pizzi, laura c. v. politecnia no brasil. história e tragetória política

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  • 8/6/2019 PIZZI, Laura C. V. Politecnia no Brasil. Histria e Tragetria Poltica

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    SSN 0102 - 6801Educacao e Filosofia - v. 16 - n". 32, jul./dez. 2002. pp. 117-147

    A POLlTECNIA NO BRASIL: HISTORIA E TRAJETORIAPOLiTICA

    Laura Cristina Vieira Pizzi'

    ABSTRACTThe goal of this article is to rescue the recent historical period aboutthe Polytechnic in Brazil, through its main authors. Also we will detailthe most important characteristics of the Polytechnic, as well as thetwo stages of its historic and conceptual development. The first one,the 80s, was demarcated by Taylorist and Fordist production and bya new political and democratic process in Brazil. At that moment, thePolytechnic proposal fights to be hegemonic in the educational system.The second one, in the 90s, the authoritarian neoliberal project tokeplace and the Polytechnic proposal had new interlocutors and newquestions to answer, until a new educational law replaces it. At lastbut not least, we show some of the internal problems related to thePolytechnic constructed in the last 20 years with the intention to opena discussion.Key Words: Polytechnic School, Shool Legislation, Brazilian EducationHistory.

    RESUMOEste artigo tern como objetivo resgatar 0periodo historicamente recenteda Politecnia no Brasil, atraves de seus principais formuladores. Apartir dai, procura mostrar as principais caracteristicas da Politecnia,bern como destacar os dois estagios de seu desenvolvimento hist6ricoe conceitual. 0primeiro, nos anos 80, no contexto marcado pela

    . Professora Doutora (Adjunto) no Departamento de Administracao e PlanejamentoEducacional da Universidade Federal de Alagoas.

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    producao taylorista-fordista, revigorado pela luta pelaredemocratizacao do pais. Nesse momento, a Politecnia luta para setornar uma pro posta hegemonica no contexto do sistema educacionalbrasileiro. 0 segundo estagio, nos anos 90,quando 0projeto neoliberalassume 0poder, com carater fortemente autoritario. A proposta passaa ter novos interlocutores e novos questionamentos, ate uma novaLDB tomar 0seu lugar. 0 artigo conclui mostrando alguns problemasinternos na formulacao da Politecnia nestas duas decadas, com 0intuito estimular e fazer avancar 0 debate teorico-pratico.

    Palavras-chaves: Escola Politecnica, Legislacao Escolar, Hist6ria daEducacao Brasileira.

    As discussoes em torno da escola politecnica bern como daescola unitaria! no Brasil ganham forca nos anos 80, ou seja, numperiodo da nos sa hist6ria pohtica, economica e educacional aindamuito recente. Esse pertodo ficou marcado como 0 momento daabertura politica, da transicao democratica do regime militar para 0regime civil, denominado de Nova Republica, cujo final culminou naseleicoes de 1989. A vit6ria de Fernando Collor de Mello demarca ainstauracao de uma nova etapa politica e economica no Brasil. 0neoliberalismo passa a ser a orientacao politica do pais.

    Este estudo buscara discutir estas raizes recentes da politecniae da escola unitaria no Brasil, considerando tambem suas principaiscaracteristicas e seus desafios politico-pedag6gicos.

    1.1. 0 contexto brasileiroo regime militar deixou muitas marc as na educacao brasileira,

    especialmente atraves das leis 5540/68 e 5692/71, que modificam 0sistema de ensino nos tres niveis: fundamental, medio e superior. Em

    1 E importante notar que a escola politecnica e a escola unitaria vern sendo apresentadasno Brasil a partir dos anos 80, muitas vezes como se fossem identicas.

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    relacao ao ensino med io, a Lei 5692/71 teve uma importanciaparticular, porque transformava, obrigatoriamente, todo 0entao ensinode 2 grau em escolas profissionalizantes, ate a reforma da Lei 7044/82, que acabou com essa obrigatoriedade. A partir de entao, 0ensinoprofissionalizante passou a ser oferecido majoritariamente em escolasespecialmente voltadas para 0 aprendizado de uma profissaoespecifica.

    No contexto produtivo, predominava a base tecnol6gica eorganizacional taylorista-fordista, e, a partir dos anos 80, ja comeca aocorrer urn processo de conversao tecnol6gica em alguns setores deempresas multinacionais instaladas no pais, adotando tecnologiasjaponesas. E importante acrescentar que, nos paises maisdesenvolvidos, 0 taylorismo-fordismo foi marc ado por urn forteinvestimento na area social par parte dos Estados, 0que garantiu umacerta estabilidade social e, principalmente, garantiu amplamente aeducacao basica das criancas e dos jovens. No Brasil, nao observamoso mesmo fenomeno.

    Segundo Ferreira, 0 taylorismo foi urn tipo de organizacao detrabalho que

    se adaptou a um a matriz tecnol6gica jt i constituida a partir dadivisiio da mecanizaciio, niio obstante seja verdade que aaplicaciio da Igerencia cientifica' tenha propiciado certarenouacdo do instrum ental de trabalho entiio utilizado e m elhoradequ.acao desses instrumentos ao processo de trabalhoIta ylo riza do , (h d uma seleciio , u nifo rm iza ca o e a perfeico amen todos m eios de trabalho. (Ferreira, 1984: 754)

    o taylorismo pode ser definido como urn processo de trabalhobaseado no pleno dominio sobre os tempos da producao e dosmovimentos dos operarios, atraves da base tecnol6gica, com fortereducao do grau de autonomia dos trabalhadores ligados diretamenteao processo produtivo.

    [a 0fordismo, segundo Ferreira, representa tanto uma extensaoquanta uma superacao do taylorismo:

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    Suas inooacoes em relacao ao taylorismo podem ser resumidas- grosso modo - em dais aspectos principais: a inirodudio deuma linha de montagem (e ai seriio consideradas as mudancasao nivel do processo de trabalho) e a aparecimento de algunselementos de uma nova politica de gestao da FP (noiadamenie,uma nova politica de salaries), (Ferreira, 1984: 755)

    A linha de montagem representou a mecanizacao da circulacaodos objetos e dos meios de trabalho no processo produtivo, adquirindomaior integracao dos segmentos e reducao do deslocamento dostrabalhadores. 0 resultado foi uma maior fixacao dos trabalhadoresnos postos de trabalho, significando urn aperfeicoamento do controledos tempos e movimentos, reduzindo a porosidade da jornada detrabalho. Ferreira acrescenta que tais mudancas "acentuam 0 caraterfragmentado, repetitivo e mon6tono do trabalho, ja herdado dotaylorismo". Era ainda uma producao baseada na padronizacao tantodas pecas quanto do produto finaL Essas mudancas representaramurn elevado aumento do rendimento do trabalho e uma queda novalor unitario da pe

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    lim ites colocados pelos im perativos de rentabilizacdo im ediatado capita l privado. (1984: 757)

    Essa tensao s6 poderia ser resolvida no ambito do Estado, namedid a em que estende sua politica em beneficio da forca de trabalho,como a previdencia social, particularmente apos a crise de 1930. Eacrescenta:

    Essa mesma quesido pode ser vista tambem sob a M ica dascondicoes de acum ulaciio do capital; desse prism a, a form acaode urn novo padriio de consumo operario aparece como umanecessidade para com patibilizar as condicoes de realizacdo docapital (ou, em outros iermos, a demanda efetiva) com as novascondicoes de producdo de massa de mais-oalia (advindas dastransformacoes verificadas no processo de trabalho). Essacampa tibil izaciio en tre produciio e realizaciio do capi taluiabilizard os regim es de acum ulacdo sobre um a base intensioa,haven do consolidaciio e prosperidade dos mesmosprincipalmente no pes-guerra enos paises centrais do sistemacapialista. (Ferreira, 1984: 757)

    De fato, uma das conquistas rna is importantes para ostrabalhadores naquele periodo de consolidacao da base taylorista-fordista de producao foi 0 Estado de Bem-Estar Social. 0 tipo detrabalhador demandado pelo processo produtivo taylorista-fordistaera 0operario desqualificado, ou seja, urn trabalhador com muitaresistencia ftsica e psicol6gica, pouca criatividade e muita submissao,que conseguisse tolerar urn ritmo de trabalho muitas vezes estressante.A escolaridade exigida era minima. A gerencia, por sua vez, eracomposta por profissionais com alto nivel de escolaridade e com altodominio tecnico-burocratico, capaz de criar e desenvolver novastecnologias voltadas para a producao, sendo considerados, portanto,altamente qualificados.

    Nesse sentido, e possivel afirmar que 0 taylorismo e emparticular 0 fordismo, representaram uma mudanca substancial naoso nos padroes de producao como no modo de vida dos individuos.Como bern destaca Clark:

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    Com a generalizaciio dos m etodos de producdo fordistas, outrosfabricantes logo entraram no m ercado de m assa, oferecendo aosconsum idores da classe media um leque de opcoes que ate eniiios6 estava disponivel para os ultra-ricas. (Clark, 1991: 134)

    o taylorismo-fordismo tambern apresentou algumasconsequencias importantes para a organizacao dos trabalhadores.Consolidou 0processo de subsuncao real do trabalho ao capital, comoMarx havia apontado, e, ao mesmo tempo, por necessitar de umgrande contingente de trabalhadores diretamente inserido no processoprodutivo e em conglomerados industriais, propiciou a uniao dosoperarios e favoreceu os movimentos sindicais. Nos paises maisdesenvolvidos, essa tendencia fortaleceu-se com as politicas do WelfareState, as quais promoveram inumeras conquistas sociais. No Brasil,essas conquistas ficaram restritas a alguns segmentos mais organizadose fortes dos trabalhadores. Nao chegaram, portanto, aconsubstanciarem-se em uma politica geral de bem-estar social, apesarde representar alguns avances.

    Segundo Mattoso (1995), 0 Brasil entra tardiamente nessaSegunda Revolucao Industrial em relacao aos paises desenvolvidos,em consequencia de uma politica de substituicao de importacoesadotada por Getulio Vargas. E a partir do pas-guerra 0pais implantauma economia urbana e industrial propria da producao industrialtaylorista-fordista.

    Com 0 Plano de M etas e a indusirializadio substitutiva foramim plantadas as indus trias pesadas, de bens duraoeis etc. tendopor base um vigoroso tripe formado pelas imp res asiransnacionais, estatais e privadas nacionais que com pleiard aindusirializacdo com autodeierm inadio do capital atraues doseu nucleo central: a industria pesada. (Mattoso, 1995: 123)

    A economia brasileira se diversifica e se torna complexa,gerando transformacoes na estrutura social e no mercado de trabalho,fortalecendo a classe operaria e os segmentos da classe media. Aomesmo tempo, surgem as desigualdades regionais e 0aumento dapobreza, em decorrencia dos baixos salaries.

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    Durante a decad a de 80 cresce 0 fortalecimento dostrabalhadores e dos sindicatos no pais, ao mesmo tempo em quecomecam a aparecer alguns sinais de crise nesse modo de producao.Ainda assim, permanece 0padrao dominante, com a introducao aindainsignificante de producao baseada nas tecnicas japonesas, jalargamente implantadas nos paises mais desenvolvidos desde a decadade 70. Segundo Mattoso, esse dado e importante para a compreensaoda /I dina mica aparentemente contradit6ria da economia, do mercadode trabalho e dos sindicatos no periodo" (137). No nos so entender,traduz tambem a enfase da discussao sobre a educacao politecnica esua critica ao tipo de educacao profissionalizante voltada para atenderas caracteristicas do trabalho desqualificado da producao taylorista-fordista.

    Ainda nos anos 80, nosso PIB foi 0 de maior crescimento daAmerica Latina e apresentou 0maior supertioit comercial atraves doincremento das exportacoes. 0mercado de trabalho variou de acordocom as flutuacoes da atividade produtiva e nao pela introducao denovas tecnologias, ao mesmo tempo em que 0 trabalhador sofre umaprogressiva perda de seu poder de compra em decorrencia dos baixossalaries, acentuando a desigualdade social. Esse quadro socio-economico, favoreceu seu fortalecimento politico, como mostraMattoso.

    Quanto a organizaciio dos trabalhadores, a consolidaciio domovim en to d e amp lia ciio d emocra iica inicia do n a d eca da an terio rem meio a uma relativa preservada da estrutura produtivaperm itiu que (. .. ) 0 movim en to sin dica l b ra sileiro a ssumisse no vadimensdo, reconquistando direiios, organizando centraissindicais, lutando contra a estrutura e a legalidade repress ivaoficial, elevando os nioeis de eindicalizaciio, fortalecendo suasorganizaciies de base, am pliando 0 esp aco p ara n ego cia ciiesco letiva s e co nq uistan do amp lo reco nh ecim en to so cia l. (Mattoso,1995: 138)

    Esse fortalecimento politico dos trabalhadores nos anos 80repercutiu numa forte pressao pela democratizacao do pais e na luta

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    pela ampliacao dos direitos sociais minimos. Mas, mesmo considerandoalguns avances alcancados por certos setores e regi6es brasileiras, 0quadro social se agrava com a precaria implantacao do Welfa re S ta teno pais, comprometendo 0 crescimento da melhoria da qualidade devida da populacao e da qualidade da educacao publica.

    Segundo Aureliano e Draibe (1989), ha varias categorias dewelfa re sta te, mas, basicamente, pode ser caracterizado pelo forteinvestimento do Estado nas seguintes areas socia is: saude, educacao,alimentacao e habitacao, asseguradas como urn dire ito e nao comoassistencia, Esses itens tendem a ser alterados de pais para pais,podendo inclusive incorporar a previdencia social e programas derend a minima e salario-desemprego, entre outros. As autoras apontamalgumas caracteristicas do Welfare State brasileiro a partir de 1964,destacando:

    1. extrema centralizacao politica e finance ira no nivel federal dasacoes sociais do Governo;

    2. excessiva fragmentacao institucional, corn excessiva burocracia,ausencia de mecanismos publicos de controle e superposicao deprogramas e clientelas;

    3. exclusao da participacao social e politica da populacao nosprocessos de decisao, demonstrando seu carater autoritario:4.0 principio da privatizacao, que significa que 0 usuario deve

    pagar pelo que recebe, abrindo espa

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    welfare, por importante que seja, e iiio somente complementara s instituicoes econiimicas. (Aureliano e Draibe, 1989: 114)

    Esse projeto politico relega urn papel secundario a acao socialdo governo, voltando-se apenas aos que nao conseguem atender suasnecessidades atraves do mercado, configurando-se, portanto, urnprojeto "conservador" de progresso social, assentado em urn quadrode miseria absoluta por uma grande parcela da populacao, fenomenoque nao ocorreu nos paises desenvolvidos. Este e 0 saldo do regimemilitar para a Nova Republica, que assume comprometendo-se asolucionar essa /I divida social", agravada pelos elevados indices dedesemprego.

    A Nova Republica busca cumprir 0 prometido atraves dePIanos de Emergencia, cujos alvos sao a fome, 0 desemprego e amiseria. Fruto do processo democratico, a sociedade reivindica que aspropostas de politica social deveriam conter criterios socialmente maisjustos. Assim, foram incorporados ao discurso oficial alguns temas,tais como: a descentralizacao, traduzida como municipalizacao eprivatizacao, com a participacao popular nas decisoes, na implantacaoe no controle das politicas. Nesse periodo surgiram tambem as praticasde desinstitucionalizacao, pela distribuicao de cupons e vales, emconvenio direto com a iniciativa privada.

    Segundo Aureliano e Draibe, a Nova Republica confere urnpeso relevante aos problemas sociais, com urn estatuto de politica social,como urn direito a cidadania, principalmente apos a instalacao daAssembleia Nacional Constituinte, que iniciou seus trabalhos em 1987,contribuindo para 0 avanco das conquistas sociais.

    A Assernbleia Nacional Constituinte marcou urn periodoimportante para a discussao e socializacao da tematica educacionale, especificamente para 0 debate em torno da Politecnia. Foi umatentativa de renovar a sociedade, eliminando os vestigios doautoritarismo militar e estender e consolidar direitos sociais, com aparticipacao de amplos setores organizados da sociedade.

    Com 0 processo de abertura politica, iniciado pelos militaresno final dos anos 70, e com 0 fortalecimento do movimento dostrabalhadores, havia todo urn clima politico e intelectual favoravel a

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    retomada das discussoes par autores socialistas sobre a tematica dopapel social e politico da educacao em geral e da educacao dostrabalhadores em particular, delineado por esse contexto. 0movimentodos trabalhadores tambem crescia em importancia politica no cenarionacional, culminando com a criacao do Partido dos Trabalhadores,em 1980.

    No inicio dessa decada, favorecida por tal quadro social epolitico, as propostas de educacao "politecnica" e de "escola unitaria"comecam a ser delineadas e apresentadas tearicamente. Conformeaponta 0 estudo de Rodrigues (1993), 0 conceito de politecnia nao enovo no Brasil. Atribui sua atual sistematizacao e divulgacao aDermeval Saviani e seus orientandos, principalmente GaudencioFrigotto, Lucilia Machado e Acacia Kiienzer. A origem da propostada Politecnia encontra-se em Owen, um socialista ut6pico, que maistarde Marx e Engels van apontar como um dos bons exemplos deeducacao para os trabalhadores da Inglaterra na segunda metade doSeculo XIX.

    A politecnia tem sido estudada atraves de Marx, e a escolaunitaria, atraves de Gramsci, ambas consolidadas pelos autores quemais influenciaram a tearia da educacao, dos anos 80 ate hoje.Segundo Rodrigues, ai estaria "0embriao fundamental do trabalhocomo principio educativo, que busca na estruturacao da sociedadeseus aportes basicos" (1992:32). 0 autor afirma ainda que 0 maisimportante nao e a concepcao de politecnia apresentada por Marx,mas as diversas "interpretacoes" e as suas "consequencias" para 0debate nacional.

    1.2. A contribuicao de Dermeval SavianiDermeval Saviani e urn autor muito discutido no pais nao

    somente por suas analises em torno da Politecnia. De fato, 0autor foio principal formulador de outra linha pedag6gica no Brasil conhecidacomo "A Pedagogia Critico-Social dos Conteudos" ou "PedagogiaHist6rico-Critica", que nao sera 0 objeto deste estudo.

    Suas contribuicoes tornaram mais claro 0papel politico e socialda educacao no nosso cenario educacional. Destacou, nesse sentido,

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    o papel politico da educacao e dos conhecimentos ai transmitidos.Por esse caminho, comeca a levantar pontos importantes da relacaoentre trabalho e educacao e a resgatar as propostas de Gramsci e Marx,como formas alternativas a formacao dos trabalhadores.

    Dermeval Saviani marcaria as discussoes na elaboracao daPolitecnia de forma decisiva. Em urn texto publica do em 1989,0 autordiscute a sua proposta de politecnia mais detalhadamente. Nessemomento e possivel perceber alguns eixos tematicos que, de maneirageral, estarao presentes nas obras de seus orientandos e que sao centraisna definicao do conceito no BrasiL Cabe notar que toda a discussaoem torno da Politecnia, para Saviani, se concentra no ensino de 2grau, como uma proposta altenativa a Lei 5692/71, que generalizavaa profissionalizacao do ensino. as principais eixos sao estes:

    1. A politecnia deriva da problematic a do trabalho, entendidocomo seu principio educativo geraL Assim define 0seu conceito detrabalho e de homem:

    Se e 0 trabalho que constitui a realidade hum ana, e se a formacaodo homem esid centrada no trabalho, isto e , no processo peloqual 0 hom em produz a sua exisiencia, e iambem 0 tra ba lho quedefine a existencia historica dos hom ens. Atraoes do trabalho 0homem vai produzindo as condiciies de sua existencia, e vaitransform ando a natureza e criando, portanto, a cultura, criandoo mundo humano. ( ... ) Conforme se modifica 0 modo deproducdo da existencia humana, portanto 0 modo como eletrabalha, produz-se a modificacao das formas pelas quais oshom ens existem . N esse sentido, e possivel detectar ao longo dahisioria diferentes modos de produciio da exisiencia humana,que pass a pelo modo comuniiario, ( .. .) e 0 modo de produciiocapitalista. (Saviani, 1989: 8-9)

    2. A impor tancia de a escola resgatar 0conhecimento,expropriado pelo processo produtivo capitalista, particularmente sobo processo produtivo taylorista-fordista.

    o "Taylorismo" desem penhou um papel im portante, f a que apartir do estudo do tempo e movimento, foi possivel detectar

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    quais eram as tarefas simples que cada trabalhador tinha quedesenvolver a J im de contribuir para a producdo de determinadosprodutos. Uma vez isso sistematizado, I E desenvolvido na form aparcelada, e 0 conhecimeno relativo ao conjunto passa a serpropriedade privada dos donas dos meios de producdo, au seusrepresent.antes, aqueles trabalhadores intelectuais querepresentam as donos dos processos produtivos. (Saviani,1989:14)

    3. Critica da divisao entre trabalho manual e intelectual naformacao escolar, fruto da divisao entre trabalho manual e intelectualno processo produtivo, no ensino de 2 grau.

    Trata-se de organizar sim, oficinas, quer dizer, processo detrabalho real, porque a politecnia supiie a articulaciio entre atrabalho manual e 0 intelectual. Isto sera organizado de modo aque se possibilite a asstmiladio niio apenas teo rica, mas iambemprdiica, dos principios cientificos que a aluno ja conheceu a partirdo primeiro grau, (. .. ) agora ele terd que compreende-los niioapenas no seu cardier teorico, m as tam bem no seu funcionam entoprdiico, numa compre~ nsiio ieorica e praiica desses principios.(Saviani, 1989:18)

    4. Os conhecimentos cientificos ~tecnologicos, base do processoprodutivo moderno, seriam tambem a base da escola fundamental esecundaria. Na escola elementar, atraves das ciencias da natureza eda sociedade; no segundo grau, na combinacao destas com 0processoprodutivo.

    A sociedade moderna, desenvolvida a partir do advento docapitalismo, e uma sociedade que revoluciona constantementeas tecnicas de producdo, que incorpora as conhecimentos como[orca produ tivas . E a sociedade que converte a Ciencia, que epoiincia espiriiual, em poiincia material atraoes da industria.(Saviani, 1989:9)

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    5. A definicao de uma identidade para 0 ensino de segundograu, que elimine a dualidade estrutural da sociedade capitalista queo divide em dois ramos: 0propedeutico, voltado para a elite dirigente,e 0 profissionalizante, voltado para a classe trabalhadora. Nas suaspalavras: "A nocao de politecnia se encaminha na direcao dasuperacao da dicotomia entre trabalho manual e intelectual, entreinstrucao profissional e instrucao geral" (Saviani, 1989:13)

    6. A politecnia, definida como uma multiplicidade de tecnicas,contrapoe-se a profissionalizacao estreita da Lei 5692/71, no que serefere ao ensino de 2 grau, que, apesar de romper (provisoriamente)com a dualidade estrutural, e baseado numa concepcao"monotecnica" do trabalho e no ensino profissionalizante.

    Politecnia, literaimenie, significaria muliiplas tecntcas,multiplicidade de tecnicas, e dai 0 risco de se entender esseconceito de politecnia com o a totalidade das diferentes iecnicasfragm entadas, autonom am ente consideradas. A proposta deprojissionalizadio do ensino de segundo grau da Lei 5692, deuma certa forma tendia a realizar urn inuentdrio das diferentesm odalidades de trabalho, das diferentes habilidades, com o a L eichama, ou das diferentes especialidades. A escola de segundograu teria a tarefa de form ar aqueles profissionais nas diferentesespecialidades requeridas pelo m ercado de trabalho. (Saviani,1989:16)

    E complementa:Ora, a nocdo de politecnia niio tern nada a ver com este tipo devisiio. A nociio de politecnia diz respeito ao dominic dosfundamentos cientificos das diferentes iecnicas que caracterizamo processo de trabalho produtivo moderno. D iz respeito aofundam entos das diferentes m odalidades de trabalho. Politecnia,nesse sentido, se baseia em determ inados principios,determ inados fundamentos e a formacao politecnica devegarantir 0 dom inic destes prinC pios, desses fundam entos.(Saviani, 1989:17)

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    o autor nao define suficientemente 0que seriam essas diferentesmodalidades de trabalho, mas acrescenta, que sao elas 0seu principio,o elemento fundamental da politecnia. 0 argumento principal contraa educacao profissionalizante, como esta na Lei em questao, seria 0seu carater de adestramento, ou seja, IIa profissionalizacao e entendidacomo um adestramento em uma determinada habilidade sem 0conhecimento dos fundamentos dessa habilidade e, menos ainda, daarticulacao dessa habilidade com 0 conjunto do processo produtivo"(1988: 09). Tambem aqui, a afirmacao e um pouco vaga, nao trazindicadores dessa falta de fundamentos e de articulacao.

    Outra critica a essa concepcao de profissionalizacao contidanessa Lei diz respeito a um tipo de formacao de trabalhadores,meramente para a executacao de algumas tarefas: "forrna-setrabalhadores para executar com eficiencia determinadas tarefasrequeridas pelo mercado de trabalho" (1989:14). No seu entender, 0modelo proposto pela Lei 5692 sobre 0ensino profissionalizante formao trabalhador para executar tarefas de acordo com 0 mercado detrabalho, 0 que nao seria 0 ideal para a formacao dos trabalhadores.

    7. Estabelecimento de um vinculo mais direto do entao 2 grau,com 0 trabalho.No segundo grau a reladi entre educaciio e trabalho, entreconhecim ento e a atividade prdiica deoerd ser tratada de m aneiraexplicita e direia. 0 saber tem uma auionomia relativa emrelaciio ao processo de trabalho do qual se origina. 0papelfundamental da escolu de segundo grau sera, eniiio, 0 derecuperar essa reladio entre 0 conhecimento e a praiica dotrabalho. (Saviani, 1988:09)

    Como exemplo de como a atividade pratica do trabalho podecontribuir para demonstrar a relacao entre trabalho e ciencia nasoficinas escolares, cita a transformacao da madeira e do metal pelotrabalho humano, pois IIenvolve nao apenas a producao da maio riados objetos que compoe 0processo produtivo, mas tambem a producaode instrumentos com os quais esses objetos sao construidos". (1988:09)130

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    do trabalho taylorista-fordista dentro da escola, como formartrabalhadores mais qualificados, apesar de 0mercado exigirtrabalhadores desqualificados. Essa proposta sugere tambern apossibilidade de eliminar, na estrutura do sistema escolar, a divisaosocial de classes, a dualidade fundamental entre formacao geral eformacao profissionalizante. Ao mesmo tempo, a escola deveincorporar os aspectos positives. como 0avanco tecno16gico.

    Portanto, a politecnia para 0ensino medio deveria buscar a"unidade indissoluvel" entre trabalho manual e intelectual, entendidacomo a unidade entre conhecimento te6rico e pratico, ou seja, naspalavras do autor, todo "trabalho humano envolve a concomitanciado exercicio dos membros, das maos, e do exercicio mental, intelectual.Isso esta na pr6pria origem do entendimento da realidade humana,enquanto constituida pelo trabalho". Deve ainda ser uma propostaque ofereca uma visao globalizante e multipla dos principios cientificose tecnicos do processo produtivo, que una as dimensoes te6ricas epraticas, Em sintese, 0 trabalho deve estar presente na escola pelaciencia e pela tecnologia.

    Assim, 0 trabalho permanece 0 principio educativo daeducacao e da escola unitaria, que conjuga a formacao intelectual e aorientacao para 0trabalho, ele mesmo, cada vez mais intelectualizado.Ressalta ainda que 0 desenvolvimento industrial evidencia cada vezmais 0 carater ultrapassado da educacao brasileira, cuja resistenciaem modernizar a educacao se encontra no pr6prio goveno federal.

    A partir do final dos anos 80, os orientandos de Savianicomecam a ter maior projecao nacional, e suas concepcoes a respeitode politecnia comecam a ser mais difundidas, mesmo que a marca doorientador nao desapareca completamente.

    1.3. Politecnia: a dificil busca da hegemoniaNo debate gerado pela Assembleia Nacional Constituinte, as

    leis formuladas no regime militar foram alvo de intensos e sistematicosquestionamentos, servindo posteriormente, de subsidios para umaproposta alternativa bem como para uma serie de crtticas a Lei de

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    Diretrizes e Bases da Educacao Nacional em formulacao. Como vimos,esse contexto favoreceu sobremaneira a introducao da tematica daescola "politecnica-unitaria".

    Os conceitos de politecnia e de trabalho como principioeducativo passaram a ser avaliados dentro de suas "possibilidades elimites". 0grupo que assumiu e formulou a proposta estava decididoa transforma-la em lei nacional. Foi urn momento importante pois,das duvidas, foram surgindo as tentativas de dar-lhe urn perfil maisnitido. As palavras de Maria Laura Barbosa Franco representam 0espirito da epoca.

    Apesar das m archas e contram archas dessa Assem bleia e, apesardos m ecanism os conciliat6rios de que se valeu para respondera os in teresses d e d iferen tes segmen to s so cia is - 0 que nem sem preveio a o en co ntro d as ex pecta tiva s d os ed uca do res comp rometid oscom os in teresses d os g ru po s so cia is majo riid rio s - co nsid eramo simportante continuar na luta e aproveitar as brechas departicipacdo que estiio se abrindo para a com unidade academ icae para as entidades representativas de professores e alunos.(Franco, 1989:30)

    A preocupacao girava em torno dos avances que poderiam serfeitos em relacao a Lei 5692/71. Assim, como nos mostra Rodrigues,na primeira versao do anteprojeto da LDB, de 1988, do DeputadoOctavio Elisio (PSDB/MG), a politecnia aparece, no artigo 35, comuma definicao mais proxima a concepcao de Saviani: "formacaopo l itecrrica necessaria a cornpreensao teo rica e pratica dosfundamentos cientificos das multiplas tecnicas utilizadas no processoprodutivo" (apud Rodrigues, 1993: 35).

    No texto aprovado na Comissao de Educacao, Cultura eDesporto, de junho de 1990, do relator Deputado Federal (PSDB/BA) Jorge Hage, aparece no Capitulo X, que tratava do Ensino Medio,no Art. 53, a seguinte redacao:

    Assegurada aos alunos a integridade da educadio bdsica, queassocia a educadio mais geral, nesta etapa, as bases de uma

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    educadio tecnol6gica e poliiecnu:a, conform e disposto no artigo51, a ensino media poderd, mediante ampliacdo da sua duraciioe carga hordria global, incluir objetivos adtcionais de educacdoprofissional. (1990:11)

    o referido artigo 51 trata dos objetivos especificos do ensinomedic, da seguinte forma:

    I - a aprofundamento e a consolidaciio dos conhecimentosadquiridos no ensino fundamental;II - a preparacdo basica do educando para continuar aprendendo,de modo a ser capaz de se adaptar com fiexibilidade, a novascondicoes de ocupaciio e aperfeicoamento posterior;III - a desenvolvim ento da capacidade de pensam ento auiiinomoe cria tioo;IV - a com preensdo dos fundam entos cientifico-tecnologicos dosprocessos produtivos, relacionando a teoria com a prdtica, noensino de cada disciplina cientifica. (1990:11)

    A versao de Jorge Hage, mesmo nao trazendo taoexplicitamente a concepcao de educacao politecnica desejada, mantemo termo no projeto de lei, trazendo alguns pontos complementares aoartigo 51. 0 conceito de politecnia nao entrou no Capitulo XI quetrata sobre a Formacao Tecnico-Profissional, permanecendo no deformacao geral. A partir dai, 0debate se aqueceu significativamente.Em uma coletanea de publicacoes sobre a politecnia, organizada pelaSecretaria Nacional de Educacao Basica, os Cadernos SENEB n" 5, de1991, os pr6prios deputados colocam algumas duvidas e criticas arespeito da concepcao,

    Hd um certo preconceito com reladio a questiio d a politecnia .F req iien temenie se associam a quesido da politecnia, de um lado,as experiencias educacionais anteriores, como a questdo dogindsio orientado para a trabalho e do PREMEN. A rejeidio daproposta da politecnia esid associada a estas duas experiencias.De outro lado, iui uma re sistenc ia a questiio da politecnia par

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    parte das escolas tecnicas. Ai se organiz a um lobbyexiremamenie jorte, em que as escolas iecnicas se achamefetiuam enie elim inadas do quadro educacional brasileiro pelojato de 0 Projeto de Lei de D iretrizes e Bases assum ir 0compromisso com 0 ensino de 2 Grau poliiecnico. (Elisio,1991:30)

    Outra critica apontada pelo Deputado considera a propostaextremamente centrada na tecnica, desconsiderando seu caraterpolitico-ideologico. Menciona, ainda, entre outros problemas, 0conflitomotivado pelo consorcio da formacao geral e da formacao profissionaLA identidade da politecnia, que pregava a juncao do ensinoprofissionalizante e propedeutico, acabava tendendo para a formacaogeraL oDeputado Jorge Hage, por sua vez. pondera:."seguramenteo mais complexo, 0menos amadurecido, ou 0 que requer urn debatetalvez mais profundo de todos quantos sejam os temas polemicos sobreos quais nos temos nos debrucado na Comissao e nos debates extra-comissao" (Hage, 1991:44). Ressalta a importancia de manter asintonia entre a escola e a realidade e as possibilidades de transformara realidade a partir da escola.

    Outros comentarios importantes foram feitos pelo Professorda UNICAMp, Jose Luis Sanfelice. Eis suas indagacoes:

    Por que a politecnia iera que ser um nivel de ensino e niio umsistema nacional de educacdo? Na busca de sua auiodefinicdopoliiecnica, 0 ensino m edia niio se descaracterizaria no am bitodo sistem a nacional de educadio? E, por outro lado, ao se definirc omo poliie cn ic o, 0 ensino medic niio es taria pretendendocaracterizar este sistema nacional de educacdo? (Sanfelice,1991:68/69)

    Considera a possibilidade de 0conceito de politecnia nao estarplenamente entendido e de restringir essa concepcao ao 2 grau,porido-se em risco a visao de conjunto do Sistema Nacional deEducacao,

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    Sem duv ida, muitas dessas qu estoes apresentaram-sepertinentes e geraram respostas de seus principais formuladores, queainda estavam no processo de assimilacao e reelaboracao dessascriticas, sendo interpelados por uma nova discussao, a polemica entrepolitecnia e polivalencia, decorrente do debate em torno da crescenteimplantacao da organizacao japonesa do trabalho na producao.

    Nos ultimos anos da decada de 80, precipita-se urn periodo deestagnacao da economia, desencadeando a suspensao do pagamentoda divida externa, a morat6ria. Esse novo momenta de crise promoveo inicio das politicas neoliberais no Brasil e 0 debate em torno dastransformacoes da base tecnica e organizacional da producao atravesda introducao das experiencias japonesas, ja espalhadas pelos paisesdesenvolvidos e outros paises da America Latina, tais como 0Mexicoe 0 Chile. Esse periodo demarca 0 fim da Nova Republica, quealimentou 0sonho de democracia, de justica social do povo brasileiro,mas na verdade representou apenas urn interregna, necessario antesdas novas investidas extremamente conservadoras e autoritarias.

    As eleicoes diretas levaram Fernado Collar, 0 candidato daselites, ao poder. Com ele entramos na era da "Globalizacao", daproducao flexivel, da desregulamentacao da economia e das leistrabalhistas e sociais da decada de 80. A Carta de 1988, que mal haviasido aprovada, ja estava "ultrapassada", segundo os novos dirigentespoliticos e economicos, Com a nova fase politica, sao fechados todosos canais de intelocucao social: a Constituicao de 1988 e ignorada ecom ela e dada por encerrada a participacao social e, com ela ainda,a discussao em torno da "politecnia-escola unitaria", numa esfera maisampla que a do meio educacional.

    Com Fernando Henrique Cardoso, sucessor de Collor,ingress amos, final mente na "modernidade". Crescem em importanciaoutras refer encias, tais como a competitividade no mercadointernacional e nacional, as privatizacoes, 0 enfraquecimento dossindicatos e os movimentos trabalhistas e 0desemprego. Essas novasmudancas trouxeram novos elementos contextuais para a discussaoda relacao entre trabalho e educacao no Brasil, que ate entaopermanecia basicamente discutindo 0 conceito de trabalhodesqualificado do taylorismo-fordismo e de urn Estado acenando para

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    a valorizacao da area social. No quadro internacional, onde osprincipais paises desenvolvidos, Inglaterra e Estados Unidos, desde1979 ja adotavam politicas neoliberais, outros paises eram"influenciados" a adotar as mesmas propostas.

    A "politecnia-escola unitaria" consolidou-se inicialmentecentrando suas criticas no perfil de trabalhador requerido pelascaracteristicas da producao taylorista-fordista, tradicionalmenteconhecida por exigir urn treinamento restrito a tarefas repetitivas elimitadas a operacoes especificas, pois tal forma de organizacao dotrabalho em geral nao exige do trabalhador mais que esforco fisico nodesempenho de atividades, fatigantes e mon6tonas. Tambem criticavaos cursos tecnicos profissionalizantes por oferecerem uma"profissionalizacao estreita" e monotecnica, voltada para a producaotaylorista-fordista.

    Os diferentes postos de trabalho presentes na hierarquia daempresa tendem a enfatizar as funcoes especializadas, numa estruturasocial e tecnica rigida. E urn processo produtivo extrema mentedesqualificador e embrutecedor. Portanto, nada havia de novo ate aeleicao de Collor, que cedeu as press6es internacionais e abriu asfronteiras nacionais para 0 mercado globalizado, em condicoesabsolutamente desiguais, como nao poderia deixar de ser, dada aposicao periferica do pais nas relacoes internacionais.

    A d iscussao a respeito do trabalhador polivalente veioacompanhada pelas discuss6es em torno da producao flexivel, estaultima identificada com a organizacao e as tecnicas do trabalhojapones. A nova forma de producao representaria a superacao dascaracteristicas rigidas, limitadas e desqualificadas da forca de trabalhotaylorista-fordista e a possibilidade de transformar postos de trabalhodesqualificados em rnais qualificados, colocando, pelo discurso docapital, a escola nova mente em evidencia.

    A polivalencia e discutida na educacao pela primeira vez porVanilda Paiva (1989), quando a autora fez uma avaliacao de algunsdos principais autores internacionais a respeito da qualificacaoprofissional e do processo produtivo. A polivalencia retorna nocontexto das mudancas tecnol6gicas introduzidas no processo detrabalho industrial com a organizacao japonesa de producao, A autoradiscute a questao da seguinte forma:

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    Com a desenvolvim ento da m aquinaria iam bem a trabalhadorn ecessita ria d e maio r comp eien cia tecnica , a u seja , a m ecan izacd oexigi ria a eleoaciio de sua qualificaca media. A auiomaciioprovocaria a dim inuiciio do numero de trabalhadores epromoveria sua reclassificacao qualitativa ao criar novospastas de trabalho e novas tarefas. Aumentando as tarefas demanuienciio e oigildncia estariamos diante da exigencia depoliualencia do trabalhador. As transformaciies em cursoprovocavam a deslocamento de pessoal, especialmente entrea qu ele lig ad o i t criaciio, estudo e preparacdo cujas tarefas seap6iam em conhecim entos cientificos e iecnicos. (Paiva, 1989:7)

    Isso oferece fortes indicadores de que 0 desenvolvimentotecnol6gico nao elimina completamente 0saber operario, mas 0elitiza,pois 0numero de trabalhadores no chao-de-fabrics diminui, alem deaumentar 0 grau de escolaridade e de qualificacao. A autora mostraque nos paises desenvolvidos, como a Alemanha, chegou-se a afirmarque a educacao profissionalizante nao seria menos necessaria do queja foi, uma vez que, seriam priorizados outros requisitos profissionais,tais como "flexibilidade, disciplina, autonomia, qualificacoes sociais"(1989:21), entre outras. Ou seja, habilidades nao necessariamentevoltadas para 0desempenho e conhecimento especificos de uma unicaprofissao ou ramo da atividade produtiva.

    Pode-se afirmar, portanto, que urn novo perfil de trabalhadore de processo produtivo vern sendo implantado, com caracteristicasdiferentes das introduzidas pelo taylorismo-fordismo. A escola mediadual, fundada na divisao entre ensino geral e pro fissional, estariaprestes a caducar, tendo que adapatar-se as necessidades do novomercado de trabalho, centrada, agora, em uma ampla formacao basic ae gera!, eliminando a necessidade de ensino profissionalizante e,portanto, eliminado a dualidade estrutural.

    A autora ressalta 0crescimento do setor terciario da producaoe a d iminuicao do sccundario. E acrescenta ainda a seguinteobservacao: IIpoliticamente po de ser ir6nico: em curto espa

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    {mica e a qualificacao geral, passarem as maos das empresas emparticular e do capital em geral" (1989:51).Nadya Araujo Castro (1992), posteriormente, pontua asprincipais caracteristicas dessa nova abordagem de organizacao daproducao, onde 0trabalhador desqualificado cederia lugar aquelecapacitado para 0desempenho de varias tarefas, sendo, portanto,mais qualificado do que 0trabalhador da producao taylorista-fordista:

    1. 0ruimero de trabalhadores manuais diminuiria em relacaoaos nao-manuais, tais como a consultoria, engenharia deproducao, programacao, projeto, desenho e marketing naindustria;

    2. a organizacao hierarquica seria superada pela necessidadede maior fluxo de infor macoes entre gerentes etrabalhadores, dado 0estreitamento dos vinculos entreplanejamento e execucao:

    3.0 controle de qualidade seria integrado ao processo produtivoatraves do pr6prio trabalhador buscando a qualidade total;

    4. a enfase recairia sobre 0trabalho em equipes, ressaltando aeficiencia e a confiabilidade grupal;

    5. haveria uma tendencia a urn crescimento da subcontratacaode trabalhadores, muito rnais como estrategia de controlesocial, desarticulacao da resistencia e estimulo a competicaoentre os operarios, oferecendo em troca, algumas benessesaos trabalhadores estaveis.

    A discussao tende a encaminhar-se a fim de propor umaformacao de carater geral, pois e a que mais se adequaria ao novotipo de trabalho, mais polivalente e flexivel, para os trabalhadores,portanto a mais adequada ao novo padrao produtivo que se anuncia.Esse novo perfil geral seria necessariamente 0melhor no atual estagiodo capitalismo avancado, aumentando as possibilidades de concorrercom sucesso no mercado internacional. Para os trabalhadoresrepresentaria a elevacao geral do seu patarnar de escolaridade.o resultado foi urn certo esvaziamento, sob as relacoes deproducao capitalista, das criticas ao trabalho que ajudaram a construira proposta de "politecnia-escola unitaria" e uma aproximacao, nosenso comum, de alguns de seus pontos com a nocao de qualificacao

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    defendida pelo capital, no seu estagio "globalizado", causando urncerto desconforto. Essa discussao foi tomando mais corpo, envolvendooutros profissionais que nao apenas os ligados a educacao, tais comosociologos, economistas e administradores. Essa nova discussaoparecia nublar a proposta da politecnia e do trabalho como principioeducativo, ou a escola unitaria, enquanto uma possibilidade radicalde critica e uma alternativa nova voltada para os trabalhadores eidentificada com a esquerda, tal como se autoproc1amava.

    Outro fato, dessa vez de nivel internacional, fragilizou asesquerdas no mundo todo. Trata-se do fim dos regimes socialistas doLeste Europeu e da Uniao Sovietica, Arepercussao deste epis6dio gerouuma crise entre os defensores do socialismo, provocando algumasdesistencias, tanto entre intelectuais dos mais diversos paises, quantoentre os brasileiros.

    A proposta de educacao politecnica, voltada para a formacaodos trabalhadores, tern toda a sua furidamentacao te6ricaconsiderando tambem a sociedade socialista. Sua base te6rica e suasanalises sao socialistas-comunistas. Sua categoria fundamental, 0trabalho, tern sido duramente atacada, apontada de ser incapaz deresponder aos novos acontecimentos sociais, econ6micos e culturaisdo novo momenta hist6rico.

    Seus mais importantes defensores brasileiros, Frigotto,Machado e Kuenzer, buscaram responder a esses pontos levantados.Urn dos argumentos em que se mostram unanimes e 0que apresentaa Politecnia como uma proposta que nao esta dirigida para 0mercadode trabalho, mas para a formacao do homem integral.

    Assim, sintetizando urn pensamento comum, para Machadoa politecnia:

    Pressupoe a plena expansiio do individuo humano e se ins eredentto de um projeto de desenvolvimento social de ampliacdodos processos de so cializa ca o, n iio se restrin gin do ao im ed iatismodo processo de trabalho. Ela. guarda relacao com aspotencialidades libertadoras do desenvolvimento das [orcasprodutivas assim como com a negaciio da negaciio destaspoten cia lid ad es p elo capita lismo. S e ela estd no horizonte h isto rico ,

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    o proprio capital enquanto um a contradi~ ao em processo Ii quedird, bem com o a capacidade de luta dos trabalhadores pela suaemancipadio. ,(Machado, 1992:21-22)

    o lado positivo dessas criticas foi a tentativa de esclarece-las.De fato, houve respostas sistematicas aos questionamentos levantados.Muitas delas presentes em artigos independentes e outras em trabalhosde pos-graduacao. 0 mais significative, no ultimo caso, e a dissertacaode mestrado de Rodrigues, que faz urn esforco concentrado deresponder a grande parte delas, atraves dos trabalhos de Machado,Frigotto", Kuenzer, Saviani e Arroyo, especialmente. Seu mer ito estaem prop or a Upolitecnia" como uma concepcao ainda em construcaono Brasil, e uma das maiores dificuldades encontradas atualmente e adiversidade de proposicoes que a ternatica vern gerando,fragmentando e dispersando 0seu entendimento.o atual carater heterogeneo da proposta foi gerado pelasduvidas que os primeiros autores nacionais provocaram, assim comopela maior visibilidade que 0 tema alcancou, aumentando 0 seuinteresse. De fato, muitos textos que contribuiram significativamentepara avancar a compreensao sobre a politecnia, nem sempre sepropuseram a discuti-la em particular.'

    Rodrigues afirma que a proposta de Saviani, ao situar apolitecnia no myel de 2 grau, haveria imputar a esse myel a "tarefade explicitar como 0 saber acumulado pela humanidade converte-seem forca produtiva atraves do processo de trabalho" (1992: 121), alemde promover a ruptura com a l6gica dual da estrutura do sistema deensino, como vimos, dividida entre educacao para os trabalhadores eeducacao para a elite dirigente. A escola politecnica devera ser unica,e complementa:

    o auto r n iio p re te nd e que a e sc ola s up er e c on ira du iie s e str utu ra isda sociedade burguesa, pretende sim que a politecnia aponte a

    3 Seu orientador.4 Como, por exemplo, Maria Alice Nogueira, Vanilda Paiva, entre outros.

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    direciio dessa superaciio a partir da realidade do trabalho. Istoe, Saviani propiie que a escola niio endosse essa separacdo postana sociedade, que niio tenha com o objetivo form ar um educandopara 0 trabalho manual e outro para 0 trabalho m ental.(Rodrigues, 1992: 122)

    E acrescenta que a intencao de Saviani nao e "adestrar 0trabalhador para a execucao de uma tarefa especifica", mas formar"multilateralmente" 0 ser humano: "envolvendo todos os angulos dapratica produtiva moderna", representada pela ciencia moderna.Percebe-se entao por que a proposta de politecnia defendida porSaviani no projeto de lei, tende para 0 ensino de formacao geral epara uma concepcao generica de tecnologia, ainda que nao elimine aformacao profissional.

    Nesse sentido, tanto no que se refere ao principio geral, quantoa assimilacao das bases cientificas e tecnol6gicas aplicadas ao processoprodutivo, ha uma certa unanimidade entre Saviani, Kuenzer,Machado e Frigotto. Em sua forma de operactonaliza-la, naodescartam incluir a formacao profissional, sugerindo que deve haveruma completa reformulacao nesse ramo do ensino. Em comum, todostern ainda 0 fato de que a politecnia deve oferecer umaprofissionalizacao distinta da especializacao estreita voltada para urnramo, identificada ao modelo taylorista-fordista de producao, queinspirou a proposta de ensino tecnico da Lei 5692.

    Rodrigues aponta que nao ha empecilhos quanta a extensaoda politecnia ao demais niveis de ensino, desde 0primario ao superior."Dadas as enormes tarefas que a educacao politecnica se poe e lucidoquestionar se seus objetivos nao extrapolam e muito urn determinadonivel de ensino ou mesmo 0 pr6prio sistema escolar" (1992: 134), 0que considera uma postura mais organica,

    1.4. Consideracoes finaisCabe ressaltar, que a "politecnia" nao e urn conceito

    completamente homogeneo entre seus principais formuladores no

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    Brasil, apesar de existirem indicadores de uma tentativa deaproximacao de alguns pontos, principalmente no final da decada de80 e inicio dos anos 90, quando 0debate se acirra e se amplia. Osautores, por outro lado, tendem a aproximar significativamente suasconcepcoes sobre a politecnia nos principais aspectos levantados ateaqui.

    Uma caracteristica importante do debate em tomo da politecniapromovido por estes autores e 0fato de ignorarem ou desconsideraremcompletamente as escolas e institutos politecnicos existentes no pais,tais como a da VSP, a da Bahia etc. De fato, escolas politecnicas jaexistem no Brasil ha alguns anos e e dificil entender par que faramexcluidas das analises. Este problema esta presente tambem no que serefere a todas escolas tecnicas e profissionalizantes, uma vez que saotratadas genericamente a partir da lei 5692, ignorando suasespecificidades, como e 0 caso das Escolas Tecnicas Federais, que sedestacam positivamente no cenario nacional.

    Outro problema que pode ser considerado e 0fato de que estaproposta de Politecnia no Brasil pretende formar para 0 trabalho, massem avancar nas pesquisas envolvendo 0mercado de trabalho e a suarelacao com a educacao.

    Estes aspectos reforcam 0 carater abstrato da proposta, quealem de ter carencias de dados empiricos, tern problemas conceituaisque nao ajudam a uma compreensao adequada da questao,especialmente a associacao estabelecida entre escola unitaria epolitecnia cuja consequencia mais importante e a impossibilidade dedefinir coerentemente uma proposta curricular que traduza asintencoes dos autores. Talvez a falta de rigor conceitual seja 0problemacentral da proposta e a origem da polissemia criada em tomo do tema.Para os intelectuais que a formularam, com esperan~as de ve-laimplantada na politica educacional, talvez fique a reflexao de que arealidade tern seus proprios caminhos e nem sempre e suficiente quealguns intelectuais farmulem ideias interessantes, para que ela sejaimediatamente aceita. Aparentemente, tudo estaria resolvido, se assimo fosse.

    E importante anunciar 0surgimento de uma nova abordagemsobre a discussao da politecnia surgida no Brasil nos primeiros anos

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    da decada de 90. No Programa de Pos-Graduacao da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, formou-se uma nova linha de pesquisa, quebusca oferecer uma nova abordagem te6rica dos mesmos problemas,partindo da teoria da Escola de Frankfurt, de Habermas entre outrosautores, sob a coordenacao do Professor W. Market (1996).

    A politecnia perdeu urn pouco de expressao nacional com anova LDB 9394/96, que alem de ignorar completamente toda amobilizacao e 0 debate anterior em torno do tema, representa urnrecuo em termos de ensino profissionalizante no Brasil. Apesar disso,ha ainda muito a ser esclarecido, tanto com 0 auxilio de pesquisaste6ricas quanto com pesquisas de campo, para que a politecnia e aescola unitaria nao se transformem em mais uma moda passageira nomeio educacional. Certamente, no caso da politecnia, nao foi apenaso novo programa neoliberal que fez com que ela nao fosse amplamenteadotada. Sua falta de c1areza contribuiu para que caisse num certoostracismo. Se vale a pena traze-la de volta, depende do folego denovas pesquisas.

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