pg5p

12
1 ESTUDO COMPARADO DO DIREITO PROCESSUAL PENAL DE MACAU E DA CHINA 1 2 Xiao Shengxi 3 Suo Zhengjie 4 O direito de Macau e o da China pertencem ambos ao sistema de di Embora o novo Cdigo de !rocesso !enal !ortugu"s de #$%% siga a pr&tica do si anglo'saxnico caracteri(ado pelo impulso processual por iniciativa dos parti a estar em vigor em Macau o Cdigo de !rocesso !enal de #$*$. +e tal resultam muitas semelhan,as entre as legisla,-es processuais penais de Macau e da China) nome no ue di( respeito ao princ/pio in uisitrio do jui( e ao objectivo principa verdade. 0odavia) desde #$12) nomeadamente aps a celebra, o da +eclara, o Con uso'Chinesa em #$%1) o direito processual penal de Macau j& so5reu duas alt das uais consistente no re5or,o das garantias dos direitos humanos do acusad acelera, o do processo de locali(a, o jur/dica. Em contrapartida) j& em #$$3 e embora o actual Cdigo de !rocesso !enal chin"s apenas tivesse entrado em vigor em #$% come,ou as actividades conducentes 7 altera, o do Cdigo de !rocesso !enal) t considera, o a necessidade de re5or,o das garantias dos direitos humanos e de procedimentos legais decorrente da mudan,a da sociedade no 8mbito do desenvo pro5undo da !ol/tica de 9e5orma e :bertura para o Exterior. !or conseguinte) o estudo comparado do processo penal de Macau e da China) na medida em ue os dois territrios t"m a mesma tradi, o jur/dica e est o ambos em per/odo de mudan,a) ; signi5i promo, o do interc8mbio entre Macau e a China) a re5orma e o progresso em mat administra, o da justi,a) contribuindo para o conhecimento m<tuo das suas van desvantagens. #. Compara, o entre legisla, o processual penal de Macau e da China uanto 7 5ontes= : legisla, o em mat;ria de processo penal de Macau tem) 5undamentalmente) du Cdigo de !rocesso !enal !ortugu"s de #$*$ e a Constitui, o da 9ep<blica !ort #$12. : primeira constitui uma cria, o legislativa com sucesso da d;cada 1 Texto da comunicação proferida no Seminário “Questões Jurídicas do Período de Transição de Macau”, orani!ado pe"a #ni$ersidade de %ireito e &i'ncia Po"ítica da &(ina em co"a)oração com *a)inete para a Tradução Jurídica, a 1+ e 11 de o$em)ro de 1--., em Pe/uim0 2 e"a)oração do texto te$e co"a)oração do in$estiador assistente Mi Jian do 3nstituto do %i &omparado da #ni$ersidade de %ireito e &i'ncia Po"ítica da &(ina0 4 Professor 2ssociado0 5 Mestre da 6acu"dade de %ireito da #ni$ersidade de %ireito e &i'ncia Po"ítica da &(ina0

Upload: fernando-striker

Post on 02-Nov-2015

212 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

processo penal

TRANSCRIPT

ESTUDO COMPARADO DO DIREITO PROCESSUAL PENAL DE MACAU E DA CHINA

ESTUDO COMPARADO DO DIREITO PROCESSUAL PENAL DE MACAU E DA CHINA[footnoteRef:2] [footnoteRef:3] [2: Texto da comunicao proferida no Seminrio Questes Jurdicas do Perodo de Transio de Macau, organizado pela Universidade de Direito e Cincia Poltica da China em colaborao com o Gabinete para a Traduo Jurdica, a 10 e 11 de Novembro de 1995, em Pequim. ] [3: A elaborao do texto teve colaborao do investigador assistente Mi Jian do Instituto do Direito Comparado da Universidade de Direito e Cincia Poltica da China.]

Xiao Shengxi[footnoteRef:4] [4: Professor Associado.]

Suo Zhengjie[footnoteRef:5] [5: Mestre da Faculdade de Direito da Universidade de Direito e Cincia Poltica da China.]

O direito de Macau e o da China pertencem ambos ao sistema de direito continental. Embora o novo Cdigo de Processo Penal Portugus de 1988 siga a prtica do sistema anglo-saxnico caracterizado pelo impulso processual por iniciativa dos particulares, continua a estar em vigor em Macau o Cdigo de Processo Penal de 1929. De tal resultam muitas semelhanas entre as legislaes processuais penais de Macau e da China, nomeadamente no que diz respeito ao princpio inquisitrio do juiz e ao objectivo principal da descoberta da verdade. Todavia, desde 1976, nomeadamente aps a celebrao da Declarao Conjunta Luso-Chinesa em 1987, o direito processual penal de Macau j sofreu duas alteraes, uma das quais consistente no reforo das garantias dos direitos humanos do acusado e a outra na acelerao do processo de localizao jurdica. Em contrapartida, j em 1993 e embora o actual Cdigo de Processo Penal chins apenas tivesse entrado em vigor em 1980, a China comeou as actividades conducentes alterao do Cdigo de Processo Penal, tendo em considerao a necessidade de reforo das garantias dos direitos humanos e de recurso a procedimentos legais decorrente da mudana da sociedade no mbito do desenvolvimento profundo da Poltica de Reforma e Abertura para o Exterior. Por conseguinte, o estudo comparado do processo penal de Macau e da China, na medida em que os dois territrios tm a mesma tradio jurdica e esto ambos em perodo de mudana, significativo para a promoo do intercmbio entre Macau e a China, a reforma e o progresso em matria de administrao da justia, contribuindo para o conhecimento mtuo das suas vantagens e desvantagens.

1. Comparao entre legislao processual penal de Macau e da China quanto s suas fontes:

A legislao em matria de processo penal de Macau tem, fundamentalmente, duas fontes: o Cdigo de Processo Penal Portugus de 1929 e a Constituio da Repblica Portuguesa de 1976. A primeira constitui uma criao legislativa com sucesso da dcada de 30 deste sculo, regulando pormenorizadamente o processo penal atravs de dois livros, doze ttulos, trinta e um captulos e setecentos artigos. Este Cdigo, no entanto, encontra-se eivado do esprito do processo inquisitrio. A segunda, fruto relevante da Revoluo de 25 de Abril, define enquanto lei suprema o sistema democrtico do Estado de Direito com base na proteco da dignidade humana, no respeito da vontade do povo, na garantia dos direitos dos cidados e no liberalismo. No ttulo II de Direitos, Liberdades e Garantas da Constituio constam as disposies gerais relativas ao sistema de processo penal, as quais so relativas s garantias dos direitos do homem e aos limites do poder do Estado no mbito do processo penal. De tal resulta uma tendncia manifesta para reforar a proteco dos direitos do homem. Estas disposies constitucionais enformam os princpios fundamentais do sistema do processo penal de Macau em vigor, nomeadamente no que diz respeito priso preventiva, ao Habeas Corpus e s garantias no processo penal. Segundo estes disposies, a priso preventiva pode ser aplicada ao infractor em flagrante delito ou quele, em relao ao qual se verifiquem fortes indcios da prtica de crime doloso a que corresponda pena de priso superior a trs anos, mas desde que o juiz julgue dentro do mais curto espao de tempo possvel, sejam garantidos os direitos de defesa ao detido e se cumpra o princpio da proporcionalidade e os prazos legais. O Habeas Corpus poder ser considerado como um meio de defesa contra a priso preventiva ilegalmente aplicada pelo rgo judicial. O prprio detido ou qualquer cidado com direitos polticos poder solicitar a providncia do Habeas Corpus ao tribunal judicirio ou ao tribunal militar contra a priso preventiva ilegal, sobre a qual o juiz dever proferir uma deciso segundo a lei. As garantias relativas ao processo penal revelam-se nomeadamente nos princpios da defesa, da presuno de inocncia, do julgamento clere, do acusatrio e da discusso, no sistema da instruo do juiz e ainda nas regras de afastamento das provas ilegais. As duas fontes principais do direito processual penal de Macau reflectem claramente a tendncia de evoluo do seu sistema jurdico de direito processual penal. Assim, o processo penal de Macau, o qual inicialmente se empenhava apenas na descoberta da verdade, passou a preocupar-se tambm com a legitimidade do procedimento jurdico a fim de melhor conciliar os dois aspectos essenciais da lei processual penal actual: o combate ao crime e a garantia dos direitos do homem.

As fontes da lei de processo penal da China so, em primeiro lugar, a Constituio de 1982, o Cdigo de Processo Penal de 1979 e algumas disposies concretas publicadas pelo Ministrio da Segurana Pblica, pela Procuradoria Popular Suprema e pelo Tribunal Popular Supremo.

Por comparao com Macau, as disposies da Constituio de 1982 sobre o processo penal so relativamente simples. O seu captulo II de Direitos e Deveres Fundamentais dos Cidados define tambm a liberdade dos cidados, a dignidade humana, assim como a inviolabilidade do domiclio, a liberdade de comunicao e a privacidade. Aparece apenas um artigo ( artigo 37 ) como disposio processual sobre a proteco da liberdade pessoal dos cidados. O captulo III rgos estaduais contm disposies relativas natureza do tribunal popular e da Procuradoria, aos princpios e regime do seu funcionamento e aos direitos de defesa do arguido. Todavia, estas visam apenas regular o funcionamento do poder do Estado no mbito do processo penal, estando omissos os limites processuais deste poder e as garantias processuais dos direitos dos cidados. Por outro lado, o Cdigo de Processo Penal actual contm apenas 164 artigos, na sua maioria disposies gerais. No que diz respeito aos princpios e regimes consagrados em outros pases do Mundo, designadamente o princpio da presuno de inocncia, as regras de afastamento das provas ilegalmente obtidas e o direito de constituio de advogado durante todo o processo penal, os quais so medidas eficazes de garantia dos direitos do arguido, no Cdigo Processo Penal da China ou no esto expressamente estabelecidos ou esto expressamente proibidos. Deste modo, o processo penal da China expressa fortemente o princpio inquisitrio: reala o combate ao crime, no dando tanta importncia s garantias dos direitos humanos.

A China e Macau tm a mesma tradio jurdica. Todavia, a grande diferena dos seus sistemas de processo penal tem por base um pano de fundo histrico. Em primeiro lugar, a Constituio da Repblica Portuguesa de 1976, fruto da Revoluo de 25 de Abril, reflecte juridicamente as expectativas do povo portugus em matria de democracia e liberdade. Durante 1979 e 1982, com o fim da Revoluo Cultural, sob a Poltica da Reforma e Abertura ao Exterior, o povo chins veio a desejar fortemente estabilidade social e um rigoroso combate ao crime, o que se veio a manifestar externamente no campo do direito. Em segundo lugar, por comparao com a China, o direito processual penal de Macau tem uma histria mais longa e por isso as suas disposies legais so mais pormenorizadas, suficientes e operativas, ao mesmo tempo que tal constitui ainda o resultado de uma prtica judicial e de um estudo terico durante um perodo longo de tempo. A China, no entanto, tem reconstrudo o seu sistema jurdico de processo penal desde h apenas 16 anos. Tendo em conta o facto de se estar na fase inicial do estudo terico, no surpreendente que a Constituio chinesa e o Cdigo de Processo Penal sejam ainda muito simples. Em terceiro lugar, na prossecuo dos fins do direito processual penal, em Macau a passagem da tradio de combate ao crime a de reforo da proteco dos direitos humanos constitui uma exigncia necessria da evoluo do direito processual penal e o seu resultado necessrio num momento em que as prticas do processo penal e o desenvolvimento terico j atingiram um determinado estado histrico. A China, pelo contrrio, tem vindo a privilegiar a funo do processo penal de combate ao crime. Todavia, a alterao actual do Cdigo de Processo Penal resulta, em princpio, da exigncia de reforo da proteco dos direitos humanos. Este facto encontra correspondncia tambm no ciclo de evoluo do processo penal. Note-se a este propsito o trabalho de redaco do novo Cdigo de Processo Penal de Macau iniciado em 1990, constituindo este uma componente importante da localizao jurdica de Macau. Comparando-se este e a alterao ao Cdigo de Processo Penal da China, verifica-se, no entanto, uma diferena substancial.

2. Comparao da jurisdio penal:

Esta questo relevante para Macau no perodo de transio. O Cdigo de Processo Penal de 1929 contm disposies especficas sobre a jurisdio em funo da hierarquia e do territrio. Macau anteriormente tinha apenas dois tribunais de 1 instncia: o Tribunal da Competncia Genrica e o Tribunal Administrativo. Competia ao primeiro a jurisdio penal. O recurso cabia ao tribunal da 2 instncia da comarca de Lisboa. Com a publicao da Constituio de 1976, constituiu-se em Macau o tribunal de instruo criminal, ao qual competia o inqurito preliminar sobre as infraces cuja pena de priso fosse superior a 2 anos e as instrues preparatria e contraditria, tendo tal tribunal competncia para deduzir acusao. No perodo de transio, as normas constitucionais revistas em Portugal em 1989, o Estatuto Orgnico de Macau (1990), a Lei de Bases da Organizao Judiciria de Macau, o Regulamento Geral da Organizao Judiciria de Macau e a Lei Orgnica do Tribunal de Contas ( todos de 1991) constituram o sinal de independncia e a base legal do sistema judicirio de Macau. Alm dos 3 tribunais acima referidos, como tribunais da 1 instncia, actualmente encontram-se constitudos em Macau o Tribunal Superior, o Tribunal de Contas e dois Conselhos Judicirios. Naturalmente, a jurisdio penal de Macau sofreu uma grande mudana. Todos os processos de recurso e a maior parte de processos para 2 instncia j no sero transferidos para Portugal, sendo julgados directamente em Macau. Segundo os preceitos dos instrumentos legais atrs referidos, os tribunais de Macau so independentes de qualquer rgo da Administrao, incluindo o Governador e a Assembleia Legislativa, bem como de qualquer rgo de Portugal. Os tribunais de Macau, no entanto, devero cumprir as decises de recurso proferidos pelo tribunal hierarquicamente superior.

A jurisdio penal da China possui as caractersticas prprias. Em Macau o termo jurisdio penal apenas se refere jurisdio do tribunal, o que encontra correspondncia em outros Estados. Pelo contrrio, na China a jurisdio penal tem tambm disposies sobre a competncia em razo da matria. A competncia em razo da matria, designada ainda por competncia sectorial, consiste na diviso do trabalho na resoluo de um caso penal entre o rgo de segurana pblica, o Ministrio Pblico e o tribunal. O artigo 13 do Cdigo de Processo Penal refere que [c]ompete ao tribunal popular o conhecimento dos processos penais cuja acusao dependa de queixa ou dos de menor gravidade que no se sujeitem investigao, admitindo-se a sua conciliao. Compete ao Ministrio Pblico o inqurito e a propositura da acusao pblica em relao a crimes de corrupo, de violao dos direitos democrticos dos cidados, de usurpao e outros para os quais o Ministrio Pblico Popular considera necessria a sua interveno. Compete ao rgo de segurana pblica a investigao dos outros processos. Por outro lado, nenhum tribunal das regies administrativas tem o alto grau de autonomia e a independncia que tm os de Macau. Tal constitui um aspecto caracterstico e um contedo prprio do perodo de transio em que Macau se encontra assim como da localizao jurdica de Macau. A partir de 1999, O Governo da China voltar a exercer poderes de soberania sobre Macau. Segundo a poltica um pas, dois sistemas consagrada na Declarao Conjunta Luso-Chinesa, o Governo chins aplicar o sistema socialista no Continente e o sistema capitalista em Macau. No contexto histrico-poltico, no possvel um sistema jurdico uniforme em Macau e na China. Por isso, o facto de se conferir a jurisdio de ltima instncia a Macau integra-se necessariamente na poltica de um pas, dois sistemas. Esta situao muito diferente da das outras regies administrativas da China.

3. Comparao da fase de investigao:

A instruo em Macau, correspondente fase da investigao do processo penal da China, abrange a investigao. Pelo contrrio, a investigao na China entendida em sentido lado, incluindo a fase da instruo.

Em Macau, compete ao juiz do Tribunal de Instruo Criminal promover a instruo, assemelhando-se neste aspecto ao sistema de instruo do juiz em Frana e ao sistema de investigao do juiz na Alemanha. Assim, o sistema de Macau possui as caractersticas tpicas de um sistema de direito continental. Diferentemente, porm, o juiz do Tribunal de Instruo Criminal dever assegurar todo o trabalho nessa fase, fazendo as diligncias que entender necessrias para a descoberta de verdade, por sua iniciativa ou a solicitao do Ministrio Pblico, mediante o pedido do acusador ou acusado. Com base na Constituio de 1976, o juiz poder ainda, nos termos da lei, delegar em outra entidade a competncia necessria pratica dos actos instrutrios no directamente relacionados com os direitos fundamentais dos cidados. A fase da instruo divide-se em dois aspectos: o da recolha das provas e o da utilizao de medidas de coaco. O Cdigo de Processo Penal contm as disposies pormenorizadas relativamente denncia do crime, ao interrogatrio, liberdade provisria, discusso e ao resultado da instruo. Na instruo, as provas podero ser obtidas por qualquer via legal. Os autos, as fotografias, os indcios do crime, o lugar da ocorrncia do crime e todos os elementos relativos ao modo da prtica do crime, bem como pessoa contra quem tenha sido praticado o crime podem ser provas depois do exame e da inspeco. O Ministrio Pblico, o denunciador, o lesado, o acusador assim como qualquer outra pessoa cuja ajuda o juiz considere til para a descoberta da verdade obrigam-se, se necessrio, produo de provas e realizao de depoimentos, no podendo recusar-se a tal. Mesmo assim, o interdito, o menor, os familiares das partes e o advogado, o magistrado do Ministrio Pblico, o notrio, o mdico e os deputados da Assembleia podem ser dispensados em algumas situaes. Quem produza provas falsas, poder ser detido, estando ento sujeito a uma eventual condenao nos termos legais. Quem se recuse a depor depois de ser aconselhado a tal, estar sujeito a uma pena de priso no superior a 2 anos. proibida a utilizao de qualquer medida ilegal para obteno de provas na instruo, dispondo-se que se probe a utilizao de medidas ilegais mesmo na situao em que o acusado d o seu consentimento. Nos termos da Constituio de 1976, so nulas todas as provas obtidas atravs de tortura, coaco, ofensa da integridade fsica ou moral da pessoa, abusiva intromisso na vida privada, no domiclio, na correspondncia ou nas telecomunicaes. Relativamente s condies previstas para priso a preventiva e aos meios de defesa no caso de a sua aplicao ser ilegal, j fizemos referncia na 1 parte do presente texto, no se querendo repet-la.

A investigao na China assegurada pelo rgo de segurana pblica ou pelo Ministrio Pblico consoante os casos. Estes so dois servios pblicos diferentes em termos da sua natureza, um sendo rgo administrativo e outro rgo judicial. Em geral, os dois rgos no interferem mutuamente nas sua tarefas concretas. O tribunal no tem poder de investigao, no intervindo em tarefas que cabem ao rgo responsvel pela investigao. Apenas se verificam limites sua investigao no processo de captura. Apenas o Ministrio Pblico e o tribunal podem proferir decises de captura, o rgo da segurana pblica assegurando apenas a sua execuo. Para efeitos de captura, o rgo da segurana pblica necessita de autorizao do Ministrio Pblico a um mesmo nvel. O sistema em causa refora fortemente o poder da investigao para descoberta rpida e correcta da verdade e determinao do respectivo infractor, determinando, em larga medida, a leso dos direitos das partes durante o procedimento de investigao. Para alm disso, o arguido, em Macau, tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo. No entanto, na China, no se admite a constituio de defensor durante a fase da investigao, da resultando a diminuio da proteco dos direitos do arguido nessa fase. A investigao na China abrange a recolha das provas necessrias descoberta da verdade e a utilizao de medidas da coaco. As disposies do processo penal referem-se s diversas diligncias de investigao, tais como o interrogatrio do acusado, a inquirio das testemunhas, o exame, a inspeco, a busca, a deteno, a peritagem e a localizao do acusado. Vale a pena realar que, embora no estejam definidas as provas e medidas de coaco no captulo da investigao, constando as respectivas disposies do captulo das provas e do captulo das medidas de coaco, ambos da parte geral, temos que o referir aqui de modo a compar-lo globalmente com o procedimento de instruo de Macau. O Cdigo de Processo Penal dispe que todos os factos susceptveis de comprovar a verdade so provas, tais como a prova real, a prova documental, o depoimento de testemunhas e a narrao, a confisso e defesa do arguido, a concluso dos peritos e os autos de exame e inspeco. Quem conhea as circunstncias do caso, obrigado a depor. No possvel actuarem como testemunhas os deficientes fsicos e morais, o menor e ainda quem no tenha capacidade de avaliao ou no se possa exprimir correctamente. Na China no existem disposies relativas dispensa da produo das provas. Tambm no se dispe concretamente quanto s medidas punitivas a adoptar relativamente a quem se recuse a depor. Dispe-se ainda que se probe a obteno das provas atravs de tortura, coaco, seduo, engano e outras medidas ilegais. No existem disposies expressas sobre os efeitos das provas ilegalmente obtidas. No ano passado as Disposies Concretas sobre o Conhecimento dos Processos Penais aprovadas na 593 reunio da Comisso de Julgamento do Tribunal Superior Popular entendiam que no se considera como provas as testemunhas, depoimentos de testemunhas, narrao do lesado e confisso do acusado obtidos atravs de tortura, coaco, seduo, engano e outras medidas ilegais. As medidas de coaco na China so as seguintes: a citao, a liberdade provisria, a vigilncia do domicilio, a priso preventiva e a captura. Algumas prticas tm, em regra, sofrido crticas at agora tal como, nomeadamente, a inexistncia de fiana patrimonial e a utilizao constante da investigao com privao da liberdade (uma medida administrativa mas no processual criminal) por as condies previstas para a captura serem to exigentes. Comparativamente com Macau, o Cdigo de Processo Penal da China no prev os meios adequados para afastar as medidas de coaco ilegalmente utilizadas.

Assim se v que a China tem uma enorme capacidade e vantagem no combate ao crime na fase de investigao. O que poder servir de modelo a Macau. Assim, por exemplo, o juiz de instruo criminal poder investigar com o magistrado do Ministrio Pblico e com outros organismos, a fim de descobrirem com celeridade e segurana a verdade sobre o crime e os criminosos. Mas na fase de investigao na China existem tambm muitas deficincias, principalmente faltando limites actividade de investigao ou sendo limitada a sua eficcia, aumentando-se, por um lado, a possibilidade de violao dos direitos do acusado e, por outro, prejudicando-se permanente, eventual e gravemente o prestgio da justia do pas e a autoridade das leis estaduais. Por isso, muitas pessoas tm feito sugestes para melhorar o processo actual de investigao. Entendemos que o processo de investigao em Macau deve ser tomado como modelo para a China no que respeita a: 1 poder de controlo do tribunal quanto actividade investigatria e ao rgo de investigao, cabendo ao juiz, por exemplo, autorizar a captura e decidir sobre a atribuio do Habeas Corpus; 2 atribuio do direito de dispensa de depoimento da testemunha; 3 medidas de sano a aplicar a quem que se recuse a depor; 4 regras de afastamento de provas ilegais; 5 meios de defesa contra a utilizao ilegal de medidas de coaco; 6 o direito do acusado de constituio de advogado.

4. Comparao da fase de acusao:

Aps a instruo, dentro dos limites da sua competncia, o Ministrio Pblico deve deduzir acusao por referncia ao comportamento criminoso, cuja existncia, natureza e responsabilidade sejam suficientemente indiciadas e determinadas. O juiz recusar, mediante despacho respectivo, a acusao do Ministrio Pblico ou das partes cujo objecto tenha sofrido alterao substancial em virtude de, do ponto de vista do juiz, no se verificar correspondncia entre o facto e esta acusao e para que seja feita nova acusao. Caso contrrio, na eventualidade de confirmao do facto constante da acusao pelo Ministrio Pblico, o juiz poder decidir imediatamente no sentido da aceitao da acusao em causa. No caso em que a instruo contraditria no seja obrigatria, o juiz dever citar o arguido e o seu defensor para estes, nos prazos legalmente previstos, e caso o queiram, realizarem as peties e apresentarem as provas relativas instruo contraditria. Depois o juiz decidir no sentido da aceitao da acusao ou ordenar a realizao de instruo contraditria atravs do despacho respectivo. Assim se organiza o processo de acusao pblica em Macau. A diferena relativamente ao processo da acusao pblica na China reside em que todos os casos que exijam a acusao pblica ou que possam beneficiar da dispensa da acusao, incluindo os casos cuja investigao seja feita apenas pelo rgo da segurana pblica ou pelo Ministrio Pblico, so submetidos apreciao do Ministrio Pblico. O Ministrio Pblico pode interrogar o arguido e investigar as provas, no tendo o arguido direito de constituir advogado, e a exigir investigao suplementar ou a deduzir acusao pblica nessa fase, cuja deciso de competncia exclusiva do Ministrio Pblico. Por outro lado, na China, quanto aos casos de acusao pblica, o tribunal faz uma apreciao antes do julgamento do processo, decidindo entre comear o julgamento, o devolver ao Ministrio Pblico para este realizar investigao suplementar ou solicitar o cancelamento da acusao ao Ministrio Pblico. O processo relativo aceitao da acusao faz parte na China no da fase da acusao mas antes da fase do julgamento. Os dois sistemas assemelham-se na medida em que o juiz realiza uma apreciao global do caso acusado quanto sua substncia e ao seu processo. Na China considerar-se- que essa prtica tem deficincias j que o juiz que aprecie previamente o processo o mesmo que o conhece. Antes do conhecimento do caso muitas vezes o juiz j ter chegado a uma concluso em relao ao caso e at eventualmente elaborado uma sentena condenatria, perdendo-se o sentido prprio do conhecimento no juzo do caso, relativamente ao qual se tenha procedido a uma acusao. Muitos estudiosos pretendem restringir o mbito da pre-apreciao judicial s questes processuais ou propor a adopo do Princpio da Petio nica. Mas o mais eficiente ser que o juiz que aprecie previamente o processo no seja o mesmo que o conhea no juzo. Talvez esta situao tambm exista em Macau.

Macau e a China adoptam ambos o modo de acusao particular. Deve-se realar que em Macau o mbito da legitimidade para deduo de acusao particular mais alargado do que na China. A China entende que as pessoas que possam fazer acusao particular sero o lesado e os seus representantes legais. Em Macau, alm do lesado, em determinados casos, podem ser acusador particular o cnjuge do lesado, os seus ascendentes e descendentes, os seus irmos e herdeiros, os seus familiares da linha colateral at ao 3 grau e todo aquele que declare em tribunal a sua vontade de exercer o direito de acusao. Por outro lado, qualquer pessoa tem o direito de intentar aco penal contra os crimes de desvio de fundos pblicos, de corrupo e de fraude. Alguns servios administrativos e as pessoas colectivas com poderes delegados especiais tambm podero, em certas situaes, intentar aco penal. Esta situao no se verifica na China. Existe no sistema de acusao de Macau uma disposio, inexistente na China, referente posio processual do acusador. No processo oficiosamente iniciado pelo Ministrio Pblico ou realizado com base em queixa, quem tenha direito de queixa, pode ser acusador. Nesse caso, ele no acusador no juzo, mas antes acusador na anlise e identificao da queixa efectuada pelo Ministrio Pblico. Intentada a aco pblica pelo Ministrio Pblico, o queixoso poder requerer e declarar respeitar a deciso do Ministrio Pblico quanto aco pblica, podendo continuar a intervir nos actos subsequentes na qualidade de acusador desde que haja um advogado que intervenha na aco em sua representao. Todavia, no caso em que a instaurao da aco dependa de queixa do acusador, a interveno do Ministrio pblico cessa logo que o acusador requeira a renncia ou a desistncia da aco. Na China, o queixoso pode colocar-se na posio jurdica do acusador particular no processo de acusao particular e actuar como lesado ou testemunha no processo de acusao pblica.

Comparando o regime jurdico de acusao dos dois territrios, podemos verificar que o de Macau possui as seguintes caractersticas: 1 D importncia proteco dos direitos dos particulares, o conceito de queixoso bastante amplo e o denunciador assume a posio de acusador do denunciador, o que pode aumentar a interveno dos cidados na aco. Isto implica, por um lado, que sejam conferidos muitos direitos processuais s partes na aco, o que possibilita a sua ampla interveno, serve melhor a descoberta da verdade e alivia o encargo dos rgos judiciais. Por outro lado, os lesados no caso podem ser melhor indemnizados e os seus prprios interesses melhor protegidos. 2 D importncia proteco dos benefcios sociais, j que todas as pessoas dispem do direito de denunciar um caso de corrupo, o que demonstra o grau de importncia que reveste em Macau a resoluo deste tipo de crime. O crime de corrupo muito prejudicial para todo o Mundo. Revela-se muito inteligente que Macau motive os cidados no combate a esse crime atravs do processo penal. Em comparao, o regime de acusao na China dispe das seguintes caractersticas: 1 Modera o direito de acusao do cidado, limitando o mbito da legitimidade para deduo de acusao, evitando a denncia feita por quem no tenha direito de denunciar, prevenindo os prejuzos causados ao cidado em resultado de uma aco e impedindo que a estabilidade e solidariedade sociais sejam abaladas. 2 O Estado d extrema importncia ao processo penal, entendendo que o crime no s prejudicial para o cidado, como tambm pe em causa a sociedade e o poder poltico do Estado. Da que o Estado esteja muito atento s funes dos rgos estatuais na aco penal. O Ministrio Pblico, enquanto rgo de acusao pblica, desempenha em larga medida as funes de acusao.

5. Comparao da fase de julgamento:

Macau e a China tm ambos ordenamentos de direito continental, assistindo-se na fase de julgamento a uma forte interveno do juiz. Assim, cabe-lhe presidir ao julgamento, interrogar o acusado, inquirir as testemunhas e produzir as provas. Compete-lhe, ainda, realizar as diligncias necessrias descoberta da verdade, assumindo uma postura dinmica. Pelo contrrio, as partes no so to antagnicas e dinmicas. Cada um dos dois sistemas tem, no entanto, as suas caractersticas prprias.

Em Macau, segundo o Cdigo de Processo Penal, o juiz ordenar o julgamento do acusado logo depois da instruo e acusao, investigada a verdade e recolhidas todas as provas. A fase de julgamento compreende: a identificao inicial, o interrogatrio do acusado, a apresentao das provas pelas testemunhas e o julgamento. Antes do julgamento, poder haver lugar ao processo para denunciar novo crime se for descoberto durante o processo de julgamento. A identificao inicial significa que antes da investigao das provas, o tribunal conhecer das nulidades, dos actos processuais, da ilegitimidade, das excepes e de quaisquer outras questes que possam obstar apreciao do mrito da causa ou que possam promover o conhecimento dos processos pendentes. Na investigao das provas no juzo, o juiz dever, antes de mais, fazer um interrogatrio relativo situao pessoal do acusado. Se este se recusar a responder ou fizer depoimentos falsos, ser-lhe- aplicvel a pena correspondente ao crime de desobedincia e ao crime de falsas declaraes. Interrogando o juiz quanto ao facto acusado, o acusado pode recusar-se a responder. O juiz pode tambm mostrar as provas relacionadas com o acusado. Compete ainda ao juiz interrogar o lesado, os peritos e qualquer outra pessoa que deva prestar declarao. No entanto, compete principalmente aos representantes do acusador e do acusado a inquirio das testemunhas. Na fase da discusso no juzo, se for descoberto um outro crime cometido pelo acusado cujo conhecimento no dependa de queixa e acusao particular, o Ministrio Pblico pode requerer a proposio do processo. O processo e as provas deste crime, cujo conhecimento seja da competncia de outro tribunal, devero ser remetidos para o Ministrio Pblico competente. Apreciadas as provas oferecidas pelas partes, os factos e as circunstncias agravantes e atenuantes, o tribunal proferir logo a sentena condenatria definitiva. Estes cinco tramites integram o processo comum de julgamento, os quais variaro consoante as formas de processo. Os processos de querela, correcional, de polcia correcional, de transgresses e sumrio, que so cinco tipos de processo comum, tm cada um as suas caractersticas prprias. Por outro lado, os processos especiais, tais como o processo de revelia, o processo por difamao, calnia e injria e o processo por infraces cometidas pelo juiz e magistrado do Ministrio Pblico no exerccio das suas funes, contm disposies diferentes.

Nos termos das disposies do Cdigo de Processo Penal da China, o julgamento em juzo composto pelas fases da abertura do juzo, da investigao em juzo, da discusso em juzo, da narrao final do acusado, da apreciao e do julgamento. Diferentemente de Macau, no incio do julgamento no juzo, no existe uma fase semelhante da identificao inicial. O presidente julgador verifica e declara apenas a situao das pessoas comparecidas no juzo e os direitos e deveres processuais das partes. A investigao no juzo , fundamentalmente, igual de Macau, competindo ainda ao juiz a inquirio de testemunhas. A discusso no juzo consiste, com base na investigao no juzo, na defesa e discusso das questes sobre as prova, os factos e a aplicabilidade das penas relacionadas com o processo entre o acusador e o acusado. O acusado tem direito a fazer narrao final. No existe na China um processo relativo denncia do novo crime e, se for caso disso, devolvido ao Ministrio Pblico para que este proceda a investigao suplementar. O processo comum da 1 instncia da China s tem duas formas, uma de acusao pblica e outra de acusao particular, no existindo o processo sumrio, outros processos comuns e os processos especiais da 1 instncia.

Conclui-se que as fases de julgamento dos dois territrios tm muitas semelhanas e no dispem de diferenas fundamentais. Tendo em conta a postura de preponderncia do juiz durante a fase de julgamento na China, o juiz exerce, em certas matrias, as funes da acusao em vez do acusador pblico, no cumprindo globalmente com o princpio do acusatrio, enfraquecendo o nus da prova do acusador pblico. As partes intervenientes no processo encontram-se numa situao de desigualdade em termos da posio e do poder e os direitos de defesa do acusado no so suficientemente tidos em considerao tomando-se em considerao que na pre-apreciao do juzo o juiz do julgamento j tem a sua convico formada, o que torna facilmente a sua apreciao no juzo num acto formal, dando-se mais importncia s matrias constantes da acusao do que s alegaes da defesa. Assim, prejudica-se a objectividade e a justia. Por isso, muitas pessoas desejam que o actual sistema seja alterado, permitindo-se a ambas as partes uma discusso em p de igualdade, colocando-se o juiz numa posio de imparcialidade no julgamento, estruturando-se um processo harmnico adequado ao desenvolvimento pleno da dinamicidade inerente ao acusador, ao defensor e ao julgador. Atendendo s semelhanas de estrutura processual entre Macau e a China, entendemos que as crticas e propostas acima referidas so fundamentalmente adequadas realidade de Macau. Todavia, no devem ser menosprezados os mritos deste sistema de julgamento, nomeadamente a celeridade do julgamento, a sua centralizao e a excluso das matrias desnecessrias. De igual modo, as diferenas existentes na fase de julgamento entre os dois territrios devem ser tidas em considerao. Por um lado, no que concerne forma de inquirio das testemunhas, o sistema de Macau pode ser adoptado na China. O interrogatrio cruzado uma prtica tpica na Inglaterra, nos Estados Unidos e em Frana. Actualmente, os Estados que sigam tradicionalmente o sistema de direito continental, tais como a Frana, a Alemanha e a Rssia, definem a sua forma do interrogatrio cruzado no julgamento. Isto muito til para a inquirio plena das testemunhas, a descoberta de falsos depoimentos de testemunhas e a descoberta da verdade. Por outro lado, no que respeita s diversas formas de processo existentes em Macau, estas podem igualmente ser adoptadas pela China. A China um pas de grande dimenso. O desenvolvimento econmico de cada regio situa-se a diferentes nveis. Os usos e costumes de cada regio tambm so diferentes. As circunstncias factuais inerentes a cada tipo de crime variam caso a caso. Pelo que adoptar uma nica forma processual seria inadequada. Assim, a existncia de diferentes processos de julgamento para diversas realidades, em especial o processo sumrio, afigura-se-nos extremamente necessria para julgar os casos criminais de forma clere e econmica.

12