planejamento estratÉgico em sÃo joÃo da barra (rj): o...
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PLANEJAMENTO ESTRATGICO EM SO JOO DA BARRA (RJ): O
DESENVOLVIMENTO URBANO SOB A TICA DO PLANO DIRETOR DE 2006
RAQUEL CHAFFIN CEZARIO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO UENF
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM POLTICAS SOCIAIS
Campos dos Goytacazes RJ
Maio de 2014
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II
PLANEJAMENTO ESTRATGICO EM SO JOO DA BARRA (RJ): O
DESENVOLVIMENTO URBANO SOB A TICA DO PLANO DIRETOR DE 2006
RAQUEL CHAFFIN CEZARIO
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa
de Ps-Graduao em Polticas Sociais do Centro de
Cincias do Homem da Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro UENF, como
parte das exigncias para a obteno do ttulo de
Mestre em Polticas Sociais.
Orientador: Prof. Rodrigo da Costa Caetano
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO UENF
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM POLTICAS SOCIAIS
Campos dos Goytacazes RJ
Maio de 2014
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III
PLANEJAMENTO ESTRATGICO EM SO JOO DA BARRA (RJ): O
DESENVOLVIMENTO URBANO SOB A TICA DO PLANO DIRETOR DE 2006
RAQUEL CHAFFIN CEZARIO
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa
de Ps-Graduao em Polticas Sociais do Centro de
Cincias do Homem da Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro UENF, como
parte das exigncias para a obteno do ttulo de
Mestre em Polticas Sociais.
Aprovado em 27 de maio de 2014
Comisso Examinadora
__________________________________________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo da Costa Caetano - UENF (Orientador)
__________________________________________________________________________
Prof. Dr. Jussara Freire (UFF)
__________________________________________________________________________
Prof. Dr. Jos Luis Vianna da Cruz (UFF)
__________________________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz de Pinedo Quinto Junior (IFF)
Campos dos Goytacazes RJ
Maio de 2014
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IV
Em memria de Tio Landinho.
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V
Para meus pais, Reginaldo Trindade
Cezario e Mrian Ramos Chaffin Cezario, por seu
amor incondicional.
Para Miquias Chaffin Cezario, por ser o
melhor irmo do mundo.
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VI
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeo ao meu Deus pelo dom da vida, por suas misericrdias e seu
amor sem fim. Este trabalho foi colocado em Suas mos e eu creio que toda a inspirao e
capacitao para faz-lo veio do Senhor, o Autor da minha f! Obrigada, meu Pai, por renovar
minhas foras quando eu pensava em desistir e por me dizer constantemente: (...) Seja forte e
corajoso! No se apavore, nem desanime, pois o Senhor, o seu Deus, estar com voc por
onde voc andar. (Josu 1.9).
Meus queridos papai e mame, simplesmente obrigada por tudo! Sou muito abenoada
por t-los em minha vida! Agradeo pelo apoio e compreenso, por me deixarem alar voo e,
ao mesmo tempo, ser meu cho, firme e forte. Vocs so o que Deus me deu de melhor nessa
vida e palavras no so capazes de expressar o amor que sinto. Tambm agradeo ao meu
querido irmo por me amar tanto (muito mais do que eu mereo) e ser um exemplo de vida
para mim.
De maneira geral, agradeo ao meu alicerce, minha famlia, em especial minha
vozinha Nilza, pelas oraes e sbios conselhos que tanto me edificam. Sem dvida, a senhora
a minha segunda me. Eu a amo de todo corao! Meu tio querido, que infelizmente no
est mais aqui comigo, voc tambm tem o meu mais sincero agradecimento. Para mim foi
uma grande perda, mas eu sabia que voc no ia querer que eu parasse, que eu desistisse, j
que eu havia chegado at aqui. Ento, consegui tio! Terminei mais um trabalho!
O que seria de mim sem meus amigos? Obrigada a todos que estiveram ao meu lado e
que so verdadeiros irmos para mim. Agradeo em especial a duas pessoas: Luceni Maciel
de Oliveira dos Santos e Matheus Oliveira dos Santos. Tenho a senhora como inspirao pela
fora, garra e sensibilidade em atender s necessidades dos outros. Admiro sua honestidade e
seu carter, alm do profissionalismo e a dose de amor que a senhora coloca em tudo o que
faz. Obrigada pela ajuda nos momentos em que precisei! Matheus, obrigada por ser meu
motorista, guarda-costas e assistente de campo, alm de ser meu melhor amigo, presente de
Deus para mim! Voc sabe o quanto especial e o quanto eu o admiro pelo bom corao que
voc possui. Vocs so grandes amigos, que guardo no lado esquerdo do peito!
Outra pessoa que no posso deixar de agradecer a querida Dr. Vernica Soares
Siqueira Barreto! Poucas pessoas so to profissionais e, ao mesmo tempo, to amigas quanto
a senhora foi para mim. Sou muito grata por todas as consultas fora de hora e no agendadas,
pelo apoio e incentivo durante essa fase em que convivemos! Que Deus a ilumine e a
conserve essa pessoa maravilhosa!
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VII
Agradeo aos entrevistados e a todos aqueles que, de alguma forma, participaram da
pesquisa. Sem vocs, nada disso seria possvel!
Agradeo aos professores que me deram aula no decorrer do mestrado, por suas ricas
contribuies intelectuais, e aos meus colegas de turma! Obrigada por me elegerem
democraticamente para ser Representante Discente e por todas as horas de estudo que
passamos juntos. Agradeo, em especial, a Carina Gomes de Oliveira por me aturar durante 6
anos e ser minha amiga de laboratrio!
Agradeo ao meu orientador, Prof. Rodrigo da Costa Caetano, primeiramente por
aceitar o desafio que foi elaborar essa pesquisa e, especialmente, por todo o apoio concedido,
principalmente nessa fase final e to difcil. Obrigada Professor pelas orientaes, dicas e
conselhos. Tambm deixo o meu obrigada FAPERJ/UENF, por possibilitar a realizao
desse trabalho atravs do financiamento e da estrutura fsica para que eu pudesse trabalhar e
elaborar essa pesquisa.
Enfim, agradeo a todos que direta ou indiretamente colaboraram com essa dissertao
e acompanharam cada etapa desses dois curtos/longos anos de mestrado.
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VIII
SUMRIO
ndice de Mapas ................................................................................................................. p.10
ndice de Figuras ................................................................................................................ p.10
ndice de Grficos .............................................................................................................. p.10
ndice de Tabelas ................................................................................................................ p.10
Resumo ................................................................................................................................ p.11
Abstract ............................................................................................................................... p.12
Apresentao....................................................................................................................... p.13
1. Introduo ...................................................................................................................... p.15
1.1 So Joo da Barra em Perspectiva ..................................................................... p.16
1.1.1 Questes de Pesquisa ................................................................................. p.21
1.1.2 Objetivo Geral ............................................................................................ p.22
1.1.3 Objetivos Especficos ................................................................................. p.22
1.1.4 Justificativa ................................................................................................ p.22
1.2 Categorias e Conceitos para uma Compreenso do Planejamento Urbano ...p.23
1.2.1 Planejamento e Gesto: pensando o presente e o futuro ............................ p.24
1.2.2 Desenvolvimento urbano: o objetivo do planejamento e da gesto
urbanos........................................................................................................ p.25
1.2.3 Instrumentos e Parmetros Urbansticos .................................................... p.27
2. Captulo I Fundamentos e Procedimentos Terico-Metodolgicos para a Realizao
de um Estudo de Caso sobre o Planejamento Urbano em So Joo da Barra
.......................................................................................................................................... p.29
2.1 Embasamento Terico ......................................................................................... p.29
2.1.1 Nova Sociologia Urbana: a Escola Marxista Francesa ............................p.37
2.1.2 Uma Anlise do Fenmeno Urbano e do Processo Histrico da Urbanizao
Segundo o Pensamento de Manuel Castells ............................................... p.39
2.1.3 O Estado e a Questo Urbana: os estudos de Jean Lojkine ....................... p.50
2.2 Metodologia ....................................................................................................... p.61
2.2.1 Coleta de Dados ......................................................................................... p.63
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IX
2.2.2 Procedimentos Analticos .......................................................................... p.64
3. Captulo II Cidadania e Cidade: o direito vida urbana ........................................p.66
3.1 As Polticas Sociais no Contexto Urbano: a moradia, o saneamento e o
transporte como um direito ........................................................................................ p.68
4. Captulo III O Planejamento Estratgico Urbano: caminhos do Plano Diretor de
So Joo da Barra ......................................................................................................... p.76
4.1 Elaborao e Reviso do Plano Diretor de 2006: pensando o espao urbano de
So Joo da Barra ................................................................................................ p.77
4.2 A Questo da Moradia e do Planejamento Urbano em So Joo da Barra.....p.85
4.3 Saneamento em So Joo da Barra: o direito qualidade de vida ................. p.87
4.4 Mobilidade Urbana: a poltica de transporte em So Joo da Barra ............. p.91
5. Consideraes Finais ................................................................................................... p.106
6. Referncias Bibliogrficas .......................................................................................... p.109
ANEXO 1 .......................................................................................................................... p.112
APNDICE 1 .................................................................................................................... p.118
APNDICE 2 .................................................................................................................... p.121
APNDICE 3 .................................................................................................................... p.122
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ndice de Mapas
Mapa 1 Localizao do Municpio de So Joo da Barra (RJ) ................................................ p.17
Mapa 2 Diviso Distrital do Municpio de So Joo da Barra (RJ) ......................................... p.18
Mapa 3 Localizao do Distrito Industrial de So Joo da Barra e da Zona Industrial do Porto do
Au .............................................................................................................................................. p.21
Mapa 4 Macrozoneamento de So Joo da Barra .................................................................... p.90
Mapa 5 Sistema Virio de So Joo da Barra .......................................................................... p.97
Mapa 6 Mobilidade Urbana em So Joo da Barra Integrao do seu Territrio ................. p.98
Mapa 7 Mobilidade Urbana em So Joo da Barra Ciclovias ............................................... p.99
Mapa 8 Corredor Logstico .................................................................................................... p.113
ndice de Figuras
Figura 1 Estrutura Acionria da PRUMO .............................................................................. p. 20
Figura 2 O Empreendimento .................................................................................................. p.112
Figura 3 - Vista Area do Complexo Industrial do Superporto do Au em Nov. de 2007........ p.114
Figura 4 - Vista Area do Complexo Industrial do Superporto do Au em Set. de 2008.......... p.114
Figura 5 - Vista Area do Complexo Industrial do Superporto do Au em Ago. 2009 ............ p.115
Figura 6 - Vista Area do Complexo Industrial do Superporto do Au em Ago. de 2010 ....... p.115
Figura 7 - Vista Area do Complexo Industrial do Superporto do Au em Abr. de 2011......... p.116
Figura 8 - Vista Area do Complexo Industrial do Superporto do Au em Ago. de 2012 ....... p.116
Figura 9 - Vista Area do Complexo Industrial do Superporto do Au em Jul. de 2013 ......... p.117
Figura 10 - Vista Area do Complexo Industrial do Superporto do Au em Fev. de 2014 ...... p.117
ndice de Grficos
Grfico 1 Distribuio das Viagens Urbanas na Cidade do Rio de Janeiro ............................. p.73
Grfico 2 Evoluo Populacional do Municpio de So Joo da Barra ................................... p.93
Grfico 3 Frota de Veculos em So Joo da Barra, Rio de Janeiro e Brasil ........................... p.94
Grfico 4 Frota de Veculos em So Joo da Barra ................................................................. p.95
ndice de Tabelas
Tabela 1 Valor Adicionado Bruto a Preos Correntes (mil reais) ............................................ p.23
Tabela 2 Evoluo Populacional em So Joo da Barra entre 1991 e 2010 ............................ p.94
Tabela 3 Transporte Coletivo Municipal em So Joo da Barra ........................................... p.101
Tabela 4 Transporte Intermunicipal Campos x So Joo da Barra ........................................ p.104
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Resumo
RAQUEL CHAFFIN CEZARIO
Orientador: Prof. Rodrigo da Costa Caetano
Os estudos sobre o planejamento urbano foram, ao longo dos anos, adquirindo importncia
para se pensar a cidade e o seu ordenamento. Vinculado gesto, o planejamento, em sua
essncia, visa ao desenvolvimento urbano, que se manifesta no aumento da qualidade de vida
e da justia social de uma populao. O trabalho apresenta um estudo de caso realizado em
So Joo da Barra - RJ, que recebeu a instalao do Porto do Au no ano de 2007. Esse fato
suscitou o interesse em se pesquisar como o referido municpio tem preparado o ordenamento
do seu territrio. Para tanto, foi analisado o seu ltimo Plano Diretor, principal instrumento do
planejamento urbano no Brasil. Empreendeu-se uma anlise comparativa entre a sua
elaborao, no ano de 2006, e o seu processo de reviso, em 2013, considerando-se trs eixos:
habitao, saneamento e mobilidade urbana. Utilizou-se o mtodo indutivo, bem como as
tcnicas de avaliao documental e de entrevistas semiestruturadas. Objetivou-se estudar a
relao das aes voltadas para o planejamento estratgico (2006-2013) com as
transformaes decorrentes da implementao do Porto luz do desenvolvimento urbano e
no apenas do crescimento econmico. O que pde ser verificado que as aes do Estado
(poder pblico municipal), responsvel por articular o espao urbano, ainda so incipientes
para conduzir So Joo da Barra a um autntico desenvolvimento urbano, e que o Porto
trouxe melhorias para o municpio, mas essas tambm se traduziram mais em crescimento
econmico.
Palavras-chave: planejamento urbano, desenvolvimento urbano, Plano Diretor, So Joo da
Barra, Porto do Au.
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Abstract
RAQUEL CHAFFIN CEZARIO
Mentor: Teacher Rodrigo da Costa Caetano
Studies upon urban planning were, over the years, acquiring important to think about the city
and its ordering. Binds to the management, the planning, in its essence, seeks to urban
development, manifested in increased quality of life and social justice in a population. The
work presents a case study conducted in So Joo da Barra - RJ, who received the installation
of the Au Port in 2007. This fact raised the interest in research how the municipality has
prepared the ordering of its territory. Therefore, it was analyzed your last Plano Diretor
(Master Plan), the main instrument of urban planning in Brazil. Undertook a comparative
analysis between the drafting, in 2006, and its review process in 2013, considering three
areas: housing, sanitation and urban mobility. It used the inductive method, as well as the
techniques of documentary review and semi-structured interviews. Aimed to study the
relationship of actions for strategic planning (2006-2013) with the changes resulting from the
implementation of the Port in the light of urban development and not just economic growth.
What can be verified is that the actions of the State (municipal government), responsible for
articulating the urban space, are still incipient drive to So Joo da Barra an authentic urban
development, and that the Port has brought improvements to the municipality, but these also
translated more in economic growth.
Key words: urban planning, urban development, Plano Diretor (Master Plan), So Joo da
Barra, Au Port.
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Apresentao
A cidade, como espao construdo e habitado por cidados, foi historicamente
assumindo diferentes significaes e conceituaes. Cidade, do Latim civitas, originalmente
significa condio ou direitos de cidado. Cidado, do Latim cives, todo homem que
vive em cidade.1
Esse espao se tornou um objeto analisado sob perspectivas
interdisciplinares e tem sido (re)pensada sob diversos aspectos e distintas perspectivas.
Sob a relevncia que os estudos a respeito da cidade adquiriram, este trabalho tem por
objetivo ressaltar a importncia de seu planejamento e de sua gesto, tendo como fim ltimo o
aumento da qualidade de vida de seus cidados e a ampliao da justia social, ou seja, o
desenvolvimento urbano. sobre essa temtica que o presente estudo de caso realizado no
municpio de So Joo da Barra (RJ) analisa o processo de elaborao do seu Plano Diretor do
ano de 2006 e o seu processo de reviso em 2013, contemplando trs eixos fundamentais para
o bom funcionamento de um municpio, quais sejam, habitao, saneamento e mobilidade
urbana.
O interesse por esse objeto de estudo surgiu em decorrncia da recente instalao de
um grande empreendimento em So Joo da Barra, o Porto do Au, levando em considerao
no o aspecto ambiental ou econmico, mas o socioespacial. A ideia norteadora foi analisar
como um pequeno municpio recebe um relevante grupo empresarial e prepara o ordenamento
do seu territrio para tanto.
Por estar inserido em um programa interdisciplinar cujo foco so as polticas sociais, o
trabalho tambm se valeu da interdisciplinaridade para a sua elaborao e execuo, bem
como apresenta uma proposta social sobre a temtica. Assim sendo, a pesquisa est dividida
da seguinte forma: Introduo, Captulo I, Captulo II, Captulo III e Consideraes Finais.
Na Introduo apresenta-se o objeto da pesquisa e alguns conceitos e categorias que
formam a estrutura base do trabalho, estando dividida em dois tpicos: So Joo da Barra em
Perspectiva (que inclui as questes, os objetivos e a justificativa do estudo) e Categorias e
Conceitos para uma Compreenso do Planejamento Urbano (que se subdivide em trs tpicos:
Planejamento e Gesto: pensando o presente e o futuro; Desenvolvimento Urbano: o fim
ltimo do planejamento e da gesto urbanos; e Instrumentos e Parmetros Urbansticos).
O primeiro captulo do trabalho, intitulado Fundamentos e Procedimentos Terico-
Metodolgicos para a Realizao de um Estudo de Caso sobre o Planejamento Urbano
1Definies disponveis em: http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/condado/.
http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/condado/
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em So Joo da Barra, traz o embasamento terico da pesquisa e a descrio dos caminhos
que foram seguidos para a sua elaborao. Ele se inicia com o pensamento de Srgio Buarque
de Holanda, um importante historiador brasileiro, crtico literrio e jornalista, que em 1936
publicou Razes do Brasil, obra alicerada sobre uma metodologia dos contrrios, alargando e
aprofundando a velha dicotomia da refexo latino-americana.
O captulo prossegue trazendo uma discusso sobre a crise do planejamento e aponta
para o surgimento de uma cincia urbana, utilizando para tanto, como autor base, Christian
Topalov. Esse ponto se esbarra na questo urbana, tema abordado por Manuel Castells e
criticado por Jean Lojkine. Assim, pois, est estruturada a fundamentao terica do trabalho.
Logo aps, o captulo lista os procedimentos metodolgicos utilizados que levaram aos
resultados do estudo.
O Captulo II (Cidadania e Cidade: o direito vida urbana) versa acerca dos
conceitos de cidadania, democracia e direito, em especial o direito vida urbana (o direito
cidade de Henri Lefebvre). A discusso engloba o que so polticas sociais e como se deu o
seu desenvolvimento no Brasil. O foco, porm, so as polticas sociais que compem o grupo
da infraestrutura social, cujos eixos principais so: habitao, saneamento e mobilidade
urbana. O captulo se encerra abordando uma conquista para o planejamento estratgico
urbano brasileiro: o Estatuto da Cidade.
O Planejamento Estratgico Urbano: caminhos do Plano Diretor de So Joo da
Barra o ttulo do terceiro e ltimo captulo desse trabalho, que se inicia enfatizando o
principal instrumento da poltica de desenvolvimento urbano, que o Plano Diretor
Municipal. Nesse captulo so apresentados os resultados da anlise empreendida sobre dois
processos: elaborao e reviso do Plano Diretor de 2006 do municpio de So Joo da Barra.
A partir desse exame crtico, o captulo desenvolve os trs eixos (habitao, saneamento e
mobilidade urbana) no contexto sojoanense.
As consideraes finais trazem baila a tnica do estudo, apresentando algumas
concluses pertinentes s questes da pesquisa explanadas na Introduo. Tambm foi feito
um esforo intelectual de se pensar em uma proposta de poltica social para o municpio.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cr%C3%ADtico_liter%C3%A1riohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Jornalista
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1. Introduo
Um estudo de caso o exame detalhado de um contexto especfico. Sob essa assertiva,
o presente trabalho traz um estudo de caso que tem como recorte espacial o municpio de So
Joo da Barra e como recorte temporal o perodo compreendido entre 2006 e 2013,
(correspondente aos processos de elaborao 2006 e reviso 2013 do Plano Diretor
Municipal).
Ao empreender-se a anlise de um objeto, seus contornos histricos so relevantes
para a sua investigao. Assim sendo, esse estudo se inicia apresentando brevemente a
histria do municpio e dos seus primeiros habitantes.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE)2, So Joo
Barra, assim como toda a Regio Norte Fluminense, localizava-se nas terras correspondentes
Capitania de So Tom, ou Paraba do Sul, doada a Pero Gis da Silveira em 1534, quando
o Rei de Portugal dividiu o Brasil em capitanias hereditrias. Pero de Gis, contudo, s
chegou ao Brasil em 1539 e iniciou a construo de um aldeamento que recebeu, em 1540, a
denominao de Vila da Rainha (mais tarde transformada em Vila de Itabapoana, que se
tornou posteriormente um Distrito de So Joo da Barra e que hoje um municpio chamado
So Francisco de Itabapoana).
No aldeamento se promoveu o cultivo da cana-de-acar, mas com a volta de Pero de
Gis a Portugal e os constantes ataques dos ndios, as terras foram abandonadas. Ao regressar
de Portugal, Pero de Gis desistiu de reconstruir a Vila da Rainha e os ndios ocuparam as
terras, at serem expulsos pelos bandeirantes. Estes, no local onde hoje se ergue a Cidade,
estabeleceram um "pouso de tropas", iniciando o repovoamento da regio.
Os sucessores de Pero Gis renunciaram Capitania e parte dela, compreendendo o
local onde mais tarde seria fundada a Vila de So Joo da Praia, foi doada em 1627 a Antnio
Pacheco Caldeira, Antnio de Andrade e Domingos Pacheco. Por volta de 1630, novos
colonizadores se fixaram nas imediaes do "pouso de tropas" e da capela dedicada a So
Joo Batista da Barra.
Os colonos se dedicaram pesca, ao transporte de mercadorias, criao de gado e
cultura da cana, que deixou marcas profundas nas relaes sociais que se desenvolveram em
toda a regio. O municpio foi anexado Capitania do Esprito Santo segundo o Decreto de 1
2 Informaes disponveis em:
http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?lang=&codmun=330500&search=||infogr%E1ficos:-
hist%F3rico.
http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?lang=&codmun=330500&search=||infogr%E1ficos:-hist%F3ricohttp://www.cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?lang=&codmun=330500&search=||infogr%E1ficos:-hist%F3rico
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de junho de 1753, da qual s veio a se separar para integrar a Provncia Fluminense por fora
de Lei ou Carta de Doao de 31 de agosto de 1832.
Segundo informaes coletadas no site da Prefeitura de So Joo da Barra3, no sculo
XVIII cresceu a importncia do transporte fluvial entre a vila de Campos e a vizinhana com
o porto da Bahia, para onde seguia toda a produo aucareira, via So Joo da Barra. No
sculo XIX, com a vinda da Famlia Real para o Brasil, So Joo da Barra, que j vinha se
dedicando ao comrcio com o Rio de Janeiro, passou a suprir as necessidades da recm
instalada Corte. Em 1833, a Vila de So Joo da Praia passou a ser a Vila de So Joo da
Barra, e, em 1850, foi elevada condio de Cidade com a denominao de So Joo da
Barra, pela Lei provincial n 534, de 17-06-18504.
Econmica e socialmente, o municpio alcanou seu apogeu nesse sculo. Foi nesse
perodo que se inauguraram, com o auxilio do Imperador, a Santa Casa de Misericrdia, a
Usina Barcelos, duas Companhias de Navegao, uma Companhia Agrcola, uma Companhia
de Cabotagem, a Companhia da Valla Navegvel do Serto de Cassimbas, a Sociedade
Beneficente dos Artistas, que construiu em 1902 o Teatro So Joo, a Sociedade Martima
Beneficente, a Sociedade Musical e Carnavalesca Lira de Ouro, a Banda Musical Unio dos
Operrios, sucessora da extinta Lira de Ferro fundada anteriormente, e a loja Manica
Capitular Fidelidade e Virtude, datada de 24 de maro de 1839.
Entretanto, no sculo XX, mais precisamente em 1918, aps a venda da Companhia
de Navegao e a abertura da navegao de cabotagem a navios estrangeiros, So Joo da
Barra passou a se sustentar pelo surgimento da Indstria de Bebidas Joaquim Thomaz de
Aquino Filho, que perdurou durante todo este sculo. Apenas com a descoberta de petrleo na
bacia de Campos, o crescimento econmico retornou cidade, 150 anos aps a sua criao.
Hoje, So Joo da Barra tambm vivencia um momento importante em termos
econmicos, quando em 2007 o Porto do Au se instalou no municpio e trouxe a esperana
de desenvolvimento para seus muncipes.
1.1. So Joo da Barra em Perspectiva
O municpio sojoanense est localizado na Regio Norte do Estado do Rio de Janeiro.
Sua rea de unidade territorial corresponde a 455,044 Km2 e sua populao, de acordo com o
3Disponvel em: http://www.sjb.rj.gov.br/cidade.asp.
4Dados para acesso em:
http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?lang=&codmun=330500&search=||infogr%E1ficos:-
hist%F3rico.
http://www.sjb.rj.gov.br/cidade.asphttp://www.cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?lang=&codmun=330500&search=||infogr%E1ficos:-hist%F3ricohttp://www.cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?lang=&codmun=330500&search=||infogr%E1ficos:-hist%F3rico
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Censo realizado em 2010 pelo IBGE, de 32,747 habitantes. A populao estimada para o
ano de 2013 era de 33.951 habitantes. 5
Mapa 1 Localizao do Municpio de So Joo da Barra (RJ)6.
Fonte: Fundao Centro de Informaes e Dados do Rio de Janeiro (CIDE)7.
De acordo com a Lei n 115/08, de 31 de Dezembro de 2008, que dispe sobre o
Ordenamento Distrital do Municpio de So Joo da barra, a cidade ficou ordenada da
seguinte forma: 1 Distrito So Joo da Barra (Sede); 2 Distrito Atafona; 3 Distrito
Grussa; 4 Distrito Cajueiro; 5 Distrito Pipeiras (onde se encontra a localidade da Barra
do Au); 6 Distrito Barcelos.
5 Dados disponveis para consulta em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php?codmun=330500.
6 O mesmo est na faixa litornea com a cor verde.
7 Disponvel em: http://www.zonu.com/brazil_maps/North_Region_Map_Rio_Janeiro_State_Brazil.htm.
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php?codmun=330500http://www.zonu.com/brazil_maps/North_Region_Map_Rio_Janeiro_State_Brazil.htm
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Mapa 2 Diviso Distrital do Municpio de So Joo da Barra (RJ).
Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento de So Joo da Barra.
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Em relao ao seu macrozoneamento, o inciso XVI do artigo 35 da Lei Municipal
050/2006, que instituiu o novo Plano Diretor do Municpio de So Joo da Barra, dividiu o
territrio municipal nas macrozonas: rea Urbana; rea de Expanso Urbana; rea Rural;
rea Industrial; rea de Interesse Agroindustrial; rea de Interesse Pesqueiro; e rea de
Interesse Ambiental.
Uma hiptese a ser testada em relao ao Plano Diretor de 2006 a de que o mesmo
foi elaborado devido a um grande empreendimento que a cidade recebeu no ano de 2007: o
Complexo Industrial do Porto do Au8, classificado como o maior empreendimento porto-
indstria da Amrica Latina e considerado, de acordo com a LLX, hoje PRUMO, um dos trs
maiores complexos porturios do mundo, estendendo-se sobre cerca de 130 km.
Desde a sua instalao, o municpio passou a ser chamado por muitos como A Cidade
X, devido s iniciativas do empresrio Eike Batista no local9. O Plano Diretor ordenaria,
assim, o espao da cidade, planejando a expanso e o crescimento urbanos para que So Joo
da Barra estivesse preparado para os possveis impactos.
A LLX era uma empresa do grupo EBX, criada em maro de 2007, com o objetivo de
prover o pas com infraestrutura e competncias logsticas, principalmente para o setor
porturio. A empresa divulgou no dia 11 de dezembro de 2013 a alterao do nome da
companhia para Prumo. O nome, aprovado em Assembleia Geral Extraordinria (AGE)
realizada no dia 10 de dezembro, marca a nova fase da empresa, que desde outubro est sob o
mando do Grupo EIG10
, empresa que assumiu o controle da Prumo por meio da participao
em operao de aumento de capital privado no valor de R$ 1,3 bilho.
Na operao, iniciada em outubro de 2013 e concluda em dezembro do mesmo ano, o
acionista Eike Batista cedeu seu direito de preferncia ao Grupo EIG, que passou a deter 53%
do capital da companhia. O Sr. Eike Batista deixou o Conselho de Administrao da empresa,
mas continua sendo um acionista relevante, com aproximadamente 21%. O Grupo EIG um
8 Algumas informaes e imagens sobre o Porto esto disponveis no ANEXO I.
9 De acordo com Roberto Moraes (2013), o Sr. Eike Batista recebeu em 2008 da prefeita Carla Machado o ttulo
honorfico de Baro de So Joo. O Sr. Eike comprou diversas terras no municpio e planejou construir uma
cidade, a Cidade X, que depois teve o nome alterado para Bairro X devido presso poltica dos que temiam
que a viabilizao da construo de residncias para gerentes e trabalhadores qualificados dos seus
empreendimentos pudesse vir a ser o embrio de um novo municpio, apartado de So Joo da Barra. Roberto
Moraes ainda acrescenta que por aqui tambm salinizou terras, prometeu uma gesto integrada do territrio
(GIT) e mais de meia centena de milhares de empregos. (Blog do Roberto Moraes. O Baro de So Joo no
mais o controlador do Porto do Au. 29 de agosto de 2013. Disponvel em:
http://www.robertomoraes.com.br/2013/08/o-barao-de-sao-joao-nao-e-mais-o.html). 10
A EIG - Global Energy Partners um grupo de investimentos de capital institucional para o setor mundial de
energia. Para mais informaes, acessar: http://www.eigpartners.com/about-eig/.
http://www.robertomoraes.com.br/2013/08/o-barao-de-sao-joao-nao-e-mais-o.htmlhttp://www.eigpartners.com/about-eig/
-
20
fundo de infraestrutura que j investiu, em seus 31 anos de histria, cerca de US$ 15 bilhes
no setor atravs de mais de 280 projetos ou companhias em cerca de 33 pases. 11
Figura 1 Estrutura Acionria da PRUMO.
Fonte: http://www.prumologistica.com.br/pt/a-empresa/Paginas/estrutura-de-capital.aspx.
Em decorrncia da instalao do Porto em So Joo da Barra, a Companhia de
Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (CODIN), rgo responsvel pela
implementao de distritos industriais, criou o Distrito Industrial de So Joo da Barra
(DISJB) para receber possveis empresas que seriam atradas por esse empreendimento.
Dessa forma, um memorando de entendimentos foi firmado entre o Governo do
Estado e a empresa LLX Au Operaes Porturias S/A, que ficou responsvel por implantar
as infraestruturas de uso comum do DISJB e realizar o licenciamento ambiental do
empreendimento. (RIMA, 2011).
O DISJB uma grande rea prxima da costa, com 7.036 hectares, vizinha Zona
Industrial do Porto do Au - ZIPA. O conjunto de empreendimentos em andamento na ZIPA,
11
Dados disponveis em: http://www.prumologistica.com.br/pt/imprensa/Paginas/LLX-agora--Prumo.aspx.
http://www.prumologistica.com.br/pt/a-empresa/Paginas/estrutura-de-capital.aspxhttp://www.prumologistica.com.br/pt/imprensa/Paginas/LLX-agora--Prumo.aspx
-
21
mais os planejados para o DISJB, formam o Complexo Logstico e Industrial do Porto do Au
- CLIPA. (RIMA, 2011).
Mapa 3 Localizao do Distrito Industrial de So Joo da Barra e da Zona Industrial do Porto do
Au.
Fonte: RIMA, 2011, pg. 17.
Considerando as informaes apresentadas, foram elaboradas as questes de pesquisa
que nortearo a realizao do estudo proposto.
1.1.1. Questes de Pesquisa
Na maior parte dos casos, a chegada de um grande empreendimento em uma
localidade causa significativas mudanas em sua economia e em sua configurao
socioespacial. Tendo o municpio de So Joo da Barra como recorte espacial e considerando
-
22
a instalao do Porto no local e o atual Plano Diretor Municipal, surgiram as seguintes
questes de pesquisa:
1. Como ocorreu o planejamento urbano em So Joo da Barra, levando-se em
considerao a conjuntura poltica e econmica do municpio?
2. A instalao do Porto possibilitou o aumento da qualidade de vida da populao e da
justia social, ou seja, o desenvolvimento urbano?
1.1.2. Objetivo Geral
A partir dessas indagaes, o objetivo geral da pesquisa consiste em estudar as
recentes mudanas ocorridas em So Joo da Barra desde a instalao do Porto do Au
no municpio em relao ao planejamento urbano estratgico, para elucidar quais aes
do governo local foram implantadas visando ao desenvolvimento urbano. Portanto,
objetiva-se averiguar se houve apenas crescimento econmico desde o ano de 2007 no
municpio e em que medida o Porto influenciou na elaborao de planos estratgicos.
1.1.3. Objetivos Especficos
Os objetivos especficos visam alcanar o objetivo geral da pesquisa, aplicando-o s
seguintes situaes particulares:
1. Examinar o processo de elaborao do Plano Diretor de 2006;
2. Analisar o processo de reviso desse Plano Diretor;
3. Comparar os dois processos acima citados, ponderando-se os eixos de habitao,
saneamento e mobilidade urbana;
4. Propor a criao de cenrios com situaes intermedirias.
1.1.4. Justificativa
Ao observar o Produto Interno Bruto (PIB) do municpio desde o ano de 2005 (Tabela
1), verifica-se que, de 2007 (ano que o Porto se instalou no municpio) para 2008, houve um
crescimento no PIB de 216,54%. Na indstria, houve um crescimento de 302,65% de 2007
para 2008, e de 340,42% de 2007 para 2010. Esses dados demonstram que a chegada do Porto
em So Joo da Barra ocasionou significativas mudanas na economia local.
-
23
Produto Interno Bruto de So Joo da Barra
Ano Valor Adicionado
Bruto da Agropecuria
Valor Adicionado
Bruto da Indstria
Valor Adicionado
Bruto dos Servios PIB
2005 15.623 596.286 209.553 837.553
2006 17.046 823.959 227.690 1.092.718
2007 17.571 663.421 240.037 943.957
2008 17.285 2.671.268 265.384 2.988.011
2009 20.321 1.810.353 412.996 2.302.276
2010 20.310 2.921.881 475.741 3.844.707
Tabela 1 Valor Adicionado Bruto a Preos Correntes (mil reais)12
.
Fonte: IBGE, em parceria com os rgos Estaduais de Estatstica, Secretarias Estaduais de Governo e
Superintendncia da Zona Franca de Manaus - SUFRAMA13
.
Quando h crescimento econmico em uma localidade, h uma forte tendncia de
crescimento urbano. Logo, surge a necessidade de planos estratgicos que ordenem o
espao da cidade, e demandas por polticas destinadas ao acesso e ocupao do solo urbano.
O presente estudo, por conseguinte, se justifica pela importncia em se estudar o
planejamento urbano estratgico de So Joo da Barra, considerando-se a instalao de um
grande empreendimento que acarretou mudanas significativas na economia da cidade. Dessa
forma, a pesquisa contempla aspectos gerais da poltica urbana, do planejamento da cidade e,
fundamentalmente, sua principal ferramenta, o Plano Diretor Municipal atual.
1.2. Categorias e Conceitos para uma Compreenso do Planejamento Urbano
Antes de abordar especificamente o estudo de caso realizado, sero definidos os
conceitos e as categorias utilizadas no trabalho, com o objetivo de ampliar a discusso sobre a
temtica do planejamento urbano.
Conceitos so definies, ou caracterizaes, para se formular uma ideia. Um conceito
expressa as qualidades de uma coisa ou de um objeto, determinando o seu significado 14
. Uma
categoria cada uma das classes em que se dividem as ideias ou os termos.15
Os conceitos
selecionados para esse trabalho so: planejamento urbano, gesto urbana e desenvolvimento
12
Todos os valores foram corrigidos para o ano de 2010 com base no ndice de Preos do Consumidor Amplo
(IPCA) do IBGE. 13
Dados disponveis para consulta em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 14
Definio disponvel em: http://www.significados.com.br/conceito/. 15
Definio disponvel em: http://www.significados.com.br/?s=categoria.
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1
-
24
urbano. As categorias so os instrumentos e parmetros urbansticos utilizados no
planejamento.
1.2.1. Planejamento e Gesto: pensando o presente e o futuro
Os conceitos planejamento e gesto so muito utilizados, porm pouco discutidos e
esclarecidos. No Brasil, a palavra gesto passou a ser um sucedneo do termo
planejamento a partir dos anos 1980, quando este ltimo, desacreditado e associado a
prticas autoritrias do Estado e pouco eficazes, enfrentou uma crise urbana e regional.
Todavia, esses dois termos no so intercambiveis (sinnimos), pois possuem referenciais
temporais distintos e trazem baila diferentes tipos de atividades.
O termo gesto, de acordo com Souza (2002) traz a conotao de um controle mais
democrtico, operacionalizado com base em acordos e consenso. Em contraposio, o
planejamento mais tecnocrtico. A gesto remete ao presente, enquanto que o
planejamento remete ao futuro.
Planejar uma tentativa de prever a evoluo de um fenmeno, ou seja, tentar
simular os desdobramentos de um processo, com o objetivo de melhor precaver-se contra
provveis problemas ou, inversamente, com o fito de melhor tirar partido de provveis
benefcios. (SOUZA, 2002, p. 46). Gerir significa administrar uma situao dentro dos
marcos dos recursos presentemente disponveis e tendo em vista as necessidades imediatas.
(Ibidem).
Na linha temporal, o planejamento deve auxiliar a gesto futura, evitando ou
minimizando problemas; a gesto precisa ser a efetivao das condies que o planejamento
feito no passado ajudou a construir. Portanto, esses so termos distintos, porm
complementares.
Apesar das dificuldades que o ato de planejar engloba, esta uma ao essencialmente
importante. O desafio, contudo, planejar a cidade de modo flexvel, considerando-a como
um produto dos processos socioespaciais que refletem a interao das variadas escalas
geogrficas. A cidade deve ser o reflexo da interao dos diferentes agentes modeladores de
seu espao, onde o Estado e o mercado so apenas um dos condicionantes de seus fatores
estruturais. (SOUZA, 2002).
O planejamento uma necessidade econmica e poltica, e no um modelo rgido e
centralizador. Todavia, descentralizao e flexibilidade no devem ser tomadas como
sinnimos de mercadofilia, visto que a submisso ao mercado uma fonte de crescente
-
25
esgaramento do tecido social. A ao coordenadora do Estado precisa objetivar cada vez
mais a democracia participativa, tanto na gesto quanto no planejamento. (SOUZA, 2002).
A gesto presente e o planejamento futuro visam ao desenvolvimento urbano, conceito
discutido a seguir e que engloba outros conceitos, como os de melhoria de qualidade de vida,
justia social e autonomia (individual e coletiva).
1.2.2. Desenvolvimento Urbano: o objetivo do planejamento e da gesto urbanos
As discusses tericas sobre o tema desenvolvimento despontaram a partir da
Segunda Guerra Mundial, tomando este termo como sinnimo de desenvolvimento
econmico. At mesmo as tentativas de escapar do economicismo no conseguiram
suplantar a noo enraizada de que a modernizao da sociedade capitalista ocidental o que
se entende por desenvolvimento.
Diversamente, porm, h desenvolvimento quando ocorre mudana social positiva.
Em termos socioespaciais, um autntico processo de desenvolvimento se traduz na melhoria
da qualidade de vida e no aumento da justia social. Nesse caso, uma mudana social positiva
precisa contemplar a espacialidade tanto quanto as relaes sociais, pois o espao16
(lugar17
e
territrio18
), em sua multidimensionalidade, no deve ser negligenciado. (SOUZA, 2002).
Melhorar a qualidade de vida, para Souza (2002), fazer crescer a satisfao das
necessidades de uma parcela cada vez maior da populao. A justia social, por sua vez,
possui ampla gama de conceituaes, sendo aqui nesse trabalho utilizada a definio de
Barzotto (2003): (...) a justia social, ao regular as relaes do indivduo com a comunidade,
no faz mais do que regular as relaes do indivduo com outros indivduos, considerados
apenas na sua condio de membros da comunidade. (p. 32).
De acordo com Barzotto (2003), a justia social tem por objeto o bem comum, em
contraposio justia particular, que tem como objeto o bem do particular, seja em uma
troca ou em uma distribuio. A frmula da justia social expressa pelo autor nos seguintes
termos: a todos a mesma coisa (p. 40), onde o termo todos designa a totalidade dos
indivduos que formam uma comunidade.
16
Para Milton Santos (2002), o espao um conjunto indissocivel de objetos e aes, onde, por meio da
tcnica, ele socialmente construdo e modificado ao longo do tempo, o que permite a materializao da
sociedade. 17
A ideia que Souza (2002) adota de lugar referencia-o a um espao vivido e dotado de significado. Nesse
sentido, o lugar no um espao qualquer, mas se constitui como realidade intersubjetivamente construda, cujo
alicerce repousa sobre a experincia concreta de indivduos e grupos. 18
Para Haesbaert (2005), o territrio est imerso em relaes de dominao e/ou apropriao da sociedade-
espao, desdobrando-se ao longo da dominao poltico-econmica mais concreta e funcional apropriao mais
subjetiva e/ou cultural-simblica.
-
26
Na interpretao de Barzotto (2003), a sociedade se constitui como comunidade
quando os indivduos passam a se considerar participantes de um projeto comum que busca a
realizao de uma vida boa para os seus membros (melhor qualidade de vida). Essa concepo
de vida boa adquire um carter normativo ao considerar os bens que a compem (tais como
liberdade, sade, educao, entre tantos outros) como direitos.
Destarte, os indivduos se tornam parte da comunidade (sociedade) quando esto
engajados na garantia de direitos para todos, onde cada um deve respeitar nos outros os
mesmos direitos que exige para si (BARZOTTO, 2003, p.41). Nessa acepo firmada uma
contrapartida, pois ao mesmo tempo em que todos tm direitos iguais, todos passam a ter
tambm deveres iguais como membros da comunidade. Nesse ponto, a justia social forma o
lao constitutivo da sociedade, visto que, para a sua existncia, "todos", como seus membros,
tm "a mesma coisa" (os mesmos direitos e deveres).
Na Constituio Brasileira de 1988, o termo justia social se faz presente nos Arts.
170 e 19319
, tratando dos princpios gerais da atividade econmica e dispondo sobre a ordem
social. A ordem econmica deve ser fundada na valorizao do trabalho humano e na livre
iniciativa com o objetivo de assegurar a todos existncia digna segundo os ditames da justia
social, observando-se, para isso, alguns princpios, tais como a funo social da propriedade, a
livre concorrncia e a reduo das desigualdades regionais e sociais. (Ttulo VII, Cap. I, Art.
170).
A justia social, na consecuo do bem comum, deve ser exercida tanto no campo do
trabalho como no da livre iniciativa, com a finalidade de criar os bens econmicos que sero
usados como meios para garantir a existncia digna a todos. (BARZOTTO, 2003).
Por sua vez, a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o
bem-estar e a justia sociais. (Ttulo VIII, Cap. I, Art. 193). A ordem social tem
como objetivo a justia social. Esse objetivo pode ser alcanado por mecanismos tpicos da
justia social (como a atribuio de direitos iguais para todos), ou por meio de mecanismos de
justia distributiva, qualificando os indivduos que tero acesso a um direito especfico.
(BARZOTTO, 2003).
Outro termo diretamente relacionado ao desenvolvimento o conceito de
autonomia, que se subdivide em individual e coletiva. Souza (2002) define autonomia
individual como a capacidade de cada indivduo de estabelecer metas para si prprio com
lucidez, persegui-las com a mxima liberdade possvel e refletir criticamente sobre a sua
19
Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
-
27
situao e sobre as informaes de que dispe. (p. 64). Essa autonomia pressupe a
existncia de instituies sociais que garantam efetiva igualdade de oportunidades para os
indivduos. A autonomia coletiva, por sua vez, pressupe a constante formao de indivduos
lcidos e crticos, dispostos a encarnar e defender essas instituies. (p. 65).
A justia social e a qualidade de vida so subordinadas autonomia individual e
coletiva (enquanto princpio e parmetro). Portanto, a autonomia o parmetro essencial do
desenvolvimento. A justia social e a qualidade de vida esto vinculadas a diferentes esferas.
Enquanto a primeira se relaciona com a esfera pblica, a segunda remete, a princpio, esfera
privada. Entre esses dois parmetros subordinados ao desenvolvimento deve haver uma
relao de complementaridade, pois eles, se tomados isoladamente, so insuficientes para as
estratgias de desenvolvimento socioespacial. Nas palavras de Souza (2002), cada um dos
dois calibra e complementa o outro. (p. 72).
O desenvolvimento urbano o objetivo fundamental do planejamento e da gesto
urbanos. Ele ocorre quando h melhoria da qualidade de vida e aumento da justia social.
Todavia, estes so objetivos derivados daquele objetivo fundamental e so, do ponto de
operacional, parmetros subordinados ao parmetro essencial do desenvolvimento urbano,
que a autonomia individual e coletiva.
Qualquer adaptao singularizante ou escala de avaliao utilizada devem refletir os
valores e percepes das coletividades envolvidas na deliberao de intervenes
socioespaciais, i.e., dos cidados cuja autonomia deve ser estimulada e respeitada.
Com a finalidade de promover o desenvolvimento urbano, o planejamento,
coordenado com a gesto, utiliza instrumentos e parmetros urbansticos. Alguns deles,
listados a seguir, formam juntos categorias para se planejar o espao urbano.
1.2.3. Instrumentos e Parmetros Urbansticos
O planejamento urbano interdisciplinar e utiliza uma variada gama de instrumentos,
como os ndices urbansticos e os tributos. Uns promovem justia social, enquanto que outros,
diversamente, beneficiam grupos especficos. H ainda aqueles de natureza malevel, onde,
dependendo das circunstncias de sua aplicao, acarretam malefcios ou benefcios. Para
Souza (2002), os instrumentos podem ser classificados em cinco grupos gerais, em relao ao
seu potencial de influenciar as atividades dos agentes modeladores do espao urbano:
1. instrumentos informativos, que so os sistemas e meios de divulgar informaes
importantes para um ou mais grupos de agentes modeladores;
-
28
2. instrumentos estimuladores, que vo desde incentivos fiscais e outras vantagens
ofertadas a empreendedores privados, at outras tticas de carter sustentvel;
3. instrumentos inibidores, que so mais fortes, onde a sua aplicao limita a margem de
manobra dos agentes modeladores do espao urbano;
4. instrumentos coercitivos, ainda mais fortes que os anteriores, pois expressam proibio
e fixam limites legais para atividades dos agentes modeladores.
5. instrumentos cuja rationale no influencia a ao dos agentes modeladores, mas
possui objetivos como a aferio de recursos adicionais.
Os parmetros urbansticos, ao lado do zoneamento, so as ferramentas de uso mais
utilizadas no planejamento urbano. Essencialmente, os mesmos expressam os aspectos da
densidade urbana e das formas espaciais. Assim como os instrumentos urbansticos, os
parmetros podem servir s intencionalidades mais dspares. Como principais parmetros
podem ser listados, de acordo com Souza (2002, pp.220-225):
- o gabarito, que expressa em pavimentos ou metros a altura mxima permitida para as
edificaes em uma zona especfica;
- os afastamentos, que compreendem os recuos obrigatrios da edificao em relao s
divisas do lote, ao logradouro e s edificaes do mesmo lote. Os afastamentos estabelecem
condies aceitveis para a ventilao, a iluminao e a privacidade da edificao;
- a rea construda (total), ou rea edificada (total), que a soma das reas dos pavimentos
de uma edificao;
- a taxa de ocupao (TO), que a relao entre a rea da projeo horizontal da
edificao(es) e a rea total do lote ou gleba;
- o coeficiente de aproveitamento (CA), que o ndice que relaciona a rea construda (rea
total edificada) com a rea do terreno (superfcie total);
- a taxa de permeabilidade (TP), que a relao entre a parte do terreno que permite a
infiltrao da gua e a sua rea total;
- o ndice de reas verdes (IAV), que a relao entre a parcela do terreno revestida por
vegetao e sua rea total;
- a rea bruta e a rea lquida, onde a rea bruta a rea total de uma zona, incluindo os
logradouros e espaos institucionais, e a rea lquida apenas a rea para fins residenciais;
- a densidade bruta e a densidade lquida, onde a bruta expressa o nmero total de pessoas
em uma zona, dividido pela rea total da mesma, e a lquida expressa o nmero total de
pessoas na zona, dividido pela rea utilizada apenas para fins residenciais.
-
29
2. Captulo I: Fundamentos e Procedimentos Terico-Metodolgicos para a Realizao
de um Estudo de Caso sobre o Planejamento Urbano em So Joo da Barra
Cada poca tem, de tempos em tempos,
necessidade de se pensar, ou pelo menos aqueles
que por profisso produzem ideias tm necessidade
de pensar sua poca, como radicalmente nova.
(TOPALOV, p. 28, 1991).
A sociedade est em constante mutao. Os fenmenos que ocorrem no espao urbano
(re)configuram paisagens e (re)estabelecem relaes sociais, despertando a curiosidade de
pesquisadores que, no intuito de entend-los, empreendem estudos, pensando e refletindo
sobre a poca em que vivem. Em certa medida, esses pensadores contribuem de alguma
maneira para o melhor funcionamento do tecido social.
Assim surgem as novas teorias, e outras tantas so repensadas e aprimoradas em
contextos especficos. Teorias so modelos logicamente consistentes e cientificamente
aceitveis para descrever o comportamento de um conjunto de fenmenos (naturais ou
sociais). Na elaborao de um estudo, concomitante teoria so traados os caminhos a serem
percorridos, convencionalmente chamados de metodologia, para a obteno dos resultados.
O presente captulo apresenta, pois, os fundamentos tericos que estruturaram o estudo
de caso realizado em So Joo da Barra, bem como os procedimentos metodolgicos que
possibilitaram, por meio da anlise dos dados coletados, os resultados da pesquisa.
2.1. Embasamento Terico
No cenrio sociolgico brasileiro e francs, alguns pensadores, baseados nos clssicos
da sociologia, empreenderam anlises sobre o planejamento urbano e realizaram uma
contextualizao histrica das sociedades em que viviam. Entre eles, destaca-se nesse trabalho
Srgio Buarque de Holanda20
, Christian Topalov e dois autores que fizeram parte da primeira
gerao do que se convm chamar de Escola Marxista Francesa: Manuel Castells e Jean
Lojkine.
20
O autor destaca os seguinstes pares na estrutura social e poltica para compreender o Brasil e os brasileiros:
trabalho e aventura; mtodo e capricho; rural e urbano; burocracia e caudilhismo; norma impessoal e impulso
afetivo. (CNDIDO, 2012).
-
30
Dentre os vrios aspectos que Holanda (1936/2012) desenvolve em Razes do
Brasil, ressalta-se aqui a primazia da vida rural em consonncia com o esprito de dominao
portuguesa, que no trouxe normas imperativas e absolutas, e nem construiu ou planejou
alicerces no Brasil. Assim, os domnios rurais ganharam mais importncia quanto mais livres
se acharam das influncias de centros urbanos.
Holanda (1936/2012) fez uma anlise comparativa entre a colonizao esponhola e a
colonizao portuguesa, salientando, dessa forma, as diferenas no planejamento urbano21
das colnias. Para tanto, o autor descreve a formao das cidades, a existncia de institutos de
ensino superior e as diferenas no clima.
Os portugueses optaram por uma colonizao litornea, dificultando a ocupao do
interior do continente para que com isso no se despovoasse a marinha. Apenas no terceiro
sculo de domnio os portugueses permitiram um afluxo maior de emigrantes para alm da
faixa litornea, com o descobrimento de ouro em Minas Gerais. Aos portugueses no
interessava povoar e conhecer mais do que as terras da marinha, por onde a comunicao com
Portugal fosse mais fcil, e o fato das terras brasileiras se acharem habitadas por uma s raa
de homens falando a mesma lngua representava enorme vantagem.
A fisionomia mercantil dessa colonizao se expireme tanto no sistema de povoao
litornea ao alcance dos portos de embarque quanto no desequilbrio entre o esplendor e a
misria urbana. Holanda aponta para o fato de que no Brasil houve mais uma feitorizao do
que uma colonizao, pois nessas terras no convinha que se fizessem grandes obras, menos
quando estas trouxessem benefcios imediatos.
Holanda (1936/2012) descreve como era o padro das cidades da Amrica Espanhola.
Ao descrever, contudo, as cidades brasileiras, o autor afirma que estas, diferentemente das j
citadas, no resultaram dos princpios racionais e estticos de simetrira que o Renascimento
instaurou, inspirando-se nos ideais da Antigidade. A rotina e no a razo abstrata foi o que
norteou os portugueses. A cidade que os portugueses consturam na Amrica no produto
mental e sua forma segue a linha da paisagem. No houve rigor, nem mtodo, s desleixo.
Em Portugal, havia uma infixidez das classes sociais, fato que diferencia esta nao
das outras terras onde a tradio feudal criara razes profundas e onde a estratificao era mais
rigorosa. As regras eram moderadas, isentas de rigor e distanciadas em muitos pontos dos
21
digno de nota salientar que o objetivo do autor no era discorrer sobre o tema do planejamento, mas fazer
uma anlise da formao da sociedade brasileira. Todavia, possvel associar seu pensamento a essa questo, e
assim compreender o tipo de planejamento adotado pensando na figura do homem cordial.
-
31
ideais aristocrticos e feudais. Entretanto, Holanda (1936/2012) destaca a unidade poltica que
lhe garantiu uma homogeneidade tnica.
A averso s virtudes econmicas outro fator que Holanda (1936/2012) afirma ter se
enraizado no Brasil. Faltava aos ibricos racionalizao na esfera dos negcios e os tratos
comerciais davam-se por traos pessoais, i.e., entre amigos. Em resumo, pautavam-se por
laos guiados pela tradio. Desse comportamento social procede os principais obstculos que
se erigem contra a rgida aplicao das normas de justia e quaisquer prescries legais.
Holanda (1936/2012) aponta para o fato de que o Estado no uma ampliao do
crculo familiar, e muito menos uma integrao de vontades particularistas. O Estado e a
famlia pertencem essencialmente a ordens diferentes, e s pela transgresso da ordem
familiar que nasce o Estado. H neste fato um triunfo do geral sobre o particular, do
intelectual sobre o material. Foi o moderno sistema industrial que suprimiu a atmosfera
familiar de intimidade e estimulou os antagonismos de classe, separando os empregadores dos
empregados nos processos de manufatura e diferenciando cada vez mais as suas funes. A
relao humana desaparece na hierarquia de funcionrios, diretores, presidentes, etc.
De acordo com o autor, onde quer que haja em bases muito slidas a ideia de famlia,
e principalmente a do tipo patriarcal, a formao e evoluo da sociedade tende a ser precria.
No Brasil, onde imperou o tipo primitivo de famlia patriarcal, o desenvolvimento da
urbanizao acarretou um desequilbrio social, cujos efeitos ainda so vivenciados. H uma
inverso de papis, uma indistino entre o pblico e o privado, onde impera a figura do
funcionrio patrimonial que v na gesto poltica um assunto de seu interesse particular.
Na obra de Holanda encontramos a figura do homem cordial, no no sentido de boas
maneiras e civilidade, mas no sentido de ser um homem regido por sentimentos, relaes de
amor e dio pessoais. O homem cordial consegue manter sua supremacia ante o social, onde
se reafirma a presena contnua e soberana do indivduo. A est, pois, o culto ao
personalismo, fruto da frouxido da estrutura social. A vida ntima do brasileiro no
bastante coesa e disciplinada para envolver e dominar toda a sua personalidade, integrando-a
conscientemente no conjunto social.
Citando Antnio Vieira (Sermo da Sexagsima, pronunciado em 1655 na capela real,
em Lisboa), Holanda (1936/2012) demonstra que o semear uma arte que tem mais natureza
que arte. Para o portugus, a ordem aceita aquela feita com desleixo e certa liberdade; a
ordem do semeador e no do ladrilhador, sendo tambm a ordem em que esto postas as
coisas divinas e naturais.
-
32
Sob a anlise de Holanda (1936/2012) possvel afirmar que o Brasil pouca
importncia deu ao ordenamento das cidades, e quando este se tornou fator de preocupao,
foi realizado seguindo planos que no tinham clareza e atendiam s necessidades das elites
econmicas que, em certa medida, eram o Estado brasileiro. A partir de 1930, os problemas
urbanos se agravaram e no mais puderam ser ignorados. Os planos, contudo, priorizavam
apenas as obras virias, vinculadas ao capital imobilirio, e escondiam a verdadeira direo
dos investimentos. (MARICATO, 1997).
Esse planejamento foi mais um modelo importado e adaptado realidade do Brasil,
que desconsiderava a problemtica que o pas enfrentava. Ele foi incorporado pelas
instituies e pela sociedade brasileira, e garantiu boa qualidade de vida a uma parte da
populao das cidades, deixando outra (a menos abastada economicamente) os problemas
sociais relacionados ao acesso cidade formal.
A sociedade brasileira se consolidou com uma esfera pblica privada, cujo Estado
dirigido por interesses particulares, e com uma modernizao excludente, onde houve o
desenvolvimento moderno do atraso, principalmente nas cidades. As relaes polticas,
baseadas na troca de favores e no patrimonialismo, garantiram cidadania e o direito cidade
apenas para alguns. (CEZARIO, 2012).
Assim, Maricato (1997) aponta para o fato de que o planejamento urbano est em
crise. Pratica-se um urbanismo arcaico, embasado no discurso ps-moderno, onde as leis se
aplicam para beneficiar uma parte da cidade e para segregar a outra parte.
De acordo com Topalov (1991), essa crise urbana veio acompanhada de uma crise
econmica, fruto de uma crise de crescimento. Crise, ento, veio enunciar a urgncia de
uma questo urbana. O objetivo do autor enfatizar a relao que h entre cincia urbana e
o projeto de uma ordem espacial, desenvolvendo esta ltima como ordem produtiva e ordem
poltica.
Topalov (1991), em uma breve abordagem, faz um resgate histrico dos saberes sobre
as sociedades urbanas para demonstrar como a cidade passou a ser o objeto de uma cincia
especfica. Suas vrias disciplinas foram marcadas pela procura de uma ordem escondida sob
a desordem aparente e pela definio dos meios para remediar essa desordem:
(...) Para o observador superficial, a destinao do solo a seus diferentes usos
parece ter sido feita pelo Chapeleiro Maluco do ch de Alice. (...) Tal
situao um ultraje ordem. Tudo parece estar no lugar errado. Temos
vontade de arrumar esta colcha de retalhos e de colocar as coisas em seus
devidos lugares. (ADAMS, Thomas, 1929, apud TOPALOV, 1991, p.29).
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Primeiramente, o autor pontua que a cincia das cidades nasceu de uma inquietao
sobre a questo urbana. Assim, seja qual for o mal de que a cincia se ocupe, a mesma
sempre buscar recolocar as coisas em seus lugares (TOPALOV, 1991, p. 29), instaurando
uma nova ordem espacial, meio e resultado de uma nova ordem social. Assim sendo, a forma
como a realidade estudada designa um modelo da ordem a ser gerida, pois a desordem a
imagem invertida de uma ordem escondida, ainda potencial, e que a cincia urbana e uma
poltica experimental devem tornar real. (Ibidem).
Partindo da suposio de que o social nasce do social, Topalov (1991) afirma que os
cientistas criam categorias de anlise para representar a realidade em relao quilo que se
quer que ela se torne. Portanto, os modelos de inteligibilidade so relacionados com um
modelo de sociedade.
A cincia urbana se constituiu no incio do sculo XX e desde logo esteve relacionada
ao planejamento urbano, concedendo-lhe sua legitimidade, seus conceitos, sua metodologia e
seus especialistas. (TOPALOV, 1991, p. 30). Contudo, sua legitimidade social foi concedida
pelos grupos dominantes definidores da nova ordem social, mais produtiva e com menos
conflitos, porm no sem tenses. Os novos profissionais criaram um novo objeto, a cidade
em sua totalidade, aplicando nesse objeto anlises e intervenes. Todavia, encontram sua
frente certos interesses, inclusive econmicos, de proprietrios imobilirios e de companhias
de servios urbanos.
Nesse ponto, emerge a anlise sobre o papel do Estado e a sua relao com os
homens da cincia. No decorrer da Primeira Guerra Mundial, da depresso dos anos 1930,
da Segunda Guerra e do perodo de reconstruo, intensificou-se a utilizao de cientistas
urbanos na administrao dos aparelhos governamentais.
Surgiu, assim, um novo paradigma dessa cincia, apoiado em trs proposies: 1 - a
cidade pode se tornar um fator de progresso; 2 a cidade um organismo onde o bom
funcionamento dos elementos depende do bom funcionamento do conjunto; 3 a cincia
urbana um diagnstico e um prognstico, determinando com preciso as fontes da desordem
(interesses econmicos imediatos, burocracia, submisso dos polticos a seu eleitorado e o
modo de vida inadequado das populaes). (TOPALOV, 1991).
A primeira proposio parte do discurso dominante de que a cidade era um mal em si,
e que a cincia dispunha dos meios tcnicos e cientficos para controlar a urbanizao. No
obstante, o desenvolvimento urbano era analisado como evoluo das funes ligadas a cada
necessidade do indivduo ou da coletividade; essas funes eram objetivas e podiam se
traduzir em normas. A segunda proposio aponta como objeto da cincia urbana o estudo de
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suas leis e a anlise dos seus males, sendo a planificao um meio para solucionar os
problemas das cidades.
A ltima proposio traz uma nova escala de anlise para a cincia urbana, a cincia
regional, traando fronteiras, hierarquizando as cidades em redes, desenhando as estruturas
urbanas, enunciando em que consiste uma boa regio e um desenvolvimento equilibrado,
denunciando administraes atrasadas e comportamentos econmicos inadaptados. Porm,
todas as proposies buscam instaurar uma ordem espacial que se desdobraria em ordem
produtiva e em uma nova ordem poltica, garantindo o progresso social e o progresso
democrtico.
Topalov (1991) enfatiza a relao entre racionalizao urbana e racionalizao
industrial, voltando sua anlise para o incio do sculo XX, quando os reformadores sociais
foram confrontados, nas metrpoles dos pases industrializados, com uma realidade urbana
que passou a ser a de vrios pases de economia perifrica nos dias de hoje.
A indstria passou a ser pensada pela cincia urbana como o lugar tpico e a forma
necessria de uma ordem produtiva moderna. O desenvolvimento fabril possibilitou o
desenvolvimento do planejamento da expanso urbana para por fim desordem, e permitiu
que a nova cincia em ascenso realizasse os seguintes objetivos: descongestionamento das
cidades de grande porte, descentralizao das indstrias para as periferias ou cidades satlites,
e separao clara no espao de zonas de trabalho e zonas de residncia. (TOPALOV, 1991).
A nova ordem urbana trazida pela cincia da cidade assumiu tambm uma conotao
poltica por meio de um projeto prtico: realizar, graas a uma comunidade local
reconstruda, a integrao social das populaes em uma ordem democrtica. (TOPALOV,
1991, p. 34). Tal reconstruo poderia partir da base ou de cima, de um projeto urbano ou
da organizao popular. Independentemente do caso, o progresso deveria ser orientado por
uma ordem poltica na qual houvesse mobilizao consciente de atores sociais, visto que
apenas o mercado seria incapaz de produzi-lo.
Para Topalov (1991), a cincia urbana possui duas faces: se, por um lado, enuncia
conhecimentos adquiridos pela objetivao do mtodo cientfico, por outro depende do
reconhecimento que a sociedade lhe confere para manter seu estatuto social e seus recursos.
Nesse sentido, os polticos, cujo interesse preconizava uma poltica despolitizada, passaram a
ser aliados dessa cincia, e os cientistas urbanos se tornaram, a partir da metade do sculo
XIX, candidatos burocratizao das funes administrativas, que surgiu com a criao de
uma funo pblica, o recrutamento por concurso e o desenvolvimento de institutos de
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formao, anunciando o triunfo da administrao cientfica, cujas competncias
substituram os privilgios de nascimento ou os favores clientelistas.
Contudo, em uma sociedade como a brasileira, onde as relaes so regidas pela
pessoalidade e pelo homem cordial de Holanda (1936/2012), a burocratizao do
planejamento preservou traos de uma dominao do tipo tradicional (se vista por uma anlise
weberiana), regida no pela meritocracia, mas pela indicao.
Assim surgiu o tpico planejamento tecnocrtico modernista, que apresentou rpida
expanso nos perodos da Primeira Guerra na Europa, do New Deal, do Estado Novo, do
Welfare State, do Partido Trabalhista Britnico e dos EUA de Kennedy e Johnson. Nesses
perodos, as cincias urbanas tornaram-se cincias do Estado. Para Topalov (1991):
Assim nasce o urbanismo moderno, no encontro entre candidatos
profissionalizao, filantropos, industriais progressistas ou municipalidades
reformistas. Assim nasce a cincia e o planejamento regional, graas ao
desenvolvimento de burocracias econmicas, dos governos centrais ou
regionais, das fundaes privadas ou dos organismos internacionais. Assim
nasce o planejamento estratgico, graas ao enfraquecimento ou mudanas
de orientao das burocracias precedentes e pela necessidade de negociar
decises pblicas com grupos econmicos ou organizaes populares, caso
as instituies estejam dispostas a suscitar suas demandas de pesquisa.
(pp.34-35).
As tenses entre o poder pblico e os cientistas no deixaram de mostrar o carter
ambguo da relao que se estabeleceu entre ambos. O pesquisador traz uma mensagem
crtica, de denncia dos problemas sociais, ao mesmo tempo em que almeja ser ouvido pelo
Estado. Ele aponta fenmenos que o poltico ignora e, enquanto ele demanda cada vez mais
democracia, como substituto cmodo democracia representativa que o solicitam.
(TOPALOV, 1991, p. 35.), pois a cincia urbana contm os princpios para um governo que
ordena racionalmente os usos e ocupaes do espao urbano, mas que raramente os adota.
Portanto, h uma relao s vezes privilegiada, s vezes contrria s aes do Estado.
com ele que as cincias da cidade dialogam, pois qualquer projeto de progresso se dirige
direta ou indiretamente ao poltico e depende das relaes com o poder, que hoje regido pela
racionalidade do mercado, do lucro. Nas palavras de Topalov (1991), nosso saber est, aberta
ou secretamente, a servio do Estado, o deles est, sem complexos, a servio da empresa.
(p.37).
Nesse sentido, convm falar do que Vainer (2011) distingue como planejamento
empresarial, a cidade empresa. Antes, no entanto, convm traar um breve resumo sobre as
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diferentes etapas do planejamento urbano, para proporcionar maior clareza na discusso
empreendida.
Os estudos que interpretam as diferentes abordagens sobre o planejamento estratgico
urbano e sobre o papel que o Estado desempenha em cada contexto histrico no ordenamento
das cidades apontam para o fato de que, desde sua emergncia, o planejamento urbano
identificado como uma poltica pblica onde o Estado o agente principal e, algumas vezes,
agente nico no ordenamento das cidades.
Santos (2006) demonstra de forma sucinta as diferentes faces que o planejamento
urbano vm apresentando ao longo dos anos. Inicialmente, ele foi identificado como um
instrumento de poltica higienista para controle de doenas infectocontagiosas. Em um
segundo momento, o planejamento foi utilizado para difundir o urbanismo tecnocrtico-
modernista. Com a intensificao do crescimento populacional urbano, surgiram movimentos
sociais que questionaram a ao do Estado e desse planejamento tecnocrtico, exigindo que o
poder pblico garantisse o direito cidade populao de baixa renda. Contudo, a
incapacidade financeira do Estado mediante esse desafio o levou a firmar parcerias com o
empresariado para a promoo de projetos associados ao planejamento com
empreendedorismo urbano.
Atualmente, o planejamento urbano est deixando de ser tecnocrtico para ser um
processo poltico no qual participam vrios agentes sociais, ao mesmo tempo em que tem sido
questionado quanto a quem se dirige: parcela da populao que vive em reas urbanas
regulares ou a toda a populao, ai includo o crescente nmero de pobres, que vivem em
reas jurdica e urbanisticamente irregulares?. (SANTOS, 2006, p. 1).
O planejamento de hoje reflete um lento, complexo e continuado processo de
constituio de um bloco hegemnico que oferecia cidade em crise dos anos 1970 e 1980
um novo projeto. Assim, o planejamento moderno, fortemente marcado por uma ao direta
do Estado, expressa nos zoneamentos e planos diretores municipais, foi cedendo espao para
um planejamento competitivo e flexvel, sendo orientado pelo e para o mercado. (VAINER,
2011).
O mercado exigiu que as cidades fossem flexveis e o Estado, teoricamente detentor do
controle poltico e burocrtico, alm de principal articulador do espao das cidades, passou a
aproveitar as oportunidades de negcios, apresentando-as como econmica, social e
competitivamente eficientes. Esse fato levou atual existncia das cidades empresas, cuja
legislao veio legalizar, autorizar e consolidar o desrespeito Lei e prtica da exceo
legal. (VAINER, 2011).
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Dessa forma, a cidade empresa passa a ser tambm a cidade da exceo, que se
afirma como uma nova forma de regime urbano, onde a lei se torna passvel de desrespeito
legal e parcelas crescentes de funes pblicas do Estado so transferidas para agncias livres
do controle poltico-burocrtico. Assim sendo, o governo eleito governa, o legislativo
municipal legisla... Mas a forma como governam e legislam produz e reproduz situaes e
prticas de exceo, em que poderes so transferidos a grupos de interesse empresarial.
(VAINER, 2011, p. 11).
Observa-se que o Estado, ao colocar as cidades venda, no promove a justia e a
equidade social, escondendo os problemas sociais que se intensificam com esse processo,
tais como os mecanismos ocultos geradores de desigualdade social (alocao e distribuio de
recursos, localizao e especulao, entre outros). Com isso, suas aes distributivas
influenciam diretamente na renda dos indivduos, que por sua vez intervm nas aes do
Estado.
Inseridos nessas questes urbanas, os estudos franceses da segunda metade do
sculo XX (a partir dos anos 1960) deram origem a um movimento cujo pensamento
sociolgico contesta a tradio empirista dada ao entendimento do espao urbano. Por
iniciativa de Henri Lefebvre, Jean Lojkine e Manuel Castells, a teoria urbana, fundamentada
no pensamento marxista, passou a tematizar a cidade capitalista sob a gide do Capitalismo
Monopolista de Estado. O pensamento de Marx e Engels foi resgatado e foi lanado um
debate crtico sobre a perspectiva funcionalista da Escola de Chicago. Sobre essas
prerrogativas, o tpico a seguir apresenta algumas abordagens feitas pela Escola Marxista
Francensa.
2.1.1. Nova Sociologia Urbana: a Escola Marxista Francesa
Mais especificamente a partir dos anos 1970, dois estudiosos vo se destacar
enunciando os fundamentos crticos em relao tradio da Sociologia Urbana da Escola de
Chicago: Castells e Lojkine. Esses pensadores entendiam que a corrente estadunidense
reduzia o tratamento da questo urbana aos aspectos exteriores do modo de produo
capitalista, fugindo sutilmente da lgica do capital subjacente dinmica da composio
urbano-industrial denunciada pelos clssicos.22
(SOUZA, 2005).
22
importante salientar que a pesquisadora utilizou as obras da primeira gerao dos autores enfocados, que
criticaram a corrente estadunidense. Contudo, ressalta-se aqui a importncia dos estudos e tcnicas utilizadas
pela Escola de Chicago, que lanou as bases para a sociologia urbana por meio de pesquisas que se
caracterizaram principalmente pelo conhecimento prtico direto.
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Sustentando-se no marxismo para o tratamento da cidade, os estudiosos franceses
tentaram superar a ideologizao centrada na perspectiva dos estudos etnogrficos embasados
no Interacionismo Simblico, que seguia um vis filosfico do pensamento inspirado no
pragmatismo norte-americano. O objetivo da crtica marxista sobre a problemtica urbana era
demonstrar que nem o espao, nem as organizaes e nem os agentes esto isentos da disputa
econmica, poltica e ideolgica da luta de classes, no podendo se desprender
autonomamente da lgica estrutural do capital. (SOUZA, 2005).
Assim sendo, Castells vai demonstrar que o espao em si no til para explicar a
aglomerao urbana, mas sim enquanto suporte das relaes sociais fundamentais do modo de
produo entendido a partir das condies historicamente determinadas, pois assim no
estaria sob as ideologias dominantes que impedem a visualizao da sua condio social de
mediao estratgica e fundamental reproduo das condies de produo.
Lojkine, por sua vez, acredita que Castells no se refere ao processo de extrao da
mais-valia, no analisando, portanto, o consumo produtivo. Entende que Castells cometeu um
desvio interpretativo de Marx no considerando, por exemplo, a urbanizao como elemento
chave das relaes de produo. Lojkine, apoiado em O Capital, usa como categorias
chave: processo imediato de produo, reproduo do capital, reproduo ampliada das
classes sociais e desenvolvimento do modo de produo. (SOUZA, 2005).
As categorias marxianas utilizadas tambm so distintas: Castells parte das Condies
Gerais de Reproduo da Fora de Trabalho, pensando a cidade apenas como espao de
reproduo, apoiada na noo de consumo final. Lojkine parte das Condies Gerais da
Produo, analisando as dinmicas urbanas associadas aos meios de comunicao e
transporte. (SOUZA, 2005).
Em que pesem essas diferenas dentro do campo marxista, esses autores vo
identificar, por caminhos diferentes, a questo da distribuio desigual dos equipamentos de
consumo coletivo e dos servios pblicos como um dos elementos chave para a releitura
econmico-social da cidade, explicitando o carter de luta de classes das cidades, das polticas
urbanas e do Estado, entendendo-os como determinaes advindas da dinmica do capital.
O Estado para Castells o principal agente definidor das polticas urbanas
cristalizadoras dos processos de segregao socioespacial. Para Lojkine, seguindo a mesma
linha de pensamento, o Estado capitalista tambm identificado como o principal responsvel
pela distribuio social e espacial dos equipamentos urbanos. (SOUZA, 2005).
A urbanidade, ento, no ser apenas objeto do planejamento, mas condio social
indispensvel reproduo ampliada do Capitalismo Monopolista de Estado. Ela pensada
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pela Escola Marxista Francesa a partir das lutas sociais e do papel do Estado na produo e
distribuio dos equipamentos e servios pblicos. Sob essa tica, a cidade a materializao
da expresso da luta social contra o capital, cristalizada no processo de segregao
socioespacial dinamizado pela lgica do capital.
Nos tpicos seguintes so apresentadas as ideias de Castells e de Lojkine mais
detalhadamente. A ordem dos autores deve-se ao fato do ano de publicao das obras
escolhidas para o presente embasamento terico. Assim sendo, Castells, em 1972 escreve A
Questo Urbana e Lojkine, em 1977, criticando a obra de Castells e lanando outros aportes
tericos, escreve O Estado Capitalista e Questo Urbana.
2.1.2. Uma Anlise do Fenmeno Urbano e do Processo Histrico da Urbanizao Segundo o
Pensamento de Manuel Castells
A anlise dos contornos histricos de um dado fenmeno proeminente para sua
investigao. Por esse motivo, estudar o processo histrico da urbanizao se faz relevante
para abordar a questo urbana, introduzindo a problemtica do desenvolvimento das
sociedades e o processo de formao das cidades, cujas bases esto nas redes urbanas e na
organizao social do espao.
Parte dos estudos sobre o processo de urbanizao possui um vis terico
evolucionista, segundo o qual cada formao social se produz, sem ruptura, pelo
desdobramento dos elementos da formao social anterior. Entretanto, mais que estabelecer
periodizaes, necessrio compreender a produo das formas espaciais a partir da estrutura
social base. Nesse sentido, o processo social que est alicerado na organizao do espao e
no desenvolvimento da urbanizao deve ser analisado a partir da relao entre foras
produtivas, classes sociais e formas culturais. (CASTELLS, 2009).
Castells (2009) distingue dois sentidos para o termo urbanizao: 1) Concentrao
espacial de uma populao, a partir de certos limites de dimenso e de densidade. 2) Difuso
do sistema de valores, atitudes e comportamentos denominado cultura urbana. (p.39). O
autor assimila urbanizao industrializao, assim como Henri Lefebvre, em O Direito
Cidade (1969/2001). De acordo com Lefebvre, a industrializao caracteriza a sociedade
moderna, fornecendo o ponto de partida para a reflexo sobre a poca atual.
A cidade, porm, preexiste industrializao. Castells (2009) demonstra que a cidade
o lugar geogrfico onde a superestrutura poltico-administrativa de uma sociedade alcanou
o desenvolvimento tcnico e social que possibilitou uma diferenciao do produto em
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reproduo simples e ampliada da fora de trabalho, o que levou a um sistema de distribuio
e de troca.
Inseridos nesse sistema, existem tambm um sistema de classes sociais, um sistema
poltico que permite concomitantemente o funcionamento do conjunto social e o domnio de
uma classe, um sistema institucional de investimento e um sistema de troca externo. Este ,
pois, o fenmeno urbano articulado estrutura de uma sociedade.
A cidade antiga no era um local de produo, mas de gesto e de domnio, ligada
primazia social do aparelho poltico-administrativo. Todavia, a queda do Imprio Romano
quase liquidou a forma socioespacial da cidade com a substituio das funes poltico-
administrativas pelas dominaes locais dos senhores feudais. (CASTELLS, 2009).
A cidade medieval renasceu sobre uma nova dinmica social intrnseca na estrutura
social precedente. Nessa base se organizaram as instituies poltico-administrativas prprias
cidade, conferindo-lhe coerncia interna e maior autonomia em relao ao exterior. Essa
especificidade poltica da cidade definiu suas fronteiras enquanto sistema social.
Formou-se parte do poder feudal uma classe negociante e intermediria que
ultrapassou a economia de subsistncia e acumulou autonomia para investir em manufaturas:
a burguesia, que lutou para emancipar-se do feudalismo e do poder central. Dessa forma, a
cidade foi assumindo os contornos da lgica capitalista e se tornou um grande atrativo para a
indstria.
Lefebvre (1969/2001) pontua que, no apogeu de seu desenvolvimento, as cidades
medievais centralizaram riquezas que se tornaram mveis com o advento do capitalismo
comercial e do bancrio. Quando a industrializao comeou, a sociedade, compreendendo
a cidade, o campo e as instituies que regulamentam suas relaes, comportou uma diviso
tcnica, social e poltica do trabalho, feita a partir do vnculo estabelecido entre essas cidades.
A urbanizao ligada Primeira Revoluo Industrial e inserida no desenvolvimento
do tipo de produo capitalista suscitou um processo de organizao espacial cujos fatos
fundamentais repousaram sobre dois aspectos:
1. A decomposio prvia das estruturas sociais agrrias e a emigrao da populao para os centros urbanos j existentes, fornecendo a fora de
trabalho essencial industrializao.
2. A passagem de uma economia domstica para uma economia de manufatura, e depois para uma economia de fbrica o que quer dizer, ao
mesmo tempo, concentrao de mo-de-obra, criao de um mercado e
constituio de um meio industrial. (CASTELLS, 2009, p.45).
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Assim, a mo de obra e o mercado se tornaram os dois grandes atrativos da indstria,
que, por sua vez, desenvolveu novas possibilidades de emprego e servios. A mesma
impulsionou a urbanizao e passou