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50 Anna Mollel Aos seis anos, Anna Mollel percebeu, pela primeira vez, como era difícil a vida das crianças deficientes nas aldeias massai, no norte da Tanzânia. A pior experiência veio muitos anos depois, quando ela já tinha um longo histórico na luta pelos direitos das crianças deficientes. Anna chegou a uma aldeia que acreditava estar totalmente desocupada, mas encontrou, aban- donada no chão de uma casa, uma menina de oito anos que não conseguia se mexer e que teria morrido se Anna não tivesse ido até lá. Na página 55 você pode ler o que aconteceu com a menina Naimyakwa. A etnia Massai, tinha seis anos e havia volta- do da escola para casa. Ela ajudou a mãe a buscar lenha e água e, em seguida, foi à casa de seus amigos, na aldeia vizinha. Eles brinca- vam no quintal quando Anna ouviu um barulho vindo do interior de uma das casas. – Quando perguntei à minha amiga o que era, ela olhou para o chão antes de responder que era sua irmã. A amiga de Anna contou que sua irmã não podia sair, pois sua mãe não queria mostrar que tinha uma filha que não era “exatamente como deveria ser”. – Entrei na casa para veri- ficar. E realmente havia uma menininha ali. Ela estava deitada no chão, sozinha, e sorriu quando me viu, lem- bra Anna. Anna conhece Nauri Anna ajudou a menina a sentar-se e elas começaram a brincar. A menina, cujo nome era Nauri, tinha a mesma idade de Anna. Ela estava feliz por finalmente ter companhia. No dia seguinte, Anna voltou quan- do a mãe de Nauri havia saí- do para buscar água, para que ela não percebesse nada. – Todavia, nos divertimos tanto que esqueci completa- mente do tempo. De repen- te, a mãe de Nauri entrou correndo e me bateu forte com uma vara. Ela gritou que eu nunca mais poderia por os pés em sua casa. Anna teve que fugir, mas estava determinada a voltar no dia seguinte. – As outras crianças NOMEADA • Páginas 50–69 nna, que pertence à TEXTO: ANDREAS LÖNN FOTO: TORA MÅRTENS POR QUE ANNA É NOMEADA? Anna Mollel é nomeada ao Prêmio das Crianças do Mundo 2012 por sua longa luta de mais de 20 anos em prol das crian- ças deficientes nas áreas rurais pobres do nordeste da Tanzânia. Graças a Anna e à sua organização, o Huduma ya Walemavu, milhares de crianças com deficiência têm a oportunidade de viver uma vida digna. Elas recebem assistência médica, cirurgia, fisiotera- pia, terapia, cadeiras de rodas e outros dispositivos de suporte, a oportunidade de ir à escola, segurança e amor. Anna sempre consegue ações em prol das crianças deficientes, ao falar sobre seus direitos para políticos e organiza- ções, mas especialmente às pessoas nas aldeias rurais remotas. Desde 1990, 12.500 crianças, principalmente da etnia massai, têm uma vida melhor graças a Anna e ao Huduma ya Walemavu. Crianças que teriam sido negligenciadas, abando- nadas e poderiam ter morrido se não fosse pela luta de Anna em prol de seus direitos.

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World's Children's Prize promotes a more humane world. The program is open for all schools and 57,450 schools with 26.8 million pupils in 102 countries supports it. Every year millions of children learn about the rights of the child, democracy and global friendship through the program. They gain faith in the future and a chance to demand respect for their rights. In the Global Vote, the children decide who receives their prestigious award for their work for the rights of the child. The candidates for the Prize are chosen by a child jury who are experts in the rights of the child through their own experiences. The Prize Laureates become role models for millions of children. The prize money is used to help some of the world's most vulnerable children to a better life. The patrons of the World's Children's Prize include Nelson Mandela, Queen Silvia of Sweden, Aung San Suu Kyi and Graça Machel.

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Anna Mollel

Aos seis anos, Anna Mollel percebeu, pela primeira vez, como era difícil a vida das crianças deficientes nas aldeias massai, no norte da Tanzânia. A pior experiência veio muitos anos depois, quando ela já tinha um longo histórico na luta pelos direitos das crianças deficientes. Anna chegou a uma aldeia que acreditava estar totalmente desocupada, mas encontrou, aban-donada no chão de uma casa, uma menina de oito anos que não conseguia se mexer e que teria morrido se Anna não tivesse ido até lá. Na página 55 você pode ler o que aconteceu com a menina Naimyakwa.

A etnia Massai, tinha seis anos e havia volta-

do da escola para casa. Ela ajudou a mãe a buscar lenha e água e, em seguida, foi à casa de seus amigos, na aldeia vizinha. Eles brinca-vam no quintal quando Anna ouviu um barulho vindo do interior de uma das casas.

– Quando perguntei à

minha amiga o que era, ela olhou para o chão antes de responder que era sua irmã.

A amiga de Anna contou que sua irmã não podia sair, pois sua mãe não queria mostrar que tinha uma filha que não era “exatamente como deveria ser”.

– Entrei na casa para veri-ficar. E realmente havia uma menininha ali. Ela estava

deitada no chão, sozinha, e sorriu quando me viu, lem-bra Anna.

Anna conhece Nauri Anna ajudou a menina a sentar-se e elas começaram a brincar. A menina, cujo nome era Nauri, tinha a mesma idade de Anna. Ela estava feliz por finalmente ter companhia. No dia seguinte, Anna voltou quan-do a mãe de Nauri havia saí-do para buscar água, para que ela não percebesse nada.

– Todavia, nos divertimos tanto que esqueci completa-mente do tempo. De repen-te, a mãe de Nauri entrou correndo e me bateu forte com uma vara. Ela gritou que eu nunca mais poderia por os pés em sua casa.

Anna teve que fugir, mas estava determinada a voltar no dia seguinte.

– As outras crianças

NOMEADA • Páginas 50–69

nna, que pertence à

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POR QUE ANNA É NOMEADA? Anna Mollel é nomeada ao Prêmio das Crianças do Mundo 2012 por sua longa luta de mais de 20 anos em prol das crian-ças deficientes nas áreas rurais pobres do nordeste da Tanzânia.

Graças a Anna e à sua organização, o Huduma ya Walemavu, milhares de crianças com deficiência têm a oportunidade de viver uma vida digna. Elas recebem assistência médica, cirurgia, fisiotera-pia, terapia, cadeiras de rodas e outros dispositivos de suporte, a oportunidade de ir à escola, segurança e amor. Anna sempre consegue ações em prol das crianças deficientes, ao falar sobre seus direitos para políticos e organiza-ções, mas especialmente às pessoas nas aldeias rurais remotas. Desde 1990, 12.500 crianças, principalmente da etnia massai, têm uma vida melhor graças a Anna e ao Huduma ya Walemavu. Crianças que teriam sido negligenciadas, abando-nadas e poderiam ter morrido se não fosse pela luta de Anna em prol de seus direitos.

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tinham medo, tanto de apa-nhar quanto de brincar com Nauri, que elas consideravam esquisita. Mas expliquei que todo mundo precisa de ami-gos. E, como Nauri era uma de nós, pensei que era óbvio que deveríamos ir até lá e fazer companhia a ela também.

Anna conseguiu convencer os outros. Eles se revezavam vigiando enquanto os outros brincavam e, quando o vigia gritava que a mãe estava che-gando, todos corriam para longe dali o mais rápido que podiam. Após alguns dias, Anna ajudou Nauri a ficar de pé, e depois elas treinaram alguns passos. Com o tempo, Nauri conseguia sair para o quintal e brincar.

Injusto Depois de algumas semanas, a mãe de Nauri veio falar com Anna.

– Pensei que ela iria me cri-ticar, mas ela afirmou que sabia o que eu estava fazendo,

e queria que eu continuasse! Ela disse que Nauri nunca se sentira tão bem e que era um milagre que ela conseguisse andar e correr.

Como a mãe de Nauri estava tão feliz, Anna aproveitou para perguntar se Nauri poderia começar a frequentar a escola, mas ela não concordou.

– Então eu ia à casa de Nauri todos os dias depois da escola e lhe ensinava o que eu tinha aprendido naquele dia. Embora ainda fosse criança, eu era sua professora, a única professora que ela já teve. O sentimento de injustiça per-manecia em mim. Eu podia ir para a escola, mas ela não, só porque ela era deficiente. Ela tinha os mesmos direitos que eu, mas eu não conseguia aju-dá-la mais do que estava fazendo. Eu sempre carregava uma sensação de que deveria ter feito mais.

Tornou-se enfermeira Anna formou-se em en-

Massai vulneráveis

Orgulho massai– Eu sou massai e me orgulho disso. Quero que meu povo tenha uma vida digna. É por isso que luto pelos direitos de nossas crianças deficientes, diz Anna.

O grupo étnico massai é formado por pastores. Existem cerca de um milhão de massai, metade na Tanzânia e metade no Quênia. Desde o início do século XX, as terras que os massai usam como pasto para o gado diminuíram em área. As autoridades transferiram grande parte das terras massai a proprietários privados e empresas para agricultura, áreas privadas de caça e parques nacionais, onde turistas podem ver animais selvagens. Os massai foram deslocados para as áreas menos férteis. Em 2009, policiais armados incendiaram oito aldeias massai no norte da Tanzânia, para que o terreno pudesse ser usado por uma empresa privada de caça. Turistas pagantes par-ticipariam de grandes caçadas selvagens ali. As pessoas foram espancadas e expulsas de suas casas. Mais de 3.000 homens, mulheres e crianças ficaram desabriga-dos. Os massai que permitiram que seu gado continuasse a pastar na área fértil foram presos.

– Os massai já são os mais pobres. A menos que o gado tenha pasto para comer, ele morre. E quem mais sofre são sempre as crianças, explica Anna.

fermagem e começou a traba-lhar. Um dia, uma mulher alemã da igreja católica em Arusha veio ao hospital. Seu nome era Elifrieda e ela que-ria conversar com Anna.

– Ela sabia que eu era mas-sai, e pediu que eu contasse como era a situação das crian-ças deficientes em nossas aldeias. Expliquei que, no passado, era comum matar ou abandonar essas crianças logo após o nascimento. Acreditava-se que as crianças com deficiência eram castigo de Deus por algo que os pais haviam feito. Mas expliquei que o principal motivo era o fato de que nós, massai, somos pastores e que, para sobreviver migramos longas distâncias a pé através das planícies, em busca de pasto

fresco para os animais. Uma criança deficiente, que não consegue se mover, era consi-derada como um grande obs-táculo para todo o grupo.

– Expliquei que as crianças com deficiência continuavam tendo seus direitos violados. Elas ficavam escondidas, não recebiam os cuidados de que precisavam, não iam à escola, nem brincavam.

Huduma ya WalemavuElifrieda perguntou se Anna desejava participar da criação de um projeto chamado Huduma ya Walemavu (Cuidando do Portador de Deficiência) para crianças deficientes nas aldeias massai.

– Eu disse sim imediata-mente. Era isso que eu estava esperando! Minha esperança

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era agora poder fazer mais pelas crianças deficientes do que pude fazer por Nauri quando éramos crianças.

Em 1990, Anna começou a percorrer as aldeias e falar sobre os direitos das crianças deficientes. Ao mesmo tempo, ela aproveitava para cuidar de crianças que precisavam de ajuda. Uma das primeiras crianças que Anna conheceu foi a órfã Paulina, de 15 anos, que tinha sequelas da pólio e não conseguia andar. Ela tinha que rastejar pelo chão para se mover. Anna pensou que seria fácil convencer os líderes da aldeia de que

Paulina poderia ter uma vida muito melhor se ela fizesse a cirurgia certa, que eles acha-riam bom. Mas ela estava errada.

Não desistiu– Eles não sabiam que crian-ças deficientes podem passar por cirurgias e melhorar, e não acreditaram em mim. Como viviam longe de hospi-tais, não sabiam ler e nem tinham condições de ter um rádio, eles nunca haviam escutado isso. E, mesmo que fosse verdade, eles pensavam que seria um desperdício de dinheiro. Aquelas crianças nunca seriam capazes de aju-dar com o gado ou frequentar a escola. Mas meu maior pro-blema era eu ser uma mulher. Em nossa sociedade, as mulheres simplesmente não têm voz; portanto, eles não me levavam a sério.

Anna não desistiu. Assim como havia desafiado a mãe de Nauri, ela agora desafiou os líderes da aldeia para aju-dar Paulina. A viagem até a aldeia levava quatro horas, mas, em duas semanas, Anna foi até lá cinco vezes! Em cada reunião, ela explicava os direi-tos da criança e que haviam conseguido a cirurgia gratui-tamente para Paulina. No final das contas, ela acabou conseguindo convencer os homens.

– Fiquei tão feliz! Mas os problemas não tinham acaba-do. Eu havia reservado um

quarto para Paulina em um hotel simples na cidade, onde ela ficaria hospedada antes e depois da cirurgia. Mas quan-do entrei carregando Paulina nos braços, o pessoal da recepção olhou como se ela fosse um animal. Eles se recu-saram a aceitá-la.

A casa de AnnaAnna era uma mãe divorciada de seis filhos que moravam com ela, apertados em uma casinha. Mas levou Paulina para sua casa, de qualquer maneira. Não havia outra solução.

De volta à aldeia – Nosso objetivo é sempre que as crianças retornem à sua aldeia de origem e levem o mesmo tipo de vida que o resto da família. Que essas crianças possam ir à escola junto com as outras crianças e fazer parte da sociedade, afir-ma Anna, aqui em visita à aldeia de Lomniaki.

Bem-vindo!

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– Meus filhos tiveram que dormir juntos para que Paulina pudesse ficar sozinha em uma cama. As crianças ficaram um pouco insatisfei-tas no início, mas entenderam quando eu expliquei. Dei banho em Paulina e ela ganhou rou-pas novas e limpas. Como ela não poderia sentar-se à mesa para comer, sentamos todos no chão e fizemos a ceia, para que Paulina não se sentisse sozinha.

Quando a cirurgia termi-nou, Paulina voltou para a casa de Anna. Lentamente, ela começou a fazer exercícios

e treinar para se sentar e ficar em pé. Após algumas sema-nas, ela começou a treinar caminhada com muletas que Anna comprou.

– Ela ficou muito feliz, e eu também! Quando Paulina foi

Brincar é importante! – Quando pequena, eu sem-pre tive o amor de meus pais e podia brincar muito com meus amigos. Para uma criança, isso é incrivelmente importan-te. Ficar sozinha e não poder participar é a pior experiência que uma criança pode ter. É por isso que as brincadeiras e a proximidade são tão impor-tantes para nós no centro, diz Anna.

150 milhões de crianças com deficiência De acordo com a Convenção dos Direitos da Criança da ONU, as crianças com deficiência têm os mesmos direitos que todas as outras crian-ças. Elas têm direito a apoio extra e ajuda para ter uma vida digna. Apesar disso, as crian-ças deficientes estão entre as crianças mais vulneráveis, não apenas entre os mas-sai e na Tanzânia, mas em todo o mundo. Há 150 milhões de crian-ças com deficiência no mundo; acredita-seque dois milhões delas vivam na Tanzânia.

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para casa, três meses depois, e conseguiu entrar na aldeia andando sozinha, as pessoas começaram a chorar de ale-gria!

Embora Anna estivesse feliz porque Paulina podia andar, ela também sabia que Paulina precisava receber uma formação para poder cuidar de si mesma no futuro.

– Paulina queria ser costu-reira, por isso a ajudei a fazer um curso nessa área. Ela era muito boa!

O centro em MonduliO rumor sobre Paulina se espalhou nas aldeias. As pes-soas passaram a ter coragem de falar sobre seus filhos defi-cientes, e queriam ajuda. Anna viajava longos dias para chegar às crianças que neces-sitavam de sua ajuda em aldeias remotas. A cada via-gem, ela acolhia mais e mais

crianças. – Mas os hotéis continua-

vam se recusando a aceitar as crianças, então elas tinham que se hospedar comigo. Embora tivéssemos colchões no chão, e várias crianças compartilhassem a mesma cama, no final ficou insusten-tável. Escrevemos a amigos e organizações na Tanzânia e na Alemanha dizendo que precisávamos de dinheiro para construir uma casa onde pudés-semos cuidar das crianças.

Primeiro, conseguiram o dinheiro que possibilitou alu-gar alguns quartos com capa-cidade para doze crianças. Foi suficiente até mesmo para contratar mais uma enfermei-ra e, pela primeira vez, Anna podia ter um pequeno salário. Antes, ela e sua família viviam de sua pequena horta.

– Mais crianças chegavam o tempo todo, e nós pedimos

mais dinheiro. A organização Caritas da Alemanha nos aju-dou e, em 1998, nosso próprio centro em Monduli ficou pronto.

Fisioterapeutas e enfermei-ros foram contratados, além de professores, porque Anna sabia que as crianças a quem eles ajudavam raramente haviam ido à escola. Havia espaço para trinta crianças, mas às vezes 200 crianças fica-vam lá ao mesmo tempo.

– Apesar de não ter espaço, acolhíamos todas as crianças. As famílias eram tão pobres que não podiam pagar para que as crianças ficassem conosco, mas nunca mandá-vamos ninguém embora.

Anna brincando com as crianças na escola de sua aldeia.

Não apenas massai – No início, trabalhávamos apenas com crianças massai, mas não é mais assim. Nós cuidamos de todas as crian-ças que precisam de nossa ajuda, não importa a qual gru-po étnico ou religião ela per-tença. Aqui há muçulmanos e cristãos, incluindo crianças que fugiram de guerras nos países vizinhos. A luta pelos direitos da criança não tem limites! – diz Anna.

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Naimyakwa Já se passaram 20 anos des-

de que Anna ajudou Paulina e, desde então, 12.500 crian-ças com deficiência têm uma vida melhor graças ao Huduma ya Walemavu. Atualmente, 30 pessoas tra-balham na organização.

A nova escola– Eu queria ter certeza de que o trabalho pelas crianças con-tinuaria depois de mim. Por isso, passei a responsabilidade para uma mulher maravilhosa chamada Kapilima, e me apo-sentei em 2007, conta Anna.

Quando se aposentou, Anna continuou a lutar pelas crianças vulneráveis. Ela construiu uma escola em sua aldeia natal para crianças que, de outra maneira, nunca poderiam ir à escola. Você pode visitar a escola de Anna na página 68.

Anna salvou

Viajamos com nossa clínica móvel para a região onde vivia uma

pequena órfã com paralisia cerebral. Muitas crianças deficientes nos visitaram durante o dia, mas Naimyakwa não apareceu com seus irmãos adultos e familiares, como costumava fazer. Quando perguntei se alguém sabia onde ela estava,

uma mulher disse que a família tinha ido embora com seus rebanhos em busca de pasto fresco, pois era a estação seca.

Tiwque tinha a obrigação de ir à sua aldeia verificar. Apenas por razões de segu-rança.

Estacionamos o jipe sob uma árvore e caminhamos o último trecho em direção à

vila. O silêncio era comple-to. Não vimos uma única pessoa. A aldeia estava com-pletamente deserta. Senti-me mais calma e pensei que a família de alguma forma tinha levado Naimyakwa junto.

– Nunca me esquecerei da ocasião em que encontrei a pequena Naimyakwa sozinha na aldeia deserta. Ela tinha oito anos e estava deitada no chão de uma das casas. Ela mal respirava. Havia um cheiro forte de urina, pois, devido à sua deficiência, ela não conseguia ir a lugar algum. Eu não achei que ela sobrevi-veria, conta Anna, que ainda fica com os olhos marejados de lágrimas ao pensar no inci-dente, ocorrido há sete anos.

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Tínhamos começado a caminhar de volta para o car-ro quando ouvi um som estra-nho, como um gemido.

Um leão? No começo, pensei que fosse um leão. Eu e dois colegas de trabalho reunimos coragem e entramos na aldeia novamen-te. Ao passar por uma das casas, ouvimos o som estra-nho de novo. Eu estava com medo, mas enfiei cuidadosa-mente a cabeça na casa e per-guntei se havia alguém ali. A resposta veio na forma de um pequeno gemido.

Inicialmente, não vi nada.

Porém, nunca esquecerei o que vi quando meus olhos se acostumaram à escuridão. No piso de terra, Naimyakwa estava deitada perfeitamente imóvel, e ela mal respirava. Cheirava a fezes, porque, devido à sua deficiência, ela era completamente prostrada. Ao seu lado, uma cabaça den-tro da qual houvera leite. Estava vazia, mas eu podia sentir o cheiro de leite velho. Depois, havia outra cabaça com um restinho de água.

Naimyakwa estava muito fraca e quase não percebeu que estávamos ali. Ninguém podia dizer por quanto tempo

O guarda-roupa de Naimyakwa

Lesão por paralisia cerebral

– Eu adoro roupas! Quando crescer, quero ser costurei-ra e fazer meus próprios vestidos. Guardo minhas roupas no meu armário, aqui no dormitório.

A paralisia cerebral (PC) ocorre durante a gravidez, no parto ou antes que a criança complete dois anos. As causas comuns incluem hipóxia e hemorra-gia no cérebro. Algumas crianças têm apenas uma leve deficiência motora, enquanto outras ficam paralisadas. Muitas pesso-as com PC, além da defici-ência motora, apresentam outras deficiências, como

epilepsia, problemas na fala e na visão. Não se pode curar alguém com PC, mas, com auxílio de fisioterapia, terapia ocupa-cional e exercícios é possí-vel tornar a vida o melhor possível para o portador de paralisia cerebral.

– A paralisia cerebral é muito comum aqui, pois o dano geralmente ocorre quando há um problema no nascimento. Muitas pesso-

as vivem tão longe de hos-pitais e clínicas que não têm tempo ou condições financeiras de ir até lá quando chega a hora de dar à luz, explica Anna Mollel.

Quando uma criança nasce com PC, seus pais, vizinhos e os líderes da aldeia podem fazer um cur-so de duas semanas no centro do Huduma ya Walemavu para aprender a cuidar da criança da melhor maneira possível.

Eles ensinam exercícios simples e fisioterapia que são bons para o desenvol-vimento da criança. O Huduma ya Walemavu tem esses cursos porque é desejável que toda a aldeia tenha um conhecimento melhor e, portanto, maior facilidade de sentir uma responsabilidade partilha-da pela criança.

– Esta é a minha bela saia. Eu a ganhei do sacerdote.

– Uma menina do Canadá, que nos visitou, deu-me este lindo vestido...

... e estes boni-tos sapatos prateados! Ela realmente é minha amiga!

... e as calças de treino, eu ganhei de Anna e do Huduma ya Walemavu.

– A blusa de lã...

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ela tinha permanecido lá, mas estimamos pelo menos uma semana, pois ela já estava muito desidratada e magra. A família realmente a havia deixado ali? Eu estava acostumada a famílias que deixavam seus filhos deficien-tes no centro e depois desapa-reciam. Mas abandonar a filha desta forma? Era como antigamente.

Naimyakwa resgatadaAjoelhei-me ao lado Naimyakwa, inclinei-me per-to de seu ouvido e perguntei se ela estava sozinha. Ela assentiu com a cabeça, em silêncio. Depois, perguntei se ela queria que eu a levasse para o centro, para que pudés-semos cuidar dela. Ela assen-tiu novamente. Ela queria. Eu chorei. Todos os meus colegas do Huduma ya Walemavu choraram. Enquanto carrega-va Naimyakwa em meus bra-ços, pensei que, embora os outros não tivessem dado o

amor de que ela precisava, eu o faria. Eu amaria esta crian-ça.

Mais tarde, percebemos que Naimyakwa nunca tinha entendido que a família havia partido em uma longa via-gem. Ela estava deitada ali esperando que eles voltassem, como sempre. Dia após dia. Noite após noite. Mas eles nunca vieram. Somente dois meses mais tarde, quando as chuvas começaram, eles vol-taram. Se não tivéssemos ido à aldeia, Naimyakwa teria morrido de fome e desidrata-ção.

O momento em que encon-tramos Naimyakwa certa-mente está entre as piores coi-sas que eu já testemunhei. Ao mesmo tempo, senti nascer uma força enorme para con-seguir lutar pelo direito dela e de outras crianças vulneráveis a uma vida digna. Naquele exato momento, decidi conti-nuar lutando por seus direitos enquanto eu viver”.

Anna não desaponta ninguém

O dia de Naimyakwa no Centro de Anna

Trinta crianças moram no centro. Algumas estão à espera de cirurgia, outras fizeram a cirurgia e rece-bem reabilitação (fisioterapia e exercícios). Algumas crianças têm férias de seus colégios internos e ficam apenas alguns dias no centro. E há crianças como Naimyakwa, que têm o centro como seu lar.

– Naimyakwa chegou aqui há sete anos, e ela ainda está aqui. Nunca mandaremos uma criança de volta para casa a menos que saibamos que ela será bem cuidada. Caso con-trário, tentamos encontrar novas famílias para a criança. Mas é difícil cuidar de uma criança gravemente incapacitada. Até mesmo algo simples, como se locomover com a cadeira de rodas de Naimyakwa, se torna quase impossível no chão de areia da aldeia. Acompanhar as migrações da família com o gado é ainda mais difícil, diz Anna.

6h00 Bom dia! Naimyakwa e seus amigos são despertados pelas mães da casa, que moram nos dormitórios das crianças. Quando Naimyakwa chegou aqui, ela mal podia usar seus braços e mãos. Era impossível para ela escovar os dentes, vestir-se e comer sozinha. Depois de muito treinamento, sua vida agora é completamente diferente. Aqui, ela escova os dentes com as amigas Modesta, de 13 anos, e Mdasat, de 11 anos.

7h00 Desjejum Para o desjejum, temos o mingau de milho, chamado Uji.

8h00 Reunião matutina Toda manhã, todos se encontram na sala de reunião para a oração e os exercícios matinais.

8h30 Ronda matutina Os funcionários conversam com cada criança e decidem se elas precisam ir para o fisioterapeuta, enfermeiro, ou se podem ir diretamente para a escola do centro. Naimyakwa deve mostrar que consegue vestir a blusa sozi-nha. Quando ela o faz, eles analisam que tipo de fisiotera-pia ela precisa melhorar ainda mais.

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9h00 1. Escola Naimyakwa é assistida pela professora Flora Moses Kiwelu. Quando as crianças terminam seus tratamentos, elas recebem ajuda para começar a estudar na escola regular de sua aldeia, ou em escolas especiais, como colégios internos para crianças com deficiência visual ou com deficiência mental.

3. Enfermaria Loserian Simanga, de 11 anos, tem seus ferimentos cirúrgi-cos lavados e recebe novos curativos da enfermeira Veronica Kirway.

4. Ortopedia A ortopedista Mireille Eusebius Kapilima experi-menta novas talas para as pernas de Modesta Cryspin, de 13 anos. No centro, eles fabri-cam suas próprias talas e próteses.

5. Economia Doméstica Na cozinha, Neem Mevukori, de 11 anos, e alguns de seus amigos cortam a hortaliça sukumawiki. Hoje, é sua vez de ajudar na preparação da refeição.

– Eu acho divertido apren-der a cozinhar. Além disso, poderei ajudar mais minha família quando for para casa.

6. Oficina de dispositivos de suporteNa oficina de dispositi-vos de suporte, Kadogo Songura recebe ajuda de Loshilari para ajustar suas muletas.

– Eu tive uma doença infecciosa em uma per-na quando era pequeno. Quando vim para cá, a perna estava tão com-prometida que precisou ser amputada. Depois, recebi uma prótese e comecei a treinar para caminhar. Eu tive muita dificuldade, mas agora as coisas estão indo muito bem, conta Kadogo.

2. Fisioterapia Naimyakwa faz meia hora de fisioterapia diariamente para conseguir cuidar melhor de si mesma no futuro. Ela recebe a ajuda das fisioterapeutas do centro, Eva Paul Mush e Anna Njuu (de tranças).

10h00 Intervalo e brincadeira! Os intervalos e brincadeiras são importantes. As crianças se divertem e treinam seus corpos ao fazer movimentos diferentes. Naimyakwa tenta pegar a bola e passar adiante.

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12h30 Almoço – Meu prato favorito é arroz e feijão. Comemos isso duas vezes por semana, diz Naimyakwa.

16h00 Recreação e lavar roupa A maioria joga futebol, brinca no balanço, no carrossel ou apenas conversa. Aqueles que precisam lavar suas roupas o fazem. Lavar a roupa também é parte do tratamento no centro. As crianças praticam movi-mentos saudáveis do corpo ao mesmo tempo em que apren-dem algo que é importante saber fazer.

18.30 Jantar

13h30 Escola e lavar a louçaTodos os dias, algumas crian-ças ajudam a lavar os pratos antes de voltar para a sala de aula. Hoje é a vez de Tuplwa Longorini, de 12 anos, Rebeca Peter, de 16 anos, e Kadogo Songura, de 19 anos.

20h00 Noticiário Toda noite as crianças assistem ao noticiário. Anna e os outros funcionários do Huduma ya Walemavu acham importante que as crianças saibam o que está acontecendo na Tanzânia e no mundo. Mas elas também podem, natu-ralmente, assistir a filmes e programas diver-tidos.

21.00 Boa noite! – Durma bem, diz a mãe da casa Halima Mkopi acariciando a bochecha de Naimyakwa. Halima dorme com as crianças para poder ouvir se alguém precisar de ajuda ou de ser confortado durante a noite. Há três dormitórios, e uma mãe da casa mora em cada um deles.

Comportem-se, pais!– Eu não gosto de pais que não assumem a responsa-bilidade quando têm filhos com deficiência. Infelizmente, aqui é muito comum os pais abandonarem seus filhos deficientes. A mãe e o pai devem cuidar juntos dessas crianças, que são particularmente vulneráveis, diz a mãe da casa e cozinheira Martha Lota.

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Endeshi

Clínica sobre quatro rodas alcança 51 aldeias

não tem linguagem

O Huduma ya Walemavu trabalha em uma área grande e escassamente povoada no nordeste da Tanzânia, que consiste de savanas, semidesertos e montanhas. Aqui, a grande maioria das pessoas vive em pequenas aldeias, para as quais não há nenhuma estrada.

– Como as famílias geralmente são muito pobres e não têm condições de chegar até nosso centro, nós visitamos as crianças deficientes nas aldeias, explica Anna.

O Huduma ya Walemavu alcança 51 aldeias em seu trabalho. Eles têm uma “clínica móvel” em seu Programa Comunitário, onde enfermeiros e fisio-terapeutas viajam em um jipe com tração nas quatro rodas para chegar a todas as crianças que, de outra forma, nunca obteriam ajuda. Leva mais de dois dias para chegar à aldeia mais distante. Toda aldeia é visitada uma vez a cada três meses.

Sentados sob uma árvore estão as crianças deficientes de uma pequena vila e seus pais, conversando com funcio-nários do Huduma ya Walemavu. Uma garotinha surda de 8 anos de idade chamada Endeshi está lá. Ela não tem linguagem, mas sua mãe Nailolie Lebahati conta:

– Os dois irmãos mais velhos de Endeshi, Esther e Loito também são surdos, e sempre tivemos apoio do Huduma ya Walemavu para que eles possam frequentar uma escola para crianças surdas. Eu sei que frequentar a escola é direito de todas as crianças, mas não tenho condições de pagar por ela; por isso, sou extremamente grata!

– Agora desejo que Endeshi também possa ir à escola aprender uma lingua-gem. Ela tem direito de con-versar com outras pessoas e explicar o que pensa, o que sente e suas opiniões. Não ser isolada como agora. Eu vim aqui hoje para perguntar se o Huduma ya Walemavu também pode ajudar Endeshi. E eles podem! Estou tão feliz!

Sonhos para o futuroA irmã mais velha de Endeshi, Esther, de 18 anos, e seu irmão Loito, de 15 anos, falam a linguagem dos sinais e contam quais seus sonhos para o futuro:

– Quero ser enfermeira, sinaliza Esther.

– Eu ainda não decidi, sina-liza Loito.

A mãe, Nailolie, fica um pouco triste quando vê as crianças falarem sobre o futuro.

– E pensar que não temos a menor ideia de quais são os sonhos de Endeshi. Vamos esperar que ela consiga dizer, depois que tiver ido à escola por algum tempo. Quero saber quais são seus sonhos! – diz Nailolie e dá um abraço em Endeshi.

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LoekuClínica sobre quatro rodas alcança 51 aldeias

quer ser presidente

Anna apoia sonhos Os irmãos mais novos, Tetee, de 16 anos e Phillipo, de 15 anos, sonham se tornar professores quando forem adultos.

– Sem Anna, um sonho assim nunca poderia ser realiza-do. Entretanto, como o Huduma ya Walemavu me apoia, acredito piamente que é possível, afirma Tetee.

Seriam obrigados a mendigar – Se Anna não nos tivesse aju-dado, nossas vidas seriam completamente terríveis. Seríamos obrigados a mendi-gar nas ruas para ter o que comer, diz Loeku.

A clínica móvel para em uma aldeia onde vivem três irmãos cegos Loeku, Tetee e Phillipo. Eles são órfãos e recebem apoio do Huduma ya Walemavu para que possam frequen-tar um colégio interno. Normalmente, os irmãos moram na escola, mas agora é época de férias e Anna quer ver se eles estão gostando de passar algum tempo na casa de seus avós paternos. O irmão mais velho, Loeku, diz:

“Nós nunca teríamos podido ir à escola se não fosse por Anna. Tanto porque somos deficientes quanto porque somos de uma família pobre. Se uma família pobre tem dois filhos e um deles é defi-ciente, se eles tiverem condi-ções de enviar apenas uma das crianças para a escola, é sempre o filho “saudável” que pode estudar.

A grande maioria das pes-

soas acha que não faz senti-do deixar a criança com defi-ciência frequentar a escola porque não acreditam que a criança consiga fazer nada. Muitos creem que, se uma criança não enxerga ou tem qualquer outra deficiência, o problema também está na sua cabeça. Por isso, pensam que a criança nunca vai ser capaz de trabalhar, ganhar dinheiro e ajudar sua família. Desta forma, eles acham que é um desperdício de dinheiro enviar uma criança assim para a escola. Foi exatamente isso que aconteceu conosco. As outras crianças da aldeia foram enviadas para a escola, mas nós não.

Anna deu chanceEntão veio Anna e nos deu a chance de ter uma vida dig-na. Recebemos bom trata-mento médico e a oportuni-dade de estudar em uma escola para crianças cegas. O Huduma ya Walemavu já nos apoia financeiramente há sete anos. Meus avós não teriam conseguido fazê-lo sozinhos.

No centro de Anna, nos ensinaram que aquilo a que estávamos expostos, ou seja, não poder ir à escola, é uma discriminação e uma viola-

ção dos nossos direitos. Todas as crianças têm o direito de ir à escola. Todas as crianças são iguais! Agora eu falo sobre isso com todos que encontro. Espero que isso possa ajudar para que, gradualmente, a vida melho-re para os deficientes. Que sejamos tratados com res-peito e tenhamos nossos direitos respeitados como todos os outros. No futuro, quero ser presidente e lutar pelos direitos de todas as crianças na Tanzânia!”

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Lomniaki foi mantido escondido

Lomniaki nasceu com as pernas curvadas para o lado errado. Ele tinha dificuldade de sentar--se e não aprendeu a andar. Seu pai não queria que as outras pessoas da aldeia o vissem, por isso trancava Lomniaki em casa. Ele não brin-cava com outras crianças nem frequentava a escola.

– Eu não contava. Era como se eu não fosse uma pessoa real, mas depois Anna Mollel veio e me salvou. Ela me deu uma nova vida, e eu a amo por isso, diz Lomniaki Olmodooni Mdorosi, de 15 anos.

Lomniaki como aluno no colégio interno na cidade...

Quando era pequeno, Lomniaki ficava dei-tado sozinho na casa

escura o dia todo. Ele ouvia as outras crianças da aldeia rin-do e brincando lá fora. Seu maior desejo era estar junto com elas e participar. Às vezes, ele fechava os olhos e quase acreditava que estava com elas de verdade. Ele fica-va igualmente triste toda vez que percebia que ainda não conseguia usar as pernas, e estava deitado com uma pare-de de barro baixa entre si e as outras crianças.

– Eu realmente não sei por que meu pai não queria que os outros me vissem, mas acho que ele tinha vergonha da existência de uma criança deficiente em sua família. Por isso, ele me proibiu de sair. Minha mãe não pensava assim, mas era meu pai quem mandava. Mamãe não podia opinar sobre o assunto. Porém, às vezes, quando o pai estava fora com o gado, ela costumava me carregar sorra-teiramente e me colocar sob uma árvore da aldeia durante algum tempo. Dali, eu via como as outras crianças brin-cavam entre si. Mas não havia ninguém que brincasse ou falasse comigo, conta Lomniaki.

Odiava o pai Mais tarde, quando todas as crianças da aldeia começaram a estudar, o pai de Lomniaki não permitiu que ele também fosse.

– Ele disse que eu era mal-formado e que ele não enten-dia qual o sentido de me man-

dar para a escola, uma vez que eu nunca poderia cuidar do gado ou conseguir um empre-go e ganhar dinheiro para ajudar a família quando ele ficasse velho. Além disso, ele

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Direitos das meninas – Lembre-se que não importou que a minha mãe achasse que eu deveria ter permissão para brincar com as outras crianças e ir à escola. Era meu pai quem mandava. Fim da história. As opiniões de minha mãe não tinham importância. Anna Mollel me ensinou que isso é completamente errado. Meninos e meninas são iguais e, por-tanto, devem ter o mesmo direito de expressar suas opiniões e serem ouvi-dos. Temos os mesmos direitos. No futuro, quando for advogado, eu realmente lutarei pelos direitos das meninas.

... e como pastor massai na savana.

disse que teria de me levar e buscar na escola porque eu não conseguia andar. Na épo-ca eu odiava meu pai. Eu o odiava porque ele destruiu a minha vida.

emprego ou cuidaria do gado da família. Eu achava aquilo injusto, e sentia que não tinha tanto valor quanto os outros. Seria melhor estar morto.

No final, sua mãe, Paulina, não aguentou mais. Ela se sentia tão mal em relação à maneira como Lomniaki era tratado, que decidiu deixar o marido. Um dia ela levantou Lomniaki em suas costas e eles deixaram a aldeia para sempre. Paulina atravessou as savanas até a aldeia de seus pais, onde foram calorosa-mente recebidos pelo avô e tios de Lomniaki, e suas res-pectivas famílias.

Melhor estar mortoNo início, Lomniaki pensou que tudo parecia muito melhor. Ele não ficava preso em casa e conheceu outras pessoas que eram gentis e con-versavam com ele. Sua mãe ou um de seus tios o carregavam pela manhã e o deitavam sobre um couro de vaca debai-xo da grande árvore de acácia, para que ele não se sentisse sozinho. Todavia, mesmo que as coisas estivessem bastante boas, ele pouco a pouco come-çou a sentir-se solitário ali, debaixo da árvore. E diferente.

– Como eu não podia parti-cipar e correr e brincar, as outras crianças rapidamente se cansavam de ficar comigo. Elas corriam adiante. E quan-do elas iam para a escola, eu continuava deitado sob a árvore. Era impossível eu ir, pois a escola ficava muito lon-ge. Os adultos realmente não tinham tempo para mim. Os homens saíam com o gado e as mulheres trabalhavam duro em casa, na aldeia.

Lomniaki também preci-sava de ajuda com absoluta-mente tudo: vestir-se, comer, mover-se e ir ao banheiro.

– Era constrangedor não conseguir cuidar de mim mesmo, e fui ficando cada vez mais deprimido. Muitas vezes eu pensava sobre o motivo de meu pai ter vergonha de mim, e porque logo eu tinha que ter nascido assim. Lentamente, percebi como seria minha vida. Eu nunca conseguiria brincar e realmente estar com as outras pessoas da aldeia. E nunca iria para a escola. Nunca conseguiria um

Árvore da vida Anna Mollel faz uma visita à casa de Lomniaki. Eles se sen-tam sob a grande árvore de acácia e conversam. Anna quer saber como ele está, e se precisa de alguma coisa. – Inicialmente, esta era a árvore da decepção. Era aqui que me deixavam sozinho quando as outras crianças estavam brincando ou iam para a escola. Entretanto, hoje em dia eu a vejo como um bom lugar, o lugar onde Anna me salvou e onde minha nova vida, minha verdadeira vida começou! – Lomniaki diz.

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Defesa contra animais selvagens Quando Lomniaki está fora com o gado, ele leva sua vara, sua faca e, às vezes, um porrete para o caso de precisar defender os animais do rebanho contra animais selvagens.

Leões e hienas – Elefantes e girafas muitas vezes passam bem aqui na frente, e hienas vêm todas as noites. Eu amo os animais selvagens que existem aqui, mas para que os predadores famintos não consigam chegar até o gado, fizemos uma barreira de fortes arbustos espinhosos em volta de toda a aldeia. Mais adiante, perto das montanhas e florestas há leões, guepardos (chitas) e leopardos. Uma vez, eu estava com o gado quando vi um leão; eu fiquei apavorado e corri! Quando for mais velho, terei uma lança, como todos os outros guerreiros massai. Aí então talvez eu me torne mais corajo-so, diz Lomniaki, rindo. Aqui, seu tio Simon prati-ca com a lança.

Juntos – Quando venho para casa nas férias, posso cuidar do gado da minha família, como qualquer outro menino da minha idade na aldeia. Geralmente o fazemos juntos. O gado está entre as coisas mais importantes para nós, massai, e poder trabalhar com animais significa muito para mim, diz Lomniaki. Ele pastoreia cabras juntamente com seus amigos Juma (de vermelho) e Musa, ambos de 16 anos.

Anna Mollel– Meu nome, Lomniaki, sig-nifica “bênção”, mas eu pen-sava que alguma coisa devia ter dado errado. O nome pro-vavelmente foi feito para outro menino. Eu não era uma bênção. Eu era uma mal-dição.

Mas havia alguém que tinha ouvido falar de Lomniaki, que achava que ele era tão digno quanto todas as outras pessoas, e que não desistiria até que Lomniaki tivesse uma vida digna. Era Anna Mollel.

– Nunca me esqueço da tar-de em que Anna chegou à aldeia pela primeira vez. Eu tinha quase nove anos e esta-va sozinho, dormindo sob a árvore, mas acordei assustado quando ouvi o som de um jipe. Como eu nunca tinha visto um carro, fiquei apavo-rado quando o vi se aproxi-mando. Eu gritei e chorei. Uma mulher desceu, cami-nhou até mim e sentou-se. Ela sorriu, afagou-me suave-mente a cabeça e tentou me confortar. Ela disse que eu não devia ter medo e que ela tinha vindo para me ajudar. Era Anna.

Anna explicou à mãe, Paulina, que Lomniaki pode-

ria submeter-se a uma cirur-gia que lhe permitiria andar sozinho. Ela também disse que era perfeitamente possí-vel para Lomniaki começar a estudar como qualquer outra criança.

– Minha mãe ficou muito feliz e queria que Anna me levasse com ela imediatamen-te. Porém, como meus tios não estavam em casa, isso não foi possível. Minha mãe pre-cisava da permissão de seus irmãos, e Anna teve que ir sem mim.

Sorte na terceira vez Anna sabia que quanto mais Lomniaki crescesse, mais difícil seria corrigir suas per-nas. Se ele não fizesse uma cirurgia em breve, o dano seria pior, e ele nunca apren-deria a andar. Havia pressa. Por isso, ao invés de esperar três meses, quando realmente seria hora de a clínica móvel visitar a aldeia novamente, ela voltou apenas algumas sema-nas depois, para conversar com seus tios. Sentaram-se debaixo da árvore de acácia, e Anna explicou sobre a cirur-gia e o futuro de Lomniaki para seus tios e seu velho avô. Lomniaki nunca tinha expe-

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Lomniaki Olmodooni Mdorosi, 15

rimentado nada parecido. – Eu nunca tinha visto uma

mulher que ousasse falar daquela maneira com homens antes. Também nunca tinha visto homens ouvirem uma mulher com tanta atenção quanto meus tios fizeram sob a árvore. Anna era realmente diferente.

A família de Lomniaki con-tribuiria com algum dinheiro para cobrir parte dos custos de sua alimentação no centro. Como eles não tinham o dinheiro naquele momento, ficou decidido que Anna vol-taria em três semanas para buscar Lomniaki.

Enquanto aguardava a volta de Anna, Lomniaki começou se atrever a ter esperança de que sua vida realmente muda-ria. Porém, a esperança de uma vida melhor morreu antes do fim das três semanas. Quando Anna voltou pela terceira vez, a mãe, Paulina, estava de coração partido ao explicar que a família não tinha conseguido juntar o dinheiro necessário. Eles não podiam pagar.

– Lembro-me de como Anna então me olhou e disse: “Calma Lomniaki. Está tudo bem. É claro que eu vou te

ajudar de qualquer maneira. Nós resolveremos isso de algum modo!” No começo, pensei que ela estava brincan-do, mas não. Naquela mesma tarde, Anna levou Lomniaki de jipe. A jornada para sua nova vida havia começado.

Parte da turmaLomniaki gostou muito do centro de Anna desde o iní-cio. Além do fato de que Anna e as mães da casa fizeram tudo que podiam para que ele se sentisse bem, ele finalmen-te começou a estudar e apren-deu a ler e escrever. Lá, ele também aprendeu sobre direitos da criança. E, pela primeira vez na vida, conheceu outras crianças deficientes.

– Foi tão bom conhecer todas elas! Em casa, eu sem-pre tinha sido a única criança deficiente. Sempre fui solitá-rio e me senti como um intru-so. No centro, fiz muitos novos e bons amigos de uma vez só. Podíamos falar sobre tudo, porque nos entendía-mos muito bem. E eu não ficava deitado sozinho, como em casa, pois havia sempre um de meus novos amigos para me levar para todos os lugares em uma cadeira de

rodas, para que eu pudesse participar. Pela primeira vez na vida, eu não me senti dife-rente, mas sim como parte da turma. Foi uma sensação fan-tástica!

Depois de duas semanas, Lomniaki foi submetido à sua cirurgia no hospital da cida-de. Quando voltou para o centro, ele começou a fisiote-rapia e o treino de caminhada.

– Na primeira semana, eu sentia dores nas pernas e caía o tempo todo. Mas foi melho-rando cada vez mais, e logo eu podia andar com muletas. Após treinar durante um ano, tive coragem de soltar as muletas na fisioterapia e finalmente consegui andar sozinho. Foi o dia mais feliz da minha vida!

Quer ser advogado Depois de mais um ano, Lomniaki estava tão bem das pernas que pode deixar o cen-tro. Então Anna o ajudou para que ele pudesse frequen-tar a escola. Primeiro, pensa-ram na escola de sua aldeia natal, mas perceberam que seria muito longe para ele ir a pé.

– Minhas pernas não eram suficientemente fortes para

AMA: Ler e aprender sobre o mundo. Geografia e História. DETESTA: Não poder estar com os outros. Ficar sozinho não é vida. O MELHOR: Quando Anna me deu a oportunidade de fazer uma cirurgia e frequentar a escola, de ser uma pessoa comum, um ser humano de verdade. O PIOR: Que meus direitos foram violados quando eu era peque-no. Mantinham-me escondido e eu não podia ir à escola. ADMIRA: Anna Mollel, é claro! Ela salvou minha vida. QUER SER: Advogado e lutar por todas as crianças que precisem de mim. SONHO: Que todas as crianças deficientes do mundo todo pos-sam viver uma vida digna e ser felizes.

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que eu conseguisse caminhar para a escola no semideserto; além disso, eu não teria chan-ce de fugir ou me esconder caso encontrasse animais sel-vagens. Portanto, Anna me ajudou a começar a estudar num colégio interno na cida-de. Agora estou no oitavo ano, e o Huduma ya Walemavu continua pagando tudo para mim. Uniformes, livros, tudo! E sou imensa-mente grato por isso. Se eles não o tivessem feito, eu nunca

teria tido a chance de ir à escola.

Lomniaki adora estar em sua casa na aldeia nas férias e feriados, e hoje em dia conse-gue facilmente ajudar com o gado, junto com os amigos de sua idade. Entretanto, ele ain-da sonha em continuar estu-dando e se formar como advogado.

– Quero ser como Anna e dedicar toda minha vida à luta pelos direitos das crian-ças vulneráveis, assim como

ela lutou por mim. E pensar que ela fez a longa e difícil viagem através das savanas até minha aldeia três vezes para me salvar. Ela realmente se importava comigo. Eu nunca esquecerei isso. Se Anna desistisse e não tivesse voltado, eu ainda estaria sozi-nho em casa ou sob a árvore, incapaz de me mover. Em vez disso, ela me proporcionou uma vida que vale a pena ser vivida.

Histórias junto à fogueira Lomniaki sentado com seu tio mais velho, Karaine (à esquerda), e alguns outros homens junto ao fogo. Eles estão assando uma cabra.

– À noite, cada família se sentar ao redor do fogo, em casa, para cozinhar e conversar. Muitas vezes contamos histórias sobre o gado e animais selvagens que vimos na savana. Eu adoro isso, diz Lomniaki.

Técnica em computação

A irmã menor de Lomniaki, Naraka, de 12 anos, busca

água, faz a ordenha e aju-da a cozinhar todos os

dias. Entretanto, ela também vai para a escola.

– Agora vou começar o sétimo ano e, no futuro, quero trabalhar com computado-res, conta Naraka.

As meninas e mulheres da aldeia fazem belas joias.

Nasceu com fluorose esqueléticaA doença óssea com a qual Lomniaki nasceu é a chamada fluorose esquelética, e é causada pelo consumo excessivo de flúor oriundo da água potável. O flúor se acumula nos ossos e pode causar rigidez, dor, membros torcidos e parali-sia. Milhões de pessoas em todo o mundo são atingidas. Níveis naturalmente elevados de flúor na água potável geral-mente ocorrem no sopé de altas montanhas vulcânicas, como no Rift Valley, na África Oriental, onde Lomniaki vive. Muitas regiões onde os níveis de flúor são perigosamente elevados também são muito secas, por isso as pessoas aca-bam sendo obrigadas a beber a água de qualquer modo. Na Tanzânia, mais de 30% da água potável contém nível muito elevado de flúor.

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– Depois da cirurgia, posso dan-çar com as outras pessoas na aldeia. As danças são importan-tes para nós, massai, por isso estou muito feliz com isso. Eu nunca pensei que algum dia em minha vida eu poderia participar da dança. Nunca! Mas Anna tor-nou isso possível.

Aqui, Lomniaki dança Longwesi, que significa Cotidiano. Na dança, os rapazes desafiam uns aos outros no sal-to em altura. Quem pular mais alto vence. Aqui, Lomniaki bata-lha contra seu amigo Babu.

Anna deu espe-rança cotidiana!

Lindas cabaçasQuando Lomniaki volta para casa com o gado, ele se senta do lado de fora da casa e bebe leite com sua mãe, Paulina, e sua irmã mais nova, Nashipai, de 6 anos. Eles bebem em caba-ças que Paulina decorou com lindas pérolas.

– Amo minha mãe por ela ter tido a coragem de deixar meu pai. Isso mostra que ela real-mente me ama e se importa comigo. Nunca mais vi meu pai depois que fomos embora.

Jacob quer correr! Em uma cama do hospital Arusha Lutheran Medical Centre, Jacob Loishooki Lazer está deitado com as duas pernas engessadas. Ele acaba de passar por uma cirurgia seme-lhante àquela a que Lomniaki se submeteu, e está feliz.

“Doeu no início, mas está melhorando cada vez mais. Estou muito feliz porque em breve eu conseguirei andar, e então poderei ajudar minha família de verdade. Antes de vir para cá, eu tentava ajudar a pastorear nossos rebanhos de vacas e cabras, mas era uma luta para mim, porque eu tinha dores terríveis nos joelhos. Agora sei que, pouco a pouco, conseguirei até mesmo acompanhar nossos ani-mais em longas caminhadas durante a estação seca, quando eles precisam de pasto fresco. E poderei brincar com meus amigos. Idealmente, eu gostaria de retirar o gesso e usar minhas pernas saudáveis para correr agora mesmo!”

Não está sozinho Jacob ficou no hospital por quatro dias e, durante todo esse tempo, dia ou noite, a mãe da casa, Neema, do Centro de Anna o acompanhou.

– É muito importante que as crianças não se sintam sós. Eu conto histórias, leio livros e as conforto, quando necessário, explica Neema Eliphas Mollel.

– Quando sair daqui, você deve cuidar de suas pernas. É importante que você se mantenha limpo, para que os ferimentos não infeccionem, está bem? Em seis semanas, você deve vir aqui. Se tudo parecer bem, tiramos o gesso e então você pode começar com a fisioterapia e o treino de caminhada no centro, diz a enfermeira Lilian Michael.

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A escola de Anna para todos Em uma pequena colina de Moivo,

a aldeia natal de Anna Mollel, fica a escolinha que ela fundou em 2009, após se aposentar do Huduma ya Walemavu e mudar-se de volta para a aldeia. A escola se chama escola Engilanget, que significa a escola da Luz no dialeto massai. Todas as 25 crianças são de famílias muito pobres. Muitas são órfãs, algumas são deficientes, outras têm HIV. Para Anna, todas as crianças são bem-vin-das. Especialmente crianças de quem ninguém mais quer cuidar.

– Eu sabia que muitas crianças defi-cientes não tinham oportunidade de ir à mesma escola que a maioria das outras crianças frequentava. Ela fica-va muito longe e era muito cara. Isso é muito injusto, e decidi abrir uma escola onde crianças deficientes e não deficientes estudam juntas. Uma escola onde as crianças aprendem a compreender que todos são iguais, têm direitos iguais e a mesma neces-sidade de ser amados, conta Anna.

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“Proibido bater nas minhas crianças!”– Em minha escola é proibido bater nas crianças. Nunca se deve bater em uma criança. Nunca se deve intimidar uma criança. Apenas explicar e amar. Uma criança que é espancada vai espancar os outros. Os castigos físicos são comuns nas escolas da Tanzânia, mas se um professor batesse em alguma das minhas crianças, ele seria demitido ime-diatamente! – diz Anna.

Aula sobre Direitos da Criança É manhã de segunda-feira e Anna, como sempre, encontra as crianças na pequena escola:

– Bom dia a todos. Como estão vocês? – pergunta Anna.

– Bom dia, vovó! Estamos muito bem! – responde a classe animadamente.

– Ótimo! É divertido na escola? – Sim, vovó!!– Ótimo! Vocês cuidam uns dos

outros? – Com certeza! – Ótimo. Isso é muito importante.

Alguém pode me dizer quais são os direitos que vocês, crianças, têm? – pergunta Anna.

As mãos das crianças imediata-mente começam a acenar. Muitos querem responder.

– Ir à escola, diz Theresia, de 12 anos.

– Ir para o hospital, caso seja necessário, afirma Baraka, de 9 anos.

– Poder brincar e participar... – res-ponde Violet, de 7 anos.

– Exatamente, estes são alguns dos seus direitos. E como é para as crian-ças deficientes?

– É a mesma coisa, vovó – respon-de Violet.

– Isso mesmo. Crianças com defi-ciência têm exatamente os mesmos direitos que as outras. Ir à escola, receber tratamento médico, brincar e ser amadas. Todos nós fomos criados por Deus e devemos ser tratados com respeito. Não se esqueçam! – diz Anna, sorrindo com todo o corpo enquanto observa “suas” crianças.

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Anna ama todas as crianças!

Oficina de costura de Anna ajuda crianças

Invenção imaginativa

Theresia na horta de Anna

Arranha-céus– Estamos construindo um arranha-céu, conta Fanuel.

– Sim, e quando crescermos, vamos construir coisas reais, como esta casa. Nós nunca vimos um arranha-céu de ver-dade, apenas em revistas e na TV, diz o amigo Baraka, 9 anos.

Adora futebol – Na minha escola, todos podem participar das brin-cadeiras. Nós gostamos uns dos outros, diz Fanuel, que adora jogar futebol nos intervalos.

“Fico feliz quando estou na escola. Aqui todos são amigos de todos. Parece que somos irmãos e que cui-damos uns dos outros. Eu sou órfã e moro com a minha avó. Nós nunca teríamos tido condições financeiras de frequentar outra escola. Eu gosto muito de Anna por me permitir estu-dar aqui. Ela tem um coração enorme e sempre cuida de nós, mais que os outros adultos”. Theresia Edward, 12 anos

– Muitas das crianças na minha escola são de famílias tão pobres que não têm condições de pagar por uniformes escolares, livros, ou a pequena taxa semestral que cobre os salários de meus dois professores. Eu tenho uma pequena oficina de costura onde pro-duzo tecidos chamados koikoi, que vendo. Com o dinheiro, compro unifor-mes, sapatos, livros, canetas e todas as outras coisas com as quais as crianças mais pobres da classe preci-sem de ajuda, diz Anna.

– Esta roda de fiar se chama Chaka. Eu e meu filho a fizemos com uma velha roda de bicicleta. Não é preciso muito dinheiro ou equipamentos caros para ajudar aos outros, mas é preciso ter imaginação e ser criativo! Se fôssemos sentar e esperar que alguém nos desse um monte de dinheiro antes de começarmos, teríamos que esperar muito, muito tempo. Há muitas crianças que precisam de nossa ajuda. Portanto, resolvemos assim, à nossa própria maneira, conta Anna, rindo.

– Eu cultivo feijões e outros vegetais que as crianças comem no almo-ço. Assim, sei que até mesmo os estudantes mais pobres recebem pelo menos uma refeição nutri-tiva por dia, diz Anna.