pierre nora - entre memória e história

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PROJETO HISTORIA: RevistadoProgramadeEstudosP6s-GraduadosemHist6riaedo Departamento de Hist6ria da PUC-SP. (Pontificia Universidade Cat6lica de sao Paulo). sao Paulo, SP- Brasil, 1981.. . Publicayio semestrala partir de 1985. 1981-1985,0-4 1986.5,6 1987.7 1992.8.9 1993,10 ISSN0102-c442 " TRADUf;6ES , \ E NTR E MEMO RI A E H IS TOR IA III A p ro bl em at ic a d os l ug ar es Pierre Nora" T ra du ca o: Y ar a A un K h ou ry + s" \ 1. 0 jim do historia-memorla qgelera~da hist6ria. P ara alem da metafora, e precise ter a n~i1o do que a e xp re ss ao s ig nific a: u ma o sc ila ~o c ad a v ez mais rapida de urn passado d efm iti- v am en te m orto, a percepcao g lob al de qualquer co isa co mo d esap arecid a - uma r up tu ra d e e qu il ib ri o. 0 a rr an ca r d o q ue a in da s ob ro u d e v iv id o n o c al or d a t ra di yl lo , DO m u ti sm o d o c os tu m e, na r ep et iy ll o d o a n ce st ra l. sob 0 i m pu ls o de urn sentimento h is t6 ri co p ro fu n do . A a sc e ns ao Ii consciSncia de s i m e sm o s ob 0 signa do terminado, o fun de alguma coisa desde sempre comecada, F ala -se ta nto de mem6ria p orq ue e la n ao e xis te m ais , A c urio sid ad e p elo s lu ga re s o nd e 8 m em 6ria se cristaliza e se refu gia esti I ig ad a a e ste m om en to p ar tic ula r d a n os sa h is t6 ria . M om en to d e a rtic u1 a~ o onde a c on sc ie ne ia da ru ptu ra c om 0 passad o se con ftm de com 0 s en tim en to de u rn a m e m6 ri a e sf ac el ad a, mas onde 0 esfacelamento desperta ainda mem6ria s u fi c ie n te para que se possa colocar 0 p rob lem a de sua eocamacso. 0 sentimento de co n- t in u id a de t om a -s e r es id u al 80S locais. Ha lo ca is de mem6ria p orq ue 1140 M mais m ei os d e m e m6 ri a. P en se mo s n es sa m u ti la ~o s em r eto rn o q ue r ep re se nt ou 0 fim dos camponeses, e st a c ol et iv id a de -m e m 6r ia por excelereta cuja voga como objeto da hist6ria coincidiu co m 0 a po ge u d o c re sc im en to i nd us tr ia l. E ss e d es mo ro na me nt Q c en tr al de nossa In: LuIi.we d.mcmofNt. 1 La R < !p u bJ iq u c, P o ri " O a ll im a rd , 1 9 84 . p p . xvru. XUI. T r ad u 91 0 a u to l' iz a da p eJ o E di to r. 0 E di ti on s O all im ard 1 98 4. •• D ir cl or d e e st ud os n a " Ec ol e d e H a u tc s E tu de s e n S c ie nc es S o ci al es ". ' ' De pa rt am e nt o d e H i st or ia , P U C- S P. Proj. Hisl';ri ...SiloP~/o. II01. d.:. I99J

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PROJETO HISTORIA: Rev is ta doP rog r ama de Es tudo sP6 s -Gr aduados em H i s t 6r ia e do

Depa rt amen t o de H i s t6 r ia da PUC-SP . (Pontificia Universidade Ca t6 l ic a d e s aoPaulo). s a o Paulo, S P - Brasil, 1981.. .

Publ icayio semest ra l a partir de 1985.

1981-1985,0-41986.5,6

1987.7

1992.8.91993,10

ISSN0102-c442

"

TRADUf;6ES

, \

ENTRE MEMORIA E HISTORIA III

A problematica dos lugares

P i er re No r a"

T ra du ca o: Y ar a A un K h ou ry + s"

\1. 0 jim do historia-memorla

q gelera~da hist6ria. P ara alem d a m etafora, e precise ter a n~i1o do que

a e xp re ss ao s ig nific a: u ma o sc ila ~o c ad a v ez m ais ra pid a d e u rn p ass ad o d efm iti-

v am en te m orto, a percepcao g lob al d e qu alque r co isa co mo d esap arecid a - u ma

r up tu ra d e e qu il ib ri o. 0 a rr an ca r d o q ue a in da s ob ro u d e v iv id o n o c al or d a t ra di yl lo ,

DO mu ti sm o d o c os tu m e, na r ep et iy ll o d o a n ce st ra l. s o b 0 i m pu ls o d e u rn s en tim en to

h is t6 ri co p ro fu n do . A a sc e ns ao IiconsciSncia de s i m e sm o s ob 0 s ig n a d o t erm in ad o ,

o fun d e algu ma coisa desde sem pre comecada, F ala -se ta nto d e m em 6ria p orq ue

e la n ao e xis te m ais ,

A c urio sid ad e p elo s lu ga re s o nd e 8 m em 6ria se cristaliza e se refu gia esti

I ig ad a a e ste m om en to p ar tic ula r d a n os sa h is t6 ria . M om en to d e a rtic u1 a~ o o nd e a

c on sc ie ne ia d a ru ptu ra c om 0 passad o se con ftm de co m 0 s en tim en to d e u rn a

m em6 ri a e sf ac el ad a, m a s o nd e 0 e s fa c el amen t o de spe rt a a i n d a mem6ri a s u fi c ie n te

para qu e se p ossa co locar 0 p rob lem a de su a eo cam acso. 0 sentim ento de co n-

t in u id a de t om a -s e r es id u al 80S locais. H a lo ca is d e m em 6ria p orq ue 1140 M mais

m ei os d e m em6 ri a.

P en se mo s n es sa m u ti la ~o s em r eto rn o q ue r ep re se nt ou 0 fim do s c ampone se s ,

e st a c ol et iv id a de -m em6r ia p o r excelereta c uj a v o ga c omo o b je to da his t6r ia coinc id iu

co m 0 a po ge u d o c re sc im en to i nd us tr ia l. E ss e d es mo ro na me nt Q c en tr al de nossa

• In:Lu Ii.we d.mcmofNt. 1LaR < !p u bJ iq u c, P o ri " O a ll im a rd , 1 9 84 . p p . xvru. XU I . T r ad u 91 0 a u to l' iz a da

p eJ o E di to r. 0 E di ti on s O a ll im a rd 1 98 4.

• • D ir cl or d e e st ud os n a " Ec ol e d e H a u tc s E tu de s e n S c ie nc es S o ci al es ".

' '' De pa rt am e nt o d e H i st or ia , P U C- S P.

Proj. Hisl';ri ...SiloP~/o. II01.d.:. I99J

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,.. .

m em oria s 6 e , n o e nta nto , u rn e xe mp lo . E 0 m un do in te iro q ue e ntro u n a d an ca ,

p el o f en om en o b er n c on he ci do d a m u nd ia li za ~a o, da d emo cr at iz ay a o; d a m a s si fl -

ca~o, d a m edia~ao. N a periferia, a ind ependsncla das n ovas ~O es cond uziu

p ara a h isto ric id ad e a s s oc ic da de s ja d es pe rta da s d e s eu s on o e tn ol6 gic o p ela v io -

len~ colonial. E p el o m es mo m o vi rn en to d e d es co lo ni za ~i io i nt er io r; t od as a s

e tn ia s, g ru po s, f am il ia s, c om f or te b ag ag em d e m emo ri a e f ra ca b ag ag em h is l6 ri ca .

F im d as s oc ie da de s- mem6 ri a, c om o t od as a qu ela s q ue a ss eg ur av am a c on se rv ac so

e a tr an sm is sa o d os v alo re s, ig re ja o u e s c o l a , fa milia o u E sta do . F im d as id eo lo -

~ g ia s- memo ri as , c om o t od as a qu ela s q ue a ss eg ur av am a p as sa ge m r eg ul ar d o p as sa do..

'; 7 para 0 f ut ur o, o u i nd ic av am 0 q ue s e d ev er ia r et er d o p as sa do para preparar 0 futuro;

. ~ , qu er se trate d a rea~o, do pro gresso ou m esm o d a revolucao , A ind am ais:eo m od o'-'.~ mesmo da percepcao historica que, com a ajuda da midia, dilatou-se

.~ p ro dig io sa me nte , su bstitu in do u ma m em oria v olta da p ara a heranca de sua propria

i nt im i da de p el a p el ic ul a e fem er a d a a tu al id ad e .

(Acelem~ 0 qu e 0 fen Om en o acaba d e nos revelar b ruscam ente,e toda a

: .\ (~entre(j[m em 6na v eraadeD lD so cial, in tocada, aqu ela cu jas sociedades ditas~

p r im i t fv a s , ou a r ea i ca s , r e pr e sen ta r am 0 m odelo e guar dar am consigc 0 seg redo - e

j (a1jj$i'i)jW qu e e0

q ue n os sa s s oc ie da de s c on de na da s ao e sq ue ci me nt o f az em d opassado, p o rq u e l ev a da s pcla~ Entre urna memoria integrada, ditatorial e

i nc on sc ie nte d e s i m es ma , o rg an iz ad or a e toda-poderosa, espontaneamente atuali-

zadora, uma mem6r ia s em p as sa do q u e r ec on du z e te rn am e nt e a h el 'a ll lj :a ,c o ri du zi nd o

o an tig am en te d os a nc es tra is a o te mp o in dife re nc ia do d os 'b ero is , d aso rig en se d o

m ito - e a nossa, que s6 e h is to ri a, v es ti gi o e t ril ha . D is ta nc ia q ue 5 6 se aprofWldou

a m edida em q ue o s h om ens foram recon hecendo com o seu urn po der e m es mo u m

d ev er d e mudanea, s ob re tu do a p ar ti r d os t em po s m od er no s. D is tA n cia q u e chega

h oj e n um p on to c on vu ls iv o.

Esse arrancar da mem6r ia s ob 0 i m pu ls o c on qu is ta do r e e rr ad ic ad o r da historia

tern com o que urn efeito de revela~o: a ruptura de um elo de identidade m uito

a nt ig o, n o fun · da qu il o q ue v iv fa mo s c om o wn a e vid en cia : a ad eq ~a o· d a h is t6 ria

e d a mem6r ia . 0 f at o q ue 5 6 e x is ta wn a p al av ra em f ra nc !s para d es ig n af a h is t6 ri a

v iv id a e a o pe ra cl io i nl el ec tu al q ue a t or na i nt ~l ig iv el ( 0 q ue o s a lemA e s d is ti ng uempo r Geschichte e IrlSlork), e nf er mid ad e d e I in gu ag em m u ita s v ez es s al ie nt ad a, f or -

n ece a qu i s u a p ro fu n da v er da de : 0 mov ir ne nt o q ue n os t ra ns po rt a e da mesma

n at ur ez a q ue a qu el e q ue 0 r ep re se nt a p ar a n os . S e h ab it as semos a i n d a nossa mein6r ia" , ·4 " " " " " ' -n ao t er iamos p e~ ss id a~ de I he c oo sa gm Ju ga r: cs . N io h av er ia l ug ar es p of Qu e· na o

h av er ia m em 6 ri a t ra ns po rta da p el a h is to ri a. C ad a g es to , a te 0 ma is c ot id ia n o, s er ia

v iv id o c om o uma r ep et ic ao r el ig io sa d aq ui lo q ue s em pr e s e f ez , n um a id en ti fi ca ~o

G

ca rn al d o a to e d o s en ti do . D es de q ue h aj a c as tr o, d is ta nc ia , m ed ia ~o , 0 40 e st am os

m ai s d en lr o d a v er da de ir a m em o ri a, ma s d en tro d a h is to ria P en se mo s n os ju de u s,

c on fm ad os n a f id el id ad e c ot id ia na a o r it ua l d a t ra di tr lo . S u a c on st it ui ~l io e m " po vo

d a mem6r ia " excluia urna preocupacao c om a h is t6 ria , a te q ue su a abertuca para 0

m un do m od em o I hes ir np os a nece s si d ade de h i st o ri a do r es .

. 'Memor ia , h is t6 ri a: l on ge d e s er em s in 6n im os . t om am os c on sc ie nc ia q ue t ud o

o p( 5e \ u na a o u tr a. A m em 6ria e a v id a, s em pre ca rre ga da p or g ru po s v iv os e , n es se

se ntid o, e la e sta e m p crm an en te evo lucao , aber ta a dialetica d a lembranca e do

e sq ue cim en to , in eo ns cie nte d e su as d efo nn a¢ es s uc ess iv as , v uln er av el a to do s o s

u so s e m an ip uJ a¢ es, s uc ep tiv eJ d e lo ng as latencies e d e r ep en tin as revitalizacoes .

A hist6ria e a r e con s tr u~ao s empr e problematica e incom pleta do que 04 0 existe

m ais. A m em oria e urn fen em ero sem pre atual, um elo vivid o n o eterno presente;

a h i~ t6 ri a, um a representacao d o p a ss ad o. P o rq u e e a fe ti va e magica, a m em 6ria 0 40

se acom oda a detalhes que a confortam ; cia se a1im enta de lem brancas vagas,

t ele sc op ic as , g lo ba is o u f lu tu an te s. p ar ti cu la re s o u s lm b cl lc as , s en sl ve l a t od as a st ra ns fe re nc la s, c en as , c en su ra o u p ro je ¢e s . . A h is t6 ri a, p or qu e o pe ra ea o i nt el ec tu al

e la ic iz an te , d em an da a na lis e e d isc urso c ritic o. A m em 6ria in sta la a lem bra nc a n o

sagrado , a historia a liberta, e a lo rna sem pre p rosaica. A m em 6ria em erge de urngrupo qu e ela une, 0 q u e q ue r dizer, como Halbwachs 0 f ez , q u e ha tantas mem6rias

q uan to s g ru po s e xis te m; q ue e la e , po r n a tu r ez a , multipla e de sa c el e rad a, c o le t iv a ,

plural e indivldualizada A h is t6 ri a, a o c on tn ir io , p er te nc e a t od os e a ninguem, 0

qu e the d3 um a vccacao para 0 universal, A m em 6ria s e. e nr aiz a n o c on cre to , no

e sp ac o, n o g esto , n a im ag em , n o o bjeto , A h is t6 ria 5 6 s e lig a a s c on ti nu id a de s t er n-

porais, a s evolucoes e as relacces da s co is a s. A memo ri ae u rn a bs ol ut o e a h is t6 ri a

sO conhece 0 relativo.

N o co~ d a hist6 ria trab alh a 'u rn ~riticiL mo.~~trutor dC :•~~~.~n:.tanea, ~rt!l.e. ~lTIpre .~pci!:B.~ ~Jlist6ria, (C ~~i.(l!~!.o .~,,~~~: ..)

I t iU l :l Jl )e a r epe l ir . A hist6ria C d es lig iti~ 1o d o p as sad o v iv id o. N o h oriz on te das

s oc ie da de s d e h ist6 ria , n os I im ite s d e u m m un do c om pleta me nte h isto ric iz ad o,

h aver ia d e ss a cr a li za~Ao Ult ima e de fi n it iv a . 0 movimenlo da h is t6 ri a, a a mb iy A oh is t6 ri ea n llo s lo a e xa l~ A o d o q ue v er da de ir am en te a cont ec eu , ma s s ua anu1~lio.

( Sem_gM.v i d. !. .! !' !LQ! .i J !c , i. !. ~ .B~~ ra~ !!Q_ "o l lSe r v ar ia museu s , meda lb a s e monu rnen -

/ t os , i st o c ! 0 a ~ n a , I ~ ~ s a . z . ! o ; o s eu p r op r iO l i 3 b 3 i h o ~ ' m 3 sesvaZiando-oscl8quilo. ~ .!.!,o..sso ver,.~~.!~~de m em 6ria. Um a sociedade que vivesse integral-

m en te s ob 0 s ig no d a h is to ri a n A o c o nh ec er ia , afinal, m ais do q ue um a sociedade

t ra di ci on al , l ug a re s o rd e a nc or ar s u a memoria.

Pro j . If Is l6 r i IJ .SlJoPl l lAlo , ( lO) ,du .199J

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Um d os s in ai s m ai s t an gf ve is d es se a n a n c a r da h is t6 ri a d a m emo ri a e , ta lvez,

o l ni ci o de um a h i st 6 ri a d a h i st 6 ri a, 0 despertar recente, na F~ do um a cons-

c ie nc ia h is to ri og r3 fi ca . A h is to ri a e, m ais p re ci sa me nte , a qu cl a d o deseavolvimemo

nacional, constituiu a m ais forte de nossas tradi~ co le tiv as; n oss o m eio d e

m emo ri a, p or e xc el cn ci a. D o s c ro ni st as da l da de M e di a a os h is to ri ad o re s contem-

ponineos c ia h is t6 ri a " to ta l" , t od a a t ra di ~o h is to ri ca d es cn vo lv eu -s c c om o e xc rc lc ioregulado da m em oria e s eu ap ro fu nd am en to e sp on tsn eo ; a r ec on stitu i~ d e u m p as -

s ad o s cm la cu na e sc m fa lb a. N en hu m d os g ran des h is to ria do res , d esd e F ro issa rt,

t inha , s cm d l iv id a , 0 s cn ti me nt o d e s6 r ep re sc nt ar w n a m emOr ia p ar ti cu la r. C om yn es

n !o tin ha c on sc ien cia d e re co lh er so w na m em Oria d in 8s tic a. La Popelini~reuma

memoria f rancesa, Bossuet urna mem6ria monarqulca ecrista, \ b l t a u e a mem6ria

d os p ro gr es so s d o g en or o b um a no , M i ch el et unicamente a qu cl a d o "povo" e Lavissc

s o a m em or ia c ia ~ 40 . M ui to p elo c oa tr ar io , c le s e st av am i mb ui do s d o s en ti me nt o

q ue s eu p ap el c on si st ia e st ab el ec er um a m em or ia m ai s p os it iv a d o q ue a s p re ce de n-

t es , m ais g fo ba li za nt e e m ais e xp li ca tiv a. 0 a rs en al c ie nt lf lc c d o q ua l a his t6 ri a f oi

d ot a' da n o s ec ul o p as sa do s O SCMU pa ra r e forea r pode rosamen te 0 eslabelecimento

c rit ic o d e urna m em 6r ia v er da de ir a. T od os o s g ra nd es r em an ej ar ne nt os h is to ri co s

c on si st ir am em a1argar 0 c am po d a m em or ia c ole ti va .

N um pais com o a F ranca, a historia da h is t6 ri a n !o p od e s er u ma op er ac ao

in oc en te . E la t ra du z a s ub vc rs ao in te rio r d e u ma h is t6 ria -m em 6r ia p er u ma h is t6 ri a-

c ri ti ca , e t od os o s h is to ri ad or es p re te nd er am d en un ci ar a s m it olo gi as m cn tir os as d e

se us p red cc es so re s. M as a lg urn a c oisa fu nd am en tal se -in ie ia q uan do a b ls t6 ria

com eca a fazer sua propria histo ria 0 nascimento de um a p re oc up 3 l; lo h ls to -

rio gn ific a. I S a h ist6 ria q ue s e e mp en ha em e mb os ca r e m s i m cs ma 0 quenaoe ela

p ro pr ia . d es co br in do -s e c om o v iti ma d a m em 6r ia e f az en do u rn e sf o~ pa ra s e l lv r ar

d el a. N u rn pals qu e n!o darla a h is t6 ri a u rn p ap el d ir et or e f on na do r d a c on sc ie nc ia

n ac io na l, a h is to ri a c ia h is t6 ri a n ao s c e nc ar re ga ria d es se c on te Ud o p ole mic o. N os

E st ad os U ni do s, p or e xe mp lo , p ais de m emO ri a p lu ra l e d e c on tr ib ui ~s m lil tip la s,

a d is ci pl in a r oi s em p re p ra ti ca da .· A s d i fe r en t es i n te r pr e~ da Indepcndencia ou

da guerm civil. apesar de suas im pli~ . por m ais pcsadas que sejam as tnimas,

040 q uc st io na m a T ra di ~o a me ri ca na , s cj a p or qu e, n wn c er to s en ti do . e la nio e xi st a,

ou nio passe p rin ei pa lm en te p cl a h is t6 ri a A o e on tn hio . n a F ra nt; a a h is to ri og ra fia

e ic on oc la st a e i rr ev er en te . E la c on si st e e m to ma r para si 05 o bj et os m e lb er c on st i-

tuidos da tradi~ - um a b at alh a c ha ve , c om o B ou vin es , u rn m a n u a l cana ri i cO , como

o p eq ue no L av is se - p ara d em on stta r 0 m eca nism o e re co ns titu ir ao m ax im o· a s

c oOO ic O es d e s ua e la bo ra ~o . E introduzir a duvida no co~ao, a lAmina. entre a

arvore c ia m em oria e a casca da historia, Fazer a historiografia da Revolu~o

JO P ro j. H wO ri ", S 40 P" "/ q ( I0 ). ikz. I99J

F r cmcC&; lJ .r e cQ~ t il ui r. s e us m i to s e ..s u as . il lt e rp r e. ta ~ (l es , . si g ~c a • .que: ~~ :~o nos

idel)tltica,mo.s 1J)3is.•c ompl et a rn e nt e ~msua h~nu iQ a. ~ In ~e n: o ga r.U I lW · .~ J ~ !: li .~ o ,p o r

mais-veneravel que ela seja, e n l io. ma i s se . re e enhec er .c omo . SOUUn i co p o rt a do r .

Or a. : 0 0 : 0 sAow,icamcnte osobjetosmai s sa grad os ;d e:.n oss a.trad i~ n acio ~ q ue

se,p\OpOe um a l u st o ri a, ;d a hi st o ri a; i n te r ro g an d o- se s o br e . seus meios ma ter ia ls e

c on cC (it ,u ai s;- so br eo s p ro ce dim en to s d e s ua p ro pr ia . p ro du ~o 'e as e ta pa s s oc ia is d es ua . d if ,u sa o, s ob re s ua p ro pr ia c on su tu ic so . e m t ra di~ il o, to da a h is t6 ria e ntr ou e m

su a. i d ad e historiograflca, consum indo sua desidentilica~ o com a m em oria. U ma

m em 6r ia q ue se t om ou ,e la mesrna, o bj et o d e u ma h is t6 ria p os si ve l.

H ouve urn tem po em que, atraves da historia e em tomo da Na~ao, uma

t ra di ~a o d e m emo ri a parecia t er a ch ad o s ua cristallzacao n a s in t es e da I I I R epub li ca ,

Desde Ldtres sur I'histoire de France, d e A u g us ti n Thierry (1827) ale a Histoire

sincere de fa nalion franfoise, de C ha rle s S e ig no bo s, a do ta nd o u ma l ar ga crorolo-

g ia . H i s t6 ri a, m emo ri a. N a r; :a o maruiveram, e nl A o, m a is d o q ue u ma c ir cu la rr il o n at u-

ral: u rn a c ir cu la ri da de c om ple me nt ar , w na s im bio se e m t od os o s n lv ei s, c ie nt if ic o e

p etlag 6g ic o, te6 ric o e p nitic o. A d efin icriio n acio na l d o p re se nte c ha ma va im pe -

r io sa me nt e s ua ju sti fi ca tiv a p el a i lw nin a9 ilo d o p as sa do . P re se ot e f ra gil iz ad o p elo

tr au ma ti sm o r ev ol uc io na rio q ue im pu nh a u ma r ea va li a9 ilo g lo ba l d o p as sa do m on ar -

q ui co ; f ra gi li za do t am b em pela d er ro ta d e 1870 que 56 tom avam ais urgen te, com

rel~ao it c ie nc ia a le m a c om o a o i ns tr ut or a le m ao , 0 v er da de ir o v en ce do r d e. S a d owa ,

o d es en vo lv im en to d el @ !j £~ hi ~~ !o "a Ei YI D iI D ta :ii iJ e d a t ra ns mi ss ao e sc ol ar d a

m em or ia N ad a s e e qu ip ar a ao t om d e r es po ns ab il id ad e n ac io na l d o h is to ri ad or , m e io

p ad re , m ei o s ol da do : e le m an if es ta -s e, p or e xe mp lo , n o e dit or ia l d o p rir ne ir o n um er o

da.Revue hisJorlque ( 18 76 ) o nd e G ab ri el M on od p od ia le gi ti ma me nt e v er a " in ve s-

t ig a~ § o c ie nt if ic a, d or av an tc l en ta , c ol et iv a e m e tO d ic a" t ra ba lh ar de um a "m an ei ra

s ec re ta e s eg ur a para a g ra nd ez a t an to da p at na q ua nt o d o g en or o b u rn an o" . .L e nd o -s e

um ta lt ex te c om o . .c er n o ut ro s s em e lh an te s; p er gu nt a- se -ecmc.se p o de a c re d it a rn a

i dC i a q ue a . hi st 6r ia . po si ti vi st a n li o e ra c um u la ti va , N a p er sp ec ti va fm a li za da d e um a

constituir; :49·nacional, .opcllt ico, 0 miI i ta r , .o b ib liogn lf i co , eo d i pl omat ic o : $Ao ;' a o

contnirio; :os pilares da c on tin uid ad e. A d erro ta d eA z in co urt o u 0 p un ha l d e Ra -

vaiUac.o d ia d os D up es o u. um a t al c la us ul a a dic io na l d os . tr at ad os de Westphalias ob res sa em de u ma co nta bilid ad e e sc ru pu lo sa . A 'e ru di9 ilo a m ais a gu da .so rn a o u

s ub tr ai .u m- de ta lb e a o c ap it al d an ae so . U n id ad e p od er os a d es se e sp 3l ;o d e m em or ia :

d e n os so · b er eo g re co -r om an o a o i mp er io c olo ni al d a I II R ep ub li ca . nIo mais cesura

d o q ue . .e ntr e a a lt a e ru di ~a o q ue . a ne xa a o p at ri mo ni o n ov as c on qu is ta s e omanual

e sc ol ar : qu ei mp ck .a v ul ga ta . H i sto na s an ta p or qu e na yoo santa E pelanacao -que

n os sa m em or ia s e : m an te ve n o. s ag ra do .

II

fI

•!

lII

Prof. HUlori", S60P",,/Q, (IOJ.du. 1'191 /I

I.

Page 4: Pierre Nora - Entre Memória e História

5/9/2018 Pierre Nora - Entre Memória e História - slidepdf.com

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C om pre en de r p or qu e a c on ju ~o s e d es fe ~ s ()b u rn n ov o im pu lso d ess ac ra li-

zan te resultaria em m ostrar co mo ~> ·C ~d os ano s ~ su bstituiu -se pro gressl-

v am en te a d up la e,tad o-N a@ pela du pla E stad o-S ociedad e. E C om o.ao . m esm o

te mp o, e p or ra zlI es id en tic as, a h is t6 ria , q ue s e tin ha to rn ad o tra di~ od e m em 6ria ,

s e fe z, d e m an eir a c sp eta cu la r n a F ra nc a, s ab er d a s oc ie da de s ob re si m es ma N ess e

s en ti do , e la p 6d e m u lt ip li ca r, s em d uv id a, o s l an ce s d e p ro je to rt s s ob re mem on as

p ar ti cu la re s e s c t ra ns fo nn ar e m l ab or at 6r io da s ment al id ad e s d o passado; mas li-

b er an do -s e d a i de nt if i~ 40 n ac ic na l, e la delxou d e s er h ab it ad a p or u rn s uj ei to p or -

tad or e, n o m esm o la nce, ela perdeu sua vo cacae ped ag6 gica na lransm isd o d e

v alo re s: a c ris e d a e sc ola e st! at para d em on st ra -l o. A n ac ll o . 04 0 6 .m a is 0 quadro

u ni tA r io q ue e nc er ra va a corsciencia d a c ol et iv id ad e. S u a d ef in iy lo n il o· e S t a mais

em qucst4o. e a paz, a p ro sp erid ad e e su a re du ~a o d e p od er fiz era m 0 r esto ; e la $ 6

e sta a me ac ad a p ela a us en cia d e a me ac as, C om a e me rg en cia d a s oc ic da de n o lu ga r .

e e sp ac o d a N a~ o. a le gitim ac ao pe lo p as sa do , p orta nto p ela h is t6 ria ,c ed eu lu ga r

a l eg it im a cl o p e lo f ut ur o. 0 p as sa do , s6 s er ia p os siv el c on he ce -lo e v en era -to , e a

Na~ ao , s e rv i -l a ; 0 futuro, e p re ci so p re pa ra -l o, O s trCs te rm os r ec up era ra m su a

au ton om ia. A naclo n ilo 6 m ais u rn com bate, m as u rn dad o; a hist6ria to rn ou -se

u m a c ie ne ia s oc ia l; e a m em6 ri a u rn f eo om e no p ur am en te p ri va do . A n a~ 0- mem6 ri a

t er a s id o a u lt im a e nc ar na ~o d a h is t6 ria -m em 6 ri a

o e st ud o d os l ug ar es e nc on tr a- se , a ss im , n a e nc ru zi 1h ad a d e d oi s m o vi me nt os

qu e the dO O, hoje na Fra~. seu lugar e seu sentido: de urn Iado u rn mo vim en to

puramente his tor iograf ico , 0 m om en ta d e u rn r eto rn o r efle xiv o d a h is t6 ria s ob re s i

m e sm a ; d e o ut ro l ad o, u rn m o vi me nto p ro pr ia m en te h is t6 ri co , 0 tim d e u ma tra di~ o

d e mem6r ia . 0 tem po do s lug ares, 6 esse m om en ta p reciso o nd e d esaparec e urn

im en so c ap ita l q ue n 6s v iv la mo s n a in tim id ad e d e u ma m em 6ria , para s6 v iv er so b

o olha r de um a h ist6 ria recon stitu ida. A pro fu nd am en to d ecisive do trabalh o d a

h is t6 ria , p or u m l ad o, e me rg en ci a d e u ma h er an ca c on so li da da , p or OUtro. Din8mica

i nt er na d o p ri nc ip io c ri ti co , e sg o tam en to d e n o ss o q u ad ro h is t6 ri co p o li ti co e m e nt al ,

s uf ic ie nt em e nt e p o de ro s o a in d a para MO n os d eix ar in dif ere nte s. b em p ou co c on -

sistente para 5 6 s e im po r p or u rn r eto rn o,s ob re s eu s m ais e vid en te s s irn bo lo s. O s

do is m ovim entos se co mbin am p ara no s re meter d e u ma 56 v ez, e co m 0 mesmoelan, 80S i ns tr um en to s d e b as e d o t ra ba lb o h ;s t6 ri co e 80S objetos m a i s sirilb6licos

d e n os sa m em 6r ia : o s A r qu iv os d a m es ma fo rm a q ue a s T re s C or es; a s. b ib lio te ca s,

o s dicio rW io s e o s m useu s com 0 m esm o atrib uto qu e as com em o~ Oes, as festas,

o P anth eon ou 0 Arco do T r iun fo ; 0 d ic io nA ri o L a ro u ss e e 0 mum dosFeder ado s .

O s lugares de m em 6ria silo, antes de tudo, restos. A form a extrem a onde

s ub sis te u ma c on sc ie nc ia c om em ora tiv a n um a h is t6 ria q ue a c ha ma ; p orq ue e la a

I] Pro). Hi.rIOria. S/itJ P""Ia. ( / .01 .dez; /WJ

,.

r

I

rI

iI

ignora E a d es ritu aliz ac ao d e n os so m un do q ue fa z a pa re ce r a n oc ao . 0 q ue s ec re ta ,

veste, estab elece, con str6 i, de creta, m antem pelo artificio e pela vo ntad e u ma

c ole ti vi da de f un da me nt al me nt e e nv ol vi da e m s ua t ra ns fo rm ac ao e s ua r en ov ac ao .

V al or iz an do , p or n at ur ez a, m ai s 0 novo do que 0 a n ti go , m a is 0 jovem do que 0

yelho , m ais 0 futuro do que 0 p as sa do , M u se us , a rq ui vo s, c em it er io s e c ol ec oe s.

fe ~I ¥, a niv er sa rio s, tra ta do s, p ro ce ss os v erb als , m on um en to s. sa ntu ar io s, a ss o-clacpes, sa o o s m arc os te stc mu nh as d e u ma o utra e ra , d as ilu sO es d e e te rn id ad e. D ai

o a sp ec to n os ta lg ic o d es se s c m pr ee nd im e nt os d e p ie da de , p at et ic os e g la ci ai s. s ao

o s ritu ais d e u ma s oc ie da de s em r itu al; sa cr aliz ac oe s p ass ag eira s n um a s oc ie da de

q ue d es sa cr al iz a; f id el id ad es p ar ti cu la re s d e u m a s oc ie da de q ue a pl ai na o s p ar ti cu -

l ar is mo s; d if er en ci ar ro es e fe tlv as n um a s oc ie da de q ue n iv el a p or p ri nc ip le ; s in ai s d e

r ec on he cim en to e d e p erte nc im en to d e g ru po n um a s oc ie da de q ue s 6 te nd e a re co -

n h ec e r i nd iv id u os i gu ai s e i de n li co s .

>, O s lugares de m em oria nascent e vivem do senti m enlo que nao M m em oria

e sp o nt an e a, q ue e p re ci so c ri ar a rq u iv o s, q u e e p re ci so m a nt er a n iv er sa n os , o rg an iz ar

c el eb ra co es , p ro nu nc ia r e lo gi os f un eb re s, n ot ar ia r a la s, p or qu e e ss as o pe ra co es n ao

s i lo narura is . E p or is so a d efe sa , p ela s m in oria s, d e u ma m em 6r ia re fu gia da s ob re

f oc os p riv ile gia do s e e nc iu ma da me nte g ua rd ad os n ad a m ais fa z d o q ue le va r a in -

c an de sc en cia a v er da de d e to do s o slu ga re s d e m em 6ria . S em v ig ila nc ia c o me mo -

r at iv a, a h is t6 ri a d ep re ss a o s v ar re ri a, S a o b as ti oe s s ob re o s q ua is s e escora M as se

o q ue c le s d ef en de m n ao e st iv es se a me ac ad o, n ao s e t er ia , t am p ou co , a n ec es sid ad e

d e c on st ru I- lo s. S e v i\ 'e ss em o s v er da de ir am en te a s I er nb ra nc as q ue e le s e nv ol ve m ,

e le s s eria m in ule is. E se . e m c om pe nsa cso , a h is to ria n ao se a po de ra ss e d elc s p ara

d ef or ma -l os , t ra ns fo rm a -l os , s ov a- lo s e p et ri fi ca -l os e le s n ilo s e t or na ri am lu ga re s

d e memor ia , E e st e v al -e -v er n q ue o s c ou st uu i: m eme nt os d e h is t6 ri a a rr an ca do s d o

m ov im en to d a h is te ria , m as q ue I he s ilo d ev olv id os . N ilo m ais in te ira me nte a v id a,

nem m ais inteiram en te a m orte, co mo as co nch as na p raia qu and o 0 m ar se r etira

d a m em oria v iv a.

A Ma r s el h es a o u o s mo numer uo s 80S mo no s v iv er n, a ss im , e ss a v id a a mb ig ua ,

s ov a da d o s en tim en to mixto de penencimeruoe de desprend im ento . E m 1 79 0,0 1 4

de ju lho ja era e aind a nao u m lu gar de m em oria. E m 18 80 , s ua in stitu i~o em festan ac io na l e m lu ga r d e m em oria o fic ia l, m as 0 e sp irito d a R ep ub lic a fa zia d ele u rn

recu rso verdad eiro. E h oje? A p ro pria perda d e no ssa m em oria nacio nal viv a n os

im pO e sobre ela u rn olhar qu e n ao e m ai s n em i ng en ue , n em i nd if er en te . M emo ri a

qu e n os p ressio na e qu e ja nilo e m ais a n ossa, en tre a d essacraliza~§o rapid a e a

sa cr ah za ca o p ro vis or ia me nte r ec on du zid a. A p eg o v is ce ra l q ue n os m an te m a in da

d ev ed or es d aq ui lo q ue n os e ng en dr ou , m as d is ta nc ia m en to h is to ri co q ue n os o br ig a

P ro j. H i. t6 ri a. S60 P ", ,/ o. ( / 0 / . d .~ I99 J I)

 

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a c on sid era r c om u m o lh ar f rio a h er arc a e a in ve nta ria -la . L ug ar es s alv os d e u ma

m em 6ria n a q ua l nA o ma is h a bi tamos . s em i -o fi ci ai s e i ns ti tu c io n ai s, s em i -a fe ti vc s e

s en ti me nt ai s; l ug ar es d e u na ni mi da de s em u na ni mi sm o q ue n io exprimem m a ls n em

c on vi ~i lo m il it an te n em p ar ti ci pa ~o a pa ix cn ad a, m a s orde p al pi ta a in da . a lg o d e

u ma v id a sim bo lica. O sci1 a~o d o m em orial ao h ist6rico . de um m wld o o rd e se

t in ha m a nc es tr ai s a u m m u nd o d a r el a~ o c on ti ng en te c om a qu il o q ue n os e ng en dr ou ,p as sa ge m d e um a h is t6 ri a t ol em ic a p ar a u m a h is t6 ri a c ri ti ca ; e 0 momentodos lu-

g ar es d e m em6 ri a. N il o s e c el eb ra m a is a n af <i io .m : -I Ss e e st ud am s ua s celebracoes,

ou 0 d es ap ar ec im e nl o d aq ui lo q ue n os p en ru ti ri a s ab er , p a r a 01 0 cair n a m esm a

recrim ~1o por parte de nossos sucessores? A lem b~ 6 passado com plete em

s ua r ec on st lt ui ~1 o a mais minuciosa. 1 3 wn a m em 6ria re gis tr ad or a, q ue d ele ga a o

arquivo 0 c uid ad o d e s e le mb ra r p or e la e d esa ce le ra o s s in ais o od e e la s e d ep os ita .

co mo a' serp en te sua pe le m orta. C olecio nad ores, erud ito s e b ene ditino s co n-

s ag ravam-s e an ti g amen t e a a cu m ul a~ o d oc um e nt ar ia , c om o marginais de wn a so -

ciedade que av~ava sem eles e de um a historia que era escrita scm eles. Pois a

h is t6 ri a- mem 6r ia h av ia c ol oc ad o e ss e t e$ O ur o n o c en tr o d e s eu t ra ba lh o e ru di to p a r a

difundir 0 r e su l ta do pe la s mil etap as soc iais de su a p en etm ~o . H oje o nd e o s his-

to ria do re s s e d es pre nd era m d o c ulto d oc um en ta l, to da a so cie da de v iv e n a re lig i4 0

c o ns er va d or a e n o p ro d ut iv ismo a rq u iv is ti co . 0 q ue n 6s c ba in am os d e m em oria e ,d e f at o, a c on st it ui "A o g ig an te sc a e v er ti gi no sa d o e st oq oe m a te ri al d aq ui lo q ue n os

6 impossfvel l emb ra r, r ep e rt 6r io i ns o nd a ve l d a qu il o q u e p o de ri amo s t er n e ce ss id a de

de ho s le mb rar. A "m em 6ria d e papel" da qua l f a la v a Leibniz tornou-se wn a insti~

t ui ~o a u ta ll O rn a d e mu se u s, b ib li ot ec a s d e pO s it os , c e nt ro s d e d o cumen ta c ao , b a nc o s

: de d ad os. S om ente para o s arqu iv os p ublic os, o s esp ecialista s av aliam qu e a

r ev o lu ~ io q u an ti ta ti va . em a lgw n as c lC c ad as ,t ra d uz iu -s e n uma mu lt ip li ca ~ o p o r mil.

N en hu ma e po ca f oi liI o v o lu nta ria me nte p ro du to ra d e a rq uiv os c om o a n os sa , n aoso me nte pe lo v olum e q ue a so cied ad e m od ern a esp onta ne am ente p rod uz, nao

s om en te p elo s m eio s te cn ic os d e r ep ro du ~o e d e c on se rv a~ o de q ue d is pO e, m as

p el a s up er st i~ o e p el o r es pe it o a o v es ti gi o. A m ed id a e m q ue d es ap ar ec e a m em or ia

t ra d ic io n al , n 6 s 1 1 0 5 s en tim os o b ri ga d os a a cumu la r r el ig io s am e n te v e st ig io s, t es te -

m un ho s, d oc um en to s, im ag en s, d is cu rs os, s in ais v isi ve is d o q ue f oi, c om o s e e ss e .

d os si! c ad a v ez m ai s p ro lif ero d ev es se s e t om ar p ro va e m n ao se s ab e q ue t rib un al

d a h is t6 ri a. 0 s ag ra do i nv es ti u- se n o v es tl gi o q ue e sua ne ga ~o . I mp osslv el d e

p r ej u lg a r aqu il o de q ue s e d ev er a l er nb ra r. D a l a i ni bi '< io e m d es tr ui r, a c on st it ui ~4 0

d e t ud o e m a rq ui vo s, a d il at a~ o i tl di fe re nc ia da d o c am p o do m emo ni ve l, 0 i nc ba eo

hipertr6fico da ~o da m em oria. ligada ao proprio sentim ento de sua p e rd a e 0

re fe re e c or re la to d e to da s a s in stitu i~ Oe s d e m em 6r ia . U m a e stra nh a v ira -v oh a

o pe ro u- se e nt re o s p ro fl S S io na is , a q ue m s e r ep ro va va a nt ig am eme a m a ni a c en se r-

v ad ora, e os prod utores n aturais de arq uiv os. S ilo h oje as em presas p rivad as e asa dm in is tr a~ s p Ub lic as q ue e ng aja m a rq uiv is ta s c om a recomeodacso d e g ua rd ar

tu do , q ua nd o o s p ro flS S io na is a pre nd era m q ue 0 e ss en ci al d o o fi ci o e a arte da

de s tr u i~ i o con tr o la d a .

A ssim , a m alerializa~ao da memoria, em poucos anos, d ilatou-se

p ro d ig io s am e nt e, d e sa c el er ou - se , d e sc e nt ra li zo u -s e, d emoc ra ti zo u -s e. N o s- t emp o s

c la ss ic o s, o s t re s g ra n de s p ro d ut or es d e a rq u iv o s r ed u zi am - se a s g r ande s f amil ia s , a

11.A memoria tomada como his toria

Tudo 0 qu e e ch am ad o h oje d e m em oria na o 6, p ortan to , m em cria, m as ja

h i st 6 ri a . Tudo 0 q ue 6 c ha ma do d e clarao d e m em 6ria e a f in al iz a~ ao d e s eu d es a-

p are cim en to n o fo go d a h is lo ria . A n ec es sid ad e d e m em 6r ia 6 u ma n ec es sl da de d a

hist6ria.

S e m d uv id a e i mp os si ve l n ao s ep re ci sa r d es sa p ai av ra . A c ei te rn os is so , m a s

c om a c on sc ie nc ia c la ra d a d if er en ~ e ntre m em 6r ia v er da de ira , b oje a br ig ad a 110

g es to e n o h ab it o, n os o fi ci os o nd e s e t ra ns mi te m o s s ab cr es d o s il en ci o, n os sa be re s

d o c orp o, a s m em 6ria s d e im pre gn a~ ao e o s s ab er es r efle xe s e a m em 6ria tra ns fe r-

m a da p or s ua p as sa ge m em h is t6 ri a. q ue e quase 0 con tr a ri o : vo lun ta r ia e d e ll b er ada ,

v iv id a c om o um d ev er e n ao m a is e sp on ta ne a; p si co l6 gi ca , i nd iv id ua l esubjetiva e

n ao m a is s oc ia l, c ol et iv a, g lo ba li za nt e. D a p ri me ir a, i me di at a, a segundafndireta,

o q ue a co nt ec eu ? P od e- se a pr ee nd er 0 q ue a co nte ce u,n o p on to d e c he ga da d a m eta -

mo r fo s e con tempo r. in e a .

E , a nte s d e tu do , u ln a m em 6ria , d if ere nte me nte d a o utr a, a rq uiv ls tlc a, E la s e

a po ia i nt ei ra m en te s ob re 0 que M de m ais preciso no trace , m ais m aterial no

v esti gio , m ais c on cre to n o re gis tr o , m ais v is iv el n a im ag em . 0 mov ir ne n to q u e

com ecou com a escrita term ina na alta fidelidade e na fila m agnetica, M enos a

mem6ria e v iv id a d o in te rio r, m ais e la te rn n ec ess id ad e d e su po rte s e xte rio re s e d e

re fe re nc ia s ta ng iv eis d e u ma e xis le nc ia q ue 5 6 v iv e a tr av es d el as . D al a o bs es silop elo a rq uivo q ue m arca 0 co nrem po ra ne o e qu e afela,ao m esm o te mp o. apreser-

v a~ o inte gral d e to do 0 p re se nt e e a p re se rv ac ao i nt eg ra l de todo 0 passado. 0

s en ti m e n lo d e u m d es ap ar ec im e nt o r ap id o e d ef in it iv o c om b in a- se a preocupar;ilo

co m 0 e xa to s ig nlf lc ad o d o p re se nte e c om a in ce rte za d o fu tu ro p ara da r 80 mais

m odesto dos vestig ios. ao m ais hum ilde testem unho a dignidade 'virtual do

m emo ra ve l. 1 3 n ao l am e nt am o s 0 b as ta nt e, e m n os so s p re de ce ss or es , a d es tr ui ~a o

/J /'",/.lIi./;'"", S J n P " " In . l/ .Q I • . 1 . : . IWJ

P r of . H U tD ti ", S 4 0P " "k > , ( 10 ). J 4 z . I99J IS

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I gre ja e ao E sta do . Q ue m n§o se e r e a ul or iz ad o h oj e a c on si gn ar s ua sl emb ~.

a e se re ve r s ua s Mem6r ia s, n a o s om cn te o s p eq ue no s a to re s d a h is t6 ri a. c om o ta mb em

os t c st cmunho s dcsscs a to re s, su a e sp osa e se u m c!d ic o? M en os 0 tcstemunho eextraordinario, m ais ele parece d ig no d e ilustrar uma men ta li d ade M e d i a ; A l lq ui -

d a~ o d a m em 6ria fo i so ld ad a p or u ma v on ta de g era J d e re gistro . N um ag ~~ A o, 0

mu se u i ma gi na ri o d o a rq ui vo e nr iq ue cc u- se p ro di gi os am cr ue . 0 a ao dc p at ri mO nio .em 1980, fo mc ce u u m e xe mp lo c vid en te .lc va nd o a ~ lio a te a s f ron te i ri ls do i n ce r to .

D ez a no s mais cedo, 0 L ar ou ss e d e 1970 limitava ainda 0 p at ri. m6 ni oa o " be m q ue

vem do pai ou da m a e " . 0 "PetitRobert" d e 1 97 9 f az " da p ro pr ie da de t ra ns mit id a

pelos ancest ra is , 0 p at rimOn io c ul tu ra l d e u rn p al s" . P a ss ou -s e, mu it o b ru sc am e nt e,

d e um a conce~o m uito restritiva dos m onu mcn to s hist6ricos, co m a conve~o

sabre os sltios de 1972, a wn a co nc e~ o q ue , te oric am en te , n ilo p od eria deixar

nada escapar.

NA o s om en te t ud o guanlar, t ud o c on se rv ar d os s in ai s i nd ic at iv os .d e m emor ia ,

m esm o sem se saber exatam en te de que m em 6ria s a o indicadores. Ma S produzir

arquivo e 0 i m pe ra ti vo d a epeca Tem-se 0 e xe mp lo p er tw ba do r c om o s a tq uiv os

d a S e pr an ra S o ci al - s om a d oc um en ta l s em e qu iv al en te , r ep re se nl an do , h oje . t re ze n-

l OS q ui lOm et ro s l in ea re s, m as sa d e m cm 6r ia b ru ta c uj o in ve nt ar io p el o c om pu ta do rp er mi tir ia . i de al mc nt e, l er t ud o s ob re 0 n orm al e s ob re 0 pato l6gico dasoeiedade ,

d es de o s r eg im es a li me nt ar es ate o s m od os de v id a, . p or r eg i6 es e p or p ro fi ~e s;

m as, ao m esm o tem po, m assa cuja conserv~, tanto quanto a exp lo r.w ;lio co nce-

b i ve l d emaOOa r iam es co l ha s d r as ti c as e, po rt a nt o , unpr a ti c av e is . A r qu iv e -s e , a r qu i ve -

s e, s em pre s ob ra ni a lg um a c oisa l N A o C o utro e xe mp lo g rila nte , 0 resultado a : qu e

c be ga , d e f at o, a m ui to l eg it im a p re oc up aC io da s enque te s o r ai s r e cen te s ?H8 atu-

almente, somente na F~ mais de trezentas equipes ocupadas com 0 reco-

lh im en to "d es ta s v oz es q ue v ern d o p ass ad o" (p hilip pe Jo utar d). M uito b em . Mas

q uan do s e p en sa , p or u rn in sta nte . q ue ai s e t ra ta d e a rq ui vo s de u rn g ~n er o m ui to

e sp ec ia l, c uj o e st ab el ec im en to e xi ge t ri nt a e s ei s h or as p or u m a b or a d eg ra va ~o e

c uja u tiliz a~ o 5 6 p od e se r p on tu al, p ois q ue e la s tira m sc u s en tid o d aa ud i~ o in-

t eg ra l, e im po ss iv el nlIo se iIldagar s ob re a s p os si bi li da de s d e s ua e xp lo ra qA o . Q uev on ta de d e mem6 ri a e la s t cs tcmun h am , a do s e ll tr ev is ta do s o u a do s e nt reV is ta do re s?

o arquivo m uda de sentido e d e "status" sim plesm ente por seu peso.E leM o emais 0 sa ld o m ais o u m en os in te nc io na l d e u ma m em 6ria v iv id a. m a s a S e cr e~ o

voluntaria e o rg an iz ad a d e u ma m cm 6ria p erd id a. E le d ub la 0 v iv id o, q ue s e d es en -

volve, m uitas vezes, em ~o de seu proprio registro - asatualidades sao feitas

de outra coisa? -. de um a m em oria secundaria, de u ma m em 6ria - protese, A pro-

16 Proj. Hilloria. SiSoP""lo. (101.d.: . IP9J

i nd ef in id a d o a rq ui vo e 0 efeilo agucedo de u ma no va co nsciencla, a m ais clara

expresslo d o t er ro ri smo d a mem6r ia h is to ri ci za da .

E q ue csta m em 6ria nos vern do exterior e n6s a inleriorizam os com o urns

o br ig aq A o i nd iv id ua l, p oi s q ue e la n ilo e m ai s u ma p ra ti ca s oc ia l.

• \ A passagem da mem6ria para a historia obrigou cada gropo a redefinir sua

id en tid ad e p ela r ev ita liza ~iio d e s ua p ro pria h ist6 ria . 0 d cv er d e m em 6ria fa z d e

c ad a u rn 0 h is to ria do r d e s i m esm o. 0 im pe ra tiv o d a h is t6 ria u ltra pa sso u m uito ,

assim, 0 c lr cu lo d os h is to ri ad or es p ro ti ss io na is . N il o s il o s om en te o s a nti go s m ar gi -

n aliz ad os d a h ist6 ria o fic ia l q ue silo o bse ca do s p ela n cc essid ad e d e re cu pera r se u

p as sa do e nt er ra do . T od os o s c or po s c on st it ui do s, i nt ele ct ua is o u n A o, s ab io s o u n A o,

apesar das etnias e das m inorias so ciais, sentem a necessid ad e de ir em b usca de

sua p r op r ia con st it u i! ;i io , de e nc on tr ar s ua s o rig en s. N ii o ha m ai s n en huma f am il ia

J 1 ! l q ua l p el o m en os u rn m em br o n il o s e t en ha r ec en te me nt e l an ea do a reconstitu~iio

m 'a is c omp le ta p os si ve l d as e xi st en ci as f ur ti va s d e o nd e a s ua emer gi u, 0 c re sc im e nt o

d as p es qu ls as g en ea l6 gi ca s e u rn f en 6m en o r ec en te e m ac ic o: 0 r el at cr io a nu al d os

A r q ui vo s n ac io n ai s 0 cifra em 43% em 1982 (c on tra 3 8% d a fre qu en eia u niv er-

s itA r ia ) . F a to su rp r eenden te : n A o d ev emo s . a . h is to ri ad or es p ro fi ss io na is a s h is t6 ri as

m ai s s ig ni fic at iv as d a b io lo gi a, d a f is ic a, d a m ed ic in a, o u d a m us ic a, m as a b i6 lo go s.fisic os, m ed ic os e m Usic os. S lio o s preprioseducadcres que tomaram em maos a

h ls t6 ri a d a e du ca !; ii o, a c ome ca r p el a e du ca ca o f is ic a, a te 0 e ns in o d a f il os of ta . C om

o a ba lo d os sa oe re s c on stitu id os, ca da d isc ip lin a se c olo co u 0 d ev er d e v er if ic ar

s eu s f un da me nt os p el o c am in ho r et ro sp ec ti vo d e s ua p ro pr ia c on st it ui ~i io . A s oc io -

lo gia parte em b usea de seus pais fundado res, a etnotog ia, desde o s cronistas do

s ec ulo X VI a te o s a dm in istra do res c olo nia is se p 3e a e xp lo rar se u p ro prio p ass ad o.

A t e m es mo a c ri ti ca li te ra ri a d ed ic a- sc a r ec on st it ui r a g en es e de s ua s c at eg or ia s e

d e su a tra diC iio . A h is t6 ria to da p os itiv ista , m esm o a "c hartis ta " n o m om en ta e m

q ue o s h isto ria do re s a a ba nd on ar am . e nco nlra n es sa u rg en cia e n es sa n ec es sid ad e

u ma d if us ii o e u m a p en et ra !;i io e m p ro fu nd id ad e q ue c Ia aind8 nA o havi a eonheci do.

o f lm d a h is t6 ria ·m em 6r ia m ul ti pli co u a s m em 6r ia s p ar tic ul ar es q ue r ec la mam s ua

p r op r ia h i st 6 ri a .

Esta dada a ordem de se lernbrar; m as cabe a m im m e lem brar e sou eu quem e lem bro. 0 p re c o d a m ct am or fo se h is t6 ri ea d a m em 6r ia f oi it conve rs J o de fi n it iv a

a p si co lo gi a i nd iv id ua l. O s d ois f en 6m en os e sU io tao e stre aam em e lig ad os q ue M O

s e p od e i mp ed ir d e s aI ie nt ar ale su a e xa ta c oin cid en cia c ro no l6 gic a. N ilo e n o tim

d o s ee ul o p as sa do , q ua nd o s e s en tem o s a ba lo s d ec is iv o s d os e qu il ib ri os t ra di ci on ai s.

particulannente 0 desabam ento do m undo rural. que a m em 6ria faz su a apari~o n o

c en tro d a re ne xa o f ilo s6 fic a. c om B erg so n. n o c en tr o d a p ers on aI id ad e p slq uic a,

II

I 'I

~iI

Prof. His/oria, SiSoP""ltI (10).d.:.I99J 17

 

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, ,

c om F re ud , n o c en tro d a lite ra tw a au to bio gn illc a. co m P ro ust? ,A viola~o do que

foi, para n O s . a propria irnagem da m cm 6ria encam ada e a brusca em erg!ncia d a

m em 6r ia n o c o~ lo d a s i de nti da de s i nd iv id ua is d o c om o a s d ua s· fa ce s d am es ma

c is lo , 0 c om ee o do p ro ces so q ue e xp lo de b oje . N ao d cv em os e fc tlv am en te a F re ud

e 8 P roust os dois lugares d e m em 6ria fntinlos e 80m esm o tem po u niv ersa ls q ue

s a o a ce na p rim itiv a e a c ele bre p eq ue na m ad ale na ? D e s l o c a m e n t o d ec is iv o q ue set ra ns fe re d a m em 6r ia : d o h is t6 ri co a o p sic ol 6g ic o. d o s oc ia l ao i nd iv id ua I; do t ra n-

s is si vo a o s ub je ti vo . d a r ep et i~ o a rem emo~30. lnaugwa-se um novo regime de

m em6ria. questlo daqui por diante privada. A psicolo~ integral. da m em 6ria

c On le mp on in ea J ev ou a u rn a e co no nU a s in gu Ja nn en te n ov a da id et lti da de d oe u, d os

mecanismos da mem6ria e da re~ao com 0 passado.

Porque a coe~o da m em 6ria p e s a d e1 in it iv am e nt e s ob re 0 i nd iv id uo e s ome nt e

sobre 0 individuo. com o sua revital~ posslvel repousa sobre sua rel~ pessoal .

c om s eu p ro pr io p as sa do . A ato~ de wna m em 6r ia g er al e m m em 6i ia p riv ad a

c ia a lei da lem b~a um inten so poder de coersao interior. E la obrig a c a d a u rn a

se re le mb ra r e a re en co ntra r 0 p er te nc im en to , p ri nc ip io e s eg re do d a i de nt id ad e.

E ss e p er te nc im en to , e m t ro ca , 0 e ng aja i nt ei ra me nt e. Q ua nd o a m cm 6r ia nA o e s t a

m ais em to do lu ga r, e la I llio es ta ria e m lu ga r nenhum s e uma c orwc ie nc ia i nd iv id ua l.

n uma d ec is lo s ol it ar ia . n3 0 d ec id is se d el a s e e nc ar re ga r. M en os a m emO ria e vivida

coletivamente, mais cia tem necessidade de hom ens particulares que fazem de si

me smos homens -mem6ri a . E c om o u ma v oz in te rio r q ue d is se sse a os C orso s: "V oc e

deve ser Corso", e ao Bret~es: "E p re cise se r B re Ulo l" . P ara c om pre en de r a fO IV a

e o c hamad o d es te d es ig ni o, t al ve z f os se n ec es sA r io v ol ta r- se p ar a a m em6 ri aj ud ai ca .

que con hecc boje. em tantos judeus desjudaizados, um a recente rcativa~o. N esta .

tradi~ao que 56 tem com o hist6ria sua propria m em oria, ser judeu, eselem brar de

se r ju de u, m as csta lem b~ irrefutavcl. um a vez interiorizada, 0 aprisiona eada

v ez m ais . M em 6ria d e q ue? E m U ltim a in stan cia. m em 6ria d a m em 6riaL A psieolo-

~o da mem6ria deu a cada um 0 sentimento que sua salva~o dependeria, fl-

nalmente, do quitar wna d l vi d a impos s lv e l,

M em 6r ia a rq ui vo , m em 6r ia d ev er , e p re cis e u m terc eiro ~ par i l eompletar

esse quadro de m etamorfoses: mem6ria-d istA hcia. .

Porque noSS3 rel~ com 0 passado, ao' menos do modo como cle se revela

atraves da s p ro du ~ h ist6 ric as a s m ais sig nific ativ as. e compl e tament e d i fe r er u e

d aq ue la q ue se e sp era de u rn a m em 6ria. N A o mais u rna cont inu id ade r e tr o sp e ct iv a .

m as 0 co lo ca r a d esc on tin uid ad e a luz do dia Para a hist6ria-mem 6tia de anti-

gam erue, a verd 3deira perce~o do passado consistia em considcrar que ele olio

e ra v er da de ir am en te p as sa do . U rn e sf or co d e l em br an ea p od er ia r es su ci ta -l o; 0 pre-

/8 Prt.Jj.His/Mil. MoP""lo, (10), d~.. J99.J

s en te t om an do -s e, e le p ro pr io , a s ua m an eir a, u m p as sa do r ec on du zi do , a tu al iz ad o,

c on ju ra do en qu an to p re se nte p or e ss a so ld a e p or e ss a a nco ra ge m, S em d uv id a, p ara

q ue h aja u rn s en tim en to d o p as sa do , e recessano q ue o co rr a wn a b re ch a e nt re 0

p res en te e 0 passado, que ap areca u rn "antes" e um "depois". M as trata-se m enos

~ ~ u ma se para ~4 0 v iv id a n o ca mp o da d ife re ~a ra dica l d o q ue u rn in te rv alo v iv id o

n o m od o d a filia ya o a se r re sta be le cid a. O s d ois g ra nd es te rn as d e in telig ib ilid ad ed a h is t6 ria . a o m en os a p artir d os T em po s m od em os, p ro gres so e d ec ad en cia, a mb os

exprimiam bem esse culto da continuidade, a ceneza de saber a quem e ao que

deviam os 0 que som os. D onde a im posi~o da ideia d a s " or ig en s" , f or ma ja p ro f a na

da narrativa m ito l6gica, m as que contribuia para dar a um a sociedade em via de

laic iz a~ o n ac io nal se u se ntid o e su a n ec ess id ad e d o sa gra do , M ais as o rig en s e ra m

g ra nd es, m ais e las n os e ng ra nd ec ia m. P orq ue v en era va mo s a n 6s m es mo s a trav es

d o p as sa do . E esta rela~j[o qu e se quebrou. D a m esm a form a q ue 0 f u tu r o v i si v el ,

p ~islv el, m an ip ulav el, b alis ad o, p ro je ~o d o p res en te , to rn ou -se in visiv el, im pre-

v i sl v el . i ncont ro t av e l; c b egamos , s ime tr ic amen te . da id ei a d e um p assa do v is lv el a

. urn p assado invisivel; de urn passado coe~ a um passado que vivem os com o rom -

p im en to ; d e wn a h is to ri a q ue e ra p ro cu ra da na c or ai nu id ad e de u rn a m ern 6ria a u ma

m em oria que se p rojeta na descontinuidade de um a hist6ria. N ao se falani m ais de

" or ig en s" , m as d e " na sc im en to ". 0 p ass ad o n os e d ad o c om o rad ic alm en te o utre ,

ele e e ss e m un do d o q ua l e sta mo s d es Ji ga do s p ar a s em pr e. E c ol oc an do em e vi de ne ia

toda a extenslo que dele nos separa que nossa m em 6ria confessa sua verdade ••

com o na op era~j[o que, de u m golpe, a suprim e.

P orq ue I llio se d ev eria c re r q ue 0 s em lm en to d a d es co nt in ui da de s e s at is fa z

com 0 v ag o e 0 d if us o d a n oi te . P ar ad ox al me nt e, a d is ta nc ia e xig e a r ea pr ox im ac ao

que a con jura e lhe da. a o m esm o te mp o, s ua v ib mc llo . N un es se d es ejo u d e m an eir a

tao sensual 0 peso da terra sobre as botas, a mllo do D iabo do ano mil, e 0 fedor

das cidades no seculo XV III . M as a alucinacso artificial do passado 56 e pre-

c isa men te c on ceb lv el n um re gim e d e d es co ntin uid ad e. T od a a d .in .im ic a d e n os sa

rela~o com 0 passado reside nesse jogo suti! do im penetravel e do abolido. N o

s en tid o in ic ial d a p alav ra , trata -se d e u ma re pres en ta eao ra dica lm en te d ife re nte

daquela trazida p ela a ntig a res su ire i~ ao . T ao in teg ra l q uara o ela se q uis, a re ss ur-

r ei ~o i mp li ca va , c om e fe it o, n um a h ie ra rq ui a d a l em br ar ea lt ab il e m a je ita r a ss om -

bras e a luz para ordenar a perspectiva do passado sob 0 olhar de u rn p r es ent e

fmalizado. A p erd a d e u rn p rin cip io e xp lic ativ o im ic o p re cip ito u-n os n urn u niv erse .

fra gm en ta do , a o m es mo tem po e m q ue p ro mo veu to do o bje to , se ja 0 ma i s bumil d e,

o m ais im provav el, 0 m ais inacesslvel, Ii d ig nid ad e d o n usterio h ist6 rico . N 6s

s abi a mos . amigamenre, de quem eram os filhos e hoje som os filhos de ninguern e

I

I

I,

P r oj . H iS lO " '" S il o " " " , 0 . II01. d.: . IWJ I V

 

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de; tod o m und o. S e n ing uem sab e d o q ue 0 p a ss ad o e f ei to , um a i nq u ie ta in c er te z a

t ia ns f'o nn a t ud o e m v es ti gi o, i nd ic io p os sl ve l, s us pe it a d e h is t6 ri a c om a q ua l c on -

ta min am os a ino cC ncia d as co isa s. N ossa p erc~ao d o passad o c a ap rop ri a fW i l o

v ee me nte d aq uilo q ue s ab em os MO m ais n os p erte nc er . E la e xig e a ac om od a~ o

p re cis a so bre u rn o bje to p erd id o. A re pre se nta ~o e xc lu i 0 afresco, 0 fragmento, 0

quadro de con junto; cia precede atravCs dc ilum i~ pontual, m ultip li~ deto ma da s se le tiv as , a mo stra s sig nific ativ as . M em 6r ia in te ns am cn te .r etin ia na e

p od ero sa mc nte te le vis ua l. C om o n l[o fa ze r a I jg a~ o, p or e xe mp lo , e ntr e 0 famoso

" re to rn o d a n an ativ a" q ue p ud em os n ota r n as mais r ec en te s m a n ei ra s d e se e sc re v er

a h is t6 ria e 0poder to tal da im agem e do cinem a na cuhura c o nt emp o ni ne a ? N a r-

r at iv a, n a v er da de , b em d if er en te d a n ar ra ti va t ra di ci on al , f ec ha da s ob re s i m e sr na

e c om s eu r ec orte s in co pa do . C om o nlIo ligar 0 r e sp e it o e s cr upul o so pe lo documcn to

d e a rq ui vo - c ol oc ar a p ro pr ia peca so b seus 011105 - , 0 particular av~daoralidade .

- citar o s a tores, fazer o uvir sua s vo zes -, Ii a ut en ti ci da d e d o d ir et o a o q ua l f om o s

h ab it ua d os ? C omo MO v er , n es se g osto p elo c otid ia no DO p as sa do ,o un ic o m eio

de DOS restituir a lenti~o dos dias e 0 sabo r d as co isas? E n essas bio grafias de

an6nimos , 0m eio d e n os le va r a a pre en de r q ue a s m as sa s n ilo se f or ma m d e m an eir a

m as si fi ca da . C om o n l[ o l e r n es sa s b ul as d o p as sa do q ue DOS f om e cem ta n to s e st ud o s

d e m ic ro -h is t6 ri a, a v on ta de d e i gu al ar a h is t6 ri a q ue r ec cn st ru lm o s a h is t6 ri a q u e

v iv em os ? M em 6r ia -e sp elb o, d ir -s e- ia , s e o s e sp elh os nl[o r eO et is se m a p ro pr ia

im agem , quando ao contrario , e a diferenea que procuram os al descobrir; e no

e sp e ta c ul o d es sa d if er en l< 8 , 0 b ri lh ar r ep en ti no d e u m a i de nt id ad e i mp os sl ve l d e s er

e n co n tr ad a . N a o mais u ma g en es e, m as 0 dec ifra men lo d o q uc so mes a lu z d o q ue

MO s om e s m a is .

E st a a lq ui mi a d o e ss en ci al c on tr ib ui d e m a ne lr a b iz ar ra , para fazero exercicio

d a h ist6 ria , c ujo im pu ls o b ru ta l e m d ir e~ o a o f utu ro d ev er ia te nd er a n os p ro po r-

cionae, 0 d e po s itM io d o s s eg re do s d o p re se n te , A l ia s, a o p er a~ o t ra uma ti ca .r ea li za -s e

m e no s p el a h is t6 ri a. d o q ue p el o h is to ri ad or . Estranho destino 0 seu . S eu p ape l era

s im p le s a nt ig am e nt e e s eu l ug ar i ns cr it o n a s oc ie da de : s e f az er a p al av ra do p as sa do

e b ar qu eir o d o f utu ro . N es se s en lid o, s ua p es so a c on ta va m en os d o q ue s eu s clV il< Q;

c ab ia -l he s er a pe na s u m a t .r an sp ar en ci a e ru di ~ u rn v ef cu lo d e t ra ns m is si o, um t ra eod e u nia o 0 m ais le ve po ssive l e ntre a m ateri3I ida de bruta d a do cu men ta~ o e a

i ns cr i~ o n a r ne m 6r ia . E m U lt im a i ns ta oc ia , u m a a us en ci a o bs es si va d c o bj et iv id ad e.

D a e xp lo sa o d a h is t6 ri a. -m em6r ia . em er ge wn n o vo p e rs o na g em , p ro n to a confessar,

d if ere nte me nte d e s eu s p re de ce ss or es , a I ig al< ao e str eita , in tim a e p es so al q ue e le

m an tem com seu su jeito . O u m elho r, a procla ma-lo , a ap ro fu nda-lo e a faz er, na o

o o bstac ulo , m as a alav an ca d e sua co mp re ensa o, P orq ue esse suje ito· d ev e tu do a .

20 Pro j . H i l lo r i a . $do 1 ' "" 1 ,, , ( l0 1 • .kz. I9!lJ

s ua s u bj et iv id a de , s ua c ri ac ao , s ua r ec ri ac so . E ele 0 i ns tn u ne n to d o me ta b ol ismo,

que d3 scntido e vida a quem , em si e sem ele, n ilo teria nem sentido nem vida.

l ma gi ne m os u m a s oc ie da de i nt ei ra m en te a bs or vi da p el o s cn ti me nt o de s u a p ro p ri a

h is to ri ci da d e; e la e st ar ia im po s si bi li ta d a d e p ro d uz ir h is to ri ad o re s. V i ve n do i nt eg ra l-

m e nt e s ob 0 s ig no d o f ut ur o, e la s e c on te nt ar ia d e p ro ce ss es d e g m va ~a o a ut om a ti co s

de-si m esm a e se sa tisfaria com m aq uinas d e se au toc on tab ilizar, m and an do dev olta p ara urn fu turo in defin id o a tarcfa de se c om preen der a si m esm aE m con -

trapartida, rossa s oc ie da de , c er ta m en te a rr an ca da d e s ua m emo ri a p el a a m pl it ud e d e

s ua s m ud an ca s, m as a in da m ais o bc ec ad a p or se c om pre en de r h is tc ric am en te , e sta

c on de na da a f az er d o h is to ri ad or u m p er so na ge rn c ad a v ez m ai s c en tr al , p or qu e n el e

se o pe ra a qu ilo d e q ue c ia g os ta ria m as lllI o p od e d is pe ns ar : 0 h is to ri ad o r e a q ue le

q ue im pe de a h is t6 ria d e s er s om en te h is t6 ria .

D a m esm a fo rm a qu e de vem os a d i st a nc i a p anon im ic a 0 grande plano e ao

e sib nh am en to d ef in itiv o u ma h ip erv er ac id ad e a rtific ia l d o p as sa do , a m ud an ca d o

m o do d e p er ce ~o r ec on du z o bs ti na da m en rt e 0 h is to ri ad o r a o s o b je to s t ra d ic io n ai s

. d os qu ais c le se h av ia d esviad o, o s u su ais de n ossa m em oria nac ion al. V ejam -na

n ov am en te n a s ol ei ra da casa n atal, a velh a m orada nu a, irreco nh eclv cl. C om os

m esm os m 6v eis d e fam ilia, m as so b u ma no va luz. D iante da m esm a o fic ina , n1 3S

p ara um a ou tra o bra, N a m esm a p eca , m as p am u rn o utro p ap el, A h istoriog rafiai ne vi ta ve lm e nt e i ng re ss ad a e m s ua e ra e pi st em o J6 gi ca , f ec ha d ef in it iv am en te a e ra

d a i de nt id ad e, a m em 6 ri a i ne lu ta ve lm e nt e t ra ga da p el a h is t6 ri a, MO e xis te m ais u rn

h om em -m em cria , e m s i m es mo , m as u rn lu ga r d e m em oria .

lII. Os lugares de memoria, uma o u tr a h i st o r! «

O s J ug ar es d e m em6 ri a p er te nc em a d oi s d om in io s, q ue a t or na m i nt er es sa nt e,

m as ta mb em c om ple xa : s im ple s e a mb ig uo s, n atu ra is e a rtific ia is , im ed ia ta me nte

oferecidos a mais se ns lv el e xp er ie nc ia e , a o m es mo te mp o, s ob re ss ai nd o d a m ais

ab st r at a e l abo r ac ao .

S ao lugares, c om efeito n os tres sen tido s d a p alav ra, m aterial, sim b6 lico e

f ur ci on al , s im u lt an ea mem e, s om e nt e e m g ra us d iv er so s. M e sm o u rn l ug ar d e a p. ar en -

c ia p ur am en te m a te ri al , c om o U IU d ep 6s ito d e a rq uiv os , 5 6 e l u g a r de m em 6ria se

a im ag in a ca o 0 in ve ste d e um a au ra sim b6 lica. M esm o urn lug ar pu ram en te fun -

c ion al, com o u m m an ual d e a ula. u m testam ento . w na asso ciacso d e an tigo s co m-

batentes, 56 entra na categoria se for obje to de um ritual. M csm o um m inuto de

s il en c io , q u e p a re c e 0 e xe m pl o e xt re m e d e u m a s ig ni fi c8 l< 30 s im b ol ic a, e a o m e sm o

P r oj . H iI lO ri a. S iJ op "" lo . ( /0 1. 1 hz . 1.99J 2/

 

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tempo 0 re co rte m ate ria l d e u ma u nid ad e te mp or al e se rv e, p erio dic am en te , p ara

u ma c ha ma da c on ce nt ra da d a l em br ar ca O s tr es a sp ec to s c oe xi st em s em p re , T ra ta -s e

de urn lugar de m em 6ria tA o abstrato quanta a no~40 de gem ~o?Em aterial por

s eu c on te ud o d em og rM ic o; fu nc io na l p or h ip 6te se , p ois g ar an te , a o m es mo te mp o,

a cristaJj~ da lem b~ e sua transmissao; m as simbOlica por defini~o visto

qu e c:aracteriza p or u rn a co nt ec im en to o u um a e xp er ie nc ia v iv id os p or u rn p eq ue non am ero u ma m alo ria q ue d ele s nIo participou.

o que os constitu i e urn jogo da m em 6ria e da hist6ria, um a inte~oo dos

d oi s f at or es q ue le va a s ua s ob re de te nn in a~ o r ec fp rc ic a. I ni ci al me nt e,e pr ec is o t er

v on ta de d e m emo ria S e 0 p ri nc ip io d es sa p ri or id ad e f os se a ba n do n ad o , r ap id ame nt e

d eriv ar -se -ia d e u ma d ef mi~ o e stre ita , a mais r ic a e m p ot en ci al id il de s, pa ra u m a

d ef in i~ ao p os si ve l, m ai s m al ea ve l, s us ce pt iv el d e a dm it ir n a c at eg or ia to do o bj et o

digno de, um a lemb~ U rn pouco como as boas regms da critica rust6rica de

a ntig am en te , q ue d istin gu ia m s ab ia me nte a s "f on te s d ire ta s" , is to e , a qu el as q ue

u m a s oc ie da de v ol un ta ri am en te p ro du zi u p ar a s er em r ep ro du zl da s c om o tal - um a

le i, u ma o bra d e a rte , p or e xe mp lo - e a m as sa in de fin id a d e " fo nte s in dire ta s", is to

e tados o s testem un hos deixad os por u ma epo ca sem duv idar de suau tiliza~ o

futura p el os h ls to ri ad or es . N a f al ta d es sa in te ~4 0 d e m em6 ri a o s l ug ar es d e m em o ri a

s erio lu ga re s d e h is to ria ,

E m c on tr ap ar ti da , e st a c la ro q ue , s e a h is to ri a, 0 te mp o, a m u_ a nO O inter-

v ie ss em , se ria n ec es sa rio se , c on te nta r c om u rn s im ple s h ist6 ric o d os m em oria is .

L ug ar es p or ta nto , m as l ug ar es m ix to s, h lb ri do s e m ut an te s, i nt im am e nt e e nl ac ad os

de vid a e de m orte, d e tem po e d e etern id ade; num a espiral do coletivo e do in di-

v id ua l, d o p ro sa ic o e d o sa gra do , d o im ov el e d o m 6v e! . A n 6is d e M oe biu s e nr ola do s

sobre si m esm os. P orq ue, se e v erdad e qu e a raz40 fu nd am en ta l d e s er d e u rn lu ga r

de m em oria e pam 0 t emp o, e b lo q ue ar 0 t r :m a l h o do e sq u ec im e nt o, f ix ar ur n e st ad o

d e c oi sa s, i mo rt al iz ar a r no rt e, m at er ia li za r 0 imaterial para • 0 ouro' e a U nica

memoria d o d in h ei ro - p re nd er 0 maximo de s en tid o n wn m in im o d esin ais ,e c la ro ,

e IS isso q ue o s to rn a a pa ix on an te s: q ue o s lu ga re s d e m em 6r ia s O vivem de sua

apUdio para a m c tamor fo se , n o i nc es sa n te rqssaltar de s eu s s ig ni fi ca d os e n o s il va d o

imprevisfvel de suas ramifi~. 'D oi s c xe m pl os , e m r eg is tr os d if er en te s. ' Veja-se 0 calend3 r io revoluc io ll l ir io :

se e lugar de m em 6r ia , v isto q ue , e nq ua nto c ale nd 3rio , e le d ev eria f orn ec er o s

quadros a pt'iori d e to da m em 6ria p os siv el e e nq ua nto e r ev o lu ci on ar io , e le s e p ro -

p oria , po r su a n om en clatum e p or su a sim bolo gia,' a "abrir wn n ov o.liv ro p ara a

hist6ria It c om o amb ic io sa me nt e d iz s eu o rg an iz ad or , e " tr an sp or ta r i nt ei ra m en te o s

fr an ce se s p ara s i m esm os ", se gu nd o u rn outre d e s eu s r el at or es . E , n es se ob je ti vo ,

11

p ar ar a h is t6 ri a n o m em en to d a R ev ol uc so , i nd ex an do 0 f ut ur o d os r ne se s, d os d ia s,

d os s ec ulo s, e d os a no s s ob re a im ag em d a e po pe ia re vo lu cio rW ia . T ltu lo s ja s ufi-

dentes I 0 que, no entanto, 0 constitui ain da m ais co mo lug ar de m em 6ria, aos

n os so s o lh o s, e s ua d erro ta e m s e to ma r a qu ilo q ue q uise ra m s eu s fu nd ad or es. E s-

tiv es se mo s, a in da h oje , v iv en do so b s eu ritm o, e le te ria s e n os to ma do ta o fa milia r,

c om o um c al en da ri o g re go ri an o, q ue t er ia p er di do s ua v ir tu de de l ug ar d e m em o ri a.

E le 't er ia s e f un di do Ii n os sa p ais ag em m em or ia l e s6 se rv iria p ar a compatibilizar

t od os o s o ut ro s l ug ar es d e m em o ri a i ma gi nA v ei s. M a s s ua d er ro ta n il o e t o ta l : d a ta s -

c ha ve s, a co nte ci me nt os e me rg em p ar a s em pr e a e le l ig ad os , Vendem ia i re , T h e rm ido r ;

Brumaire, E os m otives d e m em 6ria v iram -se sob re si m esm os, du plicam -se em

espelho s d eform antes q ue sao sua verd ade. N enhu m lugar de m em oria escap a ao s

s eu s a ra b es co s f un d ad o re s.

'I, T om emo s, d es ta v ez , 0 c el eb re c as o T o ur d e la F ra nc e p ar d eu x e n/ an ts : lugar

d e m em o ri a i gu al me nle i nd is cu tl ve l, p oi s q ue , d a m cs ma f or ma q ue 0 "Pe ti t L av is s c" ,

fo rrn ou a m em or ia d e m ilh Oe s d e jo ve ns F rn nc es es, n o te mp o e m q ue u rn m in is tro

d a in stru ~o p ub lic a p od ia tira r s eu re lo gio d e s eu b ols o p ara d ec la ra r d e m an M, a s

oito horas e cinco m inu tos: "T odas as n ossas criancas passam os A lp es." L ug ar de

m emo ria , t ar nb em , p oi s q ue Inventario d o que e p re ciso s ab er so bre a F ra nc a, n ar-r a~ i! o i de n ti fi ca d or n e viagern i ni ci ad o ra . M a s 8S c oi sa s s e c om p ll ca rn : u m a l ei tu ra

a te nt a l og o m o st m q ue , d es de 0 s eu a pa re ci me nto , e m 1 87 7, L e T ou r e st er io ti pa uma

F ra nc a q ue MO existe m ais e q ue, n essean o do 1 6 d e m aio, que ve a so lid ifica~ao

d a R ep ub lic a, tira s ua s ed u~ ao d e u m su til e nc an ta me ntc p elo p ass ad o. L iv ro p ara

c na nc as c ujo s uc ess o se d ev e, e m p arte , a m em 6ria d os a du lto s, c om o s em pre . E is

para 0 m on ta nte d a m em 6ria , e p ara 0 seu ju san te ? T rin ta e cin co an os apo s su a

p ub lic ~lI o, q ua nd o a o bm a in da re in a a s vesperas da g u er ra , e la e c er tam en te l id a

c om o c ha ma da , lra dic ao ja n os ta lg ic a: p ro va d iss o, a pe sa r d e se u r em an eja me nlo e

d e sua atualiza~o , a ediC ao an tiga parece ven der m elhor d o qu e a nov a D ep ois 0

l iv ro f ic a m ai s r ar o, s 6 e u ti li za do n os m ei os r es id ua is , n o f un do de c ampos d i st a nt e s;

e le e e sq u ec id o. L e T ou r d e la F ra nc e t or na -s e a o s p o uc o s raridade, t es ou ro d e s 6t 1o ,

o u d o cumen to para o s h is tc ria do re s, E le d eix a a m em 6ria coletiva p ara en trar n am em o ri a h is to ri ca , d ep oi s n a m em o ri a p ed ag 6g ic a. P ar a 0 seu ceatenano, em 1 97 7.

no m om ento em q ue Le Cheva l d 'Orguei l a lc an ca u rn m il ha o d e e xe m pl ar es e q ua nd o

a F ra nc a g is ca rd ia na e in du stria l, m as ja a tin gld a p ela c rise e co nO mic a, d es co bre

su a m em 6r ia o ra l e s ua s m lz es c am po ne sa s, e le e r eimpr es so , e Le Tour e nt ra n o-

v am e nt e n a m em 6 ri a c ol et iv a, n a o a m es ma , e nq ua nt o e sp er a n ov os e sq ue ci rn en to s

e n ov as r ei nc ar na ~O c: s. 0 q ue parentela essa ved ete dos lug ares d a m em oria, su a

Pro): Hll lo,, ;n.. 'Ufo P"" lo. (10). de: . IWJ]J

 

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i nt el ll <4 0 i ni ci aJ o u 0 retorno sem tim dos ciclos de sua memor ia ? Ev id ent ement e

o s d ois: t od os o s lu ga re s d e m em oria 5 40 o bje to s n o a bis mo .

E sse m es mo p rin cip io d e d up le p erte nc im en to q ue p erm ite o pera r, n a m ulti-

p lic id ad e d os l ug ar es , u ma h ie ra rq ui a, u ma d el im ii 39 aO d e s eu c am po , u m r ep er t6 ri o

d e s ua s e sc al as . S e v em os e fe ti va me nt e a s g ra nd es c at eg or ia s d e o bj el os qu e sobres-

s a e r n do genero - tudo 0 que ve m do cul to d os m on os, tu do q ue so br es sa i d o pa -

tr im dn io . t ud o 0 q ue a dm in is tr a a p re se nc e d o p as sa do n o p re se nte -, e sta p ort an to

cla ro q ue alg un s.q ue M O e ntra m n a es trita d efin h;a o. p od em is so p rete nd er e q ue .

inversam en te, m uitos, a m aier parte m esm o d aqueles qu e dele fazem parte por

p ri nc ip le , d ev em , d e f at o s er e xc lu id os . 0 q ue c on st it ui c er to s s it io s p re -h is te ri co s,

geogrsficos ou arqueolegicos e m lu ga re s. e mesmo em lu ga res d e destaque, e muitasv ez es 0 q ue d ev er ia p re ci sa me nt e l he s s er p ro ib id o, a a us en cl a a bs ol ul a d e v on ta de

d e m em or ia , c om pe ns ad a p elo p eso e sm ag ad or d e q ue 0 te mp o, a c ie nc ia , o so nh o

e a m em 6r ia d os h om en s o s c arre go u. E m c on tra pa rtid a, q ua lq ue r lim ite q ue te rn a

m esm a im pon§n cia que 0 Rhin, ou 0 "F in istere", esse "fim d e terra", as q uais as

celebres paginas d e M ic he le l, p or exemplo , deram seus tuulos' de nobreza, Toda

cons ti tu i 9ao , t odo tratado d ip lo m at ic o 5 40 J ug ar es d e m em or ia , m as a co ns til ui ~o

de 1793 , 1140 da m esm a form a que a de 1791, com a D eclaracao dosdireitos do

homem, lug ar fund ad or de m em 6ria; e a p at d e Nimegue, n il o d a m es il la f or ma q ue

a s d ua s e xt re mi da de s d a h is lo ri a d a E ur op a, a d iv is ao d e V er du n e a c on fe re nc ia de

Yalta.

Na r n is tu r a, e a m em oria q ue d ita e a h ist6 ria q ue e sc re ve . Iip or is so q ue d ois

d om in io s m ere ce m q ue n os d ete nh am os , o s ac cn te cim en to s e o s liv ro s d e h ist6 ria .

p or qu e, 1 14 0s en do m ix to s d e m em o ri a e h is to ri a, m as o s i ns tr um en to s, p or e xc el en -

c ia , d a m emor ia em h is t6 ri a, p er rn it em d el ir ni ta r n lt id am e nt e 0 d om i ni o. T o da g ra nd e

o br a h is to ri ca e 0 p ro pr io g cn er o h ls te ri co 1 14 05 40 w na f or ma d e l ug ar da mem6ria?

T od o g ran de a co nte cim en to e a p ro pria n o9 ao d e a co nte cim en to n llo .sa o,. p or d e-

f in i9 ll 0, l ug ar es d e memor ia ? As d ua s q ue st oe s e xi ge m uma r es po st a precisa,

E ntr e o s liv ro s d e h is to ria sa o u nic am en te lu ga re s d e m em cd a a qu ele s q ue s e

fu nd am n um re ma ne ja me nto e fe tiv o d a m em oria o u q ue c on stitu em o s b re via rie s

p ed ag og ico s. O s g ra nd es m om en to s d e fix a9 a~ d e u ma n ov a m em oria h is to ric a n ilos li o t ao n ume ro so s na F ra nc a, N o s ec ul o XIII : as Grondes Chronlquesd«. France

c on den sa m a m em oria d in astic a e e sta be le cem 0 m od ele d e v aries s Cc ulo s d e tra -

b a lho h i st o ri co . E . n o se cu lo X VI , d ura nte as g ue rra s d e re lig iilo . a e sco la dita d a

"h is to ria p er fe ita " d estro i a le nd a d as o rig en s tro ian as d a m on arq uia e restaeetece

a an tig uid ad e g au les a: a s R ec he rc he s d e 1 0 France. d e E tie nn e p as qu ie r (1 59 9) ,

c on st it uem . n a p ro p ri a modernidade d o titu lo . u ma i1 us tr a~ o e mb le ma lic a. A itu s-

t ra 91 10 do f im d a R e st au ra 9a o i nt ro du z b ru sc am e nt e a c on ce pc ao mo de rn a d e h is to ri a:

as L et tr es s ur l 'h ts to ir e d e F r an c e, d e A u g us ti n T h ie ny (1820) c on st it ui nd o 0 i ni ci o

e s ua p ub lic a9 ilo d efin itiv a e m v olu me , e m 1 82 7 c oin cid in do , p ro xim o d e a lg un s

m es es , c om 0 v er da de ir o p ri me ir o I iv ro d e u rn i1 us tr e d eb ut an te , 0 I+kis d'histoire

modeme de Miche le t , e 0 corneco d o c ur so de G ui zo t s ob re " a h is t6 ri a d a civilizacao

d a E uro pa e d a F ra nc a" . E nfirn , a h is te ria n ac io na l p ositiv a c uja Rev ue h i st o ri que

r e pr e sen ta 0 man if e st o (1876) e c uj a His /D i re d e F r a nc e d e L avisse, em vinte e sete

v ol um e s, c on st it ui 0 mo nw n en to . 0mesmo a s memor ia s q ue , p or s eu p ro prio n om e,

p od eria m p are ce r lu ga re s d e m em oria ; o u m esm o a s a uto bio gra flas o u o s jo ma is

I n tim os . A s Memo ir e s d ' ou t re - tombe, a J l ie d e Hen ry Brulord, ou 0 J ou rn a l d 'Am ie l

s ilo lu ga re s d e m em 6r ia , 1 14 0 po rq ue slio m elh ore s o u m aio re s, m as p orq ue e les

complicam 0 sim ples exerclcio da m em 6ria co m u rn jogo de inten oga940 sobre a

p r 6p r ia mem6ri a. Pode-se dizer 0 m esm o das Memorias de hom ens de Estado. De

S ully a de G aulle, do Testament d e R ic he li eu a o Memor ia l d e S a in te -H e le ne e ao

Journal d e P o in ca re . i nd e pe nd en tem en te d o v al or d es ig ua J d os t ex to s, 0 g !n er o t er n

s ua s c on st an te s e s ua s e sp ec if ic id ad es : i mp li ca n um s ab er d e o utr as M em o ria s, n um

d es do br am en to d o h om em d e e sc rit a e do homem d e a 9i lo , na id en tifica ~o d e u rn

d is cu rs o i nd iv id u al c om outro coletiv o e na insc~ao de um a raz!o p ar ti cu la r n umaraziIo d e E st ad o: t an to s m ot iv os q ue o br ig am , n um p an or am a d a m em 6r ia n ac io na l,

a c on si de ra -l os c om o l ug ar es .

E o s g ra nd es a co nt ec im en to s? S o me nt e d oi s t ip os d en tr e e le s s il o r el ev an te s,

qu e M O d ep en dem , em nada, de seu tam an ho. D e urn lad o os aeontecim entos, por

v ez es I nf im os , a pe na s n ot ad os n o m em en to , ma s a os q ua is , e rn c on tra ste , 0 fu tu ro

r et ro sp ec ti vam en te c on fe ri u a g ra nd io si da de d as o n ge ns , a s ol en id ad e das rupturas

i na ug ur ais . D e o ut re l ad o, o s a co nl ec im en to s o nd e, n o l im it e, nada a co nte ce , m as

q ue ~ o i me d. ia ta me nt e c ar re ga do s d e u rn s en li do s im b 6l ic o e q ue 5 40 e le s p rc pr io s,

n o i ns ta nt e d e s eu d es en vo lv im e nt o, s ua pr 6p ri a c omemor a9 0 0 a nt ec ip ad a. ; a h is to ri a

c on tempo ni ne a, i nt er po st a p el a m i di a, m u lt ip li ca nd o t od o s o s elias t eo ta ti va s d e n at i-

m or to s. D e u rn l ad o, p or e xe mp lo , a e le ~4 0 d e H u go C ap et o, i nc id en te s em d es ta qu e

m as ao q ual wn a p os te ri da de d e d e z s ec ul os t er rn in ad a n o c ad af aJQOa t ri bu i u rn pes oq ue e le M O tin ha n a o rig em . D e o ulro lad o, 0 v ag io d e R e th o nd cs , 0 apertar a m aod e M on to ire o u a d es cid a d os C ha mp s E ly se es n a L ib era t;A o . 0 acontccimento fun-

d ad or o u 0 acontcc imento tspCraculo . Ma s e m n en hum c as o 0 proprio acontec imento;

a dm iti -l o d en tr o d a I l O 9 4 o s ign if ic a ri a n ega r a e spe c if ic id ade . E , a o c on tr 3rio , s ua

ex elusao qu e a delim ita; a m em oria pendu ra-se em lugares, com o a historia em

acon t ec imen t os .

. l ·m i. II i~ '; '; . .. S d nP ", ,/ o. ( /O J• • : ' 1 11 93 Pro f. H l I IO r i ", SdnP,ado . (10) • • 11193 23

II

 

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N ad a im pe de , e m c on tra pa rtid a, n o in te rio r d o c am po , q ue s e im ag in em to da s

a s d is tr ib ui r; Oe s p os sl ve is e t od as a s c la ss if ic ac ce s n ec es sa ri as . D es de o sl ug ar es

m a is n at ur al s, o fe re ci do s p e la experiencia c on cr et a, c om o o s cemitencsos rnuseus,

e o s a ni ve rs ar io s, a te a s l ug ar es m ai s i nte le ct ua lm en te c la bo ra do s, d os q ua is n in gu em

s e p riv ar a; n ao s om en te a n oc ao d e g era ca o, ja e vo ca da , d e lin ha ge m, d e "r eg iiio -

m em oria ", m as a qu ela d e "p artilh as ", so br e a s q ua is e sta o fu nd ad as todas a s p er-

c ep co es d o e sp ac o fra nc es , a u a s d e "p alsa ge m c om o p in tU lll",im ed ia ta me nte

i nt el ig iv el , s e p en sa mo s p ar ti cu la nn en te e m C or ot o u e m Sainte-Victoire de Cezanne .

S e i ns is ti mo s s ob re 0 a sp ec to m ate ria l d os lu ga re s, c le s p r6 prio s s e d is p(lc m n um

v as to d eg ra de . \ ej a- se . p ri me ir o, o s p or ta te is , 040 o s m en os im po rta nte s v is to q ue

o povo da m em6ria da urn exem plo maior com as tabuas dalei; veja-se 0

to po gra fic o, q ue d cv em tu do a s ua lo ca liz ac ao e xa ta e a se u e ru aiz am en to a o s olo :

a ss im , p or e xe mp lo , to do s o s l ug ar es t ur is ti co s. a ss im a B ib li ot ec a n ac io na lt ao l ig ad a .

a o h ote l M az arin q ua nto o s A r qu iv os n ac io na is a o h ote l S o ub is e, V eja -s e o s lu ga re s

m o num en ta is , q ue n ao s ab er ia mo s c on fu nd ir c om o s J ug ar es a rq ui te tu ra is .O s p ri me i-

r os , e st at ua s o u m o num en to s a os m o no s, c on se rv am s eu s ig ni fi ca do e m s ua ex is te n-

c ia I ntr in se ca ; m es mo se s ua lo ca liz ac so e sta lo ng e d e s er in dif ere nte , u ma o utr a

enco ntraria sua justificacao sem alterar a deles. 0 m esm o 0 00 acon te cecom o s

c on ju nto s c on stru id os p elo te mp o. e q ue tir am s ua s ig nific a~ o d as re Ja r;o es c om -p le xa s e ntre s eu s e le me nto s: e sp elh os d o m un do o u d e u ma e po ea , c om o a c ate dr al

d e C ha rtre s o u 0 p al ac io d e V e rs al he s.

A p e ga r- no s- emo s, a o c on tr ar io a dominan te f unc i ona l? De sdob ra r -s e -a 0 leque

d os I ug ar es n it id am e nt e c on sa gr ad os a manurencao d e u ma e xp erie nc ia I ntra ns-

m issiv el e q ue d esaparec em com aq ueles q ue 0 v iv er am , c om o a s a sso cia co es d e

a ntig os c om ba te nte s, a qu ele s c uja r az ao d e s er, ta mb em p ass ag e ir a, e d e o rd em

p ed ag 6g ic a, c om o o s m an ua is , o s d ic io na ri os . o s l es ta me nt os o u a s " li vr os d er nz ao "

q ue , n a e po ca c la ss ic a, o s c he fe s d e fa milia re dig ia m para 0 u so d es eu s d es ce n-

d en te s. S e re mo s n 6s , e nf im , m ai s s en sl ve is a o c om p on en te s im b 6l ic o? Op or em o s,

p or e xe m pl o, o s l ug ar es d om in an te s a os l ug ar es d or ni na do s. O s p ri me ir os , e sp et ac u-

la re s e tr iu nf an tc s, im po ne nte s e g era lm en te im po sto s, q ue r p or u ma a uto rid ad e n a-

cio nal, qu er po r u rn co rp o con stitu ld o, m as sem pre de cim a, tern , m uitas v ezes 8

frieza ou a solen id ade d as cerim on ia s o ficiais' M ais no s deixam os .I eva r do qu e

v am os a e le s. O s se gu nd os sa o o s lu ga re s re fU gio . 0 santuario das f id e li d ade s e spon -

t an ea se d as p er eg ri na r; oe s d o s lle nc lo , E 0 co ray ao v ivo d a m em 6ria. D e u rn lado

o S ac re -C oe ur, d e o utro , a p ere grin ac ao p op ula r a L ou rd es ; d e u rn la de , o s fu ne ra is

n ac io na is d e 'P au l 'k le lY . d e o utro , 0 e nt er ro d e J ean -P aul Sartre; de urn lado a

c erim on ia fu ne br e d e D e G au lle e m N otre D am e. d e o utro , 0 c em i te ri o d e C o lombc y .

26

P od eria mo s re fin ar in fin ita me nte a s c la ss ific ac oe s, O po r o s lu ga re s p ub lic os .

80S lu ga re s p riv ad os , o s lu ga re s d e m em 6r ia p UlO S , qu e e sg ota m in te ira rn en te s ua

f UI l9 i1 o co m em o ra ti va • c om o o s e lo gi os f Un eb re s, D ou au mo nt o u 0 m uro dos Fe-

derado s -, e aq ueles cuja dim en sao de m em 6ria e u ma s6 e ntre 0 fe ix e d e suas

s ig n) fi ca r;O es s im b 6l ic as . b an de ir a n ac io na l, c ir cu lt o d e f es ta , p er eg ri na co es , e tc . 0

in te re ~se d ess e e sb oc o d e tip olo gia n ao e sta n em e m se u rig or n em e m su a e xa ustilo .

N em 'm esm o em sua riqueza evocadora. M as no fato que ela seja posslvel. Ela

m os tra q ue u rn fio in vis fv el lig a o bje to s s em u ma re la r;iI o e v id en te , e q ue a re un illo

so b 0 m es mo c he fe d o P ere -L ac ha is e e d a E sta listic a g er al d a F ra nc a na o e 0 en -

co ntro su rrealista d o gu arda chu va e d o ferro de p assar H A u rn a r ed e a rt ic ul ad a

d es sa s i de nt id ad es d if er en te s, u m a o rg an iz ac do in co ns ci en te d a r ne m6 ri a c ol et iv a

que nos cabe tom ar consciente de si m esilla. O s logares sao nosso m om enta de

hist~ria nacional. .

U ma c ara cte ris tic a s im ple s, m as d ec isiv a, o s c olo ca ra dic alm en te a p arte d e

to do s o s tip os d e h is to ria , a ntig os e n ov os, a os q ua is e sta mo s h ab itu ad os. T od as a s

a pr ox im ac oe s h isl6 ric as e c ie nlif ic as d a m em 6ria , s eja m e la s d irig id as a d a n ac ao

ou a das m entalidades socials, linham a ver com a realia, c om a s p r6 pr ia s c ois as

c uja re alid ad e e m su a m aio r v iv ac id ad e e la s s e e sfo re av am p or a pre en de r. D ife re n-

te me nte d e to do s o s o bje to s d a h is t6 ria , o s lu ga re s d e r ne m6 ria n ao te rn re fe re nte sn a ~ al id ad e . Ou m elh or, e le s sa o, e le s m esm os , se u p r6 prio re fe re nte , s in ais q ue

d evo lvem a si m esm os, sin ais em estad o p uro . N ao q ue nA o t enh am co nteu do , pre.

s en ca f is ic a o u h is t6 ri a; a o contrario. Mas 0 q ue os faz lug ares d e m em oria e aqu ilo

p el o q ue , e xa ta m en te , e le s e sc ap am d a h is t6 ri a. Templum: r e co r te no i nde l enn in ado

do pro fan o - e sp aco o u tem po. espaco e tem po » d e u rn clrc ulo no in terior do q ual

t ud o c on ta , t ud o s im bo li za , t ud o s ig ni fi ca . N es se s en ti do , 0 lu gar d e rnem 6ria e urn

lu ga r d up le ; u rn lu ga r d e e xc es so , fe ch ad o s ob re si m esm o, fe ch ad o s ob re su a id en -

tid ad e; e re co lh id o so br e s eu n om e, m as c on sta nte me nte a be rto s ob re a e xte ns ao d e'

suas s ignif icar ;oes.

E 0 q ue faz su a h ist6 ria a m ais ban al e a m enos co mu m. A ssun tos evid entes,

material 0 r na is c la ss ic o, f on te s d isp on lv eis , o s m eto do s m en os s ofistic ad os .

T erf am os a im pr ess llo d e r eto ma r a hist6ria de a nte on te m. M as tr ata -s e d e o utracoisa. E sses o bjetos 56 sao ap reen siv eis n a em piria a m ais im ediata, m as a m eta-

n is mo , a trama e st a e m o ut ro l ug ar , i na pl o p ar a s e e xp ri mi r n as c at eg or ia s da hist6ria

tra dic io na l, C ritic a h is t6 ric a to ma da to da h ist6 ria c ritic a, e n ao so me nte d e s eu s

p re prio s in str um en to s d e tr ab alh o. D es pe na da d e s i m es ma p ar a v iv er n o se gu nd o

g ra u, H i st 6r ia p ur am en te t ra ns fe re nc ia l q ue , c om o a g ue rr a, e urna an e de execuc so ,

fe ita d a f elic id ad e fra gH d a re la ca o c om 0 o bje to re fr esc ad o e d o e nv olv im en to d o

P r o) : H i st O O . .. S I l o P _ l o, ( 1 01 . da. I ! I9J

1'7.

 

Page 12: Pierre Nora - Entre Memória e História

5/9/2018 Pierre Nora - Entre Memória e História - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/pierre-nora-entre-memoria-e-historia-559ca3349123d 12/12

, ~i: i

'I i I

. .•

. h is to ria do r c om s eu s uje ito . U m a h ist6 ria q ue 5 0 re po us a,lifm ald as c on ta s, s ob re

o q ue c ia m o bi li za , um I ~o fu me , impalpavel, apena s d i zf v el , 0 q u~ pe nn an ec e e m

n 6s d e ap eg o carnal d es en ra iz A ve l a e ss es s lm b ol os , n o c nt an to , J am u rc ho s. Re -

viveocia de um a hist6ria a moda M i ch el et , q ue f az i nv en ci ve lm e nt e p en sa r n es se

acordar do I uto do am or do qual Proust faIou tilo bem , esse m om ento quando a

i n fIu enci a ob s es s iv a c ia p aix !o s e le va nta , e nfim , m as q ua nd o a ve rd ad cira tris te za

e de nilo m ais sofrer daquiIo que nos fez tanto sofrer e que sO passam os a com -

p re en de r c om a s r am es c ia c ab e ea emai s 0 i na ci on a l d o c o J' al tA o .

R e fe re n ci a b er n l it er .i ri a. D e ve -s e l am e n ta -l a o u , a o c o nt ra rl o, ju st it 'i ca -I a c om -

pletam ente? E la a conserva um a vez m ais da e p o c a , A m em6 ri a.. co m e fe it o, ., s6

c on he ce u d ua s f or ma s d e le gitim id ad e: h is t6 ric a o u lite niria . E la s fo ra m, a lia s,

e xe rc id as p ar aI et am e nt e m a s, a te h oj e, s ep ar ad am e nt e. A fronteira ho je de s apa re c e

e so bre a m orte q uase sim ultane a da h is t6 ri a-m em6 ri a e d a h is to ri a- fi cyA o , n as ce

um tipo de hist6ria que deve seu prestigio e sua legi~~e ~sua nova ~~~o

co m 0 p as sa do , u m o utro p as sa do . A h is t6 ria e n os so u na gl lw 'i o ~ s ub st it u~ (j :l l~ .

R en as cim en to d o ro ma nc e h is t6 ric o, m od a d o d oc um en lo p ers on aliz ad o, re vita li-

z ayA o l l- te ra n a d o d r am a h is t6 ri co , s uc e ss o da n a rr at iv a d e h is to ri a o ra l, c omo s er iam

e xp lic ad os s en llo c om o a e ta pa da f icc llo enfraquecida? 0 i nt er es se p el os t u~ sonde se ancora , se condensa e se exprim e 0 c ap ita l c sg ota do d en os sa m em oria

c o le ti va r es sa I ta d e ss a s en si bi li da d e. H i s t6 ri a, p ro fu n di da d e d e um a epoca a r ra n c ada

d e s ua p ro fu nd id ad e, r om a nc e v er da de ir o d e u m a e po ca s em r or na nc ev er da de ir o.

M em 6r ia , p ro m ov ic la a o c en tr o da hist6ria: e 0 l u to man if e st o c ia literatwa.

28

. ~

MITOBIOGRAFIA EM J{IST6RIA ORAL'"Lu i sa Pa s sc r in i "

T ra du ~i Jo :Ma r ia T h er ez in ha J an in e R ib ei ro

A p rim eir a v ista , a re la t;llo e ntre m ito e h is t6 ria p are ce s er a m ais a de qu ad a

pa ra de sc r ev e r 0 c om p le xo e sp ac o d a h is t6 na o ra l. Sa o d oi s p ol es , u rn m a is v ol ta do

p ar a 0 s im b 6l ic o, 0 o ut ro p ar a 0 a nalitic o, en tre o s q uais a rust6 ria o ral se m ove

c on ti nu ame n te . C o nt ud o , q u an d o u rn t en d e a s e a p ro fu n da r, e st a r el a( j: A os e d e st ab il iz a

e os dois p6105 p are ce m s e a pro xim ar . A e xp re ss ao " mito e h is t6 ria " e ng lo ba u rn

s er ie e no rm e d e s ig ni fi ca do s, q ue o br ig a q ue m q ui se r f al ar a r es pe it o a i nd lc ar q ua is

o s s ig ni fi ca do s e sc ol hi do s e m c ad a c as o.. l nic ia lm en te , le mb re mo s q ue a mb os o s te rm os, e m g re go a ntig o, c om pa rti-

l ha va m p el o m e no s u rn s ig ni fi ca do : mythos e istorta tin ha m em com um 0 sentido

d e d is cu rs o o u n alT 8(j: 40 ,e mb ora c ad a u rn r em ete ss e a im plic ay i5 es d is tin ta s. 0

p r ime i ro , a e r np r eend imen to , trama, conto; 0 s eg un do , a b us ca , i nt er ro ga y! o, e xa me .

E s ab id o q ue T uc ld id es , a o c on ce it ua r a h is t6 ri a, f az u m a d is ti n( j: ll o c la ra e nt re

s ua c ie nc ia , b as ea da e m a na lis es c uid ad os as , e 0 okoal, tra di~ es o ra is, se mp re

c on ec ta da s c om <> re in o d o f ab ulo so , o s mythodes. A p osi~ o de T ucld id es e ur n

exe rnp lo daque l c escdndalo q ue M arc el D etie nn e c on sid ero u u rn c om po ne nte d ec i-

sivo cia a ti tu d e o c id e nt al em r el a( j: 4 o ao s m i to s . 0 p ro bl em a , d es de e nt il o, e st ev e e m

como lidar c om e st a s el lS l l( j: ll od e e sc 3n da lo e e nc on tr ar u rn l ug ar a ce it av el p ar a o s

c on te ud os q ue e la I ev an to u. A s f ro nt ei ra s tao n lt id as t ra ca da s p or T uc id id es f or am

a ba la da s c om f re qQ e nc ia , m a s r ar am e nl e s e v ir am n eg ad as e m s ua p ro pr ia e ss en ci a.

E dnd alo em qu e sen tido ? E scao oalo da m ente racio nal e m co nfro nto co m 0

Outro, 0 d iv in o o u 0 alem, 0 s o br en a tu ra l o u 0 in ex plic av el, E m su a o rig em , o s

m it os , d if er en te m en te d a h is t6 ri a, e ra m n ar ra (j :i 5e sq ue t en ta va m e xp ri Jn ir e ss as d i-

• In: S AMUE L. R a ph ee l e mOM P SON. P au l. Them;ths ",,,live by.Londqn a nd N ew Y o rX ,Routledge,1990.

• • P r of o ll or a de M e lo do lo gi a d e P es qu is a H ; 'I 6r ic a n a U n i vc l1 id ad c d e T u ri m. T cxto p r od u zi do p a ra 0 S iXl)'

International Oral History C on fe re no e, O x fo rd , S e pt 1 98 7. T ra du ~l o a ut or iz ad a p cl os e di to rc s.

Pro f, H1s t6 r ia , S40 P t lM la .(to). t I,1. I99J '29

I'J.