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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE l.« INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DA BAHIA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE VITÓRIA DA CONQUISTA Autos 4592-07.2014 Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Réus: ROBERTO LUCIANO MUSSI ORRICO e CASA DE SAÚDE SANTA MARIA LTDA SENTENÇA RELATÓRIO Trata-se de ação de responsabilização por improbidade administrativa e de reparação de dano, inclusive coletivo. Afirma o MPF que o Ministério Público do Estado da Bahia noticiou a ocorrência de pagamentos com recursos do SUS por serviços não prestados pela Casa de Saúde Santa Maria, situada em Itapetinga-Bahia e gerida pelo Réu Roberto Luciano Mussi Orrico. Os pagamentos ilícitos, segundo o MPF, foram os seguintes: Helenice Santos Araújo: recebeu a carta SUS n. 76394191990 a fim de opinar sobre a qualidade do atendimento referente à sua internação na Casa de Saúde Santa Maria (CNES 2417146), especificando a data de internação e o procedimento realizado (tratamento de doenças infecciosas e intestinais), no valor de R$ 324,90. Tais informações teriam sido veementemente refutadas por Helenice Araújo uma vez que nessa data se encontrava trabalhando no posto de saúde Orfísia Andrade. Ainda assim, o Réu Roberto Orrico solicitou ao SUS autorização de internação hospitalar em nome dela. Eunice Pereira da Silva: recebeu a carta SUS n. 31940858844 para também opinar sobre a qualidade da internação no mesmo estabelecimento de saúde, na data de 12 a 14 de janeiro de 2012, para fins do procedimento de tratamento de outras doenças bacterianas. Igualmente teria havido negativa de que tivesse se submetido a qualquer procedimento. Ilza Maria da Silva Moreira: Carta SUS n. 63069622930 solicitando informações sobre a qualidade de atendimento referente à internação ocorrida no período entre os dias 11/11 a 14/11/2011. Teria havido também negativa, tendo tal pessoa se dirigido ao Ministério Público do Estado da Bahia para afirmar que jamais fora internada na Casa de Saúde Santa Maria. Orlando de Jesus: Carta SUS 35226479598 recebida pela representante legal, uma vez que Orlando de Jesus tinha falecido. A

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PODER JUDICIÁRIOJUSTIÇA FEDERAL DE l.« INSTÂNCIA

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA BAHIASUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE VITÓRIA DA CONQUISTA

Autos 4592-07.2014

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Réus: ROBERTO LUCIANO MUSSI ORRICO e CASA DE SAÚDE SANTA MARIALTDA

SENTENÇA

RELATÓRIO

Trata-se de ação de responsabilização por improbidadeadministrativa e de reparação de dano, inclusive coletivo.

Afirma o MPF que o Ministério Público do Estado da Bahianoticiou a ocorrência de pagamentos com recursos do SUS por serviços nãoprestados pela Casa de Saúde Santa Maria, situada em Itapetinga-Bahia e geridapelo Réu Roberto Luciano Mussi Orrico.

Os pagamentos ilícitos, segundo o MPF, foram os seguintes:

Helenice Santos Araújo: recebeu a carta SUS n.76394191990 a fim de opinar sobre a qualidade do atendimento referente à suainternação na Casa de Saúde Santa Maria (CNES 2417146), especificando a data deinternação e o procedimento realizado (tratamento de doenças infecciosas eintestinais), no valor de R$ 324,90.

Tais informações teriam sido veementemente refutadas porHelenice Araújo uma vez que nessa data se encontrava trabalhando no posto desaúde Orfísia Andrade. Ainda assim, o Réu Roberto Orrico solicitou ao SUSautorização de internação hospitalar em nome dela.

Eunice Pereira da Silva: recebeu a carta SUS n. 31940858844para também opinar sobre a qualidade da internação no mesmo estabelecimentode saúde, na data de 12 a 14 de janeiro de 2012, para fins do procedimento detratamento de outras doenças bacterianas. Igualmente teria havido negativa deque tivesse se submetido a qualquer procedimento.

Ilza Maria da Silva Moreira: Carta SUS n. 63069622930solicitando informações sobre a qualidade de atendimento referente à internaçãoocorrida no período entre os dias 11/11 a 14/11/2011. Teria havido tambémnegativa, tendo tal pessoa se dirigido ao Ministério Público do Estado da Bahiapara afirmar que jamais fora internada na Casa de Saúde Santa Maria.

Orlando de Jesus: Carta SUS 35226479598 recebida pelarepresentante legal, uma vez que Orlando de Jesus já tinha falecido. A

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correspondência discriminava tratamento de crise hipertensíva e de doençascrónicas das vias aéreas superiores. A viúva teria informado que ele apenascomparecera àquela unidade para realizar uma consulta médica, sem internação, eque também seu esposo não padecia de transtornos respiratórios crónicos oudoença hipertensíva.

Depois de enquadrar os Réus na Lei 8.429/92, pediu suacondenação nas sanções previstas no art. 12 desse diploma legal, além decondenação por danos morais coletivos.

Os Réus foram notificados regularmente (fls. 338), mas nãoapresentaram defesa preliminar (certidão de fls. 342). A decisão de fls. 343-344recebeu a inicial e ordenou sua citação pessoal.

A decisão de fls. 441-443 recebeu as defesas preliminaresintempestivas, de fls. 351-390 e 392-439, como contestações. Na primeira daspeças mencionadas, oferecida por Roberto Luciano Mussi Orrico, este alegouinépcia da inicial por ausência de causa de pedir de ressarcimento de dano aoerário por existir "apenas pedido simplório neste sentido no final dos pedidospostulados na inicial". Arguiu ilegitimidade passiva por entender figurar no polopassivo apenas por ser representante da Casa de Saúde Santa Maria. No mérito,alegou ter havido meras irregularidades que não se confundem com improbidade.Afirmou que os atendimentos, internamentos e procedimentos médicos ecirúrgicos foram efetivamente realizados pela Unidade de Saúde. Sustentou não terhavido dano nem dolo, que não podem ser presumidos. Pediu extinção doprocesso sem julgamento de mérito ou improcedência.

Associação de Assistência Médica e Odontológica deItapetinga, em sua defesa, arguiu inépcia da inicial, porque não aponta dolo, má fé,prejuízo ao erário e enriquecimento ilícito. No mérito, afirmou que os serviçosforam devidamente prestados, conforme prontuários acostados, sendo que asauditorias não agiram com precisão nesse caso. Pediu extinção do processo ouimprocedência.

A decisão de fls. 441-443 determinou intimação das partespara dizer das provas a produzir. A decisão de fls. 449 repeliu o requerimento deprazo em dobro para defesa preliminar e reafirmou a decisão de fls. 441-443.Roberto Luciano Mussi Orrico interpôs agravo de instrumento desta decisão (fls.524-537).

MPF indicou prova testemunhal (fls. 467). Roberto LucianoMussi Orrico requereu produção de depoimento pessoal, prova testemunhal,pericial e inspeção judicial (fls. 475-476). A decisão de fls. 478 dispôs sobre asprovas requeridas e decretou preclusão em desfavor de Associação de AssistênciaMédica e Odontológica de Itapetinga.

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Designada videoconferência para oitiva da testemunhaMaria Silvana Borges, residente em Eunápolis e regularmente intimada (fls. 577,verso), arrolada por Roberto Luciano Mussi Orrico, foi dispensada a produçãodessa prova pela ausência do Réu e seu advogado (fls. 551).

Testemunhas Cristiane de Jesus Santos, Ilza Maria da SilvaMoreira, Helenice Santos Araújo, arroladas pelo MPF, e Urcineide Caetano Thibes,arrolada pelo Réu Roberto Orrico, inquiridas na Comarca de Itapetinga (fls. 587-590). O MPF, em atendimento ao despacho de fls. 593, não se interessou pelaoitiva de duas outras testemunhas remanescentes, preferindo apresentarmemorial (fls. 594-604). Casa de Saúde Santa Maria Ltda apresentou memorial àsfls. 609-610. Roberto Luciano Mussi Orrico às fls. 611-623.

É o relatório. Decido.

FUNDAMENTAÇÃO

1. Convém de plano rechaçar a tese de cerceamento dedefesa com que vem insistindo o Réu Roberto Luciano Orrico.

Note-se o seguinte: os Réus foram notificados e supuseramque o prazo de defesa era em dobro pela diversidade de patronos. Todavia, adecisão de fls. 449, apoiada no entendimento do Superior Tribunal de Justiça(AgRg no REsp 1151010/RJ), esclareceu que não se aplicava a regra do art. 241, III,do CPC/73 para prazos de notificação em defesa preliminar de improbidade. Emrazão disso, suas defesas preliminares foram consideradas intempestivas.

Citados por carta precatória expedida à Subseção Judiciáriade Eunápolis (fls. 461), os Réus não contestaram, sendo que no prazoapresentaram defesas preliminares, cujo nome dado foi desconsiderado erecebidas como contestações (fls. 442) para não prejudicá-los no direito de defesa,apesar da desatenção. Não houve recurso dos Réus nem do MPF quanto a isso.

Portanto, a insistência com a tese de defesa preliminar nãotem sentido algum.

2. A defesa de Roberto Luciano Orrico alega não havercausa de pedir para a reparação do dano pretendida somente ao final na parte dospedidos feitos na inicial.

Não procede essa arguição. Nota-se, ao longo das narrativasfactuais, que o MPF declinou e quantificou os danos ao falar sempre em"pagamento indevido". Na verdade, na parte dos pedidos é que isso não estáexplícito. Já entendi que a ausência de pedido explícito significaria sua própriainexistência. Todavia, a particularidade do tema deu ensejo a que o STJ

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considerasse não haver julgamento "ultra" ou "extra petita" nesse caso: "Não hájulgamento ultra ou extra petita se o juiz acrescenta à condenação do responsávelpelo ato de improbidade as penas cominadas pelo Art. 12, inciso III da Lei n5

8.429/92" (REsp 324282 / MT). Não há por que não sufragar orientação da Corteconstitucionalmente encarregada de dar interpretação definitiva à legislaçãofederal, como o é a Lei 8.429/1992.

3. Quanto ao mérito, o MPF tem parcial razão napretensão acusatória.

De plano, deve ser de logo metodologicamente destacadoque se os documentos que compõem investigações pré-processuais, a exemplodaquela levada a efeito pela CGU, ingressam na arena judicialmenteprocessualizada e não sofrem impugnação fundada em contraprova, seu sinete deveracidade presuntiva permanece hígido.

De um modo geral, todo e qualquer documento introduzidonos autos torna nulo o julgamento se, tendo relevância, com influência nojulgamento proferido, a parte contrária não teve oportunidade de se manifestarapós a juntada aos autos (STJ, REsp 6.081-RJ, rei. Min. Sálvio de Figueiredo; REsp66.631-SP, rei. Min. Castro Meira; REsp 34.770-5-SP, rei. Min. Nilson Naves). Essahipótese não quadra, entretanto, com o caso dos autos.

Se a parte não quer se pronunciar sobre as provas trazidascom a inicial, como fizeram os Réus, o problema deixa de ser de higidez processual.No RE 328138 / MG, relator Min. Sepúlveda Pertence, j. 16/09/2003, o SupremoTribunal Federal deixou assentada a exigência de bilateralização dentro doprocesso.

Tenha-se em mente, em complemento a essa linha deorientação, que toda e qualquer prova é neutra, tornando-se tanto mais aceitávelquanto maior for o grau de bilateralização ou plurilaterização na sua produção, seela o comportar, bem entendido. Se obedece a essa mecânica dialética e dela saiincólume, o fato de originar-se de outro processo, ainda que administrativo, deixade ser obstáculo à validade de sua aceitação.

Chama-se então de judicialização da prova essaincorporação: "Prova literal judicializada. Eficácia probante. Subsídios literais,constituídos de cópias de inquirições testemunhais pela polícia, juntados aos autos, eensejada vista à parte 'ex adversa', que rebateu seus conteúdos substanciais,perfazem prova judicializada, pois submetida ao crivo do contraditório" (RJTJERGS159/378, apud Theotonio Negrão, Código de processo civil art. 332:4).

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Como consequência, deixou assentado o STJ no REsp644994/MG, DJ 21/03/2005: "as provas colhidas no inquérito têm valor probatóriorelativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem serafastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob avigilância do contraditório" (Recurso Especial n. 476.660-MG, relatora MinistraEliana Calmon, DJ de 4,8.2003).

No caso dos autos, isso ganha especial relevo porque aoportunidade para desconstituir a presunção nascida desses documentos públicos(auditoria da Secretaria Municipal de Saúde e do DENASUS) foi na fase deespecificação de provas, aberta às partes (fls. 443), sem que os Réus tenham seinteressado em produzir prova pericial quando intimados a torná-la clara atravésde modalidade específica (fls. 478-479)

3.1. Apesar da reiterada afirmação dos Réus de que osserviços e procedimentos médicos foram prestados às pessoas listadas na inicial,as provas documentais apontam na direção contrária, a começar da SecretariaMunicipal de Saúde, que, ao tomar conhecimento da denúncia encaminhada peloPromotor de Justiça de Itapetinga sobre o caso de Helenice Araújo, acrescentou ode Eunice Pereira Silva, que recebeu carta do Ministério da Saúde solicitandoavaliação do seu internamento, carta similar à que consta de fls. 30, endereçada aOrlando de Jesus, já falecido (fls. 33), que sua esposa declarou jamais ter estadointernato naquela unidade de saúde (fls. 29).

Na Auditoria realizada pela Secretaria do Município sedescobriu, quanto a Eunice, "ficha de notificação de internamento com a assinaturado paciente diferente do nome da mesma" (fls. 43). Além disso, foi detectado que"durante uma nova avaliação do prontuário da paciente acima citada, foiidentificado que a folha de evolução de enfermagem a qual anteriormente constavamdatas incompatíveis com as datas da prescrição médica (Anexo III) foi subtraída doprontuário e ali fora colocada uma nova folha de evolução (Anexo IV), só que agoracoincidente com as datas da prescrição médica, Esse fato foi percebido e confirmadopela análise das folhas anteriores que contêm várias perfurações de grampodiferentemente do padrão de perfuração da nova folha de evolução de enfermagem"(fls. 43).

Que constou não ter havido atendimento, não há tambémdúvida, pelo que informou o DENASUS pelos documentos de fls. 103, verso, a 120,estando aí listados Orlando de Jesus e Eunice Pereira da Silva. Note-se que num dosespelhos de Autorização de Internação Hospitalar-AIH consta que a responsávelpelo paciente Orlando de Jesus era Cristiane de Jesus Santos (fls. 118), a mesmaque desmentiu, perante a Promotoria de Justiça de Itapetinga, que ele tenha sidointernado.

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O DENASUS, que realizou a Auditoria 13.878, confirmou osfatos (fls. 175, 176, 178, 179], tendo concluído haver ocorrido pagamentos porprocedimentos não realizados (fls. 182).

Em Juízo, as testemunhas ratificaram o que já tinham dito nafase pré-processual: foi assim com Cristiane de Jesus Santos, que negou que tivessehavido internamento de Orlando de Jesus como consta da AIH, mas tão só meraconsulta e realização de exame ultrassonográfico (fls. 587); foi assim com llzaMaria da Silva Moreira, que nem nunca esteve no estabelecimento (fls. 588); foiassim com Helenice Santos Araújo (fls. 589). A Enfermeira Urcineide CaetanoThibes, testemunha arrolada pelo Réu Roberto Luciano Orrico, declarou: "que teveconhecimento de irregularidades nos serviços prestados no Hospital Santa Maria;que na época ficou chocada; que não sabe quem preenchia os formulários de formasimulada" (ns. 590).

3.2. Sem qualquer margem a dúvida, vê-se que asinformações lançadas nas AIH's dando conta de serviços médicos e procedimentosem favor de Helenice Santos Araújo, Eunice Pereira da Silva, llza Maria da SilvaMoreira e Orlando de Jesus, por serem falsas, tiveram como único fim fraudarrecursos do SUS.

O enquadramento é então do caput do art 9e, caput, e incisoXI, da Lei 8.429/1992:

Art 9° Constitui ato de improbidade administrativaimportando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipode vantagem patrimonial indevida em razão do exercíciode cargo, mandato, função, emprego ou atividade nasentidades mencionadas no art. 1° desta lei, enotadamente:

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimóniobens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervopatrimonial das entidades mencionadas no art. 1° destalei.

Note-se que, aqui, não se nega que esses valores ingressaramna receita da unidade de saúde. A defesa se limitou a dizer quer os serviços foramexecutados, o que se viu não ser verdadeiro. Houve, assim, incorporação ao caixados valores repassados como pagamento.

3.3. No ponto da responsabilidade, todavia, se ela é nítidapara a Casa de Saúde Santa Maria Ltda, o mesmo não se pode dizer quanto aRoberto Luciano Mussi Orrico.

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A imputação a ele decorre de sua condição de diretor daunidade de saúde Casa de Saúde Santa Maria Ltda.

Todavia, o quadro institucional da entidade não estavasimplesmente reduzida à figura de seu gestor. O depoimento de Enfermeira chefeUrcineide Caetano Thibes baliza bem a complexidade da questão: "que era costumeno hospital a interrogada assinar prontuários de atendimento sem poder verificar seo paciente realmente recebeu o respectivo serviço/atendimento, pois os prontuáriosnão eram assinados no devido momento, até mesmo porque era comum ainexistência de médicos plantonistas no local, que só ficavam de sobreaviso; que eracomum a testemunha assinar prontuários de atendimento que não condiziam comperíodos em que a mesma sequer estava trabalhando; que referida prática era usualno Santa Maria" (fls. 590].

Nessa configuração dos fatos, imputar coautoria ao gestor,sem que haja qualquer relação entre ela e as provas, seja documentais, sejatestemunhais, pois no âmbito delas seu nome jamais foi ao menos citado, étangenciar responsabilidade objetiva.

Convém lembrar que o STF já fixou que "as sanções por atode improbidade componente penal, embora sem perder a ação a natureza cível" [HC100244 AgR / SP, rei. Min. Eros Grau, j. 24.11.2009; Rcl 2186 / DF, rei. Min. GilmarMendes, j. 22.04.2008)".

No mesmo sentido, o STJ: "É uníssona a doutrina no sentidode que, quanto aos aspectos sancionatórios da Lei de Improbidade, impõe-se exegeseidêntica a que se empreende com relação às figuras típicas penais, quanto ànecessidade de a improbidade colorir-se de atuar imoral com feição de corrupção denatureza económica"; por isso que "a atipicidade da conduta que no processo penalconduz à rejeição da denúncia, autoriza o indeferimento da inicial porimpossibilidade jurídica do pedido" (Resp 721190 / CE, rei. Min. Luiz Fux). Tambémse trata de linha de entendimento do TRF1: "os direitos e interesses tutelados, naação de improbidade administrativa, a despeito de serem de natureza cível, têminterfaces com o direito penal" (AG 0038192-51.2011.4.01.0000 / PA, rei. Min.Assusete Magalhães, j. 02/07/2012).

Nessa perspectiva ontológica, não se pode admitir quecompita à defesa desarticular a incongruência lógica entre os fatos antecedentesfavoráveis e a conclusão de enquadramento desfavorável da inicial.

O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamenterechaçado esse modelo de acusação. No julgamento da Apn 214 / SP, rei. Min. LuizFux, DJe 01/07/2008, deixou assentado: "Sob esse ângulo, a doutrina e a

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jurisprudência preconizam: No processo criminal, máxime para condenar, tudo deveser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressãoalgébrica. Condenação exige certeza..., não bastando a alta probabilidade..., sob penade se transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio (in RT. 619/267,sobre o escólio de CARRARA)".

No julgamento do HC 120426 / RJ, rei. Min. Marco AurélioBellizze, DJe 13/02/2012, a Corte rejeitou sentença que "inverteu equivocadamenteo ónus da prova, atribuindo à defesa o dever não só de demonstrar sua alegação deinocência, como também de refutar as imputações do parquet, em manifesta ofensaao sistema processual penal acusatório, ao princípio constitucional da nãoculpabilidade (art 5g, LVll, da Constituição Federal), bem como ao comandoinsculpido no art. 156, primeira parte, do Código de Processo Penal, que preceituaque 'a prova da alegação incumbirá a quem afizer'".

Tornou-se matéria totalmente pacificada a proibição deinversão do ónus da prova, uma vez que "a acusação deve provar a ocorrência docrime imputado ao denunciado, não havendo inversão do ónus da prova com orecebimento da denúncia" (RHC 22982 / SP, rei. Ministra fane Silva DJe13/10/2008. No mesmo sentido: HC 27684 / AM e HC 66304 / SP).

O mesmo raciocínio vale para os domínios da improbidadequando se trata de "titular da ação civil de improbidade, a quem incumbe comprovaro alegado na inicial", uma vez que, "como se sabe, é o autor que deve demonstrar aocorrência de fatos e, mais do que isso, que tem o dever de delimitar as condutas decada agente supostamente envolvido com o ato ímprobo" (ST], REsp 765958 / PR,rei. Mauro Campbell Marques, DJe 19/11/2009), o que significa dizer que "o artigo333,1, do CPC resta violado nas hipóteses em que a ação de improbidade por dano aoerário impõe ao réu o ónus de comprovar que não houve prejuízo, com ilegalinversão do ónus probandi" (REsp 763941/MG, rei. Min. Luiz Fux).

A se logicar de forma diversa, termina-se por abrigarresponsabilidade objetiva, como assentou o Superior Tribunal de Justiça emEmbargos de Divergência (EREsp 875163 / RS, rei. Min. Mauro Campbell Marques,DJe 30/06/2010), pacificando de vez o tema:

Efetivamente, as Turmas de Direito Público desta CorteSuperior divergiam sobre o tema, pois a Primeira Turmaentendia ser indispensável a demonstração de conduta dolosapara a tipiflcação do referido ato de improbidadeadministrativa, enquanto a Segunda Turma exigia para aconfiguração a mera violação dos princípios da AdministraçãoPública, independentemente da existência do elementosubjetivo.

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3. Entretanto, no julgamento do REsp 765.212/AC (Rei. Min.Herman Benjamin, DJe de 23.6.2010), a Segunda Turmamodificou o seu entendimento, no mesmo sentido daorientação da Primeira Turma, afim de afastar a possibilidadede responsabilidade objetiva para a configuração de ato deimprobidade administrativa.4. Assim, o Superior Tribunal de Justiça pacificou oentendimento no sentido de que, para a configuração do ato deimprobidade administrativa previsto no art. 11 da Lei8.429/92, é necessária a presença de conduta dolosa, nãosendo admitida a atribuição de responsabilidade objetiva emsede de improbidade administrativa.5. Ademais, também restou consolidada a orientação de quesomente a modalidade dolosa é comum a todos os tipos deimprobidade administrativa, especificamente os atos queimportem enriquecimento ilícito (art. 9-), causem prejuízo aoerário (art. 10) e atentem contra os princípios daadministração pública (art. 11), e que a modalidade culposasomente incide por ato que cause lesão ao erário (art. 10 daLIA).

Deve ser arredada, pois, a imputação em relação ao RéuRoberto Luciano Mussi Orrico, por insuficiências de provas que o incriminem,remanescendo somente a outra Codemandada.

4. Dano moral coletivo: há inteira adequação nessepedido, diante do impacto socialmente negativo de malversação de dinheiropúblico para uma finalidade tão nobre quanto a saúde pública.

Como se sabe, o STJ migrou de uma rejeição à tese do danomoral coletivo (REsp n9 971.844/RS, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, in DJe12/2/2010) para a admissão de que o Ministério Público Federal tem legitimidadepara propor ação civil pública, que objetive indenização por danos moraiscoletivos, "em decorrência de emissões de declarações falsas de exclusividade dedistribuição de medicamentos usadas para burlar procedimentos licitatórios decompra de medicamentos" (AgRg no REsp 1003126 / PB, rei. Min. BeneditoGonçalves, DJe 10/05/2011),

O valor pedido pelo MPF, R$ 20,000,00 (vinte mil reais), érazoável no contexto quantificatório.

5. Individuação das penas: Tornou-se exigênciainafastável necessidade de individuação das penas de demandados por atosímprobos (STJ, RESP 505068-PR, RESP 713537-GO, RESP 626204-RS, RESP713146-PR, RESP 631301-RS, RESP 825673-MG, RESP 664856-PR, RESP 513576-MG, RESP 794155-SP, RESP 300184-SP).

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Individuadas as condutas, as penas devem seguir aobservação já assentada pelo STJ: "o espectro sancionatório da lei induzinterpretação que deve conduzir à dosimetria relacionada à exemplariedade e àcorrelação da sanção, critérios que compõem a razoabilidade da punição, sempreprestigiada pela jurisprudência do E. STJ" (RESP 664856/PR, Relator Ministro LuizFux, DJ de 02.05.2006; RESP 507574/MG, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ de08.05.2006; RESP 513.576/MG, Relator p/ acórdão Ministro Teori Zavascki, DJ de06.03.2006J.

No caso, entretanto, de pessoas jurídicas, não é dado imporsenão ressarcimento, multa e proibição de contratar, não se conhecendo das outrassanções (REsp 1038762 / RJ, rei. Min. Herman Benjamin, j. 18/08/2009].

CONCLUSÃO

A vista do exposto:

1. Julgo improcedente o pedido em relação a RobertoLuciano Mussi Orrico.

2. Julgo procedente o pedido para condenar CASA DESAÚDE SANTA MARIA, com base no art. 9^, XI, da Lei 8.429/92, em: I.ressarcimento integral do dano efetivo no valor quantificado pelo MPF às fls.603, acrescentado de correção monetária e juro; II. multa civil no mesmomontante; III. dano moral coletivo no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais);IV. proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ouincentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que porintermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazode cinco anos.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Vitópja da Conquista, 30 de junho de 2016.

. iião Bati:João l i . i i islã de Castro Júnior

Juiz Federal titular da 1a Vara

Síibseção Judiciária de Vitória da Conquista

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