põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por victor h. azevedo

24
põe duas horas no super nintendo qu’eu quero esquecer da minha vida

Upload: la-bodeguita

Post on 31-Jul-2016

215 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Victor H. Azevedo (Natal, 1995) tem textos e ilustrações publicadas em pela revista Loki, pela Germina e pela Diversos Afins. Publicou diversos zines - como Fábrica de Flores, Passeio Cadente e O Amor é Simples - e posta vez em quando coisas no http://vvctrh.tumblr.com/

TRANSCRIPT

Page 1: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

põe duas

horas no

super

nintendo

qu’eu quero

esquecer da

minha vida

Page 2: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo
Page 3: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

põe duas horas no super nintendo

qu’eu quero esquecer da minha

vida

(por victor h. azevedo)

Page 4: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo
Page 5: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

“Waking up in these places I don't remember

Texts from people I never met, doors left open

I don't know who I am anymore”

Childish Gambino

“Ready...

Say, ‘fuzzy pickles.’”

Earthbound

“É preciso retomar a saída da cidade

alimentar os estrangeiros chegados na

[madrugada

e que depois de terem os pés lavados

acenderam suas fogueiras[...]”

Júlia de Carvalho Hansen

Page 6: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

***

estas são minhas últimas moedas. não

desconheço o risco que corro ao lhe pagar meu

último tostão para tentar desaparecer com

minhas tempestades por uma fração de

primavera. sei que caso eu morra aqui nesse

tempo que decorre ao passo da minha fala ou da

nossa quietude não terei como molhar a mão do

caronte para que ele me carregue em sua barca

e me hospitalize seja onde o destino quiser. sei

também que caso isso ocorra eu ficarei

algemado a uma infinita dança de cadeiras. mas

não me mordo por causa disso. por certo tu não

queres um espírito habitando sua locadora. mas

lhe confirmo: se eu sentir algum órgão meu

travar ou qualquer ocorrência relacionada

durante a jogatina (olhos tiquetaqueando

sangue engrossando articulações desmanchando

Page 7: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

fumaça saindo das narinas) saio correndo para o

lado de fora e faleço na calçada mesmo quem

sabe até na esquina ou com uma sorte

derradeira eu desabe ao lado de uma cerejeira e

aí não seja necessário um funeral: basta que

recolham meus grãos e o depositem debaixo das

sandálias da tal cerejeira. prometo ser um

fantasma discreto e benevolente se morrer em

tal lugar. agora por favor: põe duas horas no

super nintendo qu’eu quero esquecer da minha

vida.

***

Tento peneirar o máximo de fogo possível.

Separar o que vem desses pequeninos sois

que brotam quando penso em cachorros

e o que vem dos poemas que fiz para dar

de comer à meditação das plantas.

Desenhei a onisciência de uma chuva

Page 8: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

que molhou toda a destruição de uma

manhã, de uma manhã que parecia

ser domável com um pacato balde d'água.

Erro de tradução. Dizem que hipnose

pode curar essa minha falta de

bússolas, minha presença dissipada

nos mapas. Talvez não haja concentração

suficiente no meu estado líquido para isso.

Sou refém dessa cadeira a qual me ancoro.

Não consigo mais ser volátil sem ser

uma célula genocida. Não há escapatória.

Eu poderia dizer que quero desaparecer,

mas na realidade eu quero apenas

caber em uma gaveta, e ficar lá

enquanto meu rosto se transforma

em uma montanha. Por conta do mofo,

por conta da gasolina, por conta do preço

a se pagar em juros por nunca ter andado

Page 9: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

naquele cavalo que já não existe mais.

***

li o recado que você escreveu sobre aquele

[ontem

não quero falar de delicadezas com meu amigo

[gaivota

sei que vou ser apedrejado por dentes logo mais

e quando escrevo isso, é do modo mais

escabroso possível

sou suspeito para falar dessa minha

pobreza no depois do amanhã

mesmo assim danço no meu quarto fechado

ouvindo o que os namorados chamam

de canção para lavar os pés

não quero ninguém pra advogar a meu favor

neste hospício

Page 10: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

estou indo me refugiar no país do chão de

[mariposas

não vou dar meu endereço a ninguém

a não ser a minha mãe, que é quem envia beijos

[pelo correio

e é só com eles que consigo aquecer meu sono

acho que você está certa sobre os músculos do

[vento

mas não tão certa quanto ao magma nos meus

[olhos

li o recado que você escreveu meu amigo

[gaivota

sem dentes escabrosamente falando e dançando

uma cantiga de quarto fechado lavando o

[hospício

o precipício os pés e o precipício refúgio de

Page 11: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

[mariposas

ninguém envia beijos mais pela televisão acho

[que você

está bonita e que eu tenho que cortar meu

[cabelo logo.

***

10h02

cá estou em frente à usina nuclear perto da tua

morada com uma bagagem cheia de sprays e

máscaras de gás. Hoje é feriado nacional e as

ruas estão desertas como desertos são os signos

deste feriado. desenho teu nome na muralha.

inomináveis curvas e vértices que alicerçam a

polpa de cada letra. faço isso de manhã mas não

tenho medo mais da polícia. Só dos cães que

eles adestram diabolicamente.

Page 12: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

pronto. Aqui está: teu nome e uma coroa de

flores sobre ele. Não sei desenhar corações. mas

flores eu sei. também não sei escrever eu te

amo. Tal verbete foi sequestrado do meu

vocabulário há sete anos atrás quando uma

menina beijou minha cabeça e arrancou com os

lábios meia dúzia de palavras que hoje pra mim

são como o casulo vazio de alguma lagarta

florescente, que já não é florescente e nem

lagarta.

espero que quando você voltar da groenlândia

os pombos ainda não tenham cagado tudo de

brancura e seu nome – e principalmente a coroa

de flores – ainda sejam legíveis a tua mira de

centeio.

***

Page 13: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

Já deixei de sonhar com o círculo perfeito

materializado por uma mão caprina. Quando foi

que isso aconteceu? Tu já tinhas tirado a licença

para pilotar o ônibus escolar. Olhar seus olhos

ao entardecer naquela região foi como ver uma

gangue de crianças brincando com pólvora em

uma noite castanha. Era um alfabeto inédito

para mim que emanava das tuas córneas.

O amarelo nunca havia sido tão bonito

quanto naquela época. Estávamos habituados a

nos animar por via das travessas e dos chás que

sua avó nos preparava com tanto toque de

porcelana. Mas os batimentos foram tornando-

se assimétricos, retardados, e bem, alguém

acordou numa manhã mais cedo que o outro e

não houve a habitual guerra de travesseiros.

***

Page 14: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

me passa essa faca aí que tá do teu lado

essa com minhas iniciais gravadas na lâmina

essa faca que é amolada só à noite

para não afugentar o raiar dos galos com teu

[canto

não tenha medo é só uma faca

e não uma hidra ou detetive ou escorpião

a faca não morde

arranquei os dentes delas no dia em que a

[ganhei

a única coisa que ela faz é mostrar a língua

e também afiar o vento em outros idiomas de

[assobio

Page 15: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

agora me dá aqui essa faca

que eu quero cortar essa estrela e ver

se dentro dela há mesmo uma respiração

cósmica que brilha no escuro.

***

você ria de comédias pastelão,

dos sapatos de salto de 20 andares das madames

e também das bochechas da la niña

eu ria dessa tristeza arpejada,

do gorila que sempre nos dava bom-dia no

[supermercado

e também dos cigarros sepultados no meu peito.

***

dizia eu quando tu ias ao toalete:/quero ficar

solitário/com meu piano de armário/sem

nenhum rouxinol pra me infernizar./talvez/

Page 16: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

apenas ficar avizinhado pela minha aldeia/ -

talvez -/ para não sentir tanto remorso/ de

acordar com o gorjeio do vizinho/ regando as

plantas./

eu datilografaria poemas impronunciáveis nas

teclas/tentando captar as cores de certas

palavras/e as manuseando/ em frases dentro de

uma melodia de/compondo vocábulos

/desmontando delineando/ beterraba seria um

som grave se esparramando no

matagal/ventilador um piado ligeiro gaguejando

brisa/ meus dedos ficariam compridos feito

costelas com tanta articulação/ garfo seria uma

composição rápida sem grandes estripulias/

avenida uma canção rouca e febril de 1020

segundos. /

Page 17: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

seria pedir muito isso?/ acho que sim/ mas não

custa sonhar/ talvez amanhã haja uma

reviravolta/ e tenhamos que parcelar cada

sonolência nossa.

***

já chorei no meio de uma

festa

sem medo depois que me

descobri

Page 18: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

como se fosse um mortal e felizardo

rascunho de epitáfio sobre uma

cama

sendo apagado me arrependi

por uma mão bravia de não respirar

com as artérias estufadas com tanta fé

de chuva e vermelho no dia em que

me vi.

***

reimprimir certos sonhos:

certos sonhos indeléveis

que perdem a penugem

por conta da inauguração dos olhos.

devagar com o botões:

os botões que são esse mural

que levo comigo em viagem

Page 19: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

para recordar das unhas do meu navio.

mais um nome no bestiário:

no bestiário a divina tragicomédia

dos meus dias vivendo

com um tigre extinto.

reimprimir certos sonhos:

sabendo que certos sonhos

mesmo indeléveis numa

segunda edição sofrem

com os erros que os olhos martelam

até não poder mais.

***

hoje nenhum pássaro pousou sobre o varal de

Page 20: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

[roupas.

talvez porque não haviam fardas ou meias ou

[lençóis por lá

ou porque não haja mais sementes a serem

[furtadas

nos bolsos das minhas bermudas florais.

Page 21: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo
Page 22: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

la bodeguita edições –março de 2016

“life is pain; read poetry”

Page 23: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo
Page 24: Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

la bodeguita