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1 PLURIATIVIDADE NA AGRICULTURA FAMILIAR: TECENDO RENDA E (RE)CONSTRUÍNDO IDENTIDADE? Lucivalda Sousa Teixeira e Dantas Membro do GEPRU Universidade Federal do Sergipe - UFS [email protected] Diana Mendonça de Carvalho Membro do GEPRU Universidade Federal do Sergipe – UFS [email protected] Ramon Oliveira Vasconcelos Universidade Federal do Sergipe - UFS Membro do GEPRU/UFS/CNPq [email protected] José Eloizio da Costa Universidade Federal do Sergipe - UFS [email protected] Resumo O trabalho em tela tem como objetivo analisar a pluriatividade no espaço rural de Ribeirópolis com ênfase no artesanato confeccionado pelas mulheres na reprodução e permanência da família no espaço rural. Os pressupostos teóricos estão respaldados em autores interdisciplinares que discutem as questões relacionadas ao espaço rural, à agricultura familiar, a pluriatividade, gênero e identidade. A metodologia utilizada está pautada em dados secundários coletados em instituições de pesquisa, além de entrevistas e relato de experiências realizadas com artesãs cooperadas e não-cooperadas no povoado Serra do Machado. Resultados preliminares permitem constatar que diante dos desafios enfrentados no espaço rural algumas mulheres, de famílias agrícolas, ao entrar no mundo do trabalho acabam responsáveis pela reprodução, renda e permanência da família no campo, constroem identidade e buscam emancipação. Palavras-chave: Pluriatividade, Agricultura Familiar, Artesanato, Identidade, Gênero. Introdução A diversidade do espaço rural brasileiro tem evidenciado mudanças expressivas nas últimas décadas através de interações multissetoriais em diferentes escalas. O campo deixa de ser estritamente agrícola ligado às atividades primárias. Cresce a combinação de atividades agrícolas com não-agrícolas através de ocupações pluriativas presentes na agricultura familiar.

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PLURIATIVIDADE NA AGRICULTURA FAMILIAR: TECENDO RENDA E

(RE)CONSTRUÍNDO IDENTIDADE?

Lucivalda Sousa Teixeira e Dantas Membro do GEPRU

Universidade Federal do Sergipe - UFS [email protected]

Diana Mendonça de Carvalho

Membro do GEPRU Universidade Federal do Sergipe – UFS

[email protected]

Ramon Oliveira Vasconcelos Universidade Federal do Sergipe - UFS

Membro do GEPRU/UFS/CNPq [email protected]

José Eloizio da Costa

Universidade Federal do Sergipe - UFS [email protected]

Resumo O trabalho em tela tem como objetivo analisar a pluriatividade no espaço rural de Ribeirópolis com ênfase no artesanato confeccionado pelas mulheres na reprodução e permanência da família no espaço rural. Os pressupostos teóricos estão respaldados em autores interdisciplinares que discutem as questões relacionadas ao espaço rural, à agricultura familiar, a pluriatividade, gênero e identidade. A metodologia utilizada está pautada em dados secundários coletados em instituições de pesquisa, além de entrevistas e relato de experiências realizadas com artesãs cooperadas e não-cooperadas no povoado Serra do Machado. Resultados preliminares permitem constatar que diante dos desafios enfrentados no espaço rural algumas mulheres, de famílias agrícolas, ao entrar no mundo do trabalho acabam responsáveis pela reprodução, renda e permanência da família no campo, constroem identidade e buscam emancipação. Palavras-chave: Pluriatividade, Agricultura Familiar, Artesanato, Identidade, Gênero. Introdução

A diversidade do espaço rural brasileiro tem evidenciado mudanças expressivas nas

últimas décadas através de interações multissetoriais em diferentes escalas. O campo

deixa de ser estritamente agrícola ligado às atividades primárias. Cresce a combinação

de atividades agrícolas com não-agrícolas através de ocupações pluriativas presentes na

agricultura familiar.

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Diante dos desafios de reprodução e permanência no campo, as famílias sofrem

mudanças de perfil e possível transformação na relação de gênero, com a saída da

mulher para exercer atividade remunerada dentro e/ou fora da propriedade.

Diante dos impasses enfrentados na agricultura familiar algumas práticas tradicionais

são ressignificadas pelas famílias no espaço rural de Ribeirópolis, a exemplo da

confecção de artesanato. A combinação de múltiplas inserções produtivas por um

indivíduo ou uma família compõe fonte de renda de muitas pessoas residentes no

campo. Diante disso, adquire outras funções a partir de atividades que levam a uma

diversidade, ainda que desarticulada de formas de produção.

As formas de inserção das mulheres no mercado de trabalho em atividades não-

agrícolas fora da propriedade familiar começam a ganhar visibilidade. As relações

familiares e a diversificação das fontes de rendas na agricultura conduzem a perspectiva

de fixação e bem-estar social da família. No entanto, em diferentes contextos sociais há

evidências de desigualdades salariais e hierárquicas nas relações de poder entre homens

e mulheres em diferentes contextos sociais.

Diante disso, o artigo em tela tem como objetivo analisar a importância da atividade do

artesanato confeccionado pelas mulheres na reprodução e permanência da família no

espaço rural de Ribeirópolis/SE. Bem como a visibilidade do trabalho feminino na

sociedade e na construção da identidade.

Caracterização da área estudada

O município de Ribeirópolis está localizado na faixa centro-ocidental do Estado de

Sergipe perfazendo uma área de 263 Km², estando a sua sede a 75 km da capital do

estado, Aracaju. Localizado entre as faixas do agreste e do sertão, a uma altitude de 293

metros, o município apresenta características heterogêneas em uma faixa de transição

morfoclimática na qual se encontra a diversidade nas formas naturais do clima, relevo,

vegetação, hidrografia e solos. CPRM (Serviço Geológico do Brasil).

Parcialmente inserido na área do Polígono das Secas, apresenta um regime

pluviométrico marcado por extrema irregularidade de chuvas. Vale frisar que os

aspectos físicos interferem na produção, mas não determinam diretamente as safras. A

pequena propriedade geralmente na porção agreste do município, segundo JESUS

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(2006. P. 18) “caracterizam por pouca terra e não produz o suficiente para a sua

reprodução, necessitando complementar a renda familiar vendendo força de trabalho.”

No espaço rural de Ribeirópolis a agropecuária constitui uma importante atividade

desenvolvida no meio rural, mas não é a única fonte de renda para manutenção e

permanência das famílias no campo. A diversidade de realidades dos atores sociais

presentes nesse município demonstra a necessidade de investigá-las.

A indústria e o comércio tem registrado um crescimento no que se refere ao nível de

empregos e número de estabelecimentos distribuidos em espaços híbridos. A produção

agropecuária não perdeu espaço, visto que continua gerando a renda de algumas

famílias tanto da zona rural como urbana. A renda no meio rural passou a ter fontes

distintas evidenciadas no aumento de benefícios previdenciários e sobretudo no trabalho

feminino.

Parafraseando Doreen Massey (2000, p. 179), no espaço geográfico, muitos fatores

estão fortemente determinados pelas forças econômicas, mas não é só a acúmulo

material que defini “nossa experiência de espaço e lugar”. Nesse compasso, a cidade

atrai os serviços e o campo atrai as indústrias. Os setores secundário e terciário vêm

ganhando espaço no município empregando principalmente a população jovem.

Atualmente existem três fábricas em Ribeirópolis: uma indústria beneficiadora de

algodão, uma fábrica de calçados e uma fábrica de brinquedos instalada no povoado.

A pluriatividade na agricultura familiar brasileira

No Brasil, as discussões sobre a pluriatividade na agricultura familiar começaram,

sistematicamente, em meados da década de 90 com estudos de Schneider e Sacco dos

Anjos entre 1994 e 1995 na conjuntura sulista ao retrataram situações típicas de part

time farming praticadas por agricultores familiares do Brasil meridional.

Nos últimos anos, os estudos desenvolvidos sobre esse tema vêm ganhando espaço nos

projetos e trabalhos científicos acerca dos novos segmentos da agricultura e as

perspectivas de desempenho econômico como estratégia de reprodução social nas

unidades familiares.

Na segunda metade dos anos 90, o Projeto Rurbano, concebe um importante marco com

o desígnio de pesquisar as tendências de ocupação no meio rural brasileiro a partir das

análises dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), do IBGE

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aproximando ao estudo da emergência do que se convencionou chamar de "novo rural

brasileiro".

Destarte, muitos autores têm debatido o significado deste "novo rural brasileiro", bem

como questionado se “a pluriatividade é um novo fenômeno ou um novo olhar sobre o

mesmo rural.” (LOPES, 2009). Graziano (2000) explica o termo “novo rural”

colocando-o entre aspas porque muitas dessas atividades, na verdade, são seculares no

país, mas não tinham até recentemente importância econômica. Sacco dos Anjos (2001)

entende o “novo rural” como a expressiva emergência e/ou ampliação de atividades não

agrícolas no campo nacional e da pluriatividade praticada pelos residentes no meio

rural.

Carneiro (1996) argumenta que a pluralidade tanto pode ser vista como um fenômeno

antigo, como recente. Estes tipos de rendimentos exteriores sempre estiveram presentes

na sociedade rural. Por outro lado, podemos considerá-los como aspecto recente "se

atentarmos para suas características específicas, decorrentes do contexto econômico e

social que as engendrou na atualidade" (Carneiro, 1996, p.94).

Diante das diferentes convicções sobre essa configuração do rural a pluriatividade surge

como uma estratégia de manutenção das famílias rurais no campo. Ao considerar a

pluriatividade como uma “nova perspectiva de reprodução social”, Carneiro (1996),

pautada em literatura nacional e internacional, discute a emergência de uma nova

categorial social a partir da articulação das unidades de produção com o sistema

nacional, de acordo com as condições de produção no nível local. Segundo Carneiro,

um dos traços característicos desse debate é sua interdisciplinaridade, que comporta

tanto uma perspectiva histórica quanto análises de economistas rurais, agrônomos,

geógrafos e sociólogos. Se a pluriatividade for entendida como um fenômeno que ultrapassa a necessidade de uma resposta à crise atual da agricultura, a tendência é considerar o pluriativo como embrião de uma nova camada social, “moderna”. Retomando H. Lamarche, essa nova categoria social se distinguiria das outras por ser portadora de um sistema de valores próprios, que não corresponde nem ao urbano nem ao rural. Assim, é por meio dela que se operam as grandes transformações da sociedade rural. (CARNEIRO, 1996)

Portanto, muitos autores que discutem as questões relacionadas à agricultura familiar e

o mundo rural na sociedade contemporânea consideram o fenômeno da pluriatividade

como uma categoria social. Assim, torna-se necessário compreender o conceito de

pluriatividade para se investigar a importância e as características das atividades

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pluriativas como instrumento de compreensão das transformações socioeconômicas

vigentes. O conceito de Pluriatividade permite a conjunção das atividades agrícolas com outras atividades que gerem ganhos monetários e não-monetários, independentemente de serem internos ou externos à exploração agropecuária. Isso permite considerar todas as atividades exercidas por todos os membros dos domicílios, inclusive as ocupações por conta própria, o trabalho assalariado e o não-assalariado, realizados dentro e/ou fora das explorações agropecuárias. ”(Graziano da Silva, 2000, p. 9).

Esse tipo de atividade praticada fora do domicílio rural denominada pluriatividade

refere-se, em linhas gerais, a situações em que os indivíduos que fazem parte desses

domicílios, buscam por atividades econômicas e produtivas não diretamente ligadas ao

cultivo da terra, ou seja, não exclusivamente agrícolas. A pluriatividade pode ser

entendida também, segundo Schneider (2001), como Uma estratégia de reprodução social da qual se utilizam as unidades agrícolas que operam, fundamentalmente, com base no trabalho da família, em contextos onde sua integração à divisão social do trabalho não decorre exclusivamente dos resultados da produção agrícola, mas, sobretudo, através do recurso às atividades não-agrícolas e mediante a articulação com o mercado de trabalho. Nesse sentido, o autor argumenta que, embora integradas ao ordenamento social e econômico, essas unidades familiares encontram espaços e mecanismos não apenas para subsistir, mas para se afirmar como uma forma social de organização do trabalho e da produção de características multivariadas. (SCHNEIDER, 2001, p. 32)

Em outros casos, a pluriatividade serve, ainda, para mostrar a transição da própria

função da agricultura. Segundo Mattei (2005), A pluriatividade se apresenta hoje como

um setor “plurifuncional”, que não deve ser analisado apenas pela sua eficiência

produtiva, mas também pela sua contribuição na preservação ambiental e na própria

dinamização do espaço rural. (MATTEI, 2005)

Nos estudos de Wanderley (1997), a pluriatividade é entendida como a prova da

capacidade de adaptação da agricultura familiar aos novos contextos sociais, sendo um

mecanismo pelo qual pode-se assegurar a permanência dessas famílias na agricultura e

no meio rural. Desse modo, Nascimento (2005) enfatiza que,

O termo pluriatividade se refere à análise das atividades realizadas, em adição à atividade agrícola stricto sensu, tais como o assalariamento em outras propriedades, o processamento de alimentos, outras atividades não agrícolas realizadas na propriedade, como o turismo rural e as atividades fora da fazenda, referentes ao mercado de trabalho urbano, formal ou informal. Enfim, trata-se, grosso modo, da combinação de atividades agrícolas e não agrícolas no interior da unidade familiar – dentro ou fora do estabelecimento. (NASCIMENTO, 2005, p. 8)

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Segundo Alentejano (1999) a pluriatividade é tida como a diversificação das formas de

organização na agricultura, com multiplicação de estratégias de produção dos

agricultores, incluindo o recurso a outras formas de atividades, seja assalariamento

urbano, transformação industrial ou artesanal da produção agrícola, seja o

desenvolvimento de atividades terciárias.

Diante das diversas abordagens e concepções teóricas acerca do entendimento da

pluriatividade na agricultura familiar é possível perceber há consenso entre os atores

citados sobre o fenômeno da pluriatividade, embora cada um defenda a abordagem de

acordo com suas matrizes teórica e métodos que podem ser aplicadas a realidades

distintas.

Procedimentos metodológicos

Segundo Milton Santos (2009), a técnica é “a principal forma de relação entre o homem

e a natureza” definida como “um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os

quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço.” (p.29). Torna-

se importante compreender que na organização do espaço esse conjunto de

“instrumentos”, denominado técnica, ao ser utilizado pela sociedade permite a relação

do homem com a natureza e com seu semelhante através da produção do trabalho

construindo e reconstruindo o espaço geográfico.

A pesquisa está estruturada em levantamento bibliográfico sobre as diversas abordagens

interdisciplinares que permitem entender o processo e a dinâmica do espaço rural.

Foram realizados estudos sobre as temáticas pluriatividade, agricultura familiar, gênero,

identidade, artesanato a partir referências teóricas basilares: Blay (2009), Bruschini

(1998), Castells (1999), Cruz (2002, 2005, 2009), Graziano da Silva (1996, 2000),

Giddens (2000), Guimarães (2001), Hirata (1999, 2010), Lopes (2009), Moreira (2007),

Nascimento (2005); Neves (2000), Schneider (1994, 1999, 2003, 2006), Teixeira

(2009), Veiga (2002).

A família rural constitui uma unidade de análise nessa pesquisa por ser considerada

uma instituição social capaz de acompanhar a dinamicidade das relações

socioeconômicas, políticas e culturais que possam retratar a pluriatividade. Chayanov

(1974) foi um dos primeiros estudiosos a estudar a organização interna das famílias

camponesas. Autores como Schneider (2003), Carneiro (1996), Del Grossi; Graziano

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da Silva (1998), Nascimento (2005) tem como unidade central em seus estudos a

família com uma abordagem direcionada ao estudo dos elementos internos da unidade

familiar.

Segundo Moreira (2007, p. 65) “De fato, a família constitui-se numa unidade analítica

para o estudo da pluriatividade, mas não deve ser o único elemento, porque a

pluriatividade e o desenvolvimento de atividades não-agrícolas incorporam variáveis

endógenas (família) e exógenas (contexto regional e local).

Com respaldo nesses autores, nas famílias agrícolas da comunidade Serra do Machado

foram estudadas as artesãs cooperadas e não-cooperadas por meio de entrevistas e

relato de experiências, por amostra aleatória.

Na realização da pesquisa de campo foram seguidos alguns pressupostos

metodológicos de Bruschini (1992, 1994) privilegiando os estudos qualitativos, as

histórias de vida e as pesquisas-participantes. Nessa fase foram entrevistadas nas

unidades familiares 16 artesãs vinculadas à cooperativa, 4 artesãs não cooperadas e 6

artesãs que deixaram o ofício para tornarem-se assalariadas no setor industrial.

Adotou-se como unidade de escala o município de Ribeirópolis com trabalho de campo

realizado no povoado Serra do Machado nas unidades familiares e Cooperativa das

Produtoras de Artesanato Serra do Machado. Vale frisar que a cooperativa conta com o

trabalho e presença de mulheres residentes em povoados circunvizinhos como Esteios,

João Ferreira e Fazendinha, além de artesãs do município de Moita Bonita/SE.

Adotou-se como variável metodológica a atividade do artesanato realizada por

mulheres do território batizado por elas como “A Grande Serra”. A organização do

espaço é determinada pela tecnologia, pela cultura e pela dinâmica da sociedade.

Atividades não agrícolas na reorganização do espaço rural de Ribeirópolis/SE

O espaço rural está submetido a mudanças socioespaciais, econômicas e culturais a

partir da composição de novas funções, novas relações de trabalho que implicam nas

relações de gênero. Portanto, em Ribeirópolis as famílias rurais produzem e

reorganizam o espaço construindo territorialidades a partir da socialização.

As mulheres, geralmente restritas aos espaços privados e ao cumprimento de tarefas

domésticas vivem um processo de simbiose ao incorporar novas ocupações, quase

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sempre fora de seus lares, mas sem abandonar práticas reminiscentes. Seja no setor

formal ou informal a presença da mulher é marcante e significativa.

Castells (1999), assume que a participação das mulheres nos espaços públicos é um

indicativo do enfraquecimento do patriarcalismo. Segundo o autor,

A entrada maciça de mulheres na força remunerada, de um lado, deve-se à informatização, interação em rede e globalização da economia e, de outro, à segmentação por gênero que aproveita de condições sociais específicas da mulher para aumentar a produtividade, o controle gerencial e, consequentemente, os lucros (CASTELLS, 1999, p. 194-197).

O poder patriarcal ainda presente na sociedade é questionado e refutado, sobretudo pela

presença das mulheres no mundo do trabalho. Parafraseando Gouveia (2003, p. 48), nas

famílias rurais, geralmente as mulheres, ao desenvolverem atividades não-agrícolas e

pluriativas estão buscando a emancipação e cidadania. Gouveia (2003) argumenta que,

Ainda que os dados apresentados não façam referência direta à dimensão da pluriatividade na agricultura familiar, pode-se fazer inferências sobre quem são as pessoas que, com mais frequência, atuam para além do especificamente agrícola, principalmente no contexto dos debates sobre o “novo rural” e os modos como outras dimensões econômicas – como serviços, turismo, artesanato, gastronomia e até mesmo um certo modo de vida – vêm sendo reforçadas nos discursos e políticas como alternativa eficaz para o desenvolvimento rural. (GOUVEIA, 2003, p. 46).

Para algumas gerações bordar e costurar eram atividades de laser de cunho cultural.

Hodiernamente, essa ocupação passa por um processo de ressignificação conquistando

caráter socioeconômico simbólico. Com a iniciativa da Fundação Pedro Paes

Mendonça, a Cooperativa das Produtoras de Artesanato Serra do Machado foi criada no

ano de 2004. Bordadeiras e costureiras do povoado e comunidades circunvizinhas foram

reunidas no prédio da antiga mercearia do Sr. Pedro Paes Mendonça onde dispunham de

máquinas de costura e outros equipamentos.

Anos depois foi construída, no povoado, a Galeria Serra do Machado transferindo a

cooperativa. A maioria das cooperadas expõem suas peças artesanais tanto na Galeria da

Serra como em um dos Shoppings de Aracaju, onde contam com uma loja para vendas,

outras mantêm um ateliê em sua própria residência.

O saber fazer é transmitido para as mais jovens que aprendem a bordar, fazer crochê,

pintar tecidos, costurar, criar bonecas de pano dentre outras atividades. A geração de

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meninas artesãs aprende a fazer as peças motivas na renda que pode ajudar a manter

alguns gastos sejam pessoais ou da própria família. Durante algumas entrevistas foi

comprovado que os rendimentos das jovens artesãs estudantes é difere substancialmente

do auferido pelas artesãs profissionais que passam parte do dia trabalhando em suas

criações e encomendas.

Para os atores sociais de Ribeirópolis, especialmente as mulheres o trabalho autônomo é

um desafio diário que precisa de empenho e dedicação. Embora ainda configure-se

como renda complementar, o artesanato praticado ao longo de gerações é ensinado pelas

artesãs mais velhas aos mais jovens mantendo a tradição e significado da cultura

popular.

Por meio de relatos de algumas artesãs pode-se constatar que, geralmente a técnica

desenvolvida pelas artesãs depende da criatividade individual, assim, cada uma é

responsável por todas as fases da produção da mercadoria. No entanto, o vínculo delas

constitui o fortalecimento da cooperativa e um sentimento de pertencimento e

identidade.

Na comunidade de Serra do Machado a identidade manifestada entre as pessoas que

vivem ou viveram parte da vida nesta localidade é algo significativo. A expressão “sou

da Serra” usada inclusive por pessoas que migraram há muitos anos pode ser entendido

como manifestação da identidade.

Segundo Tuan, os vestígios materiais e imateriais da cultura e economia de cada povo

revelam a sua topofilia, ou seja, “o elo afectivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente

físico”(Tuan, 1980, p. 13).

Com a instalação de uma fábrica nacional de brinquedos no povoado Serra do Machado

há pouco mais de um ano muitas artesãs deixaram seus ofícios em busca do emprego

assalariado com regulamentação trabalhista. O setor industrial atrai mão de obra jovem,

sobretudo feminina, residente nos povoados e na zona urbana. Com funcionamento

contínuo, além de movimentar a economia do município a fábrica aumentou o fluxo de

transportes e migrações pendulares de funcionários residentes na cidade.

De acordo com informações obtidas em entrevista com um dos dirigentes da fábrica,

85% dos postos de trabalho estão ocupados pelo sexo feminino, entre 18 e 24 anos

residentes no município. De acordo com o dirigente entrevistado não é exigido

experiência profissional para ocupar alguns postos de trabalho na fábrica por isso a

maioria dos funcionários garantiu o primeiro emprego. Quanto à seletividade de gênero

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o entrevistado afirmou que não existe, haja vista que homens e mulheres ocupam

funções e recebem salários semelhantes. Porém, de acordo com as funcionárias

entrevistadas os homens que operam as máquinas tem salários diferenciado das

mulheres que ficam na produção de bonecas.

À luz dos dados transversais colhidos em pesquisas domiciliares, na cooperativa de

artesanato e na fábrica as informações foram articuladas. Os relatos de experiências das

artesãs demostraram que a princípio a maioria almeja um trabalho formal registrado em

carteira com todos os direitos usuais de seguridade social. Porém manter o vínculo

formal no “circuito relativamente mais protegido do mercado de trabalho”

(GUIMARÃES, 2001, p. 96) da localidade é uma tarefa desafiadora para as mulheres

que obtinham uma renda “razoavelmente equilibrada” com autonomia e flexibilidade de

tempo na cooperativa.

Um número significativo de artesãs empregadas na indústria, sobretudo aquelas que

aplicam a técnica do patchwork pediram demissão logo nos primeiros meses e voltaram

a confeccionar suas peças na cooperativa. A maioria das entrevistadas relatou ter origem

em família de pequenas propriedades agrícola. As atividades agropecuárias geralmente

são realizadas por seus pais ou cônjuges embora sejam pouco comercializados, visto

que a maioria dos produtos é consumida pela família.

O mapeamento das atividades realizadas pelas artesãs entrevistadas permite classificar o

setor de serviços e comércio como o mais ocupado por elas. Na cooperativa

identificamos artesãs com múltiplas técnicas desde práticas tradicionais como o crochê,

rendendê, tricô, ponto cruz a técnicas modernas como os bordados de fitas, apliques em

petchwork, confecção de bonecas e enxovais. Algumas são cabeleireiras, comerciantes,

funcionárias públicas, operárias dentre tantas outras profissões.

A maioria afirmou que mesmo com a inserção no mercado de trabalho continua

responsável pelas tarefas domésticos da família. Corrobora-se com Cruz (2009) ao

afirmar que, “as mulheres ainda carregam a total responsabilidade do trabalho doméstico, no

âmbito da família, executam as tarefas cotidianas, os cuidados e a educação das crianças, de tal

forma que o cotidiano daquelas que trabalham ainda está marcado no mínimo por uma tripla

jornada de trabalho.” (CRUZ, 2009, p. 113)

Resultados preliminares

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As discussões fomentadas neste trabalho permitem enfatizar que a pluriatividade e a

inserção de mulheres no mercado de trabalho constituem marcos importantes para se

pensar o desenvolvimento rural.

Com a criação da Cooperativa das Produtoras de Artesanato Serra do Machado, nos

últimos anos o artesanato ganha visibilidade e mercado. As mulheres rurais produtoras

dessa arte ao auferir renda constituem estratégias de reprodução e permanência das

famílias agrícolas no espaço rural confirmando a redução das migrações rurais.

Face às mudanças estruturais e conjunturais presentes no espaço rural, a pluriatividade

presente na agricultura familiar ganha visibilidade, todavia não é a única possibilidade

para proporcionar o desenvolvimento rural. Portanto, políticas públicas devem ser

elaboradas de modo a contemplar as diversidades locais, territoriais e regionais.

Os resultados obtidos no trabalho de campo articulado aos paradigmas teóricos

alicerçados ao longo da pesquisa permitem romper definitivamente com a visão de um

rural estritamente agrícola e setorial. Imerso nas brumas do tempo entre o tradicional e

o moderno o espaço rural torna-se plural e heterogêneo, portanto passa a incorporar

outras funções e deve ser visto além do agrícola, ou seja, há uma multiplicidade de

atividades, ocupações e atores que configuram o território.

Diante disso, a população adquire aos poucos alguns hábitos urbanos no convívio entre

o tradicional e o moderno num processo dialético de perda e (re)construção de

identidade que merece uma investigação aprofundada.

No âmbito das questões relacionadas à produção do espaço é possível compreender a

pluriatividade como um fenômeno revestido de novas dinâmicas, novas funções, novos

atores presentes nas famílias agrícolas responsáveis pela reorganização do espaço e seus

territórios capazes de gerar renda e construir identidade.

Entre o percurso da cooperativa e o chão da fábrica mulheres tecem suas histórias em

busca de remuneração própria, fora da unidade de produção familiar, para compensar a

falta de renda oriunda da agricultura e, sobretudo, para neutralizar as relações desiguais

de gênero. De fato, as mulheres entrevistadas revelaram que com o trabalho externo,

embora pouco remunerado é uma conquista almejada por aquelas que continuam

desempregadas. A maioria das artesãs relataram que contribuem com a renda e

gerenciamento, embora o homem, seja na figura do pai ou esposo, continue sendo o

chefe da família, poucas são as exceções.

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Quanto ao papel das mulheres, sobretudo artesãs, evidencia-se que o trabalho não-

agrícola remunerado contribuem de forma significativa no orçamento doméstico,

embora a maioria não responda como chefe da família.

A partir dos relatos registrados nas entrevistas percebe-se que algumas mulheres através

da entrada e permanência no mercado de trabalho conquistam, gradualmente, alguns

avanços rompendo velhas dicotomias e divergências dos resquícios patriarcais.

A contribuição das mulheres artesãs no espaço rural de Ribeirópolis demonstra

conquistas de atitudes modernas em espaços públicos e, possivelmente, a construção de

identidade a partir da valorização de práticas tradicionais. Corroborando com Giddens,

“a tradição continua a florescer em toda parte em versões diferentes”. (GIDDENS,

2000, p. 53).

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