phronesis, a realização da ética hermison frazzon da cunha

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Phronesis: a realização prática da ética Inúmeros filósofos trataram dos costumes e das relações das pessoas entre si. Desde os pré-socráticos tinha-se uma forma de analisar e explicar como estas relações se davam. Foi, porém, com o filósofo Aristóteles (384 322 ac) que este estudo ganhou um status de conhecimento científico. Eis a ética, oriunda do Grego ethos, termo que é pertinente a organização e costume de uma sociedade. Aristóteles escreveu três importantes obras sobre o tema: Ética a Nicômacos, Ética a Êudemos e Ética Maior (Magna Moralia); contudo, foi Ética a Nicômacos a obra que ganhou maior posteridade, mesmo tendo alguns capítulos em comum com as outras duas obras. Alguns estudiosos afirmam que o filósofo dedicou a obra ao pai Nicômacos, outros por sua vez, ao filho de mesmo nome, todavia é certo que se trata de uma obra dedicada aos homens, e não só os do tempo em que foi escrita. Pois se o leitor ignorar a data do livro, - devido aos problemas que continuam a afligir a sociedade -, ele poderá imaginar que os escritos datam de duas décadas atrás e não mais de dois milênios como é o caso. Na obra Aristóteles preconiza que o indivíduo tende a um fim, e este fim seria a felicidade (eudaimonia). Esta felicidade, que é ulterior aos desejos carnais, repousa na contemplação de uma verdade eterna. Verdade que é buscada somente pela atividade humana voltada para o bem. Notadamente encontra-se neste ponto uma divergência com o pensamento platônico voltado ao inatismo. Enquanto este afirma que ao indivíduo a idéia do bem já é inata, Aristóteles defende que só é alcançado o bem pelo exercício. Inspirado nas duas teses acima citadas, Miguelangelo pintou uma famosa tela em que Platão aponta para cima e Aristóteles para baixo, para os homens, para o mundo real onde as coisas se efetivam. Neste sentido no Livro I de Ética a Nicômacos Aristóteles pergunta: “Podemos aprender a ser felizes, ou podemos ser felizes graças ao

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Page 1: Phronesis, a realização da ética   hermison frazzon da cunha

Phronesis: a realização prática da ética

Inúmeros filósofos trataram dos costumes e das relações das

pessoas entre si. Desde os pré-socráticos tinha-se uma forma de analisar

e explicar como estas relações se davam. Foi, porém, com o filósofo

Aristóteles (384 – 322 ac) que este estudo ganhou um status de

conhecimento científico. Eis a ética, oriunda do Grego ethos, termo que é

pertinente a organização e costume de uma sociedade. Aristóteles

escreveu três importantes obras sobre o tema: Ética a Nicômacos, Ética a

Êudemos e Ética Maior (Magna Moralia); contudo, foi Ética a Nicômacos

a obra que ganhou maior posteridade, mesmo tendo alguns capítulos em

comum com as outras duas obras.

Alguns estudiosos afirmam que o filósofo dedicou a obra ao pai

Nicômacos, outros por sua vez, ao filho de mesmo nome, todavia é certo

que se trata de uma obra dedicada aos homens, e não só os do tempo

em que foi escrita. Pois se o leitor ignorar a data do livro, - devido aos

problemas que continuam a afligir a sociedade -, ele poderá imaginar que

os escritos datam de duas décadas atrás e não mais de dois milênios

como é o caso.

Na obra Aristóteles preconiza que o indivíduo tende a um fim, e este

fim seria a felicidade (eudaimonia). Esta felicidade, que é ulterior aos

desejos carnais, repousa na contemplação de uma verdade eterna.

Verdade que é buscada somente pela atividade humana voltada para o

bem.

Notadamente encontra-se neste ponto uma divergência com o

pensamento platônico voltado ao inatismo. Enquanto este afirma que ao

indivíduo a idéia do bem já é inata, Aristóteles defende que só é

alcançado o bem pelo exercício. Inspirado nas duas teses acima citadas,

Miguelangelo pintou uma famosa tela em que Platão aponta para cima e

Aristóteles para baixo, para os homens, para o mundo real onde as

coisas se efetivam. Neste sentido no Livro I de Ética a Nicômacos

Aristóteles pergunta:

“Podemos aprender a ser felizes, ou podemos ser felizes graças ao

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hábito ou a algum tipo de exercício, ou então à providência divina ou

finalmente graças a sorte”.

O autor vai afirmar que pela Phronesis, isto é, sabedoria prática, que

o indivíduo terá discernimento para orientar a sua ação. Ação que deve

ser pautada pela virtude (areté), esta que é a maneira de caminhar na

trilha da excelência moral, conforme o Livro II:

“As coisas que temos de aprender antes de fazer, aprendemo-las

fazendo-as. Por exemplo, os homens se tornam construtores construindo,

e se tornam citaristas tocando cítara; da mesma forma tornamo-nos

justos praticando atos justos”.

No livro “Textos básicos de ética” o autor Danilo Marcondes aponta

uma dificuldade da manifestação da areté na sociedade. Diz ele que a

maior parte das pessoas não obedece naturalmente ao sentimento de

honra, mas somente ao de temor, se estas pessoas praticam atos

coniventes com a excelência moral é devido ao medo da punição.

Certamente Aristóteles conhecia bem as deficiências morais da

sociedade em que vivia, do contrário, não teria professado sobre o tema,

contudo pareceu ingênuo ao afirmar que: tal qual as abelhas a sociedade

se organiza, isto é, em mútua cooperação. De fato Maquiavel e Hobbes

leram Aristóteles, porém, Aristóteles, - devido a incontemporaneidade -,

não os leu, ficando com a idéia do homem como um animal social zoon

politikon.

Hermison Frazzon da Cunha

Publicado no Recanto das Letras em 31/01/2008

Código do texto: T840783

Fonte: http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/840783