poemas de vários autores

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Cuido Avisto ao longe o lânguido Mondego Olho as serras distantes ao luar E sinto ânsias de nele repousar Envolvido no aroma do sossego. Vejo Coimbra, princesa de horizontes, Onde pairam enleios e harmonias De rainhas e antigas fantasias Dispersas pelos vales, pelos montes. Dom Pedro vive ainda em seu desejo, No meu amor enorme, amor sem lei, Que ainda enleia as almas como um beijo. E eu a pensar na lenda desse rei, E no cortejo que após ele vejo, Cuido um instante que também amei... Dinis da Luz, Ponta da Madrugada, Antologia Poética

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Page 1: Poemas de vários autores

Cuido

Avisto ao longe o lânguido Mondego

Olho as serras distantes ao luar

E sinto ânsias de nele repousar

Envolvido no aroma do sossego.

Vejo Coimbra, princesa de horizontes,

Onde pairam enleios e harmonias

De rainhas e antigas fantasias

Dispersas pelos vales, pelos montes.

Dom Pedro vive ainda em seu desejo,

No meu amor enorme, amor sem lei,

Que ainda enleia as almas como um beijo.

E eu a pensar na lenda desse rei,

E no cortejo que após ele vejo,

Cuido um instante que também amei...

Dinis da Luz, Ponta da Madrugada,

Antologia Poética

Page 2: Poemas de vários autores

Cavador Amigo cavador, fica por mim.

Vivo ao pé de ti, e com amor

Aprendi a lição do teu suor...

Como te hei de mentir se te amo assim.

Se alguma vez te for buscar à aldeia

A tentação ruim das capitais,

Olha para a tua enxada... e nunca mais

Te prenderá o canto da sereia.

E ora um pouco sobre a terra fria

Que oculta as cinzas brancas dos avós.

Tu hás de ouvir lá dentro a mesma voz

Que o teu bom pai ouviste na agonia.

Lê pelo campo o poema de valor

Que escreveram, heróis, a breves traços

Com a pena sagrada de seus braços,

Sem outra tinta mais que o seu suor.

Dinis da Luz, Ponta da Madrugada, Antologia Poética (poema dedicado a seu pai)

Antologia Poética

Page 3: Poemas de vários autores

Férias da Páscoa

Férias da Páscoa, que bom!

Para poder descansar

Pegar na Bicicleta

Dar passeios, viajar

Dormir em casa da avó

Prolongar mais o serão

Ir à praia ou à montanha

Acompanhada pelo cão

Jogar no computador

Comer doces com fartura

Encontrar-se com os amigos

E NÃO ESQUECER A LEITURA.

Isabel Lamas, O Livro da Páscoa

Page 4: Poemas de vários autores

Cuidadinho!

Sabem o que aconteceu

à Maria Jesus?

Caiu-lhe o ovo das mãos

Lá se partiu, catrapus

«Olha o que fizeste!»

Diz-lhe a Galinha a sorrir

«Para a outra vez tem cautela

E não o deixes cair!»

«Desculpa Galinha amiga»

Diz-lhe a menina a chorar

«Fui muito tonta, pateta

Não me podes desculpar?»

«Sempre que agarrares num ovo

Deves ter mais cuidadinho

Deste já não nasce nada

É menos um pintainho!»

Isabel Lamas, O Livro da Páscoa

Page 5: Poemas de vários autores

Ser Poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!

É ser mendigo e dar como quem seja

Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendos

E não saber sequer que se deseja!

É ter cá dentro um astro que flameja,

É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!

Por elmo, as manhãs de oiro e cetim…

É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente…

É seres alma e sangue e vida em mim

E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca, Charneca em Flor,

in Poesia Completa

Page 6: Poemas de vários autores

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.

Fernando Pessoa

Page 7: Poemas de vários autores

Presságio O amor, quando se revela,

Não se sabe revelar. Sabe bem olhar pra ela, Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente Não sabe o que há de dizer.

Fala: parece que mente… Cala: parece esquecer…

Ah, mas se ela adivinhasse, Se pudesse ouvir o olhar,

E se um olhar lhe bastasse Pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;

Quem quer dizer quanto sente Fica sem alma nem fala,

Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe O que não lhe ouso contar, Já não terei que falar-lhe Porque lhe estou a falar…

Fernando Pessoa

Page 8: Poemas de vários autores

O Paço do Milhafre

À beira da água fiz erguer meu Paço

Da Rei-Saudade das distantes milhas:

Meus olhos, minha boca eram as ilhas;

Pranto e cantiga andavam no sargaço.

Atlântico, encontrei no meu regaço

Algas, corais, estranhas maravilhas!

Fiz das gaivotas minhas próprias filhas,

Tive pulmões nas fibras do mormaço.

Enchi infusas nas salgadas ondas

E oleiro fui que as lágrimas redondas

Por fora fiz de vidro e, dentro, de água.

Os vagalhões da noite me salvavam

E, com partes iguais de sal e mágoa,

Minhas altas janelas se lavavam.

Vitorino Nemésio, O Bicho Harmonioso.

Page 9: Poemas de vários autores

Mãe Ilha III

Foi isto outrora na ilha das fadas

Embrumada em hortênsias. Não sonhei.

Sobre as lagoas de águas encantadas

Dormiam os fetos e não havia lei.

As vacas, nas colinas esfumadas

Ruminavam o eterno. Ali folguei

Na festa das crianças coroadas.

Reinava o Amor e não havia Rei.

Dentro da música a casa repousava.

Minha mãe docemente penteava

Os meus cabelos e caíam pérolas.

Rumores longínquos da infância oclusa,

Que num desvão da alma ainda debruça

Uma varanda sobre um mar de auréolas.

Natália Correia, Sonetos românticos

Page 10: Poemas de vários autores

Retrato

Meu corpo é água,

Onda que vai e vem, Abraça, foge, não para ...

No fundo, mágoa.

Meus olhos, água.

Fundura do mar salgado, Quem sabe onde tem seu fim?

No fundo, mágoa.

Minh’alma é água,

Que canta, que chora e fala: Doce cantiga das fontes,

Brando choro das ribeiras, Marulho eterno das vagas ...

No fundo, mágoa.

Armando Côrtes-Rodrigues, Horto Fechado e outros Poemas

Page 11: Poemas de vários autores

Mar

Mar, metade da minha alma é feita de maresia

Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,

Que há no vasto clamor da maré cheia,

Que nunca nenhum bem me satisfez.

E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia

Mais fortes se levantam outra vez,

Que após cada queda caminho para a vida,

Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal

É porque também tu revoltado e teatral

Fazes soar a tua dor pelas alturas.

E se antes de tudo odeio e fujo

O que é impuro, profano e sujo,

É só porque as tuas ondas são puras.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Page 12: Poemas de vários autores

Eu …

Eu sou a que no mundo anda perdida,

Eu sou a que na vida não tem norte,

Sou a irmã do Sonho e desta sorte

Sou a crucificada … a dolorida …

Sombra de névoa tênue e esvaecida,

E que o destino amargo, triste e forte,

Impele brutalmente para a morte!

Alma de luto sempre incompreendida!…

Sou aquela que passa e ninguém vê…

Sou a que chamam triste sem o ser…

Sou a que chora sem saber porquê…

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,

Alguém que veio ao mundo pra me ver,

E que nunca na vida me encontrou!

Florbela Espanca

Page 13: Poemas de vários autores

Mudam-se os tempos,

mudam-se as vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,

Diferentes em tudo da esperança;

Do mal ficam as mágoas na lembrança,

E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,

Que já coberto foi de neve fria,

E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,

Outra mudança faz de mor espanto:

Que não se muda já como soía.

Luís de Camões

Page 14: Poemas de vários autores

Regresso

E contudo perdendo-te encontraste. E nem deuses nem monstros nem tiranos

te puderam deter. A mim os oceanos. E foste. E aproximaste.

Antes de ti o mar era mistério.

Tu mostraste que o mar era só mar. Maior do que qualquer império

foi a aventura de partir e de chegar.

Mas já no mar quem fomos é estrangeiro e já em Portugal estrangeiros somos.

Se em cada um de nós há ainda um marinheiro vamos achar em Portugal quem nunca fomos.

De Calicute até Lisboa sobre o sal

e o Tempo. Porque é tempo de voltar e de voltando achar em Portugal

esse país que se perdeu de mar em mar.

Manuel Alegre

Page 15: Poemas de vários autores

Tempo de Poesia

Todo o tempo é de poesia

Desde a névoa da manhã à névoa do outo dia.

Desde a quentura do ventre à frigidez da agonia

Todo o tempo é de poesia

Entre bombas que deflagram. Corolas que se desdobram.

Corpos que em sangue soçobram. Vidas qua amar se consagram.

Sob a cúpula sombria das mãos que pedem vingança.

Sob o arco da aliança da celeste alegoria.

Todo o tempo é de poesia.

Desde a arrumação ao caos à confusão da harmonia.

António Gedeão

Page 16: Poemas de vários autores

Lição sobre a água Este líquido é água.

Quando pura

é inodora, insípida e incolor.

Reduzida a vapor,

sob tensão e a alta temperatura,

move os êmbolos das máquinas que, por isso,

se denominam máquinas de vapor.

É um bom dissolvente.

Embora com excepções mas de um modo geral,

dissolve tudo bem, bases e sais.

Congela a zero graus centesimais

e ferve a 100, quando à pressão normal.

Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,

sob um luar gomoso e branco de camélia,

apareceu a boiar o cadáver de Ofélia

com um nenúfar na mão.

António Gedeão

Page 17: Poemas de vários autores

Heroísmos

Eu temo muito o mar, o mar enorme,

Solene, enraivecido, turbulento,

Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;

O mar sublime, o mar que nunca dorme.

Eu temo o largo mar, rebelde, informe,

De vítimas famélico, sedento,

E creio ouvir em cada seu lamento

Os ruídos dum túmulo disforme.

Contudo, num barquinho transparente,

No seu dorso feroz vou blasonar,

Tufada a vela e n'água quase assente,

E ouvindo muito ao perto o seu bramar,

Eu rindo, sem cuidados, simplesmente,

Escarro, com desdém, no grande mar!

Cesário Verde