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Universidade Estadual do Ceará - UECE
Centro de Estudos Sociais Aplicados - CESA Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e
Sociedade - MAPPS
FRANCISCO ADJACY FARIAS
Pobreza e Educação: as intervenções do
BID nas políticas públicas brasileiras
]
FORTALEZA - CEARÁ 2014 . 2
2
FRANCISCO ADJACY FARIAS
Pobreza e Educação: as intervenções do BID nas
políticas públicas brasileiras
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará - CH, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Área de Concentração: Políticas Públicas e Sociedade. Orientadora: Profa. Dra. Mônica Dias Martins.
FORTALEZA - CEARÁ 2014. 2
3
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho
Bibliotecária responsável – Thelma Marylanda Silva de Melo CRB-3 / 623
F224p Farias, Francisco Adjacy
Pobreza e educação: as intervenções do BID nas políticas públicas brasileiras/ Francisco Adjacy Farias. - 2014.
CD-ROM.84f. : il. (algumas color.) ; 4 ¾ pol.
“CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)”.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados, Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, Fortaleza, 2014.
Orientação: Profª. Drª . Mônica Dias Martins.
Área de Concentração: Políticas Públicas e Sociedadel.
1. Políticas Públicas . 2. Pobreza. 3. Educação. 4. Multilateralismo.
I. Título.
CDD: 320.981
4
Universidade Estadual do Ceará – UECE Centro de Estudos Sociais Aplicados - CESA
Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade - MAPPS
FRANCISCO ADJACY FARIAS
Pobreza e Educação: as intervenções do BID nas políticas públicas brasileiras
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Área de Concentração: Políticas Públicas e Sociedade. Orientadora: Profa.Dra. Mônica Dias Martins
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AGRADECIMENTOS
À professora e amiga Mônica Martins, por todo o seu empenho prestado na
construção desse trabalho, Cristina Medeiros, Cesar Weyne, Aline Marques,
Angícia Gomes, Daniel Andrade, aos meus colegas da turma 12, e aos
professores: Horácio Frota, Geovani Jacó, Socorro Osterne, Valdemarin Coelho, e
Bosco Feitosa.
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RESUMO
Esse trabalho analisa as intervenções do Banco Interamericano de Desenvolvimento/BID nas políticas públicas brasileiras na área de Educação a partir do ano 2000 até o presente. O campo empírico da pesquisa são os programas educacionais e de combate à pobreza, promovidos e financiados pelo BID, por vezes, conjuntamente com o Banco Mundial. A pesquisa tem como apoios teórico-metodológicos a literatura sobre nações, multilateralismo, educação e pobreza, além da consulta a documentos oficiais e a realização de entrevista. As reflexões suscitadas por esse material bibliográfico sinalizam para uma conclusão mais geral: a vasta e constante ingerência dos bancos públicos internacionais nas decisões relativas às políticas nacionais e, consequentemente, no processo de formação da nacionalidade brasileira.
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ABSTRACT
This work analyzes the interventions of the Inter-American Development Bank/IDB in public policies in Brazil in educational area, from the year 2000 to the present. The empirical field of research is the educational and poverty reduction programs, promoted and financed by the IDB, sometimes jointly with the World Bank. The research has as theoretical-methodological support the literature on Nations, multilateralism, education and poverty, in addition to the examination of official documents and the conduction of an interview. Reflections arising through this bibliographical material points to a more general conclusion: the vast and constant intrusion of international public banks in decisions concerning national policies and, consequently, in the process of formation of Brazilian nationality.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 12
CAPÍTULO 1 - O BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO.......................... 17
1.1 - Trajetória e funcionamento................................................................17
1.2 - Intervenções multilaterais nas políticas educacionais brasileiras.....29 CAPÍTULO 2 - POBREZA E BANCOS PÚBLICOS INTERNACIONAIS.....................................37 2.1 - A pobreza como fenômeno histórico e social....................................37 2.2 - Políticas de combate à pobreza na América Latina............................48 CAPÍTULO 3 - EDUCAÇÃO E BANCOS PÚBLICOS INTERNACIONAIS..................................57 3.1 - Unidade trabalho-educação e universalização do ensino..................57 3.2 - “Capital humano”, a educação para os pobres.....................................68 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................75
REFERENCIAS......................................................................................................................78
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Lista de Abreviaturas
AID - Associação Internacional de Desenvolvimento.
AMGI - Agência Multilateral de Garantia de Investimentos.
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD - Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento.
BM - Banco Mundial.
CAS - Country Assistence Strategy
CIADI - Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos.
CH - Centro de Humanidades
EUA - Estados Unidos da América.
FMI - Fundo Monetário Internacional.
IDH - Índice e Desenvolvimento Humano.
IFM - Instituição Financeira Multilateral
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
PPA - Parceria Público Privada
Pnud - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
ON - Observatório das Nacionalidades.
OMC - Organização Mundial do Comércio.
ONG - Organização Não Governamental.
ONU - Organização das Nações Unidas.
MAPPS -Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade
UECE -Universidade Estadual do Ceará.
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“O essencial, com efeito, na educação, não é a doutrina ensinada, e sim o
despertar” - Ernest Renan
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INTRODUÇÃO
Em meu trabalho de conclusão da graduação em Ciências Sociais,
intitulado “A pobreza e o Banco Mundial: conceitos, estratégias e metodologias”
(FARIAS, 2007), analisei os principais documentos do Banco Mundial (BM) na
tentativa de entender sua relação com o fenômeno da pobreza e comparei
concepções diversas de alguns estudiosos da temática, confrontando-as com o
conceito elaborado por este organismo dito “multilateral”. O foco central da
pesquisa foi o exame de relatórios anuais conhecidos como World Development
Report, que continham diretrizes, dados estatísticos e considerações do Banco
sobre as políticas norteadoras de sua atuação para “erradicar a pobreza” no
mundo. O recorte temporal compreendeu o início da década de 1990 até 2001,
pois estas datas assinalam a produção e difusão de dois desses relevantes
relatórios do BM acerca da pobreza.
Este estudo revelou que o Banco Mundial modifica seu conceito de
pobreza, e, consequentemente, as estratégias para combatê-la ao longo dos
anos; que a metodologia utilizada em seus relatórios é hermética, e que esta
instituição se apropria da missão de “erradicação da pobreza” no intuito de se
legitimar perante a comunidade internacional. As conclusões da minha
investigação resultaram em artigos publicados no “Relatório de Direitos Humanos
no Brasil”, organizado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (FARIAS;
MARTINS 2009), e na revista Tensões Mundiais (FARIAS; MARTINS 2007).1
Decorrida mais de uma década do período em que analisei o conceito de
pobreza do Banco Mundial, as reflexões suscitadas pela minha monografia
continuam pertinentes e instigam-me a prosseguir com esse eixo temático.
Porém, durante o curso de Licenciatura Plena em Ciências Sociais, a questão da
Educação despertou meu interesse: primeiro, por este assunto estar relacionado
ao programa do curso de licenciatura e à minha pesquisa de término desse curso;
segundo, pelo fato da Educação, quase sempre, estar atrelada aos programas de
combate à pobreza, ou seja, na visão dos organismos multilaterais, ambas são
políticas públicas que devem ser tratadas de forma “complementar”, tal como uma
relação de causa-efeito, que atribui à falta de qualificação a responsabilidade 1 Revista científica da rede de pesquisa Observatório das Nacionalidades, que divulga trabalhos de acadêmicos brasileiros e estrangeiros. Mais detalhes no portal: www.tensoesmundiais.net
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maior pela situação de pobreza. Portanto, incorporar a educação ao meu campo
de observação empírica ocorreu como uma espécie de “osmose” metodológica, já
que as atuações de bancos públicos internacionais nessas duas áreas são de
relevante significância para entender a interferência internacional nas políticas
públicas, que pretendo analisar em meus estudos.
Esta nova perspectiva metodológica resultou, ainda, na inclusão do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) à minha pesquisa, visto sua atuação
massiva nos programas sociais brasileiros, sobretudo na área educacional, como
também devido a certa carência de estudos sobre esse tipo de organismo
internacional. Em sua maioria, os trabalhos se concentram em torno do Banco
Mundial, tal como a minha própria monografia. Contudo, além do BID ser tão
atuante quanto o BM, ele está geograficamente mais próximo do Brasil, já que
sua área de abrangência é a América Latina e o Caribe.
A participação, desde 2005, como pesquisador do Observatório das
Nacionalidades (ON)2 foi de suma importância na delimitação e no
desenvolvimento de meus estudos. Dentre as múltiplas atividades do ON, destaco
a publicação da revista Tensões Mundiais, que integro na qualidade de membro
do corpo editorial. Uma de suas linhas de pesquisa, “Internacionalismo e
nacionalismo”, está centrada na compreensão de doutrinas e movimentos
internacionalistas e nacionalistas, organizações e políticas multilaterais, assim
como alianças, acordos e conflitos no cenário internacional. No âmbito do ON,
ampliei minha concepção sobre o nacionalismo e internacionalismo e passei a ter
um melhor entendimento do modo de agir dos organismos multilaterais no
processo de construção dos Estados-nação (DOMINGOS; MARTINS, 2006).
Portanto é na perspectiva da linha de pesquisa “Internacionalismo e nacionalismo”
do ON que este estudo se insere.
Meu ingresso no Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade
(MAPPS), da UECE, foi decisivo para a elaboração e o aprimoramento dessa
investigação, dada a proximidade do tema com a grade curricular do curso e suas
2 O Observatório das Nacionalidades é uma rede de pesquisa multidisciplinar voltado para estudos teóricos e empíricos concernentes à construção das nações. Reúne pesquisadores de diversas instituições acadêmicas brasileiras. Fundado em 2004, em Fortaleza, é coordenado pelos professores Manuel Domingos Neto e Mônica Dias Martins. Mais detalhes no website www.nacionalidades.net .
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linhas de pesquisa, sobretudo “Culturas, Nacionalidades e Relações
Internacionais” e “Planejamento e Gestão de Políticas Públicas”. Além de ser o
único programa de pós-graduação direcionado à área de Ciência Política (agora
ampliado ao campo das Relações Internacionais) existente no Ceará, o MAPPS
propiciou o ambiente acadêmico necessário ao desenvolvimento da minha
investigação.
Inicialmente, minha pesquisa compreenderia o estudo de três programas
de combate à pobreza, implantados na América Latina, durante a década de
2000: “Oportunidades” no México, “Famílias em Acción” na Colômbia, e “Bolsa
Família” no Brasil. Porém, devido ao tempo restrito para a conclusão do projeto de
pesquisa e às minhas limitações metodológicas, decidi postergar o estudo desses
programas. Após a qualificação, em agosto de 2013, passei a abordar a categoria
pobreza de forma mais ampla, com destaque à sua relação com a educação, e
restringi a área de pesquisa ao Brasil.
A nova perspectiva teórico-metodológica compreende, então, as categorias
pobreza e educação, tentando entendê-las a partir do discurso e das práticas do
BID, com ênfase nas intervenções desse organismo no setor educacional
brasileiro, a partir da década de 2000. O recorte temporal deu-se por dois
motivos: primeiro, por se tratar de um período em que as promessas de
“erradicação” da pobreza pelos organismos internacionais acabaram malogrando
face à pertinência desse fenômeno social; segundo, por dar continuidade à minha
monografia, que se estendeu apenas ao ano de 2001.
No âmbito internacional, a discussão sobre o papel do Estado, os vínculos
pobreza-educação e trabalho-produção requer maior análise com a atuação dos
chamados Bancos Públicos Internacionais, devido à relevância e “autoridade” dos
mesmos nos países em que operam. Portanto, esse trabalho pretende examinar a
intervenção do BID, tendo por objeto de estudo seus programas na área da
educação e de combate à pobreza, assim como a abrangência de seu papel nas
decisões concernentes às políticas públicas brasileiras.
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A partir desse trio metodológico surge uma questão inicial: o que é BID e
como funciona? Em decorrência, seguem-se as seguintes perguntas norteadoras:
como as interferências do BID têm repercutido nas políticas públicas de
educação, no Brasil, a partir da década de 2000? Quais as relações entre seus
programas de educação e os de combate à pobreza? Qual seu papel na
construção da nacionalidade brasileira?
O trabalho é baseado em pesquisa bibliográfica e documental, acrescido
por uma entrevista a um ex-diretor do BID. O tema se vincula, sobretudo, ao
campo da Ciência Política e das Relações Internacionais, embora busque
auspícios em áreas de conhecimento como: economia, sociologia, geografia,
história, entre outras transversais à temática.
O primeiro capítulo descreve a história do BID, buscando revelar como este
funciona e atua na América Latina, seguida de uma exposição de diversos
programas e interferências na área educacional no Brasil. Minha intenção é
verificar o alcance da influência desse organismo nas políticas públicas nacionais.
O segundo capítulo apresenta uma breve retrospectiva sobre o conceito de
pobreza. Procuro demonstrar como este conceito se modifica ao longo da história,
passando de uma concepção “natural” a um elemento essencialmente “social”, ou
seja, com o desenvolvimento da sociedade capitalista / industrial, a pobreza torna-
se um fenômeno social intrínseco ao modo como produzimos e distribuímos bens
e riquezas. Após uma exposição dos principais programas de combate à pobreza,
Banco Interamericano de Desenvolvimento
- BID
Políticas públicas
Programas educacionais e de combate à
pobreza
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financiados pelo BID e BM, na América Latina, nos anos de 2000, faço uma
reflexão sobre o papel desses bancos públicos internacionais.
No terceiro capítulo, algumas vertentes de teorias educativas são
examinadas de modo a discutir funções da educação no capitalismo. Meu
principal amparo teórico é o pensamento do cientista político e antropólogo Ernest
Gellner sobre a sociedade industrial avançada e a emergência do nacionalismo. A
partir destes elementos conceituais, segue-se uma análise do documento
“Educação: um tesouro a descobrir”, que norteia o discurso e as ações dos
organismos multilaterais, destacando à tendência dos mesmos em promover,
junto com os governos dos Estados-membros, a formação do chamado “capital
humano”.
Enfim, espero com esse trabalho contribuir para o entendimento das tensas
relações entre os bancos internacionais e as políticas públicas nacionais;
estimular reflexões sobre os vínculos entre as categorias pobreza e educação na
sociedade contemporânea, em particular, no Brasil; oferecer elementos para
discutir o papel dos organismos multilaterais nos processos de construção das
nacionalidades, assim como abrir possibilidades de investigação sobre a atuação
específica do BID.
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1 - O BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID)
1.1 Trajetória e funcionamento
Em 1959, a Organização dos Estados Americanos (OEA) redigiu o acordo
de fundação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). As primeiras
intenções de criar uma instituição para promover o desenvolvimento da América
Latina surgiram em 1890, durante a I Conferência Pan-Americana. A partir desta
iniciativa pioneira de um sistema interamericano, o BID tornou-se realidade
apenas meio século após o acirramento da Guerra Fria e em meio às estratégias
dos EUA de conter rebeliões anti-imperialistas, sobretudo no continente
americano, visto que sua fundação “coincide” com o ano da revolução cubana.
O Grupo BID é constituído pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento,
pela Corporação Interamericana de Investimentos (CII) e pelo Fundo Multilateral
de Investimentos (Fumin). A CII concentra financiamentos de médias e pequenas
empresas, enquanto o Fumin promove o setor privado com investimentos e
operações de cooperação técnica. Este tipo de investimento é sempre
acompanhado de aporte técnico da instituição credora, tendo em conta a
preocupação em garantir a boa conduta e liquidez dos países devedores.
O BID abrange 48 países, sendo 26 mutuários (aqueles que contraem
empréstimos), todos da América Latina e do Caribe (exceto Cuba), e 22 não
mutuários (aqueles que concedem empréstimos), que entram com capital e têm
poder de voto na Assembléia de Governadores do Banco e na Diretoria Executiva,
de acordo com suas subscrições de capital. Os membros não mutuários do BID
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são Estados Unidos, Canadá, Japão, Israel, República da Coréia, República
Popular da China e 16 países europeus: Alemanha, Áustria, Bélgica, Croácia,
Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Finlândia, França, Itália, Noruega, Países
Baixos, Portugal, Reino Unido, Suécia e Suíça. Essa estrutura organizacional do
BID é um reflexo da distinção econômica entre os países centrais (os não
mutuários) e os países periféricos (os mutuários).
A Assembléia de Governadores, principal órgão de decisão do BID, se
reúne anualmente e é composto, na maioria dos casos, pelos Ministros das
Finanças dos países membros. Cada país membro nomeia um governador, com
poder de voto proporcional ao capital subscrito por seu país no Banco, sendo o
maior acionista os Estados Unidos, que possui 30,01% das ações. Os membros
da Diretoria Executiva cumprem mandatos de três anos na sede do BID, em
Washington, D.C.
Sede do BID ( Washington - DC )
Fonte: Google Imagens (janeiro - 2014)
Segundo o próprio BID, a instituição é a “principal fonte de financiamento
multilateral e de conhecimentos para o desenvolvimento econômico, social e
institucional na América Latina e no Caribe. O Banco está envolvido na
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elaboração de projetos, financiamentos, assistência técnica na região da América
Latina, através de investimentos e intervenções em função do desenvolvimento”. 3
No documento do BID denominado convênio constitutivo4 há uma definição
geral e detalhada sobre: objetivos e função, constituição dos países membros,
operações, fundo de operação especial, assistência técnica, distribuição de
lucros, situação jurídica, retirada e suspensão de países membros, etc. Desse
documento podemos destacar os objetivos gerais do Banco:
(i) Promover a inversão de capitais públicos e privados, para fins de
desenvolvimento; 5
(ii) Utilizar seu próprio capital, os fundos que obtenha nos mercados
financeiros e os demais recursos de que disponha, para financiar o
desenvolvimento dos países membros, dando prioridade àqueles
empréstimos e operações de garantia que contribuam mais eficazmente
para o crescimento econômico dos mesmos;
(iii) Estimular os investimentos privados em projetos, empresas e atividades
que contribuam para o desenvolvimento econômico, e complementar as
inversões privadas, quando não houver capitais particulares disponíveis
em termos e condições razoáveis;
(iv) Cooperar com os países membros na orientação da sua política de
desenvolvimento, para uma melhor utilização de seus recursos, de forma
compatível com os objetivos de uma maior complementação de suas
economias e da promoção do crescimento ordenado de seu comércio
exterior; e
(v) Prestar assistência técnica para o preparo, financiamento e execução de
planos e projetos de desenvolvimento, inclusive o estudo de prioridades e
a formulação de propostas sobre projetos específicos. 3 Informação exposta no website do BID: www.iadb.org/pt/- Acesso em 05 - 2013.
4 Documento disponível no website do BID: http://idbdocs.iadb.org/wsdocs/getdocument.aspx?docnum=37125544 - Acesso em 01-2014.
5 Nas últimas décadas, sobretudo a partir dos anos 2000, os debates a cerca dos conceitos de desenvolvimento ampliaram-se, elevando em conta as variáveis: sustentabilidade e meio ambiental. Porém, as características históricas, sociais, políticas e econômicas de cada país do planeta são distintas, dificultando o tratamento da questão do desenvolvimento como algo homogêneo, com etapas a serem cumpridas (assim como dita o capitalismo), tendo em vista que cada país tem a sua particularidade a ser superada no processo de desenvolvimento.
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O Fumin, criado em 1993 pelo BID, opera na promoção do investimento
privado via fomento a projetos de desenvolvimento, especialmente relacionados
ao microcrédito e ao acesso a serviços financeiros por populações de baixa renda
e pequenos negócios.
Embora atue como um banco tradicional, ou seja, com objetivo final de
obter lucro financeiro, o BID é taxativo em afirmar que trabalha de maneira
alternativa: “somos diferenciados em alguns aspectos fundamentais. Além de
empréstimos, também oferecemos doações e assistência técnica e realizamos
pesquisas”.6 O empenho lucrativo obviamente existe, mas o grande “atrativo” do
BID está em investir no âmbito social, no ”capital humano”, com o intuito de
receber os benefícios que esse tipo de investimento traz no longo prazo.
Bancos são elementos essenciais à manutenção das atividades
econômicas, tem a função básica de facilitar as transações de pagamento,
oferecem crédito e contribuem no desenvolvimento do comércio. O dinheiro
depositado pelos clientes (pessoas físicas, empresas, indústrias e/ou governo) é
utilizado pelos bancos para conceder empréstimos a outros clientes sob as
condições de cobrança de juros, para assim fomentar a circulação do dinheiro.
Essa intermediação dos bancos entre a captação e o empréstimo consiste na
principal forma de lucro desse tipo de agente financeiro. Tal sistema é regulado
por Bancos Centrais, que nos seus respectivos países têm a função de emitir
dinheiro, capturar recursos financeiros e administrar bancos comerciais e
industriais. Em linhas gerais, um Banco Central desempenha o papel de
estabelecer regras e controlar o macro sistema financeiro da nação.
Bancos internacionais, como o BID, são instituições públicas em que os
acionistas são os governos de países, cujas contribuições são efetuadas com o
dinheiro dos contribuintes pagadores de impostos. Estes bancos agem de forma
similar aos bancos tradicionais, só que no âmbito da macroeconomia e sem o
controle de um “Banco Central Internacional” para estabelecer as regras das
transações financeiras, como ocorre nas economias nacionais. Esse tipo de
“controle” sobre o capital internacional está sob a custódia de instituições
6 Informação exposta no website do BID: www.iadb.org/pt/banco-interamericano-de-desenvolvimento,2837.html - Acesso em 03 - 2013.
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financeiras privadas, tal como o “Clube de Paris7, ou seja, em escala global, as
transações financeiras estão livres das normas e controles jurídicos / políticos,
que usualmente se estabelecem dentro de um território nacional. O mapa
geopolítico dos países que compõem o “Clube de Paris” (com exceção da
Austrália) se assemelha ao da divisão Norte / Sul do planeta, tal como observa
Boaventura dos Santos (2002): no hemisfério Norte se situariam os países
centrais que investem o seu capital nos bancos públicos internacionais; no
hemisfério Sul ficariam os ditos países periféricos, devedores desses bancos. O
mapa abaixo mostra uma visão geral dessa perspectiva.
Mapa dos países que compõem o “Clube de Paris”.
Fonte: Wikipédia (janeiro - 2014 )
Tal fato implica certa autonomia dos bancos internacionais que, sob a
ordem (política/econômica) predominante das grandes potências, ganham força
para atuarem em outros países. As condições de emergência em que se
encontram alguns países latino-americanos e africanos favorecem a estratégia de
expansão dos bancos internacionais.
Neste cenário, o BID e o Banco Mundial destacam-se na condição de
bancos públicos internacionais, que atuam em conjunto com o Fundo Monetário
Internacional (FMI). Enquanto o FMI realiza a fixação de políticas e normas para o
7 Instituição financeira informal, sem reconhecimento jurídico, criada em 1956 e composta por 19 países desenvolvidos com o intuito de investir nos países ditos ”subdesenvolvidos”. Informação disponível em http://www.clubdeparis.org - Acesso em 12 - 2013.
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“desenvolvimento”, o BM e o BID funcionam como agências de financiamento e
de assistência técnica para projetos setoriais específicos em diversas áreas
(agricultura, educação infraestrutura, saúde, pesquisa cientifica, etc.), fornecendo
financiamentos /empréstimos em longo prazo, sob condições pré-estabelecidas.
A política macroeconômica praticada pelos bancos internacionais se insere
numa ampla estratégia com vistas ao desenvolvimento capitalista. Os projetos
destas instituições são negociados com os governos nacionais e, então, cabe a
estes governos a responsabilidade de averiguar e decidir quais os reais
benefícios que tais projetos trarão à realidade socioeconômica e cultural de seus
países. Os críticos mais radicais acreditam que as instituições internacionais
agem de forma arbitrária e irredutível nas negociações com os Estados nacionais
em que atuam. No entanto, os governos também têm seu poder de barganha e,
às vezes, manifestam posições contrárias às ações “multilaterais”. Nesse sentido,
o pesquisador Sérgio Haddad, lembra que é um equívoco acreditar que:
[...] haja um alinhamento incondicional entre as políticas produzidas no contexto das instituições multilaterais e as políticas nacionais que aceitam e ratificam suas orientações em função das necessidades dos recursos que os acompanham. Acreditamos , ao contrário, que os atores responsáveis pelas políticas nacionais têm papel relevante nos processos de negociações. (VIANNA, 1998, p. 44)
Portanto, as políticas públicas dessa natureza são articulações entre
Estados nacionais e entidades internacionais em que se negociam desde os
pequenos detalhes locais até as repercussões macroeconômicas que possam
surtir em âmbito internacional.
O BID tem realizado vultosos investimentos na América Latina, com
projetos nas áreas de infraestrutura, política social, reforma de Estado e meio
ambiente, tal como mostra o gráfico abaixo:
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Gráfico 1
Fonte: BID (dados de junho de 2011).
Os investimentos em educação e combate à pobreza estão inclusos nos
dois maiores indicadores do gráfico acima, sejam como “Projetos econômicos e
infraestrutura”, ou como “Política social”. Ambos representam uma parcela
significativa no montante geral de investimentos do BID.
O BID possui duas características peculiares que nos permite levantar
algumas indagações em relação ao seu desempenho:
Ainda que tenha surgido no seio da OEA, afirma oficialmente não ter
relação com esta organização, e nem com o Banco Mundial ou FMI, os
quais integram a ONU. No entanto, o que se constata nos documentos
oficiais é que muitos dos programas instituídos pelo BID para os países
“subdesenvolvidos” são gerenciados em parceria com o Banco Mundial.
O Banco é “interamericano”, mas os países não mutuários que não fazem
parte das Américas (como Alemanha, Japão, Bélgica, Israel, etc.) integram
a instituição, somando juntos mais de 15 % dos votos. Desta forma, esses
países, que não pertencem à área de atuação do BID, ou seja, da América
Latina e do Caribe, têm relevante poder de decisão sobre os países dessa
região.
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Na tentativa de elucidar essas duas questões, esse estudo consultou um
ex-funcionário do BID (hoje aposentado)8 que, entre outras diversas funções, foi
representante do Brasil nesta instituição durante os anos de 1999 a 2002.
A partir de uma conversa informal, em relação ao primeiro ponto, pudemos
inferir que as relações do BM com o BID realmente não são “oficializadas”, mas
são garantidas pela participação de diversos países nas duas instituições. Os
Estados membros do BID estão associados também ao BM, mas o contrário não
se repete, ou seja, nem todos os países do BM estão presentes no BID. Os
recursos financeiros de ambos os bancos são independentes, no entanto, como o
BM atua também na América Latina, e de forma bem semelhante ao BID, esses
acabam executando programas, em conjunto, na região latino-americana.
Segundo Daniel, outro fato que contribui às parcerias do BM e BID é a disposição
do BM em ceder parte ou total do montante que usualmente é cobrado como
contrapartida aos países que adquirem empréstimos do BID. Assim, o BM pode
interferir na negociação cedendo a contrapartida àquele país que aceita o
empréstimo do BID, mas não tem como bancar a contrapartida.
Quanto ao segundo ponto: o banco é “interamericano” em relação à sua
área de atuação, porém, no tocante à captação de recursos financeiros é global.
Portanto qualquer país, de qualquer continente, que queira investir no BID pode
fazer parte da instituição. Tal fato deixa transparecer que a capacidade de
participação é estipulada mais pelo potencial econômico de um país do que pela
sua localização geográfica dentro da área de atuação do BID.
O planejamento estratégico e as diretrizes plurianuais, que definem as
ofertas de créditos e condicionalidades de empréstimos do BID e do BM, estão
expressas no “Documento de País”, ou Country Paper, no caso do BID, e no
“Documento de Assistência ao País”, ou Country Assistence Strategy (CAS), no
caso do Banco Mundial (CASTRO, 2005). Ambos os documentos são relevantes
mecanismos de interferência nas políticas públicas dos países em que atuam.
Segundo Marcus Faro de Castro, tais documentos têm influenciado até mesmo o
8 Daniel Andrade Ribeiro de Oliveira, é Phd. em Economia pela London SchoolofEconomics and Political Science, trabalhou como diretor Executivo do Brasil e Suriname no período de julho de 1999 a junho de 2002, e depois como chefe da representação do BID na Argentina entre julho de 2003 a junho de 2010.
25
atual Plano de Planejamento Plurianual (PPA) brasileiro, fato que requer um maior
monitoramento da sociedade civil.
Esses documentos têm importância crucial para o estabelecimento de linhas estratégicas de investimento público e privado, com reflexos extremamente relevantes no processo orçamentário dos países ‘tomadores’ (Como é o caso do PPA no Brasil). Portanto é de suma importância que os povos e comunidades participem ativamente, com voz e voto, no processo desses ‘planejamentos estratégicos’ do crédito multilateral que tem vigência plurianual. (CASTRO, 2005, p. 68)
O PPA é o principal instrumento de planejamento do governo brasileiro e
está previsto no artigo 165º da Constituição Federal e regulamentado pelo
Decreto 2.829, de 29 de outubro de 1998. Ele estabelece diretrizes, objetivos e
metas da administração pública para um período de quatro anos. É por meio do
PPA que a união federal organiza e traduz suas ações de governo em programas
que resultem em bens e serviços para a população. 9
Portanto, a utilização do Country Paper do BID como subsídio para a
elaboração ou gestão do PPA brasileiro demonstra a significativa influência que
este organismo multilateral exerce nas políticas públicas do país.
Acompanhando as noções neoliberais, o BID tem incentivando a Parceria
Público-Privada (PPP), facilitando créditos a empresas privadas de diversos
setores. Segundo Castro (2005), o BID anunciou em 2006 a disponibilidade de um
fundo de ações com créditos oscilando entre 1 a 5 bilhões de dólares destinados
a investidores privados que seguissem a PPP. Esse tipo de política favorece o
“sucateamento” das instituições públicas, assim como a qualidade duvidosa dos
serviços sociais prestados - um exemplo disso, é a banalização do ensino
superior no Brasil, após a onda de “comercialização” do ensino superior que
assolou o país a partir da década de 1990.
O organismo multilateral em destaque nessa pesquisa é o BID, porém
devido à sua proximidade e suas parcerias com o Banco Mundial, e do relevante
destaque desse frente aos programas educacionais e, sobretudo, aos programas
de combate à pobreza, as referências ao BM na presente dissertação são 9 Informações disponíveis em www.seplan.df.gov.br - Acesso em 02 – 2014.
26
inevitáveis. Faz-se, então, necessário uma breve apresentação do BM,
contemplando sua trajetória e parte de suas atividades.
O Banco Mundial se destaca como o organismo internacional com maior
desempenho no combate à pobreza. Fundado em 1944, com a sigla originalmente
de BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento), tinha o
intuito de reconstruir a Europa devastada pela 2ª Guerra Mundial. Sua criação
ocorreu no governo do presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, em um momento
crucial para economia capitalista ocidental, pois esta instituição foi fruto da
conferência de Breton Woods.10 Além do BIRD, o Grupo do Banco Mundial
compreende os seguintes organismos: CFI (Corporação Financeira Internacional)
criada em 1956; AID (Associação Internacional de Desenvolvimento), criada em
1960; o CIADI (Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre
Investimentos), criado em 1966; e a AMGI (Agência Multilateral de Garantia de
Investimentos), criada em 1988. Inicialmente, o trabalho de reconstrução,devido
aos desastres naturais, às emergências humanitárias e às necessidades de
reabilitação pós-conflitos,aparece como o principal enfoque do Banco Mundial. No
entanto, com o passar de décadas, suas ações vão se entrelaçando com os
grandes investimentos financeiros globais e o discurso de “erradicar a pobreza no
mundo em desenvolvimento”.
Desde meados dos anos 1970, o Banco Mundial se dedica aos estudos da
pobreza, com a publicação de relatórios anuais sobre o desenvolvimento mundial,
livros, compêndios, e material de divulgação na internet. Isso lhe garantiu uma
influência global e fez com que seus trabalhos se tornassem referências no meio
acadêmico, na sociedade civil, nos meios de comunicação e nas instituições
governamentais, sendo comum encontrar citações aos mesmos em diversas
publicações sobre a pobreza. Desta forma, o papel dos organismos multilaterais
tem sido extremamente relevante no que diz respeito às relações entre
Sociedade, Economia e Estado, com fortes consequências na adoção de políticas
públicas (estruturais e setoriais) pelos países “clientes” dos bancos internacionais.
É o que podemos constatar na afirmação de Michelle Stenphanou ao analisar
10 Histórico evento de cooperação econômico promovido entre 45 países realizado em 1944, com o objetivo de redefinir uma nova ordem para a econômica mundial.
27
financiamentos do BID e BM para programas sociais no Brasil, durante a década
de 2000:
O papel que os bancos multilaterais desempenham é importante no desenvolvimento e na implementação de políticas publicas com enfoque na redução da pobreza. A influência de agências como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial tem sido cada vez maior e mais efetiva nesses últimos anos. Essas agências buscam oferecer créditos ao país, a partir de um pagamento, que é a condição de retomada do crescimento econômico. Que só é possível, segundo eles, a partir de realização de um ajuste fiscal e da redução o de taxa de juros domésticos. (STENPHANOU, 2005, p.07).
O modo como os bancos públicos internacionais atuam têm despertado o
interesse e a desconfiança de uma parcela da sociedade, contudo a vigilância
crítica vai além da análise desses bancos enquanto pretensos promotores do
desenvolvimento econômico visto a gama de ações entre os ditames multilaterais
e as políticas públicas nacionais. Os vínculos entre a educação e os bancos
públicos internacionais, por exemplo, fazem parte da realidade muito mais
complexa do que mostram simples análises setoriais de programas sociais (o tipo
de pesquisa mais comum nessa área de estudos). Quando a educação de um
país sofre ingerência externa, mudanças significativas poderão ocorrer por meio
de políticas públicas, usualmente endossadas por governos e sociedade civil, sem
que percebamos as marcas ideológicas que há nos programas sociais financiados
por esses bancos.
Diante de tal fato, diversos pesquisadores vêm se dedicando a estudos e
análises dos organismos multilaterais, dentre eles: Chossudouvsky (1999), Leher
(1999), Rocha (2001), Schwartman (2006), Sprandel (2004), Martins (2004),
Lopez (2005), Stiglitz (2002), entre outros pesquisadores do tema. Existem
também organizações civis e independentes que se dedicam ao mesmo
propósito, como por exemplo, a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos,
fundada em 1999, e que tem entre os seus objetivos a “formulação de petições e
submissão de casos a organismos nacionais e internacionais” 11; ou a Rede
11 Informações disponíveis no website da organização: www.social.org.br - Acesso em 03 – 2014.
28
Brasil, criada em 1995, e que atua no monitoramento de instituições financeiras
multilaterais e seus vínculos com políticas que norteiam o desenvolvimento
nacional e regional no Brasil (CASTRO, 2005). Por seu lado, o BID e o BM,
cientes das críticas acerca das suas atuações, tentam acolhê-las, mesmo aquelas
que contraditam veementemente suas ideias. (FARIAS, 2007).
Como já exposto, o BID atua em diversas áreas sociais, no entanto nota-se
certo destaque na educação, visto que relevantes programas dessa área têm
recebido financiamento e assistência da instituição. O Estado do Ceará é um
exemplo disso, tal como noticiado pelo jornal Tribuna do Ceará em maio de 2012:
“Atualmente, o Ceará é o principal parceiro do BID no Brasil, com US$ 760
milhões voltados para programas de desenvolvimento” 12. A notícia faz referência
ao Programa de Apoio às Reformas Sociais do Ceará - PROARES, principal
programa social do Estado, que apesar de abranger várias áreas sociais, tem a
educação como seu principal foco de ação. 13
Constatada a proximidade do BID com a educação, o estudo presente, na
tentativa de atingir seus objetivos, expõe a seguir alguns programas educacionais
que foram financiados e assistidos por esse banco público internacional.
12 Notícia divulgada no jornal de 16 -05-2012 e disponível no link: :http://tribunadoceara.uol.com.br/blogs/kezya-diniz/ceara/governadores-do-nordeste-e-bid-se-reunem-no-ceara-no-proximo-mes/ - Acesso em 05- 2015.
13 Informações disponíveis em: www.proares.ce.gov. - Acesso em 03 - 2014
29
1. 2 - Intervenções do BID nas políticas educacionais brasileiras
A partir da década de 1990, o Brasil inicia o processo de ajustamento de
seu projeto político educacional à nova ordem mundial, em sintonia com a
mundialização da economia, as proposições de Estado mínimo e a privatização
dos bens públicos/estatais, o que se intensifica durante nos anos 2000. Frente a
este cenário, as relações sociais e, de modo particular, as políticas educacionais,
sofreram fortes impactos com mudanças nos vários níveis e modalidades de
ensino. Essa nova realidade acirra a política intervencionista de bancos
internacionais públicos no país.
A “parceria” entre os investimentos em área educacional e os programas de
combate à pobreza por parte dos organismos internacionais se aperfeiçoa durante
esse período. Segundo Silva (2002), a preocupação do Banco Mundial com a
redução da pobreza, a partir da administração de McNamara (1968-1981), se
direcionou para investimentos na área educacional em todos os níveis, do
primário ao ensino superior, ao priorizar estratégias focadas na formação técnica-
profissional e no desenvolvimento de um sistema de educação médio-superior.
O BID, seguindo a tendência do Banco Mundial, tem investido em diversos
projetos educacionais em território brasileiro, conforme podemos constatar nos
exemplos a seguir apresentados.
Pesquisa realizada entre 2005 e 2007 pelo BID, utilizando dados do
Instituto Gallup e contendo entrevistas com mais de 40 mil pessoas em 24 países
da América Latina e do Caribe, concluiu que “os jovens da América Latina não
estão preparados para o mercado”. No Brasil, segundo a pesquisa, a situação é
30
ainda mais grave, pois atinge 71 % dos jovens entre 15 e 19 anos.14 Essa
investida do BID reflete sua “preocupação” em estabelecer uma relação direta e
sólida das diretrizes educacionais com o sistema produtivo, que está vinculado a
um projeto mais amplo da instituição.
Em 2007, foi implantado no Ceará o PROARES, programa com o objetivo
de apoiar reformas sociais no estado, que recebeu empréstimo do BID no valor de
US$ 45.000.000,00, mais US$ 19.285.714,00 de contrapartida do governo,
atingindo 62 municípios cearenses e 82 mil pessoas. O intuito do programa é
“melhorar as condições de vida e a inserção social de crianças, adolescentes e
jovens em situação de risco social”.15 Apesar do PROARES não ser um programa
especificamente educacional, o seu destaque tem sido a atuação nas escolas,
devido às intenções do BID de “inserção social” através da educação aos
pobres.16
Outra pesquisa denominada "Melhores práticas em escolas de ensino médio
no Brasil", em 2008, originou-se de uma parceria entre o Ministério da Educação
(MEC) e o BID, tendo em vista a necessidade de aprimoramento das políticas
públicas nesse nível de ensino. Em dezembro do mesmo ano, o BID aprovou uma
doação ao Fundo Social e assinou convênio de Cooperação Técnica com o MEC.
Em 2009, em acordo com as Secretarias Estaduais de Educação, realizou-se a
pesquisa de campo em 35 escolas de quatro estados: Acre, Ceará, São Paulo e
Paraná. A referida pesquisa, concluída em 2010, resultou num extenso relatório, o
qual aborda aspectos de todo sistema educacional de cada estado analisado,
desde a constituição básica da escola até as perspectivas de futuro das
mesmas.17 Estes são indícios claros da proximidade que o BID mantém com o
governo brasileiro no âmbito da educação.
14 Informações disponíveis em: www.agenciabrasil.ebc.com.br- Acesso em 11 de 2013.
15 Informações disponíveis em: www.proares.ce.gov.br/index.php/o-programa/informacoes-gerais - Acesso em 01 – 2014.
16 Informações disponíveis em :www.iadb.org/pt/noticias/artigos/2011-04-25/apoio-do-bid-ao-proares-no-ceara,9349.html - Acesso em 04 – 2014.
17 Informações disponíveis em: www.agenciabrasil.ebc.com.br- Acesso em 11 - 2013.
31
Cabe ainda destacar a importância que o BID atribui às “avaliações externas”
do desenvolvimento escolar, tal como exposto na introdução do relatório citado
acima ao descrever os objetivos da pesquisa:
Melhorar a apropriação dos resultados da avaliação externa pelo conjunto dos atores escolares. As avaliações precisam estar alinhadas com o restante das políticas, e seus resultados requerem ser trabalhados e compreendidos pelos professores de modo que possam usá-las no seu trabalho de planejamento e práticas pedagógicas e articulá-las com outros instrumentos internos de avaliação desenvolvidos nas próprias escolas. 18
A significância deste objetivo pode ser traduzida no vocabulário do BID pela
expressão “accountability externa” 19, ou seja, a responsabilidade da escola com
os elementos de fora do ambiente, como a própria ação do BID. Vejamos o que
diz o relatório:
Os quadros dos órgãos regionais precisam adquirir uma percepção clara do novo papel que irão desempenhar e, para tanto, deverão ser devidamente capacitados. Apoiar as escolas para criar uma cultura de accountability interna e definir conjuntamente responsabilidades e expectativas de desempenho é tarefa altamente desafiadora que demanda tempo e fortes investimentos financeiros e humanos. Além disso, para que consiga estabelecer propostas para atingir as metas de accountability externa, os técnicos dos órgãos regionais precisam estar preparados para entender com clareza o que os resultados das avaliações apontam e ser capazes de “ler e apropriar-se” dos resultados da avaliação, a fim de encontrar, junto com as escolas, estratégias metodológicas e organizacionais adequadas a serem mobilizadas. 20
18 Documento disponível em www.iadb.org/exr/ar2004/index.cfm?language=Po - Acesso em 10 - 2013
19 O termo inglês accountability significa a obrigação de membros de um órgão administrativo ou representativo de prestar contas a instâncias controladoras ou a seus representados quem desempenha funções de importância na sociedade deve regularmente explicar o que anda a fazer, como faz, por que faz, quanto gasta e o que vai fazer a seguir.
Informação disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Accountability - Acesso em 02 – 2014.
20 Documento disponível em www.iadb.org/exr/ar2004/index.cfm?language=Po - Acesso em 10 – 2013.
32
Em 2012, o BID firma parceria com a PUPA - Empreendimentos
Educacionais e Representação Ltda, projeto social lançado pela Zoom Editora
do Brasil 21 mediante um empréstimo no valor de US$ 3 milhões para introduzir
um programa voltado à educação na primeira infância, beneficiando cerca de
224.000 crianças de baixa renda em idade pré-escolar em todo território
brasileiro. A empresa ofereceu a pais e educadores um programa de ensino
contendo atividades lúdicas educacionais fáceis de seguir, utilizando revistas
coloridas, brinquedos e auxílios audiovisuais. O programa proporcionou
também capacitação para 56.000 “cuidadores” em técnicas de educação na
primeira infância, nutrição básica, saúde e uso de materiais lúdicos interativos.
Representantes da PUPA realizaram visitas regulares às creches ou
residências para esclarecer dúvidas e fornecer apoio, bem como se assegurar
de que os materiais estão sendo usados da maneira adequada. 22
Ao avaliar esse projeto com a PUPA, o BID declara:
Pesquisas mostram que o desenvolvimento na primeira infância estabelece as bases para a educação, emprego e redução da pobreza e que bons programas podem compensar as defasagens causadas pela pobreza. O investimento na prontidão para o aprendizado reduz desigualdades, com consequências positivas para o resto da vida.23
A declaração acima reafirma o discurso do BID em torno da
complementaridade entre suas ações de combate à pobreza e seus projetos para
a educação. Desse modo, a redução da pobreza está inexoravelmente ligada ao
tipo de desenvolvimento educacional promovido pelo Banco.
Uma das parcerias mais significantes realizadas pelo BID no Brasil foi
concretizada em 2012 com o grupo denominado “Todos Pela Educação” (TPE). 21 Maiores informações em: http://pupa.net.br/quem-somos - Aceso em 09 – 2013.
22 Informação disponível no website oficial do BID www.iadb.org - Acesso em 09 de 2013.
23 Informação disponível no website oficial do BID www.iadb.org - Acesso em 08 de 2013.
33
Fundado em 2006, o TPE é um movimento que congrega diferentes setores da
sociedade civil com a missão de contribuir para que até 2022, ano do bicentenário
da Independência do Brasil, o país assegure a todas as crianças e jovens o direito
a educação básica de qualidade.24 Em fevereiro de 2013, o BID e o TPE
assinaram um convênio de cooperação técnica em prol da melhora da qualidade
do ensino de primeiro grau. Entre os projetos dessa parceria está uma iniciativa
que vai estudar o impacto da utilização de metodologias inovadoras de ensino no
aprendizado dos alunos e nas práticas pedagógicas de matemática no ensino
fundamental; estudos e pesquisas para apoiar a agenda educacional brasileira e o
fortalecimento da Rede Latino-Americana de Organizações da Sociedade Civil
pela Educação (Reduca). Em julho de 2013, o TPE ingressa no grupo consultivo
do BID no Brasil. 25 Esta espécie de parceria reflete a proximidade que o BID
mantém com a sociedade civil, já que a TPE se auto-define como organização
“independente” e não-governamental.
Em março de 2012, o BID implanta um programa denominado “Programa
de Expansão e Melhoramento da Educação Infantil e do Ensino Fundamental no
Município de Florianópolis”, com o objetivo de expandir a cobertura e melhorar a
qualidade da educação básica na rede municipal desta cidade, por meio do
acesso a serviços de jornada integral. O BID investiu cerca de U$ 58.860.220 e a
contrapartida local foi de U$ 59.569.780. 26 O programa tem formato extenso,
indo desde a infraestrutura das instalações até o monitoramento e a gestão
setorial. Sua implantação revela a amplitude da atuação do BID em território
nacional, visto que os investimentos educacionais vão de sul a norte do país.
Para apoiar o Programa de Aceleração do Desenvolvimento da Educação do
Amazonas (PADEAM), em meados de 2013, o BID anuncia investimentos da
ordem de US$ 151 milhões com o objetivo de melhorar a qualidade dos serviços
educacionais e expandir o acesso ao ensino fundamental e médio. A Secretaria
24 Maiores informações em: www.todospelaeducacao.org.br - Acesso em 04 de 2014.
25 Informações disponíveis em www.todospelaeducacao.org.br - Acesso em 11 de 2013.
26 Informação disponível em: http://www.sintrasem.org.br/content/contrato-smebid-projeto-de-expans%C3%A3o-e-aperfei%C3%A7oamento-da-educa%C3%A7%C3%A3o-infantil-e-do-ensino- Acesso em 12 - 2013.
34
de Educação do Estado do Amazonas apresenta contrapartida ao projeto de
cerca de US$ 122 milhões. Além do investimento em infraestrutura, serão
utilizados US$ 15,9 milhões para aumentar os índices de aproveitamento escolar
e melhorar a aprendizagem, e US$ 28,5 milhões para expandir a capacidade do
estado do Amazonas em gestão, monitoramento e avaliação da rede escolar. O
empréstimo do BID tem prazo de 25 anos, com um período de carência de 5,5
anos.27 Ações dessa natureza refletem a grandeza dos investimentos financeiros
do BID em educação no Brasil, como também a longevidade de suas
interferências, devido o extenso prazo entre a liberação dos recursos, carência de
pagamento e a quitação definitiva da dívida. 28
Ainda neste mesmo ano, o BID financia e executa um programa chamado
“Programa de Melhoria da Qualidade e Expansão da Cobertura da Educação
Básica do Estado do Pará”, com crédito no valor de US$ 350 milhões, mais
contrapartida local. O programa, cujo objetivo é expandir a cobertura e melhorar a
qualidade da educação básica no Estado, está estruturado em quatro
componentes29 :
1) Expansão da Cobertura e Melhoria da Infraestrutura da Educação
Básica e Profissional;
2) Melhoria da Qualidade da Educação;
3) Gestão, Monitoramento e Avaliação: i) redesenho dos processos
administrativos da SEDUC, unidades regionais e escolas; ii) criação do Sistema
Paraense de Avaliação Educacional (SisPAE) iii) melhorar o processo de eleição
de diretores e vice diretores, capacitação de 5.500 diretores e gestores;
4) Administração geral do programa.
Tal ofensiva do BID reflete a diversidade e força dessa instituição
multilateral em nortear amplamente os rumos da educação brasileira, visto que os
objetivos do projeto vão desde a estrutura das escolas (prédio, salas, 27 Informação disponível no website oficial do BID www.iadb.org - Acesso em 10 de 2013.
28 Informação disponível no website oficial do BID www.iadb.org - Acesso em 10 de 2013.
29 Informação disponívelem http://pactopelaeducacao.pa.gov.br/tecnicos-da-seduc-e-do-bid-avaliam-projetos-pela-melhoria-do-ensino e no site oficial do BID www.iadb.org - Acesso em 01 – 2014.
35
equipamentos, etc.) até detalhes setoriais (monitoramento, gestão, e avaliação
escolar, etc.).
Além de todos esses programas que foram implantados durante a década
de 2000, é de suma importância um investimento mais antigo do BID, ainda no
ano de 1997, em parceria com o Ministério da Educação (MEC), denominado
Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP). Sua implementação
acontece na mesma época em que ocorre uma reestruturação educacional no
Brasil: a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB - Decreto 2.208/97). O PROEP tinha como uma das principais
características a separação obrigatória entre o ensino propedêutico e o
profissionalizante, acompanhando as tendências das políticas neoliberais, em que
prevalecia o “tecnicismo” voltado ao mundo do trabalho. Volmir Sabbi observa que
essa distinção entre as modalidades de ensino foi prejudicial à educação
brasileira:
[...] dentre outras alterações na estrutura educacional secundária, o programa separou o ensino médio nas modalidades propedêutica e profissionalizante. Essa separação representou um retrocesso a dualidade na educação caracterizada por uma educação de cunho científico e humanístico às classes dirigentes enquanto que às classes trabalhistas era reservada apenas a educação profissional. (SOBBI, 2012, p. 02)
Esse programa custou ao Estado brasileiro uma dívida de 250 milhões de
dólares, por conta de um empréstimo do BID para o financiamento do PROEP. No
entanto, por não corresponder às expectativas, o programa foi extinto pelo
governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva no início de 2003 (SABBI, 2012).
Em 2007, entra em vigor o Programa de Melhoria e Expansão no Ensino
Médio (PROMED) com o objetivo de melhorar a qualidade e a eficiência do ensino
médio, expandir sua cobertura e garantir maior equidade social. O suporte
financeiro desse programa vêm do BID e do Governo Federal através do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com um orçamento de US$
220 milhões, dos quais 50% são provenientes de contrato de empréstimo firmado
entre o Ministério da Educação e o BID e a outra metade, de contrapartida
nacional (U$ 39,3 milhões do Tesouro Nacional e U$ 70,7 milhões dos estados).
36
Coube ao próprio BID, fazer a avaliação e a revisão final das metas da execução
desse programa. 30
Roberto Deitos (2005) assevera que o PROEP e o PROMED são reflexos
do projeto neoliberal para o Brasil, desempenhando importantes funções
ideológicas. Esses programas estão articulados às políticas nacionais, tanto para
o ensino médio e profissional como para o conjunto das reformas educacionais
implantadas, especialmente aquelas promovidas pelos governos de Collor de
Mello (1990 - 1992), Itamar Franco (1992 - 1995) e Fernando Henrique Cardoso
(1995 - 2002). Considerando a relação entre os citados programas e as
orientações do BID, pode-se afirmar que as mudanças promovidas na redefinição
do ensino médio e profissional, no âmbito das reformas educacionais, além de se
justificarem politicamente, também respondiam à dinâmica neoliberal em curso
(DEITOS, 2005).
Esses são apenas alguns exemplos do tipo de intervenções educacionais
sob a égide do BID, iniciadas na década de 1990, mas que se intensificam a partir
de 2000, e refletem o ajuste estrutural macroeconômico protagonizado por
governos e organismos internacionais que o país sofre nesse período.
30 Informações disponíveis no website do FNDE: http://www.fnde.gov.br - Acesso em 11 - 2012
37
2. POBREZA E BANCOS PÚBLICOS INTERNACIONAIS
2.1 - A pobreza como fenômeno histórico e social.
A pobreza é usualmente relacionada a múltiplos fatores: o não acesso a
bens essenciais, a insegurança, o analfabetismo, o fator econômico, o isolamento
físico e social, a vulnerabilidade a doenças e calamidades, e até mesmo a
santidade tal como pregam os “franciscanos”.31 Todos estes fatores contribuem
para tornar a pobreza um fenômeno social complexo e multifacetário ao longo da
história da humanidade. No entanto, é a partir do século XIX com o
desenvolvimento do capitalismo, a industrialização e a urbanização, que a
pobreza adquire uma concepção definitivamente social.
Neste mesmo período histórico emerge o conhecimento científico da
economia, inaugurado pela Escola da Economia Clássica32, sobretudo pelas
teorias de Adam Smith (1723 - 1790), considerado o pai da economia moderna e
o precursor das ideias liberais, em que a iniciativa privada deveria agir livremente,
com pouca ou nenhuma intervenção governamental, sendo guiada pela “mão
invisível” do mercado (VASCONCELOS, 2005). As ciências econômicas têm,
dentre outras funções, a missão de ajustar o trabalho humano à emergente
sociedade urbano-industrial. Desta escola, podemos ressaltar ainda o
pensamento de Thomas Malthus (1766-1834) sobre a relação entre crescimento
demográfico e produção de alimentos. Segundo a teoria malthusiana, o aumento 31Ordem religiosa dos devotos do santo católico São Francisco, que optam pelo voto de pobreza, abdicando dos bens materiais para expressar sua austera devoção. 32Escola caracterizada por estudiosos da economia como Adam Smith (1723 - 1790), David Ricardo (1772 - 1823), Thomas Malthus ( 1766 - 1834), John Stuart Mill ( 1806 - 1873), etc.
38
da população acarretaria riscos de guerras, fome e catástrofes sociais; e o ritmo
da produção de alimentos não supriria a demanda populacional. Enquanto a
produção agrícola cresceria em progressão aritmética, a população cresceria em
progressão geométrica. O controle demográfico evitaria a pobreza, a
desigualdade e o caos social. Durante os séculos seguintes, diversas práticas
políticas relacionadas ao planejamento familiar e controle da natalidade foram
influenciadas pelo pensamento malthusiano.
Após a II Guerra Mundial, as multinacionais passaram a investir em países
ditos “subdesenvolvidos” (industrialização tardia), tendo como fundamento a teoria
neomalthsiana, que pregava uma forma de controle na qual o Estado deveria
patrocinar práticas de controle demográfico, tais como: vasectomia, ligadura de
trompa, entre outras. Algumas medidas incentivadas por entidades internacionais
nestes países transformaram-se em políticas públicas de controle de natalidade:
esterilização em massa de populações pobres (Índia e Colômbia); distribuição
gratuita de anticoncepcionais; assistência médica para uso de dispositivos
intrauterinos (DIUs); divulgação de um modelo de família bem-sucedida, com no
máximo dois filhos, em programas de televisão, na publicidade e no cinema. 33
Em oposição aos neomalhusianos, surge a teoria reformista, segundo a
qual a superpopulação é consequência e não causa do “subdesenvolvimento”.
Para os reformistas, a carência de condições sociais resulta da ausência de
desenvolvimento, que deve ser estimulado, sobretudo, por investimentos
educacionais. Nos países desenvolvidos, onde haveria melhor qualidade de vida,
o controle de natalidade ocorreria naturalmente. Em países carentes de
investimentos em educação, as pessoas não teriam consciência das
determinações econômicas e não se preocupariam com o excesso de filhos.
Devido a isso, propõem reformas orçamentárias para que haja um gasto maior
com educação. Portanto, segundo os reformistas, a origem da pobreza estaria na
má administração dos recursos públicos, agravada pela falta de acesso à
educação (CREMONESE, 2009).
As críticas à pobreza tornam-se mais contundentes na obra de Karl Marx
(1818-1883), que formula sua teoria com base no impacto que a acumulação de
33 Informação disponível em http://educacao.uol.com.br/disciplinas/geografia/teorias-demograficas-malthusianos-neomalthusianos-e-reformistas.htm - Acesso em 11 de 2013.
39
capital, a divisão do trabalho e a exploração da mão de obra humana causam à
estrutura socioeconômica. Os estudos de Marx são essenciais para o
entendimento da longa transição entre o regime feudal e a sociedade industrial
capitalista que emerge na Europa,no século XVI, e das relevantes transformações
socioeconômicas e políticas que ocorreram a partir deste século. Os pobres,
nesse modelo de sociedade industrial, transformam-se em uma nova classe de
pessoas consideradas “vadias”, “vagabundas”, “desocupadas”, cabendo ao
Estado a responsabilidade de “erradicá-los” do meio socioeconômico.
Os que foram expulsos de suas terras com a dissolução das vassalagens feudais e com a expropriação intermitente e violenta, esses proletariados sem direitos, não podiam ser absorvidos pela manufatura nascente com a mesma rapidez com que se tornaram disponíveis. Bruscamente arrancados das suas condições habituais de existência,não podiam enquadrar-se, da noite para o dia, na disciplina exigida pela nova situação. Muitos se transformaram em mendigos, ladrões, vagabundos, em parte por inclinação, mas na maioria dos casos por força das circunstâncias. Daí ter surgido em toda Europa ocidental, no final do século XV e no decurso do XVI uma legislação sanguinária contra a vadiagem. (MARX, 1988, p.851)
Para Marx, esta classe foi vítima de um sistema que expropriou seu antigo
meio de sobrevivência, impôs um novo modo de produção, e os puniu (através de
leis) por não se adaptarem àquela nova realidade. Inauguravam-se, assim, as
características próprias da sociedade industrial moderna: acumulação de capital,
concentração de renda e distribuição desigual de riquezas, que
consequentemente foram gerando pobreza ao longo dos séculos seguintes,
tornando-a um fenômeno social inerente à lógica desse sistema econômico.
Na era moderna/capitalista, a pobreza adquiriu nova concepção. No boom
do período desenvolvimentista econômico, da urbanização em massa e da
ascensão do Estado de Bem Estar Social34, o pobre passou a receber assistência,
34Tipo de organização política e econômica que atribui ao Estado o papel de promotor social e organizador da economia. Seus princípios se baseiam na socialdemocracia, sob a égide da teoria de pleno emprego do economista John Maynard Keynes (1883 - 1946), na qual o Estado é o agente regulador da sociedade, garantindo subsídios aos empresários e serviços públicos à população.
40
sendo considerado um indivíduo que não se adaptou às regras do capitalismo,
incapacitado, portanto, para a vida em sociedade. Conforme o pensamento
vigente na sociedade capitalista, pobre é aquele que não se preparou para as
mudanças econômico-sociais, que não conseguiu se emancipar economicamente,
que nem se capacitou para o mercado nem absorveu as técnicas e aptidões que
as empresas exigem dos trabalhadores. O materialismo histórico-dialético ajuda a
entender as origens desta nova concepção de pobreza que nasce com o sistema
capitalista e perdura até a época contemporânea.
O surgimento do Estado de Bem Estar Social marca um período em que
teorias, como as dos malthusianos, neomalthusianos e reformistas, são
abraçadas por diversas correntes políticas (socialdemocratas, socialistas e
capitalistas), na tentativa de mitigar, controlar ou erradicar o fenômeno da
pobreza. Com o declínio desse Estado, impulsionado pela crise do petróleo35, em
meados da década de 1970, e a emergência do ideário político neoliberal, durante
os anos 1980, se consolida a “vitória” do capitalismo, simbolizada pela queda do
Muro de Berlim (1989).
Com o fim do mundo polarizado (comunismo / capitalismo), a era
contemporânea traz consigo uma reorganização do Estado sob a égide da
“globalização”, marcada por: intensificação da burocracia internacional, acesso à
informação em tempo real (Internet), hiper lotação dos centros urbanos, maior
concentração do capital financeiro global, enfraquecimento das organizações
trabalhistas, explosão de epidemias (como a AIDS), proliferação de guerras civis,
elevação dos índices de desemprego, dentre outros fenômenos sociais. Talvez, o
mundo nunca tenha presenciado tantas mudanças em período de tempo tão
curto.
Neste contexto, a pobreza adquire novas significações. Mediante artifícios
técnicos, os organismos multilaterais diferenciam a pobreza “absoluta”
(caracterizada por uma situação em que o indivíduo não consegue manter as 35 A crise do petróleo foi desencadeada num contexto de déficit de oferta, com o início do processo de nacionalizações e de uma série de conflitos envolvendo os produtores árabes da OPEP, gerando uma excessiva especulação financeira. Os preços do barril de petróleo atingiram valores altíssimos, chegando a aumentar até 400% em cinco meses (17 de outubro de 1973 - 18 de março de 1974), o que provocou prolongada recessão nos Estados Unidos e na Europa e desestabilizou a economia mundial. Informação disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Crise_do_petr%C3%B3leo.- Acesso em 08 - 2013.
41
necessidades básicas de sobrevivência) da pobreza “relativa” (caracterizada por
uma situação em que o indivíduo pode manter-se, mas carece de recursos
básicos em relação aos demais). Outras concepções surgem na tentativa de
qualificar este complexo fenômeno da pobreza, que ora é relacionada à
marginalidade na América Latina36, ora ao termo underclass37, para indicar uma
nova classe social nos Estados Unidos, ou ainda, à uma classe progressivamente
segregada pelo mercado rotulada de precariado.38 Face à sua propagação em
escala mundial, cada vez mais presente nas cidades e no campo, a pobreza
torna-se um problema crônico, que abala drasticamente a estrutura social.
A preocupação com os pobres atinge as grandes corporações
internacionais, as Organizações Não-Governamentais (ONG) e a academia, em
especial o campo das Ciências Humanas. No entanto, as classificações e
mensurações da pobreza mostram-se controversas. As instituições a serviço do
capital tendem a considerá-la como um “mal social”, “uma ameaça à ordem”,
“uma anomia social” que deve ser “erradicada” do convívio humano, tal como
consta do relatório sobre o desenvolvimento mundial do BM (BANCO MUNDIAL,
1990). Estudiosos do assunto entendem a pobreza como algo estrutural,
produzido por fatores econômicos e sociais, inerentes à lógica capitalista, além de
ser um fenômeno multifacetário (BAJOIT, 2003).
36 Termo introduzido pelo sociólogo norte americano Robert Park para designar o “homem marginal” como um híbrido cultural, um indivíduo à margem de duas culturas e duas sociedades, parcialmente dentro e parcialmente fora. O termo é usado pra expressar o processo de acumulação capitalista e as exclusões sociais dentro do debate da pobreza na América Latina.-Informação disponível em: http://www.urbanidades.unb.br/artigo_cidade_palco.htm - Acesso em 03 – 2012.
37 Termo usado entre na década de 1960 pelo economista Gunnar Mydal (1898 - 1987)para indicar a emergência de famílias e indivíduos subempregados, desempregados, situados no mais baixo nível da sociedade estadunidense. (Informação disponível em: www.academicdb.com/Politics/By_Country_or_Region/British/more10.html-40k - Acesso em 02-2007).
38 Segundo Standing(2013) é um camada média do proletariado urbano, constituída por jovens-adultos altamente escolarizados com inserção precária no mercado de trabalho e na vida social.
42
No início do século XXI, as teorias malthusianas parecem reacender as
discussões sobre crescimento da população mundial. Com expectativa de vida
alongada e queda nos índices de mortalidade infantil a população mundial tende a
aumentar exponencialmente. Esse fenômeno demográfico abre espaço às ideias
reformistas, que atribuem as causas da pobreza à omissão do Estado. As
discussões sobre o papel de Estado na economia se acentuam com a crise
mundial de 2008 (que se alastra até os dias atuais), levantando questões que vão
desde a “liberdade” do comércio até o retorno ao Estado de Bem Estar Social.
Portanto as mudanças estruturais norteadas pelo neoliberalismo e o
processo de globalização, a partir dos anos 1990, e acirradas na década de 2000,
redefinem tanto o papel socioeconômico do Estado quanto a atuação de
Instituições Financeiras Multilaterais (IFM’s), tais como: o Fundo Monetário
Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Banco Mundial
(BM) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cuja “missão” é
comandar a ordem mundial, através de seus “ajustes estruturais e econômicos”.
Nesse cenário, destacam-se os bancos públicos internacionais com mecanismos
políticos/econômicos de “reorganização” do Estado na forma de investimentos /
empréstimos para programas sociais (educação, saúde, combate à pobreza,
saneamento, etc.) e estruturais (rodovias, construções urbanas e rurais,
agronegócio, etc.) nos países em que operam.
As interferências do BM e BID na tentativa de combater a pobreza ao longo
da década de 2000 podem ser constatadas mediante a análise de documentos
oficiais e a proeminência de programas sociais, fomentadas pelos citados
organismos, nesse período. Suas inquietações estão amplamente documentadas,
como podemos conferir a seguir.
A previsão geral do BM para os anos 1990 era de: “uma redução da
pobreza mundial em torno de 33 % a 18%, tomando por base as regiões da África
Subsaariana, Leste Asiático, Sul da Ásia, Índia, Leste Europeu, Oriente Médio,
América Latina e Caribe” (BANCO MUNDIAL, 1995, p.146). Porém, passada uma
década, o Banco Mundial admite, no World Development Report de 2000/2001,
que as expectativas não foram como previsto anteriormente e define outra
proposta para erradicar a pobreza, baseada em novos pontos estratégicos. No
prefácio deste relatório, o BM esclarece que:
43
Na América Latina, sul da Ásia e África Subsaariana o número de pobres têm aumentado. Nos países da Europa e Ásia Central em transição para economia de mercado, o número de pessoas que vivem com menos de 1 dólar por dia aumentou mais de vinte vezes (BANCO MUNDIAL , 2001)
Então, com o malogro neoliberal em erradicar a pobreza, o período iniciado
em 2000 foi decisivo para novos direcionamentos da política internacional. As
promessas de “desenvolvimento” capitalista são agora feitas mediante o uso de
novos verbetes próprios do discurso neoliberal: “desenvolvimento sustentável”,
“capital humano”, “inclusão social”, “participação popular”, “ecologia urbana”;
termos tão “flexíveis” e “mutantes” quanto aqueles usualmente atribuídos à
pobreza.
A inquietação com a pobreza também está expressa na “Declaração do
Milênio” da ONU,39 que tem como um de seus objetivos centrais a redução
significativa da pobreza e da fome, entre 2000 e 2015, além de outros sete itens
que compõem as expectativas / metas a serem alcançadas no milênio:
1 - Erradicação da pobreza e fome;
2 - Atingir o ensino básico universal;
3 - Igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres;
4 - Reduzir a mortalidade infantil;
5 - Melhorar a saúde materna;
6 - Combate à AIDS, à malária, e a outras doenças;
7 - Garantir a sustentabilidade universal;
8 - Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.
39 Documento adotado por 191 estados membros da ONU,no dia8 de setembro de 2000. Criado
em um esforço para sintetizar acordos internacionais alcançados em várias cúpulas mundiais, ao
longo dos anos 90 (sobre meio-ambiente e desenvolvimento, direitos das mulheres,
desenvolvimento social, racismo, etc.), a Declaração traz uma série de compromissos concretos
que, se cumpridos nos prazos fixados, segundo os indicadores quantitativos que os acompanham,
deverão melhorar o destino da humanidade no século XXI.
44
Cabe destacar os dois primeiros itens da Declaração que contemplam a
pobreza: “Redução da pobreza e fome”; e a educação em: “Atingir o ensino
básico universal”; como também o último item, que estabelece a importância da
atuação dos organismos internacionais na política mundial: “Estabelecer uma
parceria mundial para o desenvolvimento”. Embora a pobreza seja parte integrante do sistema capitalista (como se diz
no senso comum: ”só existe riqueza se alguém for explorado”), a extrema pobreza
não interessa nem mesmo aos que promovem o capitalismo, pois esta retarda o
processo de expansão do capital, causando instabilidade econômica, recessão e,
obviamente, abalando a força motriz deste sistema: o consumo. A pobreza, então,
tem se apresentado não apenas como contradição inerente ao capitalismo, mas
ainda como um fenômeno contemporâneo, transformando-se no principal foco de
ação dos organismos internacionais, cuja meta é a “erradicação da pobreza no
mundo” (segundo a própria Declaração do Milênio). Esta relação entre pobreza e
desigualdade social é percebida também por estudiosos:
No que se refere à questão da desigualdade. pesquisadores e organismos internacionais, principalmente a partir da metade da década de 1990, consideram ser primordial vincular a pobreza ao tema da desigualdade. Essa perspectiva de vinculação é um elemento novo, uma vez que o pensamento econômico tradicional negou tal conjuração. (NASCIMENTO; REIS, 2009, p.186)
A crença excessiva no mercado livre, as instabilidades governamentais e
as desigualdades sociais são indícios de uma dura realidade contemporânea. Os
fatos anunciam que não se pode mais “tapar o sol com peneira”; agravam-se os
conflitos em diversos países, o que pode ser constatado pelas insurreições da
“Primavera Árabe” (dezembro de 2010), pelas manifestações brasileiras (junho de
2012) e pelas recentes revoltas na Venezuela (janeiro de 2014).
Até o momento, apesar de todos os esforços e discursos a favor da
erradicação da pobreza, estipulados na “Declaração do Milênio”, a pobreza
persiste e desafia as expectativas anunciadas nesse documento. Mattel (2010)
demonstra pessimismo em relação a tais metas e atribui à crise financeira de
45
2008, juntamente como outros problemas conjunturais, a responsabilidade por
esse malogro:
Passados oito anos do referido compromisso político (mais de 60 % do tempo estipulado pela ONU), observa-se que na América Latina, tanto as metas de combate à fome como as de combate à pobreza, ainda estão longe de serem atingidas, sendo mais provável que elas dificilmente sejam cumpridas, especialmente a partir dos efeitos negativos oriundos de dois fatores conjunturais extremamente relevantes nesse campo: a crise alimentar de 2007 / 2008 e a crise financeira pós 2008. (MATTEL, 2010, p. 05)
A inquietação com o fenômeno da pobreza, sobretudo neste século XXI,
adquire relevância nas pautas dos programas de governo e nas ações da
sociedade civil. Podemos tomar como exemplo o atual lema do governo Dilma -
“Pais rico é país sem pobreza” - assim como seu primeiro pronunciamento, em 10
de fevereiro de 2011:
[...] reafirmo que a luta mais obstinada do meu governo será o combate à miséria. Isso significa fortalecer a economia, ampliar o emprego e aperfeiçoar as políticas sociais. Isso significa em especial, melhorar a qualidade do ensino. Pois ninguém sai da pobreza se não tiver acesso a uma educação gratuita, contínua e de qualidade. Nenhum país igualmente poderá se desenvolver sem educar bem os seus jovens, e capacitá-los plenamente para o emprego e para as novas necessidades criadas pela sociedade do conhecimento. ‘País rico é país sem pobreza’, este será o lema de arrancada do meu governo. Ele está aí para alertar permanentemente e nós do governo e a todos os setores da sociedade, que só realizaremos o destino de grandeza do Brasil quando acabarmos com a miséria. 40
Além de reafirmar o combate à pobreza como a principal meta do seu
governo, o discurso da presidenta ressalta a relação entre mercado de trabalho e
educação (tema discutido no próximo tópico desse trabalho); ou seja, a educação
seria o mecanismo capaz de tirar os jovens da pobreza e direcioná-los “para as
novas necessidades criadas pela sociedade do conhecimento”.
Em face de tal panorama, as políticas públicas de combate à pobreza
tornaram-se uma tônica no âmbito das relações internacionais, talvez devido a 40 Vídeo original desse discurso disponível em: www.youtube.com/watch?v=orwrhbd4fxU – Acesso em 03 – 2014.
46
seu caráter emergencial em conter esse fenômeno social e seus efeitos nefastos.
Nesse contexto, o BID e BM se destacam como elementos chaves dessa “corrida
para erradicar” a pobreza, pois são seus principais articuladores dentre o conjunto
de agências multilaterais.
A década de 2000 também foi palco de iniciativas de integração dos países
latino-americanos, que vieram somar-se ao já existente Mercado Comum do Sul –
MERCOSUL. A vitória e a ascensão de governos com veleidades socialistas
(Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador e Uruguai), ademais do surgimento de
instituições como a União de Nações Sul - Americanas (UNASUL), a Aliança
Bolivariana para as Américas (ALBA) e o Banco do Sul 41 são claros indícios de
que o poder de barganha desses países tem se consolidado no cenário
internacional, marcando um período de proeminência política da América Latina
(MARTINS; GALLI, 2011)
Essa breve trajetória acerca do conceito de pobreza buscou revelar suas
transformações e adaptações ao longo dos anos. O que se pode auferir é que
com o desenvolvimento da sociedade urbano-industrial, desde o século XVII, a
ideia de pobreza adquire um conteúdo essencialmente individual, apesar de ela
ser resultado do próprio sistema moderno de produzir e distribuir produtos, parte
integrante da estrutura de uma sociedade consumista, acumuladora e excludente.
Tal concepção de pobreza - ao ocultar a relação das classes sociais com os
meios de produção, ou seja, a apropriação do trabalho pelo capital – é uma das
maneiras pelas quais o capitalismo justifica a desigualdade como inerente à
natureza humana.
Se outrora a pobreza era tida como privação, remissão, desventura,
infortúnio ou até mesmo “chaga social”, devendo ser reprimida ou eliminada, hoje
constitui um elemento estrutural de um sistema que já nasce global: o capitalismo.
Para efeito, o trabalho, antigamente considerado algo que denegria o ser humano,
realizado apenas por servos e escravos, passou a ser valorizado como fator de
ascensão social e fonte de riqueza, originando o mito do “self-mademan”,
fundamental para criar a ilusão de que a pobreza pode ser vencida pelo esforço
pessoal, pela dedicação ao trabalho e ao estudo. 41 Fundo monetário e organização de empréstimos desenvolvido pelo governo venezuelano com intenção de emprestar dinheiro às nações da América Latina para o desenvolvimento de programas sociais e de infraestrutura.
47
Weber foi um dos teóricos que alimentou noções caras ao “modo capitalista
de pensar”: modernização, mobilidade social e mérito individual compõem um
conjunto coerente de ideias que tem como premissa que o desenvolvimento
dependeria do espírito do capitalismo (MARTINS, 2008, p. 140). No dizer do
criador desta expressão,
o trabalho como vocação e cumprimento do dever é a base da ética social da cultura capitalista. O sistema capitalista necessita desta devoção à vocação para ganhar dinheiro, pois ela configura uma atitude para com os bens materiais que está intimamente adaptada a este sistema (WEBER,1987, p.47).
Os defensores e propulsores do atual sistema econômico ainda insistem
em definir a pobreza como uma “moléstia social” e costumam atribuir suas causas
a diversos fatores, tais como: ausência de desenvolvimento, de instrução técnica,
de responsabilidade governamental; ou excesso de corrupção, carência de uma
educação eficiente, entre outras desculpas típicas do discurso neoliberal. As
tentativas de “ajustar os pobres” na era do Estado de Bem Estar Social foram
todas “vencidas” pela proposta neoliberal de que o fenômeno da pobreza deve ser
erradicado, sobretudo, pela expansão do capitalismo. As regiões classificadas
como “atrasadas”, “subdesenvolvidas”, ou “em desenvolvimento” são os grandes
focos de ação do capital mundializado.
Os problemas relacionados à pobreza na América Latina continuam a
desafiar governos e organismos multilaterais. Segundo Mattel (2000), os primeiros
anos do século XXI revelaram que a maioria dos países desta região não seria
capaz de atingir as metas estipuladas pela Conferência Mundial sobre
Alimentação, realizada pela FAO/ONU, em 1996, nem aquelas da “Declaração do
Milênio” das Nações Unidades, datada de setembro de 2000. Mesmo que as
“Metas do Milênio” fossem atingidas (reduzir a fome e a pobreza pela metade
entre 1990 e 2015), ainda assim, restariam mais de 30 milhões de pessoas em
estado de subnutrição e de fome em todo o continente latino- americano.
48
2.2 - Políticas públicas de combate à pobreza na América Latina.
A interferência dos bancos internacionais na América Latina é parte
significativa da trajetória dessas instituições, sobretudo no que se refere a
políticas públicas de combate à pobreza. O Continente guarda um passado
sangrento, resultado do colonialismo e das guerras de independência que
marcaram sua configuração socioeconômica. Embora a região possa ter
conquistado sua independência política, a luta por autonomia financeira e
tecnológica permanece. A forte incidência de programas sociais financiados por
bancos públicos internacionais é resquício da velha política que subordinava os
interesses da colônia aos da metrópole.
Usualmente, as políticas de combate à pobreza estão vinculadas a políticas
educacionais. Podemos considerar tal fato como a nova estratégia do capital
para controlar os países que dependem de seus empréstimos.
Este tipo de programa integra o processo de reestruturação
macroeconômica promovido pelo Consenso de Washington. O interesse dos EUA
pela América Latina ocorre, sobretudo, pela posição geopolítica do Continente.
Conforme Boaventura de Souza dos Santos (2002), a tríplice do poder mundial é
formada por Estados Unidos, Japão e União Européia, que buscam afirmar
relações com países de maior proximidade geográfica. Na visão daquele autor, a
estratégia de aproximação geopolítica funcionaria da seguinte forma: a União
Européia com o norte da África e o leste europeu; o Japão com os países
asiáticos; os Estados Unidos com o México, Canadá e América Latina (SANTOS,
2005, p.29). Partindo dessa perspectiva, os latino-americanos seriam “clientes
49
especiais” dos EUA, pois os recursos naturais e o mercado potencial dessa região
muito interessam ao capital transnacional. Portanto, as interferências do BID e
demais bancos públicos internacionais nestes países não podem ser
consideradas apenas como articulações típicas de uma empresa bancária.
O período pós-queda do “muro de Berlim” traz significativas reformas do
Estado em quase toda a América Latina, com o objetivo de criar condições
macroeconômicas para inserir a região na dinâmica da reestruturação produtiva
capitalista. Agora, livres da ameaça “socialista”, os denominados países ”centrais”
ditam as regras do jogo à “periferia” do mundo. Podemos destacar algumas
destas regras: a transferência de tecnologias, a ampliação do mercado interno de
consumo, e a massiva expansão do capital estrangeiro (quer na forma de
empréstimos quer na de investimentos condicionados). 7
Brasil, Colômbia e México foram os três primeiros países na América Latina
a receberem investimentos externos do Banco Mundial.42 Coincidentemente ou
não, Brasil, México e Colômbia implantaram os principais programas de “combate
à pobreza” em seus territórios durante os anos de 2000. Este interesse tem raízes
antigas e se situa no quadro de conflitos internacionais entre os Estados mais
poderosos.
Desde a época das plantações de açúcar, um empreendimento bem
sucedido do capitalismo mercantil do século XVII, as terras brasileiras tem sido
objeto da cobiça do capital estrangeiro. Não por outra razão, holandeses e
franceses invadiram a colônia de Portugal e instalaram fortificações e vilas na
região nordeste. O Brasil continua atraindo as atenções de investidores externos,
devido tanto a suas riquezas naturais, que suprem de matéria prima as grandes
indústrias internacionais, quanto ao seu vasto território e mercado interno. Hoje,
cresce seu protagonismo na América Latina como país “emergente” na área
social, política e econômica.
A política exterior colombiana, em grande parte de sua história, esteve sob
forte influência dos EUA seja pelas disputas entre os dois países pelo controle do
Canal do Panamá, no início do século XX, seja pelo envolvimento dos EUA no
combate ao narcotráfico no presente (SANTOS, 2010). É interessante ressaltar 42 Mônica Dias Martins, O Banco Mundial e as Políticas Púbicas na América Latina. Trabalho apresentado no grupo Sociologia e Relações Internacionais e publicado (em CD) nos Anais do XXV Congresso da ALAS, 22 a 26/08/2005, Porto Alegre/RS.
50
que a Colômbia é um dos únicos países da América do Sul a não aderir à onda
“esquerdista” que emergiu na região, a partir da década de 1990. Quanto ao
México, as suas relações com os EUA decorrem da proximidade territorial, da
densidade demográfica e do potencial econômico, o que tem contribuído para
uma parceria bastante assimétrica, desde 1993, mediada pelo Tratado Norte-
Americano de Livre Comércio (cuja sigla em inglês é NAFTA).
Um caso exemplar do vínculo entre educação e combate à pobreza é o
programa “Bolsa Família” no Brasil, em que os recursos financeiros só são
repassados às famílias beneficiadas caso os seus filhos estejam matriculados e
com presença regular nas escolas que frequentam. “Bolsa Família” é um
programa do Governo Lula (2003) de transferência de renda com
condicionalidades que integra o “Fome Zero”. Os programas implantados no
Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), como o "Bolsa Escola", o "Auxílio
Gás" e o "Cartão Alimentação" foram unificados e renomeados “Bolsa Família”.
Este consiste na ajuda financeira às famílias pobres (definidas como aquelas que
possuem renda per capita de 70 até 140 reais) e extremamente pobres (com
renda per capita menor que 70 reais), que em contrapartida devem manter seus
filhos e/ou dependentes na escola e vacinados. O programa pretende reduzir a
pobreza a curto e longo prazo,mediante transferências condicionadas de capital,
visando quebrar o ciclo geracional da pobreza. O governo brasileiro assinou em
junho de 2005 um convênio de apoio analítico e suporte técnico com o Banco
Mundial - que além de estar politicamente articulado com o Bolsa Família,
forneceu 572 milhões de dólares para sua implantação.43
Além do “Bolsa Família”, podemos citar outras significantes intervenções
internacionais na América Latina através da complementaridade entre políticas
públicas de combate à pobreza e de educação, como o programa
“Oportunidades” no México e o programa “Famílias em Acción” na Colômbia.
O programa “Oportunidades”, criado em maio de 2004, foi uma das duas
iniciativas latino-americanas apresentadas em uma conferência do Banco Mundial
em Xangai sobre meios comprovados de romper o ciclo da pobreza nos países
43 Informações disponíveis em: http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/index.aspx?ID_OBJETO=103251&tipo=ob&cp=994d99&cb=&n1=&n2=Roteiros%20de%20Atividades&n3=Ensino%20M%C3%A9dio&n4=Hist%C3%B3ria&b=s - Acesso em 12 – 2013.
51
em desenvolvimento. Este possui várias características que o distinguem de
iniciativas anteriores de redução da pobreza. A ajuda é dada em dinheiro e
entregue diretamente à chefe feminina do domicílio. Os pagamentos são feitos
regularmente, desde que as beneficiárias cumpram uma série de exigências
conhecidas como "corresponsabilidades", entre elas: manter os filhos na escola,
levá-los regularmente ao médico, fazer que tomem as vacinas, e participar de
discussões periódicas sobre tópicos como saúde, alimentação, higiene, violência
doméstica e planejamento familiar. O “Oportunidades” depende, em grande
medida, da cooperação entre os governos estaduais e municipais, que são
responsáveis pela prestação de serviços sociais como a educação. 44
O Banco Mundial apóia a continuação e ampliação do programa
“Oportunidades”, através de financiamento por transferências bimestral de
dinheiro às famílias que cumprem as condições pré-estabelecidas; e prestação de
assistência técnica para realização de estudos destinados a melhorar as sinergias
entre o “Oportunidades”e outros programas sociais do governo mexicano. Está
em curso a implementação do Plano de Povos Indígenas, que estabelecerá linhas
de ação para definir um modelo alternativo de gestão e operação do programa
Oportunidades em áreas indígenas. 45
O programa colombiano “Familias en Acción” foi inspirado no Bolsa Família
brasileiro, seguindo a metodologia de distribuir recursos financeiros em
articulação com a educação e a saúde pública. Iniciado na década de 2000, o
programa atende 1.102 municípios e 2.6 milhões de famílias, mediante
empréstimos cedidos pelo BID e BM e administrados pela rede bancária. O
repasse dos benefícios financeiros é condicionado à matricula dos filhos em
escola e à condição nutricional das crianças com menos de sete anos. 46
Segundo a cientista política Maria Margarita López (2006), a relação entre
educação e pobreza na Colômbia requer uma análise que não se restrinja às
44 Informações disponíveis em www.oportunidades.gob.mx- Acesso em 05 – 2013
45 Informações disponíveis em http://pressroom.ipc-undp.org/banco-mundial-aumenta-apoio-a-programa-oportunidade-de-mexico/?lang=pt-br- Acesso em 06 - 2013
46 Informaçãoesdispóniíveis em http://www.dps.gov.co/Ingreso_Social/FamiliasenAccion.aspx - Acesso em 12 – 2013.
52
condicionalidades das atividades escolares. A situação delicada e peculiar de um
país repleto de conflitos sociais (tráfico de drogas, guerrilha, fragilidade
institucional, etc) exige considerar outros fatores que envolvem o processo
educativo e a condição sociocultural local, tal como a participação das
comunidades e a descentralização dos programas:
[...] apesar dos benefícios que a educação traz em médio prazo para a melhoria da renda dos indivíduos e de suas famílias, sua incidência na redução da pobreza deve ser vista de maneira mais contundente na formação de capital social e na possibilidade que representa para a liberação das comunidades mais pobres. Sem esquecer a universalidade de certas políticas públicas educacionais, não se podem negar a necessidade de orientar algumas delas para a ampliação das oportunidades daqueles que têm menos representação, recursos e possibilidades. Para conseguir isso, é necessário revisar a maneira como se está prestando o serviço dentro da descentralização, fortalecer mecanismos de prestação de contas das administrações públicas aos cidadãos e promover uma maior participação e exigência da parte das comunidades enquanto clientes do serviço. (LOPEZ, 2006, p. 98)
Há diversos outros programas similares implantados na América Latina,
além dos três já citados, como por exemplo: “Programa Familiar”, na Argentina; o
“Plano de Alimentação dos Trabalhadores”, na Venezuela; o “Plano Nacional de
Alimentação”, no Uruguai; o “Programa Chile Solidário”, no Chile; e o “Programa
Local de Alimentação”, no Equador. 47
As políticas públicas de combate à pobreza têm ampla participação de
organismos internacionais, cabendo destaque ao BID, que segue o tradicional
modelo “desenvolvimentista” com área de atuação restrita à América Latina. Esse
banco público internacional está imbuído de certa “autoridade” ostentada por sua
predominância financeira sobre os países latinos americanos. Tais condições
resultam em árduas negociações entre os governos nacionais e os organismos
multilaterais na definição de políticas domésticas. Entende Chossudovsky (1999),
que estas intervenções provocam, em muitos casos, efeito contrário às
promessas de desenvolvimento:
47 Informação disponível no site do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) : http://www.iela.ufsc.br - Acesso em 02 - 2014
53
A nova ordem financeira internacional comandada pelo trio: FMI, Banco Mundial e a OMC é nutrida pela pobreza humana. Os programas de “ajustes estruturais” e de “estabilização macroeconômica” promovidos por estas instituições nas últimas décadas têm condicionado países em desenvolvimento a empréstimos e endividamento externo, levando milhares de pessoas ao empobrecimento. Estas práticas econômicas internacionais estão levando o planeta a uma globalização da pobreza (CHOSSUDOVSKY, 1999, p.26).
Esse condicionamento é justificado pelos bancos internacionais com o
discurso de que os países em que atuam estão carentes de “desenvolvimento e
progresso econômico”; em contrapartida, as comunidades nacionais ficam
sujeitas a regras e modelos típicos da política desses bancos. Como podemos
auferir nas palavras de Michelle Sptephanou:
A influência de agências como o Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento tem sido cada vez maior e mais ofensiva. Essas agências multilaterais buscam oferecer créditos ao país, a partir de pressuposto, que é a condição de retomada do crescimento econômico. E essa retomada só é possível, segundo eles, a partir da realização de um ajuste fiscal e da redução de taxa de juros doméstica. Os programas de privatização do governo federal são motivados pelas agências de financiamento. O que, nesses últimos anos, têm se intensificado consideravelmente no Brasil. (STEPHANOU, 2005, p.133)
O BM e o BID não são apenas bancos tradicionais, mas, sobretudo,
instituições públicas difusoras de uma concepção desenvolvimentista neoliberal,
na qual podemos destacar as seguintes características:
a) A necessidade das privatizações, deixando o mercado ao livre jogo dos
agentes privados;
b) Uma tributação mínima e regressiva, bem como o aumento da base de
tributação e a redução de impostos sobre os agentes econômicos, isto é, os
possuidores de grandes fortunas e os pobres pagariam as mesmas taxas de
impostos, estendendo a cobrança de impostos a segmentos pobres que antes
54
estavam isentos, ao passo que seria diminuída a cobrança de impostos das
empresas;
c) A abertura às importações e aos investimentos estrangeiros, uma vez
que o protecionismo de mercado seria ineficiente tanto para captar recursos
quanto para satisfazer os interesses do consumidor nacional.
O item “a” responde à “lei” do Estado mínimo e da supremacia do capital na
economia; o item “b” contempla a primazia cedida às grandes empresas privadas
frente ás classes menos favorecidas, um exercício econômico curiosamente
oposto à proposta dos programas de combate à pobreza; e o item “c” atende a
toda “autoridade” cedida aos bancos internacionais nas relações entre governos
dos países “assistidos” e organismos multilaterais.
Devido à influência dos bancos internacionais sobre as nações “clientes”,
estas acabam por acatar tal modelo de desenvolvimento para assim serem
reconhecidas como “modernas” e “desenvolvidas” perante a comunidade
internacional. Então, estariam os organismos multilaterais mantendo um discurso
de “combate à pobreza” apenas como jargão emblemático para legitimá-los no
cenário mundial no papel de autoridades internacionais? Portanto, usualmente
promovidas em nome do progresso e do desenvolvimento, as políticas públicas
de combate à pobreza podem abarcar diretrizes ideológicas, além de óbvios
interesses econômicos. .
Há uma prática e retórica bem específica dos organismos internacionais
em relação à pobreza e aos pobres. Segundo Sprandel (2004), instituições como
o BID, BM, ou FMI, se valem de um discurso que tenta “naturalizar” a pobreza em
função da própria funcionalidade e legitimidade capital no cenário internacional,
por meio destas instituições. Tal retórica é sustentada pela prática de
identificação, classificação e empowerment48 dos pobres. Alardeado por uma
ciência economicista dos números e das estatísticas, este tipo de discurso tende
à “cristalização de uma lógica”, dando uma impressão de que estas instituições
realmente estão aptas a dominar o problema da pobreza no mundo.
48 Termo típico da linguagem neo-liberal que representa um “projeto de trabalho que objetiva a delegação de poder de decisão, autonomia, participação e capacitação de funcionários”. informação disponível em www.worldbank.org/empowerment- Acesso em 06 de 2013.
55
Ribeiro (2001) faz férrea crítica ao modelo de documento elaborado pelas
instituições internacionais em função do combate a pobreza. Em seu estudo, ele
analisou especificamente o documento CAS, aplicado no Brasil pelo BIRD,
durante o período de 2000 a 2002, e concluiu que este carece de transparência,
objetividade e eficiência programática. Assim, para Ribeiro o CAS seria um
tentáculo do poder internacional que utilizaria o artifício de “combate à pobreza”
para justificar sua atuação junto às políticas nacionais. Constatando que a
metodologia adotada no CAS não é devidamente esclarecida e que os pobres são
tratados sem uma contextualização social:
Além de referências a estudos técnicos, ocorre [...] ...recorrer à fala descontextualizada dos pobres, é no mínimo, desconsiderar a complexidade da formação social brasileira...Trata-se de recurso de poder e não de uma interlocução ampla com diferentes segmentos do Estado e com a sociedade civil , a menos que se acredite que limitadas pesquisas quantitativas, realizadas sem qualquer esclarecimento de método, possam servir de base para a formulação de diretrizes para a política econômica (RIBEIRO, 2001, p. 70).
Na análise exposta acima reflete a função “simbólica” que a pobreza
e os pobres desempenham na legitimação dos organismos multilaterais perante
a comunidade internacional. São elementos que reforçam a complexidade e
multiplicidade do fenômeno contemporâneo da pobreza, mas que na retórica
desses organismos permanece essencialmente delimitada à esfera econômica.
Todavia, este problema social representa parte do poder simbólico que as
instituições multilaterais conservam em torno da pobreza: “O isolamento da
pobreza faz dela uma referência constante e legitimadora da ação do Banco
Mundial, permitindo a sua citação em qualquer fase das orientações para a
economia, inclusive nos investimentos em infraestrutura.” (RIBEIRO, 2001, p. 80).
Apesar da pobreza se configurar como um fenômeno complexo, variável e
persistente ao longo dos tempos, o BM e o BID, sob a égide de seu poder
econômico e ideológico, se apropriaram desta questão, buscando mantê-la
debaixo de seu controle social para, assim, legitimar suas orientações e práticas
neoliberais. Com o pretexto de “aliviar” a pobreza no mundo, esses bancos
públicos internacionais conseguem “passe livre” para atuar em vários países e,
56
em consequência, expandir sua capacidade de influenciar as políticas públicas
dos países em que operam. Na realidade, a existência e pertinência da pobreza
tornam-se mais importante que a “erradicação” da mesma; ou seja, a função de
“combater a pobreza” confere autoridade e expressa, simbolicamente, o poder
dessas instituições.
A partir da década de 2000, os bancos públicos internacionais vêm
intensificando seus investimentos na área educacional, acompanhando a lógica
de “promover a educação para erradicar a pobreza”. Vale ressaltar o vínculo que
os programas de “erradicação” da pobreza têm com os investimentos e as
diretrizes educacionais, conforme já foi exposto. A educação parece ser o grande
“trunfo” usado pelo pensamento dominante para justificar a incidência da pobreza
em nossa sociedade atual. Nessa perspectiva, a inclusão da educação na política
de combate à pobreza dos organismos multilaterais é um relevante marca da
atual política internacional. As ações e programas sociais de bancos públicos
internacionais como o BID e BM são peças fundamentais para melhor
entendermos a relação interferências internacionais, programas sociais e políticas
públicas nacionais.
Portanto exposto a relação entre os bancos públicos internacionais e a
pobreza o capítulo a seguir expõe com mais detalhes a relação destes a
educação, visto o forte vínculo existente entre pobreza e educação nos
programas sociais desses organismos multilaterais.
57
3. EDUCAÇÃO E BANCOS PÚBLICOS INTERNACIONAIS
3.1 - Unidade trabalho-educação e universalização do ensino.
Com a revolução industrial e o seu desenvolvimento ao longo do século
XIX, as transformações ocorridas numa sociedade econômica, social e
politicamente turbulenta surtiram relevantes efeitos nas ideias, nas artes, na
academia e nas ciências humanas de forma geral. Nesse cenário, a prática de
educar significa, por um lado, um mecanismo de controle (para a burguesia), e
por outro, de emancipação social (para o povo e proletariado). É nessa dicotomia
entre a expansão capitalista e os direitos sociais que a educação vai se
aproximando e se adaptando aos moldes do trabalho humano.
O desenvolvimento da sociedade capitalista industrial durante o século XX
amplia as funções da educação: direito humano; bem de consumo; instrumento
de transmissão de valores; e meio de elevar a produção de bens. A corrida
capitalista em busca de angariar novos mercados consumidores acentua a
distinção entre uma educação formadora de saberes e outra produtora de mão-
de-obra.
Junto ao crescimento econômico, o mundo moderno também gera espaço
a novas perspectivas do conhecimento, como o relativismo de Albert Einstein
(1879-1955), a psicanálise de Sigmund Freud (1856-1939), a filosofia
existencialista de Jean Paul Sartre (1905-1980). Quanto à educação, podemos
destacar o cognitivismo de Jean Piaget49, o interacionismo de Lev Vygotsky50, a 49 A teoria cognitiva de Jean Piaget (1896-1980) adota abordagem interdisciplinar para a
investigação epistemológica a partir da gênese psicológica do ser humano, representada pela sua
58
psicologia humanista da escola rogeriana51, e as transformações individuais da
pedagogia crítica de Paulo Freire52. Essas teorias tiveram grande impacto na
educação do século XX, com repercussões até os dias atuais
Portanto, no início do século XX, além de mudanças econômicas
impulsionadas pelo desenvolvimento capitalista, houve simultaneamente uma
série de novos pensamentos, teorias e práticas nas diversas áreas do
conhecimento: filosofia, sociologia, artes, direito, ciências exatas, economia, etc.
E a educação não foge à regra e acompanha a complexidade do mundo moderno,
como demonstram as teorias interacionistas (Piaget e Vygosstky), a escola
rogeriana e a pedagogia crítica de Freire.
49 Teoria dos Estágios”. Nela Piaget propõe a existência de quatro fases de desenvolvimento
cognitivo: o sensório-motor, pré-operacional (pré-operatório), operatório concreto e operatório
formal. Para ele, as crianças aprenderiam apenas o que estavam preparadas a assimilar e aos
professores caberia aperfeiçoar o processo de descoberta dos alunos. (LA TAILLE, 1992)
50 Lev Vygotsky (1896-1934) desenvolve suas pesquisas no período pós-revolução na Rússia,
inspirado no materialismo histórico dialético de Karl Marx e Friedrich Engels, construiu sua “Teoria
do Desenvolvimento”. Segundo Vygotsky, o aprendizado do indivíduo resulta de um processo
sócio-histórico, por considerar as contribuições da cultura, interação social e dimensão histórica do
desenvolvimento mental (LA TAILLE, 1992).
51 Instituída a partir das ideias de Carl Rogers (1902-1987), considerado um dos mais influentes
pensadores na área educacional dos Estados Unidos. Rogers elaborou sua tese educacional
como uma extensão de sua formação na área da psicologia, fundando a terapia não-diretiva, em
que a tarefa de professor é apenas liberar o caminho para que o estudante aprenda com
autonomia. Voltada para uma abordagem centrada na pessoa, a proposição de Rogers implica
num modelo de educação onde o indivíduo tenha liberdade e responsabilidade na escolha, ou
seja, o aluno como um agente ativo e o professor visto como um facilitador desse processo
(ROGERS, 1977).
52 A pedagogia crítica do educador e filósofo Paulo Freire (1921-1997) está centrada na autonomia
do indivíduo. O objetivo maior da educação freireana é conscientizar o aluno em relação às
parcelas desfavorecidas da sociedade, levá-las a entender sua situação de oprimidas e agir em
favor da própria libertação. Os conceitos e métodos revolucionários de Freire ficaram conhecidos
como a “Pedagogia do Oprimido”. (FREIRE, 1997).
59
Essas transformações na educação fazem parte do macroprocesso de
transição que teve início com a passagem da sociedade agrária à sociedade
industrial, que Ernest Gellner (1925-1995) estudou para entender o surgimento da
nação moderna. Gellner ressalta relevantes características da transmutação da
antiga sociedade agro-letrada para uma sociedade industrial avançada, que se
acentuou a partir do século XIX na Europa ocidental, tais como: “semantização do
trabalho”, “homogeneidade social”, “estandardização da educação” e prevalência
de uma “cultura superior” liderada por uma “elite dominante”. Esses fatores estão
intrinsecamente relacionados às mudanças que a educação sofreu com o
desenvolvimento da sociedade industrial capitalista. Portanto, conforme o modelo
teórico formulado por Gellner, o sistema educacional é crucial para compreender
a “grande transformação” que, no mundo ocidental, irá dar origem ao
nacionalismo (GELLNER, 2000). “O sistema educacional torna-se uma parte
extremamente importante dela (da sociedade industrial - nota minha) e o papel
principal da educação passa a ser a manutenção do meio cultural/lingüístico”
(GELLNER, 1993, p.56).
As antigas sociedades agro-letradas eram compostas de camadas sociais
descentralizadas, sendo a educação gerada em unidades independentes e de
forma mais direta (de pai para filho). Nesse tipo-ideal de sociedade prevalecia o
trabalho manual, a tecnologia estável, as culturas distintas em um mesmo
território/região e a educação baseada na transmissão hereditária, o que a
tornava inadequada à homogeneização de um sistema educacional com
características universais.
Com a emergência da sociedade industrial avançada, surgem as noções
de progresso, tecnologia instável, expectativa de crescimento prolongado, divisão
do trabalho móvel, comunicação ampla e contínua, idioma “estandardizado”, entre
outras características que requeriam um novo tipo de educação:
O nível de instrução e de comunicação técnica num meio de comunicação estandardizada, numa moeda conceitual comum, tal como exigido aos membros dessa sociedade se quiserem ser devidamente empregados e gozar de sua cidadania total e real, é tão elevado que, simplesmente, não pode ser fornecido pelas unidades de parentesco ou locais. Apenas pode ser fornecido por algo que se assemelhe ao sistema educacional nacional moderno [...] (GELLNER, 1993, p.58)
60
O autor destaca a emergência de uma cultura erudita na sociedade
industrial que induz à “unificação das idéias em sistemas contínuos e uniformes”
(GELLNER, 1993, p. 41). Com efeito, a dimensão sociopolítica dessa nova
comunidade nacional requer uma “intelligentsia” que a sistematize como “alta
cultura” e um sistema educacional centralizado que aperfeiçoe sua transmissão.
(GELLNER, 1993). O autor observou que a educação adequada à essa sociedade
industrial requeria saberes sistematizados para atender os interesses de uma
coletividade orientada ao mercado.
Na sociedade agro-letrada os saberes de cada região eram transmitidos de
forma mais heterogênea, devido à diversidade cultural dentro de um mesmo
território político – no caso, os grandes reinados. O bom domínio das letras e a
alfabetização eram restritos a poucos cidadãos; a maioria da população recebia
uma educação fundamentada na vivência cotidiana. Mas apesar da “boa
educação” ser insígnia de status social, as elites dessa época “nunca podem
efetivamente ser bem sucedidas, pela simples razão de que tais sociedades não
possuem meios para tornar a alfabetização quase universal e para incorporar as
grandes massas populares numa cultura erudita, concretizando dessa forma os
ideais da elite letrada” (GELLNER, 1993, p.25). Já na sociedade industrial
avançada a educação é centralizada no poder do Estado, em oposição aos
ensinamentos pulverizados nas subculturas do modelo anterior.
Pode-se dizer que nas sociedades agro-letradas havia uma educação
endógena, na qual as subcomunidades se autoreproduziam, com maior
capacidade de intersecção entre si; enquanto nas sociedades industriais, a
educação tornou-se independente e externa (educação exógena), com
características universais, sob a égide de uma cultura erudita superior. Para
Gellner, a sociedade moderna transforma:
[...] todos em ‘letrados, fazendo desta classe potencialmente universal, e assegurando que todos, sem exceção, sejam ensinados por ela. A educação vinda do exterior (exo-educação) transforma-se, assim, na norma universal, de modo que ninguém do ponto de vista cultural,
61
faz a barba a si próprio. A sociedade moderna é aquela em que qualquer subcomunidade, abaixo da dimensão daquela que é capaz de manter um sistema educacional independente, já que não pode autoreproduzir-se (GELLNER, 1993, p.55).
A sociedade industrial é organizada a partir de um modelo econômico
que busca homogeneidade social a ser concretizada com a uniformização de uma
língua “nacional” e de sistemas de ensino “nacionais”. O autor atribui um papel
modernizador às elites intelectuais, que se utilizam da rede educacional para
construir uma nação moderna. A referida “cultura superior”, representada pela
classe dominante, sobrepõe-se às culturas ditas “inferiores” ou “atrasadas”, em
referência às antigas sociedades agro-letradas (GELLNER, 1993).
Nesse contexto, destacamos o papel da elite ao fomentar uma “cultura
superior padronizada”, o que prejudicou a intercomunicação e intersecçãoentre as
subcomunidades de outrora, instituindo-a como única forma de “legitimação” para
aos cidadãos:
A sociedade inteira deve ser perpassada por uma só cultura superior padronizada, caso pretenda funcionar. Ela já não pode tolerar uma proliferação desordenada de subculturas internas, todas presas ao contexto seriamente inibidas em sua intercomunicação mútua. O acesso à cultura superior apropriada e a aceitabilidade dentro dela são o bem mais importante e valioso das pessoas: ele instaura uma condição de acesso não apenas ao emprego, mas a cidadania legal e moral e a todos os tipos de participação social. (GELLNER, 1993, p.62).
Um fato sem precedentes, pois “pela primeiríssima vez na história da
humanidade, uma cultura superior torna-se a cultura difundida, a cultura
operacional de toda uma sociedade” (GELLNER, 2000, p.116). Tal busca
incessante por cidadania legal, emprego, moralidade, etc., ainda é bem presente
na sociedade contemporânea, na qual prevalece a ordem de “ter” sobre o ”ser”,
impulsionada pelo consumismo exacerbado promovido pelo atual sistema
produtivo.
Gellner aborda também as implicações da sociedade industrial sobre o
trabalho. É o que ele define como “semantização” do trabalho. Isso significa a
existência de um sistema composto por uma classe de trabalhadores que
62
depende de uma escolarização formal (educação sistemática e prolongada) para
garantir sua especialização e, consequentemente, sua vaga no emprego.
Portanto, a transição de uma economia agrária para outra industrializada requer
uma nova estrutura ocupacional que exige uma mão de obra especializada; daí a
necessidade de uma educação “estandardizada”. Desse modo, os trabalhadores
tornaram-se dependente de uma educação orientada pelas demandas do capital.
Todas as características ressaltadas por Gellner para definir essa nova
sociedade industrial, regida pela economia de mercado e por uma educação
“estandardizada”, com destaque para o forte nacionalismo, ainda permanecem
bem vivas na atualidade e são potencializadas com o desenvolvimento das
relações multilaterais (pós II Guerra) e o processo de globalização.
Rodriguez (2013) observa as mesmas características de Gellner ao
analisar a relevância da educação, a predominância de uma elite e a noção
incessante de progresso no desenvolvimento da sociedade moderna e dos
Estados-nação do século XX:
A educação é o instrumento modernizador ideal que irá alavancar o progresso e consolidar os nascentes Estados Nacionais. No entanto, o crescente progresso propiciado pela revolução industrial coloca, às elites dominantes, a necessidade de controle e da estabilidade social que lhes permita desfrutar tranqüilos os frutos do progresso (RODRIGUEZ, 2013, p.75).
As tendências e modas do mundo contemporâneo estão diretamente
relacionadas ao processo de mundialização do capital. Os meios de comunicação
e mídia de massa (televisão,cinema, internet,etc) são usualmente acusados de
proliferar valores dominantes e ideias questionáveis. Porém a educação formal
geralmente não recebe a mesma atenção que normalmente atribuímos ao “quarto
poder” (a mídia) na formação dos indivíduos. No entanto, os propulsores do
capitalismo - organismos multilaterais, grandes empresas e bancos públicos
internacionais - estão sempre bem atentos ao potencial formador e reprodutivo da
educação.
Hoje, podemos atualizar as ideias de Gellner e denominar as grandes
empresas transnacionais que impulsionam o capital mundial como as
representantes da “elite superior” global. Estas têm todo interesse num sistema de
ensino, que reproduza seus valores, em que a educação “estandardizada” seja
63
um bom e rentável investimento. Os organismos multilaterais são os maiores
promotores dessa “ordem mundial” e representantes de uma “elite global” que
pretende a mesma “homogeneização” com a ajuda de uma educação planificada
e “universalizada”. E o processo de automatização das empresas veio somente a
potencializar a “semantização” do trabalho, acirrando a competição por emprego,
ao demandar serviços cada vez mais especializados e “abstratos”.
A presença dos organismos internacionais na Educação é ampla e
diversificada. Porém, para exemplificar esse tipo de interferência internacional,
nesse estudo, destacaremos o documento “Declaração Mundial sobre Educação
para Todos”, por representar um marco nos parâmetros da educação mundial.
Tal documento foi instituído a partir da conferência internacional de Jomtein
na Tailândia, em 1990, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) e
financiada pelo Banco Mundial, sob o tema “Educação para Todos”. O evento
contou com a presença de 150 países e de reconhecidas autoridades na área da
educação que constituíam a Comissão Internacional sobre a Educação para o
Século XXI, coordenada pelo pedagogo francês e consultor da ONU, Jacques
Delors. Posteriormente, essa comissão elaborou o relatório “Educação: um
Tesouro a Descobrir” (1996), documento que contém os princípios denominados
“Os Quatro Pilares da Educação”, os quais pretendiam dar novas diretrizes
educacionais para o mundo ocidental. (MAIA;JIMENEZ, 2013).
A afirmação e adoção do documento “Educação um tesouro a descobrir”
marca a trajetória das relações entre capitalismo e educação. Que parâmetros
educacionais foram determinados e ajustados em consonância a um novo perfil
trabalhista, com vistas aos ajustes do capital mundial? Os “Quatros Pilares da
Educação” foram instituídos para justificar as mudanças econômicas, políticas e
sociais que ocorriam em escala global. Segundo a comissão de Jacques Delors,
se buscavam soluções para dois problemas identificados nos processos
educacionais do século passado: a hipervalorização dos aspectos cognitivos e
práticos do saber (o “aprender a conhecer”), em detrimento de outras dimensões
fundamentais do ser humano, e o apego a um modelo de formação ultrapassado
(o “aprender a fazer”), baseado no aprendizado de conteúdos e habilidades mais
ou menos estáveis, vinculados a uma determinada qualificação ou profissão
(MAIA; JIMENEZ, 2013). Na busca da superação dessas duas práticas, de
hipertrofia teórica e do tecnicismo operacional, o relatório sugere a adoção, por
64
parte da escola, de duas outras práticas que, somadas às anteriores e em
equilíbrio, seriam capazes de formar um ser humano apto a acompanhar as
mudanças vertiginosas da contemporaneidade: o “aprender a conviver” e o
“aprender a ser”. Assim, a comissão apresenta o que seriam os “Quatro Pilares da
Educação” (DELORS,1998):
Aprender a conhecer - enfatiza a teoria, o conteúdo e a informação;
Aprender a fazer - facilita a operacionalização de tarefas;
Aprender a conviver - firma-se nas relações entre os seres humanos;
Aprender a ser - evidencia valores e atitudes como a solidariedade.
A primeira dimensão - “aprender a conhecer” - dominaria as atividades
teóricas, a aprendizagem de conteúdos e de informações tecnicamente úteis,
instrumentais. Esse “pilar” pretende superar tal dimensão por considerar que a
escola tradicional focava em demasia o conteúdo, tornando-o excessivamente
teórico, desligado da prática cotidiana, estático e descontextualizado. Argumenta
que essa perspectiva excessivamente cognitiva não favorecia a pesquisa ou
proporcionava uma visão mais abrangente do real.
A segunda dimensão - “aprender a fazer” - supervalorizaria as habilidades
e encontra seu ápice nos modos de produção taylorista e fordista onde é a
precisão de atividades repetitivas e mecânicas que possibilita os ganhos de
produtividade.
A terceira dimensão - “aprender a conviver” - incentivaria a cooperação,
atuaria no plano da convivência, transmitiria saberes sobre diversidade,
semelhanças e interdependência entre povos para disseminar a solidariedade,
possibilitaria o reconhecimento do outro, a partir do conhecer a si próprio.
A quarta dimensão - “aprender a ser” - seria pautada na integração do
conhecimento para ultrapassar o tecnicismo e a padronização dos costumes e
valores produzida pela mídia, incentivando os jovens ao pensamento critico e
autônomo.
Portanto, de forma geral os novos direcionamentos dos “quatros pilares”
têm a pretensão de superar práticas e saberes da escola tradicional, considerada
ultrapassada, estabelecendo novas necessidades educacionais para integrar os
65
indivíduos à dita sociedade do conhecimento e da informação do século XXI.
Essas diretrizes ficaram conhecidas sinteticamente como o novo “aprender a
aprender” e sua aplicação exigiu reformas profundas no sistema educacional.
Segundo Maia e Jimenez (2013), o modelo proposto pela comissão de
Delors, e especificamente as diretrizes dos “Quatro Pilares da Educação”, apesar
de aparentemente atrativo e tentador, está repleto de contradições e
incongruências. Sua aplicação desconsidera as características e a lógica do atual
sistema de produção capitalista, além de “oferecer uma resposta bastante simples
a um problema deveras complexo” (MAIA, JIMENEZ, 2013, p. 123). A adoção de
tais diretrizes educacionais reflete uma postura redentora da humanidade, se
apoia em expressões como “conhecimento desinteressado” ou neutro, procura
evitar discussões críticas sobre o uso e os fins políticos, práticos e mercantis do
conhecimento científico, sendo apenas mais um recurso discursivo para a
conservação do atual modo de produção capitalista.
O “aprender a conhecer” estaria desconectado da multiplicidade
característica do processo de aprendizagem. Escamoteando o princípio
fenomenológico do conhecimento cotidiano, os teóricos da ONU entendem o
processo de cognição, sobretudo a educação formal, como o únicomodo
admissível de conhecimento. Para atingir esse “conhecimento puro”, o indivíduo
teria que trilhar o caminho da “neutralidade científica”, o que seria praticamente
impossível dentro da realidade científica contemporânea. O “Aprender a fazer”
inviabiliza elementos centrais na nova forma de organização do trabalho, como a
criatividade e a inovação, e despreza totalmente o caráter cada vez mais imaterial
dos bens e serviços. Diante tais impasses, como incentivar as relações
interpessoais em um ambiente de trabalho tão “imaterial”? O espírito de
cooperação e solidariedade do “aprender a conviver” está em oposição à
dinâmica conflituosa das relações entre as nações, permeadas por diferentes
interesses e desproporcionalidades de riqueza e poder, assim como dos conflitos
relacionados ao racismo e à intolerância entre os povos. O “aprender a ser” cai na
contradição de defender um indivíduo “crítico e autônomo” no interior de um
modelo econômico que fomenta a desumanização do ser humano, com uma
evolução tecnológica contínua, com valores efêmeros instigados pela moda e pelo
consumismo (MAIA; JIMENEZ, 2013).
66
Assim, os “pilares” trariam em suas contradições a tentativa velada de,
apregoando a mudança, promover a manutenção de um sistema repleto de
incoerências e contra sensos. Propriedades contrastantes em uma realidade onde
o conhecimento dinâmico e relacional torna-se uma perspectiva geral e vasta,
com indivíduos de conhecimentos sistêmicos, de leituras fragmentadas,
mecânicas a respeito da mesma. (MAIA; JIMENEZ, 2013).
Além disso, Maia e Jimenez encontram nesse modelo educacional o
mesmo problema relacionado à semantização do trabalho que Ernest Gellner
detectou em seus estudos; ou seja, a desvalorização do trabalho em função de
uma cientificidade progressiva que a sociedade industrial, ou a sociedade do
conhecimento, requer constantemente:
Como é sabido, tal paradigma pretende desqualificar o trabalho e, por conseguinte, as relações de classe, como referência central de organização de sociedade contemporânea, cuja configuração delineada pelo avanço tecnológico e comunicacional teria erigido a ciência - em lugar do trabalho - ao posto de principal força produtiva. (MAIA. JIMENEZ, 2013, p.123)
Os autores se atentam também ao problema do modelo proposto pela
comissão da ONU ser direcionado aos problemas setoriais da educação, sem
levar em conta os ditames da macroeconomia. Este problema pode ser ampliado
se considerarmos, ainda, a diversidade e peculiaridade de cada país/cultura em
que o modelo vem sendo implantado - tal como ocorre com os programas de
combate á pobreza (anteriormente descritos). Então, em nenhum momento os
problemas indicados pela comissão fazem referência a estes e outras inúmeras
dificuldades relacionadas à dinâmica do capitalismo.
Não é de estranhar que, assim os termos que definem o modelo proposto, em nenhum momento, façam referencia explícita à totalidade econômica e político-social, cujo desenvolvimento histórico resultou no modo de produção capitalista que domina a sociedade moderna atual, ou estabelecem qualquer ligação explícita entre os dilemas do atual desenvolvimento capitalista e as determinações do modelo educacional que lhe é compatível (MAIA, JIMENEZ, 2013, p.122)
67
Alertam ainda que o modelo da comissão esteja em contradição com a
consagrada corrente interacionista de Piaget e Vygotsky, por essa priorizar a
transmissão formal de conhecimento em si, desvalorizando outras formas de
aprendizados contempladas na tradição interacionista.
[...] se há uma contribuição fundamental das modernas teorias de aprendizagem (em especial, das chamadas teorias interacionistas) é exatamente a de contribuir para a superação do modelo tradicional de educação, centrado apenas na transmissão de saberes já produzido. (MAIA, JIMENEZ, 2013, p. 123/124)
A transformação de macro projetos internacionais dessa natureza em
políticas de educação pode gerar conflitos nos países que as adotam, seja pelo
processo de negociações com os governos nacionais, seja pelo choque de tais
diretrizes educacionais com a diversidade e peculiaridade de cada
comunidade/população sujeitas a tais políticas. Os programas educacionais
enfrentam, portanto, limitações semelhantes aos modelos de programas de
combate à pobreza do BM, que ao serem implantados em alguns países (como
na África subsaariana, por exemplo) não tiveram nenhum sucesso devido à
repulsa dos beneficiários e ao contraste com as realidades locais. (FARIAS,
2007).
Como visto, as diretrizes educacionais ditadas pelos organismos
multilaterais são polêmicas e têm gerando críticas dos especialistas da área.
Contudo, o discurso neoliberal tenta apaziguá-las com o uso de verbetes tais
como: “capacitações, qualificações, reciclagens, flexibilidade, criatividade,
polivalência, trabalho em equipe, etc.” na tentativa de instituir novas
“competências e habilidades” da educação para o mundo do trabalho. Na
realidade, representam uma violação disfarçada aos direitos dos trabalhadores.
Então, no presente estudo, a referência a esse documento da ONU reflete
parte das implicações na instância educativa da lógica de desenvolvimento dos
bancos públicos internacionais, com fins de atribuir à educação um papel de
redenção social, revelando-se, portanto, como um significante instrumento de
reprodução do capital.
68
No contexto das políticas neoliberais, a educação apresenta-se como
mecanismo para essa “redenção social”. E a estratégia do capital para apaziguar
o fenômeno da pobreza é investir nas escolas, fazendo crer que, assim, a
educação formal direcionada aos pobres irá resolver todas as contradições do
sistema produtivo. Apesar de a pobreza ser um fenômeno multifacetário e
inerente à lógica capitalista, no discurso neoliberal “ser pobre” é sinônimo de
“incapaz” por não possuir “qualificação técnica e teórica”. Daí a necessidade de
inventar o “capital humano” e reinventar uma “educação para os pobres”.
3.2- “Capital humano”, a educação para os pobres.
O final da II Guerra Mundial transfere o centro de poder da Europa para os
EUA, trazendo mudanças significativas na geopolítica mundial e no
direcionamento da economia capitalista. A Guerra Fria acirra a disputa por
“formadores de mentes” e formuladores de ideias, estimulando a expansão do
capitalismo em todos os cantos do globo. Nesse âmbito, a educação, mais do
que nunca, transforma-se num disputado instrumento político, tanto para a
reprodução de valores e práticas, quanto para adaptação dos indivíduos ao
“mundo moderno”. Nas palavras atinadas de Gellner, “a principal indústria é a de
formação de seres humanos aptos à sociedade”. Essa sociedade emergente
tende a padronizar a educação, utilizando-a a favor de uma “cultura superior” que
seja aceitável e acessível a todos: “O sistema educacional padronizado que
processa todo o material humano formador da sociedade, que transforma a
69
matéria-prima biológica num produto cultural aceitável e útil, é imenso e
extremamente dispendioso” (GELLNER, 2000, p.119)
A nova ordem internacional fomenta uma sociedade marcada pela
“mercantilização” da educação e pela influência das forças produtivas nos
currículos escolares. A tecnocracia e o mecanicismo de hábitos “modernos” são
vistos como estratégias a moldar as diretrizes educacionais no processo de
mundialização do capital.
O processo por meio do qual se constitui a tecnificação da educação conta, para sua realização, com a contribuição de diferentes organismos que se empenham, em âmbito internacional, na ajuda ou cooperação ao ‘desenvolvimento’ econômico-social e educacional (EVANGELISTA, 1997, p.13).
A promessa dos defensores do atual sistema produtivo de que o
desenvolvimento econômico e o progresso trariam o bem estar social e,
consequentemente, um mundo menos desigual e injusto, é antiga, mas ainda
pertinente à retórica capitalista. Com efeito, a erradicação da pobreza tornou-se o
grande desafio de governos e sociedade civil, e a “dobradinha” pobreza/educação
surge como uma “panacéia” para solucionar esses problemas socioeconômicos.
Os propulsores dessa lógica já entenderam que não se pode mais limitar o
fenômeno da pobreza a fatores essencialmente econômicos para promover
desenvolvimento e bem estar das populações, já que a pobreza tem adquiridos
novas dimensões e perspectivas. Contudo, a utilização do Produto Interno Bruto
(PIB), por exemplo, ainda é uma prática bem comum e universal para se medir a
produção e distribuição de riqueza das nações. Porém, estudos sociológicos,
filosóficos e econômicos têm aberto novos horizontes e contribuído bastante para
a compreensão e a “práxis” efetiva do combate às causas da pobreza, ensejando
o embate entre ideias de caráter social e humanitário versus aquelas utilitaristas e
pragmáticas na tentativa de solucionar esse fenômeno social.
Nesse contexto, os organismos multilaterais têm apostado em suas
políticas de “erradicação da pobreza” na disseminação de conceitos como o dito
“capital humano” ou “capital social”. Desde os anos 1990 e durante a década de
2000, as práticas economicistas predominantes têm cedido ao discurso de que o
70
investimento no “capital humano” seria a grande estratégia desses organismos na
promoção de seu ideário capitalista, porém sem que o motor propulsor do sistema
- o consumo e a concentração de renda - seja afetado. Mesmo cedendo a um
discurso de caráter mais humanitário, com a inclusão do “capital humano” em
seus projetos e programas sociais (sobretudo os educacionais), a questão ainda
assim permanece complexa, tal com ressalta Margarita Lopez:
[...] Quando se aborda a questão educacional em relação ao fortalecimento do capital social e com sua incidência na pobreza, não basta garantir o acesso à educação ou a oportunidade educativa como tal; numa análise mais fina, aparecem novos elementos que se tornam fundamentais para que a educação oferecida em uma sociedade possa ser útil para a diminuição da pobreza e da exclusão. Trata-se principalmente de questões como a qualidade, a pertinência e a eqüidade na educação. (LOPEZ, 2005, p.09).
O malogro neoliberal em “erradicar a pobreza” nos anos 1990 e a
preocupação generalizada com a pertinência dos elevados índices de pobreza
impulsionaram os bancos públicos internacionais a redefinirem a preleção em
favor do “capital humano” e focalizar a educação como “solução” mágica para
erradicar esse fenômeno social. Essa talvez seja a mais recente estratégia dos
organismos multilaterais para prosseguir o plano de reformas estruturais, do
qual são protagonistas.
O Banco Mundial, por exemplo, deixa bem claro a sua posição em
relação à pobreza e à educação:
A educação é o maior instrumento para o desenvolvimento econômico e social. Ela é central na estratégia do Banco Mundial para ajudar os países a reduzir a pobreza e promover níveis de vida para o crescimento sustentável e investimento no povo. Essa dupla estratégia requer a promoção do uso produtivo do trabalho (o principal bem do pobre) e proporcionar serviços sociais básicos para o pobre. (WORLD BANK, 1990).
Então, a “dupla estratégia” pobreza/educação vai se definindo, cada
vez mais, na orientação ao “desenvolvimento e crescimento sustentável” ao longo
da década de 2000, se estendendo até os dias atuais. Vale atentarmos para o
discurso do BM que sustenta “o uso produtivo do trabalho” como o “principal bem
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do pobre” e a única arma capaz de livrá-los da carência de serviços básicos
sociais, que outrora eram obrigações do Estado; ou seja, o neoliberalismo atribui
as causas da pobreza à situação de cada indivíduo, que é “mal educado” e
“incapaz” de se adaptar ao trabalho, e nunca aos problemas estruturais do
sistema produtivo.
Segundo Leher (1999), nos documentos dos organismos multilaterais, o
fator “segurança” também está intimamente relacionado à educação e à pobreza.
A “fragilidade”, “insegurança” e “desqualificação” dos pobres seriam os principais
motivos da não inserção ao mercado de trabalho e da situação de carência.
As conexões entre educação, segurança e pobreza fornecem o substrato das reformas educacionais em curso na América Latina. Com aprofundamento sem precedentes da polarização na década de 1990, o Banco Mundial dedica cada vez maior atenção à construção de instituições adequadas à era do mercado, de modo a ter recursos institucionais para ‘manejar’ as contradições do sistema. A educação é radicalmente modificada, tornando-se cada vez menos politécnica (no sentido conferido por Marx) e cada vez mais instrumental: os conteúdos estão fortemente carregados de ideologias apologéticas ao capital e o debate educacional é pautado em grande parte pelos ‘homens de negócios’ e pelos estrategistas políticos. (LEHER, 1999, p. 11).
Ao longo da década de 2000, a onda de privatizações que proliferou no
Brasil banalizou o ensino superior e reflete às incursões neoliberais na educação
brasileira. A propagação excessiva de faculdades e universidades privadas vem
modificando significantemente a estrutura educacional. A educação é oferecida,
atualmente, como uma mercadoria e a escola tornou-se uma empresa comercial à
qual se paga pela obtenção de um serviço, nem sempre de qualidade.
O processo amplo e complexo de transmissão de saberes envolve toda
forma de conhecimento gerado nas relações pessoais e institucionais (família,
igreja, quartel, escola, etc) tal como está desenvolvido nas teorias interacionistas,
nas características psicológicas da escola rogeriana, e na formação do senso
crítico e da autonomia da pedagogia de Freire.
Apesar de a educação abranger todos esses aspectos, a sociedade
industrial capitalista tem direcionado o processo educativo essencialmente para
72
adaptar os indivíduos ao mundo do trabalho, sobretudo às demandas do sistema
econômico. A diversidade do processo de aprendizagem é então reduzida às
determinações internas do capital ao mundo do trabalho, contrariando a
orientação multidisciplinar das teorias educacionais já mencionadas. A educação
deve valorizar, sobretudo, ”uma construção coletiva que ocorre segundo
determinações históricas e contextuais, jamais o fruto de vontades individuais e
autônomas que seguem a exclusividade de suas forças interiores” (MAIA,
JIMENEZ, 2013, p.131).
As intervenções na educação apresentam-se, então, como o maior trunfo
para os problemas estruturais do “desenvolvimento” e do “progresso”. Portanto, o
surgimento (e consolidação) da parceria entre os programas de combate à
pobreza e de educação escolar não é gratuita. Mesclar as condições de pobreza
com as habilidades cognitivas dos indivíduos parece estar entre as novas
estratégias do capital, seja para promover seus interesses, seja para justificar a
ocorrência da pobreza pela falta de educação. Isso fica expresso nas frases
cotidianas de que “você é pobre porque não se qualificou” ou “você é pobre por
que não tem educação”. Atribuir a falta de educação à pobreza é diluir o problema
e “repartir a culpa” entre toda a população. Problemas dessa natureza são
inerentes à própria lógica capitalista, que prioriza o ensino técnico em detrimento
de formação multidisciplinar que, grosso modo, abriria um leque maior de opções
para o individuo durante o processo de formação humana.
A educação parece então ser a grande solução social a resolver a pobreza e
as gritantes contradições do capitalismo. É o que se constata ao analisarmos os
verbetes presentes no discurso neoliberal: pobreza, educação, segurança,
desenvolvimento sustentável, capital humano, inclusão social, entre outros
relacionados à formação dos indivíduos. A sociedade contemporânea está a
mercê de um “macro projeto” da burguesia, que exporta seus valores e interesses
“universais” através da grande mídia e de diretrizes escolares. Algo semelhante
ao que Ernest Gellner denominou de “homogeneização” de uma “cultura superior”
liderada por uma “elite dominadora” (GELLNER,1993). Portanto, a educação
“estandardizada” e pragmática que Gellner ressalta na emergência da sociedade
industrial, amplia-se com o mundo globalizado, no qual diretrizes supostamente
“universais” – como os “Quatro pilares da educação” - são disseminadas por
programas educacionais financiados por bancos públicos internacionais.
73
O Brasil foi um dos países que adotaram tais diretrizes. Esta e inúmeras
outras intervenções do BID (citadas no decorrer desse trabalho) fazem do Brasil
um caso exemplar. Na perspectiva de Fonseca (2011), a influência de organismos
multilaterais em território brasileiro não se restringe aos projetos em si, mas
abrange a própria agenda educacional, na medida em que o Ministério da
Educação incorpora as propostas internacionais às suas diretrizes. Trata-se de
atividades as mais diversificadas, tais como: escolha de municípios; elaboração
de estudos estratégicos sob assessoria externa; definição de novas fontes de
financiamento estaduais, municipais e federais; adoção de modalidades
gerenciais de administração escolar; proposta de atuação em periferias urbanas e
zonas rurais.
Fonseca analisa a invisibilidade e a não transparência desse tipo de
projetos, posto que, em muitos casos, nem os próprios atores envolvidos
(professores, gestores, alunos, etc) têm conhecimento da origem externa dos
mesmos. Tomando por base o estudo de acordos de cooperação financeira do
Banco Mundial e do Brasil / MEC, durante os anos de 1980 (com participação
financeira do BM entre 35% a 40 %), a autora afirma:
Aqui cabe questionar os motivos que levaram á decisão por parte dos subseqüentes governos brasileiros de afirmar novos acordos. A meu ver, uma das explicações para tal atitude foi o mito que se criou em relação à capacidade técnica e financeira do Banco, devido, sobretudo, ao desconhecimento público sobre o real alcance do processo de cooperação externa. (FONSECA, 2011, p.233).
Retomando o pensamento de Gellner, que constata na sociedade
moderna: uma elite que aspira legitimidade e poder político com a promoção de
uma educação ”estandardizada”; incentivos à “semantização” do trabalho em prol
das demandas do capital, e, valores e costumes norteados por uma noção
contínua e desenfreada de “progresso”. Essas características são acentuadas
junto ao processo de globalização, e podem ser constatadas nos dias atuais com
as intervenções do BID na área educacional, que seguem um modelo
padronizado de educação, mantém as demandas econômicas do capital em seus
programas sociais, e incentivam a “semantização” do trabalho. Tudo regado pelo
discurso de que a ciência e o “desenvolvimento” são as metas mais eficazes que
74
sociedade e governo devem seguir, reafirmando a ideia de “progresso contínuo”.
A educação estaria à mercê dessa perspectivade desenvolvimento acelerado. “O
que nos preocupa aqui é a perspectiva de uma sociedade que se tornou
dependente tanto do crescimento econômico como do conhecimento (estando os
dois obviamente, inter-relacionados)” (GELLNER, 1993. p.44).
Como visto, a base do problema exposto, que envolve organismos
multilaterais, governos e populações, tem o seu eixo nas políticas educacionais e
de combate à pobreza. A educação para os “pobres” seria então o foco central
das macro-políticas, que por sua vez acabam por se refletir nas políticas públicas
nacionais. Para Gellner, educação e “homogeneidade cultural” são fatores
primordiais na formação de uma nação, sendo o “monopólio da educação” mais
relevante do que o “monopólio legítimo da violência” do Estado weberiano:
O monopólio da educação legítima é agora mais importante e central do que o monopólio da violência legítima. E quando se compreende isto, então pode também ser compreendido o imperativo do nacionalismo, bem como as raízes que tem, não na natureza humana enquanto tal, mas num certo tipo de ordem social em vias de generalização (GELLNER, 1993, p.59).
Portanto, se a educação está no cerne da construção das
nacionalidades, a ingerência dos bancos públicos internacionais na área
educacional afetam o processo de formação e afirmação dos Estados-nação.
Constatando a relevante influência de organismos multilaterais nas diretrizes
educacionais, podemos considerar que esses exercem certo monopólio nas
políticas públicas aplicadas em boa parte do mundo ocidental, uma vez que
projetos, tais como o da UNO (exemplificado nesse estudo), têm fortes tendências
a uma “homogeneização cultural”, para assim atender às formas de serviços e
trabalhos que o atual sistema econômico global demanda.
75
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Organismos multilaterais, como o BID,constituem elementos-chave para
compreender o funcionamento da economia política internacional e sua
repercussão nas políticas públicas no Brasil. Tais organismos propagam ideias
neoliberais e, na atualidade, são instrumentos imprescindíveis à reprodução do
capitalismo, cumprindo importante papel na “conquista de mentes”. Para efeito,
gozam de “autoridade e legitimidade” junto a governos, entidades empresariais,
acadêmicos, meios de comunicação e organizações não governamentais,
mediante suas ações como banco público internacional, ora financiando
investimentos, ora prestando assistência técnica a programas sociais. Sua forte
ingerência no setor educacional o “habilita” a um significativo papel no tocante à
formação de seres humanos, a mais importante indústria da sociedade capitalista
avançada, como observou Gellner.
Se considerarmos a possibilidade de haver um “pacto” internacional
contemporâneo, esse englobaria a atuação de instituições multilaterais, a
exemplo do BID e do Banco Mundial, e o poder de barganha de cada Estado-
nação. As políticas públicas, em geral, e os programas educacionais e de
combate à pobreza, analisados nesse estudo, os quais repercutem nas
expectativas de vida e no destino das populações, são decididas tanto por essas
instituições como pelos governos nacionais. As políticas públicas na área social
afetam dois relevantes fatores constitutivos de uma nação: a educação, que forma
o cidadão moderno, e a pobreza, que indica a condição do indivíduo como
“incapaz” e “desqualificado”, perante o sistema econômico produtivo. Ambos
remetem à “autodeterminação” dos povos, um termo polêmico, presente tanto no
ideário das lutas nacionais, como no discurso das agências multilaterais.
O desenvolvimento das sociedades ocidentais, a partir da Independência
dos Estados Unidos e da Revolução Francesa, com a luta pelos direitos humanos
e a emergência da República, vão aproximando a “nação”, de origens
cultural/ontológica, ao Estado, garantidor da soberania política, resultando na
mais significativa instituição das sociedades modernas: o Estado-Nação. É esse
fenômeno social multifacetário, cujo estudo demanda necessariamente
abordagem transdisciplinar e compreende articulação de inúmeras disciplinas,
76
que está no centro da discussão nessa pesquisa, ao constatar que os organismos
multilaterais fazem parte do processo formador das nações.
Na busca pela soberania nacional e pela autonomia perante a comunidade
global, a educação é mecanismo essencial de controle dos povos, sendo possível
que seja utilizada tanto para a reprodução de valores capitalistas, quanto para a
formação humanística. Nos esforços empreendidos para o desenvolvimento
nacional, as diretrizes educacionais dos governos podem preparar cidadãos
“cultos e ativistas” que lutem pelo futuro de sua nação ou privilegiar a qualificação
de mão-de-obra “capacitada e apta” a integrar o sistema produtivo capitalista.
Contudo, se nota a predominância de uma tendência tecnicista/profissionalizante
no paradigma educacional almejado pelo capitalismo, visto os macro-interesses
em produzir e reproduzir mão de obra adequada às demandas da produção.
As implicações dos programas do BID e do Banco Mundial na área
educacional são bastante amplas e diversificadas, mas o caso da conferência de
Jomtein exemplifica bem o tipo de interferência que este estudo aborda. A
elaboração e difusão de documentos, como o relatório “Educação: um tesouro e
descobrir”, juntamente com as supostas diretrizes “universais” contidas nos
“Quatro Pilares da Educação”, indicam com clareza o conteúdo ideológico que as
instituições financeiras internacionais pretendem levar adiante em seu projeto de
formação de “capital humano”.
Raciocinar com as categorias teóricas de Gellner, me permitiu chegar a
algumas descobertas que julgo pertinentes ao campo das políticas públicas: a
“estandardização” da educação estaria sendo promovida globalmente pelos
bancos públicos internacionais com base nas diretrizes estabelecidas pelos
“Quatros pilares da Educação”; a “semantização do trabalho” teria se intensificado
com o modelo de produção crescentemente automatizada de bens e serviços, o
qual vem tornando o trabalho cada vez mais abstrato e peculiar a esse sistema.
Recortando o problema à realidade latino-americana e brasileira, destaco
as articulações políticas/financeiras do BID e Banco Mundial na área educacional
e no combate à pobreza, além de seus impactos no planejamento de políticas
públicas nacionais, com foco especial para as interferências do BID na educação
brasileira, na década de 2000. Trata-se de uma conclusão que resulta do estudo
dos diversos programas negociados entre o BID e o Brasil, expostos nesse
trabalho, como também dos reflexos desse organismo multilateral em documentos
77
fundamentais para o país, como o Plano Plurianual e da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional. O PPA representa a bússola que conduz as políticas da
União brasileira, e a LDB a base do sistema educacional do país.
Então, se o BID tem “legitimidade” para interferir no cerne do principal
elemento formador da sociedade, o ser humano, é cabível concluir que essa
instituição está implicada diretamente na construção da nacionalidade. Porém,
“poder e autoridade” nem sempre se conquistam com armas e violência física,
mas com discursos e práticas em torno de “erradicar a pobreza”, do “capital
humano”, “progresso incessante”, e “desenvolvimento econômico”.
Como buscamos demonstrar no trabalho ora apresentado, pobreza e
educação são elementos essenciais para a legitimação e o reconhecimento dos
organismos multilaterais. Essas duas categorias também auxiliam a mitigar
qualquer traço negativo na imagem do BID e do Banco Mundial, encobrindo, em
parte, a reputação destes como agentes que visam lucros, e projetando a de que
são portadores de uma “missão humanitária”.
A experiência desse estudo acerca das relações entre bancos públicos
internacionais e as nações, assim como de uma instituição abrangente como o
Banco Interamericano de Desenvolvimento, demonstrou ser tarefa árdua:
documentos e funcionários da instituição são de difícil acesso; a divulgação sobre
sua atuação na mídia é superficial; há carência de estudos acadêmicos sobre o
BID. Quase todas as informações acerca da instituição estão concentradas no
seu website, não havendo informações detalhadas sobre os programas
educacionais, objeto deste estudo. Isso, obviamente, comprometeu uma análise
mais apurada, visto ser a maioria das informações de fonte oficial.
Apesar das dificuldades e limitações encontradas na realização deste
estudo, acredito que o mesmo venha a contribuir, de alguma forma,para um maior
entendimento do BID e sua participação nas políticas públicas, dos estreitos laços
entre os conceitos de pobreza e educação nas sociedades capitalistas, das
relações complexas entre os organismos multilaterais e os Estados nacionais.
Penso que, talvez, também traga alguma luz para os estudos da nacionalidade
brasileira.
Finalizo, expressando minha expectativa de que esta experiência de
pesquisa transforme-se em um incentivo para aprofundar o tema futuramente e
seja ponto de partida para, quem sabe, novas incursões no mundo acadêmico.
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