s de ensaios, prlogos,
entre(istas e artigos em 5ornais$
Apesar disso, n!o nenum estudo mais apro"undado acerca do dilogo entre suas
obras po&ticas$ A declara!o de uarro# 619Q0> QQ8 de que as "ormas de con"igura!oe*pressi(a dos dois autores seriam radicalmente distintas parece ter sido tomada como uma
(erdade inquestion(el pela cr'tica, sem que se in(estigassem os numerosos pontos de
con(ergncia M n!o apenas espiritual, como admite uarro# 6'$idem8, mas tamb&m "ormal M
entre as +ocese a Poesa +ertical$ /endo isso em conta, pretendemos e(idenciar alguns desses
pontos, especialmente no que di# respeito ao cerne de nossa pesquisa> a met"ora do (a#io e a
concep!o da ati(idade po&tica como e*erc'cio espiritual$
A a"irma!o rotunda de uarro# 619Q0> Q98 n!o dei*a margem a d(idas acerca da
importUncia da descoberta das +oces> a obra de Antonio Porcia (eio me con"irmar na
busca disso que camei o vertical$ Signi"icati(amente, a met"ora da (erticalidade, que uarro#
utili#a para sinteti#ar sua prpria obra, & retomada atra(&s de uma imagem similar, a da
profundidade, no principal artigo escrito por ele a respeito de Porcia$ Em &ntonio Porchia o la
profundidad recuperada 6publicado originalmente em Plural, +&*ico, (ol$ :Y, n$ 11, em agosto de
19L?, e inclu'do em OA;;D> 19Q0> 1?9@1L28, uarro# tenta se apro*imar da obra de Porcia
atra(&s de uma re"le*!o sobre a pro"undidade, numa obra que & a pro"undidade 6'$idem>
1?98$
=uma a"irma!o em que ecoam quest4es recorrentes em sua prpria po&tica, uarro#
de"ine a pro"undidade como a dimens!o onde cessam as categorias e as oposi4es da mente
binria, cedendo lugar s correspondncias e "un!o totali#adora 6'$idem8$ A supera!o das
dualidades M que, como (eremos adiante, & um dos elementos que le(a uarro# a se interessar
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pelo )udismo Den M surge, portanto, como uma das caracter'sticas de"inidoras da obra de
Porcia$ salto da ra#!o 6'$idem> 13Q8 que ele (islumbra nas +oces se "undamentaria numa
ruptura com as modalidades abituais de pensamento> a pro"undidade p4e em crise os
princ'pios da lgica e as con(en4es ou suportes abituais da ra#!o$ 6$$$8 Por isso, a m*ima
pro"undidade se op4e ao discurso 6'$idem3 1B0@1B18$ =esse sentido, a "orma "ragmentria e
parado*al dos a"orismos seria a mais adequada para e*primir M nos limites do discurso M essa
oposi!o$
Em seu aspecto sint&tico e "ragmentrio, as +ocesincorporariam a constata!o de que
as coisas n!o tm "undo>
+as muitas possibilidades de n!o ter "undo$ Oma delas consiste em n!o ter
"orma$ e que se sustentaria ent!o o "undo] utra & a e(idncia de que toda
"orma est aberta no e*tremo$ E outra mais ainda & a qualidade transitria e
ilusria de qualquer "orma$
Formas abertas ao e*tremo, constru4es que contrariam a gramtica normati(a e a
lgica cotidiana, "rases que s se completam na imagina!o do leitor, esses m'nimos
relUmpagos 6."$ OA;;D, 199?, (ol$ 2> 3Q98 sinteti#ariam o carter e"mero e precrio da
prpria e*perincia umana$
=um outro ponto do mesmo artigo, uarro# 619Q0> 1B28 a"irma> A pro"undidade &risco$ e qu] e n!o encontrar nada$ Por isso Porcia di#> 2o descu$ras1 -ue pode no haver
nada5 " nada no se volta a co$rir$ .omo na Poesa vertical, a pro"undidade 6e, consequentemente,
a (erticalidade8 tem como consequncia M ou pressuposto M ine(it(el a constata!o do (a#io$
.ontudo, tamb&m aqui a met"ora do (a#io n!o & considerada unicamente em seu aspecto
negati(o> A pro"undidade & o (a#io a"irmati(o, a nega!o que se trans"igura em si$ signo da
pro"undidade & con5un!o do menos e do mais> & menosmais ou maismenos 6'$idem8$
Essa con5un!o est presente em (rios poemas de uarro#, como em V::, LB> =egar o nada & adot@lo$\ =egar algo & um
reconecimento$\ /oda nega!o & uma a"irma!o 6V:, :Y, 2R8C /amb&m espaos "eitos
de nada,\ Umbitos imprescind'(eis para descansar por um momento 6V::, 3B8C omem
quase n!o e*iste,\ mas pode colaborar com sua ausncia 6:Y, ?38C =!o "a#er nada\ s (e#es
sal(a o equil'brio do mundo,\ ao "a#er com que algo tamb&m pese\ no prato (a#io da balana
6V:::, ?28$ Assim, torna@se e(idente que a re"le*!o sobre a obra de Porcia & tamb&m uma
declara!o dos princ'pios que norteiam a prpria cria!o po&tica de uarro#$
< nesse sentido que podemos ler a a"irma!o de que n!o pro"undidade autntica
sem uma dimens!o religiosa> =!o concebo o pro"undo sem um sentimento de (incula!ocom a totalidade, que pode assumir, como em Porcia, a "orma de uma nostalgia diante de
uma perda> .! muito -ue no peo nada ao cu e ainda no $ai(aram meus $raos/ 6OA;;D, 19Q0>
1B98$ s ecos dessa nostalgia perpassam toda a obra de uarro#> a maior tenta!o\ de dois
seres que se apro*imam\ & "undar um no(o deus,\ um deus que compreenda a si mesmo\ e
corri5a este engano,\ este trauma "atal\ dos deuses partidos 6V:, :Y, 18C omem & o
a(esso do in"inito,\ ainda que o acaso o transporte por um instante ao outro lado 6:V, 1R8C
Ainda que ti(&ssemos sido tudo,\ dese5ar'amos no entanto ser algo mais 6V:::, B8$
=o entanto, o poeta imediatamente mati#a o signi"icado dessa religiosidade> -onge
de todo dogma ou ortodo*ia, a necessidade de transcendncia aparece em toda sua nude#,
como algo insepar(el do pensar pro"undo e da poesia$ +ais que "& ou sentimento do sagrado,
uma m'stica inser!o no mist&rio que nos en(ol(e 6OA;;D, 19Q0> 1B98$
Signi"icati(amente, & no )udismo Den que uarro# encontrar a imagem mais adequada para
compreender esse amlgama entre a"irma!o e nega!o, esse algo mais "orte que a d(ida e
menos ingnuo que a "& 67uase razo, 38>
.omo entrar numa obra que & pro"undidade] Om camino & o indicado por
Porcia> (@la com pro"undidade, para que se torne super"'cie$ utro camino
poderia ser dado pela parado*al resposta de um mestre pergunta sobre como
"a#er para entrar na "iloso"ia> "star dentro5 utro estaria em ser ou tornar@se
pro"undidade, como queria Plotino em rela!o ao di(ino ou ao belo$ E outro
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ainda poderia ser criar em si mesmo o (a#io necessrio para a inunda!o da
pro"undidade, para"raseando a EcHart$ E outro ainda, le(antar uma "lor e
sorrir, como o "aria um mestre Den, sem buscar nem di#er outra coisa$ .reio
que, se Porcia ti(esse tido que escoler, teria escolido a ltima alternati(a$
6OA;;D, 19Q0> 1L18
A alus!o a um dos mais conecidos kansda tradi!o budista 6c"$ _E-/E;, 2000>
L?8, o episdio em que +Hapa, um disc'pulo de )uda, destaca@se na multid!o por ser o
nico a sorrir quando o +estre le(anta uma "lor, associa a Porcia 6e, sub@repticiamente,
rela!o entre este e uarro#8 um dos elementos "undamentais da tradi!o do Den> a
transmiss!o silenciosa$ e acordo com essa tradi!o, os princ'pios mais importantes do Den
s!o transmitidos diretamente de mestre para disc'pulo, atra(&s de a4es e gestos concretos,
muito mais do que apenas por letras e pala(ras 6'dem3L9@Q08$
< importante notar que uarro#, neste e em outros momentos, n!o se limita a analisar
ou descre(er a obra de Porcia, como se esta "osse apenas literaturaC ao contrrio, en"ati#a
reiteradamente seu aspecto etopo&tico> que Porcia "e# n!o & literatura, & outra coisa, algo
que (ai al&m, apro*imando@se dos e*tremos do umano 6%=DA-ES OEXASC
/-E, 199Q8$ /!o importante quanto a re"le*!o sobre a pro"undidade & o retrato que se
(ai traando do escritor, uma (e# que ele (i(ia suas (o#es 6'$idem8 e o gnio de Porcia n!o
radica(a s no escre(er, mas tamb&m no (i(er$ Porque a obra "undamental, em ltimo termo,tem que estar sustentada por uma (ida "undamental 6'$idem8$
A dimens!o religiosa apontada nas +ocesse estende n!o apenas (ida do autor, mas
rela!o entre mestre e disc'pulo>
Para nos reunirmos era necessria uma esp&cie de peregrina!o> a casa de
Porcia "ica(a na peri"eria de )uenos Aires, mas completamente do outro lado
de onde eu (i(o$ Atra(essar a cidade de ponta a ponta implica(a um peregrinar,
quase no sentido religioso 6'$idem8C (isit@lo era uma peregrina!o rumo "orainterior, rumo ao pensamento desperto e ati(o, rumo (erdadeira inteligncia$
Oma peregrina!o rumo pro"undidade, sem ieratismos nem "ormalidades,
onde o encontro se da(a numa atmos"era de espontUnea generosidade$ Yisitar a
Porcia era ter o pri(il&gio de (i(er um pouco a sabedoria e a (er brotar da
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umildade e da solid!o como um "ruto no qual con(ergiam com igual plenitude
a sabedoria da (ida e a sabedoria da linguagem, possi(elmente insepar(eis em
ltima instUncia 6OA;;D, 19Q0 b8$
A rele(Uncia con"erida indissociabilidade entre a (ida e a obra de Porcia n!o pareceser uma interpreta!o idiossincrtica por parte de uarro#$ Alberto Pon#o, que tamb&m
con(i(eu com quem ele camou de mestre da (ida e da pala(ra, a"irma que sua (ida e sua
pala(ra eram uma coisa s 6P=D, 19QB8C quase com as mesmas pala(ras, aniel )arros
619BR8, num artigo publicado (inte anos antes, a"irma(a que (ida e poesia s!o uma mesma
coisa em PorciaC Ale5andra Pi#arniH, numa "ormula!o concisa e cabal, ressalta essa mesma
caracter'stica> que terri(elmente importante "oi M & M ter conecido sua (o#, suas (o#es
6&pud)E=A;S, 19QQ> 10Q8$
Entretanto, no que di# respeito a uarro#, a caracteri#a!o de Porcia como um dos
poucos seres 6$$$8 aos quais se pode assignar, com toda legitimidade, a ideia de mestre
6%=DA-ES OEXASC /-E, 199Q8 tem um duplo sentido> por um lado, rea"irma a
concep!o da poesia como e*erc'cio espiritual> a poesia & um modo de (ida ou n!o & nada
6'$idem8, a obra de Antonio Porcia 6$$$8 me a5udou tamb&m a compreender como uma (ida
pode se con5ugar com uma atitude interior 6OA;;D, 19Q0> QQ8C por outro, estabelece uma
distin!o entre mestre e disc'pulo>
n!o creio que as linas, as "ormas de con"igura!o e*pressi(a, os modos da
linguagem seguidos por Porcia e buscados por mim se5am anlogos$ iria que
andamos por caminos associados, mas n!o similares$ que importa em
Porcia & sua atitude diante do real, atitude que comparto$ 6'$idem8
A n"ase na correspondncia espiritual 6'$idem8 entre ambos, embora per"eitamente
5usti"icada, acaba mascarando outro aspecto menos e(idente do con('(io entre os dois
escritores> a presena reiterada das +ozes6e n!o apenas da (o#8 de Porcia ao longo de todaa obra de uarro#$ Om nico "ragmento do mestre, como `s (e#es, de noite, acendo uma lu#
para n!o (er 6P;.7:A, 200B> ?18, & citado, glosado e reelaborado por (rios poemas do
disc'pulo> [uando se apaga a ltima lUmpada\ n!o se apaga apenas algo maior que a lu#>\
tamb&m se acende a sombra 6Y:, 128C /oda lu# ilumina$\ E at& tal(e# deslumbra$\ +as a
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claridade est no re(erso da lu# 6Y:, ?38C .ertas lu#es apagadas\ iluminam mais\ que as lu#es
acesas 6V::, ?8C Apagar uma lu# me deslumbra mais que acend@la 67uase poesia, 2R8C -
onde a lu# n!o ilumina, tal(e# ilumine a sombra 67uase poesia, R38C A lUmpada apagada\ tem
uma claridade\ que redime o engano\ do acaso de acender@se 6V:Y, 928$
e*emplo mais patente de que os "ragmentos de Porcia "oram um modelo literrio
para uarro# s!o os 8ragmentos verticales, uma parcela praticamente ignorada 6a despeito de seu
(olume> R3? te*tos8 de sua produ!o, que consiste em "ormula4es condensadas e despo5adas
que nitidamente emulam as +oces, tanto pela "orma 6em que abundam os parado*os e as
repeti4es8 quanto pela temtica> nde est o que "alta] /al(e# somente aqui, onde "alta
67uase poesia, 2L8C que de(emos esquecer tudo, de(er'amos pelo menos uma (e# nos
lembrar de tudo 67uase poesia, ?R8C /omar uma coisa mata algo$ =!o tom@la, tamb&m
67uase razo, 1?8$ E(identemente, a tradi!o a"or'stica & muito ampla e (ariada, e n!o podemosdescartar outros modelos para os 8ragmentos verticales, especialmente os a"orismos de =iet#sce,
autor com o qual uarro# tem mais de um ponto de contatoC contudo, & poss'(el ou(ir o eco
das +ocesem (rias de suas pginas$
Ademais, alguns elementos caracter'sticos do estilo de Porcia, como a repeti!o de
um mesmo termo 6ou de pala(ras que s!o aparentemente sinTnimos8 com sentidos distintos, e
s (e#es opostos M presente em "rases como Om omem s & muito para um omem s
6P;.7:A, 200B> L38C =ada n!o & somente nada$ < tamb&m nossa pris!o 6'$idemC R?8C
.eguei a um passo de tudo$ E aqui eu "ico, longe de tudo, um passo 6'$idemC RQ8 M podem
ser notados tamb&m nos poemas de uarro#> A nenum olar basta olar 6Y, 2Q8C A morte
& um corpo, e n!o uma sombra$\ Om corpo sem sombra 6Y::, LR8C /odos os templos est!o
desabitados\ porque n!o est!o (a#ios$\ S num templo totalmente (a#io\ pode abitar o
espao de um templo 6V::, ?B8$
Em (rios outros momentos, a estrutura lapidar e a"or'stica das +oces, quase sempre
"undamentada numa a"irma!o parado*al, insinua@se na Poesa vertical> 7 tra5es para se
des(estir 6:, 238C 7 pegadas que "abricam seu p& 6:::, :, 38C A (ida quer ser (ida e n!o
(ida 6:Y, R?8C A geometria do ser n!o tem espao 6:Y, ?28C A (ida aprende sua li!o\ do
mo(imento daquilo que n!o (i(e 6Y, 1?8C pensamento n!o cabe no omem 6Y, 3B8C A
sombra de uma "lor tamb&m per"uma 6Y:, B8C =!o nos mata morrer>\ nos mata ter nascido
6Y::, 10B8C 7 um oco que se de(e es(a#iar 6V, ?38C At& os mortos matam 6V, BB8C At&
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deus n!o & mais que um comeo 6V::, ?R8C S um omem que cai\ poderia sustentar um
deus 6V:::, 2?8C e(emos di#er tamb&m o silncio 6V:::, L38$
Apesar de a(er pouqu'ssimos poemas de uarro# que citam literalmente as +oces
6como :Y, 2?C V:, ::, 2? e V::, RR8, podemos apontar di(ersas passagens da Poesa verticalque
parecem re"ormular, ampliar ou mati#ar "ragmentos de Porcia$ /omemos como e*emplo os
(ersos iniciais do poema V:::, 3Q> /udo (em at& ns>\ n!o (amos at& nada$ /rata@se
inequi(ocamente de uma (ariante de omem n!o (ai a parte alguma$ /udo (em ao
omem, como o aman! 6P;.7:A, 200B> R08, "ragmento que e(idencia o uso magistral
6ainda que parcimonioso8 da imagem po&tica por parte de Porcia$ A a"irma!o de uarro#
619Q0> QQ8 segundo a qual em Porcia n!o uma ades!o muito intensa ou e(idente imagem
po&tica$ A linguagem de Porcia & mais direta, mais despo5ada tal(e# se5a pertinente, mas n!o
pode ocultar o "ato de que algumas das imagens po&ticas mais potentes das +ocesreaparecemna Poesa verticalem conte*tos muito semelantes$
A "igura sugesti(a do aman! 6e da man!, sugerida pela mesma pala(ra8 que se mo(e
em dire!o a um omem esttico & retomada por alguns (ersos da glosa de uarro#> do c&u
que (emos\ ou do c&u que n!o (emos, o sono que despo5a a noite\ ou a noite que despo5a
o sono$ =o entanto, o poema n!o se limita a e*pandir o sentido inicial do a"orismo tomado
como ponto de partidaC sua ltima estro"e prop4e uma e*ce!o passi(idade sugerida pelos
(ersos iniciais> /udo (em at& ns,\ e*ceto tal(e# essa "igura muda\ que armamos com um
mati# de cada coisa\ e que tal(e# se alce ao desabarmos\ para andar por conta prpria$
.aracteristicamente colocada como iptese incerta 6tal (e#, qui#8, essa e*ce!o
(em rea"irmar um dos elementos centrais na po&tica de uarro#> a concep!o da poesia como
a margem maior de cria!o que o omem possui$ =!o, e(identemente, a partir do nada, mas
sim a partir de si mesmo, de sua prpria con(ers!o em algo di"erente, de sua prpria in(en!o
a partir da intermin(el in(en!o que & a linguagem 6OA;;D, 2000> 1R8$ Essa "igura
muda, que lembra O elefante de rummond M Fabrico um ele"ante\ de meus poucos
recursos, em A=;AE, 19QB> 9? M, surge como e*ce!o 5ustamente por e*igir o papel
ati(o do omem, que de(e arm@la como ltimo reduto de sal(a!o num mundo que
desmorona 6OA;;D, 19Q0> 11Q8$ Oma e*igncia semelante se re(ela em algumas +oces>
uni(erso n!o constitui uma ordem total$ Falta a ades!o do omem 6P;.7:A, 200B> R28$
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Sem pretender reali#ar um le(antamento e*austi(o das imagens po&ticas das +oces
que s!o retomadas e trans"ormadas pelos poemas de uarro#, cumpre apontar aqui pelo menos
mais duas, intrinsecamente relacionadas> a da (erticalidade, que o prprio uarro# eleger como
s'ntese de toda a sua obra, e a do (a#io, sobre a qual nos deteremos mais adiante$ Om dos
"ragmentos de Porcia estabelece claramente o ('nculo entre essas duas imagens> Subir, subir
e, alcanado o cume, contempla@se um abismo 6&pudP=D, 19QB> 398$
mo(imento (ertical, que representa simbolicamente a busca de uma dimens!o
mais ele(ada ou pro"unda na compreens!o da realidade 6em oposi!o super"icialidade
da (ida cotidiana8, cu5o carter de e*erc'cio & en"ati#ado pela repeti!o do (erbo 6subir,
subir8, pode ser ascendente ou descendente 6em uarro#, esses dois mo(imentos s!o
sinteti#ados pelas imagens recorrentes do saltoe da -ueda8> omem & ar no ar e para ser um
ponto no ar precisa cair 6P;.7:A, 200B> R98C (erdadei