planejamento e polÍticas econÔmicas: a contradiÇÃo entre o desenvolvimento econÔmico e...

24
UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ DIRETORIA DE GRADUAÇÃO E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE GESTÃO ECONÔMICA ESPECIALIZAÇÃO EM PLANEJAMENTO E GOVERNANÇA PÚBLICA FRANCISCO FERREIRA DOS SANTOS DEISI DE CARVALHO MOTTER MARCIO CUNHA PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS: A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL CURITIBA 2012

Upload: deisi-motter

Post on 20-Jul-2015

51 views

Category:

Education


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

DIRETORIA DE GRADUAÇÃO E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE GESTÃO ECONÔMICA

ESPECIALIZAÇÃO EM PLANEJAMENTO E GOVERNANÇA PÚBLICA

FRANCISCO FERREIRA DOS SANTOS

DEISI DE CARVALHO MOTTER

MARCIO CUNHA

PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:

A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E

DESENVOLVIMENTO SOCIAL

CURITIBA

2012

Page 2: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

DIRETORIA DE GRADUAÇÃO E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE GESTÃO ECONÔMICA

ESPECIALIZAÇÃO EM PLANEJAMENTO E GOVERNANÇA PÚBLICA

FRANCISCO FERREIRA DOS SANTOS

DEISI DE CARVALHO MOTTER

MARCIO CUNHA

PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:

A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E

DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Trabalho de Pós Graduação apresentado como requisito

à disciplina de Trabalho de Conclusão do Curso de

Especialização em Planejamento e Governança Pública

do Departamento Acadêmico de Gestão Econômica da

Universidade Tecnológica Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Flávio de Oliveira Schiefler

Filho

CURITIBA

2012

Page 3: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

“Paz não é somente ausência de guerras,

mas também segurança social”.

Alberto Dines

Page 4: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

RESUMO

SANTOS, Francisco Ferreira dos. Planejamento e políticas econômicas: a

contradição entre o desenvolvimento econômico e desenvolvimento

social. Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Planejamento e

Governança Pública. Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba,

2012.

Este estudo enfoca as contradições históricas entre o desenvolvimento

econômico e o desenvolvimento social na história do planejamento pública no

Brasil. A partir de uma pesquisa bibliográfica, apresenta como, na história

brasileira, o Estado sempre voltou sua preocupação para o crescimento

econômico, mas sem distribuição de renda. O período do “milagre econômico”

da década de 1970 é um exemplo desta prática, tendo agravado a situação

social nacional. Essa tradição resultou que ferramentas de planejamento

econômico estão bem institucionalizadas nas leis brasileiras, como o Plano

Plurianual e a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas não há a existência de

ferramentas de planejamento análogas para a questão social. Contudo, na

última década, a partir do ano 2000, percebe-se uma mudança de direção. As

políticas públicas voltadas ao desenvolvimento social cresceram e o país

distribuiu renda, encontrando-se nesse momento no menor patamar de

desigualdade de sua história documentada. O desafio para as próximas

décadas é expandir esse desenvolvimento, para além de distribuição de renda,

de modo a incluir elementos substantivos do exercício da cidadania plena.

Palavras-chave: planejamento; desenvolvimento social; desenvolvimento

econômico; políticas públicas.

Page 5: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

ABSTRACT

SANTOS, Francisco Ferreira dos. Planning and economic policies: the

contradiction between economic and social development. Trabalho de

Conclusão de Curso de Especialização em Planejamento e Governança

Pública. Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2012.

This study focuses on the historical contradictions between economic

development and social development in the history of public planning in Brazil.

From a literature research, as presented in Brazilian history, the State has

always turned his concern for economic growth, but without the income

distribution. The period of the "economic miracle" of the 1970s is an example of

this practice, having worsened the social situation nationally. This tradi tion led

economic planning tools that are well institutionalized in Brazilian laws, such as

the Multi-Year Plan and the Fiscal Responsibility Law, but there is no existence

of planning tools similar to the social question. However, in the last decade,

from 2000, we can see a change in direction. Public policies aimed at social

development and the country grew distributed income, right now at the lowest

level of inequality of its documented history. The challenge for the coming

decades is to expand this development, in addition to income distribution, to

include substantive elements of the exercise of full citizenship.

Keywords: planning; social development; economic development; public policy.

Page 6: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

LISTAS DE GRÁFICOS

1. Variação índice de Gini (desigualdade na distribuição de renda) na história

do Brasil ............................................................................................................17

2. Porcentagem de pobreza no Brasil – 1995-2011 .........................................18

Page 7: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..............................................................................................07

2. OBJETIVOS E METODOLOGIA ..................................................................08

3. A POLÍTICA ECONÔMICA NO ESTADO BRASILEIRO .............................09

4. EXPERIÊNCIAS DE PLANEJAMENTO NO BRASIL ..................................11

4. 1 INSTRUMENTOS MODERNOS DE PLANEJAMENTO ............................11

5. O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E A DESIGUALDADE SOCIAL

BRASILEIRA ....................................................................................................13

5.1 DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE ..............................................15

6. O NOVO BRASIL: MUDANÇAS DA ÚLTIMA DÉCADA ............................16

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................20

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................22

Page 8: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

7

1. INTRODUÇÃO

Em um contexto em que se discute a crise e o retorno do Welfare State

(Estado de Bem-Estar Social) o papel do Estado no planejamento de políticas

econômicas e de políticas públicas sociais é central.

Atualmente a sexta maior economia do mundo, o Brasil foi fundado na

desigualdade social e grande concentração de renda, riqueza e capital,

marcado por graves desequilíbrios regionais.

Nesse contexto, surgem mais enfaticamente nos últimos anos, políticas

de combate à pobreza. No entanto, o papel central do Estado Brasileiro sempre

esteve voltado ao planejamento econômico, relegando o papel do

desenvolvimento social.

Iremos enfocar as características gerais sobre planejamento econômico,

planejamento social e a questão da contradição entre planejamento econômico

e desenvolvimento social no Brasil. Pretende-se discutir aqui essas duas faces

do desenvolvimento: econômico e social, suas contradições históricas e

recentes mudanças.

A política econômica, por si só, não oferece subsídios básicos

suficientes para o desenvolvimento da população, partindo do princípio de que

o planejamento da política econômica deveria contribuir para esse fim. O

trabalho busca, dessa maneira, integrar o conceito de justiça social dentro do

planejamento econômico do Estado. Justifica-se, portanto, pela centralidade e

atualidade do tema na área das políticas públicas.

Page 9: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

8

2. OBJETIVOS E METODOLOGIA

O objetivo geral do trabalho é estudar o tema política econômica

brasileira, buscando analisar a contradição entre o crescimento econômico e o

desenvolvimento social no Brasil. Há a necessidade de se analisar pelo ponto

de vista da sociedade, visando os direitos humanos fundamentais mínimos à

promoção de uma vida digna e exercício da cidadania. Ou seja, o trabalho

busca articular o assunto sobre desenvolvimento econômico e desenvolvimento

social, integrando o conceito de justiça social dentro do planejamento

econômico da sociedade.

Dessa maneira, o trabalho analisa as características históricas do

planejamento econômico dentro da sociedade brasileira em detrimento da

questão social, expondo a dicotomia entre desenvolvimento econômico e

desenvolvimento social e as possíveis alternativas para acabar com essa

oposição. Também se objetiva analisar os resultados das recentes tentativas

de união entre essas duas esferas (desenvolvimento econômico e social),

empregadas durante o governo Lula (2003-2010) e os possíveis indicadores do

caminho a ser tomado pelo Estado Brasileiro.

A metodologia empregada nessa pesquisa será uma revisão

bibliográfica exploratória e descritiva, com o intuito de desenvolver uma breve

análise da política econômica do Brasil em detrimento ao desenvolvimento

social. O trabalho será baseado em livros sobre planejamento econômico,

artigos científicos e outros trabalhos acadêmicos nessa área. Também

utilizaremos o recurso de pesquisa documental, através dos dados estatísticos

divulgados por institutos de análise como o IPEA, a fim de corroborar nossos

argumentos com uma base científica, estatística e verificável.

Page 10: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

9

3. A POLÍTICA ECONÔMICA NO ESTADO BRASILEIRO

A política econômica brasileira é caracterizada, de acordo com Cleto &

Dezordi (2010), pelas ações do governo que buscam atingir seus objetivos

através de instrumentos econômicos, divididos entre as políticas monetária,

fiscal e cambial. Os governos federal, estaduais e municipais atuam em

conjunto para a consolidação das políticas econômicas adotadas no país.

O Estado, cumprindo seu papel regulador, direciona as atividades

econômicas mediante leis e disposições administrativas, controlando preços,

monopólios e ações danosas ao direito do consumidor. Além disso, o governo

também possui o compromisso de prover ou facilitar o acesso a bens e

serviços essenciais, principalmente aqueles que dizem respeito a educação,

saúde, defesa, segurança, transporte e justiça.

Outra função assumida pelo Estado é a redistributiva, que tem o

objetivo de beneficiar a parcela de necessitados da sociedade. Suas diretrizes

econômicas e sociais devem priorizar a distribuição de renda de maneira

igualitária. Porém, ainda de acordo com Cleto & Dezordi (2010), a mais

importante de suas atribuições no setor é manter a economia estabilizada,

controlando os grandes agregados macroeconômicos, as taxas de inflação,

desemprego e nível de produção.

Carlos Gomes (2008) sustenta que a política econômica é formada pelo

conjunto de intervenções dos poderes públicos na economia, caracterizadas

por uma escala de prioridades dos objetivos a alcançar e pela seleção dos

instrumentos coerentes para atingi-los.

A influência que a política econômica exerce é determinada pelo regime

político-social e pelas leis objetivas do seu desenvolvimento. Tais objetivos,

segundo Gomes, podem resumir-se a partir das três funções do Estado: a

função de atribuição, com a finalidade de criar condições favoráveis ao

crescimento e ao desenvolvimento econômicos; a função de redistribuição, a

incidir sobre a repartição dos rendimentos, justificada por um interesse que

deveria ser coletivo; e a função de estabilização, que tem a ver com a

Page 11: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

10

regulação conjuntural da atividade econômica. Por vezes, os objetivos

pretendidos são contraditórios, estando sujeitos a restrições que impedem de

serem praticados ou dependem de condições históricas favoráveis à sua

concretização.

De acordo com Gomes, em seu viés mais crítico, de teor marxista, a

propriedade privada sobre os meios de produção e as relações de produção

que dela derivam, determinam o caráter de política econômica do Estado

capitalista, cujo fim se define em proteger e ampliar a dimensão da exploração.

No seu conjunto, essa política opõe-se aos interesses fundamentais das

classes subordinadas, contribuindo assim com as contradições de classe.

Page 12: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

11

4. EXPERIÊNCIAS DE PLANEJAMENTO NO BRASIL

Segundo James Giacomoni e José Luiz Pagnussat (2007), o Brasil

vivenciou entre os anos 1940 e 1970 do século passado, uma experiência

razoável em matéria de planejamento governamental. Desde as primeiras

tentativas, no imediato pós-Segunda Guerra, por meio, entre outros, do Plano

Salte (saúde, alimentação, transportes e energia), e, mais adiante, do Plano de

Metas de Juscelino Kubitschek, até os mais recentes planos, o Estado

brasileiro empreendeu, ao longo destas últimas décadas, diversas tentativas de

planejamento do futuro e de organização do processo de desenvolvimento

econômico. O fato é que essas experiências de planejamento governamental

conseguiram atingir algumas das metas propostas, mas tiveram pouco impacto

na situação social da nação.

De acordo com Giacomoni & Pagnussat (2007), o país tornou-se maduro

do ponto de vista industrial e avançou no plano tecnológico ao longo desses

planos, porém, desconsiderando os progressos setoriais, a sociedade

permaneceu inaceitavelmente desigual, ou continuou precária nas áreas da

educação, saúde e das demais condições de vida para os setores mais

desfavorecidos da população.

4. 1 INSTRUMENTOS MODERNOS DE PLANEJAMENTO

Como Almeida (2004) relata, o Brasil atualmente têm ferramentas de

planejamento econômico bem institucionalizadas. Essas ferramentas foram

fruto da construção da experiência nacional em planejamento ao longo das

décadas anteriores.

Entre essas ferramentas, se destaca o PPA (Plano Plurianual) como

principal instrumento de planejamento da Administração Pública atualmente. O

PPA deve ser elaborado pelos governos a cada quatro anos, estabelecendo os

rumos que deverão ser adotados nos anos seguintes. Também a Lei de

Responsabilidade Fiscal (LRF), que impõe limites de gastos aos entes

públicos, aprovada em 2000, é fruto de práticas adotadas nos anos 1970.

Page 13: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

12

No entanto, isso demonstra que, enquanto o planejamento do

desenvolvimento econômico e financeiro está desenvolvido no país, o

planejamento do desenvolvimento social muitas vezes não dispõe da mesma

expertise.

Page 14: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

13

5. O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E A DESIGUALDADE SOCIAL

BRASILEIRA

A Sociedade brasileira é visivelmente marcada por desigualdades

sociais, fazendo com que grande parte da população não tenha acesso aos

benefícios básicos de que tem direito, como saúde, educação e moradia.

Paralelo a isso, existe a relação Estado/mercado, ou seja, a preocupação do

Governo em manter uma boa relação com o comércio, indústrias e serviços e

administrar tudo isso para gerar riquezas para o país. O grande paradoxo

nessa questão é que enquanto o Estado foca no problema estrutural da

economia, não há prioridade sobre a grande parcela da população que se

encontra na miséria, ou seja, há uma complexa relação entre democracia

política e democracia social.

No entanto, imprimir uma nova orientação às políticas sociais no sentido

de torná-las mais igualitárias, e, portanto capazes de contemplar a diversidade

das necessidades dos diferentes segmentos sociais, confronta-se com a

herança de um sistema de proteção social no país, caracterizado por: um alto

grau de centralização, com definição de prioridades e diretrizes ditada pela

esfera federal.

Amélia Cohn (2003) sustenta que reverter, portanto, essa lógica que

vem imperando na área social, na conjuntura de então, implica a redefinição da

articulação entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento social. Isso

significa, em primeiro lugar, reconhecer que, ao contrário do que postulava a

concepção desenvolvimentista dos anos 50 e 60, o desenvolvimento social não

decorre automaticamente do desenvolvimento econômico.

Conseqüentemente, de acordo com Cohn, talvez o maior desafio que se

apresenta hoje para a mudança da lógica que vem regendo as políticas sociais

no país resida em superar a visão contábil — de "caixa" — como critério

exclusivo de formulação e implementação de políticas sociais e, portanto, de

extensão dos direitos sociais e do acesso dos setores mais pobres da

sociedade a benefícios e serviços sociais básicos. Em resumo, o desafio

Page 15: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

14

presente consiste em compatibilizar desenvolvimento e crescimento econômico

com democracia social.

Reverter essa lógica significa que a nova articulação entre política

econômica e política social implica o reconhecimento de que a política

econômica contém uma forte dimensão social (pelo que pode representar

enquanto aumento do poder aquisitivo real dos segmentos sociais de mais

baixa renda e de criação de novas oportunidades de geração de renda por

meio de políticas específicas) e que, reciprocamente, a política social contém

uma forte dimensão econômica, até pelo que representa enquanto

oportunidade de criação de novos empregos e de demanda para o setor

produtivo (COHN, 2003).

Amélia Cohn, referenciando-se em seu aporte bibliográfico, ainda lembra

que historicamente o "lado atrasado do Estado brasileiro" sempre se localizou

na área social, enquanto a busca constante da modernidade se localizou — e

ainda se localiza — no aparato do Estado voltado para a busca de infra-

estrutura econômica e/ou para a intervenção em setores estratégicos, não

tendo sido, portanto, considerada prioridade a modernização dos setores do

Estado voltados para a área social.

Segundo Igor Felippe Santos, quem sustenta a economia brasileira é a

exportação de matéria-prima mineral e agrícola, controlada por empresas

transnacionais e de mercado financeiro, as quais não contribuem com impostos

na exportação para China e outros países centrais. A “grande” vantagem

comparativa do Brasil na disputa capitalista internacional, segundo Santos, é o

baixo valor de troca da força de trabalho. Ou seja, os trabalhadores brasileiros

possuem um nível de renda menor que dos países centrais, e são

superexplorados. Segundo dados preliminares do Censo divulgados pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maioria dos postos de

trabalho criados a partir de 2000 foi ocupada por trabalhadores com

remuneração de até dois salários mínimos. Essa faixa de remuneração

representa 63% do total em 2010.

Page 16: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

15

5.1 DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE

Para o prêmio Nobel de economia, o indiano Amartya Sen (2000), o

desenvolvimento é mais do que algo meramente econômico e o conceito de

pobreza, mais do que apenas relacionado à renda, significa privação de

potencialidades. A pobreza refere-se às privações relacionadas ao

desemprego, doenças, baixo nível de instrução, falta de acesso a saneamento

básico, alimentação e exclusão social.

Contra isso, Sen propõe a ideia de liberdades substantivas, que é ter

capacidade de levar o tipo de vida em que as pessoas se valorizem. meios e

ser capaz de efetivar suas demandas.

A revolucionária interpretação do conceito de pobreza introduzida por

Sen (que lhe rendeu o mais importante prêmio do campo científico), é

importante por significar que o desenvolvimento social não é apenas a melhora

da qualidade de renda dos indivíduos, mas de suas capacidades, isto é,

educação, saúde e possibilidade de ascensão social.

Page 17: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

16

6. O NOVO BRASIL: MUDANÇAS DA ÚLTIMA DÉCADA

O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) é o mais

importante e renomado órgão a fazer análises e divulgar dados referentes à

situação, não apenas econômica, mas também social, do Brasil.

Em recente estudo intitulado “A década inclusiva (2001-11):

desigualdade, pobreza e políticas de renda” o IPEA demonstra uma mudança

de direção na tradicional dicotomia existente, até então e descrita nesse

trabalho, entre desenvolvimento econômico e social.

O estudo do IPEA faz uma análise à luz da historia da desigualdade

brasileira. O esquema de desenvolvimento econômico separado de

desenvolvimento social, característica do chamado “milagre econômico

brasileiro” (anos 1970) e seguido nas décadas seguintes, sofreu uma grande

mudança na década dos anos 2000.

Para demonstrar isso, um dos dados analisados é o índice de GINI. O

índice de Gini é uma medida de análise internacional de distribuição de renda,

sendo 0 a completa igualdade de distribuição de renda e 1 a completa

desigualdade. A história da medição do índice de Gini no Brasil pode ser

observada no gráfico a seguir elaborado pelo estudo do IPEA.

Page 18: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

17

Variação índice de Gini (desigualdade na distribuição de renda)

na história do Brasil

Fonte: IPEA, 2012, p. 08.

Como se pode observar, na década atual, analisada no estudo do IPEA,

o Brasil se encontra com o menor índice de desigualdade de distribuição de

renda da história estatística brasileira, quando os dados passaram a ser

documentados nos anos 1960. Para o IPEA (2012), isso se deveu a uma

combinação crescimento econômico e redução de desigualdade, o que aponta

para um crescimento inclusivo.

Outro dado analisado é o nível de pobreza a partir da média de renda do

Dólar PPP (paridade de poder de compra), outra medida adotada

internacionalmente. No gráfico abaixo podemos ver que, de 24% de pobres em

2003 o Brasil passou para 10% em 2011.

Page 19: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

18

Porcentagem de pobreza no Brasil – 1995-2011

Fonte: IPEA, 2012, p. 20

O IPEA ainda ressalta que este últimos dados foram coletados a partir

da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), isto é, com visita

dos pesquisadores de casa em casa para auferir a renda familiar, o que se

constitui em um melhor mecanismo do que a simples análise do PIB

Outros dados trazidos pelo IPEA é que a renda no Nordeste, a área mais

pobre do Brasil, nesses oito anos cresceu, por pessoa, 42%, enquanto no

Sudeste o crescimento foi 16% e nas metrópoles 21%. Ao mesmo tempo, os

10% mais pobres tiveram um crescimento de renda de 91,2%, enquanto a

parcela mais rica da população obteve um incremento de 16,6% da renda

acumulada (IPEA, 2012). Ou seja, as regiões mais pobres são as que mais

estão crescendo e os mais pobres os que melhor aumentam suas rendas.

Page 20: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

19

Ao contrário do que usualmente se pensa, os programas de

transferência de renda (como o Bolsa Família) não representam a maior

parcela responsável por este processo. O principal elemento desse processo,

aponta o IPEA, é a melhoria da renda do trabalho, isto é, a empregabilidade

está estável no país e os mais pobres passaram a ser melhor remunerados,

como deixa claro a citação.

Rendimentos do trabalho explicam 58% da queda do índice de

Gini entre 2001 e 2008, sendo 19% dela explicada por aumentos dos benefícios da previdência social e 13% pelo Bolsa Família (...) Se a década de 1990 foi a da estabilização

da economia, a de 2000 foi a da redução de desigualdade de renda (IPEA, 2012, p. 40).

Ao mesmo tempo, Albuquerque (2011) analisa o IDS – Índice de

Desenvolvimento Social, que é um indicador composto por cinco categorias:

saúde, educação, trabalho, rendimento e habitação, além de outros doze

subcomponentes. Assim, pode-se analisar o desenvolvimento social como um

todo, na proposta de Amartya Sen, e não apenas no fator econômico. Os

dados que Albuquerque apresenta mostram que o IDS do Brasil passou de

6,67 em 2000, para 8,14 em 2010 (sendo 10 o máximo na escala). Um

aumento mais do que significativo.

Por fim, estudo de Oliva (2010) defende que este período constitui-se

como uma inflexão histórica e que se vive no país um modelo de “Novo

Desenvolvimentismo”, centrado na distribuição de renda, inclusão social e combate à

pobreza, aliados ao crescimento econômico.

Page 21: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

20

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil nunca teve, em sua história, um planejamento de

desenvolvimento social integrado nos planos de desenvolvimento nacional. Os

dados da história que foram resgatados e apresentados nos primeiros capítulos

demonstram isso. A experiência brasileira das décadas passadas demonstra

que a definição da política econômica beneficiava os setores sociais

associados ao capital. O modelo econômico não era capaz de contribuir

adequadamente para a justiça social no Brasil.

Mas parece que as coisas podem estar mudando. Os dados e

argumentos apresentados no último capítulo mostram que, pela primeira vez na

história desse país, o desenvolvimento social foi integrado no planejamento de

desenvolvimento nacional, rompendo assim com a tradição histórica brasileira.

Os resultados aparecem e a desigualdade no Brasil caiu drasticamente.

Estatisticamente, em 2011 o Brasil atingiu o menor nível de desigualdade de

sua história.

Contudo, ainda há muito que fazer. Como defendeu Amartya Sen, o

desenvolvimento é mais do que a questão da renda. Assim, o Estado deve

prezar por um crescimento inclusivo como tem feito, mas de forma a garantir

novos direitos sociais a essa população que saí da pobreza. A verdadeira

pobreza só irá acabar quando se garantir liberdades substantivas, como uma

educação de qualidade que possibilite os indivíduos a participar ativamente da

vida social e política de seu país.

Uma administração pública que considere sua função atender a

sociedade como um todo deve estabelecer como prioritários programas de

ação democráticos, que possibilitem a incorporação de conquistas sociais

pelos grupos e setores desfavorecidos, visando reverter o desequilíbrio social.

A sexta colocação entre as maiores economias do mundo, obtida nesse

momento pelo Brasil, só valerá a pena se por aliada com mudanças que

possam garantir melhores condições de vida para toda a população, com

efetivação de direitos sociais. Distribuiu-se renda e diminui-se a desigualdade

Page 22: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

21

nesta última década, o que é um passo gigantesco. Agora resta a busca por

um modelo de desenvolvimento com inclusão à cidadania plena dos brasileiros.

Page 23: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

22

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de. O desenvolvimento social do

Brasil: a segunda grande transformação. Estudos e Pesquisas Nº 392. Rio

de Janeiro: INAE - Instituto Nacional de Altos Estudos, 2011

ALMEIDA, Paulo Roberto. A experiência brasileira em planejamento

econômico: uma síntese histórica. Brasília, 1999. in Cadernos NAE, Núcleo

de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, nº 1, 2004, ISSN: 1806-

8588, pp. 75-118;

CLETO, Carlos Ilton & DEZORDI, Lucas. Políticas Econômicas. Coleção

Gestão Empresarial. Curitiba: Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom

Jesus, 2010.

COHN, Amélia. Políticas Sociais e Pobreza no Brasil. 2003. Planejamento e

Políticas Públicas. Rio de Janeiro: IPEA, 2003.

GIACOMONI, James & PAGNUSSAT, José Luiz. Planejamento e Orçamento

governamental. Brasília: ENAP, 2007.

GOMES, Carlos. Antecedentes do Capitalismo. Porto: o autor, 2008.

IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. A década

inclusiva (2001-2011): Desigualdade, pobreza e políticas de renda.

Comunicado do Ipea nº 155. Brasília: IPEA, 2012.

Page 24: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS ECONÔMICAS:  A CONTRADIÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

23

OLIVA, Aloizio Mercadante. As bases do novo desenvolvimentismo no

Brasil: análise do governo Lula (2003/2010). Campinas: Universidade

Estadual de Campinas, Instituto de Economia, 2010.

SANTOS, Igor Felippe. Contradições da sexta economia do mundo. IN: O

Escrevinhador. 02/01/2012.

Disponível em: http://www.rodrigovianna.com.br/colunas/em-

campo/contradicoes-da-6%C2%AA-economia-do-mundo.html.

Acesso em: 15 Set 2012.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia. das

Letras, 2000.