pioneiros de estudos epidemiolÓgicos na doenÇa...

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24 Boletim da SPHM Vol. 21 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2006 HISTÓRIA DA MEDICINA / MEDICAL HISTORY PIONEIROS DE ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS NA DOENÇA CARDIOVASCULAR J. Martins e Silva* APRESENTAÇÃO Esta nova secção, sem ordem cronológica pré-determinada, pretende des- tacar algumas personagens e factos que influenciaram o desenvolvimento da ciência médica. Sempre que possível, será incluída uma curta biografia das principais individualidades com fotografia e ilustrações alusivas, bem como extractos ou textos adequados. O primeiro tema, a ser apresentado neste número do Boletim da SPHM, abrange a vida e a obra dos grandes pioneiros da cardiologia preventiva do século XX, que estiveram na origem do “Seven Countries Study” e do “Fra- mingham Hearty Study”. O contributo de ambos os estudos foi decisivo na mudança para um estilo de vida mais saudável, e no combate aos efeitos da hipercolesterolemia e do consumo de gorduras saturadas como factores de risco cardiovascular e de todas as causas de mortalidade. Em artigo separado neste número do Boletim, o Dr. Henry Blackburn, um dos principais colaboradores de Ancel Keys no “Seven Countries Study”, por- menoriza alguns aspectos do conceito, programa e evolução daquele estudo. ANCEL KEYS E O “SEVEN COUNTRIES STUDY” professor da Universidade de Minne- sota, em 1936, a que pertenceu até se reformar em 1972. Ancel Keys tra- balhou desde a adolescência em di- versas actividades duras e fez parte da tripulação de um navio que fazia a rota da China. Ainda antes de ingres- sar como docente da Universidade de Minnesota, em 1935 liderou uma ex- pedição aos Andes para estudar os efeitos da altitude na fisiologia hu- mana. Apesar de não ser médico Ancel Keys deixou diversos importantes legados à medicina preventiva e à clínica da época, cuja influência per- Ancel Keys nasceu em 1904 em Colorado Springs e faleceu em 2004 na sua casa em Minneapolis, a dois meses de completar 101 anos. Ancel Keys foi um dos pioneiros do século XX da moderna epidemiologia da doença cardiovascular. Detentor de uma diversificada formação pela Uni- versidade da Califórnia em Berkeley (bacharelato em ciências económicas e políticas em 1925, mestrado em ciências biológicas em 1929, douto- ramento em oceanografia e biologia, em 1930) e pela Universidade de Cambridge (doutoramento em fisio- logia em 1938), ocupou o lugar de * Unidade de Biopatologia Vascular. Instituto de Medicina Molecular, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa.

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24 Boletim da SPHM Vol. 21 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2006

HISTÓRIA DA MEDICINA / MEDICAL HISTORY

PIONEIROS DE ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS

NA DOENÇA CARDIOVASCULARJ. Martins e Silva*

APRESENTAÇÃO

Esta nova secção, sem ordem cronológica pré-determinada, pretende des-tacar algumas personagens e factos que influenciaram o desenvolvimentoda ciência médica. Sempre que possível, será incluída uma curta biografiadas principais individualidades com fotografia e ilustrações alusivas, bemcomo extractos ou textos adequados.

O primeiro tema, a ser apresentado neste número do Boletim da SPHM,abrange a vida e a obra dos grandes pioneiros da cardiologia preventiva doséculo XX, que estiveram na origem do “Seven Countries Study” e do “Fra-mingham Hearty Study”. O contributo de ambos os estudos foi decisivo namudança para um estilo de vida mais saudável, e no combate aos efeitos dahipercolesterolemia e do consumo de gorduras saturadas como factores derisco cardiovascular e de todas as causas de mortalidade.

Em artigo separado neste número do Boletim, o Dr. Henry Blackburn, umdos principais colaboradores de Ancel Keys no “Seven Countries Study”, por-menoriza alguns aspectos do conceito, programa e evolução daquele estudo.

ANCEL KEYS E O “SEVEN COUNTRIES STUDY”

professor da Universidade de Minne-sota, em 1936, a que pertenceu até sereformar em 1972. Ancel Keys tra-balhou desde a adolescência em di-versas actividades duras e fez parteda tripulação de um navio que fazia arota da China. Ainda antes de ingres-sar como docente da Universidade deMinnesota, em 1935 liderou uma ex-pedição aos Andes para estudar osefeitos da altitude na fisiologia hu-mana.

Apesar de não ser médico AncelKeys deixou diversos importanteslegados à medicina preventiva e àclínica da época, cuja influência per-

Ancel Keys nasceu em 1904 emColorado Springs e faleceu em 2004na sua casa em Minneapolis, a doismeses de completar 101 anos. AncelKeys foi um dos pioneiros do séculoXX da moderna epidemiologia dadoença cardiovascular. Detentor deuma diversificada formação pela Uni-versidade da Califórnia em Berkeley(bacharelato em ciências económicase políticas em 1925, mestrado emciências biológicas em 1929, douto-ramento em oceanografia e biologia,em 1930) e pela Universidade deCambridge (doutoramento em fisio-logia em 1938), ocupou o lugar de

* Unidade de Biopatologia Vascular. Instituto de Medicina Molecular, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa.

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manece actual. Entre outras contri-buições relevantes, destacam-se asseguintes:

– Fundação da um laboratório parao estudo da composição e fun-ções do organismo humano (La-boratory of Physiological Hygie-ne). No início e durante algumtempo o laboratório esteve ins-talado sob as bancadas de umsector do estádio desportivo dacidade (Memorial Stadium, Gate27). Entre vários projectos, An-cel Keys deu particular atençãoao estudo da fisiologia do jejume da nutrição, em que participa-ram voluntariamente objectoresde consciência.

– Duas dietas – as famosas “raçõesde combate K” (de Keys) desen-volvidas naquele laboratório(utilizadas por milhões de solda-dos durante a 2.ª Guerra Mundi-al, e que também ganharam a

preferência como jantar de umaparte da população norte-ameri-cana) e a “dieta Mediterrânica”que mantém reconhecida actua-lidade.

– Estudo epidemiológico em setepaíses de três continentes, co-nhecido por “Seven CountryStudy”. Com este projecto, ini-ciado em 1958 (que engloboucerca de 12,000 homens de meiaidade residentes em Itália, Gré-cia, antiga Jugoslávia, Holanda,Finlândia, Japão e Estados Uni-dos) Keys pretendia demonstrara repercussão nociva de dietashiperlipídicas na saúde, em par-ticular no desencadeamento doenfarte do miocárdio. Deve-se--lhe o primeiro estudo prospec-tivo da cardiopatia isquémica,realizado durante dez anos (comexames clínicos e colheitas deamostras de sangue) em 283 ho-mens de negócios norte-ameri-canos, nos quais observou a as-sociação da hipercolesterolemia,tabagismo e hipertensão arterialcom uma elevada tendência paradiversas formas de doença car-diovascular,. O “Seven CountryStudies” confirmou a existênciade uma correlação directa muitosignificativa entre a cardiopatiaisquémica, a colesterolemia e oconsumo individual de gordurassaturadas. Foi ainda evidencia-do que dietas ricas em vegetais,fruta, massa, pão e azeite de oli-veira (que caracterizava a dietado “tipo Mediterrânica”, e po-bres em carne, ovos, manteigase produtos lácteos reduziam aocorrência de cardiopatia coro-nária, ao contrário do sucedidocom a dieta de “tipo Ocidental”.

Ancel Benjamin Keys (1904-2004)(Crédito fotográfico: Univ. Minn, School PublicHealth/ Dr. Henry Blackburn)

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THOMAS DAWBER, WILLIAM KANNELE O “FRAMINGHAM HEART STUDY”

Perante aquele facto, o U.S. Pu-blic Heart Service, através do re-cém-criado departamento NationalHeart Institute1, assumiu em 1948a responsabilidade do projecto“Framingham Heart Study”. Cons-tituia objectivo principal do estudoa identificação de um grupo popu-lacional suficientemente numeroso(que não tivesse desenvolvido àdata sintomatologia de doença car-diovascular declarada e sem ante-cedentes de eventos coronários ouacidentes vasculares), relacionan-do-os com principais factores e ca-racterísticas associadas à patologiacardiovascular durante um períodode tempo prolongado. Em 1949 oDr. Thomas Dawber, clínico do US

Figuras a) e b). Laboratory of Physiology Hygiene, School of Public Health, Univ. Minnesota.(a) Dr. Ancel Keys; (b) Estudo de um voluntário.Crédito fotográfico: Univ. Minn, School Public Health/ Dr. Henry Blackburn

a) b)

1 Em 1969 a designação de NHI foi alterada para National Heart and Lung Institue (NHLI), e, novamente em 1976 para a de National Heart, Lung , andBlood Institute (NHLBI), que ainda vigora. Actualmente, o NHLBI é um dos 27 Institutos de National Institutes of Health. O Framingham Health Study éum dos programas principais do NHLBI. A missão institucional do NHLBI passou a incluir não só a prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças docoração e vasos sanguíneos, como originalmente, mas também as funções pulmonares, sanguíneas e do sono, além de promover o fornecimento de sangueem qualidade e quantidade adequadas no País.

A meio do século XX pouco ounada se sabia sobre as causas geraisdo enfarte de miocárdio e do aciden-te vascular cerebral. Todavia, erabem conhecido e evidente o conti-nuado aumento da mortalidade pordoença cardiovascular nos EstadosUnidos, desde o princípio daqueleséculo. Durante e após a 2.ª GuerraMundial foi constatado que a mor-talidade por doença cardiovascularera não só a primeira causa de mortecomo ainda muito mais elevada nosEstados Unidos do que nos paíseseuropeus devastados pela guerra epelas privações alimentares subse-quentes, nos quais as doenças doforo cardiovascular haviam diminuí-do drasticamente.

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Public Health Service foi nomeadopara (primeiro) director do projec-to Framingham. O estudo, perspec-tivado para um prazo de vinte anos,seria o primeiro a abordar um pro-blema crónico de saúde. Pela suademografia estável e proximidadede centros hospitalares e universi-tários de Boston foi escolhida paralocal de realização do estudo a pe-quena cidade de Framingham (si-tuada a cerca de 30 Km a oeste deBoston no estado de Massachusetts,EU).

A primeira (e grande) dificulda-de que T. Dawber teve de ultrapas-sar foi a de convencer os habitan-tes de Framingham, que estivessemno estado de saúde pré-definidopara serem seleccionados, a parti-ciparem num estudo epidemioló-gico que se prolongaria por vinteanos e que, eventualmente, pode-ria não ter resultados conclusivosnem utilidade prática. Por esse mo-tivo, o primeiro ano do programafoi complicado. Porém, apesar darelutância inicial da maioria da po-pulação contactada, T. Dawber foibem sucedido ao conseguir recru-tar 5.209 residentes de ambos ossexos (2873 mulheres e 2336 ho-mens), com idades entre os 30 e 62

anos de idade. Estes participantes(original cohort) foram periodica-mente analisados de dois em doisanos, com exame clínico exausti-vo e um inquérito ao estilo de vidaque seguiam.

Cerca de 1960 já haviam sidoidentificados os principais factoresde risco (termo cunhado por T. Da-wber e restante equipa) das doen-ças cardiovasculares, com destaquepara o tabagismo, a pressão arterialelevada, a hipercolesterolemia, aobesidade, a diabetes e a inactivi-dade física. Passou a ser possívelafirmar que a “epidemia” de cardi-opatia isquémica resultava de esti-los de vida pouco saudáveis.

O Dr. Wiliam Kannel, que esta-va associado ao projecto desde1949, assumiu a sua direcção em1966. Dois anos depois, e no prazoprevisto, o NHI anunciou a conclu-são do estudo e a cessação do res-pectivo financiamento, com o argu-

Thomas Dawber. Em reunião de trabalho com umcolaborador do Framingham Heart Study. (Créditofotográfico: Framingham Heart Study/NHLBI – Dr.Daniel Levy)

William Kannel. Segundo director do FraminghamHeart Study, em observações clínicas relacionadascom o projecto. (Crédito fotográfico: FraminghamHeart Study/NHLBI – Dr. Daniel Levy)

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HISTÓRIA DA MEDICINA / MEDICAL HISTORY

mento de que a missão inicialmen-te definida havia sido cumprida enão haveria muito mais a acrescen-tar aos resultados obtidos. Esta de-cisão oficial originou uma forte mo-vimentação pública liderada por T.Dawber, com o apoio dos própriosparticipantes no estudo, que incluiuuma campanha de angariação defundos (que reuniu cerca de meiomilhão de dólares) e em que foitambém assegurado o apoio da Bos-ton University School of Medicine(onde T. Dawber era professor deepidemiologia e medicina preven-tiva) para o imediato realojamentodo secretariado de apoio ao estudo.Uma carta endereçada em 1969 aoPresidente Richard Nixon pelo fa-moso cardiologista Paul White teráinfluenciado, eventualmente, a de-cisão do NIH em reconsiderar a suaposição, restabelecendo o financia-mento que permitiu o recomeço doestudo Framingham em 1970, sobos auspícios daquela instituição e daUniversidade de Boston.

Na 2.ª fase do estudo (offspringcohort), iniciada em 1971, foram in-cluídos os descendentes do primei-ro grupo e respectivos cônjuges,num total de 5124 novos participan-tes, a serem examinados de quatroem quatro anos. A identificação dascaracterísticas familiares da doen-ça cardíaca constituiu o objectivoprincipal desta fase.

Quer na primeira quer na segun-da geração de participantes foi re-gistada uma taxa surpreendente-mente muito baixa de desistências(menos de 5% para a primeira e in-ferior a 3% para a segunda) tendoem atenção o que era habitual emestudos da mesma natureza e con-siderando que os participantes ti-

nham como vantagem única a dedispor de acompanhamento, examese diagnóstico clínico, com regula-ridade e sem encargos financeirospara os próprios. Aquele sucesso foiatribuído ao director Dawber peloenvolvimento pessoal que obtevejunto de líderes da comunidade ejunto dos participantes e familiares,bem como pela forma como treinouos médicos e restante pessoal doprograma.

Os primeiros responsáveis peloestudo Framingham, T. Dawber eW. Kannel, demonstraram atravésde múltiplas publicações a interre-lação dos factores de risco “tradi-cionais” com a incidência cardio-patia isquémica, acidente vascularcerebral, morte súbita e outras pa-tologias cardiovasculares. Nãoobstante aqueles resultados seremconclusivos, ambos lamentarampor diversas vezes a escassa moti-vação dos clínicos e, quanto à po-pulação em geral, a sua pouca ounenhuma mudança nos respectivosestilos de vida. Apesar daqueles as-pectos serem menos positivos, ad-mite-se que as recomendações doestudo Framingham (referidas emmais de 1400 artigos científicospublicados em quase 60 anos de in-vestigação, até ao presente), terãocontribuído para a acentuada redu-ção (cerca de 2/3) de eventos fa-tais por doença cardíaca, verifica-da em finais do século passado,comparativamente aos valores dadécada de 60 (Quadro 1).

O Framingham Heart Study foidirigido de 1979 a 1995 pelo Dr.William P. Castelli que anterior-mente (de 1965 a 1979) fora respon-sável pelo sector do laboratorial da-quele programa.

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Em 1995 o estudo Framinghampassou a ser liderado pelo seu actualdirector Dr. Daniel Levy2, cardiolo-gista, a cuja equipa já pertencia des-de 1984.

Em finais do século XX, admitia-se conhecer somente metade dos fac-tores de risco das doenças cardíacas.Em 1998, ano em que foi comemora-do o 50.º aniversário do inicio do es-tudo Framingham, que incluiu tam-bém uma homenagem do NHLBI àcomunidade, aos seus líderes e aosparticipantes do estudo, faziam-seplanos para uma 3.ª fase, em que aanálise epidemiológica incluísse aescala molecular, pela identificaçãodos genes eventualmente associadosaos diversos factores de risco e prin-cipais anomalias cardiovasculares.Por fim, em 2004 foi iniciado o recru-tamento da 3.ª geração de participan-tes (third generation cohort), concluí-

do a meio de 2005, num total de 4095indivíduos (netos dos membros do“original cohort).

O NHLBI anunciou em Feverei-ro de 2006 o começo do FraminghamGenetic Research Study, que incluia análise genómica em amostras co-lhidas de cerca de 9000 participan-tes das três gerações seleccionadas,tendo como objectivo identificar osgenes eventualmente associados aosprincipais factores de doença cardi-ovascular e de outras doenças cró-nica. Adicionalmente, faz parte doprograma agora aprovado peloNHLBI para esta 3.ª fase o aprofun-damento do projecto original, comrecurso a novas tecnologias de di-agnóstico, procedendo-se ainda à suaexpansão a outras áreas e doençascomuns (p.ex., demência, osteopo-rose, osteoartrite, doenças do órgãodos sentidos e pulmonares).

William Castelli. Terceiro director do FraminghamHeart Study. (Crédito fotográfico: Framingham HeartStudy/NHLBI – Dr. Daniel Levy)

Daniel Levy. Quarto e actual director doFramingham Heart Study. (Crédito fotográfico aopróprio)

2 Daniel Levy é autor principal, junto com Susan Brink, do livro “A Change of Heart: How the Framingham Heart Study Helped Unravel the Mysteries ofCardiovascular Disease”, New York: Alfred A. Knopf, 2005. O livro resume a história do estudo Framingham durante as suas quase seis décadas deduração, desde a concepção até aos principais resultados alcançados, envolvendo ainda episódios e aspectos pessoais mais marcantes, passados cominvestigadores, médicos, voluntários, membros da comunidade e outros responsáveis pelo desenvolvimento do programa.

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Logotipo comemorativo das três fases do Framingham Heart Study.(Crédito fotográfico: Framingham Heart Study/NHLBI – Dr. Daniel Levy)

Quadro 1 – Estudo Framingham – Principais etapas e identificação de factores de risco cardiovascular. Com base em “Framingham House Page” eJAMA 1998; 279:1241-1245. (Reprodução autorizada pelo FHS/NHLBI (Dr. Daniel Levy)

1948 – Início do Framingham Heart Study; recrutamento da “original cohort”

1959 – Identificados alguns factores potencialmente desencadeadores de cardiopatia.

1960 – O consumo de cigarros aumenta o risco de cardiopatia.

1961 – Níveis elevados de colesterolemia, da pressão arterial e a presença de anomalias electrocardiográ-ficas estão relacionados com o aumento de risco cardiovascular.

1967 – A prática do exercício físico reduz o risco cardiovascular.

1970 – A hipertensão arterial aumenta o risco de acidente vascular cerebral (AVC).

1971 – Início da 2.ª fase do estudo Framingham com a “offspring cohort”.

1976 – A menopausa aumenta o risco cardiovascular.

1978 – As cardiopatias são influenciadas por factores psicossociais.– A fibrilhação auricular aumenta o risco de AVC.

1981 – Os filtros de cigarros não conferem protecção contra a cardiopatia isquémica.– Relatório sobre a influência potencial da dieta na doença cardíaca.

1987 – A hipercolesterolemia correlaciona-se directamente com o risco de morte precoce do homem.– A hiperfibrinogenemia aumenta o risco cardiovascular.

1988 – Níveis elevados de HDL-colesterol reduzem o risco de morte.– A personalidade do tipo “A” associa-se a doença cardíaca.– A hipertensão sistólica aumenta o risco cardiovascular.– O consumo de cigarros aumenta o risco de AVC.

1990 – A homocisteina poderá ser um factor de risco cardiovascular.

1993 – O aumento moderado da pressão sistólica aumenta o risco cardiovascular.

1994 – A dilatação ventrícular esquerda aumenta o risco de AVC.O aumento da lipoproteína (a) poderá ser um factor de risco cardiovascular.O aumento da apolipoproteína E poderá ser um factor de risco cardiovascular.

1997 – Relatório sobre o efeito cumulativo do tabagismo e da hipercolesterolemia no risco da ateroscle-rose.

2002-2005 – Recrutamento e início da 3.ª fase do estudo Framingham.

2006-11-30 – Em 6 de Fevereiro o NHLBI dá inicio ao programa de determinação gnómica das doençascardiovasculares e outras doenças crónicas, em colaboração com a Boston University.

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HISTÓRIA DA MEDICINA / MEDICAL HISTORY

Natural de Duncan, Bristish Co-lumbia, veio em criança com os paispara Filadélfia, EUA.

Após a licenciatura em Medici-na por Harvard Medical School, em1937, ingressou no U.S. PublicHealth Service e, nos 12 anos se-guintes, prestou serviço na marinhanorte-americana, antes e durante a2.ª Guerra Mundial.

Nomeado em 1949 para primei-ro director do Framingham HeartStudy, desempenhou o cargo até1966, após o que ingressou na Bos-ton University Medical Centercomo professor e coordenador deepidemiologia e medicina preven-tiva. Em 1968 liderou um movi-mento cívico que pretendia impe-

dir a interrupção do estudo Framin-gham, o que foi conseguido.

Pela sua actividade profissio-nal e académica foi distinguidocom numerosas distinções e pro-posto por três vezes para o pré-mio Nobel.

Das informações colhidas de fa-miliares, amigos e colaboradores,conclui-se que T. Dawber cultiva-va um posicionamento modesto,tendo sempre recusado qualquer re-conhecimento pela grande obra querealizou.

Após reformar-se com 67 anos,fixou residência na Florida, numacasa virada para a baía, na qualpraticava a sua antiga paixão develejar.

Thomas Royle Dawber (1913-2005). Primeirodirector e fundador dos estudos epidemiológicosdo Framingham Heart Study. (Crédito fotográfico:Framingham Heart Study/NHLBI – Dr. DanielLevy)

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