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Carlos Moraes é formado em História pela Universidade Federal de Santa Maria - [email protected] Textos publicados no Jornal O Correio, de Cachoeira do Sul, RS, entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011. Edição digital por Fábio Purper Machado - symptomamundi.blogspot.com A A N N e e b b l l i i n n a a e e o o R R e e l l ó ó g g i i o o . . . . . . 18 e 19.12.2010, p. 2-3 R R R e e e f f f l l l e e e x x x o o o s s s d d d e e e V V V e e e n n n e e e z z z a a a 25 e 26.12.2010, p. 4-5 B B B e e e t t t t t t y y y B B B o o o o o o p p p e e e a a a H H H i i i s s s t t t ó ó ó r r r i i i a a a d d d o o o F F F e e e m m m i i i n n n i i i s s s m m m o o o 01 e 02.01.2011, p. 6-7 O O B B a a r r a a l l h h o o n n o o s s s s o o 08 e 09.01.2011, p. 8-9 d d e e c c a a d d a a d d i i a a V V V i i i k k k M M M u u u n n n i i i z z z e e e o o o L L L i i i x x x o o o E E E x x x t t t r r r a a a o o o r r r d d d i i i n n n á á á r r r i i i o o o 15 e 16.01.2011, p. 10-11

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Textos de Carlos Francisco Moraes, publicados no Caderno Plus do Jornal O Correio, entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011. Cachoeira do Sul, RS.

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Carlos Moraes é formado em História pela Universidade Federal de Santa Maria - [email protected] Textos publicados no Jornal O Correio, de Cachoeira do Sul, RS, entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011.

Edição digital por Fábio Purper Machado - symptomamundi.blogspot.com

AAA NNNeeebbbllliiinnnaaa eee ooo RRReeelllóóógggiiiooo......... 18 e 19.12.2010, p. 2-3

RRReeefffllleeexxxooosss dddeee VVVeeennneeezzzaaa 25 e 26.12.2010, p. 4-5

BBBeeettttttyyy BBBooooooppp eee aaa HHHiiissstttóóórrriiiaaa dddooo FFFeeemmmiiinnniiisssmmmooo 01 e 02.01.2011, p. 6-7

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VVViiikkk MMMuuunnniiizzz eee ooo LLLiiixxxooo EEExxxtttrrraaaooorrrdddiiinnnááárrriiiooo 15 e 16.01.2011, p. 10-11

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O Correio 25 e 26.12.2010

AAA NNNeeebbbllliiinnnaaa eee ooo RRReeelllóóógggiiiooo.........

OOOuuu CCCoooiiisssaaasss pppaaarrraaa llleeemmmbbbrrraaarrr qqquuuaaannndddooo ssseee vvviiisssiiitttaaa LLLooonnndddrrreeesss nnnaaa

EEErrraaa VVViiitttooorrriiiaaannnaaa

De todos os relógios que pulsavam no mundo fumacento do século XIX, os ponteiros da Clock Tower, popularmente conhecido como Big Ben, ostentavam o papel de carrascos, não só das mentes da Inglaterra como as de todos os lugares do mundo que sofriam sua influência. Quem já não ouviu uma piadinha sobre a obsessão dos Ingleses pela pontualidade? A pontualidade, inclusive, fez com que um deles desse a volta ao mundo em 80 dias! Não?

Na ficção, eu admito, mas a “brincadeirinha” do Senhor Phileas Fogg, que por sua vez foi fruto da imaginação do Sr. Júlio Verne, deixou para a posteridade um pequeno

pedaço do espírito de uma época, metáforas poderosas que com o tempo vão nos mostrando os gênios da Literatura aos quais temos tanto prazer em visitar. Mas quanto mais o tempo avança mais difícil fica entender as crônicas de uma época, à medida que as novas gerações vão perdendo semelhanças de experiências com seus antepassados. Culpa da Tecnologia que com suas frenéticas mudanças alteram o nosso olhar de maneira irrevogável, fazendo com que não compreendamos um tempo onde 80 horas não dá e sobra para circular o globo, mesmo com “gremlins” nas torres de comando! Piadinhas como “caiu a ficha?” ou “queimou o filme!” quem não entende? Mas ao mesmo tempo pergunte para seus filhos sobre como é telefonar com fichas de metal, ou sobre um filme fotográfico que não deu para revelar... Bem, talvez eles tenham visto um vídeo no youtube sobre isto, mas dificilmente sabem como é a sensação. Outros tempos, outros imaginários, eu suponho... Hoje talvez os nossos grandes carrascos sejam aqueles pequenos números cintilantes que caem em cascata nas bolsas de valores do mundo todo. E o relógio em relação ao qual devemos ajustar os nossos próprios, fica nos Estados Unidos. Porém, isto é o agora! O que nós vivemos... O espaço comum em qualquer conversa de bar. Mas e o antes? O ontem? Como funcionava? Certamente não com nossas expectativas e agruras. Acho que vamos perdendo um pouco as “piadas” na arte quando certas experiências comuns vão desaparecendo entre as pessoas. Ai, temos de nos “contextualizar”... Um esforço proporcionalmente maior, a distancia onde se encontra no tempo um certo cenário histórico. Ainda temos depois disso o problema da escassez ou não de “pistas” de como funcionava o mecanismo dessa época. O problema é que juntar todas as peças (documentos oficiais, reflexões de historiadores, fotografias, filmes, a literatura do período, etc...) leva tempo! Um tempo que não temos muito hoje em dia.

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Mas especificamente queria falar aqui sobre uma época onde o cetro do poder no ocidente, (e boa parte do oriente), ainda estava no “velho mundo” e todos estavam voltados para os movimentos deste gigantesco monstro que era o Império Britânico, e seja na própria Londres (sua capital), ou nos confins do Egito ou Índia, tudo o que acontecia ali, reverberava na vida de absolutamente todas as pessoas do mundo! Chamamos em história este período de a “Era Vitoriana”, a época do apogeu do Império Britânico, que se deu durante o governo da rainha Vitória (1847 a 1901).

A Inglaterra detinha o poder sobre a economia global e Londres, era o coração do “mundo civilizado”. Mas como era este mundo? e como viviam as suas pessoas? Bem, a Revolução Industrial tinha se instalado como algo definitivo e cada vez mais o modelo de como a realidade funcionava, se assemelhava a um grande relógio. Mas a aparente "assepsia" e harmonia do suave dançar dos ponteiros sobre os números Romanos, escondia o Caos em seu interior: a podridão, de engrenagens alimentadas com carne e sangue humanos. Mecanismo insaciável que nos empurraria inevitavelmente para as duas grandes guerras mundiais. Na Londres "verdadeira" os educados cavalheiros da Elite Britânica dedicavam seus pensamentos ao controle e manutenção de seus lucros, que advinham dos quatro cantos da terra. (Em 1880, as possessões britânicas incluíam: Índia (composta de Bengala, Indostão, Caximira, Punjab, Rajputana e Uttar Pradesh), Austrália, Nova Zelândia, a Colônia do Cabo (que mais tarde se tornou a África do Sul), os Estados Federados da Malásia, as ilhas de Fiji, A Costa do Ouro, a Guiana Inglesa, Hong Kong e o Canadá, que era um “domínio”, com um pouco mais de independência política.) Enquanto as moedas com o rosto da rainha vitória tilintavam para alguns,

gerando uma época de glamour e arte. Milhares de miseráveis espalhados pelas vielas imundas e atulhadas das alas pobres da gigantesca metrópole, (na era Vitoriana Londres contava com uma população de aproximadamente cinco milhões de almas.) sobreviviam de forma sub-humana, catando as migalhas que caiam dos suntuosos banquetes da Realeza e dos "homens bons" de Londres. Ao mesmo tempo na Londres "ficcional", Sherlock Holmes de Sir Arthur Conan Doyle desvendava crimes insolúveis, e a máquina do tempo de H. G. Wells, já cruzava as dimensões do tempo... A pequena Alice se enredava em “problemas com seu passaporte” em um bizarro país, que, não fosse um sonho, lhe teria rendido uma camisa de força e uma cela acolchoada... E é claro... Drácula. O Vampiro! Eterno monstro vindo das bordas heréticas do antigo Império Bizantino, esgueirando-se na escuridão, sedento por sorver a vida de Londres! A chuva sempre presente tentava limpar sem sucesso o sangue dos becos de Witechapel, bairro pobre da metrópole, onde um certo Jack passou... Opa! Este aconteceu de verdade! Tudo isso tendo o eterno nevoeiro noturno daquelas vielas escuras e labirínticas de paredes enegrecidas, como testemunha. Todo este clima sempre me causou uma profunda impressão, e eu compartilhava algo com aqueles homens e mulheres que eu encontrava nos livros ou via em filmes, fotos, ou em qualquer das muitas vias que o homem usa para imaginar o seu passado. Um “elo perdido” que me fascinava. Umberto Eco, disse uma vez que seu corpo existia no agora, mas sua mente estava eternamente enclausurada na Idade Média, tempo que o tinha arrebatado desde muito jovem. Bom, viver com a cabeça em outro tempo lhe fez escrever bons livros para nós! Como o “Nome da Rosa” e “O Baudolino”. Acredito que podemos ter uma experiência muito mais interessante ao mergulhar em uma história de época (seja ela em 3D “mais real que o real”! ou em um livro escrito diretamente por estes antigos cavalheiros) Quanto mais buscamos saber como seria se os visitássemos na vida real, se tivéssemos de servir chá para eles e conversar sobre o que lemos no “The Daily Telegraph” ou no “The Times”, ou qualquer dos jornais de então. Para num esforço de imaginação e estudo conseguir compartilhar suas incertezas e expectativas, para sentir como é depender de um trem a vapor ou uma carruagem para se deslocar, ou a angústia de esperar uma carta importante sendo trazida lentamente por um navio distante...

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O Correio 25 e 26.12.2010

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“Que entre os folguedos e risadas as velhas rugas cheguem. Prefiro o fígado aquecer com vinho, a esfriar o peito com gemidos lúgubres. Se temos o sangue quente, por que causa deveremos ficar imóveis como nossos antepassados de mármore?”

O Mercador de Veneza de William Shakespeare, ato I cena I.

E assim começa uma das mais belas peças da história do teatro, com um definitivo argumento de: Por que não amar o Carnaval? Por que preferir reclamar da vida e ser mais túmulo do que gente? A aceitar os convites generosos da multidão para brincar? Afinal de contas quem não corre o risco de viver um grande amor? Especialmente neste período do ano? Bom, se alguns se isentam deste perigo, pensemos em quantos “Arlequins” e “Colombinas” (fantasias clássicas que vêm da tradição medieval Carnavalesca de Veneza) não vivem os seus pequenos “teatros amorosos”? Mas vocês podem estar pensando: por que falar de carnaval, se recém o natal bate à nossa porta? Alguns então ficariam surpresos em saber que o natal era só uma pausazinha nos vários meses do Carnaval de Veneza a época medieval. A origem desta festa remonta ao

século XI (algo entre 1084-1096). As celebrações se iniciavam nos primeiros dias de outubro, época da abertura da temporada teatral, sendo suspensa temporariamente durante o “Advento” – as quatro semanas anteriores ao Natal – recomeçando no dia de Santo Estevão (26 de dezembro). Nessa época os venezianos gozavam de extrema liberdade. As máscaras faziam desaparecer as diferenças entre as classes sociais e entre os sexos, facilitando transgressões e desregramentos.

Pois então, brindemos aos venezianos e suas histórias de amor, que se repetem onde há gente! Brindemos também ao amor! Um dos temas mais antigos da arte!

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De todos os lugares do mundo, não há um que carregue uma imagem tão forte de “A Cidade do Amor” do que Veneza. A “Sereníssima” como também é chamada, com seus canais espelhados por onde as gôndolas deslizam suaves, já foi por muitos séculos considerada a mais inspiradora paisagem para quem quer “deixar rolar a emoção”! Mas, pensemos um pouco sobre esta paisagem, quais são as imagens mais intrigantes que seus canais terão refletido ao longo da história? Sejam elas na vida real ou na ficção?

Um nobre mascarado corteja uma jovem senhorita que por sua vez deseja ardentemente o seu amor. Um ressentido judeu agiota que passaria para a história como “O Mercador de Veneza” busca vingança na forma de uma dívida a ser paga com sangue... (Bom! Legalmente era só uma lasca da carne do “caloteiro”), e graças a um bom advogado, tudo acaba bem e o amor dos “dois mocinhos”, que só foi possível por causa da dívida, pode seguir contente. A vida é um pouco assim, se dissemos que ela é uma história lúgubre de vingança nunca pensamos que ela pode acabar em amor. Mas tudo sempre acaba em amor em Veneza, pelo menos na ficção onde ela é a guardiã dos amantes. Na vida real Veneza foi, por muitos séculos, uma cidade com poder independente dentro da Itália que esbanjava opulência por ter um comércio muito ativo. Uma “cidade-estado republicana”, onde um Duque (Dodge) governava vigiado por um grande conselho de votantes. Era a cidade dos mercadores, onde alguns deles acabaram ganhando famas “mitológicas”, como um tal de “Marco Polo”. Graças a um comércio forte, alguns “monopóliozinhos” marítimos e de sua maior tolerância com as diferenças, (Veneza realizou a façanha de manter relações comerciais ativas entre portos cristãos e muçulmanos numa época onde a hostilidade entre as duas partes era bem menos velada do que hoje!) a arte em Veneza rendeu suculentos frutos. Como os inestimáveis quadros de Tintoretto, “o pequeno tintureiro”. Que com sua humildade ridicularizava as ambições de nobreza de seu mestre Ticiano.

(outro imortal). Ou das investidas infalíveis do maior conquistador da história “Giacomo Casanova” (1725-1798). Casanova foi um escritor, diplomata, militar, financista, e acima de tudo um libertino que teria dividido os lençóis com centenas de mulheres e alguns homens, e que com o dançar de sua pena no papel estimularia durante séculos a imaginação de milhões de leitores. Infelizmente na velhice, (depois de fornicar bastante) Casanova se revelou um arrependido, tornando-se até um delator a serviço da Inquisição! Passando a denunciar todas as devassidões e obscenidades que pudesse comprovar. Um “velho murrinha” mesmo! Para o qual até mesmo a nudez nas

academias de arte era-lhe intolerável. Ah! Se já existisse o “Viagra” naquele tempo... Donald Sutherland o pai na vida real de Kiefer Sutherland, nosso querido “Jack Bauer” de 24 horas, Interpretou Casanova em um filme fantástico do diretor italiano Federico Fellini de 1976. Uma visão crítica do libertino, onde esta incrível contradição é explicada pelo simples fato de ser Giacomo um indivíduo que necessitava obsessivamente da aceitação dos outros. Fazendo de tudo para continuar ser aclamado e “gostado”, de uma maneira ou de outra. Até quando destratava alguém, imaginava que seu charme o salvava do

ressentimento. Quem não conhece alguém assim? Que por serem atraentes, imaginam que até seus insultos são elegantes? Contradições a parte sua fama de sedutor supera em muito seus esforços para criar na velhice uma imagem de moralista. Mas por fim, que venham então as celebrações com todas suas cores e abraços, suas esperanças no futuro e promessas de paz. Despeço-me desejando feliz natal e já de antemão Carnaval, pois ele já está ai (a séculos) torcendo para que numa noite destas no “Casa Nova” ou em qualquer espaço onde as pessoas vão para se divertir e “se arriscar” em Cachoeira, algum Arlequim encontre a sua Colombina.

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O Correio 01 e 02.01.2011

Betty Boop e a História do Feminismo

Ela está por todo lugar! Para onde olhamos, lá está ela! , lindinha como sempre! Há mais de 80 anos “no ar”! A maior musa “pin-up” da história! Com vocês, a primeira feminista dos desenhos animados! A moça do melhor: “boop-boop-a-doop!” que se têm notícia! ...

As coisas não eram fáceis quando Betty iniciou sua carreira. Eram os turbulentos anos 30, onde uma crise de superprodução gerada nos Estados Unidos pelo final da primeira guerra, conhecida como A Grande Depressão, tinha arrastado metade do mundo para uma crise financeira de proporções estratosféricas. Levou à bancarrota muitos homens de negócios da época. E a comunidade Internacional entrou em choque ao ver seu bastião da solidez e confiabilidade (os EUA) literalmente quebrar! Muitas “bugigangas” para vender e nenhum comprador! É... O mercado de ações é um saco, às vezes! Enquanto Nova York tinha se acostumado com a chuva de suicidas falidos caindo de prédios... A “inteligente” Lei seca, que proibia o comércio de bebidas alcoólicas dentro do território do tio Sam, deu poder de “barbada” para traficantes, que cresciam e prosperavam por detrás das cortinas, Crápulas como Al Capone e outros “meninos maus”, faziam suas metralhadoras cuspirem “azeitonas-quentes” incessantemente bem ao estilo “favela do Rio”!

No meio deste mundo cruel e cinza, surge uma garota com jeitinho ingênuo e atitude provocante, sempre exibindo uma sexy cinta-liga. Independente e romântica, Betty Boop foi a primeira protagonista feminina da história dos desenhos animados. Ela começou sua vida artística em setembro de 1930, na série Talkartoons (desenhos falados) da Paramount, uma das primeiras

animações faladas. No começo ela era uma coadjuvante nas histórias de Koo Koo, o palhaço, e Bimbo, uma espécie de Mickey genérico. De fato em suas primeiras aparições, Betty usava orelhinhas de cadelinha para fazer par com Bimbo. Mas

o tempo e a platéia lhe elevaram ao status de uma Diva, e ela irá permanecer para sempre no nosso imaginário ao lado de grandes estrelas como Marilyn Monroe e Audrey Hepburn. Tudo isto graças a Max Fleischer, o produtor visionário do desenho, que com suas histórias de teor menos puritano e mais “realista”, acabou por ser perseguido pela onda moralizante nos Estados Unidos, e seus “paus-mandados” da chamada Liga da Decência, criada em 1934 para defender a moralidade e fiscalizar o que era produzido na América. De fato o comportamento progressista da personagem era algo para o qual a população dos Estados Unidos da época não estava bem preparada. Afinal, eram tempos de Disney e seus característicos personagens infantis. Apesar disto, Betty Boop ficava cada vez mais famosa, e passou rapidinho de coadjuvante a estrela principal do desenho; só não conseguiu curar a “paixonite” que sentia por Bimbo um boêmio mulherengo e metido a esperto, que Max Fleischer criou para fazer concorrência com Mickey. Bimbo é o tipo cara-de-pau com sorte que acaba por conquistar o coraçãozinho da menina. É

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interessante notar que no mundo “metamórfico” de Fleischer não existiam objetos “inanimados”, pois tudo se mexia e tinha personalidade, e até os objetos ficavam caidinhos por ela. Assim, Bimbo acaba sempre tendo a ajuda de algum elemento do cenário em sua tocaia para pescar a pobre Betty. Por exemplo, no Episódio: “Dizzy Red Riding Hood” (Betty Boop chapeuzinho vermelho de 1931). Até a casa da vovó se adianta em dizer pro conquistador que a vovó tinha saído e ia demorar...

Bom! A gente não escolhe por quem se apaixona, né?

Mas “pegações” à parte, Betty fazia questão de conservar sua independência! E a cada episódio aparecia em um emprego diferente! De babá a garçonete, de vendedora ambulante de remédio para calvície a apresentadora de show de talentos com bebês! Uma verdadeira batalhadora que apesar dos assédios da “fauna” de machos a sua volta, conseguia sempre, com graça, dar a volta neles e deixá-los para trás, tontos de tanta fofura! Betty Boop era uma garota à frente de seu tempo mesmo! Hoje ela é tida como um ícone da Indústria Cultural. Mas ela é uma entre milhares de batalhadoras que a história nos conta. Não podemos esquecer que Betty e uma moça que nasce em uma “América” com já 10 anos de voto feminino! As Sufragetes, manifestantes pelos direitos da mulher ao voto, tinham “arregaçado as mangas” e ido para o confronto com a polícia, seus maridos e pais opressores, E entre gritos de protesto e “nuvenzinhas de quebra-pau”, passaram a Lei que dava direito ao voto as mulheres estadunidenses em 1920. As britânicas lhes acompanharam e conseguiram o seu direito em 1928. As nossas “divas” brasileiras só conseguiriam isto em 1932. E as “coitadinhas” da suíça só em 1971! Se observarmos um pouco a história, veremos que a emancipação da mulher era uma conseqüência obvia das guerras, pois, para ajudar seus maridos e conterrâneos a lutar em algum front, a mulher tinha sido alçada a cargos importantes no mercado de trabalho, em fábricas, bancos e hospitais. E é claro que, terminada a guerra, as mulheres não voltariam a posições subalternas. Toda a ilusão de competência superior do homem já tinha ido pelo ralo, mesmo! Bem como, também, a vida de milhares de jovens que não voltariam para competir por empregos. O fator de contestação social dos desenhos de Fleischer nos mostra que a perseguição à Betty Boop tem um sentido mais

profundo do que só a “simples moralidade”. Em um tempo em que Hollywood pintava atores brancos de preto para não contratar atores negros, Fleischer dava papel de dubladores de seus personagens amalucados a cantores negros. De fato, o clima do Jazz e a cultura negra americana são muito importantes no mundo de Betty Boop. Se Disney era o retrato de uma sociedade “embranquecida” com suas casinhas de subúrbios com cerquinhas brancas, Fleischer era o submundo-espelho da “Grande Depressão” com todas as delicadezas e animalidades do ser humano, e se virava entre perseguições dos moralistas e acusações de

plágio, Sim! Uma atriz de nome Helen Kane levou Fleischer aos tribunais, queria 250 mil dólares afirmando que o “Boop-Boop-A-Dop”, frase jargão da personagem Betty, era sua por direitos autorais! Era o feminismo de Fleischer se voltando contra ele! Mas, uma mulher processando um homem, já era algo que demonstrava que os “ingênuos” desenhos dele estavam surtindo efeito! No final Helen Kane perdeu o caso, pois parece que o tal do “Boop-Boop-A-Dop” vinha de uma cantora negra bem mais velhinha que ela e que não tinha advogado! Betty Boop é uma unanimidade mesmo! Até mesmo a famosa Marilyn Monroe fez um jeitinho de Betty Boop no filme "Quanto Mais Quente Melhor” (Some Like It Hot) ao interpretar a canção Wanna Be Loved By You, e no final “tascar” um... “Boop-Boop-A-Dop”! Uma das últimas e mais emblemáticas participações de Betty Boop no cinema foi em “Uma cilada para Roger Rabbit” filme de Steven Spielberg e Robert Zemeckis, vencedor de 4 Oscar em 1988, incluindo Melhores Efeitos Visuais. No filme o personagem principal, o

detetive Eddie Valiant (Bob Hoskins), encontra Betty trabalhando de garçonete em um Bar noturno, Eddie pergunta por que ela tinha sumido, e ela diz que “as coisas ficaram difíceis quando os desenhos ficaram coloridos...” Uma carinhosa homenagem à personagem e também uma piadinha com as dificuldades de algumas atrizes do cinema para continuar no ramo, quando da transição do cinema mudo para o cinema falado. Metáforas à parte, ela se despede de Eddie dizendo que mesmo depois de todo este tempo ela continua com “jeito”! E a dubladora de toda a vida de Betty (Mae Questel, com 80 anos na época do filme de Spielberg) tasca um “boop-boop-a-doop”! igualzinho aos tantos outros que fez em sua longa carreira como Betty Boop.

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O Correio 08 e 09.01.2011

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Quem nunca jogou um “biribinha”, um “poquer”, uma “canastra”, ou um “pife” que seja? Mesmo os que não gostam, um dia ou outro tiveram de atender ao chamado dos amigos jogadores para completar aquela mesa e não ser “o chato da vez”. Uma tortura para quem não vai com a cara daquelas cartinhas coloridas. Bem, gostando ou não, o importante é que jogar cartas é uma experiência humana compartilhada e dificilmente vemos alguém que já não dedicou algumas horas de sua vida à arte do carteado e seus mistérios. O ato de jogar cartas é muito antigo. Há quem diga que os egípcios com todo aquele sol na moleira já faziam as suas “fezinhas”. O que sabemos é que este baralho usado hoje, com figuras estilizadas que chamamos naipes, nasceu na França, na época do Renascimento, entre os séculos catorze e dezesseis, já com os seus

famosos: Copas, Ouros, Paus e Espadas e também a Rainha, o Rei e o Valete. Porém, mais interessante que suas origens são os seus significados, pois assim como o xadrez imita o que seria uma complexa disputa palaciana digna de Shakespeare, o baralho simula diante dos olhos dos jogadores a dinâmica da própria sociedade. Todos os atores sociais estão ali representados: Copas – (coração): simboliza o poder religioso, pois não é o coração dos indivíduos o prêmio das disputas religiosas?

Ouros – (losango): simboliza o poder financeiro ou econômico, de fato na Inglaterra denominam este naipe de diamonds (diamantes). Dinheiro! No fim das contas. Espadas – (ponta de uma flecha): representa o poder militar com seus mortíferos instrumentos de trabalho. Paus – (trevo): simboliza

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o povo, que quando se revolta só pode recorrer a armas rudimentares, se bem que algumas centenas de pessoas com paus e pedras, conseguem botar medo em muitos governantes! Na Grã-Bretanha, as cartas de origem francesa ganharam características inglesas. Coroando as disputas entre os poderes temos: as diabruras do Rei (o governante) King em inglês, por isto a letra K em sua carta; a Rainha, Queen com seu Q e Jack (valete) com seu J. Temos também o coringa, mas este é um caso a parte... É interessante como o ser humano gosta de simular em um microcosmo as suas adversidades sociais,

senão jogos como Banco Imobiliário, Jogo da Vida, ou até mesmo um War, não seriam ainda os campeões de venda de jogos de tabuleiros! Bem sabia disto Bill Gates, quando inseriu no Windows o tão amaldiçoado paciência! E depois as pessoas não entendem por que se chama: “paciência-spider” (aranha). Quem joga é a mosquinha e as cartas são a teia da aranha esperando alguém achar que é uma boa idéia jogar aquele inocente joguinho do computador enquanto as coisas estão devagar no departamento...

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O Correio 15 e 16.01.2011

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Ano novo! Vida nova! E também “novela das oito” nova! Com poucos capítulos para o fim de Passione, todos nós desejamos que a dissimulada Clara tenha o que merece e acabe numa fashion camisa de força! Bom! Quem mandou confiar em lágrimas de crocodilo? Né, Totó? Mas, para além da emocionante trama da novela de Silvio de Abreu, queria falar com vocês sobre uma das belezas de Passione, que pode ter passado despercebida para os olhares menos cuidadosos. Falo da apresentação da novela, com as obras de Vik Muniz, um dos artistas brasileiros contemporâneo mais importante do momento. Oriundo de uma geração de bem sucedidos artistas “made in Brazil” reconhecidos no panorama das Artes Plásticas Internacionais. Suas obras são extraordinárias montagens de fotografias ou quadros famosos da historia da arte, feitas com materiais recicláveis como fios, arames, pneus e outras sucatas, ou outras coisas simples do nosso cotidiano como calda de chocolate, xarope ou nada mais do que açúcar, deste que

usamos todos os dias no café da manhã. Obcecado pelo processo da representação da imagem e do pontilhismo, ou seja, a conjunção de vários detalhes que formam uma figura, as obras de Vik Muniz nos falam da efemeridade da arte e dos mistérios e armadilhas da imagem em uma sociedade de consumo de massa, onde as pessoas são tão descartáveis quanto o lixo que produzem. Reciclando o lixo, não em forma de material, mas em forma de arte, o artista tenta nos chamar atenção para a vida que reside por trás dos objetos e das histórias das massas humanas esquecidas que trabalham de sol a sol para que os “fast foods” da indústria possam existir. Em nome da maximização dos lucros, multinacionais não se envergonham de instalar-se no país pobre que mais lhe conceda mordomias especiais como isenção de impostos e outras facilidades para, em troca, devolverem salários

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miseráveis para uns poucos empregados que sustentarão muitos em suas humildes casas. Em sua série Crianças do Áçucar, Vik Muniz reproduziu com açúcar comum as fotos que tirou dos meninos e meninas cortadores de cana de uma ilha do Caribe e em seu projeto no Rio de Janeiro, chamado Imagens do Lixo, emprega dezenas de catadores na feitura de suas gigantescas obras. Como o próprio Vik Muniz diz, o fato de se usar materiais não convencionais para desenhar força o público a ver aquilo como um desenho novamente e assim rever a mágica

que existe em uma representação não importando o quão simples ela seja. De família humilde, seu pai era garçom e sua mãe telefonista, Vik diz ter sido muito influenciado em sua juventude pelo período da Ditadura Militar, pois os artistas precisavam expressar-se por metáforas e desenvolver um grande senso crítico para saber o que era verdadeiro e o que não era. E eu acho que é esta a mensagem de Vik em suas obras, a de que nem tudo que reluz é ouro! E que o que importa, no final das contas, é o caráter humano por trás de todas as ilusões da imagem.