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"JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE": ACESSO À ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES. MARLEY APARECIDA DE PAULA STEVANIM CAMPOS DOS GOYTACAZES RJ ABRIL - 2015 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO UENF CENTRO DE CIÊNCIAS DO HOMEM CCH PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS SOCIAIS - PPGPS

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"JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE": ACESSO À ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA

NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES.

MARLEY APARECIDA DE PAULA STEVANIM

CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ ABRIL - 2015

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO – UENF

CENTRO DE CIÊNCIAS DO HOMEM – CCH PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS

SOCIAIS - PPGPS

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"JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE": ACESSO À ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA

NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES.

MARLEY APARECIDA DE PAULA STEVANIM

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Políticas Sociais do

Centro de Ciências do Homem, da

Universidade Estadual do Norte

Fluminense, como parte das exigências

para a obtenção do título de Mestre em

Políticas Sociais.

Orientadora:Profª Drª Vera Lucia Marques da Silva

CAMPOS DOS GOYTACAZES ABRIL - 2015

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"JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE": ACESSO À ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA

NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES.

MARLEY APARECIDA DE PAULA STEVANIM

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Políticas Sociais do

Centro de Ciências do Homem, da

Universidade Estadual do Norte

Fluminense, como parte das exigências

para a obtenção do título de Mestre em

Políticas Sociais.

APROVADA: ____/ ____/ ______.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________ Profa. Dra. Vera Lúcia Edais Pepe (Medicina Preventiva – USP)

Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – ENSP/FIOCRUZ

_________________________________________________________________ Profa. Dra. Vânia Morales Sierra (Sociologia – IUPERJ)

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF

_________________________________________________________________ Profa. Dra. Shirlena Campos de Souza Amaral (Ciências Sociais e Jurídicas - UFF)

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF

_________________________________________________________________ Profa. Dra. Vera Lucia Marques da Silva (Saúde Coletiva - IMS/UERJ)

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF (Orientadora)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Deus, por mais uma etapa cumprida, em que, mesmo quando, tudo

pareceu impossível, soube dar-me forças e sabedoria para superar os obstáculos.

Aos meus pais, Nelinho Stevanim e Marly Stevanim, por terem acreditado e

incentivado a seguir na vida acadêmica. Vocês são espelho de vida, por isso, com

carinho, dedico esse trabalho e registro aqui meu amor.

Ao meu irmão Antônio José Stevanim, pelo incentivo, apoio, carinho, e ao

auxilio no que precisei.

A minha irmã, Mônica Stevanim, que, com serenidade e amizade soube estar

presente em mais esta fase.

A minha cunhada Jercyane Stevanim, jamais esquecerei as palavras “força, fé

e foco”, sua participação nesta etapa da minha vida foi imprescindível, por isso, deixo

registrado meus agradecimentos.

Amo muito vocês!

Ao meu noivo, Júlio Alvim, pela compreensão, sabedoria e discernimento, ter

sabido com carinho e paciência esperar que esta fase se cumprisse. Amo muito você!

Que Deus nos abençoe.

Aos meus amigos, que fielmente foram preceptores à fase mestrado, sempre

incentivando a cumprir as atividades do curso, deixo aqui meus sinceros

agradecimentos, especialmente para: Clébia Braga, Dyana Dias, Jeane Souza,

Roberta Manhães, Mariana, Alcinea, Vinicius e Sandra e Inês.

Aos amigos do mestrado que deram sentindo as aulas, que fizeram-me sorrir,

que choraram juntos, que incentivaram deste o início a seguir esse caminho, em

especial: Kesia Tosta, Gabriela Delgado, Diogo Cruz, Natália Ribeiro, Eduardo

Moreira, Evandro Vargas, Ana Carolina Barreto, e Daiana Falcão. Juntos superamos

todas dificuldades, e, com certeza, essa foi apenas uma etapa.

Ao amigos que participaram da fase da pesquisa, principalmente Manoela

Alves, Isabela Sarmet, Maria Amélia Silva, e, Thiago Oliveira, que estiveram presentes

guiando e orientando com seus conhecimentos.

A todos os profissionais da Secretaria Municipal de Saúde e do Fórum de

Justiça, que acolheram-me no campo da pesquisa, e, com reconhecimento do

trabalho incentivaram-me a conclusão.

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Aos que colaboraram intrinsicamente para a realização da dissertação:

Jercyane Stevanim, Mônica Stevanim, Vinicius de Jesus, Fernanda Monteiro e Maria

Carolina G. Oliveira, Ana Paula Caputo, e, Diego Carvalher, cada um com seu

conhecimento, e, hoje, sem dúvida com mérito compartilhado.

Aos mestres professores, pelos conhecimentos transmitidos.

A orientadora Vera Lucia, pelas orientações e ensinamentos, hoje, com carinho

agradeço-a imensamente, por ter contribuído para este trabalho e para formação

profissional.

E, enfim, agradeço a todos os presentes na banca, por ter aceito o convite, e,

por dispor a contribuir para esse trabalho.

A todos, que de alguma forma, fazem parte da minha vida, e, que não foram

mencionados, o meu muito obrigada!

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“A estratégia de ontem foi o que nos possibilitou sobreviver até agora, mas uma nova estratégia deve ser criada se quisermos garantir nossa sobrevivência no futuro”. Paul Levesque.

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RESUMO

STEVANIM, M.A.P. "Judicialização da saúde": acesso à assistência farmacêutica no município de Campos dos Goytacazes: Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF, 2015. Com a Constituição de 1988, normatizou-se o direito à saúde, e, dentre eles, o acesso aos medicamentos. Atualmente, esse acesso tem se efetivado, por vezes, pelo setor judiciário. O protagonismo do poder judiciário, decorrente da Constituição jurídico-institucional do Estado democrático de direito, possibilitou a intervenção do mesmo sobre questões políticas de outros poderes e a formulação das demandas judiciais, principalmente na busca da garantia do direito à saúde. Esse trabalho objetivou analisar as demandas judiciais de medicamentos no Munícipio de Campos dos Goytacazes, num total de 166 processos elaborados pela Secretaria Municipal de Saúde, no período de janeiro a dezembro de 2013. Dos 166 processos distribuídos em 2013, 63 foram selecionados inicialmente na Secretaria de Saúde e, destes, 44 que estavam alocados no Fórum da justiça foram mais profundamente analisados. Os resultados encontrados constatam: concessão de 170 medicamentos em medida liminar ou antecipação de tutela, independente do perfil do autor das ações judiciais e dos recursos dos réus e baseados basicamente na prescrição médica; dentre os medicamentos concedidos, 89 (52,4%) estão inclusos em alguma lista do SUS, 81 (47,6%) não estão listados, 102 (60%) são de referência e 17 (10%) são de uso off label; variação do tempo de tramitação da distribuição do processo de 0 (zero) dia à mais de 365 dias. Conclui-se que as demandas judiciais por medicamentos resultam de falhas na gestão e estratégias da indústria e dos fornecedores farmacêuticos. Apesar das demandas judiciais, o direito à saúde não tem sido garantido, em umas vezes, devido ao tempo prolongado de tramitação do processo. Sugere-se, portanto, melhor investimento na política, planejamento e gestão da assistência farmacêutica do coletivo da saúde para a resolução dos problemas encontrados. Palavras-chaves: Judicialização da Saúde, Medicamentos, Assistência Farmacêutica.

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ABSTRACT

STEVANIM, M.A.P. "Health legalization": access to pharmaceutical services in the municipality of Campos Goytacazes: Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF, 2015. With the 1988 Constitution, it has standardized the right to health, and, among them, access to medicines. Currently, this access has been effected sometimes by the judiciary. The role of the judiciary, due to legal and institutional constitution of the democratic rule of law, allowed the intervention of the same on issues other political powers and the formulation of litigation, especially in the pursuit of ensuring the right to health. This study aimed to analyze the legal claims of medicines in the Municipality of Campos dos Goytacazes, a total of 166 cases prepared by the Municipal Health Secretariat, from January to December 2013. Of the 166 cases distributed in 2013, 63 were initially selected in the Secretariat Health and of these, 44 were allocated to the justice Forum were further analyzed. The results realized: granting 170 drugs in restraining order or preliminary injunction, regardless of the author's profile lawsuits and resources of the defendants and essentially based on medical prescription; granted from the drugs, 89 (52.4%) are included in any list of SUS, 81 (47.6%) are not listed, 102 (60%) are approximate and 17 (10%) are off label use ; variation of the processing time of the distribution process 0 (zero) days to over 365 days. We conclude that the judicial demands for medicines result from failures in the management and industry strategies and pharmaceutical suppliers. Despite the lawsuits, the right to health has not been guaranteed in a few times due to prolonged the proceedings. It is suggested therefore better investment in policy, planning and management of pharmaceutical health of collective assistance for resolution of the problems encountered. Key Words: Legalization of Health, Medicine, pharmaceutical assistance.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mapa Campos dos Goytacazes...............................................................79 Figura 2 - Fluxograma- Vias utilizadas pelos autores das ações judiciais para

obtenção de medicamentos no Município de Campos dos Goytacazes/2013...........89

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LISTA DE GRÁFICO

Gráfico 1 - Distribuição das demandas judiciais de medicamentos segundo o

rendimento individual mensal dos autores das ações judiciais por representação judicial. Município de Campos dos Goytacazes, 2013...............................................96 Gráfico 2 - Distribuição das demandas judiciais de medicamentos segundo a

representação judicial e a concessão do benefício da gratuidade de justiça. Município de Campos dos Goytacazes, 2013............................................................................97 Gráfico 3 - Frequência dos argumentos utilizados pelos Juízes na liminar e/ ou

antecipação da tutela. Município de Campos dos Goytacazes, 2013......................100 Gráfico 4 - Documentos apensados nos processos judiciais de medicamentos. Município de Campos dos Goytacazes/2013...........................................................102 Gráfico 5 - Frequência dos argumentos utilizados pelos gestores municipais nos

recursos. Município de Campos dos Goytacazes, 2013..........................................108 Gráfico 6 - Frequência dos argumentos utilizados pelos gestores estaduais nos recursos. Município de Campos dos Goytacazes, 2013..........................................111 Gráfico 7 - Origem das prescrições médicas anexas aos processos judiciais de

medicamentos. Município de Campos dos Goytacazes, 2013.................................116 Gráfico 8 - Distribuição das demandas judiciais de medicamentos por representação judicial e origem das prescrições médicas. Município de Campos dos Goytacazes, 2013..........................................................................................................................116 Gráfico 9 - Frequência das farmácias presentes nos orçamentos anexos aos

processos judicial de medicamentos. Município de Campos dos Goytacazes, 2013..........................................................................................................................138 Gráfico 10 - Bloqueios dos processos judiciais por renda individual dos autores das

ações judiciais. Município de Campos dos Goytacazes, 2013................................140

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Distribuição das demandas judiciais de medicamentos segundo a faixa

etária dos autores das ações judiciais. Município de Campos dos Goytacazes, 2013............................................................................................................................91 Tabela 2 – Distribuição das demandas judiciais de medicamentos segundo

representação familiar dos autores das ações judiciais por faixa etária. Município de Campos dos Goytacazes, 2013.................................................................................92 Tabela 3 - Distribuição das demandas judiciais de medicamentos segundo o local de

residência dos autores das ações judiciais e rendimento médio mensal das famílias. Município de Campos dos Goytacazes/2013.............................................................94 Tabela 4 - - Distribuição das demandas judiciais de medicamentos segundo às

concessões de liminar ou antecipação de tutela. Município de Campos dos Goytacazes, 2013.......................................................................................................98 Tabela 5 - Regulamentações citadas pelos Juízes na Liminar e/ou Antecipação da

tutela. Município de Campos dos Goytacazes, 2013...............................................101 Tabela 6 - Distribuição dos cadastros na instância de saúde anterior ao processo judicial. Município de Campos dos Goytacazes, 2013.............................................103 Tabela 7 - Distribuição das demandas judiciais de medicamentos por réu citado.

Município de Campos dos Goytacazes, 2013..........................................................104 Tabela 8 - Regulamentações citadas no recurso do Réu Município. Município de Campos dos Goytacazes, 2013...............................................................................106 Tabela 9 - Regulamentações citadas no recurso do Réu Estado. Município de Campos

dos Goytacazes, 2013.............................................................................................109 Tabela 10 - Status dos processos judiciais de medicamentos. Município de Campos dos Goytacazes/2013...............................................................................................112 Tabela 11 - Tempo Mediano das demandas judiciais de medicamentos para decisão

em antecipação de tutela, intimação da instância de saúde e a obtenção do medicamento por Representação judicial. Município de Campos dos Goytacazes, 2013..........................................................................................................................113 Tabela 12 - Distribuição das demandas judiciais de medicamentos com exigência de bloqueio do valor dos medicamentos na Conta do Município. Município de Campos dos Goytacazes, 2013.............................................................................................115 Tabela 13 - Características das prescrições médicas anexas aos processos judiciais de me medicamentos. Município de Campos dos Goytacazes, 2013.....................118

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Tabela 14 - Distribuição dos diagnósticos principais identificados, segundo capítulo e

agrupamento da CID10. Município de Campos dos Goytacazes, 2013..................119 Tabela 15 - Distribuição dos diagnósticos principais e secundários, identificados segundo capítulo e agrupamento da CID10. Município de Campos dos Goytacazes, 2013..........................................................................................................................120 Tabela 16 - Distribuição dos medicamentos solicitados, segundo classificação pelo primeiro nível do Código Anatômico, Terapêutico e Químico - código ATC. Município de Campos dos Goytacazes, 2013..........................................................................122 Tabela 17 - Distribuição dos Medicamentos solicitados, classificados pelo quinto nível do Código Anatômico, Terapêutico e Químico - código ATC, com prescrição por nome genérico e presença nas listas do SUS. Município de Campos dos Goytacazes,2013......................................................................................................123 Tabela 18 - Distribuição dos medicamentos solicitados conforme as listas de

medicamentos essenciais vigentes. Município de Campos dos Goytacazes, 2013..........................................................................................................................124 Tabela 19 - Distribuição dos Medicamentos solicitados, classificados pelo quinto nível

do Código Anatômico, Terapêutico e Químico - código ATC e presença nas listas do SUS. Município de Campos dos Goytacazes, 2013.................................................125 Tabela 20 - Proporção de medicamentos demandados com alternativa terapêutica no

Sistema Único de Saúde, classificados pelo quinto nível do Código Anatômico, Terapêutico e Químico - código ATC e Listas Oficiais do SUS................................126 Tabela 21 - Distribuição dos medicamentos demandados com alternativa terapêutica

no Sistema Único de Saúde, classificados pelo quinto nível do Código Anatômico, Terapêutico e Químico - código ATC e Listas Oficiais do SUS. Município de Campos dos Goytacazes, 2013..............................................................................................128 Tabela 22 - Características dos medicamentos prescritos e concedidos por ordem judicial segundo a conformidade com as legislações vigentes. Município de Campos dos Goytacazes, 2013..............................................................................................129 Tabela 23 - Distribuição dos medicamentos solicitados por processos judiciais segundo o Componente de Financiamento do SUS e Listas Oficiais do SUS. Município de Campos dos Goytacazes, 2013..........................................................................130 Tabela 24 - Distribuição dos medicamentos pertencentes ao Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, classificados pelo quinto nível do Código Anatômico, Terapêutico e Químico - código ATC e Listas Oficiais do SUS. Município de Campos dos Goytacazes, 2013..........................................................................131 Tabela 25 - - Distribuição dos medicamentos pertencentes ao Componente

Especializado da Assistência Farmacêutica e classificados com diagnóstico correspondente a Portaria nº 1.554 de 30 de julho de 2013 e o diagnóstico prescrito e anexo ao processo judicial. Município de Campos dos Goytacazes, 2013.............133

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Tabela 26 - Distribuição dos medicamentos pertencentes ao Componente

Especializado da Assistência Farmacêutica, e classificação dos órgão gestor responsável pela a aquisição, financiamento, armazenamento e dispensação conforme a Portaria nº 1.554 de 30 de julho de 2013, e segundo o réu citado nos processos. Município de Campos dos Goytacazes, 2013........................................135

Tabela 27 - Gastos dos medicamentos mais solicitados em processo judicial com

compra unitária efetuada nas farmácias e o valor dos medicamentos nas compras efetuadas pelo governo. Município de Campos dos Goytacazes, 2013...................137 Tabela 28 - Gastos dos medicamentos mais solicitados em processo judicial, segundo

o bloqueio judicial, a renda do autor da ação judicial e a origem da prescrição médica. Município de Campos dos Goytacazes, 2013..........................................................139

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABS - Atenção Básica de Saúde ATC - Anatomical Therapeutic Chemical ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade ADINs – Ações Diretas de Inconstitucionalidade AIS - Ações Integrais da Saúde AMS - Assistência Médica Sanitária ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária APAC - Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade/Alto Custo CACON - centros de alta complexidade em oncologia CEAF - Componente Especializado da Assistência Farmacêutica CEME - Central de Medicamentos CETSS - Contribuições dos Empregadores e dos Trabalhadores para a Seguridade Social CIB - Comissões Intergestores Bipartite CID 10 - Classificação Internacional de Doença CIT - Comissão Intergestores Tripartite CNES - Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde CNS - Conselho Nacional de Saúde CPMF - Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira COFINS - Contribuição para Financiamento da Seguridade Social CONITEC - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS Conjur/MS – Consultoria Jurídica/Ministério da Saúde CSLL - Contribuição sobre o Lucro

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CSS - Contribuição Social para a Saúde DECIT - Departamento de Ciência e Tecnologia DST/AIDS – Doença Sexualmente Transmissível/Acquired Immune Deficiency Syndrome EC – Emenda à Constituição FBH - Federação Brasileira de Hospitais HC – Habeas Corpus HIV/AIDS - Human Immunodeficiency Virus/Acquired Immune Deficiency Syndrome INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INSS – Instituto Nacional do Seguro Social LOS - Lei Orgânica Saúde MPAS - Ministério da Previdência e Assistência Social MS - Ministério da Saúde MS/GM – Ministério da Saúde Gabinete do Ministro NOAS – Norma Operacional de Assistência à Saúde NOB/91 - Norma Operacional Básica de 1991 NOB/92 - Norma Operacional Básica de 1992 NOB/93 - Norma Operacional Básica de 1993 NOB/96 - Norma Operacional Básica de 1996 NOBs - Normas Operacionais Básicas OMS - Organização Mundial de Saúde PAB - Piso Assistencial Básico PACS - Programa de Agentes Comunitários de Saúde PCDT - Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas PEC – Proposta de Emenda à Constituição PNAF - Política Nacional de Assistência Farmacêutica

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PNM - Política Nacional de Medicamentos PSF - Programa de Saúde da Família REMUME - Relação Municipal de Medicamentos Essenciais RENAME - Relação Nacional de Medicamentos Essenciais SADT - Serviços de Apoio à Diagnoses e Terapia SAS/MS - Secretaria de Ações de Saúde do Ministério da Saúde SCTIE - Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos STF – Supremo Tribunal Federal SUDS - Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde SUS – Sistema Único de Saúde UBS - Unidades Básicas de saúde

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................19 1 CONSTITUIÇÃO DO DIREITO À SAÚDE E À ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA: DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO..........................................................................24

1.1 O legado do direto à saúde e à assistência farmacêutica...................................24 1.2 Constituição e Institucionalização do Sistema Único de Saúde..........................31 1.3 O acesso à Assistência Farmacêutica no Sistema Único de Saúde...................35

1.4 A Política de Saúde no contexto atual: alguns apontamentos............................42 2 O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE................47 2.1 Acesso à justiça no contexto internacional..........................................................47 2.2 O acesso à justiça no Brasil................................................................................51 2.3 “Judicialização da Política”: legitimação de direitos ou retrocesso democráticos?...........................................................................................................57 3 O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL......................62

3.1 Demandas Judiciais, acesso aos medicamentos e o direito fundamental à saúde dos Cidadãos.......................................................................................................62

3.2 Decisões Judiciais de medicamentos: por uma Justiça Distributiva ou Justiça

Comutativa?.........................................................................................................70 3.3 Processos judiciais individuais de medicamentos baseados em pesquisas

empíricas..............................................................................................................75 3.4 “Judicialização da Saúde” em Campos dos Goytacazes....................................79 4 “JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE” NO MUNICIPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES E O ACESSO A ASSISTENCIA FARMACEUTICA.......................82 4.1 Metodologia da Pesquisa....................................................................................82 4.2 Objetivos da Pesquisa.........................................................................................87 4.2.1 Objetivo Geral...................................................................................................87 4.2.2 Objetivos específicos........................................................................................87

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4.3 Hipóteses da Pesquisa........................................................................................88 4.4 Resultados e Análises.........................................................................................88 4.4.1 O acesso a medicamentos por meio das instâncias jurídicas no município de Campos dos Goytacazes..........................................................................................88 4.4.2 Características sócio demográficas do autor da ação judicial.........................91 4.4.3 Características processuais das ações judiciais para acesso à medicamentos...........................................................................................................96 4.4.4 Características médico-sanitárias das ações judiciais de acesso à medicamentos.........................................................................................................115 4.4.5 Características político-administrativas das ações judiciais...........................129 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................141 REFERÊNCIAS ......................................................................................................148 APÊNDICE..............................................................................................................155

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INTRODUÇÃO

Com a Constituição Brasileira de 1988, conquistou-se normativamente o direito

à saúde, tendo o Estado assumido a responsabilidade pelo atendimento à saúde da

população de forma universal, igualitária e integral. Por meio de normas

infraconstitucionais, foi regulamentado o Sistema Único de Saúde (SUS), que

assegurou, dentre outros, o acesso à assistência farmacêutica. Entretanto, o SUS ao

ter sido implantado em condições financeiras adversas (FLEURY, 2012), não tem

conseguido atender à demanda e às necessidades de saúde, principalmente no que

diz respeito ao acesso a medicamentos, o que, tem motivado, em parte, o recurso ao

Poder Judiciário (TORRES, 2013; PEPE et al., 2010a).

No Brasil, o fenômeno denominado ‘judicialização da saúde’1 revela-se pelo

avanço no plano normativo jurídico da Constituição, que possibilitou tutela dos direitos

sociais mediante os mecanismos e instrumentos no âmbito do poder judiciário

(SANT’ANA et al., 2011a). Entretanto, pela insatisfação da insuficiência das políticas

públicas, o protagonismo do poder judiciário é legitimado como única esperança de

acesso aos bens e serviços públicos à população. É o que nos diz Sierra (2011), ao

afirmar que este fenômeno é “mais que uma forma de proteção contra os abusos do

poder executivo, pois ocorre em função da escassez da política que asseguraria a

efetivação da cidadania” (SIERRA, 2011. p.260).

A judicialização da saúde emergiu no Brasil na década de 90, pelas ações

judiciais individuais dos pacientes com HIV/AIDS que, mediante inércia dos poderes

executores e legislativos, passaram a requerer medicamentos antiretrovirais e

procedimentos médicos, via processo judicial (VENTURA et al., 2010). A ação destes

pacientes estimulou outras enfermidades, e, atualmente, o perfil das ações judiciais é

1 Em virtude da polissemia do termo judicialização (MACIEL e KORNER, 2002), considera-se o conceito adotado por Oliveira (2005, p. 559) em que é entendido como “utilização de procedimentos judiciais para a resolução de conflitos de ordem política, tais como controvérsias a respeito de normas, resoluções e políticas públicas em geral, adotadas/implementadas pelos Poderes Executivo e Legislativo”. A judicialização se efetiva em três fases: 1) Acionamento do Judiciário através do ajuizamento de processos – ou politização da justiça; 2) Julgamento do pedido de liminar (quando houver); 3) Julgamento do mérito da ação. De acordo com essa autora, há judicialização apenas quando o Judiciário responde à demanda, independentemente da decisão à qual chega. Embora o presente trabalho concentre-se na análise das demandas judiciais (um termo que seria mais apropriado para o título), foi mantida a nominação “Judicialização” (e em aspas), considerando que os processos analisados mais profundamente foram os 44 alocados no Fórum da Justiça, a partir de uma seleção inicial de 63 dos 166 processos distribuídos em 2013.

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bem mais diversificado, principalmente no que se refere a medicamentos que

abrangem variadas indicações terapêuticas (SANT’ANA et al., 2011a, p.138-144).

Os pedidos judiciais tem se fundamentado pelas prescrições médicas

(SANT’ANA et al., 2011a) e pela suposta urgência de obter algum insumo, ou pelos

pedidos de exame diagnóstico ou procedimento, “considerados capazes de solucionar

determinada “necessidade” ou “problema de saúde”” (VENTURA et al., 2010).

Enquanto, enquanto alguns destes pedidos satisfazem ao atendimento das

'necessidades básicas de saúde', outros buscam a 'saúde mais que perfeita' (SFEZ,

1996), sendo que ambos favorecem o mercado e encontram sustentação nos tribunais

(OCKÉ-REIS, 2013), sem nenhuma discriminação de suas tipologias.

O poder judiciário, que historicamente atendia sobre bases de uma justiça

comutativa, atualmente tem que intervir na questão do acesso de serviço e bens

públicos (MARQUES; DALLARI, 2007). Ocorre que as decisões judiciais com ação

favorável a alguns - os que recorrem à justiça - vai de encontro ao sistema de direito

fundamentado na Constituição, que tem como base o idealismo do pluralismo com

justiça distributiva (CITTADINO, 1999). Ou seja, o direito à assistência farmacêutica,

na perspectiva de uma justiça distributiva, depende de uma política pública para ser

estabelecido. Neste sentido, as necessidades individuais de saúde deveriam ser

contextualizadas dentro da política pública de medicamentos (SANT’ANA et al.,

2011a).

No cenário contemporâneo, cresce cada vez mais o número de processos

judiciais individuais com demanda de medicamentos (BORGES; UGÁ, 2010; CHIEFFI;

BARATA, 2009). Essas ações são deferidas, frequentemente, pelos operadores do

direito (Juízes), levando, por vezes, ao impedimento do planejamento das ações de

saúde (ALVES, 2013) e canalizando recursos que seriam destinados às ações

coletivas (FLEURY, 2012). Diante de tudo isto, o colapso do próprio Sistema Único

de Saúde do país se anuncia, tanto pela violação do princípio da equidade do SUS

(CHIEFFI; BARATA, 2009) como pelo fato da alocação de recursos orçamentários

estar sendo ignorada (ALCANTARA, 2012. p.91).

Baseado nessas análises, e na pesquisa desenvolvida por Alves (2013),

justifica-se o aprofundamento dos estudos sobre o fenômeno da judicialização da

saúde em Campos dos Goytacazes, um município do Estado do Rio de Janeiro, que

possui grande aporte de recursos financeiros provenientes da receita dos royalties, e,

mesmo assim, o acesso aos medicamentos, na maioria das vezes, se efetiva pelas

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instâncias jurídicas. No período do estudo de Alves (2013), o município já estava

habilitado ao SUS, como Gestão Plena do Sistema Municipal, ou seja, com total

autonomia no planejamento e gestão de suas políticas de saúde, inclusive no que diz

respeito ao financiamento. No estudo de Marques da Silva e Alves (2014) foi

identificado que, dentre os 101 processos provenientes da Defensoria Pública, 32%

correspondiam aos medicamentos da REMUME e 39% eram referentes aos

medicamentos padronizados pela Secretaria Municipal de Saúde. Ou seja, constatou-

se que 71% dos processos corresponderam aos medicamentos que deveriam estar

disponibilizados nas UBS e na Farmácia Central Municipal.

De acordo com Borges e Ugá (2009), a judicialização da assistência

farmacêutica é um fenômeno complexo, pois, além de envolver diversos atores sociais

(gestores do SUS, magistrados, profissionais de saúde e cidadãos), implica em

decisões tanto sobre política de saúde como também sobre técnicas relativas à

incorporação de tecnologia. Nesta complexidade, incluem-se conflitos diferentes ao

que o poder judiciário está acostumado a lidar, tanto por ser uma questão relativa à

saúde e, muitas vezes, urgente, como por ser de direito à vida, este consagrado como

cláusula pétrea na Constituição Federal/1988, e, portanto, com a exigência de não

abstenção de decisão (BORGES; UGÁ, 2010). Por outro lado, no caso de não

acatamento de decisões, anunciar-se-ia uma crise de autoridade da justiça (SIERRA,

2011).

Nestes termos, a judicialização da saúde tornou-se uma preocupação nacional,

motivando discussões sobre conhecimentos técnicos entre operadores do direito e da

saúde e realização de uma Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal (PEPE et

al., 2010a). Também, ressalta-se outros eventos nos estados e municípios, como

seminários, fóruns itinerantes e implementações de câmaras técnicas e ouvidorias.

Particularmente, em Campos dos Goytacazes foi realizado um acordo entre a

Secretaria Municipal de Saúde e a Defensoria Pública (CAMPOS DOS

GOYTACAZES, 2011). Neste acordo, segundo Alves (2013), os procedimentos

adotados como “estratégias e pactuações extrajudiciais (juridicização) visando

impedir que os conflitos sejam decididos nos espaços jurídicos (judicialização) não

têm sido instrumentos viabilizadores do direito à saúde”.

Por reconhecer a existência da multiplicidade de pesquisas sobre o fenômeno

de 'judicialização da saúde' existentes nas diversas regiões do país enfocando o

acesso da assistência farmacêutica e as demandas judiciais e a ausência de um plano

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de análise, Pepe et al. (2011) elaboraram um manual (Indicadores de avaliação e

monitoramento das demandas judiciais de medicamentos) objetivando realizar um

amplo estudo multicêntrico nas três esferas de gestão do SUS e, após diagnóstico

desta realidade, contribuir para a garantia do direito ao acesso aos medicamentos de

forma racional (TORRES, 2013).

Este presente trabalho, tendo como objeto a judicialização da saúde a partir do

acesso a medicamentos em Campos dos Goytacazes, é fruto de uma pesquisa

avaliativa, empírica-analítica e de natureza qualitativa. A técnica de pesquisa utilizada

foi a análise documental, tendo como campos o Fórum de Justiça e a Secretaria

Municipal de Saúde de Campos dos Goytacazes. Nesta secretaria, a pesquisa

concentrou-se, especificamente, no setor de dispensação de medicamentos que,

atualmente, é a instituição responsável pelo serviço de avaliação e distribuição destes.

As unidades de análise foram os processos judiciais, os discursos e as práticas dos

operadores do direito e da saúde. Objetivou-se analisar as demandas judiciais de

medicamentos e as decisões dos Poderes do Executivo e do Judiciário no que se

refere ao direito à saúde no município de Campos dos Goytacazes. Tendo como

instrumento para análise o Manual de monitoramento das demandas judiciais de

medicamentos (PEPPE et al., 2011), buscou-se identificar as características

sociodemográficas dos autores impetrantes das ações judiciais e as características

processuais, médico-sanitárias e político-administrativas das ações judiciais. As

hipóteses norteadoras foram: 1) Os impetrantes das ações judiciais possuem

melhores condições socioeconômicas e mais acesso à informação, sendo, por

conseguinte, privilegiados no acesso aos medicamentos; 2) As tomadas de decisão

dos Juízes são amparadas principalmente pela Constituição Federal de 1988; 3) O

deferimento das demandas judiciais individuais de medicamentos, com base apenas

preceitos da Constituição Federal, sem considerar os leis infraconstitucionais e os

protocolos clínicos do SUS, têm comprometido o à gestão da Política; 4) A indústria

farmacêutica influência nas demandas judiciais de medicamentos; 5) O tempo de

tramitação dos processos interfere negativamente nas questões de saúde; 6). Os

operadores da saúde não tem respondido aos processos judiciais, e, tem, por isso,

corroborado para o aumento das demandas judiciais.

Este trabalho compõe-se de quatro capítulos. O primeiro capítulo busca

entender o processo que impulsionou o acesso aos medicamentos via instâncias

jurídicas e a trajetória histórica da constituição dos direitos sociais, pelos quais inclui

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o direito à saúde. Neste, há a ênfase no acesso à assistência farmacêutica no Brasil,

de forma a apresentar as diversas leis infraconstitucionais que a regulamentam e que

no atual contexto tem sido alvo de questionamentos, pela não operacionalidade dos

entes federativos. O segundo capítulo versa sobre a emergência do fenômeno da

judicialização das políticas, bens e serviços públicos e sua expansão nos diversos

países. Enfatiza a realidade brasileira que se apresenta de modo peculiar, devido à

instabilidade nas regulamentações, as precárias políticas ofertadas pelo executivo e

ao distanciamento das leis à efetiva concretização dos direitos. O terceiro capítulo

baseia-se nos estudos empíricos sobre a judicialização da saúde, com enfoque mais

específico na judicialização de medicamentos. Analisa-se como esta vem se

expandindo, a sua efetivação por meio das decisões judiciais e se seriam norteadas

pelos princípios da universalidade, integralidade e equidade conforme preceitua o

SUS. O quarto capítulo apresenta os resultados da pesquisa sobre a judicialização do

acesso à assistência farmacêutica realizada no município de Campos dos

Goytacazes. Por último, as considerações finais referentes ao fenômeno em nível

local que, acredita-se, poderão contribuir para questões em nível nacional.

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1. CONSTITUIÇÃO DO DIREITO À SAÚDE E À ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA:

DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO.

1.1 O legado do direto à saúde e à assistência farmacêutica.

O direito à saúde foi legalmente reconhecido como um “direito de todos e dever

do Estado” (BRASIL, 1988), a partir da Constituição Federal de 1988. Foi fruto de

reivindicações de grupos pluralistas pertencentes ao movimento de reforma sanitária

surgido na segunda metade da década de 1970, e de outros movimentos sociais. Teve

suas normatizações e materialização a partir de 1990, com a criação do Sistema Único

de Saúde (SUS), redirecionando-se o modo de pensar a saúde como um status de

direito (BRAVO, 2007). O SUS passou a ser responsável pela provisão do acesso

universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação,

incluindo, entre suas responsabilidades, o fornecimento dos medicamentos

necessários (BRASIL, 2002).

Ressalta-se que nos anos 70, antes mesmo desse período de universalização

da cobertura de acesso à saúde como direito, já havia preocupação do governo

brasileiro com esse acesso e aos medicamentos. Na busca de soluções, houve

formação de duas correntes políticas. Uma era a proposta de controle estatal mais

acentuado, originária de segmentos militares de cunho nacionalista, e a outra

pretendia ampliar a assistência governamental mediante aquisições do setor privado

a preços mais baixos (BERMUDEZ, 1995).

A criação da Central de Medicamentos (CEME)2, em 1971, foi umas das

soluções criadas pelo governo para garantir o acesso aos medicamentos por aqueles

sem condições econômicas para adquiri-los no mercado. A intenção era a de que, ao

funcionar como uma instituição reguladora da produção e distribuição de

medicamentos dos laboratórios farmacêuticos subordinados ou vinculados à indústria

privada e aos ministérios (Ministérios da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, da

Saúde, do Trabalho e Previdência Social e da Saúde), pudesse “promover e organizar

o fornecimento, por preços acessíveis, de medicamentos” (BRASIL, 2002).

2A CEME, subordinada à Presidência da República, foi regulamentada em 25 de junho de 1971, mediante ao Decreto nº. 68.806. Esta “representou um marco para a cultura da gestão centralizada e participativa da saúde, em especial no tocante à utilização dos medicamentos” (LIMA, 2003 apud PORTELA et al., 2010. p.10).

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Dessa forma, a CEME definiu as políticas para o setor farmacêutico, ao ter

centralizado as compras governamentais de medicamentos, e incentivado o

desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica e a comercialização

(COSENDEY et al., 2000 apud Portela et al., 2010). Destaca-se, também, sua “função

protetora das novas indústrias farmacêuticas que começavam a surgir no Brasil”,

auxiliando na compra dos produtos fabricados por estas indústrias e, em caso de

estoques de seus produtos, na revenda aos laboratórios oficiais (LIMA, 2003 apud

PORTELA et al., 2010).

A CEME também contribuiu para criação da lista de medicamentos essenciais

por meio da Portaria do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) nº. 233

em 1975, denominada de Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)

e que se constituiu como um instrumento de fornecimento de medicamentos

prioritários para as unidades de saúde (PORTELA et al., 2010). Destaca-se que

anteriormente, em 1964, mediante o Decreto nº. 53.612, foi estabelecida a primeira

lista de medicamentos denominada Relação Básica e Prioritária de Produtos

Biológicos e Materiais para Uso Farmacêutico Humano e Veterinário (PORTELA et al.,

2010). Essa lista de medicamentos foi criada antes da Organização Mundial de Saúde

(OMS), de 1977, demarcando a preocupação com o abastecimento dos

medicamentos essenciais à população brasileira (PORTELA et al., 2010).

Nos anos 80, ocorreu o esgotamento do modelo médico assistencial privatista,

mostrando a inadequação da realidade sanitária brasileira e, ao mesmo tempo, a crise

fiscal do Estado, esta com repercussão direta na Previdência Social (MENDES et

al.,2012 apud MENDES, 1999). As mudanças ocorridas no Brasil alterarão as funções

desempenhadas, até então, pela CEME, que passou a ser simples distribuidora, com

sua extinção em 1977.

O cenário era marcado por uma prática médica dominante que não se apresentava eficaz na alteração dos perfis de morbimortalidade, pois se baseava na prática curativa e reabilitadora; os custos eram crescentes e inviabilizavam a sua expansão; havia falta de critérios para as compras de serviços aos hospitais privados e, além disso a crescente insatisfação da população usuária e trabalhadores da saúde com relação aos serviços prestados pela previdência social no atendimentos as necessidades de saúde (MENDES et al., 2012. p.167 apud MENDES, 1999).

O contexto político da década de 80 favoreceu aos reformistas, ainda que o

modelo anterior limitasse suas estratégias de reformas. Os “defensores” do

movimento de reforma sanitária propunham uma reforma abrangente e de orientação

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redistributiva para o setor saúde desde o final da década de 70. Dentre as

reinvindicações, buscava-se pela “universalização da cobertura, a extensão de

programas preventivos e atenção básica à população de baixa renda, o aumento do

controle sobre os provedores privados e a descentralização”. Destaca-se que os

reformistas setoriais pretendiam a descentralização da política, a fim de enfraquecer

a influência dos provedores privados (representados pelo setor hospitalar privado e

da indústria farmacêutica) sobre o processo decisório da política de saúde. Estes

avaliavam que a centralização decisória favorecia os provedores privados, já que a

burocracia do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

(INAMPS) era capturada pela indústria hospitalar e de remédios.

Todo este contexto culminou com a VIII Conferência Nacional da Saúde, em

1986, que contou com a participação de aproximadamente quatro mil e quinhentas

pessoas, conduzindo a discussão da saúde a toda população e ultrapassando os

limites setoriais e burocráticos. Para Bravo (1996), o marco na história da saúde no

Brasil foi a preparação e a realização desse movimento. A temática central

estabelecida nessa Conferência compreendeu:

I) A saúde como direito inerente à personalidade e à cidadania; II) Reformulação do Sistema Nacional de Saúde, em consonância com os princípios de integração orgânico-institucional, descentralização, universalização e participação, redefinição dos papéis institucionais das unidades políticas (União, estado, municípios, territórios) na prestação dos serviços de saúde; III) Financiamento setorial (Anais da VIII Conferência Nacional de Saúde, 1987 apud Ibid. p.77).

No âmbito do acesso medicamentos, o relatório final da Conferência

reivindicava por uma maior presença estatal na produção farmacêutica, proibição da

propaganda comercial de medicamentos e fiscalização rigorosa da qualidade e da

comercialização a serem realizadas pela vigilância sanitária (BONFIM; MERCUCCI,

1997 apud BRASIL, 2002). Destaca-se que, em 1986, de acordo com os dados da

PNAD, havia desigualdade no acesso a medicamentos, sendo de 14,6% o percentual

de pessoas contempladas com os medicamentos, enquanto 74,1% pessoas não

utilizaram serviços de saúde e não receberam os medicamentos que necessitavam

(BRASIL, 2002).

Neste cenário, emergem dois blocos de interesses divergentes em prol da

Assembleia Constituinte com relação à Saúde. Um grupo representado por

empresários, sob a liderança da Federação Brasileira de Hospitais (setor privado) e

da Associação de Indústrias Farmacêuticas (Multinacionais), e outro representado

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pelas forças propugnadoras da Reforma Sanitária, representadas pela Plenária

Nacional pela Saúde na Constituinte. Este último destacou-se pelo quantitativo de

entidades representativas do setor e mobilização da sociedade que, ao aliarem a

capacidade técnica de formular com antecipação um projeto de texto constitucional

claro e consistente e a pressão constante sobre os constituintes, redundou na eficácia

da Plenária das Entidades (BRAVO, 1996). Cabe destacar que a proposta de emenda

popular apresentada por Sergio Arouca, indicado pela plenária de Saúde para

defendê-la no Plenário da Constituinte foi assinada por mais de cinquenta (50) mil

eleitores, representando 167 entidades (BRAVO, 1996).

Este movimento em prol da reforma do setor de saúde, fruto da VIII Conferência

Nacional de Saúde, conduziu o governo a adotar a política das Ações Integrais da

Saúde (AIS), produzindo efetivamente um deslocamento de recursos financeiros da

previdência social para o setor público prestador de serviços de saúde e uma

integração das ações setoriais. Posteriormente, com a constituição do Sistema

Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), acentuou-se o processo de

descentralização e redefinição de papéis e atribuições entre os níveis federal, estadual

e municipal.

Em relação à assistência farmacêutica, dois fatos ocorreram nesse período. O

primeiro, em 1987, com o desenvolvimento do Programa de Farmácia Básica que

objetivava suprir certa quantidade de medicamentos selecionados pela Relação

Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) - 40 itens - e padronizar, em âmbito

nacional, os medicamentos utilizados no tratamento de doenças de ocorrência comum

no Brasil, em nível ambulatorial. Essa proposta de padronização não obteve êxito,

pois cada região brasileira apresentava um perfil de morbimortalidade específico,

resultando na falta ou no excesso dos medicamentos (OLIVEIRA et al., 2006;

COSENDEY et al., 2000 apud PORTELA et al., 2010).

O segundo fato ocorreu em 1988, quando a CEME organiza o I Encontro

Nacional de Assistência Farmacêutica e Política de Medicamentos, com apresentação

do diagnóstico da situação do setor, que incluía, entre outros, o não reconhecimento

de patentes e a necessidade de ampliação de pesquisas no setor e de ampliação e

inserção no SUS da assistência farmacêutica. Não obstante este diagnóstico, a

cobertura de medicamentos para o SUS foi reduzida em 20% entre 1991 e 1992

(BRASIL, 2002). Ainda esse ano, em 1987, com a constituição da Assembleia

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Nacional Constituinte, garantiu-se as propostas e os conteúdos elaborados no

relatório final da VIII Conferência Nacional de Saúde (BRAVO, 2007).

A promulgação da Constituição Federal de 1988 estabeleceu a Saúde como

integrante da Seguridade Social, juntamente com a Previdência Social e a Assistência

Social. Desse modo, diferentemente do seguro social, a Seguridade Social integra um

conjunto de ações, dos quais compete aos poderes públicos e à sociedade garantir

os direitos referentes às três políticas supracitadas, com base nos seguintes objetivos:

universalidade da cobertura e do atendimento; uniformidade e equivalência dos

benefícios e serviços; seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e

serviços; irredutibilidade do valor dos benefícios; equidade na forma de participação

no custeio; diversidade da base de financiamento; caráter democrático e

descentralizado da administração, com participação popular. (BRASIL, 1998).

Para Teixeira (1989, p.50), as reivindicações contempladas a partir da nova

Constituição podem ser destacadas pelos seguintes aspectos:

O direito universal à Saúde e o dever do Estado, acabando com

discriminações existentes entre segurado/não segurado, rural/urbano; As ações e Serviços de Saúde passaram a ser considerados de relevância

pública, cabendo ao poder público sua regulamentação, fiscalização e controle;

Constituição do Sistema Único de Saúde integrando todos os serviços públicos em uma rede hierarquizada, regionalizada, descentralizada e de atendimento integral, com participação da comunidade;

A participação do setor privado no sistema de saúde deverá ser complementar, preferencialmente com as entidades filantrópicas, sendo vedada a destinação de recursos públicos para subvenção às instituições com fins lucrativos. Os contratos com entidades privadas prestadoras de serviços far-se-ão mediante contrato de direito público, garantindo ao Estado o poder de intervir nas entidades que não estiverem seguindo os termos contratuais;

Proibição da comercialização de sangue e seus derivados. (TEIXEIRA, 1989. p.50-51)

Para Fleury (2009), o processo constituinte e, a promulgação da Constituição

de 1988 representou um avanço em relação às formulações legais anteriores. Assim,

com a promessa de afirmação e extensão dos direitos sociais, por meio da

regulamentação de um modelo de seguridade social, rompe-se com as noções de

cobertura restrita a setores inseridos no mercado formal e afrouxam os vínculos entre

contribuições e benefícios, gerando mecanismos mais solidários e redistributivos. De

fato, representou uma profunda transformação no padrão de proteção social brasileiro,

objetivando corrigir as históricas injustiças sociais acumuladas ao longo dos anos no

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país que foram incapazes de universalizar direitos, tendo em vista a histórica tradição

de privatizar a coisa pública pelas classes dominantes (BRAVO, 2007).

Porém, apesar destes avanços na constituição dos direitos a saúde, cabe

registrar que o texto Constitucional apresenta algumas contradições devido à

polarização da discussão da saúde em dois blocos antagônicos, já citados

anteriormente: o da Plenária Nacional de Saúde, com defesa dos princípios da

Reforma Sanitária, e o representado pela Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e

a Associação das Indústrias Farmacêuticas ligadas ao setor privado (BRAVO; MATOS,

2007). Essas contradições são visualizadas nos artigos da Constituição: enquanto o

artigo 196 assegura a saúde como direito de todos e dever do Estado, o artigo 199

prevê a assistência à saúde como livre à iniciativa privada de forma complementar ao

Sistema Único de Saúde. Esta polarização impediu os reformistas de realizar todos

os propósitos da plenária de saúde e a execução dos que foram regulamentados

(BRAVO, 2007).

No que se refere à assistência farmacêutica, os avanços foram pífios, sendo

mencionado, no artigo 200, que o Sistema Único de Saúde deve “controlar e fiscalizar

procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da

produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros

insumos” (BRASIL, 1988). Nas palavras de Bravo (2007, p.11), “há apenas uma alusão

à competência do sistema de saúde para fiscalizar sua produção de medicamentos”.

Também, para essa autora, no tocante ao direito à saúde, o texto constitucional,

mediante vários acordos políticos e pressão popular, atende em grande parte às

reivindicações do movimento sanitário e prejudica os interesses empresariais do setor

hospitalar, mas não altera a situação da indústria farmacêutica.

Em relação à CEME, esta passou à gestão do Ministério da Previdência e

Assistência Social (MPAS), e, ainda sob sua gestão (1975-1985)3 (BRASIL, 2002)

começaram as críticas de ineficiência e desperdícios devido ao desvio dos seus

objetivos iniciais, principalmente em relação à Assistência Farmacêutica. De acordo

com Marin (2003), os critérios de distribuição dos medicamentos já não mais seguiam

parâmetros técnicos, resultando na utilização inadequada e na perda de parcela

significativa dos medicamentos (apresentavam prazo de validade vencido e/ou

armazenagem inadequada). Além disso, a própria RENAME, criada com objetivo de

3 A CEME a partir de julho de 1975, por meio do Decreto nº. 75.985, foi transferida ao Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) (SANT’ ANA; ASSAD, 2004 apud PORTELA et al., 2010, 10).

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implantação de um sistema integral de medicamentos, já não mais servia como

instrumento de referência para a organização dos serviços de assistência

farmacêutica, na medida em que não houve atualização das listas de medicamentos

essenciais no período entre 1983 a 1998 (MARIN, 2003).

A CEME passou a ser simples distribuidora de medicamentos, em

consequência, especialmente, da falta de contribuição dos profissionais de saúde,

como os próprios farmacêuticos, os quais incentivavam a venda dos similares das

multinacionais e de medicamentos bonificados (OPAS, 2005; LOYOLA, 2008 apud

PORTELA et al., 2010). Esse processo resultou na desativação da CEME em 1997,

havendo, no bojo do processo de descentralização da saúde, a redefinição da atuação

das três esferas de governo quanto à questão dos medicamentos. Nesse período, é

valido ressaltar, que a gestão da CEME já estava sob tutela do Ministério da Saúde

(Desde 1985)4.

Em documento de 1993, o Ministério da Saúde já identificava problemas na atuação da CEME: denúncias de corrupção, descompromisso da direção com as finalidades do órgão, desmantelamento da estrutura técnico-organizacional, desarticulação com as estruturas estaduais e municipais do sistema, perdas estimadas em 40% por deficiência da rede de distribuição e demanda superestimada para compensar descontinuidades no abastecimento (BERMUDEZ, 1995).

Vale destacar, que, com a Carta Magna, o INAMPS deixou de operar como

órgão responsável pela execução direta (por meio dos serviços próprios) ou indireta

(por meio dos contratos e convênios) das ações de saúde, assumindo a

responsabilidade de participar da definição, acompanhamento e controle das políticas

e recursos financeiros da previdência social. Com isso, as atribuições da saúde foram

gradativamente destinadas aos governos estaduais e municipais. Porém, a

transferência do INAMPS para o Ministério da Saúde ocorreu apenas em março de

1990 e sua extinção se procedeu em julho de 1993, sendo suas funções absorvidas

pela Secretaria de Ações de Saúde do Ministério da Saúde (SAS/MS) (BRAVO, 1996;

MÉDICI, 1994).

Na década de 1990, as políticas sociais brasileiras passaram a ser executadas

coadjuvantes com a adoção do projeto neoliberal, que, também, comprometeu a

execução dos pressupostos ressaltados na Constituição Federal. Esta, de acordo com

4Em 1985, o Decreto nº. 67.91.439 regulamentou a CEME como de responsabilidade do Ministério da Saúde (SANT’ANA; ASSAD, 2004 apud PORTELA et al., 2010, 10).

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Viana e Machado (2012), favoreceu o Estado Social, com a provisão social de políticas

sociais universais e de fomento às famílias, como composto na Seguridade Social.

Mas, fortaleceu, também, o Estado liberal, ao articular o econômico ao social,

comprometendo a efetivação e a execução das políticas de cunho democrático. Estes

autores vão mais além, quando afirmam que “a política social não foi criada para fincar

a base do Estado Social” com o objetivo de “criar uma sociedade de iguais protegida

das forças do mercado”, e sim, para “operar políticas focalizadas de combate à

desigualdade, de forma mais rápida e impactante no consumo das famílias” (VIANA;

MACHADO, 2012. p.4).

Para Bravo (1999), a partir da década de 1990, entram em tensão dois projetos:

o já existente projeto de reforma sanitária, construído ao longo desses anos, desde a

década de 1980, e o projeto de saúde articulado ao mercado ou privatista, hegemônico

na segunda metade da década de 1990. De um lado, o projeto da reforma sanitária

defendendo a atuação do Estado democrático e de direito, responsável pelas políticas

sociais, dentre elas a saúde. Do outro, e fazendo frente ao primeiro projeto, a contra-

reforma do Estado permitiu a hegemonia do projeto de saúde articulado ao mercado,

que se caracterizou pela contenção dos gastos com a racionalização da oferta,

descentralização com isenção de responsabilidade do poder central, amplo processo

de privatização, contratações de terceiros, entrada de firmas privados em setores

antes monopolizados pelo Estado, questionamento da universalidade do acesso com

práticas focalistas e supressão da vinculação de fonte com relação ao financiamento.

(BRAVO; MATOS, 2007). Essa polarização, nos termos de Menicucci (2006), expressa

um sistema de saúde dual, com uma rede de serviços dividida entre o setor público e

o setor privado. Estes fatores deixam os princípios e as diretrizes regulamentados

para a saúde na Constituição Federal na dependência de regulamentação.

1.2 Constituição e Institucionalização do Sistema Único de Saúde.

A Constituição Federal, em 1988 e a consequente criação do Sistema Único de

Saúde (SUS) possibilitaram avanços no plano jurídico-normativo, com o

reconhecimento da saúde como um direito do cidadão e um dever do Estado, devendo

o último garantir à população, mediante políticas sociais e econômicas, o pleno acesso

universal e equitativo às ações e serviços de saúde (BRASIL, 1988). Entretanto, o

direito a saúde pública “é uma estratégia de reforma democrática de Estado que se

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encontra em permanente tensão com os ideários neoliberais” (MENDES et al.,2012.

p.169), tendo sido necessária, na fase de regulamentação, uma forte pressão do

movimento sanitário e das autoridades locais para aprovação de duas leis (n. 8.080/90

e n. 8.142/90) (ARRETCHE, 2005).

O presidente Collor pretendia reverter o SUS e, para tal, usou seus poderes constitucionais para vetar 25 artigos da Lei 8080/90, particularmente àqueles relacionados à extinção do INAMPS, aos recursos vinculados ao financiamento do SUS e as transferências automáticas para os municípios (IDEM, 2005. p.293).

A conformação do SUS se efetiva com a elaboração da Lei Orgânica da Saúde

n°8.080/90, ao estabelecer que a organização básica das ações e dos serviços de

saúde ficaria sob a direção e gestão, competência e atribuições de cada esfera de

governo (artigo 9º), assegurando, em seu artigo 6º, o provimento da assistência

terapêutica integral, incluindo a assistência farmacêutica (BRASIL, 1990). Destaca-se

ainda neste artigo (6º), no tocante à assistência farmacêutica, a necessidade da

formulação da política de medicamentos5, para além da participação na sua produção

(BRASIL, 1990). A partir desse reconhecimento, tornou-se imperativo e prioritário a

organização da assistência farmacêutica no âmbito da saúde pública, assim como sua

execução passar a ser norteada pelos princípios e diretrizes do SUS (PORTELA et al.,

2010).

Entretanto, as conquistas, desde o final dos anos de 1980, “sempre estiveram

sobre a ameaça do capital, mesmo reconhecendo os investimentos feitos por parte do

governo na condução do SUS” (MENDES et al., 2012. p.170). A lei n° 8.142/90, por

exemplo, que compreende as leis do SUS, juntamente, com a lei 8.080/1990, veio

para garantir o exercício do controle social e as transferências intergovernamentais

dos recursos financeiros destinados à saúde, que o governo Collor havia vetado

(ARRETCHE, 2005; BRAVO, 2007).

De acordo com a Arretche (2005), as bases de sustentação do SUS ficaram

definidas por uma grande colisão. Os provedores lucrativos conservaram seu papel

na provisão de serviços especializados e mantiveram sua autonomia com o exercício

liberal da medicina, sem garantir a exclusividade ao SUS. Por outro lado, os

5 Apesar da Lei Orgânica da Saúde, (n° 8.080), no seu artigo 6º ter previsto a formulação da política de medicamentos em 1990, esta somente veio a ser regulamentada no ano de 1998, com a publicação da Portaria n.º 3.916, de 30 de outubro de 1998, que, regulamenta a Política Nacional de Medicamentos (VIEIRA; ZUCCHI, 2007).

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reformistas tiveram suas solicitações atendidas, com a garantia da integralidade das

ações e serviços de saúde de modo universal e gratuito. Ou seja, o controle público

sobre o setor privado ficou vagamente definido e as associações médicas lucrativas

passaram até ter assento no Conselho Nacional de Saúde (ARRETCHE, 2005).

Para Arretche (2005), a estrutura institucional regulamentada para o SUS não

era suficiente para orientar o processo de descentralização, e, por conseguinte,

atender as demandas de saúde da população. Isto porque, nas definições das leis,

determinou-se ao governo federal as funções de financiamento e coordenação

intergovernamental e aos municípios a responsabilidades pela gestão dos programas

locais. Dessa forma, o governo federal concentrou total autonomia sobre o

financiamento e a coordenação do sistema e os governos locais ficaram fortemente

dependentes das regras e transferências da União para implementação de suas

políticas (ARRETCHE, 2005).

Todavia, ao longo desta década, ocorreu uma significativa disputa entre o Ministério da saúde e as autoridades locais da saúde, em relação tanto a regras de descentralização quanto as regras decisórias da política de saúde (ARRETCHE, 2005).

Neste sentido, a comunidade de saúde considerou que as regras

constitucionais e a Lei Orgânica da Saúde eram insuficientes para orientar o processo

de descentralização, conduzindo o Ministério da Saúde a definir, por meio de portarias,

as Normas Operacionais Básicas (NOBs)6. Essas normas foram sendo editadas

durante os anos de 1991, 1992, 1993 e 1996, consecutivamente, determinando os

objetivos e diretrizes estratégicas para o processo de descentralização da política de

saúde.

Dentre estas normas, ressalta-se a NOB 93 e a NOB 96. A NOB 93 permitiu a

real efetivação do processo de descentralização, quando normatizou as relações

intergovernamentais, definiu regras de transferência de recursos e mecanismos de

controle e avaliação, como a criação de fases de habilitação não sequenciais aos

municípios, de acordo com o tipo de gestão (Gestão Incipiente, Parcial e Semiplena).

A NOB 01/96, implantada efetivamente em 1998, avança o processo de

descentralização, redefinindo competências de Estados e municípios e criando novas

condições de gestão para os mesmos. As formas de gestão que os municípios

6Para análise do processo de descentralização e regulamentação das Normas Operacionais Básicas consultar: Arretche (2005); Mendes et al. (2012).

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poderiam se habilitar seriam: Gestão Plena de Atenção Básica ou Gestão Plena do

Sistema Municipal. Para cada uma dessas condições de gestão foram estabelecidas

modalidades de repasses de recursos federais, repartidas entre o custeio da

assistência hospitalar e ambulatorial, ações de vigilância sanitária e as ações de

epidemiologia e de controle de doenças. E, caso o município não aderisse a nenhuma

das condições de prestadores de serviços do SUS, teriam os Estados como gestores,

até que o mesmo se habilitasse (LEVCOVITZ et al., 2001).

Pela NOB 96 foram determinadas, ainda, medidas com ênfase na atenção

básica, a partir da criação do Piso Assistencial Básico (PAB), com transferência fundo

a fundo, de forma regular e automática e com base em valor nacional per capita para

a população coberta. Incorporou, também, as ações de Vigilância Sanitária,

Epidemiologia e Controle de Doenças e adotou como estratégia principal a ampliação

de cobertura do Programa de Saúde da Família (PSF) e do Programa de Agentes

Comunitários de Saúde (PACS), com a criação de Incentivo financeiro.

Particularmente no âmbito da assistência farmacêutica, a NOB 96 enfatizou que

os medicamentos básicos, os mais utilizados pela rede pública, passassem a ser

adquiridos pelos gestores estaduais e municipais, por meio do incentivo de Assistência

Farmacêutica Básica da parte variável do Piso de Atenção Básica (PAB). Os recursos

para essa ação seriam repassados do Fundo Nacional de Saúde aos fundos dos

demais níveis de gestão em parcelas mensais.

Posteriormente, houve regulamentação para a aquisição dos medicamentos

para saúde mental, que passaram a obedecer à mesma sistemática. Além desses, os

medicamentos excepcionais, de valores elevados e administrados por longos

períodos, passaram a ser adquiridos pelos gestores nos demais níveis de governo

(Municipal e Estadual). Progressivamente, os recursos destinados à assistência

farmacêutica foram descentralizados para os estados e os municípios no final da

década de 90 (BRASIL, 2002).

Esse processo de descentralização da política de saúde e a necessidade de

formulação de uma política que definisse o acesso aos medicamentos no SUS,

apontada na Lei Orgânica Saúde (LOS) desde 1990, levou à criação da Política

Nacional de Medicamentos (PNM) em 1998, e, em 2004, a Política Nacional de

Assistência Farmacêutica. A preocupação dos gestores da saúde nessas políticas,

além de corresponder à necessidade de promover ações estruturantes da assistência

farmacêutica para a execução das ações e serviços de saúde, situa-se nos princípios

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de universalidade, integralidade e equidade, fixados na LOS (SANT’ ANA et al., 2011a.

p.139).

1.3 O acesso à Assistência Farmacêutica no Sistema Único de Saúde.

O ressurgimento da assistência farmacêutica inaugura-se, como ‘prática’ com

a supracitada Lei Orgânica da Saúde 8.080/1990, que a inclui como reponsabilidade

do SUS, e, também, com a Política Nacional de Medicamentos, que após um processo

intenso de negociação e pactuação, envolvendo diversos atores, como as esferas de

governo, indústria, sociedade civil e academia, destacou-se como a primeira política

setorial da área da saúde regulamentada no país (OLIVEIRA et al., 2007).

A Política Nacional de Medicamentos (PNM) foi criada, mediante a

regulamentação da Portaria n.º 3.916, de 30 de outubro de 1998, com a finalidade de

garantir o acesso da população aos medicamentos considerados essenciais; a

necessária segurança, a eficácia e a qualidade dos medicamentos; a promoção do

uso racional dos medicamentos, e organizar as atividades de vigilância sanitária de

medicamentos. Para sua operacionalidade, baseia-se nas seguintes diretrizes:

Adoção da Relação de Medicamentos Essenciais; Regulação sanitária de

medicamentos; Reorientação da Assistência Farmacêutica; Promoção do uso racional

de medicamentos; Desenvolvimento científico e tecnológico; Promoção da produção

de medicamentos; Garantia da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos;

Desenvolvimento e capacitação de recursos humanos.

Ressalta-se a reorientação do acesso à assistência farmacêutica como um

grande avanço com a implementação da PNM, já que segue sob a definição ou

redefinição de planos, programas e atividades específicas, nas três esferas de

governo, para acesso à população aos medicamentos essenciais, rompendo com a

gestão anterior que, sob a responsabilidade da CEME (1997), restringia a aquisição e

distribuição dos medicamentos.

A partir da PNM, a assistência farmacêutica passa a ser entendida como:

Grupo de atividades relacionadas com o medicamento, destinadas a apoiar as ações de saúde demandadas por uma comunidade. Envolve o abastecimento de medicamentos em todas e em cada uma de suas etapas constitutivas, a conservação e controle de qualidade, a segurança e a eficácia terapêutica dos medicamentos, o acompanhamento e a avaliação da utilização, a obtenção e a difusão de informação sobre medicamentos e a educação permanente dos profissionais de saúde, do paciente e da

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comunidade para assegurar o uso racional de medicamentos (BRASIL, 2001).

A adoção do RENAME orientou a padronização das listas e a construção das

listas estaduais e municipais, facilitando o processo de descentralização das esferas

(BRASIL, 1998) e constituindo um mecanismo de redução dos custos dos produtos.

Nos termos de Sant' Ana, destaca-se como “um instrumento racionalizador das ações

no âmbito da assistência farmacêutica, nos três níveis de complexidade — desde a

atenção básica até o nível terciário” (SANT’ ANA et al., 2011a. p.139).

Em 1999, nos marcos da ação da PNM, o Ministério da Saúde cria duas

estratégias para a garantia do acesso a medicamentos. Uma delas foi a criação da

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mediante a regulamentação da Lei

nº. 9.782, constituindo-se esta como órgão responsável pela fiscalização do controle

de qualidade na fabricação dos medicamentos (OLIVEIRA et al., 2006). A outra

estratégia foi a regulamentação da Lei dos Genéricos, por meio da Lei Federal nº

9787, que dispôs sobre a utilização dos medicamentos genéricos por tornar

obrigatória a adoção da denominação genérica nas compras públicas (BRASIL,1998).

Em 2001, o Ministério da Saúde instituiu a Norma Operacional da Assistência

à Saúde (NOAS 01/2001) (BRASIL, 2001a), que avançou em relação à NOB/96, ao

ampliar as responsabilidades dos municípios na Atenção Básica de Saúde (ABS),

definiu o processo de regionalização da assistência, criou mecanismos para o

fortalecimento da capacidade de gestão do SUS e atualizou os critérios de habilitação

de estados e municípios. As ações de suprimentos e de dispensação dos

medicamentos da Farmácia Básica foram definidas dentre as ações que deveriam ter

sua oferta localizada o mais perto possível da residência dos cidadãos (MARIN, 2003).

A Lei 8080 e a NOB 02/96, referem-se a uma assistência farmacêutica integral. Em relação a elas, portanto, a NOAS 01/2001 pode ser entendida como um retrocesso. O enunciado nos remete ao conceito anterior à formulação da política de medicamentos que considerava a assistência farmacêutica como simples ‘suprimento de medicamentos’, sem considerar os aspectos relacionados ao uso racional (MARIN, 2003. p.18).

Em 2004, a Resolução 338/2004 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) reitera

os princípios da Lei Federal nº 8.080/90 e, em seus eixos estratégicos, ratifica o que

foi proposto na PNM (CNS, 2004) por meio da promulgação da Política Nacional de

Assistência Farmacêutica (PNAF).

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A assistência farmacêutica trata de um conjunto de ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, tanto individual como coletivo, tendo o medicamento como insumo essencial e visando o acesso e ao seu uso racional. Este conjunto envolve a pesquisa, o desenvolvimento e a produção de medicamentos e insumos, bem como a sua seleção, programação, aquisição, distribuição, dispensação, garantia da qualidade dos produtos e serviços, acompanhamento e avaliação de sua utilização, na perspectiva da obtenção de resultados concretos e da melhoria da qualidade de vida da população (BRASIL, 2004, art.1º§III).

A Política Nacional de Assistência Farmacêutica ratifica as diretrizes e

princípios da Política Nacional de Medicamentos, ressaltando o direito à assistência

farmacêutica em todas as atividades que envolvem o acesso aos medicamentos,

desde a pesquisa até a sua utilização destes, ponto em que se configura,

efetivamente, o acesso aos medicamentos (OLIVEIRA et al., 2007; LIMA, 2012). Essa

política, inclusive, chama atenção para a necessidade de integralizar as ações de

assistência farmacêutica no âmbito do SUS, com o privilégio da efetivação do acesso,

da qualidade e da humanização da assistência farmacêutica, mantendo, ao mesmo

tempo, a lógica de descentralização e de pactuação entre instâncias gestoras, de

modo a controlar as fragmentações das ações (OLIVEIRA et al., 2007).

Em 2006, objetivando estabelecer um novo acordo de financiamento e definir

responsabilidades entre as três esferas de governo na produção de saúde, o

Ministério da Saúde publicou o Pacto pela Saúde mediante à portaria/GM n° 399 de

22 de fevereiro de 2006. A proposta pactuada entre gestores municipais e estaduais

resumiu-se em três dimensões: 1) Pacto pela vida; 2) Pacto em defesa do SUS e 3)

Pacto de gestão. Com o Pacto pela Saúde, os Municípios e Estados substituem suas

habilitações previstas na NOB 96 e na NOAS/2001 (que definia a responsabilidade de

acordo com o nível de gestão) e aderem de forma solidária aos termos de

compromissos de gestão (MARQUES, 2012).

A partir do Pacto de Gestão, o bloco de financiamento da assistência

farmacêutica passou à responsabilidade dos três gestores do SUS. Essa

responsabilidade pactuada incluía desde a aquisição de medicamentos e insumos até

a organização das ações de assistência farmacêutica (Brasil, 2006). Por intermédio

da Portaria MS/GM nº 204/2007 e da Portaria MS/GM nº 2.981/2009, este pacto foi

regulamentado e o bloco de financiamento da assistência farmacêutica foi dividido em

três componentes: 1) Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica; 2)

Componente Básico da Assistência Farmacêutica; 3) Componente Especializado da

Assistência Farmacêutica (CEAF). Os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas

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(PCDT) regem-se, sendo neles elencadas as condições patológicas (MARQUES,

2012; OLIVEIRA et al., 2007).

Dessa forma, a Portaria MS/GM nº 204/2007, com a proposta de organizar a

assistência farmacêutica em uma mesma norma e fornecer mecanismos de

planejamento e gestão, inclusive de monitoramento e avaliação, os medicamentos

foram discriminados pelo:

Componente Básico da Assistência Farmacêutica- abriga os medicamentos

destinados a tratar agravos do âmbito da atenção básica. Seu financiamento per capita é composto pela parte fixa (medicamentos e insumos da atenção básica, com repasse do governo federal a estados e municípios, com contrapartida dos mesmos, pactuada nas Comissões Intergestores Bipartite- CIB) e parte Variável (Medicamentos e Insumos dos Programas de hipertensão e diabetes, Asma e Rinite, Saúde Mental, Saúde da Mulher, Alimentação e Nutrição e Combate ao Tabagismo).

Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica- engloba os medicamentos utilizados para endemias, DST/AIDS, Sangue e hemoderivados e Imunológicos, financiados centralizadamente pelo Ministério da Saúde.

Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional- financiado pelo ministério da saúde e pelos estados, de acordo com a pactuação na Comissão Intergestores Tripartite - CIT, mediante a regulamentação fornecida por dados das Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade/Alto Custo (APAC) e critérios técnicos definidos na Portaria n°2577, de outubro de 2006 (OLIVEIRA et al., 2007).

Conforme ressalta Oliveira et al. (2007), essa divisão de ações e

responsabilidades atribuídas aos entes federativos trouxe resultados mistos. Por um

lado, representou para a assistência farmacêutica progresso na área e incremento no

acesso. Por outro lado, em função da lógica de funcionamento do SUS com caráter

hierárquico e manutenção de programas centralizados, impactou a assistência aos

usuários, assim como a rotatividade dos gestores, as mudanças no cenário político e

a multiplicidade de fontes de repasse de recursos e da legislação reguladora, tornando

a situação bem complexa.

Ressalta-se, ainda, que o caso da assistência farmacêutica é crítico em função

dos problemas de gestão e dos mecanismos desvirtuados para garantir o acesso a

medicamentos (OLIVEIRA et al., 2007). Esse modelo de atenção à saúde acaba por

responsabilizar o poder público municipal pelas ações de saúde de todos os

residentes do município. Porém, nem todos os municípios têm conseguido assumir

seus planos municipais de saúde, já que possuem realidades muito diferenciadas e

características próprias da saúde local (considerando a disponibilidade de recursos,

capacitação gerencial e perfil epidemiológico). (MARQUES, 2012).

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Ainda que os mecanismos de gestão estejam implantados e operantes, o que não é realidade em muitas instancias do país, faltas, perdas e desabastecimentos são frequentes, uma vez que o sistema se baseia na integralidade e na hierarquização: se um elo da corrente se rompe, o esforço se perde (OLIVEIRA et al., 2007. p.89).

Em função deste adensamento crítico para o sistema e para os usuários ocorre

“o interessante fenômeno dos mandados judiciais” (OLIVEIRA et al., 2007. p.89)

sendo, no contexto atual, raro o município que não tenha que custear o tratamento de

algum paciente em especifico, com considerável ônus do orçamento da saúde,

comprometendo o custeio das ações regulares de assistência farmacêutica

(OLIVEIRA et al., 2007).

No decorrer dos anos 2009 a 2011, foram lançados e/ou atualizados 52

Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) e outras regulamentações

infraconstitucionais com o objetivo de legitimar a provisão tempestiva e racional dos

medicamentos necessários, e, principalmente, de evitar as demandas judiciais (LIMA,

2012; TORRES, 2012).

Os primeiros PCDT, implantados em 2001, logo após a criação do

Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) da Secretaria de Ciência, Tecnologia

e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde, teve a atribuição de

implementar as Políticas de Assistência Farmacêutica, de avaliação e incorporação

de tecnologias no SUS e de incentivo ao desenvolvimento industrial e científico do

setor (LIMA, 2012). Estes PCDT vêm sendo atualizados conforme o avanço nas

terapêuticas, verificando se há a necessidade de incorporação de outros

medicamentos e preservando o critério da essencialidade da escolha (OLIVEIRA et

al., 2007). Contudo, observa-se que a inserção de novos medicamentos nas listas de

financiamento público é favorecida pela pressão injustificada e indevida de interesses

ligados a indústria de insumos (MESSENDER et al., 2005; OLIVEIRA et al., 2007;

CHIEFFI; BARATA, 2010), que, nos últimos anos, tem se fortalecido com as demandas

judiciais, como será melhor abordado no próximo capítulo.

Dentre as regulamentações destacam-se as duas normas que propuseram

alterações na Lei Orgânica da Saúde, n° 8080/90: Lei nº 12.401, de 28 de abril de

2011, e o Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011 (TORRES, 2012).

A lei n° 12.401/2011 estabelece, no Capítulo VIII, alterações na assistência

terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde sobre a integralidade, que passa

a ser limitada aos procedimentos estabelecidos pelo gestor federal do SUS. Em suas

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definições, os medicamentos devem ser prescritos em conformidade com as diretrizes

terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser

tratado (Artigo 19M). Na ausência de protocolos clínicos, a dispensação deverá ser

feita com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores (Federal,

Estadual, Distrito Federal e Municipal), observado as respectivas competências

estabelecidas em lei, e a conformidade com as pontuações (Comissão Intergestores

Tripartite; Comissão Intergestores Bipartite; no Conselho Municipal de Saúde) (Artigo

19 P).

Ressalta-se que esta lei (n° 12.401/2011), no artigo 19 Q, prevê que a

incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos

e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de

diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela

Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). E, no artigo

19 T, vetou em todas as esferas de gestão do SUS o pagamento, o ressarcimento ou

o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico

experimental, ou de uso não autorizado pela Anvisa, como também a dispensação, o

pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou

importado, sem registro na Anvisa.

Já o decreto nº 7.508/2011 propõe organização do Sistema Único de Saúde,

planejamento da saúde, assistência à saúde e articulação interfederativa. No Capítulo

V, este decreto regulamenta a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais

(RENAME) e estabelece que seja da competência do Ministério da Saúde dispor sobre

a RENAME e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas em âmbito nacional,

observadas as diretrizes pactuadas pela CIT, e os Estado, o Distrito Federal e o

Município, podendo adotar relações específicas e complementares de medicamentos,

em consonância com a RENAME, e, conforme suas pontuações. Porém todas as

listas oficiais de medicamentos do SUS deverão conter somente produtos com registro

na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. Estabelece o acesso à

assistência farmacêutica como universal e igualitário, sendo imprescindível considerar

que: 1) O usuário deve estar sendo assistido por ações e serviços de saúde do SUS;

o medicamento ter sido prescrito por profissional de saúde, no exercício regular de

suas funções no SUS; 2) A prescrição esteja em conformidade com a RENAME e os

Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou com a relação específica

complementar estadual, distrital ou municipal de medicamentos; 3) A dispensação

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ocorra em unidades indicadas pela direção do SUS. (Decreto nº 7.508/2011, Artigo

28°).

Relevante considerar que o acesso universal, requerido pelas regulamentações

infraconstitucionais, não implica necessariamente no acesso gratuito7 como foi

disposto no artigo 2°8 e 3°9 da lei 8080/90 e, posteriormente, com a implantação do

Programa Farmácia Popular do Brasil, em 2004. Esse programa foi a primeira

experiência de copagamento em medicamentos geral para o país, incentivando as

parcerias público-privadas, e com o propósito de oferecer aos usuários com renda de

quatro a dez salários mínimos que pouco utilizam os serviços públicos do SUS

(OLIVEIRA et al., 2007).

Registraram-se novas alterações nessas regulamentações, como, por

exemplo, alterações pela Portaria nº 2.928, de 12 de dezembro de 2011, nos

parágrafos 1º e 2º do art. 28 do Decreto n° 7.508, de 28 de junho de 2011, sendo pela

presente portaria, autorizadas as documentações oriundas de serviços privados de

saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Programa Farmácia Popular

do Brasil e no do SUS, respeitando-se as regulamentações dos blocos da assistência

farmacêutica e as pactuações das CIT e CIB (BRASIL, 2011).

A Lei Complementar n. 141/201 estabelece a regulamentação orçamentário-

financeiras, as transferências dos recursos entre os entes federativos e o controle e

fiscalização dos recursos do SUS, exposta na Emenda Constitucional n. 29, em 2000

(BRASIL, 2012). Essa previa:

no caso dos estados, o mínimo a ser aplicado em ações e serviços públicos de saúde deve ser de 12% das suas receitas próprias; no caso dos municípios, 15% das receitas próprias, com tolerância prevista para o alcance progressivo desses patamares até o ano de 2004. No caso da União, o limite mínimo de gastos foi estabelecido como o valor empenhado em 1999, acrescido de 5% e, nos anos subsequentes, a variação nominal do Produto Interno Bruto. (TEIXEIRA; TEIXEIRA, 2003. p.384).

Contudo, o maior desafio do SUS até o presente momento tem sido conseguir

recursos necessários para contemplar o acesso às ações e serviços de saúde de

forma integral e universal, principalmente na área da assistência farmacêutica que,

7 “Tratar os iguais como desiguais não auxiliaria na formação de cidadania e na incorporação de mecanismos solidários e responsável a dinâmica social” (OLIVEIRA et al., 2007. p.92). 8 “É dever do Estado em fornecer condições para acesso universal e igualitário às ações e serviços” (IDEM, 2007. p.92). 9 “A ação do Estado não exclui os da pessoa e dos elementos constitutivos da sociedade” (IDEM, 2007. p.92).

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pela falta ou ineficiência no acesso, vem sendo alvo de ações judiciais. Essa ausência

de definição de fontes de custeio vem sendo demarcada por várias leis e portarias

infraconstitucionais, já que a Constituição Federal deixou a desejar, mas, esbarra nas

prioridades governamentais, tais como a destinação de recursos para a previdência

social, no âmbito da seguridade social, e/ou aos interesses da política econômica, que

visa garantir metas da inflação e superávits primários (MARQUES, 2012).

1.4 A Política de Saúde no contexto atual: alguns apontamentos.

A retrospectiva histórica conduz ratificar o que menciona Fleury: no Brasil, as

políticas sociais, principalmente a política de saúde, substituíram o modelo

corporativo, de acesso limitado e fragmentado por setores ocupacionais, não por um

modelo universal, mas, por um novo modelo que se baseia na individualização do

risco. Ou seja, para aqueles que podem pagar por seus riscos sociais há uma

explosão de oferta de seguros em áreas como a saúde e as aposentadorias (FLEURY,

2009).

Nota-se, ao longo desse capitulo, que a expansão do mercado ocorre tanto pela

anuência e promoção do Estado, por meio de subsídios e renúncias fiscais, como pela

ausência de regulamentações efetiva que possa conter os abusos e desrespeitos aos

direitos dos consumidores. Houve fortalecimento do mercado, proliferação das

seguradoras de planos e permissão para que os portadores de seguro passassem

também a ser usuários do SUS (FLEURY, 2009). A simultaneidade da implantação do

SUS e privatização do seguro social engrossa o número de consumidores de planos

privados e ajuda a promover um sistema duplicado, reproduzindo as desigualdades

sociais e aprofundando as iniquidades de acesso dentro do sistema de saúde (OCKE-

REIS, 2012).

Para Fleury (2009), à população mais pobre, que não pode assumir com a

individualização dos riscos, restaram os programas de proteção focalizados, cujos

benefícios e serviços ou transferência de renda exigem provas de necessidade e o

cumprimento de certas condicionalidades impostas aos beneficiários. A política social

passa, portanto, a funcionar como “mecanismos de promoção e controle social”,

desarticulado “do exercício de um direito social” (FLEURY, 2009. p.749).

Embora tenham sido várias as tentativas do governo para empreender a

reforma do Estado no setor saúde, na segunda metade da década de 1990, com as

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NOBs (a NOB 96, por exemplo, com a priorização dos Programas de Saúde da Família

e de Agentes Comunitários de Saúde), a regulamentação dos planos e seguros de

saúde, dos preços de medicamentos (principalmente o estabelecimento dos

medicamentos genéricos), fica nítida a orientação focal, com privilégio de ações e

serviços básicos, em detrimento da atenção secundária e terciaria. Esta segmentação

do SUS, entre o básico, (baseado nos programas focais) e o hospitalar (de referência),

conduz a subtender a existência de um sistema para pobres e outro para os

consumidores (BRAVO; MATOS, 2007).

Na área da Assistência Farmacêutica, objeto de estudo neste trabalho,

demarca-se que, mesmo com as normatizações supracitadas, o SUS vem enfrentado

grandes dificuldades, sendo mais evidentes as distorções e problemas que são

gerados pelas grandes desigualdades sociais e econômicas ainda existentes no país,

o que determina restrições ao pleno acesso aos medicamentos pela população

(MONSEGUI, 1997 apud PORTELA et al., 2009). Acredita-se, também, que a correta

aplicação da Política de Assistência Farmacêutica, com as várias regulamentações e

normas expostas anteriormente, poderia contribuir efetivamente nas ações do SUS,

mas, esta política, além de não ser uma realidade em muitos municípios, está sendo

erodida, em muitos casos, pelo elevado número de processos judiciais.

Atualmente, em relação às dificuldades da efetividade plena do SUS, há

análises esclarecedoras. De acordo com Boschetti e Salvador (2007), no período de

1999 a 2004, as contribuições sociais representaram, em média, 78,4% das fontes de

recursos financeiros da saúde a nível federal. Entre as contribuições sociais,

destacam-se a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), as

Contribuições dos Empregadores e dos Trabalhadores para a Seguridade Social

(CETSS), a Contribuição sobre o Lucro (CSLL), e a Contribuição Provisória sobre

Movimentação Financeira (CPMF), dentre outras fontes. Após várias tentativas de

financiamento intencionando possibilitar a disponibilização de recursos orçamentários

a saúde, face às transformações tributárias, foi proposta uma emenda à Constituição,

a PEC 82-C, que permitiu a promulgação da Emenda à Constituição nº 29.

Desse modo, assiste-se uma descaracterização dos preceitos constitucionais,

pois além dos princípios e diretrizes do SUS estarem sendo desrespeitados no

cotidiano das Unidades de Saúde, também visualizamos a aniquilação gradativa do

orçamento destinado à saúde, já que foi previsto pelo Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias (ADCT), em 1998, 30% do orçamento da Seguridade

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Social, e, em 1999, sua participação foi de apenas 15,1%. Mesmo que a EC n° 29

tenha definido o acréscimo de 5% a partir destes 15,1%, em 2004 estimou-se apenas

o valor ínfimo de 7,7%. (BOSCHETTI; SALVADOR, 2007).

As degradações na alocação de recursos para o SUS evidenciam os reflexos

da contrarreforma do Estado, pois, apesar de formalmente os governos terem o

objetivo de garantir fontes estáveis de financiamento, elas vêm camufladas de

mecanismos indiretos que inviabilizam o funcionamento do sistema. Como exemplo

disso é a EC n° 29, que:

é mais uma forma legal, embora implícita, de reduzir ou, no mínimo, congelar os recursos federais destinados aos financiamentos das ações e serviços de saúde, forçando a ampliação de recursos alocados pelas instâncias subnacionais de governo (MENICUCCI, 2006. p.73).

Como se não bastasse, a CPMF em 1999 deixou de ser fonte exclusiva da

saúde passando também a compor o financiamento das despesas previdenciárias, e,

após 2001, do Fundo de Combate à Pobreza, tendo sido extinta em 31 de dezembro

de 2007. Para ressarcir essa contribuição, a Câmara dos Deputados aprovou, em 11

de junho do ano subsequente, a criação de um novo tributo denominado Contribuição

Social para a Saúde (CSS). Segundo o texto-base aprovado, a CSS fez parte do

projeto de regulamentação da Emenda n° 29, tendo sido cobrada a partir do dia 1º de

janeiro de 2009, com alíquota de 0,1% sobre todas as movimentações financeiras

realizadas no país, sendo que o montante dos recursos será destinado integralmente

à saúde.

Para Bravo (2007, p.105), essa questão do “desfinanciamento” é o fator que

mais contribui para a erosão da política pública de saúde do país, posto que está

diretamente vinculada ao gasto do governo e é determinante para a manutenção da

política focal, de precarização e terceirização dos recursos humanos. Dessa forma, a

otimização dos gastos coloca à prova o comprometimento do governo com as políticas

públicas. A Pesquisa de Assistência Médica Sanitária (AMS/IBGE/2006) ilustra essa

realidade:

Os dados mostram que o setor público detinha apenas 5% da rede de Serviços de Apoio à Diagnoses e Terapia (SADT), formada que exclusivamente por estabelecimentos privados com fins lucrativos (92%). Entretanto apenas 35% desses estabelecimentos prestam serviços para o SUS, contra 91% que vendiam serviços para os planos de saúde privados. Já entre os estabelecimentos privados com fins lucrativos e com internação, apenas 54% atendiam ao SUS, mas 93% prestam serviços para planos de saúde de terceiros. Entre os estabelecimentos privados sem fins lucrativos

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priorizados pelo SUS, 67% do total prestam serviços ao SUS, que a rede constituída de hospitais, os quais na sua quase totalidade atendem ao SUS (93%). (IDEM, 2006. p.64)

Esses dados demonstram que a rede privada sobrepujou os serviços públicos,

posto que houve a ampliação da privatização na saúde com o incentivo a planos de

saúde e convênios, e o setor público investiu de forma parcimoniosa nos atendimentos

de média complexidade e que exigem tecnologia de ponta, ficando estes a cargo do

setor privado. Ao mesmo tempo, os atendimentos mais sofisticados e de alta

complexidade permanecem sob a gestão do setor público, mas com ampla utilização

do setor privado. Tais fatores conduzem a famosa fila dupla10 e à demanda reprimida11,

já que esse processo de privatização dificulta o acesso às ações e serviços de saúde

por parte da maioria da população, com a priorização do atendimento àqueles

cobertos pelos planos de saúde (BEHRING, 2003).

Mediante a esses argumentos, é possível entender que o problema do acesso

e distribuição dos medicamentos no SUS é histórico e vem sendo cobrados nas

instâncias legitimadoras de direito. De acordo com Ocke-Reis (2013), o sistema

público de saúde desde a sua constituição tem “o desafio de ser único”, sendo que o

problema de acesso às ações e serviços de saúde que, no contexto atual, o país

enfrenta, não é conjuntural e sim estrutural, demarcado pela estreita relação com o

setor privado e pelas desonerações e renúncias fiscais. De acordo com Stevanim

(2015), essas desonerações impactam em monta as contribuições sociais. Baseado

nos dados da Receita Federal, este autor afirma que somente no ano de 2013 o

governo deixou de arrecadar R$ 102,5 bilhões de reais no orçamento a serem gastos

com a Saúde, Previdência e Assistência Social, sendo um montante maior do que o

orçamento gasto na saúde no mesmo ano (STEVANIM, 2015). Contudo, para Ocké-

Reis (2013), a principal precaução para esse impasse seria se atentar ao problema

de favorecimento do setor privado, já que o aumento de recurso não necessariamente

implica em investimento no orçamento público.

A política de saúde assim se institucionaliza, em um contexto cheio de dilemas

e contradições, nos quais há o predomínio das ações de determinados grupos de

10 “Também chamadas de dupla porta (...), para o atendimento de convênios e particulares, por meio das quais os que demandam aos seus serviços, se cobertos por um plano de saúde, furam a longa fila de espera para marcação de exame e consultas, realização de cirurgias e demais procedimentos, além de serem atendidos e até internados em melhores condições” (IDEC, 2003 apud SIMÕES, 2007. p.121). 11 Entendida como “procura/necessidade não atendida e atendimento incompleto”, ou seja, a dificuldade de acesso aos usuários do SUS. (VIDAL, 2006. p.56).

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gestores e grupos corporativos imersos nos aparelhos burocráticos gestando a saúde

com parcos recursos, e deixando a desejar em algumas ações e serviços.

Consequentemente, rompe com os ideais de reforma sanitária e a possibilidade de

garantir a centralidade do usuário cidadão.

Entretanto, o avanço normativo, que configurou à saúde e à assistência

farmacêutica o status de direito fundamental, permitiu o recurso à tutela jurisdicional,

e o usuário, principalmente o que possui mais recursos e maiores informações do

pertencimento enquanto “cidadãos”, tem buscado nas instâncias jurídicas a efetivação

desse direito (FLEURY, 2009).

A expansão deste fenômeno social e jurídico, judicialização da saúde, tem

implicado em, algumas vezes, a garantia de direitos, e, em outras vezes, contribuído

para aumentar ainda mais a desigualdade social no país e a segmentação do acesso

à saúde. Por isso, tem sido alvo de debates entre os atores operadores do direito e

da saúde envolvidos, mas, ainda, com poucas alternativas que ensejam na efetivação

dos propósitos do projeto de reforma sanitária. O aprofundamento sobre este

fenômeno no cenário contemporâneo e sobre a repercussão no acesso à assistência

farmacêutica no Brasil complementa a análise até então apresentada, o que será feita

no próximo capitulo.

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2 O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

2.1 Acesso à justiça no contexto internacional.

O acesso à justiça como via de garantia de direitos ao serem ressaltados nas

Constituições e leis especificas constituiu-se numa tendência típica da sociedade

contemporânea, na qual o poder judiciário passou a decidir sobre questões relevantes

do ponto de vista político, social ou moral (BARROSO, 2010). Este cenário da

contemporaneidade foi marcado pela expansão do poder judicial, quando muitos

países ocidentais democráticos adotaram o Tribunal Constitucional como mecanismo

de controle dos demais poderes (CARVALHO, 2004). A transferência de poder para

as instituições judiciais, em detrimento das instâncias políticas tradicionais,

representadas pelos poderes Legislativo e o Executivo, tem sido denominada por

judicialização da politica12 (SANTOS, 2011).

Vallinder (1995) considera que existem dois tipos de judicialização: 1) “from without”, que é a reação do Judiciário à provocação de terceiro e que tem por finalidade revisar a decisão de um poder político tomando como base a Constituição. Ao fazer a revisão, o Judiciário ampliaria seu poder frente aos demais poderes; 2) “from within”: é a utilização do aparato judicial na administração pública; portanto, juntamente com os juízes vão os métodos e procedimentos judiciais que são incorporados pelas instituições administrativas que eles ocupam (CARVALHO, 2004. p.121).

Carvalho (2004) ressalta que a forma de judicialização da política mais

apropriada pelos países foi a “from without”, quando o judiciário para agir precisa ser

provocado por terceiro, e suas decisões se atém à Constituição, o que, em outras

palavras, representa o controle jurisdicional de constitucionalidade. Essa forma de

judicialização pode ser visualizada no Brasil, no sul da Europa e nos EUA. A outra

forma é observada nos países nórdicos.

A expansão da jurisdição e do discurso jurídico redirecionam o modo de se

pensar e de se praticar o direito no mundo romano-germânico, e o poder judiciário “de

nulo”13 passa a ter destaque como importante “canal de acesso e reivindicação de

direito” (CAPPELLETTI, 1993).

12Para Marciel e koerner (2002) o termo judicialização é polissêmico, e, justamente por expressar vários

significados, requer que seja bem definido ou bem delimitado pela literatura. 13 A expansão das ações do poder judiciário contraria a supremacia do legislativo e do executivo

largamente teorizada, entre outros, por Locke e também reconhecida na obra de Montesquieu, para

quem o poder judiciário, despido de força, seria “de certo modo nulo” (SIERRA, 2011).

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Para Barroso (2010), a tendência à judicialização da política na sociedade

contemporânea é devido às diversas causas:

A primeira delas é o reconhecimento da importância de um Judiciário forte e independente, como elemento essencial para as democracias modernas. Como consequência, operou-se uma vertiginosa ascensão institucional de juízes e tribunais, assim na Europa como em países da América Latina, particularmente no Brasil. A segunda causa envolve certa desilusão com a política majoritária, em razão da crise de representatividade e de funcionalidade dos parlamentos em geral. Há uma terceira: atores políticos, muitas vezes, preferem que o Judiciário seja a instância decisória de certas questões polêmicas, em relação às quais exista desacordo moral razoável na sociedade. Com isso, evitam o próprio desgaste na deliberação de temas decisivos, como uniões homoafetivas, interrupção de gestação ou demarcação de terras indígenas (IDEM, 2010. p.5).

Santos (2011) afirma, também, que não é possível identificar um conjunto único

de razões para o novo protagonismo do judiciário, mas, em uma análise mais geral,

devem se considerar a posição do país no sistema mundial e seu nível de

desenvolvimento econômico e social, a cultura jurídica existente nesses países e os

processos históricos que levaram à construção do Estado. Entretanto, apesar da

diversidade na experiência e trajetória dos tribunais dos países, o autor (SANTOS,

2011) afirma que o novo protagonismo está relacionado, principalmente, com o

desmantelamento do Estado intervencionista, referindo tanto ao Estado

desenvolvimentista dos países semiperiféricos (como é o caso do Brasil e Portugal) e

dos países periféricos (África e outros países da América Latina), quanto ao Estado

Providência dos países Centrais (países da Europa), e ao Estado de bem-estar

relativamente avançado, caracterizado por políticas sociais fortes e as garantias de

proteção social. Ressalta-se que nos últimos trinta anos o Estado de bem-estar, por

influência do neoliberalismo, foi sendo substituído pelo modelo liberal norte

americano.

Nesses termos, por um lado, o protagonismo dos tribunais emerge pela

precarização dos direitos econômicos e sociais; por outro lado, estimula-se o

fortalecimento do judiciário, mediante ao novo modelo de desenvolvimento assentado

nas regras do mercado e nos contratos privados. Ou seja, para este novo modelo, era

necessário um judiciário eficaz, rápido e independente para que estes contratos

fossem cumpridos e os negócios tivessem estabilidade. Santos (2011) explica,

baseado em pesquisas, que países como Suécia e Holanda, que tiveram melhor

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sistema de bem estar social na Europa, têm baixíssima litigação, e, por isso, para

análise das causas desse fenômeno, devem-se considerar, além da cultura jurídica e

política, o nível de efetividade da aplicação dos direito e a existência de estruturas

administrativas que sustentam essa aplicação.

Nos estudos de Vallinder e Tate (1995), verifica-se que, historicamente, a

expansão do poder judicial está associada ao contexto difundido pós-guerra, em 1945,

com a queda dos totalitarismos europeus e, mais tarde, o fim da ex União Soviética,

que possibilitou o desenvolvimento do capitalismo e permanência dos Estados Unidos

como potência econômica mundial. Este contexto permitiu que países em processo

de democratização, como os da Ásia, América Latina e África, espelhassem no

sistema norte americano para a revisão judicial (judicial review) e os demais

mecanismos institucionais. A influência da jurisprudência e da ciência política norte-

americana propiciou a sofisticação dos mecanismos de controle jurisdicional.

A explicação de Cappelletti (1993), baseada na experiência dos países centrais,

foi o crescimento da legislação social promovida pelo estabelecimento do Estado de

Bem-Estar (Welfare State) que, aumentando as atividades de intervenção legislativa,

levou a uma incapacidade de absorção das demandas pelo legislativo, já que os

parlamentares tendem a se empenhar mais em questões partidárias e de política geral

(AGUIAR, 2007). A crise desse Estado de Bem Estar Social provocou a perda de

agilidade exigida pelas demandas sociais e conduziu a espontânea transferência das

funções legislativas para outras esferas: a executiva e a judiciária (CAPPELLETTI,

1993). Esse deslocamento de funções atribuídas ao poder judiciário se processa

mediante a expectativa de direitos e a dificuldade do Estado administrativo cumprir

seu papel. Neste contexto, a judicialização ganha relevância como um importante

“canal de acesso e reivindicação” (CAPPELLETTI, 1993 apud AGUIAR, 2007).

Baseados na doutrina dos pesos e contrapesos (checks and balances) norte-

americana, cortes e juízes aumentam cada vez mais seu domínio na formulação das

políticas, apropriando-se das tarefas determinadas ao legislativo e ao executivo e, aos

poucos, tornando-se uma espécie de “policy markers” (AGUIAR, 2007. p.145).

Descortina-se, então, um cenário em que indivíduos e minorias, baseados no princípio da política de direitos, recorrem a instituições não majoritárias, como os tribunais e cortes, contra decisões majoritárias. Isso revela também que instituições majoritárias, como o legislativo, deixam de ser palco de resolução de conflitos. Fica configurado, portanto, um processo avançado de judicialização da vida política. (IDEM, 2007.p.146).

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O poder judiciário consolida-se como ator chave no contexto das sociedades

de massas, a ponto de inovar seus métodos de arbitragem e conflitos, passando a

atuar nos casos de resolução de conflitos de classe e de proteção dos direitos difusos

e coletivos e frente ao poder de grandes corporações privadas. Em outros termos,

emerge com relevância no conjunto dos Três Poderes, e, como bem menciona

Capelletti (1993), contribui para o prestígio de “terceiro gigante”, a agir nas grandes

formações sociais e econômicas (AGUIAR, 2007).

No aprofundamento dos estudos sobre acesso à justiça, Cappelletti e Garth

(1998)14 divulgam os resultados do Florence Project15, uma pesquisa empírica que

reuniu pesquisadores de diversos ramos das ciências sociais. Esse projeto contou

com a participação tanto de países centrais, como também os do terceiro mundo, com

relatos das experiências no campo do acesso à justiça (CAPPELLETTI; GARTH,

1998).

Como resultado, o projeto supracitado detalhou os obstáculos a serem

transpostos para um direito ao acesso efetivo à justiça, dentre os quais os tópicos

custas judiciais, possibilidade das partes e problemas relativos aos interesses difusos.

Mediante a esses obstáculos, o projeto sistematizou as soluções práticas para cada

tipo de obstáculo ou para cada problema de acesso à justiça, constituindo as

denominadas “ondas renovatórias” (CAPPELLETTI; GARTH, 1998).

Essas 'ondas', iniciadas em 1965, processaram-se em ordem cronológica. A

primeira onda remete à “assistência judiciária”, traduzindo-se pela expansão da oferta

de serviços jurídicos aos setores pobres da população. A segunda onda refere-se “às

reformas para proporcionar representação judiciária para incorporação dos interesses

coletivos e difusos”, o que resultou na revisão de noções tradicionais do processo civil.

A terceira onda, conhecida como “enfoque de acesso à Justiça”, centra sua atenção

no conjunto geral de instituições, mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados

para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas, incluindo a

Justiça informal, o desvio de casos de competência do sistema formal legal e a

simplificação da lei. Essa terceira onda de reforma inclui a advocacia, judicial e

14CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução Ellen Gracie Nortfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. p.15-29. 15Refere-se ao “access-to-justice-movement justificado o Florence Project, coordenado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth com financiamento da Ford Foundation (1978)” (JUNQUEIRA, 1996. p.390). Destaca-se que “a academia internacional estava sendo estimulada (...) a implantação de novos mecanismos de acesso ao Poder Judiciário” (JUNQUEIRA, 1996. p.401).

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extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além

(CAPPELLETTI; GARTH, 1988).

Entretanto, é valido destacar, que não houve a participação do Brasil nesse

projeto, apesar da representação de outros países da América Latina (Chile,

Colômbia, México e Uruguai) (JUNQUEIRA, 1996. p.401). No Brasil nota-se que o

processo de reivindicação e constituição de direitos16 é tardio se comparado aos

demais países, especificamente os países centrais, que dispunham de políticas

baseadas no Estado de Bem Estar Social, e, já desfrutaram desse acesso à justiça

(CARVALHO, 2008). Em suma, o acesso à justiça no Brasil é tardio e envolve

questões que merecem ser pormenorizadas.

2.2 O acesso à justiça no Brasil.

No Brasil, o fenômeno da judicialização da política se intensifica a partir da

década de 1990, com a constitucionalização abrangente17 e o sistema de controle de

constitucionalidade, que possibilitou o acesso ao Supremo Tribunal Federal por via de

ações diretas (BARROSO, 2010). Atualmente, ora tem sido interpretado como forma

de participação da sociedade civil, ora como ativismo judicial. As causas e o modo

como os operadores do direito têm conduzido suas ações ainda requer análises, já

que os estudos e pesquisas sobre esse fenômeno focou atenção maior no número

expressivo de ações judicializadas, sendo que as explicações sobre o comportamento

judicial e sua contextualização histórica e política foram deixadas às margens

(CARVALHO, 2004).

16O caso brasileiro segue inversamente ao caminho clássico de conquista de direitos da realidade inglesa descrito por Marshall (1967). Para Marshall (1967) a cidadania é concebida no direito civil como exercício da liberdade individual e suas variantes, como a liberdade de ir e vir, de imprensa, pensamento e fé, bem como o direito à propriedade, de concluir contratos válidos e à justiça. Assim, as instituições que se vinculam aos direitos civis, em função da possibilidade que apresenta o indivíduo em afirmar seus próprios direitos em termos de igualdade com os demais e devido ao encaminhamento processual são os tribunais de justiça. O direito político, por outro lado, remete à possibilidade de participar no exercício do poder político, seja como membro eleito de um dos organismos integrantes do Estado ou como seu eleitor. Desta forma, tem como instituições correspondentes, o parlamento e os conselhos do governo local. Já o elemento social, por fim, refere-se “a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar (...) na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade”. A este estão relacionados o sistema educacional e os serviços sociais (MARSHALL,1950. p.63). 17“Constitucionalizar é, em última análise, retirar um tema do debate político e trazê-lo para o universo das pretensões judicializáveis” (BARROSO, 2010. p.5).

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Junqueira (1996) ressalta, baseada nas primeiras produções brasileiras, que

nos anos 80 o Brasil passava pelo processo político e social da abertura política, com

a tímida emergência dos movimentos sociais que reivindicavam por direitos sociais

básicos, inclusive os de saúde e moradia. Por essa razão, as motivações que

despertaram o interesse dos brasileiros pautavam-se na necessidade de expansão

dos direitos sociais básicos para o conjunto da população, que, na maioria, não tinha

acesso, enquanto nos países centrais já se vinculavam à questão do acesso à Justiça

e à expansão dos serviços do welfare state (em meio à crise desse modelo estatal

que se iniciou nos anos 70), e na afirmação de novos direitos de cunho coletivo e

difuso, como os do consumidor, meio ambiente, étnico ou sexual.

De acordo com Junqueira (1996), o Brasil não acompanha o processo

analisado por Cappelletti e Garth, a partir da metáfora das três "ondas" do "access-

justice movement', apesar do tema sobre o acesso à Justiça despertar o interesse dos

pesquisadores brasileiros nos anos 1980. Nos seus estudos, pode identificar que não

existiam referências ao Florence Project nas primeiras produções brasileiras sobre o

tema. Além disso, ressalta que a versão resumida do texto de Cappelletti e Garth só

é publicada em português em 1988, sendo a ausência de relatório próprio mais um

referencial de que não houve participação do Brasil neste projeto internacional.

A constituição dos direitos no Brasil, conforme Carvalho (2008) na obra

denominada “Caminhos da Cidadania”, desenvolve-se tardiamente em análise

comparada aos demais países. Nos seus estudos, ressalta que os direitos sociais

foram constituídos no período de supressão dos direitos políticos e redução dos

direitos civis por um ditador que se tornou popular, uma menção ao presidente Getúlio

Vargas, em 1930. Assim como os direitos políticos, ainda que tenha uma maior

expansão em outro período ditatorial - Governo dos Militares em 1970 – no qual os

órgãos de representação política foram transformados em peça decorativa do regime.

E os direitos civis, como a “base da sequência de Marshall”, continuam inacessíveis a

maioria da população brasileira. Neste contexto, o autor (CARVALHO, 2008) afirma

que durante muitos anos houve uma restrição do acesso aos direitos à população

brasileira, sendo a proteção das leis designada a apenas uma parcela dessa

população, principalmente aqueles que se referem à segurança individual, à

integridade física e ao acesso à justiça.

Em suas análises foi possível fazer uma divisão dos brasileiros em classes:

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Há os privilegiados, 'doutores', que estão acima da lei, que sempre conseguem defender seus interesses pelo poder do dinheiro e do prestígio social. Frequentemente, mantém vínculos importantes nos negócios, no governo, no próprio Judiciário. A grande massa de ‘cidadãos simples’, de segunda classe, que estão sujeitos aos rigores e benefícios da lei. Essas pessoas nem sempre tem noção exata de seus direitos, e quando tem carecem de meios necessários para o fazer valer, como o acesso aos órgãos e as autoridades competentes, e os recursos para custear as demandas judiciais. Frequentemente, ficam à mercê da polícia e de outros agentes da lei que definem a prática que os direitos serão ou não respeitados. Os cidadãos de 'terceira classe' são a grande maioria da população marginal das cidades, em que na prática ignoram seus direitos civis ou tem sistematicamente desrespeitado por outros cidadãos, pelo governo e pela polícia (CARVALHO, 2008. p.223).

O acesso à Justiça no Brasil, no período de 1970, não se identificava com os

movimentos, identificados pelo “Projeto de Florença”, dos países centrais. O Brasil

encontrava-se num regime ditatorial, marcado por uma representação política

autoritária, e que provocava desconfiança na sociedade civil e revelava ser um espaço

inacessível aos novos atores sociais. Essa representação política autoritária foi um

dos fatores, que inclusive, impossibilitava o enfoque do acesso à Justiça aos canais

institucionais oriundos do aparato estatal Dessa forma, durante esse período, o país

é demarcado pela presença de movimentos sociais e de canais alternativos de acesso

à Justiça paralelos ao Estado (MOTTA, 2013). Como exemplo desse fato, Junqueira

(1996) cita a obra “Discurso e poder” de Boaventura de Sousa Santos, oriunda de uma

pesquisa sobre a favela do Jacarezinho, nos anos 70. O que se evidenciou nesta

pesquisa foi que a comunidade de Passárgada recorria à associação de moradores

para a resolução de conflitos individuais devido à impossibilidade de acesso à Justiça

estatal. Com isto, estabeleceu-se uma nova ordem jurídica paralela ao direito oficial

(direito do asfalto). Para Santos (2011), somente recorrendo a canais “paralegais”, tais

como as associações de moradores de favelas, é que a população pobre teria como

resolver seus litígios.

No período citado acima, anos 70, e no contexto do Estado autoritário, o

pluralismo jurídico representou uma reação teórica e política, no qual “o Judiciário

encontrava-se encapsulado pelo poder ditatorial, tornando-se um instrumento

manipulável de acordo com os interesses que prevalecessem” (MOTTA, 2013. p.24).

Segundo Motta (2013), a pesquisa empreendida por Boaventura de Souza Santos é

a que mais representa a corrente teórica que predominava, em meados dos anos de

1970 e durante o predomínio do AI-5, nos campos político e jurídico.

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Nessas condições, Junqueira (1996) afirma que o movimento acadêmico (e

jurídico-político) em torno do acesso à Justiça no Brasil compreende dois eixos

principais:

De um lado, situam-se as pesquisas sobre o acesso coletivo à Justiça que marcam principalmente a primeira metade dos anos 80. De outro, encontram-se as investigações sobre formas estatais e não-estatais de resolução de conflitos individuais, nas quais ganham espaço os novos mecanismos informais - tais como os então denominados Juizados Especiais de Pequenas Causas - introduzidos pelo Estado a partir de meados da década de 80 (JUNQUEIRA, 1996. p.391).

O foco das pesquisas desenvolvidas no Brasil pelos cientistas sociais se

detinha aos novos movimentos sociais e às suas demandas por direitos coletivos e

difusos, tendo em vista as greves no final dos anos 1970 e a reorganização da

sociedade civil imersa por um poder judiciário que, tradicionalmente, assegurava

direitos individuais. Neste mesmo período, os cientistas sociais europeus ou

estadunidenses já estavam buscando procedimentos jurídicos mais simplificados e

alternativas aos tribunais como meio de garantir o acesso à Justiça e de diminuir as

pressões resultantes de uma explosão de direitos que ainda não havia acontecido

(JUNQUEIRA, 1996).

De acordo com Silva (2002), os movimentos sociais que surgiram na virada dos

anos 70 para os 80 reivindicam direitos para a população marginalizada e para as

minorias, como organizações de defesa dos direitos humanos, comunidades eclesiais

de base, associações de moradores, movimentos urbanos que lutavam pela oferta e

melhorias dos serviços públicos, movimentos feministas e organizações negras que

visavam a defesa dos direitos humanos, além das reivindicações por emprego, terra,

habitação, saúde, transporte, educação. Esses movimentos sociais foram essenciais

para que as mudanças legislativas e institucionais passassem a garantir novos direitos

individuais e coletivos (SILVA, 2002. p.4), além de terem exercido forte pressão para

a criação do Estado democrático de direito e de uma cidadania ativa (MOTTA, 2013).

Assim, esses movimentos sociais influenciaram a criação do Juizado de

Pequenas Causas por meio da Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984; das leis que

regulamentaram a autonomia ao Ministério Público como principal agente responsável

pela proteção de interesses coletivos e difusos; da lei nº. 6.938/81, na qual legitimava

o Ministério Público a promover ação de responsabilidade civil por danos ambientais;

e, também, da lei nº. 7.347/85, que instituía a ação civil pública. Esses avanços

legislativos representaram para a sociedade os primeiros sinais correspondentes ao

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acesso à justiça no Brasil, e, nos termos de Motta (2013), os primeiros sinais das

“ondas cappellettianas” no contexto pré-constituinte de 1988.

Posteriormente, com a promulgação da Constituição de 1988, o rol de direitos

foi ampliado, tais como: os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais,

meio ambiente, qualidade de vida e direitos do consumidor. Ampliaram-se, também,

as instituições e estratégias para requerer esses direitos que, no plano normativo por

intermédio de um conjunto de leis, citam-se, entre outros:

1) A assistência judiciária integral aos necessitados (art. 5º, LXXIV); 2) A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes, para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro (art. 98); 3) Elevação da Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, cabendo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados (art.134); 4) Reestruturação do papel do Ministério Público como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe: atribuições para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses coletivos e difusos (arts.127 e 129) (MOTTA, 2013).

A conjuntura da Constituinte de 1988 expressou, de fato, a garantia ao acesso

à Justiça a partir da visão introduzida por Cappelletti e começou a ser encarada

enquanto um direito social (MOTTA, 2013). À medida que houve reconhecimento das

instituições jurídicas estatais - tais como a Magistratura, o Ministério Público e a

Defensoria Pública - como instituições essenciais à Justiça pela Carta Constitucional,

não há mais vínculo com o Estado autoritário, no qual estiveram, até então, sob

controle (em especial, o Ministério Público) (MOTTA, 2013).

A garantia da justiça exige a interferência do poder de Estado, assim como o exige a política de bem-estar. Ela não representa uma reação ao Estado, um direito negativo. Corresponde a um momento da sociedade liberal em que o Estado já foi convocado para garantir, pela intervenção, um direito inicialmente estendido a parcela limitada da população. (Carvalho, 2002. p.108).

A Constituição de 1988 reforça o papel e o protagonismo político do Judiciário

e seus integrantes (SARDEK, 2004). Com a efetivação legal do acesso à Justiça e a

legitimação das instituições jurídicas “a cidadania deixa de ser uma mera abstração

teórica, tornando-se, assim, materializada pelos canais de representação do direito”

(MOTTA, 2013. p.34). Ou seja, a cidadania resultante de um longo conflito

histórico/social tem o sistema democrático como principal espaço de criação e

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afirmação de novos direitos, abrangendo não apenas os cidadãos “doutores”, mas,

também, atendendo os interesses dos cidadãos tidos como “simples” ou “elementos”,

em que todas as conquistas são incorporadas, tanto das classes sociais

desfavorecidas em termos de provimentos e prerrogativas, como dos novos atores

sociais como as mulheres, meio ambientalistas, negros. Dessa forma, “os direitos civis

conseguem se firmar, de modo ainda mais preciso pela Constituição de 1988, ao lado

dos direitos políticos e sociais” (MOTTA, 2013. p.34).

A construção jurídico institucional aumenta a expectativa dos cidadãos de

verem o cumprimento dos seus direitos e garantias consignados na constituição, de

tal forma que, mediante a execução deficiente e inexistente de muitas políticas, pode

provocar a procura dos tribunais, que não tardou a acontecer na década de 90. Assim,

durante a década de 1990, apesar da crescente elaboração de normas e estatutos, as medidas neoliberais adotadas pelo governos, acabaram debilitando a classe trabalhadora, ao permitir o aumento do desemprego, o enfraquecimento do sindicato e a degradação da proteção social (SIERRA, 2011. p.256).

Nesse contexto, pode se afirmar que o acesso à justiça no Brasil, denominado

pela sua intensidade como “judicialização da política” (MACIEL; KORNER, 2002),

inicia-se pela cobrança de serviços públicos, principalmente no que se refere ao direito

à saúde, educação e assistência (SIERRA, 2011). Os processos judiciais são

ajuizados tanto para a proteção contra os abusos do poder executivo, como para

efetivação dos direitos de cidadania que, pela ineficiente política, o governo não

cumpriu, necessitando, portanto, da intervenção judicial (SIERRA, 2011). Conforme

ressalta Vianna et al. (2007), no contexto de avanços da política neoliberal a procura

pelo poder judiciário no Brasil é uma alternativa para aqueles que buscam a proteção

social.

Em termos de pesquisas brasileiras sobre o tema, os primeiros estudos sobre

o fenômeno da judicialização da política surgem em 1997, nas obras de Ariosto

Teixeira18 - “A judicialização da política no Brasil (1990-1996)” -, e Marcos Faro de

Castro19 -“O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política”. Estes estudos

abordam pesquisas empíricas acerca das ações diretas de inconstitucionalidade

propostas ao Supremo Tribunal Federal (BORGES; UGÁ, 2009). O trabalho de

18TEIXEIRA, Ariosto. A judicialização da política no Brasil (1990-1996). Dissertação (Mestrado) — Universidade de Brasília — UnB, Brasília, 1997. Mimeo. 19CASTRO, Marcos Faro de. O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 12, n. 34, jul. 1997.

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Werneck Vianna et al20. -“A judicialização da política e das relações sociais no Brasil”-

, enfocou a judicialização no Brasil a partir das transformações constitucionais

ocorridas com a promulgação da Constituição de 1988. Para este autor, a ampliação

dos instrumentos de proteção judicial, pós promulgação da Constituinte, possibilitou

um maior protagonismo dos tribunais, que passaram a ser utilizados por minorias

parlamentares, governos estaduais e associações civis e profissionais (BORGES;

UGÁ, 2009).

2.3 “Judicialização da Política”: Legitimação de direitos ou retrocessos

democráticos?

Os direitos, e neles inclusos o do acesso à justiça, foram consagrados no

mesmo ato constitucional de direito por um curto-circuito histórico que caracterizou a

passagem do regime autoritário para o regime democrático ocorrida nos países

periféricos e semiperiféricos. Nos países centrais, essa conquista segue por várias

gerações de direito, tomado por um longo processo. Em ambas as formas, a

constitucionalização do direito sem o respaldo de políticas públicas e sociais

consolidadas torna difícil a sua efetivação, além de abrir precedente para maior

intervenção judicial a partir do controle de constitucionalidade do direito ordinário

(SANTOS, 2011).

Para Cappelletti (1993), a judicialização da política representa um avanço no

processo de democratização, pois aponta para um direito forte, tão forte quanto o

executivo e o legislativo. Em sua análise, a criatividade jurisprudencial restringe as

margens da legislação, mas nem por isso afronta ao princípio democrático. Ao

contrário, é necessário um “Big Judiciary” para evitar a concentração de poderes no

legislativo ou no executivo, como já registrou a história nos casos da Itália pré-fascista,

Alemanha de Weimar e França da Quarta República (CAPPELLETTI, 1993 apud

AGUIAR, 2007). Nestes termos, segue-se o modelo de controles e contrapesos

(checks and balance) de equilíbrio de forças e controle recíproco para explicar que a

atuação do judiciário, em razão de processos e procedimentos jurisdicionais, se torna

uma tarefa imprescindível e direito fundamental, enquanto os legisladores e aparelhos

burocráticos podem dificultar ou vedar o acesso dos cidadãos à política

(CAPPELLETTI, 1993 apud AGUIAR, 2007).

20VIANNA, Luiz Jorge Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

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Na mesma linha, Dworkin (2003) defende a criatividade dos juízes como

intérpretes, deste que esteja restrito aos limites da Constituição. O que se visualiza é

que as decisões dos operadores do direito podem consagrar princípios e normas

constitucionais, e, também, podem ir além ou ao contrário do que está estabelecido

em lei (SANTOS, 2011). Na maioria das vezes, o que se observa é que, em vez de

judicialização das questões políticas, o que ocorre é um ativismo judicial, referindo-se

a atitude destes operadores do direito por uma escolha de um modo específico e

proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance, ou mesmo

por seu oposto, que é a auto-contenção judicial, conduta na qual o Judiciário procura

reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes.

No Brasil, em razão da constitucionalização abrangente e analítica e do sistema

de controle de constitucionalidade vigente, em que é amplo o acesso ao Supremo

Tribunal Federal por via de ações diretas, o fenômeno se expande, podendo, inclusive

observar o ativismo judicial presente nas “situações de retração do Poder Legislativo,

de certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que

determinadas demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva” (BARROSO,

2010. p.11). Ou seja, o que se assiste é “o sistema judicial a substituir-se ao sistema

da administração pública, que deveria ter realizado espontaneamente essa prestação

social” (SANTOS, 2011. p.15).

Resultantes desse novo desenho institucional brasileiro, quase todas as

questões de relevância política, social ou moral foram discutidas ou já estão postas

em sede judicial, principalmente perante o Supremo Tribunal Federal (BARROSO,

2010). Barroso (2010) elenca diversos tipos de casos que foram judicializados:

(I) instituição de contribuição dos inativos na Reforma da Previdência (ADI 3105/DF); (II) criação do Conselho Nacional de Justiça na Reforma do Judiciário (ADI 3367); (III) pesquisas com células-tronco embrionárias (ADI 3510/DF); (IV) liberdade de expressão e racismo (HC 82424/RS – caso Ellwanger); (v) interrupção da gestação de fetos anencefálicos (ADPF 54/DF); (vi) restrição ao uso de algemas (HC 91952/SP e Súmula Vinculante nº 11); (VII) demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol (Pet 3388/RR); (VIII) legitimidade de ações afirmativas e quotas sociais e raciais (ADI 3330); (IX) vedação ao nepotismo (ADC 12/DF e Súmula nº 13); (x) não-recepção da Lei de Imprensa (ADPF 130/DF). A lista poderia prosseguir indefinidamente, com a identificação de casos de grande visibilidade e repercussão, como a extradição do militante italiano Cesare Battisti (Ext 1085/Itália e MS 27875/DF), a questão da importação de pneus usados (ADPF 101/DF) ou da proibição do uso do amianto (ADI 3937/SP) (IDEM, 2010. p.5).

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Os estudos de Werneck Vianna et. al (1999) sobre a judicialização das política

no Brasil baseiam-se, inicialmente, no conceito de judicialização from without de

Torbjörn Vallinder, que se conforma pela ideia de revisão judicial das decisões do

Executivo e do Legislativo. Estes autores observam que a intensidade do fenômeno

conduz à judicialização das relações sociais, ressaltando que a intervenção judicial

não abrange apenas a esfera política, mas vem alcançando a regulação da

sociabilidade e das práticas sociais, incluindo aquelas tidas, tradicionalmente, como

de natureza estritamente privada, impermeáveis à intervenção do Estado, como são

os casos das relações de gênero no ambiente familiar e de tratamento dispensado às

crianças por seus pais ou responsáveis (VIANNA et al., 1999). Em outros termos, a

judicialização das relações sociais corresponde à crescente invasão do Direito na vida

social (VIANNA et al., 1999), e o poder judiciário passa a atuar como protagonista

direto da questão social (VIANNA et. al., 2007).

Nas análises realizadas por VIANNA (1999: 121), no período de 1988 a 1998,

foi identificado que, dentre 1.935 Ações Diretas de Inconstitucionalidades (ADINs), a

taxa das ADINs julgada foi de apenas 13,54%, sendo que muitas das demais (54,36%)

aguardavam julgamento. De 1988 a 2004, o número de ADINs impetradas chega a

3097 ações (SARDEK, 2004. p.79). Ou seja, a redemocratização e o novo marco

constitucional deram maior credibilidade ao uso da ação judicial como alternativa para

alcançar os direitos (SANTOS, 2011), mas, o número de ADINs julgadas e o número

de ações para serem julgadas não nos conduzem a resultados que possam levar em

consideração a vontade dos operadores do direito em participar como policy-marking

(CARVALHO, 2004).

Nestas condições, a expectativa positiva elevada para que o poder judiciário

possa resolver os problemas não resolvidos pelo sistema político pode surtir efeitos

indesejados. Como exemplo, constata-se que, em grande medida, o sistema judiciário

não corresponde às expectativas, e rapidamente ‘a solução passa a problema’. A

expectativa não sendo cumprida gera uma enorme frustração (SANTOS, 2011).

Para Garopan (1999), o crescimento do poder Judiciário como ator político

deve-se a uma crise de representação política e da própria democracia moderna, em

que a sociedade, a partir de um enfraquecimento dos poderes Legislativo e Executivo,

recorre ao poder judiciário, sendo para ela, de fato, o “último refúgio de um ideal

democrático desencantado”. Nessas condições, o fenômeno da judicialização da

política, por um lado, ocorre em função da globalização da economia, na qual o

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mercado ao mesmo tempo em que despreza o poder tutelar do Estado multiplica a

recorrência ao jurídico. Por outro lado, sugere-se que o que ocorre é o

desmoronamento simbólico do homem e da sociedade democrática. Mas, o fato é que

a justiça tornou-se um espaço de exigibilidade da democracia, no qual são formuladas

as reivindicações políticas não resolvidas pelas instituições do Estado (GARAPON,

1999. p.48).

Para Tate e Vallinder (1995 apud AGUIAR, 2007) essa nova disposição dos

poderes políticos é ameaçadora do princípio democrático. Se no modelo democrático

a sociedade tem a capacidade de se autocompor, de produzir valores e arregimentar

vontades na formação de uma unidade, este estaria em risco diante da judicialização

da vida política. A isto se adicionaria as diferenças nos métodos de resolução de

conflitos entre os poderes legislativos e judiciários.

A arena legislativa opera em termos de barganhas e troca de favores, enquanto o judiciário pesa os argumentos; no legislativo predomina o princípio majoritário, e no judiciário, a decisão dada por um juiz imparcial; um produz regras gerais e políticas públicas, e outro estabelece casos individuais; um aloca valores em virtude de uma solução possível politicamente, enquanto o outro se certifica dos fatos do processo e da lei adequada na busca da “única solução correta” (AGUIAR, 2007, p.149).

Mas, as sociedades democráticas não conseguem administrar de outra forma

a complexidade e a diversificação que elas mesmas geraram, não restando

alternativa, senão o recurso à justiça (GARAPON, 1999). “Em face da decomposição

do político, é então ao juiz que se recorre para a salvação”. (GARAPON, 1999. p.27).

Assim, juízes e tribunais, uma vez provocados pela via processual adequada, não têm

a alternativa de se pronunciarem ou não sobre a questão. O modo como venham a

exercer essa competência é que determinaria a existência ou não de ativismo judicial

(BARROSO, 2010).

Badinter e Breyer (2004 apud AGUIAR, 2007) afirmam que a criatividade do

juiz, sem obediência a lei e sem a esfera do direito legislativo, encerraria uma

contradição ao princípio democrático. Ora, se o juiz, por meio de métodos criativos de

decisão e incorporando critérios criativos e morais, exerce um poder político, por que

também estes não são limitados por outros poderes? Em outros termos, quem

controla o poder judiciário na sociedade democrática? No entendimento dos autores,

a supremacia da decisão do judiciário, controlando e alterando a decisão de outros

poderes sem ser da mesma forma controlada e limitada por eles, sem estar sujeito a

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vontade geral e a estrita aplicação da lei, poderia estar anunciando a derrocada da

democracia.

Para Borges e Ugá (2010), os autores acima citados, ao mencionarem os

efeitos negativos que perpassam a judicialização da política, podem estar referindo

outras formas de atuação do poder judiciário na arena política. Ressaltam, assim, que

além das intervenções judiciais estudas por Vianna et al. (2007) - em que Poder

Judiciário destaca-se como controlador da atividade das instituições legislativas

(controle de constitucionalidade), especificamente as referidas ADINs propostas por

atores políticos, recentemente - o referido Poder Judiciário tem emergido como arena

de discussão e decisão de políticas públicas, ou seja, a atuação do Judiciário perpassa

pela utilização de meios processuais comuns para alterar as políticas públicas em

curso, principalmente no que se refere à política de saúde.

É o que discutiremos no próximo capítulo. Ou seja, será aprofundada a

discussão sobre a intervenção judicial no âmbito especificamente da saúde, com

ênfase no acesso a medicamentos e tendo por base os princípios do SUS, as normas

que regulamentam a assistência farmacêutica e a noção de justiça distributiva

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3 O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL

3.1 Judicialização, acesso aos medicamentos e o direito fundamental à saúde

dos Cidadãos.

Com a regulamentação da Constituição Federal de 1988, a Saúde tornou um

direito de todos e dever do Estado, cujo imperativo é a prestação positiva do Estado

no sentido de garantir, por meio de políticas sociais e econômicas, o acesso universal

e igualitário às ações e serviços visando, sobretudo, a promoção, proteção e

recuperação dos indivíduos (BRASIL, 2013; ASSENSI, 2010. p.34). A elevação da

saúde como direito fundamental, atribuindo-lhe como direito de cidadania, representa

à sociedade um avanço, já que no período anterior, a partir da Era Vargas (na década

de 30) ao período de redemocratização (na década de 80), houve um crescente

movimento de mercantilização da saúde no Brasil. Neste período, a saúde era

caracterizada por um serviço ou um benefício trabalhista, sendo restrita a um grupo

de pessoas, e cujo critério era o vínculo empregatício ou a capacidade do indivíduo

de pagar pelos planos privados (ASSENSI, 2010. p.34).

A partir da Constituição de 1988 e das intensas reivindicações de uma

pluralidade de grupos, permitiu-se que o direito à Saúde integrasse, juntamente com

a Assistência Social e a Previdência Social, a Seguridade Social. Uma Seguridade

Social entendida como um conjunto integrado de ações do Estado e da Sociedade

voltadas a assegurar os direitos relativos à Saúde, à Previdência e à Assistência

Social, incluindo também a proteção do trabalhador desempregado, via seguro-

desemprego. Regulamentou-se que esses direitos fossem concedidos pelo Estado

com uma única fonte orçamentária, que incluía as fontes de contribuições

previdenciárias e os recursos orçamentários destinados a este fim (SALVADOR,

2010).

O direito à saúde se destaca em relação aos demais direitos sociais, ao ter lhe

atribuído às ações e serviços de saúde o caráter de relevância pública e, neste

sentido, a possível alteração de tal preceito depende de amplo e rígido processo

legislativo, o que cristaliza justamente sua relevância jurídica, política e social no

ordenamento brasileiro (ASSENSI, 2010). Além disso, esse direito constitui-se como

cláusula pétrea no âmbito constitucional, pois, em virtude de sua associação direta

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com o direito à vida, não poderá, de forma alguma, ser excluído do resguardo que lhe

foi alçado pela Carta Constitucional (ASSENSI, 2010).

O status de direito ressaltado ao acesso aos bens e serviços de saúde, revela-

se pela dupla-dimensão ‘direito-dever’ (ASSENSI, 2010. p.35), a qual ficou

estabelecido ao Estado o atendimento das necessidades de saúde da população de

modo universal, igualitária e integral (ASSENSI, 2010). A Carta Constitucional definiu

uma nova relação jurídica entre o Estado e o cidadão, em que o cidadão passa a ser

reconhecido como sujeito de direitos subjetivos, podendo, inclusive, recorrer a esse

direito pelas instâncias jurídicas, em caso de omissão dos órgãos executivos

(SANT’ANA et al., 2011a; FLEURY, 2012). Nesse sentido, o reconhecimento da saúde

como direito possui duas repercussões práticas: A primeira “é responsabilidade ética

e legal do poder público de formular e implementar ações que assegurem o acesso

da população aos serviços de atenção à saúde”; e a segunda é “a possibilidade do

cidadão reivindicar judicialmente, de forma individual ou coletiva, o cumprimento desta

obrigação estatal” (PEPE et al., 2010b. p.461).

Para a concretização do direito à saúde foram regulamentadas as leis

infraconstitucionais, com destaque para as Leis Orgânicas da Saúde n° 8080/1990 e

n° 8142/1990, que deram materialidade a este direito ao instituir o Sistema Único de

Saúde e ao garantir a execução das ações da assistência terapêutica integral,

inclusive a assistência farmacêutica. De acordo com Pinheiro (2005), com o

estabelecimento dessas Leis configurou-se uma definição jurídico-normativa e

organizativa da política de saúde do Estado brasileiro.

A promulgação da Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/90 estabeleceu a relevância

pública dos serviços de saúde vis-à-vis outras modalidades de oferta de bens sociais;

também, institucionalizou-se um arcabouço jurídico-normativo com princípios

doutrinários e operacionais (universalidade, descentralização, integralidade, equidade

e participação na comunidade) (PINHEIRO et al., 2005). Esses “princípios serviriam

como guias para as ações em saúde, de modo a orientarem elementos para a

constituição de uma ação integral e, ao mesmo tempo, efetiva” (ASSENSI, 2010.

p.36).

De acordo com Cecílio (2004, p.113), está implícito nos princípios do SUS o

tríplice conceito-signo de universalidade, equidade e integralidade, que representa

uma forma viva do projeto de reforma sanitária. No que se refere ao princípio de

universalidade, a saúde ao ser concebida como direito de todos visa a superação de

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injustiças resultantes de nossas estruturas sociais. Os princípios de equidade e

integralidade vão muito além do simples consumo ou acesso a determinado serviço

ou bem de saúde, implicando, portanto, em repensar aspectos importantes de

organização no processo de trabalho, gestão, planejamento e construção de novos

saberes e práticas de saúde (CECÍLIO, 2004).

Porém, conforme ressaltado anteriormente, a partir da década de 1990 o

Estado Brasileiro passa pelo processo de contra-reforma, com rígidos critérios de

elegibilidade em relação ao acesso aos direitos sociais (KRUGER, 2010),

precariedade de recursos humanos e repasse dos bens e serviços públicos para

empresas terceirizada e/ou com fins lucrativos (FLEURY, 2012). No âmbito da saúde

ocorre a segmentação em dois sistemas fortes, o SUS e o sistema privado, o que de

certa forma impede o Estado de implementar o projeto de reforma sanitária proposto,

além dos impasses que se referem ao financiamento, que afasta cada vez mais a

possibilidade de efetivação do direito à saúde (BAPTISTA et al., 2009).

O direito à assistência farmacêutica também foi alvo desse processo de contra-

reforma do Estado, sendo apenas contemplado com a criação da Política Nacional de

Medicamentos, após dez anos (em 1998), e, a posterior regulamentação, em 2004,

da Política Nacional de Assistência Farmacêutica (CHIEFFI; BARATA, 2009). Estas

leis organizaram e definiram os parâmetros para distribuição e acesso aos

medicamentos no âmbito do SUS, objetivando, principalmente garantia da eficácia e

segurança no uso racional de medicamentos e o acesso da população aos

medicamentos essenciais (CHIEFFI; BARATA, 2009).

Entretanto, somente após o ano de 2006, a assistência farmacêutica definiu-

se, por meio de Portarias, as responsabilidades dos gestores e formas que irão

administrá-la, com destaque para duas Portarias: 1) Portaria MS/GM n 399/2006, ao

estabelecer que o financiamento da assistência farmacêutica é de competência dos

três gestores; 2) Portaria MS/GM n 204/ 2007, que prevê e controla a distribuição de

medicamentos, e divide o financiamento em três componentes: o básico, o estratégico

e o de medicamento de dispensação excepcional. Aos municípios couberam a gestão

da Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME), cuja lista reúne todos

os medicamentos administrados pelas Secretarias de Saúde, e à União, em parceria

com os Estados e o Distrito Federal, destinou-se a competência na aquisição e na

distribuição dos medicamentos de caráter excepcional (Portaria n 577/GM de 2006 e

Portaria n 1.321 de 2007).

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Fruto, em parte, dessas debilidades do legislativo, ao ter mantido a indefinição

do arcabouço legal, e, pela atuação do Executivo, que, pautada na ausência de

definições de normas e parâmetros que impedem as instituições estatais de se

responsabilizarem por suas ações e serviços, têm resultado em políticas, programas

e serviços públicos precários, e, conduzido à população brasileira a tutelar

judicialmente o direito individual e coletivo da assistência à saúde (FLEURY, 2012;

SIERRA, 2011).

De acordo com Santos (2011), as pessoas passaram a ter consciência dos

seus direitos, e, ao verem as fragilidades das políticas sociais e/ou o desenvolvimento

do Estado Social, recorrem aos mecanismos de garantia e promoção de direitos para

se protegerem e exigirem sua efetiva execução. Neste contexto, o acesso ao direito

à saúde, principalmente o direito aos medicamentos, tem, na maioria das vezes, se

efetivado pelo Poder Judiciário (SANT’ANA et al., 2011a; PEPE et al., 2010b;

CHIEFFI; BARATA, 2009; MESSENDER et al., 2005), conforme discorreu-se no

capítulo anterior.

A intensidade dessas demandas individuais de medicamentos nos tribunais de

Justiça tem sido denominada pela literatura pelo fenômeno denominado

‘Judicialização da Saúde’ (PEPE et al., 2010b; CHIEFFI; BARATA, 2009;

MESSENDER et al., 2005) ou ‘Judicialização da assistência farmacêutica’ (SANT’ANA

et al., 2011).

É valido ressaltar que os primeiros processos judiciais contra os Poderes

Públicos datam-se a partir da década de 90, quando os pacientes portadores de

HIV/AIDS passaram a reivindicar medicamentos e procedimentos médicos,

fundamentados no direito à saúde, ressaltado na Constituição Federal de 1988 (Art.

196°) e sob a responsabilidade conjunta da União Federal, Estados e Municípios (Art.

197° e 198°) (VENTURA et al., 2010).

Os pacientes com HIV/AIDS conseguiram estabelecer “uma relação positiva

entre acesso à justiça e a efetividade do direito à saúde” (VENTURA et al., 2010),

tendo em vista o êxito das organizações não-governamentais (ONGs) que, ao ampliar

a estratégia de advocacia por todo Brasil, resultou numa jurisprudência favorável à

responsabilização dos entes federativos para o cumprimento imediato desta prestação

estatal (RIOS, 2003; VENTURA, 2003; SCHEFFER et al., 2005 apud VENTURA et al.,

2010), e, posteriormente, também, obteve avanços nas regulamentações, com a

incorporação de uma lei infraconstitucional (a Lei nº 9.313/96) especifica para os

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pacientes com HIV/AIDS, possibilitando o acesso a qualquer tipo de medicamento e

tratamento prescrito por profissionais de saúde vinculados ao SUS ou não (SANTOS,

2006).

Essas ações judiciais para obtenção de medicamentos dos pacientes com

HIV/AIDS impulsionaram pacientes de outras enfermidades a obtenção do acesso aos

insumos, exames, diagnósticos ou procedimentos do SUS, por meio de ações judiciais

individuais e coletivas (SANT’ANA et al., 2011; VENTURA et al., 2010). A

reivindicação judicial desses sujeitos se ampliou por meio dos mecanismos de

garantia de direitos e de políticas públicas. Destacam-se, também, a ativa atuação do

Ministério Público21 e a participação da sociedade civil organizada na comunidade dos

intérpretes da Constituição (VIANNA et al., 2007).

Segundo o Conjur/MS (2013) é notável que, nos últimos anos, houve no Brasil

um crescimento abrupto de demandas judiciais e de gastos com medicamentos no

âmbito federal: em 2009 houve 10.486 processos novos com ações judiciais

individuais; em 2011 este número chegou a 12.811. Entretanto, nem todas as ações

judiciais geraram gasto ao Ministério da Saúde, pois, a ação judicial foi negada (parte

menor dos casos) ou a ação judicial foi atendida pelos demais entes federativos

(estados e municípios), que, também, figuravam-se como réus. As ações judiciais da

União, neste sentido, totalizaram 1.782 processos em 2009 e 1.931 em 2011, e o

gasto total dessas ações chegaram a R$ 266.060.705.99, em 2011. Os Estados que

mais geraram gastos à União, em virtude do volume de demandas judiciais, foram

Minas Gerais (11%), Rio de Janeiro (10%), Bahia (8%) e Pernambuco (8%).

Essa realidade não é diferente nos gastos dos Estados e Municípios. Os

estudos de Vieira e Zuchi (2007) apontam que em 2005 somente no município de São

Paulo foram impetradas 170 ações judiciais contra o poder público requerendo

fornecimento de medicamentos, totalizando um gasto de R$ 876 mil reais. Em 2006,

Chieffi e Barata (2009) identificaram que a secretaria de saúde do Estado de São

Paulo gastou R$ 65 milhões de reais para o cumprimento de determinações judiciais

referentes ao atendimento à saúde de 3.600 pessoas. Machado et al. (2011) também

evidenciou que o gasto com aquisição de medicamentos solicitados pela via judicial

21 O Ministério Público é uma instituição dinâmica de garantia e efetivação de direitos, haja vista não precisar ser provocado para atuar em prol de sua concretização. No caso da saúde, em virtude de sua forte associação ao direito à vida, primam por soluções céleres, o que amplia a relevância da atuação do Ministério Público nessa seara (ASSENSI, 2010. p.37).

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no Estado de Minas gerais saltou de R$ 8,5 milhões, em 2005, para R$ 42,5 milhões,

no ano de 2008.

As pesquisas supracitadas revelam que ainda há dificuldades de acesso da

população aos medicamentos, pertencentes ou não as listas oficiais do SUS, para

diversos tipos de indicações terapêuticas, sendo, por isso, compreensível que o

cidadão continue a buscar formas mais rápidas e efetivas de acesso aos

medicamentos, como revelam os mecanismos de acesso à justiça (PEPE et al.,

2010b).

O fenômeno da judicialização da saúde mostra-se evidente no cenário

contemporâneo e revela-se em consequência das demandas sociais reprimidas,

sendo para a população brasileira uma via alternativa de pressão pela efetivação de

direitos e, em algumas vezes, também de elaboração de políticas. Neste contexto,

pode-se afirmar que os juízes tornaram-se protagonista na defesa da cidadania e

formuladores de políticas públicas (SIERRA; REBOUÇAS, 2011).

Para Fleury (2012), devido e mediante a preponderância do Estado liberal

sobre o Estado social, o fenômeno da judicialização pode salvar o SUS das ameaças

ao retrocesso. Um retrocesso que, segundo esta autora, implicará na perda da

garantia do direito universal a saúde, caso continue deixando ao setor privado a

gestão pública. A judicialização do direito à saúde, nesse sentido, e para Santos

(2011), representa uma cultura democrática, mesmo que estando exercida em

condições desfavoráveis.

Entretanto, não se pode comprovar até que ponto a busca do acesso à saúde

pelas instâncias jurídicas pode ser uma alternativa de acesso eficiente ao

funcionamento da política de saúde, pois, é fato, que a desigualdade no acesso ainda

persiste como mostra a pesquisa de Garcia et al. (2013) que, com base nos estudos

de microdados das Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizados pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no período entre 2002-2003 e

2008-2009, foi constatado que os medicamentos representam a maior despesas do

gasto total das famílias, impactando significativamente no orçamento, principalmente,

daquelas que possuem menor renda. Em 2007, Oliveira et al. (2007) apontam que

apenas 10% da população mundial consomem 90% da produção de medicamentos,

apontando também a iniquidade no acesso.

A pesquisa de Machado et al. (2011) de 827 processos judiciais com pedidos

de 1.777 medicamentos no Estado de Minas Gerais, no período entre julho de 2005 a

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junho de 2006, comprova que os pacientes que recorreram ao Poder Judiciário tinham

melhores condições socioeconômicas, arcando com as despesas processuais, além

de terem maior conhecimento de seus direitos. Da mesma forma, Chieffi e Barata

(2009) na Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, realizada no ano de 2006,

constaram que, de um total de 3.007 processos judiciais com demandas de

medicamentos, as ações judiciais têm privilegiado as pessoas residentes em áreas

com baixa ou sem nenhuma vulnerabilidade social e, por conseguinte, não há

medicamentos para quem utiliza exclusiva ou preferencialmente o sistema público de

saúde e depende do fornecimento gratuito de medicamentos. Neste sentido, pode se

inferir que as demandas judiciais tuteladas individualmente poderiam estar agravando

a iniquidade no acesso à saúde de um sistema que é marcado por desigualdades de

acesso desde a sua constituição (MACHADO et al., 2011; CHIEFFI; BARATA, 2009).

Marques da Silva e Alves (2014), que analisam a judicialização da saúde no

município de Campos dos Goytacazes, por meio de 101 processos com pedidos de

medicamentos provenientes da Defensoria Pública do Estado Rio de Janeiro e de 31

com caráter de Mandado Judicial, presentes na Secretaria Municipal de Saúde, no

período de março de 2011 até março 2012, mostraram que o poder judiciário tem

garantido a universalidade e integralidade na obtenção dos medicamentos, mas,

poderá estar agravando as iniquidades no acesso à saúde, ao não se utilizar da

obtenção de dados socioeconômicos para a sua tomada de decisão.

Esses dados complexificam ainda mais, ao se considerar os problemas que

incorrem a gestão da assistência farmacêutica, na qual a ágil resposta das demandas

judiciais, não previstas no planejamento das ações e serviços de saúde, interfere no

ciclo da assistência farmacêutica22, especificamente, na primeira etapa, pois, há a

supressão da etapa “seleção” para atender a demanda estabelecida judicialmente

(PEPE et al., 2010a). Ocorre que a recorrência dos medicamentos favorecidos pelas

ações judiciais, com introdução e utilização de novas tecnologias sem maiores

questionamentos, gera dúvidas se realmente essa introdução irá restabelecer a saúde

do paciente com segurança e qualidade ou se a introdução está sendo gerada para o

fortalecimento da indústria farmacêutica (CHIEFFI; BARATA, 2010; PEPE et al.,

22 A Assistência Farmacêutica pode ser entendida como um conjunto de atividades sistêmicas articuladas como um ciclo, que se sucedem e só se completam na medida em que a atividade anterior for adequadamente realizada. Neste ciclo, incluem-se as seguintes atividades: seleção, programação, aquisição, armazenamento, distribuição e utilização (que abrange a prescrição, a dispensação e o uso) (PEPE et al., 2010a: p.2407).

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2010a). Neste caso, cabe considerar, também, o entendimento de que os problemas

de gestão envolvem os limites orçamentários para atender todas as demandas

judiciais individuais de medicamentos e as que compõem as demandas coletivas de

saúde no âmbito administrativo (CHIEFFI; BARATA, 2009).

Deste modo, estabelece-se uma tensão entre o Poder Judiciário, cuja atribuição constitucional é fazer cumprir as leis que garantem o direito dos cidadãos aos medicamentos, e o Poder Executivo que tem como atribuições estabelecer e executar políticas que deem cumprimento às leis produzidas pelo Poder Legislativo, de forma que permita à sociedade o acesso efetivo e equânime à assistência farmacêutica (PEPE et al., 2010b. p.462).

Nos últimos anos, nota-se a mobilização de diversos atores, ressaltando a

atuação dos três entes da federação (Poder Judiciário, Poder Legislativo e Poder

Executivo) com propostas para melhor efetivar o direito a assistência farmacêutica

(TORRES, 2013). Assim, em 2009, com a interlocução entre operadores da saúde e

operadores da justiça e após a realização de uma Audiência Pública no Supremo

Tribunal Federal, criou-se a Resolução n° 31/2010 do Conselho Nacional de Justiça,

determinando que cada estado estabelecesse um Comitê Executivo e compusesse o

Fórum Nacional da Saúde para o monitoramento e solução de demandas judiciais

relativas à assistência à saúde (PEPE et al., 2010a; TORRES, 2013). Também, foi

recomendado pelo Conselho Nacional de Justiça que os operadores do direito

evitassem autorizar medicamentos ainda não registrados pela ANVISA, e, que antes

da apreciação de medidas de urgência, ouvissem o parecer técnico dos operadores

da saúde (TORRES, 2013).

No âmbito do Poder Legislativo destaca-se, respectivamente, a publicação da

Lei Federal n°12401/11, que regulamentou a assistência terapêutica integral no SUS,

e da Lei Complementar n°141/2012 que regulamentou a Emenda Constitucional

n°29/00, para definição das questões orçamentário-financeiras, transferências dos

recursos entre os entes federativos, controle e fiscalização dos recursos do SUS

(BRASIL, 2011a; 2012). Em relação às ações do Poder Executivo, pode-se mencionar

a criação da Comissão Nacional para Incorporação de Tecnologias (CONITEC), que

objetivou aprimorar a instância regulatória e possibilitar a transparência para o

processo de incorporação de tecnologias no SUS; a revisão permanente da RENAME

e a ampliação do elenco de medicamentos ofertados, ações pautadas no uso da

evidência científica para a tomada de decisão.

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No entanto, apesar dos avanços normativos e das intervenções dos atores

supracitados, a judicialização ainda gera grande desconforto e pode estar longe de

equacionar as questões que as envolvem (DAVID; COELHO, 2014). Faz-se

necessário, portanto, o estudo aprofundado dos limites e possibilidades que restam à

intervenção no acesso a saúde de modo geral, já que não há qualquer indicativo de

redução do acelerado crescimento do número de ações, e, também não se percebe

com clareza como a atuação judicial, referentes às demandas individuais por

medicamentos, pode contribuir para romper com as barreiras que dificultam a

progressiva efetivação da proposta constitucional para a área da saúde (DAVID;

COELHO, 2014).

Conforme ressalta Ventura et al. (2010), existe no conflito entre operadores da

justiça e da saúde um consenso, que se define pela possibilidade de exigir

judicialmente dos operadores da saúde a implementação das políticas públicas, assim

como, sua adequação às diretrizes, princípios e conteúdos determinados na

Constituição Federal e leis infraconstitucionais. No entanto, também há divergências

no debate que envolve a judicialização da saúde, remetendo a definição de como as

prestações genéricas devem ser cumpridas especificamente pelo Estado, no

discernimento dos limites e dos meios legais e eticamente válidos de exigi-las, caso

não forem cumpridas (VENTURA et al., 2010).

3.2 Decisões Judiciais de medicamentos: Por uma Justiça Distributiva ou

Justiça Comutativa?

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um enorme elenco de direitos

sociais, dentre eles o direito a saúde, os quais foram considerados típicos direitos às

prestações e apontam as ações fáticas ou ações normativas por parte do Estado

(CITTADINO, 2009). É importante destacar nesse processo que os objetivos dos

Constitucionalistas-Comunitaristas, após a ditadura militar, não estava pautada nos

interesses do Estado liberal, comprometidos com a defesa dos velhos direitos

subjetivos individuais, mas, ao contrário, a pretensão era conformar um Estado de

bem estar social, no molde europeu e em outras normas, mediante a previsão

constitucional que se pauta na ampliação do sistema de direitos constitucionais, nos

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mecanismos jurídicos23 relativos ao controle das omissões do poder público e numa

atuação política do poder judiciário. O seu objetivo fundamental era, enfim,

implementar uma justiça distributiva (CITTADINO, 2009).

A consequência deste compromisso comunitário com uma atuação jurisdicional criativa, que atenda as expectativas judiciais da sociedade brasileira, se revela precisamente na exigência de apreciação judicial das questões que envolvem lesão ou ameaça do direito individual ou coletivo. Em outras palavras, quando se trata da interpretação do ordenamento constitucional e do sistema normativo por ele presidido com vista ao exame de violação ou ameaça aos direitos fundamentais, não pode deixar de haver apreciação judiciária, sob pena de violação do preceito constitucional segundo a qual a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário a lesão ou a ameaça ao direito. (CITTADINO, 2009).

No contexto atual, é frequente a busca do poder judiciário para avaliar se as

determinações do executivo estão em consonância com a lei. Além disso, embora a

Constituição tenha característica comunitarista e de favorecimento da justiça

distributiva, a cultura jurídica está comprometida com o liberalismo, efetivando

principalmente os direitos civis e políticos e não propriamente os sociais e

econômicos, como veremos a seguir. Outra questão que se coloca é a atuação do

poder judiciário, abdicando-se da função de funcionários do governo, como entendida

por Montesquieu, para atuar como atores políticos. Todas estas questões têm

provocado discussão no campo das Ciências Sociais (SIERRA, 2011), sendo ora

entendida por uma intromissão da política, ora pelo controle de constitucionalidade.

Assim, o acesso ao Poder Judiciário, ao mesmo tempo em que é entendido

como forma de exercício da cidadania, e parte do processo político democrático, é,

também, alvo de críticas pela intromissão nos processos de deliberação política. Este

último, sob o argumento de que a esfera pública é um espaço legitimo de participação

e esta atuação do Poder judiciário tem descaracterizado o problema em âmbito

coletivo, enraizado, obtendo como efeito o esvaziamento da participação em outros

espaços (SIERRA, 2011).

A expansão dos processos judiciais, principalmente no que remete às

demandas específicas de medicamentos, revela-se como desafio para o sistema

judiciário, que sempre atuou no âmbito da microjustiça, na resolução de casos

23 A autora destaca como mecanismos jurídicos ressaltados na Constituição Federal de 1988: o mandato de segurança coletivo, a ação popular, o mandato de injunção, as ações de inconstitucionalidade por omissão, e, a possiblidade de denúncia de irregularidade ou ilegalidade ao Tribunal de Contas da União (CITTADINO, 2009).

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concretos e, então, passa a ver as suas tomadas de decisão imersas na provisão de

bens providos pelo Estado com recursos públicos e a ter que buscar novos critérios

(AMARAL, 2001; BORGES; UGÁ, 2009), sob pena de comprometer o acesso à saúde

em âmbito coletivo.

Constitucionalistas e filósofos passaram a debater as formas de implementação

e de estabelecimento de possibilidades, do ponto de vista do direito, objetivando

configurar uma sociedade justa (CITTADINO, 2009). Marques da Silva e Alves (2013),

abordando o tema ‘justiça social’, utilizam-se da teoria de justiça de Rawls (2003) para

um dos entendimentos possíveis dos processos de distribuição do acesso aos bens e

insumos públicos de saúde, considerando o conceito tríplice de universalidade,

integralidade e equidade, numa visão de indissocialibidade. Nos moldes da teoria da

justiça da Justiça de Rawls (2003) dois ‘princípios de justiça’ devem governar a

estrutura básica de uma sociedade democrática. São eles: 1) cada pessoa tem direito

a liberdades e direitos básicos iguais; 2) as desigualdades sociais e econômicas

devem estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos em condições de

igualdade equitativa de oportunidades, proporcionando mais vantagens aos membros

menos favorecidos da sociedade (RAWLS, 2003).

No primeiro princípio, considerando a garantia das liberdades básicas concebe-

se a justiça comutativa e, nestes termos, prioriza-se a manutenção da igualdade nas

trocas e do equilíbrio entre os iguais. No segundo princípio, a justiça social estaria

combinada à distribuição de renda e riqueza ou oportunidades, constituindo-se na

prioridade da justiça diante da eficiência do bem-estar, ou seja, corresponderia à

justiça distributiva, aplicando-se aos desiguais as suas necessidades desiguais. Com

base neste principio, que considera as desigualdades, será aceitável como justa, ou

seja, quando trouxer vantagens para todos, a começar dos mais desfavorecidos pela

sorte (RAWLS, 2003). Portanto, neste último princípio, ao associar a distribuição dos

bens e serviços públicos com justiça distribuitiva, estaria mais de acordo com os

princípios do SUS, principalmente no que se refere à equidade da atenção em saúde

(MARQUES DA SILVA; ALVES, 2013). Segundo as autoras, outros autores que

trabalham este tema podem, também, levar a um entendimento melhor possível dos

três princípios do SUS, universalidade, integralidade e equidade, considerando-os a

partir de um conceito tríplice indissociável.

Nas análises de Escorel (2008) sobre equidade do SUS, nota-se que no campo

das políticas públicas, principalmente da saúde, as necessidades são sempre

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diferentes, sendo necessário avaliar caso por caso. A autora (ESCOREL, 2008)

menciona que a igualdade de condições parece algo impossível (e indesejável) de ser

atingido, pois, em uma situação hipotética, se o SUS oferecesse o mesmo

atendimento para todas as pessoas do mesmo modo, em todos os lugares, estaria

provavelmente oferecendo coisas desnecessárias, além de contribuir para

manutenção da desigualdade. Neste sentido, ratifica que as políticas que se

pretendem equitativas serão sempre imprescindíveis, e, mesmo no caso de uma

distribuição desigual, pretendendo-se privilegiar as pessoas e grupos desiguais (mais

para quem tem menos) atingiríamos uma situação de igualdade, em que todos teriam

acesso às mesmas coisas, fossem elas bens e serviços ou oportunidades, e,

consequentemente, estaria no mesmo patamar de igualdade, mas, ainda assim será

necessário não prescindir dos critérios de justiça (ESCOREL, 2008).

Nesse entendimento, as decisões judiciais sobre conflitos que envolvem bens

providos com recursos públicos não podem seguir os mesmos critérios daquelas

sobre bens privados, devendo-se levar em conta princípios da justiça distributiva

(BORGES; UGÁ, 2009). Contudo, de acordo com Cittadino (1999) o pensamento

jurídico brasileiro tem se mostrado muito mais positivista e comprometido com a

defesa de um sistema de direitos voltado à garantia do direito privado dos cidadãos.

Em outros termos, apesar da Constituição Federal/1988 ter priorizado os valores da

igualdade e da dignidade humana, a cultura jurídica, neste país, está intrinsecamente

comprometida com o liberalismo modus vivendi, ao priorizar o atendimento das ações

e serviços que visam efetivar os direitos civis e políticos, e pouco se preocupar com a

efetivação dos direitos sociais e econômicos.

Nesse processo, Ventura el al. (2010) observa uma tensão interna no sistema

de assistência à saúde sobre a demanda judicial, já que envolve diversos atores,

conhecimentos e responsabilidade éticas e legais para o cumprimento do direito,

sendo notável na análise dos processos judiciais com demandas de saúde que a

responsabilidade dos profissionais de saúde é analisada de forma subjetiva, ao passo

que a responsabilidade do Estado é objetiva. Na primeira, a reclamação pelo autor da

ação judicial deve comprovar que o profissional não agiu conforme as boas práticas e

que cometeu algum erro, imperícia ou negligência ao prescrever o medicamento, por

exemplo, e, que lhe causou danos. Na segunda, pelo dever do Estado no cumprimento

do direito à saúde, o reivindicante deve apenas comprovar a relação causal efetiva

entre a omissão e ação do Estado e o dano reclamado pelo cidadão.

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Na ótica de Ventura et al. (2010. p.86), são três os argumentos utilizados para

a eficácia do direito à saúde, que, inclusive, desdobram em análises acerca da

possibilidades da atuação do Judiciário na determinação de prestações a serem

cumpridas pelo SUS.

1)Uma primeira posição entende que a eficácia desse direito deve ser restrita aos serviços e insumos disponíveis do SUS, determinados pelo gestor público; 2) Uma segunda compreende que o direito à saúde implica garantia do direito à vida e integridade física do indivíduo, devendo o Judiciário considerar a autoridade absoluta do médico que assiste ao autor da ação judicial, obrigando o SUS a fornecer o tratamento indicado; 3) Uma terceira posição defende que a eficácia do direito à saúde necessita ser a mais ampla possível, devendo o Judiciário – na análise do caso concreto – ponderar direitos, bens e interesses em jogo, para fixar o conteúdo da prestação devida pelo Estado (VENTURA et al., 2010. p.86).

A última alternativa é a que melhor se aplica às questões que envolvem

simultaneamente o acesso à saúde e à justiça, pois os operadores da justiça buscam

o embasamento técnico com base na Carta Constitucional, mas também, nos

protocolos clínicos e leis que embasam o SUS (VENTURA et al., 2010). Os

operadores do direito, neste caso, levam em conta as alternativas terapêuticas

oferecidas pelo SUS, em que também podem atender às necessidades do

demandante, sem prejuízos significativos para seu bem-estar; e a prescrição médica

individual requerida, em que recobra atenção para a comparação ao que há disponível

no SUS e as evidências científicas, no questionamento de que aquele insumo

requerido é realmente o único meio eficiente para garantir a saúde do demandante

(VENTURA et al., 2010).

O trabalho de TORRES (2013), uma recente revisão sistemática de artigos

científicos que aborda a judicialização do acesso a medicamentos, aponta que há uma

importante quantidade de estudos realizados, possibilitando observar no panorama

que envolve o tema as características que figuram as demandas judiciais. Esse

trabalho vai ao encontro da pesquisa realizada por Pepe et al. (2010a), em 2010, ao

demonstrar, que os trabalhos científicos, referentes a judicialização de medicamentos,

nas diversas regiões do país, mostram que os processos judiciais que tem como

objeto o acesso aos medicamentos apresentam características comuns e

contraditórios. Estes resultados como de suma relevância para o entendimento do

fenômeno da judicialização em âmbito nacional serão rapidamente apontados no

próximo item.

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3.3 Processos judiciais individuais de medicamentos baseados em pesquisas

empíricas.

Com base nas pesquisas empíricas que tiveram acesso a processos judiciais

(SANT’ANA et al., 2011a; CHIEFFI; BARATA, 2009, MACHADO et. al., 2011) é

possível perceber que a demanda mais recorrente no âmbito da saúde é constituída

por pedidos individuais e coletivos, de medicamentos. Entretanto, visualiza-se que os

cidadãos buscam individualmente nas instâncias jurídicas a efetivação do seu direito

a saúde pelo Estado com base na prescrição médica e na suposta urgência de obter

o insumo prescrito pelo profissional de saúde (MESSEDER et al., 2005)

Ocorre que as prescrições médicas abrangem os medicamentos para as mais

variadas indicações terapêuticas (MESSEDER et al., 2005), que, na maioria das

vezes, não correspondem as listas oficiais do SUS (protocolos clínicos, lista de

seleção ou financiamento); ou possuem indicação de uso off label24; ou são

desprovidos do registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA); e/ou

até mesmo estão sendo testados em ensaios clínicos (SANT’ANA et. al., 2011a). As

prescrições médicas, provenientes tanto de receituários do SUS (VIEIRA e ZUCCHI,

2007) como de receituários de setores privados (CHIEFFI; BARATA, 2009) apontam

estes medicamentos, e têm sido concedidos por ações judiciais individuais, mesmo o

SUS tendo um número considerável de alternativas terapêuticas25 (MACHADO et. al.,

2011).

Esses estudos provocam questionamentos pela diversidade de medicamentos

requeridos por processos judiciais, como se estes estão sendo requeridos pela

“necessidade de saúde” ou pelo estimulo das indústrias de insumos que, objetivando

a inserção no mercado, incentivariam a judicialização do acesso aos seus produtos.

Segundo Chieffi e Barata (2010), as indústrias farmacêuticas comandam os processos

judiciais por meio das propagandas com os produtos exclusivos e com estímulo à

prescrição médica para que o paciente tenha que requerer o produto ofertado por elas.

24 Indicação de uso off label se refere aos medicamentos que são prescritos para uma indicação diferente daquela que foi autorizada pelo órgão regulador de medicamentos em um país (PAULA, 2010). 25 Alternativa terapêutica corresponde aos medicamentos pertencentes às listas de financiamento público que possam ser intercambiáveis com os medicamentos demandados judicialmente. É recomendável considerar alternativa terapêutica aos medicamentos de mesmo subgrupo farmacológico do Sistema de Classificação ATC e para a mesma indicação terapêutica (MACHADO et al., 2010).

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Observa-se, então, uma pressão para que o sistema de saúde selecione e

incorpore determinado medicamento para as listas estabelecidas pelas instâncias do

SUS, de forma a ajustar o ciclo da assistência farmacêutica à demanda judicial (PEPE

et al., 2010b). Foi identificada a incorporação dos medicamentos de AIDS, em 1997,

na Secretaria do Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (MESSEDER et al., 2005), e

dos medicamentos de insulina glargina, em 2005, adalimumabe e etanercepte, em

2006, bosentana e sildenafi l, em 2009, que foram sucessivamente inclusos nos

programas da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, após passarem por

processos judiciais (MACHADO et. al., 2011). Assim essas ações facilitam “a criação

de uma estrutura paralela para seu acompanhamento, procedimentos de compras não

usuais na administração pública e o maior gasto na aquisição destes medicamentos”

(PEPE et al., 2010a).

Assim, as ações judiciais têm sido um importante caminho para a incorporação

de diversos medicamentos no mercado (PEPE et al., 2010a) desde o mais básico até

o mais complexo. O SUS no atendimento da atenção integral da saúde atende tanto

às necessidades básicas, que referem o tratamento de doenças crônicas, até as mais

supérfluas, como as que envolvem tratamento de estética.

A saúde passa a ser vista como um bem de consumo e, mais do que isto, como um modelo de consumo caracterizado pela ausência da dor e do sofrimento, busca inesgotável do prazer e da construção no próprio corpo de um padrão estético de beleza a ser atingido por meio de sucessivas intervenções (das tatuagens às cirurgias plásticas, passando pelas vitaminas e anabolizantes) (FLEURY, 2009. p.749).

Neste contexto, observa-se uma atuação incipiente do Estado Brasileiro na

garantia do acesso aos bens e serviços de saúde, principalmente da proteção à saúde

da população, ao considerarmos os diversos exemplos de medicamentos inovadores

que são retirados do mercado por algum tempo de uso (PEPE et al., 2010a). As

autoras (PEPE et al., 2010a) citam como exemplo o antiflamatório Coxibe, que foi

retirado do mercado internacional e nacional, indicando uma fragilidade ainda

existente nos métodos científicos disponíveis para constatação de risco para a saúde

relacionados ao uso dessas substâncias.

Este aumento das ações judiciais individuais para as mais diversas ações,

serviços e obtenção de insumos de saúde tem sido objetivada, ora por meio dos

representados judicialmente pela Defensoria Pública, ora pelos advogados privados.

Nas pesquisas de Viera e Zuchi (2007), Chieffi e Barata (2010), no Estado de São

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Paulo, e de Machado et al. (2011), no Estado de Minas Gerais, a maioria dos

impetrantes das ações judiciais eram de advogados particulares. Já Messeder et. al.

(2005), no Estado do Rio de Janeiro, e Romero (2008), no Distrito Federal,

encontraram representação judicial pela Defensoria Pública, o que mostra

hipossuficiência da pessoa como um requisito para ser atendido.

A maioria dessas ações judiciais é concedida por liminar e/ou concessão de

tutela antecipada, e, posteriormente, elas são ratificadas nas sentenças por decisões

favoráveis ao autor, sem analisar a real eficácia da terapêutica demandada ou, ao

menos, questionar se as prescrições médicas são provenientes do SUS ou não, e/ou

se há autenticidade do documento apresentado (SANT’ANA, 2011a; ROMERO, 2008;

MARQUES; DALLARI, 2007; VIEIRA; ZUCCHI, 2007; MESSEDER et al., 2005;

CHIEFFI; BARATA, 2009). O pressuposto utilizado pelos juízes é que se deve garantir

o acesso às demandas de saúde, baseados na “afirmação do direito à saúde e à

assistência farmacêutica como direitos universais e integrais contidos no arcabouço

legal” (Constituição Federal/1988 e a Lei Orgânica da Saúde/1990) (MARQUES;

DALLARI, 2007. p.105).

Ajuizada uma ação, os gestores do SUS são obrigados ao cumprimento da

demanda solicitada e ao fornecimento de medicamentos que, frequentemente, não

estão de acordo com os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT)

estabelecidos pelos gestores do SUS ou não estão inclusos nas listas de

medicamentos do SUS (SANT’ANA, 2009; ROMERO, 2008; MARQUES; DALLARI,

2007; VIEIRA; ZUCCHI, 2007; MESSEDER et al., 2005). Em algumas vezes, são

obrigados a efetuar a compra no laboratório indicado, sem nenhuma possibilidade de

negociação de preços, já que pertencem a um único laboratório (CHIEFFI; BARATA,

2009).

Os réus mais citados nas ações judiciais de medicamentos, dentre os três entes

federativos, foi o Estado, destacando-se o Estado de Minas Gerais na pesquisa de

Machado et. al. (2010), e o Estado do Rio de Janeiro, nas pesquisas de Sant’ Ana

(2011a), na de Pepe et al. (2010a) e na de Messeder et al. (2005). Outros trabalhos,

como os de Romero (2008), no Distrito Federal, Marques, e Dallari (2007), no Estado

de São Paulo, citam o secretário de saúde como réu, o que implica a responsabilidade

do município em atendê-las. Entretanto, no trabalho de Machado et al. (2010) nota-se

que, apesar dos medicamentos do componente especializado ser de responsabilidade

do Estado e do Ministério da Saúde, os municípios tem sido frequentemente

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acionados como réus, e, concedida liminar, mesmo não sendo de sua competência,

estão sendo acionados a cumpri-la, implicando em prejuízo na alocação dos recursos

para a compra de medicamentos no município.

A partir do deferimento das ações judiciais, estes estudos apontam que “o

melhor momento para se contestar/recorrer da decisão judicial sobre se a prescrição

médica apresentada é adequada ou não ao paciente-reivindicante é no momento em

que o gestor é intimado para cumprimento da ordem judicial liminar” (PEPE et al.,

2010a). Contudo, recorrer da decisão liminar requer embasamento técnico adequado,

de forma a garantir a segurança do paciente nos casos de uso de medicamentos não

registrados, importados, de uso off label ou em pesquisa clínica, é considerado uma

estratégia processual e política adequada e necessária (PEPE et al., 2010b).

Inclusive, essas recomendações estão ressaltadas na Resolução 31/2012 do STF

(PEPE et al., 2010b).

Nestes termos, os operadores da saúde e operadores da justiça têm

contribuído para intensificação do fenômeno da judicialização da saúde e para a

proliferação das distorções provocadas por ele (SANT’ ANA et al., 2011a). Os

operadores da saúde falham no fornecimento dos medicamentos, com parcos

recursos financeiros para gestar a saúde (SANT’ ANA et al., 2011a; BAPTISTA et al.,

2009; VIEIRA, 2008); Os operadores do direito, na maioria das vezes, desconsideram

a importância da política de assistência farmacêutica, enquanto instrumentos

racionais e legítimos para alocação de recursos (SANT’ ANA et al., 2011a; BORGES;

UGÁ, 2010, CHIEFFI; BARATA, 2009); O cidadão, ao não conseguir acessar os

serviços sociais, via políticas sociais, vê a possibilidade de recorrer à Justiça como

um recurso à efetivação do direito à saúde e, no limite, à sobrevivência. (SIERRA;

REBOUÇAS, 2011).

De acordo com Torres (2013) ainda há aspectos no âmbito da discussão da

judicialização de medicamentos que não foram abordados, destacando que:

Pelo número reduzido de estudos que analisou as características sóciodemográficas, não se pode caracterizar o autor das demandas judiciais. Há indícios de que a judicialização esteja favorecendo indivíduos com boas condições sócioeconômicas, mas são necessários estudos mais abrangentes para traçar o perfil de demandante no país como um todo. Pela insuficiência de informações, não se pode afirmar que os valores gastos com a compra de medicamentos demandados judicialmente comprometam o orçamento do SUS. Também não se sabe ao certo qual o percentual de pacientes que recorreram ao Judiciário e que estavam cadastrados anteriormente na instância da saúde. Tampouco se sabe se os medicamentos que pertencem aos componentes da Política de Assistência Farmacêutica foram

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demandados judicialmente por falhas na gestão ou porque constavam na mesma prescrição de um medicamento não-pertencente que motivou a demanda ou ainda por outro motivo (TORRES, 2013. p.78).

3.4 “Judicialização da Saúde” em Campos dos Goytacazes.

O município de Campos dos Goytacazes, localizado na região norte do Estado

do Rio de Janeiro, possui quinze distritos e setenta e oito bairros. É grande em

extensão, com uma área territorial total de 4026,696 km2 ocupada por 463.731

habitantes, sendo a maioria de mulheres (243.472 habitantes) e residentes na área

urbana (418.725 habitantes) (IBGE, 2010). O rendimento mediano mensal dos

domicílios particulares permanente variou de R$1.104,87 reais (correspondente,

principalmente, à população rural) a R$ 2.371,91 reais (correspondente,

principalmente, à população urbana) (IBGE, 2010).

Figura 1 – Mapa Campos dos Goytacazes

Fonte: Oliveira; Pedlowski (2012).

Possui, dentre outras fontes de recursos, uma renda proveniente da atividade

petrolífera, destacando-se por ser um dos maiores produtores de petróleo do Brasil.

Possui um orçamento anual de 1,4 biliões de reais, sendo que 90% são referentes a

royalties e às participações especiais da exploração de petróleo (OLIVEIRA;

PEDLOWSKI, 2012). Entretanto, surpreendem-se as deficiências nos investimentos

em diversos setores econômicos e sociais do município (OLIVEIRA; PEDLOWSKI,

2012).

De acordo com Oliveira e Pedlowski (2012), o município de Campos dos

Goytacazes possui deficiência nos serviços públicos da competência direta do poder

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público local, verificando-se pouca melhoria do acesso oferecido à população. Como

exemplo, estes autores citam o funcionamento dos postos de saúde, cujo serviço foi

profundamente comprometido pela suspensão do Programa de Saúde da Família

(PSF). A questão fica ainda mais complexa quando a análise remete às ofertas destes

serviços nas áreas periféricas deste município.

No âmbito da Saúde, o Munícipio de Campos dos Goytacazes possui 176

estabelecimento de saúde, sendo 1 estabelecimento estadual, 87 estabelecimentos

público municipal e 88 estabelecimentos privados (IBGE, 2010).

O trabalho de Alves (2013), que objetivou analisar o fenômeno da judicialização

da saúde, constatou-se que a judicialização tem sido a principal via de acesso aos

medicamentos, decorrente de planejamento e gestão deficientes da Política de Saúde

do Município. Cabe considerar que este município tem sua adesão ao SUS como

Gestão Plena do Sistema Municipal desde 2009, o que implica, portanto, autonomia

no planejamento e gestão de suas políticas de saúde, inclusive no tocante ao

financiamento.

Neste município, o acesso à assistência farmacêutica ocorre por cinco vias: 1°)

Farmácias Básicas existentes nas 69 Unidades Básicas de saúde (UBS) do município

de Campos dos Goytacazes; 2°) Farmácia Central Municipal para os pacientes estas

que não conseguiram medicamentos nas Farmácias Básicas das UBS. A Farmácia

Central é a responsável pela distribuição dos medicamentos para as UBS, unidades

de emergências e hospitais públicos geridos pelo poder público municipal; 3°)

Farmácias Populares, com responsabilidade dos medicamentos necessários para o

controle e tratamento de diabetes e hipertensão. É um projeto do Governo Federal em

convênio com algumas drogarias do município; 4°) Defensoria Pública do Estado do

Rio de Janeiro, em função de um Acordo de Cooperação com a Secretaria Municipal

de Saúde26 realizado no município, desde 2009, em que pacientes que necessitam de

medicamentos não inclusos na REMUME são encaminhados para esta instância; 5°)

Mandado Judicial, tanto para os casos de urgência na aquisição de medicamentos,

como para os que tenham decorrido mais de 10 dias após solicitação na Defensoria

Pública. Esta via tem sido a mais recomendável, pois há a obrigatoriedade - sem haver

26 O Acordo inclui a lotação de uma farmacêutica com vínculo municipal, que é responsável pela

avaliação de diversas solicitações na área da saúde (internação hospitalar, assistência farmacêutica, entre outros) que requerem intervenção dessa instância judiciária.

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exigência de licitação e com permissão do Ministério Público - para a compra de

medicamentos pela Secretaria Municipal de Saúde. No estudo de Alves (2013) não foi

possível constatar se as ações do poder judiciário poderão estar agravando as

iniquidades no acesso à saúde, e, por conseguinte, comprometendo a assistência

farmacêutica.

Neste cenário, a literatura é unânime em requerer uma legítima interlocução

entre os atores envolvidos (operadores do direito e da saúde) para que o direito à

assistência terapêutica integral seja garantido (PEPE et al., 2010b; VIEIRA; ZUCCHI,

2008). Nesse sentido, as autoras Torres (2013) e Pepe et al., (2010b) sugerem que

ainda se requer pesquisas empíricas e debates em torno da judicialização da saúde,

para que se possa, de fato, intervir sobre a histórica dificuldade de acesso aos

medicamentos no país. Inclusive, esses trabalhos aliados à análise realizada por

Alves (2013), em âmbito local, justificaram a realização desta dissertação no

aprofundamento da discussão acerca do fenômeno da judicialização da saúde e no

acesso à assistência farmacêutica em Campos dos Goytacazes, que será tratado a

seguir.

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4 “JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE” NO MUNICIPIO DE CAMPOS DOS

GOYTACAZES E O ACESSO A ASSISTENCIA FARMACEUTICA.

4.1 Metodologia da Pesquisa.

Tendo o fenômeno “judicialização da saúde” como objeto de estudo, a pesquisa

empírica analítica apropria-se da abordagem metodológica weberiana para interpretar

as decisões tomadas pelo Poder Executivo (Operadores da saúde) e do Judiciário

(Operadores do direito), tendo como referência os princípios doutrinários de

universalidade/equidade/integralidade do Sistema Único de Saúde, enquanto modelo

ideal.

A escolha da metodologia weberiana para interpretar e compreender o objeto

em questão deve-se ao entendimento de que a interpretação da ação deve tomar nota

do fato fundamentalmente importante de que aquelas formações coletivas, que

pertencem tanto ao pensamento do senso comum quanto do jurídico (ou de outras

disciplinas), são representações de algo, que em parte existe e em parte pretende

vigência, que se encontram na mente de pessoas reais (não apenas dos juízes e

funcionários, mas também do “público”) e pelas quais se orientam suas ações. Como

tais, têm importância causal enorme, muitas vezes até dominante, para desencadear

as ações das pessoas reais. Isto se aplica especialmente às representações de algo

que deve ter vigência (ou não deve ter) (WEBER, 1998).

A análise aprofunda os estudos já realizados no município de Campos dos

Goytacazes no trabalho de Alves (2013). Assim, a partir da análise dos discursos, das

práticas, dos agentes e dos documentos normativos e processos judiciais busca-se

compreender as tomadas de decisão dos operadores do direito e da saúde, e se elas

são norteadas pelos princípios doutrinários do SUS (universalidade/integralidade e

equidade) e/ou por outros fatores, como a influência da indústria de insumos e/ou dos

próprios profissionais envolvidos na ação.

Nestas condições, a pesquisa foca nos processos judiciais, prioritariamente no

que se refere ao acesso individual da assistência farmacêutica, na Comarca de

Campos dos Goytacazes, no período de janeiro à dezembro no ano de 2013. A

escolha pela busca dos processos neste período justificou-se por objetivar analisar o

processo desde o status inicial da ação judicial até o status ação judicial julgada.

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O campo de análise foi o Departamento de Assistência Farmacêutica da

Secretaria de Saúde e as Varas Cíveis (5) do Fórum de Justiça. Ressalta-se que não

seria possível a análise destes processos somente no Fórum de Justiça, pois, os

processos nesta instituição são organizados por nome e por número, e não por

assunto. O formulário pré-elaborado foi aplicado nos respectivos campos como

unidade de análise.

A partir de formulário pré-elaborado foi possível obter informações contidas nos

processos judiciais individuais para fornecimento de medicamento, movido pelo

cidadão contra o Município de Campos dos Goytacazes. O objetivo, com essa técnica,

foi aprofundar as análises do objeto de estudo baseado nas pesquisas já realizadas.

O manual de “Indicadores de avaliação e monitoramento das demandas judiciais de

medicamentos” (PEPE, 2011) foi utilizado como instrumento norteador da análise dos

processos.

Objetivando identificar o perfil dos demandantes das ações judiciais, que são,

ao mesmo tempo, segmentos que requerem maior atenção da Política de Assistência

Farmacêutica, analisou-se, a partir da dimensão 1, as iniquidades no acesso a

medicamentos por ‘Características sócio-demográficas do autor da ação judicial’

(PEPE, 2011), partindo das seguintes variáveis: 1) Renda familiar mensal per capita;

2) Faixa etária; 3) Ocupação; 4) Município e Bairro de domicílio; 5) Representante do

autor da ação.

Nas dimensões 2 e 3, ao observar as ‘Características processuais das ações

judiciais’ (2) e as ‘Características médico-sanitárias das ações judiciais’ (3) (PEPE,

2011), a partir das variáveis abaixo mencionadas, foi possível a análise das decisões

tomadas pelos operadores do direito e operadores da saúde, tendo como base as leis

nacionais e locais. Nestas duas dimensões, também se observam variáveis que

dimensionam se há a influência da indústria farmacêutica ou dos próprios profissionais

no processo da judicialização da saúde.

Para a dimensão 2, as decisões dos operadores do direito e dos operadores da

saúde foram verificadas, a partir das seguintes variáveis: 1) Número do processo na

primeira instância; 2) Número do processo na segunda instância; 3) Vara de origem

(na comarca de Campos dos Goytacazes)27; 4) Ações judiciais por representação do

27 Vara de Origem é uma divisão na estrutura judiciária que corresponde à jurisdição de juiz de direito e pode indicar também a matéria de sua competência, p.ex., vara cível, vara de fazenda pública, etc.

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autor da ação; 5) Gratuidade de justiça; 5) Réu citado (Apesar de ser no município,

faz menção a União ou Estado); 6) Concessão da liminar ou antecipação de tutela28;

7) Tempo mediano de decisão liminar ou antecipação de tutela na primeira instância;

8) Exigência judicial29 (laudo, prescrição do SUS, exames complementares, perícia);

9) Tempo mediano da intimação da instância da saúde; 10) Tempo mediano de

entrega do medicamento; 11) Decisão judicial na primeira instância (sentença do

juiz)30; 11) Argumentação jurídica para decisão; 12) Recurso do réu; 13) Decisão

judicial na segunda instância (acórdão)31; 14) Argumentação jurídica para decisão.

Na dimensão 3, observou-se as decisões dos operadores da saúde ao verificar:

1) Solicitação extrajudicial de medicamento à instância de saúde anterior ao processo

judicial de medicamento a partir do cadastro do paciente na instância de saúde ou do

comprovante de entrega da medicação; 2) Diagnóstico principal segundo a

Classificação Internacional de Doença – 10ª Revisão (CID 10); 3) Origem da

prescrição de medicamentos de acordo com a natureza jurídica do Cadastro Nacional

de Estabelecimentos de Saúde – CNES (SUS/não SUS; hospital universitário) 4)

Medicamentos por subgrupos terapêutico/farmacológico/substância química do

Sistema de Classificação Anatômica Terapêutica e Química (ATC); 5) Medicamentos

prescritos pelo nome genérico32; 6) Medicamentos requeridos que figuram nas listas

da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) na versão 2013 e a

Lista da Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME) na versão 2013;

7) Ações judiciais contendo documentos adicionais, que não a prescrição de

medicamentos (qualquer documento, médico, clínico ou legal); 8) Medicamentos

As Varas especializadas nascem conforme o número de demandas de determinada natureza (PEPE et al., 2011. p.61). 28 Antecipação de tutela ou concessão liminar é o tipo de decisão judicial que antecipa um ou mais pedidos feitos pelo autor na ação. Exige alguns requisitos, como a possibilidade de que a demora no julgamento da causa resulte em prejuízo irreparável ao autor (periculum in mora), bem como a existência de provas que convençam o juiz da veracidade da alegação e possibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris – fumaça do bom direito). Neste sentido, entendesse que devem ser exigidos documentos que comprovem o cumprimento desses requisitos pelo autor (PEPE et al., 2011. p.59). 29 Exigências para a concessão da antecipação de tutela ou concessão da liminar: solicitação de provas e documentos adicionais aos apensados na petição inicial (PEPE et al., 2011. p.60). 30 Sentenças são as decisões judiciais finais proferidas à conclusão do processo em primeira instância. Cabe recurso à segunda instância (PEPE et al., 2011. p.61). 31 Acórdão é a decisão judicial final proferida quando da conclusão do processo em instância colegiada superior, como nas Câmaras dos Tribunais de Justiça (2.ª instância), Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou Supremo Tribunal Federal (STF) (PEPE et al., 2011. p. 59). 32 Considera-se nome genérico o utilizado na Denominação Comum Brasileira ou Denominação Comum Internacional, conforme a Resolução RDC ANVISA nº 211/2006 e a Lei 9787/99 (Brasil, 2006; Brasil, 1999 apud Pepe et al, 2011. p.62).

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demandados com alternativa terapêutica33 no Sistema Único de Saúde; 9) Gastos dos

medicamentos demandados.

No que se refere aos efeitos à gestão e planejamento da política de saúde, em

especifico a assistência farmacêutica, utilizou-se a dimensão 4. Nessa dimensão, as

‘Características político-administrativas das ações judiciais’ são destacadas, ao

ressaltar os aspectos relacionados às competências executivas, administrativas e

econômicas da Administração Pública. A análise tem por base, também, as

regulamentações infraconstitucionais para definir: 1) Prescrição de medicamentos

para indicação de uso off label34; 2) Medicamentos registrados na Agência Nacional

de Vigilância Sanitária; 3) Medicamentos, por componente do bloco de financiamento

da assistência farmacêutica35; 4) Medicamento que esteja fora dos componentes do

bloco de financiamento da assistência Farmacêutica; 5) Medicamento do Componente

Especializado da Assistência Farmacêutica36.

Ressalta-se que a pesquisa passou pela aprovação do comitê de ética e pela

aprovação dos profissionais do Sistema de Saúde e do Sistema de Justiça,

resguardando todo o sigilo das informações. Esses dados, após coletados, foram

tabulados e calculados com auxílio do sistema IBM SPSS, versão 2013. O objetivo é

responder as questões que norteiam nosso objeto de pesquisa a partir do cruzamento

dos dados.

Assim, fundamentados na dimensão sociológica do tipo ideal pela tríade

universalidade/equidade/integralidade do SUS e orientados conscientemente por um

sentido e uma realidade concreta, buscou-se compreender a ação racional da tomada

33 Alternativa Terapêutica são os medicamentos pertencentes às listas de financiamento público que possam ser intercambiáveis com os medicamentos demandados judicialmente. Sugere-se considerar alternativa terapêutica, os medicamentos de mesmo subgrupo farmacológico do Sistema de Classificação ATC, para a mesma indicação terapêutica (Machado, 2010 apud Pepe et al., 2011. p.59). 34 Prescrição para indicação de uso off label refere-se ao medicamento prescrito para uma indicação diferente daquela que foi autorizada pelo órgão regulador de medicamentos em um país (Paula, 2010 apud Pepe et al., 2011. p.62). 35 Componente do bloco de financiamento da Assistência Farmacêutica refere-se as listas de financiamento pactuadas nas instâncias decisórias do Sistema Único de Saúde entre as esferas de governo. A Portaria MS/GM nº 204, de 29 de janeiro de 2007 regulamentou o bloco de financiamento da Assistência Farmacêutica em três componentes, que hoje são os componentes Básico, Estratégico e Especializado ((PEPE et al., 2011. p.59). 36 O Componente Especializado da Assistência Farmacêutica é uma estratégia de acesso a medicamentos no âmbito do Sistema Único de Saúde, cujas linhas de cuidado estão definidas em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas publicados pelo Ministério da Saúde. [Portaria GM/MS 298 de 26 de novembro de 2009, pactuada na Comissão Intergestores Tripartite (CIT)] (PEPE et al., 2011. p.61).

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de decisão dos operadores do direito e da saúde e o fenômeno da judicialização da

saúde.

Dessa forma, a partir da seleção dos processos, realizada na Secretaria

Municipal de Saúde, foram identificados 166 processos judiciais com demanda de

medicamentos no ano de 2013. Destes, o estudo do presente trabalho mostra os

resultados da análise em profundidade de 63 processos na Secretaria Municipal de

Saúde e de 44 processos no Fórum de Justiça.

Os processos analisados da Secretaria Municipal de Saúde foram os que

estavam alocados no Departamento de Assistência Farmacêutica, instituição em que

ficam os processos finalizados. Sem sistema informatizado, os processos estão em

armários arquivos organizados por origem da instituição (Defensoria Pública e Fórum

de Justiça) e por ordem alfabética.

Já no Fórum de Justiça, há a divisão por Varas Cíveis (Cinco Varas Cíveis na

Comarca de Campos dos Goytacazes). Nas varas cíveis, os processos são

organizados por número e nome do demandante e não por assunto que, no caso em

questão, é o relacionado à área da saúde no setor especificamente da requisição de

medicamentos. A organização dos processos por número ou nome do demandante

dificulta a possibilidade de pesquisa por assunto, mediante a diversidade demandas

que são atendidas nessas varas. De acordo com os funcionários, existem em média

trinta processos a serem cumpridos por dia, e, por isso, não há tempo e nem interesse

em organizar as ações processuais por assunto.37

Esta foi uma das razões pelas quais se optou, nesta presente, para a busca

dos processos na Secretaria de Saúde, instância de resolução final dos processos.

Porém, a partir dos processos finalizados, que se encontravam na Secretaria de

Saúde e que estavam com os dados incompletos, mas com o número e o nome do

demandante, foi possível recorrer ao Fórum de Justiça, na busca dos mesmos. Ou

seja, houve um processo de prospecção ou retrospecção, conforme a necessidade da

coleta de dados para a pesquisa. Ressalta-se que, apesar de estarem informatizados

no Fórum, os processos se encontram de forma resumida, além de, como citado

acima, estarem disponibilizados por número e nome, e não por assunto para

identificação dos referentes à saúde, o que acarretou a necessidade de mais tempo

de pesquisa e uma seleção dos processos. Essa seleção foi feita em três etapas:

37 Segundo informações dos funcionários do setor, há uma cota a ser cumprida, correspondendo a uma média de 30 processos por dia e a 150 por semana.

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1- Identificação e análise de 166 processos judiciais, distribuídos em 2013,

existentes na Secretaria Municipal de Saúde.

2- Seleção inicial de 63 processos, a partir de um formulário com perguntas

semiestruturadas, tendo verificado que não continham todas as variáveis

(Renda familiar mensal do autor da ação, recurso do réu, orçamento

apresentado) para responder às questões da pesquisa.

3- Com os dados de localização dos processos (principalmente nome da

parte e número do processo), já anotados na fase anterior, selecionou-

se 44 processos para uma análise mais aprofundada. Este é um número

inferior ao da Secretaria Municipal de Saúde e foi devido a não

autorização da pesquisa em uma das varas civis (11 processos) e ao

não encontro de 7 processos no Fórum de Justiça no período da

pesquisa, por estarem em tramitação com suas representações judiciais

ou aguardando parecer do Juiz.

4.2 Objetivos da pesquisa

4.2.1 Objetivo Geral

Analisar as demandas judiciais de medicamentos e as decisões dos Poderes

do Executivo e do Judiciário no que se refere ao direito à saúde no município de

Campos dos Goytacazes.

4.2.2 Objetivos específicos

Construir um fluxograma, delimitando as vias de acesso aos

medicamentos no município de Campos dos Goytacazes.

Identificar as caraterísticas dos impetrantes das ações judiciais de

medicamentos, especificamente, por sexo, idade, residência, profissão,

renda per capita familiar e representação familiar;

Caracterizar os medicamentos, demandados por processo judicial,

conforme as regulamentações infraconstitucionais que definem a política

que regulamenta à assistência farmacêutica pública;

Analisar as decisões judiciais e os recursos dos réus, tendo em vista a

Constituição Federal de 1988 e as leis infraconstitucionais.

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88

Identificar os custos gerados pelas demandas judiciais e as interferências

político-administrativas sobre a gestão pública.

4.3 Hipóteses da pesquisa

Os impetrantes das ações judiciais possuem melhores condições

socioeconômicas e mais acesso à informação, sendo, por conseguinte,

privilegiados no acesso aos medicamentos;

As tomadas de decisão dos Juízes são amparadas principalmente pela

Constituição Federal de 1988;

O deferimento das demandas judiciais individuais de medicamentos, com

base apenas preceitos da Constituição Federal, sem considerar os leis

infraconstitucionais e os protocolos clínicos do SUS, têm comprometido o

à gestão da Política;

A indústria farmacêutica influência nas demandas judiciais de

medicamentos;

O tempo de tramitação dos processos interfere negativamente nas

questões de saúde;

Os operadores da saúde não tem respondido aos processos judiciais, e,

tem, por isso, corroborado para o aumento das demandas judiciais.

4.4 Resultados e Análises.

4.4.1 O acesso a medicamentos por meio das instâncias jurídicas no município de

Campos dos Goytacazes.

Para melhor entendimento de como o fenômeno da judicialização da saúde vem-

se desenvolvendo em Campos dos Goytacazes, a figura 2 especifica os caminhos que

o paciente/autor da ação judicial percorre para obtenção de medicamentos, após a

prescrição médica.

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Figura 2 – Fluxograma: Vias utilizadas pelos autores das ações judiciais para obtenção de medicamentos no Município de Campos dos Goytacazes/2013.

Fluxograma de autoria da autora do presente trabalho a partir das informações obtidas pela

Secretaria Municipal de Saúde e Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes.

Pela figura 2 observa-se que, quando o usuário não tem a demanda de

medicamento atendida nas unidades de saúde, ele recorre à justiça por meio da

Defensoria Pública ou por meio dos Escritórios de Advocacias Particulares.

Na Defensoria Pública, o usuário faz o pedido para acessar o medicamento em

primeira instância, mediante a negativa do acesso das Instituições de Saúde. Neste

local, não há arquivamento dos processos e nem sistematização dos dados, apesar

de haver muitos atendimentos para a Secretaria da Fazenda. As demandas são todas

as que compõem os direitos civis, não necessariamente relacionadas ao direito à

saúde. Ao ser atendido, o usuário aguarda para que a Defensor Público negocie a

distribuição do medicamento, conforme acordo com a Secretaria Municipal de Saúde.

Contudo, caso não haja acordo, inicia-se o processo judicial em primeira instância.

Subsequentemente, os processos que são resolvidos nessa instituição são

encaminhados para a Secretaria de Saúde para o fornecimento dos medicamentos e

arquivados, ou, quando não atendidos, são encaminhados para o Fórum de Justiça.

Em Campos dos Goytacazes, objetivando agilidade na obtenção dos

medicamentos, formalizou-se um Acordo de Cooperação Municipal entre a Defensoria

Pública e a Secretaria Municipal de Saúde. Entretanto, na maioria das vezes, não há

a obtenção dos medicamentos, mesmo recorrendo à Defensoria Pública. Dessa

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forma, o processo segue para o Fórum de Justiça com pedido de antecipação de

tutela. No Fórum de Justiça, os processos provenientes da Defensoria Pública ou de

advogados particulares passam pelo Cartório Distribuidor, onde é realizado um sorteio

para depois serem encaminhados para as varas cíveis. No caso de Campos dos

Goytacazes, existem cinco varas cíveis. Quando o processo chega à vara cível, o juiz

determina que o Município e/ou Estado, na pessoa do Secretário de Saúde, cumpra a

liminar ou a antecipação de tutela com a entrega do medicamento demandado, sob

pena de multa pecuniária diária.

O juiz em primeira instância, ao analisar o processo, concede primeiramente a

tutela antecipada ou a liminar. No caso específico da saúde, a tomada de decisão

tende a ser a tutela antecipada com liberação do medicamento, enquanto o processo

segue seu curso normal. Ou seja, os processos relacionados à saúde tendem a seguir

em caráter emergencial, não sendo morosos. Posteriormente, o juiz concede a

sentença.

Em caso de negativa da sentença ou da tutela antecipada, cabe recurso pelo

demandante. Para a segunda instância, vão os processos dos demandantes negados

pela sentença ou pela tutela antecipada e os processos que o poder público alega a

não necessidade ‘legal’ do atendimento, considerando as diretrizes do SUS. Na

segunda instância, após analisarem a decisão do juiz em primeira instância, a decisão

final é tomada por uma junta de juízes – acordão. Se a decisão final ainda for negativa,

poderá ser resolvida pelo Tribunal Superior de Justiça, onde não há mais possibilidade

de recurso.

Quando os processos provenientes das instâncias jurídicas são encaminhados

para a Secretaria de Saúde, estes são encaminhados para o Departamento Jurídico

da Secretaria de Saúde, onde se faz a distribuição para os setores específicos da

própria instituição. Os processos são protocolados e, posteriormente, encaminhados

para a Assessoria Jurídica, que os avalia e solicita resposta da Farmacêutica do

Departamento de Assistência Farmacêutica. Esta responde para Assessoria Jurídica

se o medicamento está disponível, indisponível ou se não é de atribuição do Município.

Caso o medicamento esteja disponível, faz-se o contato com o paciente e o distribui,

tendo este que assinar um recibo de comprovação de entrega. Caso o medicamento

não esteja disponível, solicita-se do Secretário de Saúde a compra imediata, sem

licitação. Quando o medicamento é de atribuição do Estado, responde-se o

memorando para encaminhá-lo ao setor responsável pelos medicamentos do

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Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, com prazo de 48 horas a 10

dias.

4.4.2 Características sócio demográficas do autor da ação judicial

Pela análise dos 63 processos judiciais com demanda de medicamentos,

presentes na Secretaria Municipal de Saúde, dentre os 166 distribuídos no ano de

2013, não foi possível identificar as características sócio demográficas de todos os

autores das ações judiciais e os recursos dos réus, pois na maioria dos processos

consta somente os documentos emitidos pela Defensoria Pública e pelo Fórum de

Justiça (Intimações Judiciais ao secretário de saúde para o fornecimento de algum

medicamento). Já no Fórum de Justiça, foi possível a análise aprofundada de 44 dos

63 processos identificados anteriormente, a partir da Declaração de Hipossuficiência

Econômica e de Rendimentos e do Comprovante de Renda para obtenção do

benefício de gratuidade de justiça.

Para a análise do presente trabalho, ora apresentar-se á dados referentes ao

total dos 63 processos (alocados na Secretaria Municipal de Saúde) e ora os

referentes aos 44 processos (alocados no Fórum de Justiça), objetivando obter

sempre o maior número de informações em todas as variáveis.

Em relação ao perfil dos autores das ações, constatou-se: maioria do sexo

feminino (36), com 27 do sexo masculino; 26 (41,3%) com idade igual e/ou superior a

60 anos, 20 (31,7%) com idade entre 19 e 59 anos, 3 (4,8 %) com idade de 13 a 18

anos, 2 (3,2%) de 0 a 12 anos e 12 (19 %) sem referência a esse dado (tabela 1).

Tabela 1: Distribuição das demandas judiciais de medicamentos segundo a faixa etária dos

autores das ações judiciais. Município de Campos dos Goytacazes, 2013. Faixa Etária Frequência

(nº) Percentual

(%)

0 a 12 anos 2 3,2

13 a 18 anos 3 4,8

19 a 59 anos 20 31,7

Igual ou acima de 60 anos 26 41,3

Sem Informação 12 19,0

Total 63 100,0

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes.

Comparando com outros estudos, constata-se semelhança da prevalência das

faixas etárias identificadas em Campos dos Goytacazes. No estudo de Camargo

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(2011) e Vieira e Zucchi (2007) prevaleceu a faixa de 60 anos ou mais, com 26,2% e

37,5%, respectivamente. No estudo de Machado et al. (2011), a prevalência foi na

faixa etária entre 19 a 59 anos, com 52,4%, que no município de Campos é a segunda

faixa mais prevalente.

Dos autores identificados na pesquisa, 35 (55,5%) possuíam representação

para responder pelos processos, enquanto 28 (44,4%) não possuíam. A partir do

cruzamento das variáveis idade e representação familiar, identifica-se que a

representação familiar, pela idade dos autores da ação apresentados, remete ao

grupo de pessoas que possuem legislações especificas, com resguardo de, além da

atenção do Estado, a atenção dos familiares, da comunidade e da sociedade. As

representações eram familiares dos autores idosos (26; 41,3%), crianças (2; 3,2%) e

adolescentes (3; 4,7%), que tinham familiares como representantes (mãe, irmã ou o

pai), e, certamente, as pessoas com algum tipo de deficiência e transtorno mental (4;

6,3), como nota-se na tabela abaixo.

Tabela 2: Distribuição das demandas judiciais de medicamentos segundo representação familiar dos autores das ações judiciais por faixa etária. Município de Campos dos

Goytacazes, 2013.

Faixa Etária

Representante Familiar

Frequência (nº)

Percentual (%)

0 a 12 anos 2 3,2

13 a 18 anos 3 4,7

19 a 59 anos 4 6,3

Igual ou acima de 60 anos 26 41,3

Sem representação 28 44,4

Total 63 100,0

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes

Observou-se que não houve qualquer outro tipo de representação que não

fosse os próprios familiares.

Os processos por representação são discriminados como prioridade de

atendimento, e seguem especificados em caráter de urgência. Esta condição de

prioridade no atendimento é justificada pelo cumprimento às leis infraconstitucionais:

Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/2003), Estatuto da Criança e Adolescente (Lei n°

8069/90), Lei de Apoio à pessoa com deficiência n° 7853/89, Lei de proteção e direitos

a pessoa com transtorno mental n° 10216/01 vigentes.

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No que se refere ao local onde os autores das ações residem, observou-se que

a maioria reside no Centro (10; 15,9%), Parque Leopoldina (5; 7,9%), Travessão (4;

6,3%), Farol (4; 6,3%), Pecuária (3; 4,8%), Jockey Clube (3; 4,8%) e os demais estão

localizados nos seguintes bairros: Goytacazes (2; 3,2%), Lapa (2; 3,2%), Parque

Guarus (2; 3,2%), Baixa Grande (1;1,6%), Boa Vista (1;1,6%), Caju (1;1,6%), Campo

Limpo (1;1,6%), Cidade Luz (1;1,6%), Correnteza (1;1,6%), Grussaí (1;1,6%), Ibitioca

(1;1,6%), Jardim Carioca (1;1,6%), Parque Gonçalves Dias (1;1,6%), Parque

Califórnia (1;1,6%), Parque Imperial (1;1,6%), Parque João Maria (1;1,6%), Parque

Santo Amaro (1;1,6%), Parque Santo Antônio (1;1,6%), Penha (1;1,6%), Santa Rosa

(1;1,6%), Saturnino Braga (1;1,6%) e Venda Nova (1; 1,6%). Em 5 (7,9%) dos

processos analisados não se obtiveram informações sobre o local de residência.

Com base nos dados do IBGE 2010, foi possível aferir o rendimento médio

mensal dos domicílios particulares permanentes, sendo, como se verifica na tabela

abaixo que os mais citados são os com maiores rendimentos: Centro, Parque

Leopoldina, Parque Pecuária, Parque Jockey Club, Lapa, Parque Guarus. Ressalta-

se que o rendimento médio mensal destes domicílios variou de R$ 749,70 à R$

7.124,05.

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Tabela 3- Distribuição das demandas judiciais de medicamentos segundo o local de residência dos autores das ações judiciais e rendimento médio mensal das famílias.

Município de Campos dos Goytacazes/2013*.

Local de Residência Percentual Rendimento Médio Mensal ($)**

Centro 17,5 4.431,48

Parque Leopoldina 7,9 2.831,98

Travessão 6,3 Sem Informação

Farol 6,3 Sem Informação

Parque Jóckey Club 4,8 1.845,13

Parque Pecuária 4,8 2.088,78

Goytacazes 3,2 Sem Informação

Parque Guarus 3,2 1.415,92

Parque Turf Club 3,2 2.754,89

Lapa 3,2 2.838,40

Baixa Grande 1,6 Sem Informação

Parque Vista Alegre 1,6 2.605,14

Caju 1,6 2.146,33

Campo Limpo 1,6 Sem Informação

Parque Cidade Luz 1,6 1.158,53

Grussaí 1,6 Sem Informação

Ibitióca 1,6 Sem Informação

Jardim Carioca 1,6 2.482,90

Jardim Guarus 1,6 1.357,23

Parque Gonçalves Vicente Dias 1,6 1.861,93

Parque Califórnia 1,6 2.305,67

Parque Imperial 1,6 Sem Informação

Parque João Maria 1,6 2.898,77

Parque Presidente Vargas 1,6 1.232,16

Parque Santo Antônio 1,6 2.359,03

Da Penha 1,6 1.391,85

Saturnino Braga 1,6 Sem Informação

Parque Santa Rosa 1,6 869,84

Venda Nova 1,6 Sem Informação

Sem Informação 7,9 -

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes. *Número de Processos Analisados: 63

**Dados do IBGE 2010.

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Não foi possível a identificação da proporção dos autores por ocupação no

mercado de trabalho, pois os processos não apresentavam essa variável. Entretanto,

apesar da ausência de informação referente à vinculação no mercado de trabalho (24;

38,1%), é valido ressaltar, a partir da análise de 39 processos (61,9%) com essa

informação, que 26 (41,3%) dos autores das ações são aposentados e pensionistas,

9 (14,9%) possuem vínculos empregatícios (com ou sem carteira de trabalho) e 4

(6,3%) estão sem trabalho.

Nos demais estudos, essa dificuldade de acesso às informações para a variável

ocupação foi, também, ressaltada. No trabalho de Vieira e Zucchi (2007), identificou-

se que 40 (38,1%) eram aposentados e pensionistas, 27 (25,7%) outros, 17 (16,1%)

do lar, 12 (11,4%), estudantes, 9 (8,6%) desempregados. No trabalho de Machado et

al. (2011), 223 (37,4%) eram aposentados e pensionistas, 132 (22,2%) outros, 124

(20,8%) eram do lar, 50 (8,4%) estudantes, 33 (5,5%) não informado, 19 (3,2%) eram

funcionários públicos, 3,4% professor. Observa-se o predomínio de aposentados e

pensionistas, o que, em tese, justifica a renda declarada abaixo.

Nos processos analisados na Secretaria Municipal de Saúde, não havia

registros referentes aos proventos dos autores das ações. Foi possível, contudo,

verificar a renda dos autores das ações judiciais no Fórum de Justiça, a partir da

Declaração de Comprovação de Hipossuficiência que os autores das ações assinam

para ter acesso à justiça gratuita, junto à Defensoria Pública, e o Comprovante de

Rendimentos para a isenção das custas judiciais, para aqueles representados pela

advocacia privada.

A renda individual de cada autor da ação foi ora declarada por meio de um

comprovante de hipossuficiência assinado pela parte autora, ora comprovada por

meio de contra-cheques, extratos do INSS e comprovante de rendimento individual

para obtenção dos medicamentos, via acesso à justiça gratuita. A maioria dos autores

das ações judiciais foi representada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de

Janeiro, o que sugere, portanto, que houve a declaração de hipossuficiência pelos

autores da ação judicial, embora, como mostra a gráfico 1, não tendo havido um

padrão da renda declarada e usufruído do acesso à justiça gratuita.

O valor dos proventos dos demandantes (44; 100%) variou de 0 (3; 7%) a acima

de cinco salários mínimos (4; 9%), sendo que a renda individual que mais prepondera

entre os autores das ações judiciais é acima de meio salário mínimo a um salário

mínimo (15; 34%). Estes últimos valores são, provavelmente, em virtude do número

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de idosos e pessoas com deficiência, aposentados ou com proventos do Benefício de

Prestação Continuada.

Gráfico 1: Distribuição das demandas judiciais de medicamentos segundo o rendimento

individual mensal dos autores das ações judiciais por representação judicial. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Fonte: Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 44

Esses resultados apontam para paradoxo sobre a variável renda, já que a lei

n°1060/50, que regulamenta o acesso à justiça gratuita, não estabelece o limite da

renda, sendo que esta pode ser declarada ou comprovada por documentos. Embora

o acesso à justiça gratuita possa representar a real efetivação do direito à saúde,

procurou-se investigar a motivação da solicitação da hipossuficiência dos autores na

demanda judicial a fins de entender se há a violação na equidade do acesso ao SUS.

4.4.3 Características processuais das ações judiciais para acesso à medicamentos.

Os autores das ações judiciais têm tutelado o direito individual de obter acesso

aos serviços e insumos de saúde, como os medicamentos, por meio das instâncias

jurídicas. Estes têm como representação jurídica os defensores públicos (53; 84%) e

os advogados particulares (10; 16%). Dentre os autores das ações judiciais que são

representados por advogados particulares, a maioria obteve o benefício de gratuidade

da justiça concedido (7; 11%), em detrimento dos que tiveram que arcar com as custas

judiciais (3; 5%) como mostra a Gráfico 2.

0 0 2 2 03 1 23 2

13

7

1 3 3 2

0

5

10

15

20

25

30

35

40

Sem Renda Até MeioSalárioMínimo

Acima de 0,5 a1 SalárioMínimo

Acima de 1 a 2SaláriosMínimos

Acima de 2 a 3SaláriosMínimos

Acima de 3 a 4SaláriosMínimos

Acima de 4 a 5SaláriosMínimos

Acima de 5SaláriosMínimos

de

Pro

cess

os

Renda Individual dos autores das ações judiciais

Renda Individual dos autores e a Representação Judicial

Advogado Privado Remunerado Defensoria Pública

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Gráfico 2- Distribuição das demandas judiciais de medicamentos segundo a representação

judicial e a concessão do benefício da gratuidade de justiça. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 63

Nas instâncias jurídicas, é feita uma triagem para o acesso à justiça gratuita e

para a isenção das custas judiciais, sendo que se constatou que a primeira está sendo

feita majoritariamente por defensores públicos e a segunda realizada pelos juízes. O

presente estudo sugere que os juízes têm deixado essa triagem a cargo da Defensoria

Pública, pois, quando os processos chegam à vara cível para o parecer, a questão da

renda dos autores não é objeto de avaliação, com maior atenção para os processos

que têm como representação judicial os advogados particulares.

Esses resultados confirmam os estudos de Sant’ Ana et al. (2011b) (70,4%;

19), Pepe et al. (2010b) (83%; 154); Messender et al. (2005) (53,5%; 208) realizados

no Estado do Rio de Janeiro, e de Romero (2008) (11,8%;26) no Distrito Federal, nos

quais a Defensoria Pública tem sido a principal representante nos processos judiciais

referentes a medicamentos. Ao contrário do Estado de São Paulo, nos trabalhos de

Chieffi e Barata (2009) (74%; 2166) e Vieira e Zucchi (2007) (54%; 67), e no Estado

de Minas Gerais, no trabalho de Machado et al. (2011) (60,3%; 473), nos quais houve

o predomínio dos advogados particulares considerando, inclusive, que os pacientes

por terem condições financeiras de arcaram com os custos de advogados particulares

poderiam adquirir os medicamentos solicitados.

Os trabalhos citados aliados ao da presente pesquisa suscita questionamento

com relação ao estabelecimento de critérios para o alcance da equidade no acesso

ao SUS e ao Sistema de Justiça. No que se refere ao acesso à justiça gratuita pela

Defensoria Pública, destaca a necessidade de conhecer o estabelecimento das

84%

0%

11%

5%

16%

Representação Judicial dos autores das ações judiciais

Defensoria Pública (Acesso àJustiça gratuita)

Advogado Particular comGratuidade de Justiça

Advogado Particular semGratuidade de Justiça

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Defensorias Públicas nos Estados e os critérios adotados para reconhecimento da

hipossuficiência dos autores (PEPE et. al., 2010b), já que os que optam pela

representação dos advogados particulares podem requerer o benefício da gratuidade

da justiça que os isentaria de custas e outras despesas processuais (PEPE et al.,

2010b).

As decisões dos Juízes, liminar e/ou antecipação de tutela, foram deferidas em

todos os processos (63; 100%), independente da demanda apresentada ou do perfil

do autor da ação, como se pode verificar na tabela 4.

Tabela 4- Distribuição das demandas judiciais de medicamentos segundo às concessões de liminar ou antecipação de tutela. Município de Campos dos Goytacazes, 2013.

Vara Cível Decisão Judicial na

Antecipação de Tutela Total

N° Percentual

%

Sim Não

Primeira Vara Cível 19 0 19 30,1

Segunda Vara Cível 11 0 11 17,5

Terceira Vara Cível 17 0 17 27,0

Quarta Vara Cível 11 0 11 17,5

Quinta Vara Cível 5 0 5 8,0

Total 63 100

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes

A concessão da liminar ou antecipação da tutela pelos Juízes nas ações

judiciais, que tem como objeto o acesso a medicamentos, também foi visualizada em

100% dos processos analisados por Sant’ Ana et al. (2011b), Pepe et al., (2010b), e

Ventura et al. (2010), em 96,5% dos processos avaliados por Camargo (2011) e em

93,5% por Marques e Dallari (2007).

A partir da análise dos 44 processos no Fórum de Justiça, os principais

argumentos utilizados pelos juízes ao proferirem as decisões favoráveis aos autores

das ações, na liminar/antecipação da tutela, foram sintetizados em blocos, tais como:

Ideia Central 1- “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco

de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às

ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (Art.196

da CF/1988);

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Ideia Central 2- O direito à saúde é genérico, decorre da Constituição e

é oponível a qualquer ente público da Federação.

Ideia Central 3- A jurisprudência já está se pacificando no sentido de que

o Estado deve fornecer todos os medicamentos, equipamentos e

tratamentos necessários à sobrevivência daqueles que são

hipossuficientes;

Ideia Central 4- Verbete nº 65 da súmula do TJ-RJ: Deriva-se dos

mandamentos dos artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988 e

da Lei nº 8.0080/90, a responsabilidade solidária da União, Estados e

Municípios, garantindo o fundamental direito à saúde e a consequente

antecipação da respectiva tutela;

Ideia Central 5- Com base Art. 273, caput e inciso I, do CPC, prova

inequívoca que convence da verossimilhança das alegações e fundado

receio de dano irreparável;

Ideia Central 6- A partir da Carta Constitucional, o direito à vida e à saúde

são assegurados a todos, destacando-se a relevância do tema (artigo

197), com atendimento integral (artigo 198, inciso II); acesso universal e

igualitário às ações e serviços para sua promoção e recuperação (artigo

196).

Ideia Central 7- A saúde é um bem jurídico de suma importância,

corolário do direito à vida e da dignidade humana, que gozam do mesmo

status de direito fundamental garantido na Constituição Federal.

O gráfico 3 aponta as frequências que essas ideias centrais aparecem nos

processos analisados.

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100

Gráfico 3- Frequência dos argumentos utilizados pelos Juízes na liminar e/ ou antecipação da tutela. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Fonte: Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes

*Número de Processos Analisados: 44

Revela-se a preponderância das decisões em afirmar a objetividade do dever

do Estado em assegurar o direito à saúde com base nos preceitos constitucionais

conformados no artigo 6° (33; 75,0%) e 196° (42; 95,4%). Houve alguns processos

que ressaltaram a integralidade da atenção em saúde (6, 13,6%), mas, a maioria

deles, toca na questão da equidade no SUS (13; 29,5%), quando remete à garantia

daqueles que são hipossuficientes (27; 61,4%), o que denota uma contradição nos

seus argumentos, já que não consideram a renda e nem o valor das medicamentos

para suas decisões que direcionam o direito à saúde, mas enfatizam o acesso para

os que mais necessitam.

Essas mesmas argumentações foram encontradas nas pesquisas que

analisaram a argumentação judicial para a concessão de medicamentos, como as de

Marques e Dallari (2007), no Estado de São Paulo, e Sant’ Ana et al. (2011), no Estado

do Rio de Janeiro, sendo que, na primeira, a ênfase das argumentações pauta-se

também no direito à saúde, no dever do Estado, que mediante necessidade de saúde

do autor da ação judicial não há que inferir as questões políticas orçamentárias ou

entraves burocráticos. No segundo, além dos direitos fundamentados no artigo 6° e

196° da Constituição Federal de 1988, considerou-se que os autores das ações

42

33

27

13

7

6

5

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45

Ideia Central 1

Ideia Central 2

Ideia Central 3

Ideia Central 4

Ideia Central 5

Ideia Central 6

Ideia Central 7

Número de Processos

Idéi

as C

entr

ais

Argumentação dos Juízes

Frequência dos argumentos nas Decisões Judiciais.

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101

judiciais não possuem condições financeiras para arcar com os custos do

medicamento (hipossuficiência financeira).

Com relação às regulamentações citadas pelos juízes, as principais

regulamentações citadas pelos juízes incluem a Constituição Federal/1988; Verbete

nº 65 da súmula do TJ-RJ e o artigo 173° do Código processual Cível, como aponta a

tabela 5.

Tabela 5- Regulamentações citadas pelos Juízes na Liminar e/ou Antecipação da tutela. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Regulamentações Citadas pelos Juízes Frequência (nº)

Percentual (%)

Constituição Federal de 1988 Art. 196° 42 95,5

Constituição Federal de 1988 Art. 6° 13 29,5

Constituição Federal de 1988 Art. 197° 6 13,6

Constituição Federal de 1988 198° 6 13,6

Verbete nº 65 da súmula do TJ-RJ 13 29,5

CPC Art. 273° 7 15,9

Fonte: Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes. *Número de Processos Analisados: 44

A tabela 5 mostra que as decisões judiciais para definição das sentenças

judiciais têm se baseado principalmente na Constituição Federal de 1988, sem

considerar as leis infraconstitucionais que regulamentam a Política de Saúde, e as

regulamentações que estabelecem o acesso à assistência farmacêutica, como foi

identificado, também, nas pesquisas de Sant’ Ana et al. (2011b), Vieira e Zucchi

(2007), Marques e Dallari (2007) e Messeder et al. (2005).

As decisões judiciais se pautam pela prescrição médica apresentada (44;

100%) e por documentos pessoais (44; 100%). Já os demais documentos foram

encontrados apenas em alguns processos, tais como: laudo complementar do médico

(32; 72,7%), comprovante de rendimentos (41; 98,18%) e os três orçamentos dos

medicamentos requeridos (38; 86,3%), como certifica o gráfico 4.

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102

Gráfico 4- Documentos apensados nos processos judiciais de medicamentos. Município de Campos dos Goytacazes/2013*.

Fonte: Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes. *Número de Processos Analisados: 44

A totalidade de processos que apresentou exigência judicial foi de 7 (15,9%)

processos, dentre os 44 (100%) processos analisados. Mesmo que o autor da ação

judicial não tenha apresentando documentos importantes como laudo médico e/ou

exames complementares, e, também, os orçamentos referentes aos medicamentos,

verifica-se que os juízes não têm exigido tais documentações. É válido mencionar que

os laudos dos médicos que foram requeridos correspondiam à atualização dos

mesmos e a necessidade de carimbo do médico responsável pela prescrição, e não

para certificar dados clínicos da saúde do autor da ação. Ou seja, não há

questionamento da eficácia dos medicamentos prescritos, podendo, além de causar

insegurança à saúde do demandante, estar sendo influenciado pelas indústrias e o

mercado de medicamentos.

Também, revela-se que a exigência das documentações efetuada pelos juízes,

em alguns processos, são exatamente os dos processos que tinham os advogados

particulares como representantes judiciais, o que revela que a triagem realizada pela

Defensoria Pública já faz a obtenção destes documentos antes de elaborar o processo

judicial, ou os mesmos confiam em sua avaliação e se detém aos processos

provenientes da advocacia privada.

Nesse sentido, os juízes têm deferido o pedido de liminar sem ouvir o réu ou

requerer provas adicionais às já apresentadas pelo autor para concessão da

antecipação da tutela, de acordo com estabelecido na lei processual (PEPE et al.,

2010b). Conforme observado e contextualizado por Sant'Ana et al. (2011b), Camargo

(2011), Ventura et al. (2010), Pepe et al. (2010b) não haviam exigência judicial em 3

41

38

32

4

1

2

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45

Comprovante de rendimentos

Orçamento da medicação (Três)

Declaração, exame ou laudo médico

Documentos Apensados no Processo

Documentos apensados nos processos por Exigência Judicial Documentos apensados nos processos

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103

(11%), processos, em 10 (5,6%) processos, em 9 (3,1%) processos, 18 (9,6%)

processos, respectivamente.

Ratifica-se o mencionado por outros autores (SANT’ ANA et al., 2011b;

VENTURA et al., 2010; PEPE et al., 2010b; VIERA e ZUCCHI, 2007; MARQUES e

DALLARI, 2007) que o principal critério para concessão da medida liminar ou

antecipação de tutela é a constatação da necessidade do autor de acesso aos

medicamentos, para restabelecimento da saúde em caráter de urgência, cuja

constatação se baseia nos atestados e/ou receituários médicos apresentados pelo

autor da ação judicial.

Na maioria das vezes, esses pacientes nem passaram pelas instâncias de

saúde (41; 64,5%) antes de entrar com processo judicial para requerem

medicamentos. Em outras palavras, o acesso ao direito aos medicamentos, ao invés

de ser procurado nas instâncias de saúde, conforme objetiva-se a política que o

regulamenta, tem sido, prioritariamente, procurado nas instituições judiciais. Outros

até foram nas instâncias de saúde (20; 32,3%), e, acredita-se que, pela negativa e

omissão dos gestores públicos, recorreram à justiça.

Tabela 6- Distribuição dos cadastros na instância de saúde anterior ao processo judicial. Município de Campos dos Goytacazes, 2013.

Cadastro na Instância de Saúde anterior a

demanda Judicial*

Frequência (nº)

Percentual (%)

Sim 20 32,3

Não 41 64,5

Sem Informação 2 3,2

Total 63 100,0

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde e Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Comprovante de entrega da medicação.

Essas ações judiciais têm direcionado as intimações com ordem de

cumprimento para o município (63; 100%) e para o Estado (45; 71,4%) (Vide a tabela

7).

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104

Tabela 7- Distribuição das demandas judiciais de medicamentos por réu citado. Município de Campos dos Goytacazes, 2013.

Réu da ação Judicial Réu Citado (nº)

Percentual (%)

União 0 0

Estado 0 0

Município 18 28,6

União/Estado 0 0

Estado/ Município 45 71,4

União/ Município 0 0

Total

63 100,0

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes

A maioria das ações judiciais em Campos dos Goytacazes considera como réu

o Estado e o Município (45; 71,4%) enquanto que as demais atribuíram somente ao

Município (18, 28,6%).

A tendência das ações judiciais a uniformizar as responsabilidades dos entes

federativos decorre da interpretação legal que refere as competências e atribuições

comuns dos entes federativos relativas ao cuidado da saúde estabelecidas

constitucionalmente (Art. 23° da Constituição Federal) e na Lei Federal nº. 8.080/90

(Art. 15°) (PEPE et. al., 2010b).

O Secretário de Saúde do Estado, quando intimado, por Carta precatória,

responde à intimação judicial (recurso), mas, frequentemente, quem tem assumido a

responsabilidade é o Município. Dessa forma, o município de Campos dos Goytacazes

vem sendo obrigado a fornecer medicamentos, inclusive, os medicamentos do

Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional que são de

responsabilidade da gestão e financiamento estadual e/ou do Ministério da Saúde,

como será verificado no próximo item. Quando o município começa a arcar com todas

as responsabilidades, sem a contrapartida de recurso, tem-se o risco de comprometer

outras ações e serviços de saúde, principalmente as referentes à atenção básica e

média complexidade, conforme foi identificado na pesquisa de Vieira e Zucchi (2007)

na Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, em que as ações judiciais têm

provocado distorções, ao obrigar o fornecimento de antineoplásicos, cujo

fornecimento do SUS seria feito por meio dos centros de alta complexidade em

oncologia (CACON). De acordo com as autoras Viera e Zucchi (2007), a simples

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105

dispensação quebra a lógica da integralidade das ações, e força a incorporação de

tecnologias, muitas das vezes de eficácia duvidosa.

Dentre os 44 (100%) processos, apenas 9 (20,4%) referiam a intimação

somente para o Município, e 35 (79,5%) intimavam o Estado e município.

Os argumentos mencionados nos recursos do Município e do Estado são,

respectivamente:

Recursos do Município:

Dentre os 44 (100%) processos analisados, apenas em 1 (2,3%) processo não

houve recurso do município. Com a análise destes 43 processos, pode-se dizer que,

de modo geral, são solicitadas suas extinções sem resolução de mérito, ressaltando

tanto a Constituição Federal como outras normas infraconstitucionais que

regulamentam o SUS: Lei Orgânica da Saúde (29; 65,90%), Norma Operacional

Básica/1996 (33; 75,00%), NOAS/2001 (33; 75,00%).

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106

Tabela 8 - Regulamentações citadas no recurso do Réu Município. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Regulamentações Citadas pelo Réu Município Frequência (nº)

Percentual (%)

Constituição Federal de 1988 (Art. 6°) 27 62,8

Constituição Federal de 1988 (Art. 194°, parágrafo único) 27 62,8

Constituição Federal de 1988 (Art. 196°) 26 60,5

Constituição Federal de 1988 (7° (inciso IV) 24 55,8

Constituição Federal de 1988 (Art. 37°) 24 55,8

Constituição Federal de 1988 (Art. 197°) 18 41,9

Constituição Federal de 1988 (Art. 198°, inciso 2) 18 41,9

Constituição Federal de 1988 (Art. 1°) 17 39,5

Constituição Federal de 1988 (Art. 3°) 17 39,5

Constituição Federal de 1988 (Art.5°) 6 13,9

Lei 8080/90 (Art. 7°, inciso I, II, IV) 29 67,4

NOB96 33 76,7

NOAS SUS 01/2002 33 76,7

Lei 6. 370/1976 24 55,8

Lei Complementar n°101 29 67,4

Lei 1060/50 18 41,9

Verbete 65 do TJ RJ 18 41,9

RENAME 2010 30 69,8

Portaria Federal 3916/98 24 55,8

Lei 7510/1916 18 18 41,9

Lei Estadual 3350/99 (Art. 10 X e Art. 17 IX). 29 67,4

CPC (Art. 20 IV) 12 27,9

Fonte: Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 44

Os argumentos principais utilizados foram:

Ideia Central 1- “A efetivação dos direitos se dá com a observação da

reserva do possível e existência dos recursos econômicos”

(CANUTILHO, 2003. p.481),

Ideia Central 2- A doutrina Alemã: “Os direitos fundamentais são

garantidos e os direitos sociais são concedidos”.

Ideia Central 3- Acesso à Assistência médica e hospitalar fornecida pelo

Estado há de ser sempre igualitária, fazendo-se imprescindível a

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107

observância de procedimentos básicos para averiguação da real

necessidade de quem requer.

Ideia Central 4- Requer isenção de custas e taxas judiciárias (Art. 10 X

e Art. 17 IX Lei Estadual 3350/99).

Ideia Central 5- Princípio do Acesso universal e igualitário e

Competência solidária.

Ideia Central 6- Município não possui responsabilidade de fornecer toda

e qualquer medicamento solicitado. O impacto que teria sobre a

coletividade e sobre o direito a saúde de outros membros da comunidade

é indiferente deste ponto de vista. Não se pode esquecer que uma das

metas é a busca pela equidade na saúde, ou seja, de diferenças injustas

evitáveis e desnecessárias.

Ideia Central 7- A doença não restou comprovada, pois, não foi anexada

a cópia do laudo e exame médico que comprove a doença, assim como

não há nos autos o comprovante de rendimentos que prove que a autora

não dispõe de recursos para custear seus medicamentos, de maneira

que não é obrigatório fornecê-la.

Ideia Central 8- Confusão entre os direitos fundamentais (Art. 5 da

Constituição Federal) e os direitos sociais (Art. 6 e 7 da Constituição

Federal).

Ideia Central 9-Requer extinção dos processos sem resolução do mérito

(Art. 20 IV do CPC).

Ideia Central 10- Não é necessária a busca de tutela jurisdicional para a

obtenção do fim almejado pela autora; a intenção do município não é

deixar sem tratamento quem dependa da preservação e recuperação da

saúde física e mental, bastando que demonstre a impossibilidade de

arcar com as despesas, o que é verificado pelo cadastro do Serviço

Social.

Ideia Central 11- Requer que seja declarada nulidade da decisão e, caso

assim não seja decidido, que sejam suspensas os efeitos da decisão

agravada.

A frequência dessas ideias segue no gráfico abaixo:

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108

Gráfico 5- Frequência dos argumentos utilizados pelos gestores municipais nos recursos. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Fonte: Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes

*Número de Processos Analisados: 44

Pode-se dizer que os recursos ressaltam a necessidade de compreender o

atendimento de saúde como uma atribuição solidária pelos entes de governo (26;

50,09%). Contextualiza que o atendimento a todos, dentro dos parâmetros dos SUS,

e a justa distribuição devem estar pautados na equidade da atenção (24; 54,54%), e

que as obrigações do Estado remetem ao atendimento dos medicamentos

pertencentes às listas RENAME e REMUME (30; 68,18%), já que a efetivação dos

direitos depende de uma reserva do possível e da existência de recursos econômicos

(43; 97,72%). Nestes termos, enfatiza os pressupostos da doutrina Alemã, pois, para

esta, o acesso às ações e serviços de saúde, ao serem inseridos na Constituição

Federal como direitos sociais, deverão ser concedidos e não necessariamente

garantidos (38; 83,36%).

Recursos do Estado:

Dos 29 (100%) processos que tiveram recurso do Estado, a ênfase foi nos

pressupostos da Constituição Federal de 1988 (Art. 196°) (26; 89,6%) e Lei 8080/90

(Art. 7°) (21; 72,4%), referindo o acesso aos medicamentos como direito de todos,

devendo ser garantido pelo Estado de modo universal e igualitário.

43

38

33

29

26

24

18

16

12

11

5

-1 4 9 14 19 24 29 34 39 44

Ideia Central 1

Ideia Central 2

Ideia Central 3

Ideia Central 4

Ideia Central 5

Ideia Central 6

Ideia Central 7

Ideia Central 8

Ideia Central 9

Ideia Central 10

Ideia Central 11

Número de Processos

Ide

ias

Ce

ntr

ais

Recurso do Réu (Município)

Frequência dos argumentos nos recursos

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109

Entretanto, ressalta que nessa distribuição deve-se considerar, a nível de

gestão, a Descentralização do SUS (Constituição Federal de 1988 (Art. 198 (26;

89,6%) no que se refere a competência do Estado e do Município, e o que foi pactuado

pela CIB 950/2010 (13; 44,8%). E para o cumprimento desses direitos, pressupõe o

cumprimento dos princípio da legalidade (Art. 37) (16; 55,2%), da isonomia (Art. 5)

(13; 44,8%) e da seletividade (Art. 194) (13; 44,8%), ressaltados na Constituição

Federal de 1988, no artigo 15° da Lei Orgânica da Saúde (n° 8.080/90) (5; 17,2%) e

nos artigos 19M, 19P, 19Q, 19R da Lei 12.401/2011 (5; 17,2%). Essa última Lei foi

criada para definir as normas de acesso e distribuição dos medicamentos com uso

racional, e inclusive, limitar a atividade judicial.

Outros processos fazem menção às portarias, como a que regulamenta o

RENAME 2010 (Portaria 4.212/2010- Art. 3 e 10) (23; 79,3%), a Portaria 2981/2009

(8; 27,6%) e a Portaria 957/2008 (5; 17,2%). O Código Processual Civil (Art. 267 VI)

foi citado em 24 processos (82,8%), conforme mostra a tabela 8.

Tabela 9 - Regulamentações citadas no recurso do Réu Estado. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Regulamentações Citadas pelo Réu Estado Frequência (nº)

Percentual (%)

Constituição Federal de 1988 (Art. 196°) 26 89,6

Constituição Federal de 1988 (Art. 198°) 26 89,6

Constituição Federal de 1988 (Art. 37°) 16 55,2

Constituição Federal de 1988 (Art. 194°) 13 44,8

Constituição Federal de 1988 (Art. 5°) 13 44,8

Constituição Federal de 1988 (Art. 2°) 5 17,2

Lei 8080/90 (Art. 7°) 21 72,4

Lei 8.080/90 (Art. 15°) 8 27,6

Lei 12.401/2011 (Art. 19°M, 19°P, 19°Q, 19°R) 5 17,2

Lei federal 5991/73 (Art. 35°) 5 17,2

Portaria 957/2008 5 17,2

Portaria 2981/2009 23 79,3

Portaria 4.212/2010 (Art. 3° e 10°) 8 27,6

Deliberação da CIB 950 de 10 de Junho de 2010 13 44,8

CPC- Art. 267 VI 24 82,8

Fonte: Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 29

Os principais argumentos utilizados por esses gestores foram:

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110

Ideia Central 1- O acesso aos medicamentos deve estar de acordo com

os protocolos Clínicos incorporados pelo Ministério da Saúde (Portaria

2981/2009);

Ideia Central 2 – Conforme a Constituição Federal de 1988 (Art. 196) e

a Lei 8080/90 (Art. 7), o acesso à saúde é direito de todos, devendo ser

garantido pelo Estado de modo universal e igualitário;

Ideia Central 3- No atendimento ao direito à saúde e ao acesso aos

medicamentos, a descentralização da gestão ressaltada na Constituição

Federal de 1988 (Art. 198) deve ser considerada;

Ideia Central 4- Não se admite atribuir ao Estado a obrigação ilimitada

de prestar atendimento à população, sem estabelecer critérios mínimos

que entenda razoável exigir o poder público no exercício dessa função

essencial, sendo que a procedência do pedido importa a eleger a vida

de um em detrimento da vida de outro, ou seja, o atendimento implica

na violação do princípio da isonomia considerado na Constituição

Federal;

Ideia Central 5- É necessário que o atendimento ao SUS seja fornecido

por laudo médico proveniente do SUS;

Ideia Central 6- Requer que seja extinto o processo uma vez que o

fármaco encontra-se dispenso;

Ideia Central 7- Uso racional de recursos públicos é pressuposto para a

manutenção de um sistema público universal;

Ideia Central 8- Há que se considerar a ponderação de interesse: Direito

a saúde da parte autora e direito de todos, os demais administrados;

Ideia Central 9- Os medicamentos pleiteados não fazem parte de

nenhuma lista do SUS;

Ideia Central 10- Descabimento de multa;

Ideia Central 11- A integralidade ambicionada na Constituição Federal

(Art. 196/198 inciso 2) não é para limitar os direitos sociais, mas para

assegurar a concretização das ações e serviços de saúde que sejam

seguros e sem influência da indústria farmacêutica;

Ideia Central 12- O Estado disponibiliza alternativa terapêutica para

tratamento da doença acometida nos autos.

O gráfico 6 mostra a frequência dessas argumentações nos processos.

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111

Gráfico 6 – Frequência dos argumentos utilizados pelos gestores estaduais nos recursos. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Fonte: Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 44

No que se remete ao recurso dos réus, estes argumentos estão de acordo com

os argumentos utilizados pelos réus no Estado de São Paulo (MARQUES; DALLARY,

2007) e no Estado do Rio de Janeiro (SANT’ ANA et al., 2011b), principalmente ao

mencionar que o Estado possui limitações legais e orçamentárias para o atendimento

das necessidades individuais dos autores das ações judiciais.

Observou-se que, após análise dos recursos, o juiz solicita o parecer do

Ministério Público para todos os processos de causa coletiva, antes de decidir sobre

a sentença. E na análise de 9 processos, já julgados, nota-se que a decisão do

promotor de justiça, representante do Ministério Público, é unânime em ratificar a

decisão dos operadores da justiça, no sentido de proceder como favorável tanto a

antecipação da tutela como a sentença judicial. Os principais argumentos dos

promotores de justiça foram:

Em função da Sumula n° 65 e 115 em que menciona: Deriva-se dos

mandatos da Constituição Federal de 1988 (Art. 6° e 196°) e da Lei

Orgânica da Saúde (N°8080/90) que a responsabilidade dos entes da

federação (União, Estado, Município) é solidária no cumprimento do

28

21

21

19

19

16

13

11

8

8

5

5

0 5 10 15 20 25 30

Ideia Central 1

Ideia Central 2

Ideia Central 3

Ideia Central 4

Ideia Central 5

Ideia Central 6

Ideia Central 7

Ideia Central 8

Ideia Central 9

Ideia Central 10

Ideia Central 11

Ideia Central 12

Número de Processos

Ide

ias

Ce

ntr

ais

Recurso do Réu Estado

Frequência das argumentos nos recursos

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direito à saúde e a consequente antecipação de tutela, não sendo

cabível o chamamento de processos de outros entes públicos;

Na hipótese de colidência do direito fundamental à saúde e dos recursos

orçamentários, prevalece-se o primeiro. Não há que se mencionar a

reserva do possível, pois tal assertiva desconsidera a dignidade da

pessoa humana, fundamentados no artigo 1°, inciso 2, da Constituição

Federal/88;

A saúde é um direito fundamental de todos e dever dos entes federativos

conforme ressalta o artigo 196° da Constituição Federal de 1988. Neste

contexto, “a eventual responsabilidade da operadora do plano de saúde

não isenta o réu do fornecimento de serviços de saúde necessários a

sobrevivência do autor”;

Julga-se procedente o pedido da inicial, confirmando a antecipação da

tutela, e, advertindo o poder público, para tanto, da aquisição do sal

(substância) não da marca do medicamento, além da aplicação do

desconto do coeficiente de adequação do preço.

No total de processos (44; 100%), apenas 9 (20,4%) haviam sido julgados até

a data de coleta dos dados, sendo que os demais aguardam sentenças (31; 70,4%)

(Vide a tabela 10). Os que foram julgados obtiveram pareceres favoráveis aos autores

das ações, com ratificação dos fundamentos julgados em antecipação de tutela e do

parecer do Ministério Público.

Tabela 10- Status dos processos judiciais de medicamentos. Município de Campos dos Goytacazes/2013.

Decisão judicial

Status da Ação Judicial Frequência

(nº) Percentual

(%)

Sentenças com julgamentos favoráveis ao autor da ação judicial 9 20,4

Aguardando Sentença 31 70,4

Processo extintos 4 9,0

Total 44 100

Fonte: Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes

Similar situação foi visualizada nos estudos que analisaram apenas as

sentenças judiciais, como os de Sant’Ana et al. (2011b) e Marques e Dallari (2007),

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113

em que houve deferimento das ações judiciais favorável ao autor da ação nas

sentenças julgadas, sendo no primeiro um total de 100% (27) e no segundo 90,3%

(28).

É relevante mencionar que os processos analisados nesta pesquisa ainda

estão sendo julgados, e, até os que foram julgados, ainda estão em tramitação

processual. Nestes termos, a conclusão do juiz no deferimento da sentença, mesmo

sendo processos que tem como objeto a demanda de algum insumo de saúde, tem

um prazo superior a um ano, razão pelo qual não foram encontrados processos nos

quais o autor da ação ou o réu tenham recorrido da ação em segunda instância.

Mas, pelo longo tempo decorrido e ao processo burocratizante de passar por

trâmites processuais, quatro pessoas vieram à óbito sem serem atendidas, motivo

pelo qual o processo ainda em curso foi extinto.

O questionamento dos processos que não foram julgados conduziu a análise

do tempo em que o processo segue o curso. Na tabela 11 evidencia-se que as

decisões de antecipação de tutela e intimação da instância de saúde seguem em

caráter de urgência, tendo sido atendidas no mesmo dia e/ou no máximo um mês, e

de 6 dias à 335 dias, respectivamente. O acesso ao medicamento pela parte autora

em média foi de 1 dia à 150 dias.

Tabela 11- Tempo Mediano das demandas judiciais de medicamentos para decisão em antecipação de tutela, intimação da instância de saúde e a obtenção do medicamento por

Representação judicial. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Intervalo de tempo entre:

Representação Judicial

Defensoria Pública Advogado Particular

Mínimo (dias)

Máximo (dias)

Mínimo (dias)

Máximo (dias)

Distribuição do Processo e a Decisão Liminar ou Antecipação de Tutela

0 dia 30 dias 0 dia 20 dias

Decisão Liminar ou Antecipação de Tutela e a Intimação da Instância de Saúde

6 dias 335 dias 7 dia 58 dias

Intimação da Instância de Saúde e a Entrega do Medicamento

13 dias 150 dias 1 dia 59 dias

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 44

O tempo identificado por outros autores para decisão da liminar e antecipação

de tutela corresponde ao encontrado nessa pesquisa, sendo nos estudos de Pepe et

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al. (2010b) a mediana de 7 dias e nos estudos de Camargo (2011) variou de menos

de 1 dia à 31 dias.

Pela tabela 11 constata-se que não houve deferimento das ações em tempo

inferior ou superior dos autores das ações que tinham como representação judicial os

advogados particulares em detrimento daqueles que detinham como representação

judicial os defensores públicos. Entretanto, destaca-se que aqueles que têm como

representação os advogados particulares podem ter suas ações judiciais em tempo

hábil, já que estes fazem acompanhamento contínuo do processo, com atendimento

às solicitações. Por outro lado, os representados pela Defensoria Pública têm que

esperar que o processo seja encaminhado a este setor para que seja respondido e

encaminhado novamente ao Juiz para parecer final.

Os operadores do direito oficiam o secretário de saúde, como representante da

Secretaria de Saúde, com uma intimação de busca e apreensão do medicamento

citado em prescrição médica, devendo a diligência ser cumprida junto à Secretaria

Municipal de Saúde ou qualquer outro setor do Município responsável pelo estoque

de fármacos. E, caso não haja o medicamento demandado, o juiz concede o bloqueio,

em qualquer conta do município, da quantia no valor do medicamento requisitado, por

um período de três meses.

A determinação do bloqueio vem após a verificação do oficial de justiça de que

não há o medicamento demandado em juízo, com o pedido de busca e apreensão. O

autor da ação juntamente com seu representante judicial devem apresentar três

orçamentos do medicamento requerido, para que seja feita a ordem de bloqueio no

do valor do medicamento.

O valor bloqueado é repassado à conta oficial do Fórum de Justiça, o qual

deverá repassar para o Cartório, sendo a compra do medicamento efetuada. Após o

mandado de pagamento da quantia bloqueada em favor do demandante, a fim de

custear as despesas com a aquisição do medicamento, a parte autora efetua a

prestação de contas. Verifica-se que o pedido de bloqueio é uma decisão conjunta

dos operadores do direito, tendo tido bloqueio em todas as varas cíveis, como verifica

a tabela abaixo:

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Tabela 12- Distribuição das demandas judiciais de medicamentos com exigência de bloqueio do valor dos medicamentos na Conta do Município. Município de Campos dos

Goytacazes, 2013.

Vara Cível

Exigência Judicial do Bloqueio da Conta do Município Total

Sim Não

Primeira Vara Cível 14 5 19

Segunda Vara Cível 10 2 12

Terceira Vara Cível 12 4 16

Quarta Vara Cível 10 1 11

Quinta Vara Cível 1 4 5

Total 47 16 63

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes

O prazo estipulado pelos juízes variou de 48 horas à 10 dias. Contudo, a análise

da tabela revela que os operadores da saúde não têm conseguido responder o

processo judicial em tempo hábil e nem mesmo têm conseguido atender à demanda

reivindicada via processo judicial, verificando que 74,6 % (47) efetuaram a compra

mediante ao bloqueio do valor correspondente ao medicamento requerido.

O valor do bloqueio mencionado nos processos analisados variou de R$ 74,20

(setenta e quatro reais e vinte centavos) à R$ 122.240,00 (cento e vinte e dois mil e

duzentos e quarenta reais).

Efetuado o bloqueio da conta do município, a compra do medicamento é feita

na farmácia que apresentou o menor orçamento a autor da ação processual.

4.4.4 Características médico-sanitárias das ações judiciais de acesso à

medicamentos.

As prescrições médicas presentes nos processos judiciais com demandas de

medicamentos foram provenientes de Instituições de Saúde Particular e Conveniadas

ao SUS (25; 40 %), Instituições de Saúde do SUS (24; 38,0%), Instituições de saúde

sem convênio com SUS (10; 16%). Em 4 (6%) processos não foram encontradas

prescrições médicas.

Nestes termos, resultou-se que 56% foram provenientes de instituições

privadas e 38% de instituições vinculadas ao SUS, como figura o gráfico 7.

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Gráfico 7- Origem das prescrições médicas anexas aos processos judiciais de medicamentos. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 63

Curiosamente, os autores das ações judiciais foram, em vezes, provenientes

de instituições de Saúde Particulares ou Particulares e Conveniadas ao SUS e

representados pela Defensoria Pública; ou ao contrário, mesmo tendo recorrido ao

SUS, buscaram o acesso à justiça representados por advogados particulares, como

se pode verificar no gráfico 8, que faz a análise dos 63 (100%) processos.

Gráfico 8: Distribuição das demandas judiciais de medicamentos por representação judicial e origem das prescrições médicas. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes.

*Número de Processos Analisados: 63

6

1

3

0

17

7

21

8

0 10 20 30 40 50 60

Instituição de Saúde Particular e com Convêniocom SUS

Instituição de Saúde sem convênio com SUS

Instituição de Saúde do SUS

Sem Informação

Número de Processos

Ori

gem

das

Pre

scri

çõe

s M

édic

as

Origens das Prescrições e Representaçãoes Judiciais

Defensoria Pública Advogado Privado Remunerado

38%

6%

16%

40%

56%

ORIGEM DAS PRESCRIÇÕES MÉDICAS

SUS

Sem Informação

Não SUS

Particular eConvênio com SUS

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Essas contradições que foram desveladas no Município de Campos dos

Goytacazes vêm ao encontro das pesquisas de Vieira e Zucchi (2007) e Chieffi e

Barata (2009), ao analisarem as ações judiciais movidas pelo cidadão contra a

Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, no ano de 2005 e 2006,

respectivamente, primeiro com relação à segmentação dos autores das ações

judiciais por local de residência, e segundo considerando a origem das receitas

médicas e a representação judicial. Ambas varáveis colocam em questionamento a

definição da equidade no acesso aos medicamentos no SUS.

No trabalho de Chieffi e Barata (2009), com base no Índice Paulista de

Vulnerabilidade Social, verificou-se que 2.136 (73%) autores das demandas judiciais

residiam nos estratos em áreas com nenhuma ou de baixa vulnerabilidade. E, Vieira

e Zucchi (2007), a partir do Índice de exclusão/inclusão social (Iex), em 133 ações

judiciais, destacaram que 73 (63%) dos indivíduos eram domiciliados em área com

menor exclusão social.

No tocante à origem das receitas médicas e das representações judiciais, Vieira

e Zucchi (2007) destacam que, no ano de 2005, dos 133 mandados judiciais

analisados, das 70% das receitas, embora prescritas por entidades da rede SUS, 54%

dos impetrantes eram de advogados particulares. E, no trabalho de Chieffi e Barata

(2009), identificou-se que dentre os 3007 processos analisados, a metade das

prescrições eram da rede SUS (48%) e os demais provenientes do sistema

complementar (47%), sendo que a maioria recorreu a representação dos advogados

particulares (74%). Estes resultados sugerem que as pessoas em condições para

custear os honorários dos advogados poderiam adquirir os medicamentos solicitados

(CHIEFFI; BARATA, 2009). Outro pressuposto é o de que os serviços do SUS estão

sendo usados para transcrição de prescrições que foram inicialmente feitas por

serviço privado com o propósito de impetrar a ação judicial contra o órgão público

(VIEIRA; ZUCCHI, 2007).

De modo geral, percebe-se que os operadores da saúde (principalmente os

médicos) e os operadores do direito (principalmente os advogados particulares)

influenciam no acesso ao direito à saúde, via justiça, e, por conseguinte, estariam

contribuindo para a iniquidade do acesso aos direitos públicos.

As prescrições médicas possuem, prioritariamente, o nome do paciente;

posologia, via de administração e data.

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Tabela 13- Características das prescrições médicas anexas aos processos judiciais de me medicamentos. Município de Campos dos Goytacazes, 2013.

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes

As prescrições médicas revelam que os autores das ações judiciais

apresentavam, principalmente, Doenças do aparelho circulatório (12; 17,4%);

Transtornos mentais e comportamentais (12; 17,4%); Doenças do aparelho

respiratório (10; 14,5%); Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (10; 14,5%);

Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (6; 8,7%); Doenças do

sistema nervoso (6; 8,7%); Doenças do olho e anexos (4; 5,8%); Neoplasias

[Tumores] (4; 5,8%); Algumas doenças infecciosas e parasitárias (2;3,0%), como

mostra a tabela 14 e 15.

Prescrição Características

Sim Não Sem informação

Total

(N) (%) (N) (%) (N) (%)

Nome do Paciente 48 92,3 0 0 4 7,7 63

Letra legível 35 67,3 13 25 4 7,7 63

Endereço Residencial 3 5,8 45 86,5 4 7,7 63

Posologia 45 86,5 3 5,8 4 7,7 63

Via de Administração 44 84,6 4 7,7 4 7,7 63

Associação em Doses Fixas

3 5,8 45 86,5 4 7,7 63

Tempo de Duração 17 32,7 31 59,6 4 7,7 63

Endereço do Consultório ou Residência

34 65,4 14 26,9 4 7,7 63

Data 45 86,5 3 5,8 4 7,7 63

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Tabela 14 - Distribuição dos diagnósticos principais identificados, segundo capítulo e agrupamento da CID10. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Capitulo Agrupamento Descrição N° %

IX I00-I99 Doenças do aparelho circulatório 12 17,4 V F00-F99 Transtornos mentais e

comportamentais 12 17,4

V E00-E90 Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas

10 14,5

X J00-J99 Doenças do aparelho respiratório 10 14,5

XIII M00-M99 Doenças do sistema osteomuscular e do tecido

conjuntivo

6 8,7

VI G00-G99 Doenças do sistema nervoso 6 8,7

VII H00-H59 Doenças do olho e anexos 4 5,8 II C00-D48 Neoplasias [Tumores] 4 5,8

I A00-B99 Algumas doenças infecciosas e parasitárias

2 3,0

III D50-D89 Doenças do sangue e dos órgãos hematopoéticos e alguns transtornos imunitários

1 1,4

XIV N00-N99 Doenças do aparelho geniturinário

1 1,4

XI K00-K93 Doenças do aparelho digestivo 1 1,4

XVII Q00-Q99 Malformações congênitas, deformidades e anomalias

cromossômicas

1 1,4

XVIII R00-R99 Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e

de laboratório, não classificados em outra parte

1 1,4

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes. *Número de Processos Analisados: 63

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Tabela 15 - Distribuição dos diagnósticos principais e secundários, identificados segundo capítulo e agrupamento da CID-10. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 63

Nos estudos que analisam as prescrições médicas em outros Estados e

Municípios é possível observar também a prevalência das doenças cardiovasculares

Capitulo Agrupamento CID-10

Descrição

IX I10-I15 Doenças hipertensivas 3

I20-I25 Doenças isquêmicas do coração 4

I60-I69 Doenças cerebrovasculares 1 I70-I79 Doenças das artérias das arteríolas e dos capilares 5

V F20-F29 Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes

5

F30-F39 Transtornos do humor [afetivos] 2 F40-F48 Transtornos neuróticos, transtornos relacionados

com o "stress" e transtornos somatoformes 3

F70-F79 Retardo mental 1

F80-F89 Transtornos do desenvolvimento psicológico 1

X J10-J18 Influenza [gripe] e pneumonia 2

J30-J39 Outras doenças das vias aéreas superiores 1

J40-J47 Doenças crônicas das vias aéreas inferiores 7

V E00-E07 Transtornos da glândula tireóide 1

E10-E14 Diabetes mellitus 8 E70-E90 Distúrbios metabólicos 1

XIII M30-M36 Doenças sistêmicas do tecido conjuntivo 1

M40-M54 Dorsopatias 2

M70-M79 Outros transtornos dos tecidos moles 2

M80-M94 Osteopatias e condropatias 1

VI G30-G32 Outras doenças degenerativas do sistema nervoso 4

G40-G47 Transtornos episódicos e paroxísticos 1

G50-G59 Transtornos dos nervos, das raízes e dos plexos nervosos

1

VII H40-H42 Glaucoma 3

H55-H59 Outros transtornos do olho e anexos 1

II C50 Neoplasias [tumores] malignas(os) da mama 2

C60-C63 Neoplasias [tumores] malignas(os) dos órgãos genitais masculino

1

C81-C96 Neoplasias [tumores] malignas(os) do tecido linfático, hematopoético e de tecidos correlatos

1

I A50-A64 Infecções de transmissão predominantemente sexual

1

B15-B19 Hepatite viral 1

III D10-D36 Neoplasias [tumores] benignas(os) 1

XIV N17-N19 Insuficiência renal 1

XI K20-K31 Doenças do esôfago, do estômago e do duodeno 1

XVII Q38-Q45 Outras malformações congênitas do aparelho digestivo

1

XVIII R30-R39 Sintomas e sinais relativos ao aparelho urinário 1

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(SANT´ ANA et al., 2011b, PEPE et al., 2010b), das doenças que afetam o sistema

nervoso (SANT’ ANA et al., 2011b, PEPE et al., 2010b), das doenças crônicas

(VIEIRA; ZUCCHI, 2007; MESSENDER, 2005) e das doenças do aparelho respiratório

(SANT’ ANA et al., 2011b, PEPE et al., 2010b).

As prescrições médicas tinham indicação de 120 tipos de medicamentos, assim

como, outros tipos de insumos como Máscara, Aparelho CPAP, Fralda geriátrica e

Lancetas de Glicemia. A partir destes últimos, pode se considerar que não são apenas

os medicamentos que têm sido judicializados, embora não tenham sido objetos de

análises desta pesquisa. Quatro nomes citados nas prescrições médicas (Fisogel,

Fluorsal, Nitropazam; Tomax) não foram encontrados nos processos para caracterizá-

los como medicamentos ou outros insumos, e, portanto, não foram, também,

analisados.

Ressalta-se que os processos judiciais continham prescrições médicas com

solicitação de medicamentos que são mais frequentes que os outros, sendo que para

análise obteve-se um total de 170 (100%) medicamentos.

Os medicamentos solicitados pelo primeiro nível do Código Anatômico,

Terapêutico e Químico possuem as seguintes indicações: Sistema cardiovascular;

Sistema nervoso; Aparelho digestivo e metabolismo; Antineoplásicos e agentes

imunomoduladores; Sistema respiratório; Sistema músculo esquelético; Órgãos

sensoriais; Sangue e órgãos formadores de sangue; Preparações hormonais

sistêmicas, exceto hormônios sexuais e insulina; Antiinfecciosos de uso sistêmico,

Sistema geniturinário e Hormônios sexuais; Dermatológicos. Na tabela 16 segue a

distribuição.

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Tabela 16– Distribuição dos medicamentos solicitados, segundo classificação pelo primeiro nível do Código Anatômico, Terapêutico e Químico - código ATC. Município de Campos dos

Goytacazes, 2013*.

ATC- Grupo Anatômico Frequência N°

Percentual %

C - Sistema cardiovascular 42 24,7

N - Sistema nervoso 30 17,6

A - Aparelho digestivo e metabolismo 26 15,3

L - Antineoplásicos e agentes imunomoduladores 19 11,2

R - Sistema respiratório 17 10,0

M - Sistema músculo esquelético 10 5,9

S- Órgãos sensoriais 9 5,3

B- Sangue e órgãos formadores de sangue 8 4,7

H- Preparações hormonais sistêmicas, exceto hormônios sexuais e insulina

5 2,9

J- Antiinfecciosos de uso sistêmico 2 1,2

G- Sistema geniturinário e hormônios sexuais 1 0,6

D- Dermatológico 1 0,6

Total 170 100

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 63

Observou-se, nestas prescrições, que os profissionais de saúde médicos, no

município de Campos dos Goytacazes, têm priorizado os medicamentos de marca

(Referência) (102; 60%), em detrimento dos medicamentos prescritos por nomes

genéricos (68; 40%), que possuem menores custos, mesmo princípio ativo e a mesma

eficácia para saúde do paciente.

Nos estudos de Romero (2008), Machado et al. (2010), Camargo (2011)

Sant'Ana et al. (2011b) também foram encontrados, respectivamente, 60,0% (166

medicamentos), 19,5% (70 medicamentos), 37,6% (66 medicamentos), 29,6% (34

medicamentos) prescritos por nomes genéricos. Nestes termos, apesar da Lei Federal

(9.787/99) em vigência, notou-se que os operadores da saúde, representados pelos

profissionais médicos, não vem cumprindo a recomendação para que todas as

prescrições no âmbito do SUS sejam efetuadas pelo nome genérico e, pelo

observado, não está sendo cumprida.

Ao avaliar as prescrições com medicamentos por nomes genéricos mais

frequentes, identificou-se que a maior parte pertencem a alguma lista do SUS, como

pode-se notar na tabela abaixo:

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Tabela 17- Distribuição dos Medicamentos solicitados, classificados pelo quinto nível do Código Anatômico, Terapêutico e Químico - código ATC, com prescrição por nome genérico

e presença nas listas do SUS. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

ATC Princípio Ativo Listas Oficiais do

SUS N°

%

C10AA05 Atorvastatina

20mg, comprimido REMUME/RENAME 7 10,3

L01AA01 Ciclofosfamida

50mg, comprimido RENAME 4 5,9

L03AB11

Peginterferona alfa-2ª 180 mcg; frasco-ampola

RENAME 3 4,4

N02BA01 Ácido acetilsalicílico 100 mg, comprimido

REMUME/RENAME 2 2,9

L02BX03

Acetato de Abiraterona 250 mg, comprimido

Não listado 2 2,9

B01AC04 Bissulfato de Clopidogrel

75mg, comprimidos REMUME/RENAME 2 2,9

C07AG02

Carvedilol 12,5 mg, comprimidos

REMUME/RENAME 2 2,9

C10AB08

Ciprofibrato 100 mg, comprimido

REMUME/RENAME 2 2,9

C03CA01 Furosemida

40 mg; Comprimido REMUME/RENAME 2 2,9

M01AX17 Nimesulida

100mg; comprimido Não listado 2 2,9

R03DX05 Xarope de lactrina

120 ml Não listado

2 2,9

L01XC03

Trastuzumab fr. multidose c/ 440mg de pó

concentrado

Não listado

2 2,9

C07AA05 Cloridrato de Propranolol

40 mg, comprimido REMUME/RENAME 2 2,9

N02BE01 Paracetamol

750mg; comprimido Não listado

2 2,9

N06AB04 Citalopram

20mg, comprimido REMUME 2 2,9

Outros

30 44,1

Total

68 100

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 63

Observando a distribuição dos medicamentos solicitados contata-se a

presença de medicamentos inclusos nas listas do SUS (REMUME, RENAME,

Programa de Medicamentos Excepcionais) (89; 52,4%), mas, também, medicamentos

que não são distribuídos pelo SUS (81; 47,6%). Esta constatação sugere duas

conclusões: falha na gestão da assistência farmacêutica por parte dos gestores e

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influência da indústria de insumos e o mercado para inclusão na lista de

medicamentos no SUS para a prescrição por nome de marca.

A tabela 18 discrimina a distribuição dos medicamentos de acordo com os

preceitos normativos do SUS:

Tabela 18 - Distribuição dos medicamentos solicitados conforme as listas de medicamentos essenciais vigentes. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Lista do SUS Frequência

N° Percentual

%

Lista REMUME 32 19,0

Lista REMUME e RENAME 34 20,0

Lista RENAME 23 13,5

Não Listado 81 47,6

Total 170 100

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 63

Dentre estes medicamentos, pertencentes às listas do SUS, os que são mais

frequentemente judicializados são apresentados na tabela 19.

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125

Tabela 19- Distribuição dos Medicamentos solicitados, classificados pelo quinto nível do Código Anatômico, Terapêutico e Químico - código ATC e presença nas listas do SUS. Município de Campos

dos Goytacazes, 2013*.

ATC Princípio Ativo Listas Oficiais do SUS N° %

C10AA05 Atorvastatina

20mg, comprimido REMUME/RENAME 7 13,2

C01EB15 Trimetazidina 35mg, comprimido

REMUME 5 9,4

L01AA01 Ciclofosfamida

50mg, comprimido RENAME 4 7,5

R03DA08 Cloridrato de bamifilina 300 mg, comprimidos

REMUME 3 5,7

R03BB04 Brometo de Tiotropio

2,5 mcg, frasco REMUME 3 5,7

L03AB11 Peginterferona alfa-2ª

180 mcg; frasco-ampola RENAME 3 5,7

N02BA01 Ácido acetilsalicílico 100 mg, comprimido

REMUME/RENAME 2 3,8

B01AC04 Bissulfato de Clopidogrel

75mg, comprimidos REMUME/RENAME 2 3,8

C07AG02 Carvedilol

12,5 mg, comprimidos REMUME/RENAME 2 3,8

C10AB08 Ciprofibrato

100 mg, comprimido REMUME/RENAME 2 3,8

N06AB04 Citalopram

20mg, comprimido REMUME 2 3,8

H02AB13 Deflazacorte

30 mg, Comprimdo REMUME 2 3,8

C03CA01 Furosemida

40 mg; comprimido REMUME/RENAME 2 3,8

A10BA02 Metformina

500mg; comprimido REMUME 2 3,8

A10AE04 Insulina Glargina

100UI/ML - 3ML; Frasco REMUME 2 3,8

S01ED01 Maleato de Timolol

5 mg/Ml,frasco REMUME/RENAME 2 3,8

C07AA05 Cloridrato de Propranolol

40 mg, comprimido REMUME/RENAME 2 3,8

N06BA04 Metilfenidato

10 mg, comprimido REMUME 2 3,8

C10AA02 Sinvastatina

40 mg, comprimido RENAME 2 3,8

C10AA01 Sinvastatina

20 mg, comprimido REMUME/RENAME 2 3,8

Outros

36 40,4

Total 89 100

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes

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Em relação aos medicamentos que não estão inclusos na lista do SUS (81;

47,6%), estes são apresentados na tabela 20.

Tabela 20 –Distribuição dos Medicamentos solicitados, classificados pelo quinto nível do Código Anatômico, Terapêutico e Químico - código ATC e que não constam nas listas do

SUS. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

ATC Princípio Ativo

N° %

L01XX27 Trioxido de Arsênico 10mg, sol injetável

5 15,0

N05AX13 Palmitado de Paliperidona 100 mg; Sol. Injetável

3 9,4

L02BX03 Acetato de Abiraterona 250 mg, comprimido

2 6,3

M05BA08 Ácido zoledronico 5mg/100ml injetável

2 6,3

L01XC06 Cetuximabe 5mg/ml, solução injetável

2 6,3

C07AB07 Hemifumarato de Bisoprolol 10 mg; comprimido

2 6,3

S01ED51 Bimatoprosta + Timolol 3 ml de solução oftálmica

2 6,3

A02BC05 Esomeprazol 20 mg; comprimido

2 6,3

M01AX17 Nimesulida 100mg; Comprimido

2 6,3

N03AG03 Ácido gama-aminobutírico + Ácido glutâmico + Fosfato de cálcio dibásico + Cloridrato de

tiamina + Cloridrato de piridoxina + Cianocobalamina

Comprimido

2 6,3

R03DC03 Montelucaste de sódico

30 saches 2 6,3

L01XC03 Trastuzumab 150 mg(Herceptin 720 mg EV) fr. multidose c/ 440mg de pó concentrado

2 6,3

S01EE01 Xarope de lactrina

120 ml 2 6,3

N02BG90 Clonixinato de lisina 125 mg; comprimido

2 6,3

Outros 49 60,5

Total 81 100

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 63

A análise desses medicamentos, prescritos por nome de referência, revela que,

dentre os 81 (47,6%) medicamentos requeridos, existe, dentre os mais recorrentes,

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os que requerem avaliações com bases em dados científicos, para inclusão ou não

na lista oficiais do SUS. Haveria, portanto, pressão por parte da indústria de insumos

para inseri-los?

Em outras pesquisas nota-se, também, que a maioria dos medicamentos não

figuravam em nenhuma das listas oficiais do SUS, com o percentual de 56,7% em

Machado et al. (2010b), 77% em Chieffi e Barata (2009), e 38% em Vieira e Zucchi

(2007).

Observou-se, também, que 17 (10%) dos medicamentos foram prescritos pelos

médicos, e concedidos judicialmente por nome de referência (81 medicamentos),

mesmo tendo alternativa terapêutica no SUS. Veja na tabela abaixo:

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Tabela 21- Distribuição dos medicamentos demandados com alternativa terapêutica no Sistema Único de Saúde, classificados pelo quinto nível do Código Anatômico, Terapêutico e Químico - código ATC e Listas Oficiais do SUS. Município de Campos dos Goytacazes,

2013*.

ATC Medicamentos prescritos Referencia

Alternativa terapêutica no SUS

Listas do SUS

%

C03DA01

Aldactone 50mg, comprimido

Espironolactona 25mg ou 100mg; comprimido

REMUME/ RENAME

1 5,9

B01AC06

Aspirina Prevent 100 mg, comprimido

ácido acetilsalicílico 100mg, comp.

REMUME/ RENAME

1 5,9

A12AX

Bonecal D 600 mg, comprimido

carbonato de cálcio 500mg + colecalciferol

200UI

RENAME 1 5,9

B01AB05

Clexane 40mg, sol. Injetável

Enoxaparina 40mg

sol. Injetável

REMUME 2 11,8

N06BA04

Concerta 18 mg; Comprimido

Metilfenidato 10mg ou 40mg;

Comprimido

REMUME 1 5,9

N03AG01

Depakote Er 500 mg,comprimido

Divalproato de Sódio 500 mg,comprimido

REMUME 1 5,9

G02CB03 Dostinex 0,5 mg;

Comprimidos

Cabergolina 0,5 mg; Comp.

RENAME 1 5,9

N05BA22

Eutonis 2 mg; comprimido

Cloxazolam 2 mg; comprimido

REMUME 1 5,9

N06DA03 Exelon 1,5 mg; cápsula

Rivastigmina 1,5 mg; capsula

RENAME 1 5,9

C09CA01 Losartana potássica 25 mg; Comprimido

Losartana potássica 25 mg; Comprimido

REMUME/ RENAME

1 5,9

N02BE01

Paracetamol 750 mg; comprimido

Paracetamol 500mg; Comprimido

REMUME/ RENAME

2 11,7

03AK07 Seretide 30/50 mg;

comprimido

Xinafoato de salmeterol Propionato de

fluticasona 50/250 mg; comprimido

RENAME 2 11,7

L01XC03 Herceptin 720 mg EV; fr.

multidose c/ 440mg de pó concentrado

Trastuzumab 150 mg; fr. multidose c/

440mg de pó concentrado

RENAME 2 11,7

Total 17 100

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 63

A alternativa terapêutica foi encontrada em proporção maior nos trabalhos de

Machado et al. (2011) no Estado de Minas Gerais, em que 80% (806) dos

medicamentos judicializados havia alternativa terapêutica, e de Vieira e Zucchi (2007),

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no Estado de São Paulo, em que 73% (43) dos medicamentos tinha alternativa

terapêutica disponível no SUS. Esses autores ressaltam que o fornecimento de

medicamentos com insuficiente evidência de sua eficácia e segurança contraria as

diretrizes do SUS e as leis que regulamentam a Política de Assistência Farmacêutica,

principalmente para aqueles que possuem alternativas terapêuticas com eficácia,

segurança e custo-efetividade.

Nesta presente pesquisa, um ponto positivo é o de que 170 (100%)

medicamentos demandados judicialmente possuem registros na Agência Nacional de

Vigilância Sanitária.

A maioria dos trabalhos tem evidenciado que os medicamentos possuem

registro na Anvisa: Sant’ Ana et al. (2011b) identificou 99,1% (26); Machado et. al.

(2011) com 94,1% (1672), Pepe et al. (2010b) com 99,1% (317), Chieffi e Barata

(2009) com 97% (926) e Marques e Dallari (2007) com 90,4% (28).

Nesse sentido, conforme aponta a tabela 22, são apresentadas as

características dos medicamentos prescritos e demandados por ordem judicial.

Tabela 22- Características dos medicamentos prescritos e concedidos por ordem judicial segundo a conformidade com as legislações vigentes. Município de Campos dos

Goytacazes, 2013*.

Características dos Medicamentos

Frequência N°

Total Percentual

% Total

Medicamentos Genéricos 68 170 40,0 100

Medicamentos Referência 102 170 60,0 100

Medicamentos Pertencentes à lista do SUS

89 170 52,4 100

Medicamentos que não Pertencem às listas do SUS

81 170 47,6 100

Medicamentos com Alternativa Terapêutica no SUS

17 170 10,0 100

Medicamentos com Registro na ANVISA

170 170 100 100

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 63

4.4.5 Características político-administrativas das ações judiciais.

Dos medicamentos judicializados, 47,6 % (81) não pertencem às listas Oficiais

do SUS, e, por isso, não há competência de cumprimento às ordens judiciais definidas

a algum ente da federação em específico. Entretanto, conforme pode ser visualizado

na tabela, 52,4% (89) fazem parte de alguma lista do SUS e de algum Componente

de financiamento do SUS, dentre os quais se destacam: 55 (32,4%) do Componente

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Básico de Assistência Farmacêutica e 34 (20,0%) do Componente Especializado da

Assistência Farmacêutica.

Nota-se que não foi encontrado medicamento pertencente ao Componente

Estratégico da Assistência Farmacêutica (Vide tabela 23).

Tabela 23 - Distribuição dos medicamentos solicitados por processos judiciais segundo o

Componente de Financiamento do SUS e Listas Oficiais do SUS. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Componente da Assistência Farmacêutica

Frequência N°

Percentual %

Medicamentos do CBAF 55 32,4

Medicamentos do CEAF 34 20,0

Medicamentos do CESAF 0 0

Medicamentos não inclusos à lista SUS 81 47,6

Total 170 100

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 63

Essa tabela, quando remete ao Componente Básico de Assistência

Farmacêutica, mostra que ainda é grande o déficit de medicamentos básicos (55;

61,8%), tanto no município em estudo, quanto dos que estão inclusos na lista

RENAME, que são de atribuição do Estado. Esse resultado vai de encontro do

mencionado por Alves (2013), que, ao analisar as vias de acesso à assistência

farmacêutica neste Município, evidenciou que o acesso aos medicamentos essenciais

continua insuficiente, justificando a procura pela justiça.

O percentual de 38,2% (34) encontrado para os medicamentos especializados

da assistência farmacêutica sugere análises, pois, são para tratamento de doenças

especificas, e, em sua maioria, de alto custo. Então, para serem requeridos é exigido

que o paciente realmente apresente o problema de saúde, o medicamento esteja de

acordo com o Protocolo Clínico, e que abra um processo administrativo para que o

medicamento seja dispensado pelo Estado/Ministério da Saúde. Estes medicamentos

podem ser visualizados na tabela abaixo:

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Tabela 24- Distribuição dos medicamentos pertencentes ao Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, classificados pelo quinto nível do Código Anatômico, Terapêutico

e Químico - código ATC e Listas Oficiais do SUS. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

ATC Medicamento Listas Oficiais do SUS

%

C10AA05 Atorvastatina 20mg, comprimido

REMUME/RENAME 7 20,6

L01AA01 Ciclofosfamida 50mg, comprimido

RENAME 4 11,8

L03AB11 Peginterferona alfa-2ª 180 mcg;

frasco-ampola

RENAME 3 8,8

B01AC04 Bissulfato de Clopidogrel 75mg, comprimidos

REMUME/RENAME 2 5,9

C10AB08 Ciprofibrato 100 mg,

Comprimido

REMUME/RENAME 2 5,9

S01ED01 Maleato de Timolol 5mg/ml solução oftálmica, frasco

REMUME/RENAME 2 5,9

S01EE01 Latanoprosta 50mcg solução oftálmica

gota(s), frasco(s) com 2,5ml

RENAME 2 5,9

R03AK07 Budesonida + Formoterol 12/400 mg, capsula

RENAME 1 2,9

N06DA02 Cloridato de Donepezila 5mg, comprimido

RENAME 1 2,9

N06DA02 Cloridato de Donepezila 10 mg; comprimido

RENAME 1 2,9

N06DA03 Rivastigmina 1,5 mg; capsula

RENAME 1 2,9

R03AK07 Formoterol + Budesonida 12/400 mcg; comprimido

RENAME

1 2,9

L04AA13 Leflunomida 20 mg, comprimido

RENAME 1 2,9

S01EE03 Bimatoprosta 0,3 mg/ml, Colírio

RENAME 1 2,9

N05AH04 Quetiapina 25 mg; comprimido

REMUME/RENAME 1 2,9

J05AB04 Ribavirina 250 mg; cápsula

RENAME 1 2,9

N03AG04 Vigabatrina 500mg, comprimido, cx. c/60

RENAME 1

2,9

J05AE11 Telaprevir 375 mg, comprimido

RENAME 1 2,9

G02CB03 Cabergolina 0,5 mg; Comprimidos

RENAME 1 2,9

Total 34 100

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 63

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A falta ou a omissão dos insumos do Componente Especializado da Assistência

Farmacêutica pode implicar ineficiência na gestão em duplo grau: 1) Pelo atendimento

em âmbito local, por parte do profissional de saúde que, na maioria das vezes, receitou

o medicamento que não corresponde a doença e agravo estabelecidos por Protocolos

Clínicos em vigência (Portaria nº 1.554 de 30 de julho de 2013), como por parte do

gestor municipal que deixou de requerer o medicamento; 2) Por parte do gestor

Estadual que, mesmo com as solicitações, não tem fornecido o medicamento. Estas

afirmações serão mais bem visualizadas nas tabelas 24 e 25, a seguir.

A tabela 25 mostra que, dentre os 34 processos pertencentes ao Componente

Especializado da Assistência Farmacêutica, 53% (18) dos diagnósticos prescritos pelo

médico não correspondem ao medicamento prescrito.

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Tabela 25- Distribuição dos medicamentos pertencentes ao Componente Especializado da Assistência Farmacêutica e classificados com diagnóstico correspondente a Portaria nº

1.554 de 30 de julho de 2013 e o diagnóstico prescrito e anexo ao processo judicial. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

ATC Medicamento

Doença (CID 10) (Protocolo Clínico)

Diagnóstico prescrito e anexo ao Processo

C10AA05 Atorvastatina 20mg, comprimido

Sem diagnóstico correspondente (7)

_

L01AA01 Ciclofosfamida 50mg, comprimido

Sem diagnóstico correspondente (4)

_

L03AB11 Peginterferon alfa-2ª 180 mcg; Seringa

preenchida

Hepatite Viral C (B17.1) (3)

SIM

B01AC04 Bissulfato de Clopidogrel 75mg, comprimidos

Outras malformações congênitas do sistema

vascular periférico (Q27) (2)

SIM

C10AB08 Ciprofibrato 100 mg, Comprimido

Sem diagnóstico correspondente (2)

_

S01ED01 Maleato de Timolol 5mg/ml solução oftálmica frasco

Glaucoma (H40.1) (2)

SIM

S01EE01 Latanoprosta 50mcg solução oftálmica

gota(s), frasco(s) com 2,5ml

Glaucoma (H40.1) (2)

SIM

R03AK07 Budesonida + Formoterol 12/400 mg, capsula

Sem diagnóstico correspondente (1)

_

N06DA02 Cloridato de Donepezila 5mg, comprimido

Doença de Alzheimer (G30.0) (1)

SIM

N06DA02 Cloridato de Donepezila 10 mg; comprimido

Sem diagnóstico correspondente (1)

_

N06DA03 Rivastigmina 1,5 mg; capsula

Sem Informação (1) Sem Informação

L04AA13 Leflunomida 20 mg, comprimido

Sem Informação (1) Sem Informação

S01EE03 Bimatoprosta 0,3 mg/ml, Colírio

Glaucoma primário de ângulo aberto (H40.2) (1)

SIM

N05AH04 Quetiapina 25 mg; comprimido

Sem diagnóstico correspondente (1)

_

J05AB04 Ribavirina 250 mg; cápsula

Hepatite viral crônica (B18) (1)

SIM

N03AG04 Vigabatrina 500mg, comprimido, cx. c/60

Sem diagnóstico correspondente (1)

_

J05AE11 Telaprevir 375 mg, comprimido

Outras hepatites virais agudas (B17) (1)

SIM

G02CB03 Cabergolina 0,5 mg; Comprimidos

Hiperfunção da hipófise (E22) (1)

SIM

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes * Número de Processos Analisados: 63

Os medicamentos do Componente Especializado de Assistência Farmacêutica

são os recomendados pelos Protocolos Clínicos, e, contudo, alguns medicamentos

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estão prescritos para indicação diferente do regulamentado. Esta condição é

denominada de uso off label, sendo, nesta pesquisa, o equivalente a 17(10%).

Na tabela 26, 100% (34) dos processos citam o Município como réu, e, em

61,8% (21) processos o Estado foi citado, quando, conforme a Portaria nº 1.554 de 30

de julho de 2013, a responsabilidade para os processos eram: 58,8% (20)

correspondente ao Estado (Secretaria Estadual de Saúde- aquisição, financiamento,

armazenamento e dispensação); 29,4% (10) correspondente à União (Ministério da

Saúde- Aquisição e financiamento) e ao Estado (Secretaria Estadual de Saúde-

armazenamento e dispensação); e 11,8% (4) de responsabilidade do Estado

(Secretaria Estadual de Saúde- aquisição, armazenamento e dispensação) e da União

(Ministério da Saúde-financiamento). Dessa forma, visualiza-se que o município acaba

por assumir uma responsabilidade que não lhe cabe.

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Tabela 26- Distribuição dos medicamentos pertencentes ao Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, e classificação dos órgão gestor responsável pela a aquisição,

financiamento, armazenamento e dispensação conforme a Portaria nº 1.554 de 30 de julho de 2013, e segundo o réu citado nos processos. Município de Campos dos Goytacazes,

2013*.

ATC Medicamento Réu Citado Réu Responsável

C10AA05 Atorvastatina 20mg, comprimido

Municípios (4) Município/Estado (3)

SES**

L01AA01 Ciclofosfamida 50mg, comprimido

Município/Estado (4) SES**

L03AB11 Peginterferon alfa-2ª 180 mcg; Seringa preenchida

Município/Estado (3) SES/MS**

B01AC04 Bissulfato de Clopidogrel 75mg, comprimidos

Município (2) SES**

C10AB08 Ciprofibrato 100 mg, Comprimido

Município (2) SES**

S01ED01 Maleato de Timolol 5mg/ml solução oftálmica, frasco

Município/Estado (2) SES**

S01EE01 Latanoprosta 50mcg solução oftálmica

gota(s), frasco(s) com 2,5ml

Município/Estado (2)

SES/MS**

R03AK07 Budesonida + Formoterol 12/400 mg, capsula

Município (1) Município/Estado (1)

SES**

N06DA02 Cloridato de Donepezila 5mg, comprimido

Município/Estado (1) SES/MS**

N06DA02 Cloridato de Donepezila 10 mg; comprimido

Município/Estado (1) SES/MS**

N06DA03 Rivastigmina 1,5 mg; capsula

Município (1) SES/MS**

L04AA13 Leflunomida 20 mg, comprimido

Município (1) SES/MS**

S01EE03 Bimatoprosta 0,3 mg/ml, Colírio

Município(1) SES/MS**

N05AH04 Quetiapina 25 mg; comprimido

Município (1) SES/MS**

J05AB04 Ribavirina 250 mg; cápsula

Município/Estado (1) SES/MS**

N03AG04 Vigabatrina 500mg, comprimido, cx. c/60

Município/Estado (1) SES**

J05AE11 Telaprevir 375 mg, comprimido

Município/Estado (1) SES/MS**

G02CB03 Cabergolina 0,5 mg; Comprimidos

Município (1) SES/MS**

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 63

Legenda**:

SES- Secretaria Estadual de Saúde compete a aquisição, financiamento, armazenamento e dispensação.

SES/MS- Secretaria Estadual de Saúde compete o armazenamento e dispensação e ao Ministério da Saúde a aquisição e financiamento.

SES/MS- Secretaria Estadual de Saúde compete a aquisição, armazenamento e dispensação e ao Ministério da Saúde o financiamento.

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O fato dos medicamentos correspondentes ao tratamento de endemias,

DST/AIDS, Sangue e hemoderivados e Imunológicos, que são financiados

centralizadamente pelo Ministério da Saúde e pertencentes ao Componente

Estratégico da Assistência Farmacêutica não estarem sendo judicializadas, significa

que os medicamentos são corretamente distribuídos para esses grupos específicos.

O que representa um avanço, pois estes medicamentos já foram alvo de processos

judiciais, principalmente na década no período de 1992 a 2005, com os pacientes por

HIV/AIDS. Ao mesmo tempo, suscita questionamentos, já que há o planejamento e

gestão eficiente para estes medicamentos e para os outros Componentes não.

A análise em outras regiões do país remete a uma realidade diferente da

revelada por Campos dos Goytacazes. Enquanto neste município os medicamentos

judicializados pertencem ao Componente Básico de Assistência Farmacêutica e do

Componente Especializado de Assistência Farmacêutica, os demais trabalhos

mostram que há uma preponderância para os medicamentos do Componente

Especializado de Assistência Farmacêutica como revela Sant'Ana et al. (2011b) com

19,3%, Machado et al.(2011) com 23,85%, Chieffi e Barata (2009) com 13% e

Messeder et al. (2005) com 31,4%.

Analisando os valores dos medicamentos que mais foram judicializados,

verifica-se que o governo paga por cada medicamento um valor de 77 % a mais por

efetuar o pagamento diretamente às farmácias e drogarias, em detrimento da compra

efetuada em caráter administrativo.

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Tabela 27- Gastos dos medicamentos mais solicitados em processo judicial com compra unitária efetuada nas farmácias e o valor dos medicamentos nas compras efetuada pelo

governo. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Nome do Medicamento

Quantitativo requerido

Preço de Fábrica

Preço Máximo ao Consumidor

(R$)

Preço Máximo de Venda ao Governo (R$)

Atorvastatina 20mg, comprimido

7 37,46 51,79

29,25

Trioxido de Arsênico

10mg, sol injetável 5 7.543,83 5890,22 ---

Trimetazidina 35mg, comprimido

5 42,25 58,41 32,99

Ciclofosfamida 50mg, comprimido

4 53,32 73,70 41,63

Peginterferon alfa-2ª180 mcg; frasco-ampola

3 1246,55 1.723,18 973,31

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 63

Relevante destacar que apenas um demandante teve 11 bloqueios para que

sua necessidade fosse atendida.

Não foi possível inferir quais os medicamentos que eram provenientes das

instituições de saúde conveniadas ao SUS, já que um mesmo medicamento é

prescrito tanto por profissional do SUS quanto por profissional do sistema de saúde

privado, e, muitas vezes, o mesmo profissional atua tanto no SUS como no consultório

privado.

Também não foi possível identificar de qual laboratório o medicamento foi

fornecido, mas foram identificadas as farmácias fornecedoras em 89 orçamentos em

26 farmácias diferentes e com frequência de cinco farmácias: (F10 (26%), F13 (22%),

F14 (10%), F23 (8%) F22 (7%), com onze farmácias que só vendem pelos sites de

internet (F4 (1%), F7 (1%), F8 (1%), F9 (1%), F15 (1%), F16 (2%); F17(1%), F18 (1%),

F19 (3%), F20(1%), F21(1%).

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Gráfico 9- Frequência das farmácias presentes nos orçamentos anexos aos processos judicial de medicamentos. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 63

A tabela 28 apresenta a relação dos medicamentos que obtiveram maior

bloqueio nas ações judiciais impetradas com demanda de medicamentos.

1% 1%

5%

1%

3%1%

1%

1% 1%

26%

2%

1%

22%

10%

1%1%1%

2% 1%1%

1% 7%8%

Farmácias

F1 F2 F3 F4* F5 F6 F7* F8* F9* F10 F11 F12*

F13 F14 F15* F16* F17* F18* F19* F20* F21* F22 F23

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Tabela 28- Gastos dos medicamentos mais solicitados em processo judicial, segundo o bloqueio judicial, a renda do autor da ação judicial e a origem da prescrição médica.

Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Autor da ação

judicial

Renda Individual

Mensal

Origem da Prescrição

Medicamentos (Princípio Ativo)

Valor do Bloqueio

Paciente 1 Acima de 5 Salários Mínimos

Instituição Particular e

Convênio com SUS

Peginterferon alfa-2ª 180 mcg;frasco-

ampola

R$ 122.240,00

Ribavirina 250 mg;cápsula

Telaprevir 375 mg, comprimido

Paciente 2 Acima de 3 a 5 Salários Mínimos

Instituição Particular e

Convênio com SUS

Acetato de Abiraterona

250 mg, comprimido

R$ 28950,00

Paciente 3 Acima de 3 a 5 Salários Mínimos

Instituição Particular

Acetato de Abiraterona

250 mg, comprimido

R$ 23346,97

Paciente 4 Acima de 1 a 3 Salários Minimos

Instituição Particular e

Convênio com SUS

Trioxido de Arsênico 10mg, sol injetável

R$ 21813,99

Paciente 5 Sem informação

Instituição SUS

Omalizumab 150 mg,frasco-ampola

R$ 13.044,12

Paciente 6 Sem informação

Instituição SUS

Paliperidona 100 mg; Sol. Injetavel

R$ 6.300,00

Paciente 7 Acima de 3 a 5 Salários Mínimos

Instituição Particular

Insulina detemir 100ml, sol. Injetavel

R$ 4220,00

Insulina Aspartato 100ml, sol. Injetavel

Paciente 8 Acima de 1 a 3 Salários Minimos

Instituição SUS

Paliperidona 100 mg; Sol. Injetavel

R$ 4.180,51

Paciente 9 Acima de 5 Salários Mínimos

Instituição Particular

Montelucaste de sódico

30 saches

R$ 3640,00

Paciente 10

Acima de 3 a 5 Salários Mínimos

Instituição SUS

Paliperidona 100 mg; Sol. Injetavel

R$ 3468,66

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes *Número de Processos Analisados: 63

A análise dos processos que apresentavam a renda e que tiveram bloqueio

revela que os pacientes que possuíam melhores condições financeiras (Renda acima

de três salários mínimos) acessaram o SUS, via justiça para obtenção de

medicamentos, e estes possuíam renda nos valores entre R$ 5.000, 00 e acima de

100.000,00. Um demonstrativo do total dos proventos individuais dos autores das

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ações e dos valores do bloqueio efetuado (29 processos) é mais bem representado

no gráfico que segue.

Gráfico 10- Bloqueios dos processos judiciais por renda individual dos autores das ações judiciais. Município de Campos dos Goytacazes, 2013*.

Fonte: Fórum de Justiça de Campos dos Goytacazes

*Número de Processos Analisados: 44

Constata-se, a partir dos valores das medicações requeridas para o tratamento

do paciente no período de três meses, que, aqueles pacientes que possuem maior

rendimento mensal, solicitam medicamentos de maior custo no SUS.

0%

100%

Inci

nci

a d

a R

en

da

Valor do bloqueio judicial

Bloqueio das Ações Judiciais e Renda Individual dos Autores

Até Meio Salário Minimo Acima de 0,5 a 1 Salário MínimoAcima de 1 a 3 Salários Minimos Acima de 3 a 5 Salários MínimosAcima de 5 Salários Mínimos

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ‘judicialização da saúde’ remete à maneira como vem sendo

institucionalizada e efetivada a política de saúde no Brasil. A Carta Constitucional

vigente estabeleceu o direito universal e o dever do Estado (Art. 196 da Constituição

Federal de 1988) (FLEURY, 2012), definindo as formas de organização e oferta de

serviços, e, também, forneceu bases jurídicas, por intermédio dos instrumentos

processuais (mandado de injunção e ação de inconstitucionalidade por omissão), para

efetivar as normas constitucionais destinadas a controlar diretamente as omissões do

poder público (CITTADINO, 2004).

No Brasil, o fenômeno da judicialização da saúde expande-se de modo inverso

ao da realidade internacional, não restando dúvida da influência de um projeto

privatista vinculado a saúde desde sua constituição, e revelando as debilidades do

Poder Legislativo, com as indefinições no arcabouço legal, e as do Poder Executivo,

que vem atuando com parcos recursos, sem, às vezes, poder garantir o direito

ressaltado no texto legal (FLEURY, 2012).

O município de Campos dos Goytacazes apresenta uma situação peculiar se

comparado a outros municípios por ter suas receitas provenientes dos royalties e de

outras fontes de recursos, razão pelo qual, no tocante à saúde, esteve em total

condição para aderir ao SUS como gestão Plena Municipal de Saúde desde ao ano

2000, e também aderiu ao Pacto pela Saúde em 2009. Nestes termos, atualmente,

este município possui capacidades técnicas e financeiras suficientes para uma

eficiente gestão da política de saúde, e, mesmo assim, é notável o número elevado

de processos judiciais no âmbito de vários ramos das políticas públicas.

Observa-se que é cada vez maior o número de processos judiciais no âmbito

da política de saúde, incluindo todas as ações, serviços e insumos de saúde e

dependente da necessidade de cada indivíduo, sendo que os mais frequentes são os

medicamentos, aparelhos ortopédicos, assim como os serviços de cirurgias,

fisioterapias, home care e exames.

Optando, nesta pesquisa, pelos processos judiciais com demanda especifica

de medicamentos, distribuídos no ano de 2013, e utilizando-se o Manual “Indicadores

de avaliação e monitoramento das demandas judiciais de medicamentos” (PEPE et

al., 2011) como instrumento de análise, evidencia-se limitação em relação ao

planejamento e gestão à saúde. Constatou-se elevado número de processos judiciais,

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tanto dos medicamentos essenciais inclusos no Componente Básico da Assistência

Farmacêutica e que competem ao Município, como os medicamentos de alto custo e

inclusos na lista do Componente Especializado de Assistência Farmacêutica e que

competem ao Estado.

As características processuais revelam que o acesso ao direito à assistência

farmacêutica no município de Campos dos Goytacazes se conforma de forma similar

à realidade dos outras localidades do Estado do Rio de Janeiro (SANT’ ANA et al.,

2011b; VENTURA et al., 2010; PEPE et al., 2010b) e do Distrito Federal (ROMERO,

2008), em que o paciente, mediante a prescrição médica, tem tutelado esse direito

pela justiça, um processo que, na maioria das vezes, é facilitado pela Defensoria

Pública do Estado do Rio de Janeiro, sendo poucos os que recorreram à

representação judicial pela advocacia privada.

O acesso à justiça pela Defensoria Pública foi possível por terem, em sua

maioria, renda individual, declarada pelo Termo de Hipossuficiência Econômica, ou

comprovada por documentos, entre meio à dois salários mínimos. Entretanto,

conforme evidenciado, estes, curiosamente, são residentes em bairros com maior

rendimento nominal mensal e apresentam prescrições médicas provenientes das

instituições privadas. Essas contradições não permitem definir as condições

socioeconômicas do autor das ações judiciais e o aferimento das iniquidades do

acesso à saúde, sendo, inclusive, passível de futuras análises, já que este estudo

ratifica as mesmas contradições encontradas nos trabalhos de Vieira e Zucchi (2007),

e Chieffi e Barata (2009).

Além disso, objetivou-se avaliar a renda familiar dos autores das ações

judiciais, mas, a renda existente nos processos são as rendas individuais dos autores

das ações, especificadas, tão somente, para acesso à justiça gratuita e o benefício da

gratuidade da justiça. Ou seja, para o acesso ao SUS, a gratuidade pressupõe o

acesso, e, para o acesso à justiça gratuita, é necessária a comprovação da

necessidade econômica do autor, podendo até se impugnada pela parte contrária

(VENTURA et al., 2010).

Para o acesso à justiça por representação judicial da Defensoria Pública do

Estado do Rio de Janeiro não há uma renda especifica, apenas a comprovação da

hipossuficiência econômica para arcar com as despesas processuais, ao passo que

para o acesso desta na Defensoria Pública no Estado de São Paulo, Minas Gerais e

Rio Grande do Sul há um limite da renda familiar de no máximo três salários mínimos

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(PEPE et al., 2010b apud MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2009). Considerando o número

de autores das ações judiciais com renda superior a estes valores e que tiveram

acesso à Defensoria Pública neste estudo, embora estejamos nos referindo a um

município pertencente ao Estado do Rio de Janeiro, é relevante um questionamento:

o sistema judiciário tem favorecido também o acesso ao sistema público de saúde

àqueles que não possuem condições de arcar com os custos de seus medicamentos

e da demanda judicial?

Os motivos pelos quais os pacientes, representados por advogados

particulares ou por defensores públicos, têm buscado a efetivação do direito à saúde

pelas instâncias jurídicas, traduzem-se pela negativa do acesso ao medicamento pelo

SUS ou por não mais visualizar a instituição de saúde como legítima ao acesso aos

medicamentos, como foram os casos dos que não foram às instâncias de saúde para

verificarem se o medicamento prescrito estava disponível para distribuição, antes de

entrar com processo judicial. Assim, é fato que as instituições jurídicas ganham

espaços na efetivação dos direitos individuais de medicamentos correndo o risco de

ser a única via de acesso aos medicamentos, “o que é, no mínimo, contraditório

quando se pensa a saúde como direito social de cidadania” (BAPTISTA et al., 2009.

p.836).

Mediante a ação judicial individual das ações e o direito Constitucional à ‘saúde

integral’ (OLIVEIRA et al., 2007. p.90), os juízes têm concedido a Antecipação de

Tutela ou Liminar, sem julgamento de mérito técnico do pedido. Verificou-se, como

em outros estudos (SANT’ ANA et al., 2011, CAMARGO, 2011, VENTURA et al., 2010,

PEPE et al., 2010b), que consideram para seu deferimento a prescrição médica e os

documentos de identificação do autor da ação judicial, sendo estas documentações

suficientes para comprovar as necessidades de saúde e a urgência de decisão e

determinantes do acesso ao medicamento.

A argumentação judicial tem base prioritariamente nos pressupostos da

Constituição Federal de 1988, que considera a “A saúde é direito de todos e dever do

Estado”, explícita nos artigos 6° e 196°. O posicionamento dos juízes está

basicamente centrado na concretização da Constituição, na medida em que,

fortalecidos pelo constitucionalismo liberal, estão preocupados por tornar

juridicamente eficazes as normas constitucionais (CITTADINO, 1999). Pode-se inferir

que, embora os preceitos da Constituição Federal de 1988 sejam Comunitários, as

tomadas de decisão dos operadores do direito tendênciam ao fortalecimento da visão

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positivista e comprometida com a defesa de um sistema voltado para a garantia da

autonomia privada dos cidadãos (CITTADINO, 1999).

Em geral, observa-se que não há interação entre o judiciário e as instâncias

técnicas do Estado e Município, sendo que as decisões do Poder Judiciário têm

ignorado as disposições legais infraconstitucionais que instituem e regulamentam as

políticas de saúde. É nítida, também, nas suas argumentações para decisão em

antecipação de tutela, a primazia pelas disposições constitucionais que estabelecem

o direito à saúde, em detrimento dos princípios e diretrizes da Política Nacional de

Medicamentos e a Política Nacional da Assistência Farmacêutica, e, inclusive, as

recentes regulamentações infraconstitucionais (Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011,

e o Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011).

Essas regulamentações foram criadas exatamente para evitar a distribuição

irracional de medicamentos e a crescente e injustificável demanda judicial (TORRES,

2012; LIMA, 2012), mas, mesmo assim, os juízes têm concedido liminares, e inclusive,

identificando-se medicamentos que não fazem parte das listas oficiais do SUS, além

da não verificação se possuem alternativa terapêutica no SUS, ou mesmo se há

evidência científica, como nos casos daqueles medicamentos especializados

inseridos nos protocolos clínicos. Ou seja, sem julgamento da racionalidade da

prescrição, pode ocorrer um dispêndio de recursos em solicitações nem sempre

justificáveis e, na maioria das vezes, com dupla responsabilidade aos entes

federativos (nos níveis municipais e estaduais), podendo provocar um desserviço ao

paciente receptor do medicamento e comprometer o fluxo de financiamento do

Sistema (OLIVEIRA et al., 2007).

Essas decisões fortalecem-se com a recente iniciativa dos magistrados do

Estado do Rio de Janeiro, que, por determinação do STF, concedeu aos Juízes a

possibilidade de efetuar o bloqueio ou sequestro de verbas públicas para garantir que

o insumo de saúde seja garantido em tempo hábil. Por essa medida, todos os autores

das ações judiciais têm recebido os medicamentos, e, com a falta do medicamento no

estoque das instituições de saúde, tem-se efetuado bloqueio judicial nas contas do

município, independentemente da política de saúde.

Pelo adensamento dos processos, fica comprovado que os recursos dos réus

não têm chegado a tempo de impedir o bloqueio na antecipação de tutela, e, mesmo

com os recursos, o bloqueio judicial se efetiva com a decisão final dos juízes face à

ratificação do proferimento dessas decisões na sentença final, que, conforme

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apontado, possui parecer favorável aos autores das ações judiciais em todos os

processos que haviam sido concluídos.

Quem paga a conta pelas “prescrições por liminar” (OLIVEIRA et al., 2007.

p.90), é, sem dúvida, o município, sendo os mais indicados como réus nas ações

judiciais. O réu Estado tem sido indicado pela corresponsabilidade da dispensação

dos medicamentos, mas, mesmo assim, quem assume o financiamento das

demandas judiciais é o município de Campos dos Goytacazes, e, seja por bloqueio

judicial ou compra sem licitação, o medicamento tem sido concedido.

A preocupação dos gestores revela-se nos argumentados apresentados pelos

recursos dos réus (Municípios e Estados), nos quais se ressalta a necessidade de

cumprir os protocolos clínicos e os princípios das Leis. Embora as decisões dos

operadores da saúde pareçam, por vezes, limitarem o direito à saúde ao citarem a

Constituição Alemã e o princípio da Reserva do Possível, tocando até na questão da

análise socioeconômica pelo Serviço Social, constata-se fragilidade da gestão em

saúde e nos próprios argumentos, pois, em vez de fundamentá-los com base na

legitimação dos princípios do SUS, acabam por também ir de encontro à garantia do

acesso universal e integral do SUS ressaltada na Constituição Federal de 1988,

podendo, inclusive, fugir aos objetivos da Política Nacional da Assistência

Farmacêutica.

Os gestores de saúde têm falhado na atenção às ações e serviços básicos de

saúde, com falta de sistematização dos dados por mecanismos informatizados e falta

de abastecimento dos medicamentos, conforme o perfil da população. Os do

município não operam de acordo com as características do município, e sim com base

nas determinações do Ministério da Saúde e das pactuações intergestoras (CIB e

CIT). Resulta dessa omissão o agravamento da saúde da população, o aumento e

prevalência de algumas doenças e de doenças crônicas, que, em círculo, tem

demandado cada vez mais atenção à saúde e o consumo dos insumos de saúde.

Na gestão da saúde, o fornecimento de medicamentos pela justiça tem

implicações político administrativas no acesso à saúde pela coletividade (PEPE et al.,

2010a). Em uma análise macro da gestão da política de saúde, pode se questionar

quantas ações básicas de saúde não poderiam estar sendo efetuadas com esse

montante de cento e vinte dois mil reais que foi solicitado por uma paciente

individualmente e deferido pelo juiz, sem passar por processos administrativos de

compras nas instituições públicas? Sem dúvida, a indústria de medicamentos e o

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mercado têm sido beneficiados, já que com essas ações judiciais o governo tem gasto

setenta e sete por cento a mais em cada compra de medicamento efetuada nas

farmácias, mediante a ordem judicial de bloqueio do valor apresentado.

Embora o acesso à justiça implique na efetivação do direito à saúde, este revela

um caminho nem sempre agradável para os pacientes que buscam o acesso à justiça,

sendo árduo devido ao processo demorado, ao passar por tramitação processual, com

complicação do quadro clínico, ou, às vezes, com final mais drástico, como o óbito do

paciente.

Os resultados apresentados levam-nos a repensar o direito à saúde em âmbito

coletivo. Pois, é fato que os juízes têm sido provocados para que possam agir sobre

esse direto de tutela coletiva e individual. Mas, e o Ministério Público, como, sendo

um órgão público não jurisdicional e que não precisa ser provocado para agir, o que

tem feito para intervir sobre essas questões que são de tutela coletiva? O trabalho

não permite concluir se existem atuações deste último órgão no tocante ao acesso a

medicamentos pela justiça, mas contextualiza que apenas ratificar as decisões dos

juízes em tutela individual não parece resolver o problema que se adensa e recobra

atenção coletiva no acesso aos medicamentos e o restabelecimento da saúde de cada

indivíduo.

O fenômeno ainda requer atenção de todos os atores, demandando ações

urgentes pelos operadores da saúde, que não priorizam, muitas vezes, os

medicamentos que já estão na lista do SUS, e pelos operadores da justiça, que, ao

afirmarem o direito à saúde dessa forma, podem estar implicados no desigual acesso

a saúde.

Ressalta-se, também, a relevância das pesquisas para as intervenções

empíricas, uma vez que, no calor das demandas judiciais, tanto os operadores da

saúde quanto os operadores do direito vêm, às vezes, exercendo suas atividades sem

contextualizá-las criticamente, e, consequentemente, ao invés de garantia de direito a

saúde, provocam ainda mais a desigualdade no acesso, além de estimularem outras

ações judiciais.

O Manual de “Indicadores de avaliação e monitoramento das demandas

judiciais de medicamentos” (PEPE et al., 2011) foi fundamental para a análise do

fenômeno. Entretanto, em virtude das limitações das informações, nos processos da

Secretaria Municipal de Saúde e do Fórum de Justiça, algumas análises não puderam

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ser feitas, como o desvelamento da equidade do acesso à saúde pelo Sistema de

Justiça e a existência da influência da indústria de medicamentos nas prescrições.

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FORMULÁRIO PARA ANÁLISE DE PROCESSO Características sócio demográficas do autor da ação judicial 1-Autor da ação: _______________________________ 2-Representante: ( ) Familiar ( ) Amigo ( ) Organização da sociedade civil 88 -Não se aplica 99 – Sem Informação 3-Faixa etária: ( ) menor 1 ano 12 anos, ( ) 13 a 19 anos, ( ) 20 a 59 anos, ( ) 60 anos e mais. 88 - Não se aplica 99 – Sem Informação 4-Ocupação: ( ) empregados, ( ) empregados com carteira de trabalho assinada, ( ) empregados sem carteira de trabalho assinada, ( ) trabalhadores por conta própria, ( ) empregadores e trabalhadores não remunerados 88 - Não se aplica 99 – Sem Informação 5-Renda familiar mensal per capita: ( ) até 0,5 salário mínimo (SM); ( ) > 0,5 a 1 SM; ( ) >1 a 3 SM ( ) > 3 a 5 SM; ( ) > 5 a 7 SM; ( ) > 7 a 9 SM; ( ) >9 a 11 SM; ( ) > 11 SM. 88 - Não se aplica 99 – Sem Informação

6-Local de residência: Município:_____________________ Bairro:________________________ 88 - Não se aplica 99 – Sem Informação

Características processuais das ações judiciais

Processo na Primeira Instância: 7-Número do processo: _______________________________ 88 - Não se aplica 99 – Sem Informação

8-Diagnóstico principal segundo a Classificação Internacional de Doença – 10ª Revisão (CID10):____________ 99 - Sem Informação

9-Medicamento demandado:_____________________ 88 - Não se aplica 99 - Sem Informação 10-Representação judicial do autor na data da distribuição ( ) Advogado privado remunerado ( ) Advogado privado dativo ( ) Defensoria Pública ( ) Ministério Público ( ) Advocacia da União ( ) Procuradorias dos Estados e Municípios 88 - Não se aplica 99 – Sem Informação

11-Comarca de Origem:________________________ 88 - Não se aplica 99 - Sem Informação 12-Réu Citado: ( ) União ( ) Estado ( ) Município ( ) Outros 88 - Não se aplica 99 – Sem Informação 13- Houve concessão de liminar ou antecipação de tutela na primeira instancia? ( ) Sim ( )Não 88 - Não se aplica 99 - Sem informação Caso sim, responder as questões 16 e 17. 14-Data da distribuição (protocolo da ação judicial): _______________________________ 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 15-Data da Decisão liminar ou antecipação de tutela: _______________________________ 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 16-Data da intimação na instancia de saúde: _______________________________

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17-Data da entrega do medicamento: _______________________________ 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 18- Na liminar ou antecipação de tutela houve exigência judicial (documentos e esclarecimentos adicionais do autor)? ( ) Sim Quais?__________________________ ( )Não 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 19- Decisão judicial (Sentença): ( ) Sentença desfavorável ( ) Sentença parcialmente favorável ( ) Sentença totalmente favorável ( ) Sentença favorável inclusive para prescrição futuras 88 - Não se aplica 99-Sem informação 20 - A decisão vincula o fornecimento a apresentação de prescrição emitida pelo médico vinculado ao SUS? ( ) Sim ( ) Não Quais?_________________________ 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 21- Houve recurso da Sentença: ( ) Sim, pelo autor. Quais?________________________ ( ) Sim, pelo réu. Quais?_________________________ ( ) Sim, pelo autor e réu. Quais?_________________________ ( ) Não 88 - Não se aplica 99 - Sem informação Processo em Segunda Instância: 22-Número do processo: ______________________________ 88-Não se aplica. 99 – Sem Informação 23-Data da distribuição na segunda instancia: _______________________________ 88 - Não se aplica. 99 – Sem Informação 24- Decisão judicial (Acordão): ( ) Acordão desfavorável ( ) Acordão parcialmente favorável

( ) Acordão totalmente favorável ( ) Acordão favorável inclusive para prescrição futuras 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 25- A decisão vincula o fornecimento a apresentação de prescrição emitida pelo médico vinculado ao SUS? ( ) Sim ( ) Não Quais?_________________________ 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 26- Houve recurso especial ou extraordinário da decisão: ( ) Sim, pelo autor. Quais?_________________________ ( ) Sim, pelo réu. Quais?_________________________ ( ) Sim, pelo autor e réu. Quais?_________________________ ( ) Não 88 - Não se aplica 99 - Sem informação

Características Médico-Sanitárias das ações judiciais.

27- Número do SUS:_______________ 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 28-Paciente com cadastro na instancia de saúde anterior a demanda judicial? ( ) Sim ( ) Não Quais?_________________________ 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 29- Medicamento prescrito:_______________________ 30- Características da prescrição médica: ( ) Nome do paciente ( ) Receita é legível ( ) Endereço residencial do paciente ( ) Posologia ( ) Via de administração ( ) Associação em dose fixas ( ) Tempo de duração ( ) Carimbo identificador do profissional ( ) Endereço do consultório ou residência do profissional ( ) Data

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31- Origem da prescrição ( ) Sem prescrição ( ) SUS-Hospital Universitário ( ) SUS-Outros ( ) Não SUS ( ) Sem informação 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 32-Outros documentos apensados no processo, excetuando a prescrição médica? ( ) Exames complementares ( ) Laudos complementares ( ) Atestado da doença ( ) Perícia Médica 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 33-Pertence a Classificação Anatômico Terapêutico e Químico (ATC)? ( ) Sim ( ) Não 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 34-Possui prescrição pelo nome genérico? ( ) Sim ( ) Não 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 35-Possui alternativa terapêutica no SUS? ( ) Sim ( ) Não 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 36-Pertence a RENAME/REMUME? ( ) Sim ( ) Não 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 37-Pertence a outras listas da Assistência Farmacêutica? ( ) Sim ( ) Não 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 38-Qual o valor do Tratamento? _______________________________ 88 - Não se aplica 99 - Sem informação

39-Possui registro na ANVISA? ( ) Sim ( ) Não 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 40-Possui indicação de uso off label? ( ) Sim ( ) Não 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 41- Pertence ao componente do bloco de financiamento da Assistência Farmacêutica (Pactuação tripartite)? ( ) Sim. Qual?___________________ ( ) Não 88 - Não se aplica 99 - Sem informação 42-Pertence ao componente especializado da Assistência Farmacêutica (Pactuação tripartite)? ( ) Sim ( ) Não 88 - Não se aplica 99 - Sem informação