põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por victor h. azevedo
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Victor H. Azevedo (Natal, 1995) tem textos e ilustrações publicadas em pela revista Loki, pela Germina e pela Diversos Afins. Publicou diversos zines - como Fábrica de Flores, Passeio Cadente e O Amor é Simples - e posta vez em quando coisas no http://vvctrh.tumblr.com/TRANSCRIPT
põe duas
horas no
super
nintendo
qu’eu quero
esquecer da
minha vida
põe duas horas no super nintendo
qu’eu quero esquecer da minha
vida
(por victor h. azevedo)
“Waking up in these places I don't remember
Texts from people I never met, doors left open
I don't know who I am anymore”
Childish Gambino
“Ready...
Say, ‘fuzzy pickles.’”
Earthbound
“É preciso retomar a saída da cidade
alimentar os estrangeiros chegados na
[madrugada
e que depois de terem os pés lavados
acenderam suas fogueiras[...]”
Júlia de Carvalho Hansen
***
estas são minhas últimas moedas. não
desconheço o risco que corro ao lhe pagar meu
último tostão para tentar desaparecer com
minhas tempestades por uma fração de
primavera. sei que caso eu morra aqui nesse
tempo que decorre ao passo da minha fala ou da
nossa quietude não terei como molhar a mão do
caronte para que ele me carregue em sua barca
e me hospitalize seja onde o destino quiser. sei
também que caso isso ocorra eu ficarei
algemado a uma infinita dança de cadeiras. mas
não me mordo por causa disso. por certo tu não
queres um espírito habitando sua locadora. mas
lhe confirmo: se eu sentir algum órgão meu
travar ou qualquer ocorrência relacionada
durante a jogatina (olhos tiquetaqueando
sangue engrossando articulações desmanchando
fumaça saindo das narinas) saio correndo para o
lado de fora e faleço na calçada mesmo quem
sabe até na esquina ou com uma sorte
derradeira eu desabe ao lado de uma cerejeira e
aí não seja necessário um funeral: basta que
recolham meus grãos e o depositem debaixo das
sandálias da tal cerejeira. prometo ser um
fantasma discreto e benevolente se morrer em
tal lugar. agora por favor: põe duas horas no
super nintendo qu’eu quero esquecer da minha
vida.
***
Tento peneirar o máximo de fogo possível.
Separar o que vem desses pequeninos sois
que brotam quando penso em cachorros
e o que vem dos poemas que fiz para dar
de comer à meditação das plantas.
Desenhei a onisciência de uma chuva
que molhou toda a destruição de uma
manhã, de uma manhã que parecia
ser domável com um pacato balde d'água.
Erro de tradução. Dizem que hipnose
pode curar essa minha falta de
bússolas, minha presença dissipada
nos mapas. Talvez não haja concentração
suficiente no meu estado líquido para isso.
Sou refém dessa cadeira a qual me ancoro.
Não consigo mais ser volátil sem ser
uma célula genocida. Não há escapatória.
Eu poderia dizer que quero desaparecer,
mas na realidade eu quero apenas
caber em uma gaveta, e ficar lá
enquanto meu rosto se transforma
em uma montanha. Por conta do mofo,
por conta da gasolina, por conta do preço
a se pagar em juros por nunca ter andado
naquele cavalo que já não existe mais.
***
li o recado que você escreveu sobre aquele
[ontem
não quero falar de delicadezas com meu amigo
[gaivota
sei que vou ser apedrejado por dentes logo mais
e quando escrevo isso, é do modo mais
escabroso possível
sou suspeito para falar dessa minha
pobreza no depois do amanhã
mesmo assim danço no meu quarto fechado
ouvindo o que os namorados chamam
de canção para lavar os pés
não quero ninguém pra advogar a meu favor
neste hospício
estou indo me refugiar no país do chão de
[mariposas
não vou dar meu endereço a ninguém
a não ser a minha mãe, que é quem envia beijos
[pelo correio
e é só com eles que consigo aquecer meu sono
acho que você está certa sobre os músculos do
[vento
mas não tão certa quanto ao magma nos meus
[olhos
li o recado que você escreveu meu amigo
[gaivota
sem dentes escabrosamente falando e dançando
uma cantiga de quarto fechado lavando o
[hospício
o precipício os pés e o precipício refúgio de
[mariposas
ninguém envia beijos mais pela televisão acho
[que você
está bonita e que eu tenho que cortar meu
[cabelo logo.
***
10h02
cá estou em frente à usina nuclear perto da tua
morada com uma bagagem cheia de sprays e
máscaras de gás. Hoje é feriado nacional e as
ruas estão desertas como desertos são os signos
deste feriado. desenho teu nome na muralha.
inomináveis curvas e vértices que alicerçam a
polpa de cada letra. faço isso de manhã mas não
tenho medo mais da polícia. Só dos cães que
eles adestram diabolicamente.
pronto. Aqui está: teu nome e uma coroa de
flores sobre ele. Não sei desenhar corações. mas
flores eu sei. também não sei escrever eu te
amo. Tal verbete foi sequestrado do meu
vocabulário há sete anos atrás quando uma
menina beijou minha cabeça e arrancou com os
lábios meia dúzia de palavras que hoje pra mim
são como o casulo vazio de alguma lagarta
florescente, que já não é florescente e nem
lagarta.
espero que quando você voltar da groenlândia
os pombos ainda não tenham cagado tudo de
brancura e seu nome – e principalmente a coroa
de flores – ainda sejam legíveis a tua mira de
centeio.
***
Já deixei de sonhar com o círculo perfeito
materializado por uma mão caprina. Quando foi
que isso aconteceu? Tu já tinhas tirado a licença
para pilotar o ônibus escolar. Olhar seus olhos
ao entardecer naquela região foi como ver uma
gangue de crianças brincando com pólvora em
uma noite castanha. Era um alfabeto inédito
para mim que emanava das tuas córneas.
O amarelo nunca havia sido tão bonito
quanto naquela época. Estávamos habituados a
nos animar por via das travessas e dos chás que
sua avó nos preparava com tanto toque de
porcelana. Mas os batimentos foram tornando-
se assimétricos, retardados, e bem, alguém
acordou numa manhã mais cedo que o outro e
não houve a habitual guerra de travesseiros.
***
me passa essa faca aí que tá do teu lado
essa com minhas iniciais gravadas na lâmina
essa faca que é amolada só à noite
para não afugentar o raiar dos galos com teu
[canto
não tenha medo é só uma faca
e não uma hidra ou detetive ou escorpião
a faca não morde
arranquei os dentes delas no dia em que a
[ganhei
a única coisa que ela faz é mostrar a língua
e também afiar o vento em outros idiomas de
[assobio
agora me dá aqui essa faca
que eu quero cortar essa estrela e ver
se dentro dela há mesmo uma respiração
cósmica que brilha no escuro.
***
você ria de comédias pastelão,
dos sapatos de salto de 20 andares das madames
e também das bochechas da la niña
eu ria dessa tristeza arpejada,
do gorila que sempre nos dava bom-dia no
[supermercado
e também dos cigarros sepultados no meu peito.
***
dizia eu quando tu ias ao toalete:/quero ficar
solitário/com meu piano de armário/sem
nenhum rouxinol pra me infernizar./talvez/
apenas ficar avizinhado pela minha aldeia/ -
talvez -/ para não sentir tanto remorso/ de
acordar com o gorjeio do vizinho/ regando as
plantas./
eu datilografaria poemas impronunciáveis nas
teclas/tentando captar as cores de certas
palavras/e as manuseando/ em frases dentro de
uma melodia de/compondo vocábulos
/desmontando delineando/ beterraba seria um
som grave se esparramando no
matagal/ventilador um piado ligeiro gaguejando
brisa/ meus dedos ficariam compridos feito
costelas com tanta articulação/ garfo seria uma
composição rápida sem grandes estripulias/
avenida uma canção rouca e febril de 1020
segundos. /
seria pedir muito isso?/ acho que sim/ mas não
custa sonhar/ talvez amanhã haja uma
reviravolta/ e tenhamos que parcelar cada
sonolência nossa.
***
já chorei no meio de uma
festa
sem medo depois que me
descobri
como se fosse um mortal e felizardo
rascunho de epitáfio sobre uma
cama
sendo apagado me arrependi
por uma mão bravia de não respirar
com as artérias estufadas com tanta fé
de chuva e vermelho no dia em que
me vi.
***
reimprimir certos sonhos:
certos sonhos indeléveis
que perdem a penugem
por conta da inauguração dos olhos.
devagar com o botões:
os botões que são esse mural
que levo comigo em viagem
para recordar das unhas do meu navio.
mais um nome no bestiário:
no bestiário a divina tragicomédia
dos meus dias vivendo
com um tigre extinto.
reimprimir certos sonhos:
sabendo que certos sonhos
mesmo indeléveis numa
segunda edição sofrem
com os erros que os olhos martelam
até não poder mais.
***
hoje nenhum pássaro pousou sobre o varal de
[roupas.
talvez porque não haviam fardas ou meias ou
[lençóis por lá
ou porque não haja mais sementes a serem
[furtadas
nos bolsos das minhas bermudas florais.
la bodeguita edições –março de 2016
“life is pain; read poetry”
la bodeguita