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VII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio Claro - SP, 07 a 10 de Julho de 2013 Realização: Unesp campus Rio Claro e campus Botucatu, USP Ribeirão Preto e UFSCar 1 Pesquisa e educação ambiental não-formal: contribuições da universidade pública Nailsa Maria Souza Araujo Doutora em Serviço Social pela UFRJ Professora Adjunta do Dept.º de Serviço Social da UFS [email protected] Josiane Soares Santos Doutora em Serviço Social pela UFRJ Professora Adjunta do Dept.º de Serviço Social da UFS [email protected] Carla Alessandra da Silva Nunes Mestre em Educação pela UFS Professora Assistente do Dept.º de Serviço Social da UFS [email protected] Resumo: O artigo tem o objetivo de expor, de modo articulado, dados provenientes de pesquisa realizada no âmbito de um Programa de Educação Ambientalexecutado junto acomunidades costeiras de Sergipe e do litoral norte da Bahia (PEAC). Este programa é parte de ações educativas no campo não-formal, como condicionante de licenciamento da produção de petróleo e gás pela PETROBRAS UO-SEAL e vem sendo executado pela Universidade Federal de Sergipe. Pretende-se refletir teoricamente sobre o significado desta atividade para a formação profissional de educadores ambientais no contexto do marco regulador da Educação Ambiental brasileira e também acerca do papel da Universidade Pública como instituição socialmente comprometida com a produção de conhecimentos sobre a dinâmica socioeconômica e ambiental das populações que vivenciam aspectos da chamada “desigualdade ambiental”. Palavras Chave: Educação ambiental, pesquisa, formação profissional. Abstract: Thearticle aimsto expose, articulately, data fromresearch conductedunder anEnvironmental Education Programrunsalongthecoastal communitiesof Sergipeandthe northern coast ofBahia(PEAC). This programispart ofeducational activitiesin the fieldnon-formal, as a conditionoflicensingof oiland gasby PETROBRASOU-SEAL and is beingrunby theFederal University ofSergipe. It is intended toreflecttheoreticallyon the significanceof this activityfor thetrainingof environmental educatorsin the contextof theregulatory frameworkof theBrazilianEnvironmental Educationandalsoabout the roleof the Public Universityas an institutioncommitted to thesocialproduction of knowledge aboutthe dynamicsofsocio-economicand environmentalpopulationswho experienceaspectsof the "environmental inequality." Keywords: Environmental education, research, training.

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VII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio Claro - SP, 07 a 10 de Julho de 2013

Realização: Unesp campus Rio Claro e campus Botucatu, USP Ribeirão Preto e UFSCar

1

Pesquisa e educação ambiental não-formal: contribuições da

universidade pública

Nailsa Maria Souza Araujo

Doutora em Serviço Social pela UFRJ

Professora Adjunta do Dept.º de Serviço Social da UFS

[email protected]

Josiane Soares Santos Doutora em Serviço Social pela UFRJ

Professora Adjunta do Dept.º de Serviço Social da UFS

[email protected]

Carla Alessandra da Silva Nunes Mestre em Educação pela UFS

Professora Assistente do Dept.º de Serviço Social da UFS

[email protected]

Resumo:

O artigo tem o objetivo de expor, de modo articulado, dados provenientes de pesquisa

realizada no âmbito de um Programa de Educação Ambientalexecutado junto

acomunidades costeiras de Sergipe e do litoral norte da Bahia (PEAC). Este programa é

parte de ações educativas no campo não-formal, como condicionante de licenciamento

da produção de petróleo e gás pela PETROBRAS UO-SEAL e vem sendo executado

pela Universidade Federal de Sergipe. Pretende-se refletir teoricamente sobre o

significado desta atividade para a formação profissional de educadores ambientais no

contexto do marco regulador da Educação Ambiental brasileira e também acerca do

papel da Universidade Pública como instituição socialmente comprometida com a

produção de conhecimentos sobre a dinâmica socioeconômica e ambiental das

populações que vivenciam aspectos da chamada “desigualdade ambiental”.

Palavras Chave: Educação ambiental, pesquisa, formação profissional.

Abstract: Thearticle aimsto expose, articulately, data fromresearch conductedunder

anEnvironmental Education Programrunsalongthecoastal communitiesof Sergipeandthe

northern coast ofBahia(PEAC). This programispart ofeducational activitiesin the

fieldnon-formal, as a conditionoflicensingof oiland gasby PETROBRASOU-SEAL and

is beingrunby theFederal University ofSergipe. It is intended toreflecttheoreticallyon the

significanceof this activityfor thetrainingof environmental educatorsin the contextof

theregulatory frameworkof theBrazilianEnvironmental Educationandalsoabout the

roleof the Public Universityas an institutioncommitted to thesocialproduction of

knowledge aboutthe dynamicsofsocio-economicand environmentalpopulationswho

experienceaspectsof the "environmental inequality."

Keywords: Environmental education, research, training.

2

Introdução

A Educação Ambiental tem se consolidado como um fecundo campo de debates

interdisciplinares além de ser uma área em franca expansão do ponto de vista

interventivo, já que crescem as medidas de regulação do Estado sob o uso e apropriação

dos recursos naturais.

Inserida em ambas as preocupações, a reflexão aqui sistematizada pretende dar

visibilidade à pesquisa como uma ferramenta estratégica que, associada à

implementação de Programas de Educação Ambiental (PEA’s)não-formais, pode obter

resultados bastante significativos. Estes tendem a incidir não só no sentido da

consolidação teórica da área, mas também na formulação de perspectivas críticas de

enfrentamento aos dilemas que se põem na execução dessa modalidade de PEA.

Para tratar do tema da pesquisa nessa direção o percurso do artigo sinaliza,

inicialmente, o marco legal da Educação Ambiental no Brasil e problematiza, de modo

breve, algumas das questões em debate na diferenciação de particularidades postas no

âmbito da Educação Ambiental escolar e, principalmente, da não escolar – ou nos

termos da lei, não-formal. No segundo momento da exposição, transitamos para

localizar o papel da pesquisa na formação de profissionais e também como forma de

conhecimento da realidade socioambiental do público-alvo de um PEA, cuja natureza é

desenvolver ações educativas não-formais. Trata-se de pesquisas desenvolvidas pelo

Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Sergipe (DSS/UFS) na

condição de executor do PEAC (Programa de Educação Ambiental com Comunidades

Costeiras). Este programa é estabelecido como um dos condicionantes de licença para a

exploração de petróleo e gás da Unidade de Operações Sergipe/Alagoas (UO-SE/AL) da

PETROBRAS.

Neste segundo momento, o texto compila alguns dos dados provenientes da

dinâmica de pesquisa associada ao trabalho de Educação Ambiental desenvolvido, cujo

objetivo foi caracterizar aspectos socioeconômicos e ambientais das localidades

abrangidas pelo PEAC. Cabe sinalizar que este é um processo que, além de produzir

conhecimento a ser apropriado pela equipe técnica na formulação de alternativas de

ação, também é tratado na perspectiva de apropriação pelos sujeitos pesquisados e tem

constituído parte importante do aprendizado de estudantes e profissionais envolvidos

com o Programa. Sinaliza-se, ainda, de modo transversal, que tanto a pesquisa como a

formação destes profissionais não é desenvolvida sob o manto da neutralidade. Ambas

estão fundamentadas nas premissas da Educação Ambiental crítica e, portanto,

compreendem a “questão ambiental” como parte da dinâmica de produção e reprodução

das relações sociais capitalistas.

1. A Educação Ambiental como política pública no Brasil

É praticamente consensual na literatura especializada a afirmação de que a

questão ambiental adquiriu maior visibilidade a partir dos anos 1960, com o

crescimento dos movimentos sociais que a tomaram como objeto de reivindicação e,

fundamentalmente, após a Conferência de Estocolmo (1972)1. Nesse contexto, o Estado

brasileiro intensifica sua intervenção em relação ao tema e é o conjunto de medidas que

1 Famosa por refletir as preocupações levantadas tanto pelo movimento ambientalista quanto pelo grande

capital – no bojo das expressões ambientais da crise que se iniciava naquele momento – este evento

pretendia discutir metas de controle populacional e de redução do crescimento econômico como

estratégias ao enfrentamento da questão ambiental. No entanto, tais metas não se mostraram factíveis

diante da heterogeneidade de interesses reunida no evento.

3

resulta dessa intervenção que denominamos aqui como aspectos da gestão pública do

meio ambiente. Nas palavras de Quintas (2009, p. 52-53)

No nosso país, cabe ao Estado praticar a gestão ambiental pública, ordenando

o processo de apropriação social dos recursos ambientais na sociedade, por

meio dos instrumentos estabelecidos na legislação. Neste processo o Poder

Público media interesses e conflitos, potenciais ou explícitos, entre os atores

sociais, sobre os modos de destinação dos recursos ambientais no meio

social. Esta definição é produto dos consensos construídos com atores sociais

envolvidos (os quais não devem ser confundidos com unanimidade) sobre o

uso e o não uso; quem, como, onde, quanto e para que usa; e quando, por

quanto tempo etc. se usam os recursos naturais.

Em 1981 é promulgada a lei 6.938/81, que cria o Sistema Nacional de Meio

Ambiente (SISNAMA). Este inaugura, embora sem muita efetividade, uma série de

dispositivos no sentido da gestão democrática do meio ambiente2. No curso da

redemocratização, o artigo 225 da Constituição Federal contempla a preservação do

direito ao meio ambiente como dever do poder público e da coletividade e amplia,

portanto, as bases para a promulgação de várias outras leis e resoluções que

regulamentam o direito ao meio ambiente como parte do conjunto dos direitos sociais.

Logicamente que a gestão pública do meio ambiente, assim como vários outros

aspectos decisivos da vida social, é polarizada pelos interesses das diferentes classes

sociais que disputam hegemonia sob sua direção. No caso brasileiro o sentido da

intervenção estatal é predominantemente conservador: se caracteriza, entre outros

componentes, pela manutenção de traços historicamente autoritários e clientelistas na

relação com as classes subalternas e suas reivindicações. Essa premissa está pautada nos

vários episódios da nossa formação social, nos quais é possível observar que mesmo

quando o Estado brasileiro incorpora inovações, o limite das mesmas é dado pela

necessidade de conciliação com os interesses mais “atrasados”, que configuram as

classes dominantes no país. Não é senão por estas razões que, conforme Behring e

Boschetti (2006, p. 79),

Tem-se [...] uma forte instabilidade dos direitos sociais, denotando sua

fragilidade, que acompanha uma espécie de instabilidade institucional e

política permanente, com dificuldades de configurar pactos mais duradouros

e inscrever direitos inalienáveis [...]. [Esses fatores marcam profundamente a]

distância entre a definição dos direitos em lei e sua implementação real.

Não obstante tais considerações chama atenção a contradição inerente a esses

espaços que se gestam a partir da promulgação da legislação social no contexto

democrático. Ocupá-los e disputar a direção que se dá à implementação das leis é tarefa

fundamental de todos aqueles que buscam a reversão desse quadro historicamente

desigual de distribuição de poder entre as classes sociais, que reflete, obviamente, as

desigualdades que estão na base das condições de produção e reprodução da vida social

sob o capitalismo.

Nessa direção é que entendemos o aparecimento da Educação Ambiental como

parte da legislação social no Brasil. Sem desconsiderar as iniciativas de práticas dessa

natureza que precedem a lei, é importante destacar que tal atividade adquire outro nível

de visibilidade social quando passa a ser componente permanente e obrigatório da

2 Referimo-nos à descentralização prevista nesse sistema, bem como à criação dos conselhos nos

diferentes níveis de governo que, inclusive, antecipa o formato que iria adquirir a regulação dos direitos

sociais com a Constituição Federal de 1988.

4

educação brasileira em todos os níveis, nos termos da Política Nacional de Educação

Ambiental (PNEA – Lei N. º 9795/99) e seu decreto de regulamentação (N.º

4281/2002).

Essa legislação traz algumas inovações importantes, entre as quais se destacam o

caráter interministerial de sua gestão (integrando ministério da educação e do meio

ambiente) e a amplitude de suas possibilidades de implementação – que deve ser

considerada tanto na educação formal quanto na não-formal (LOUREIRO, 2009).

Especialmente este último aspecto nos interessa sublinhar, já que o tipo de educação

ambiental que se projeta deve levar em conta o espaço onde se realiza e o público-alvo

das ações. No caso da educação ambiental formal, Loureiro (2009, p. 2 e 10) sinaliza

que Se refere fundamentalmente à dimensão curricular e não apenas ao ato de se

realizar atividades na escola, tal como expressa a PNEA e a LDB [e] é de

competência das instâncias de ensino. [...] No ano de 2006 mais de 96% das

escolas de ensino fundamental no Brasil, em universo aproximado de 186 mil

instituições, realizavam educação ambiental de alguma forma (normalmente

por intermédio de uma ou mais de uma destas opções: projetos, inserção

transversal, projeto político-pedagógico ou disciplina).

Um conhecimento mais detalhado acerca dessas experiências de educação

ambiental formal em todos os níveis da educação escolar (conforme previsto no art. 9º

da PNEA) está ainda por ser elaborado, no caso de Sergipe, pensando-se as diferentes

realidades em que estejam inseridas as instituições formadoras. Isso porque também são

inúmeros os problemas encontrados no curso de sua implementação. Referimo-nos,

especialmente, aos conflitos do que se encontra estabelecido como competência das

diferentes esferas de governo no contexto da descentralização político-administrativa,

mas também em relação ao que a PNEA deixa fluido quanto às possibilidades de sanção

no caso do seu descumprimento pelo poder público (LAYRARGUES, 2009).

Ainda sobre a educação ambiental formal – e, nesse caso, também sobre a

educação ambiental não-formal – cabe um alerta: o debate em torno da sua concepção

tem a ver com as finalidades propostas ao processo de educação ambiental. A depender

de como se afirmem, as ações de Educação ambiental poderão se aproximar, de forma

mais ou menos consistente, do que se propõe a PNEA em objetivos fundamentais,

dispostos no art. 5º:

I - o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em

suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos,

psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e

éticos;

II - a garantia de democratização das informações ambientais;

III - o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a

problemática ambiental e social;

IV - o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e

responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se

a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da

cidadania;

V - o estímulo à cooperação entre as diversas regiões do País, em níveis

micro e macrorregionais, com vistas à construção de uma sociedade

ambientalmente equilibrada, fundada nos princípios da liberdade, igualdade,

solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade e sustentabilidade;

VI - o fomento e o fortalecimento da integração com a ciência e a tecnologia;

5

VII - o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e

solidariedade como fundamentos para o futuro da humanidade. (Grifos

nossos).

É perceptível que, embora o corpo geral da lei possua uma série de

incongruências – frutos da construção dos consensos junto aos diferentes grupos que

disputaram o direcionamento de sua elaboração – a PNEA (especialmente nos itens

destacados) é portadora de possibilidades de formação de sujeitos críticos e coletivos.

Entretanto, esta possibilidade não é um dado automático proveniente de sua

implementação, estando hipotecada a um processo pedagógico que proporcione espaços

reflexivos e dialógicos, conforme trataremos adiante.

Por ora queremos dizer que, se no caso dos espaços formais de educação

ambiental essa é uma questão crucial, no caso da educação ambiental não-formal ela é

ainda mais determinante. Isso porque sua realização nos parece bem menos delineada

legalmente.

Na política propriamente dita, a educação ambiental não-formal é tratada na

seção III através de um único artigo (13º), que a define como “ações e práticas

educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua

organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente”. Desse modo, não

são estabelecidas competências ou mesmo um locus predeterminado legalmente para

sua realização, ao contrário da modalidade anterior. Apenas através do Decreto

4281/2002 foram elaborados indicativos mais precisos para sua implementação, quando

afirma (art. 6º) que deverão ser criados, mantidos e implementados, sem prejuízo de

outras ações, programas de educação ambiental integrados: I - a todos os níveis e modalidades de ensino;

II - às atividades de conservação da biodiversidade, de zoneamento

ambiental, de licenciamento e revisão de atividades efetivas ou

potencialmente poluidoras, de gerenciamento de resíduos, de

gerenciamento costeiro, de gestão de recursos hídricos, de ordenamento de

recursos pesqueiros, de manejo sustentável de recursos ambientais, de

ecoturismo e melhoria de qualidade ambiental;

III - às políticas públicas, econômicas, sociais e culturais, de ciência e

tecnologia de comunicação, de transporte, de saneamento e de saúde;

IV - aos processos de capacitação de profissionais promovidos por empresas,

entidades de classe, instituições públicas e privadas;

V - a projetos financiados com recursos públicos; e

VI - ao cumprimento da Agenda 21. (Grifos nossos).

Mesmo considerando-se estes indicativos percebemos, claramente, que a

educação ambiental não-formal aparece mais diretamente em apenas um dos incisos do

artigo. Os demais abordam a materialização da referida política relacionada às demais

políticas públicas, às de comunicação de massa e formação profissional. No inciso

destacado é visível que a realização da educação ambiental não-formal, segundo o

disposto legalmente, se faz em espaços socialmente mais amplos e comporta uma

capilaridade que a torna elemento presente em praticamente todos os atos do processo

de gestão pública do meio ambiente. Contraditoriamente, essa mesma fluidez legal,

permite, por outro lado, vantagens no estabelecimento das ações propostas no campo da

Educação ambiental não-formal que, exatamente por ser um campo em aberto, pode

comportar um grau relativamente maior de inovações em suas experiências.

6

Nesse sentido é que nos propusemos a expor, no item que segue, dados

provenientes de pesquisas realizadas como parte das ações do PEAC (Programa de

Educação Ambiental com Comunidades Costeiras). Este Programa de Educação

Ambiental (PEA) não-formal, a partir de 2009 passa a ser implantado através de

convênio entre a Unidade de Operações de Produção e Exploração SE-AL (UO-SEAL)

da PETROBRAS e a Universidade Federal de Sergipe (UFS), mediada pela FAPESE

(Fundação de Apoio a Pesquisa de Sergipe). A UFS, mais especialmente seu

Departamento de Serviço Social, assume o papel de executor das ações. Dada a função

social da universidade e seu papel de produzir conhecimentos socialmente

referenciados, parte deste PEA tem se constituído por meio de intervenções, com caráter

extensionista, precedidas por pesquisas e levantamento de dados sobre a realidade dos

municípios abrangidos pelo programa o que, na nossa avaliação, acaba sendo uma das

possibilidades criadas em função do amplo campo de intervenções que a Educação

ambiental não-formal comporta.

2. Pesquisa como instrumento da educação ambiental não-formal para formação

profissional e conhecimento da realidade socioambiental: o caso dos municípios

abrangidos pelo PEAC

O Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras (PEAC) é um

dos diversos programas que vem sendo executado como condicionante de licença

ambiental para as operações da indústria de petróleo no Brasil. Por razões de espaço não

poderemos aqui delinear os contornos que particularizam este programa em relação aos

demais que atuam, separadamente, como condicionantes de compensação ou de

mitigação de impactos ambientais. No caso do PEAC estão reunidas essas duas funções

e, em razão disso, a sua área de abrangência inclui toda a costa de Sergipe (10

municípios) e ainda dois municípios do norte da Bahia, totalizando 12 municípios e 91

comunidades. Para fins didáticos e operacionais esta área é identificada por meio da

seguinte regionalização:

- Região Centro - 29 comunidades dos municípios de Aracaju, São Cristóvão e

Itaporanga d’Ajuda;

- Região Norte - 30 comunidades dos municípios de Barra dos Coqueiros, Pirambu,

Pacatuba e Brejo Grande;

- Região Sul – 35 comunidades dos municípios de Estância, Indiaroba e Santa Luzia do

Itanhi em Sergipe e Conde e Jandaíra na Bahia;

Conforme dito anteriormente, é característica de projetos de educação ambiental

desenvolvidos no campo não-formal a discussão dos conflitos socioambientais presentes

em função da regulação específica que incide sob aquela situação. Desse modo, visa

atingir os grupos que sejam impactados pela regulação pública do acesso aos recursos

naturais. Logicamente seus instrumentos pedagógicos devem corresponder às

finalidades projetadas que, por sua vez, precisam ter por suposto a existência de

assimetrias entre os diferentes grupos sociais, que originam diferentes níveis de

vulnerabilidade ambiental. Este conceito resulta da compreensão de que em uma

sociedade clivada pelas desigualdades sociais, a desigualdade socioeconômica é

fundante da desigualdade ambiental, porque determina as diferentes possibilidades de

acesso ao meio ambiente. Assim,

7

A desigualdade ambiental [...] é definida como a exposição diferenciada de

grupos sociais a amenidades (ar puro, áreas verdes e água limpa) e situações

de risco ambiental. Minorias étnicas e grupos de baixa renda estão mais

expostos a riscos ambientais como enchentes (inundações), deslizamentos

(desmoronamentos), poluição, contaminação, etc. Ou seja, existe uma relação

entre baixa condição socioeconômica e alta exposição ao risco ambiental,

corroborando a desigual distribuição das amenidades e dos riscos ambientais

entre os grupos sociais, causando injustiça ambiental para uns e conforto ou

segurança ambiental para outros (LAYRARGUES, 2009b, p. 18-19).

No caso da indústria do petróleo, a solicitação do órgão licenciador para

prioridade no alcance a grupos mais vulneráveis, do ponto de vista socioambiental, se

deve à explícita compreensão de que a instalação das plataformas de petróleo em “águas

rasas”, como é o caso das plataformas da PETROBRAS em Sergipe, tem uma série de

impactos para a atividade produtiva da pesca artesanal.

Segundo Diegues (1983) a pesca artesanal se caracteriza pela baixa capacidade

de acumulação do excedente; pela irregularidade da produção, a dependência total do

intermediário como também da apropriação privada dos meios de produção por parte

dos donos das embarcações e ainda o domínio da arte de pescar pautada na experiência.

Reúne, assim, pescadores que ao terem seu espaço de pesca restringido por razões de

segurança, quando da instalação e operação das plataformas de petróleo, não tem

mobilidade e/ou tecnologia para buscar outros “pesqueiros” em alto mar. No caso da

atividade pesqueira desenvolvida na área de abrangência do PEAC, que é em grande

parte estuarina, esses impactos são logicamente de outra natureza e têm relação, por

exemplo, com a poluição dos rios e manguezais relacionada ao aumento de atividades

turísticas, comerciais, etc, que ocorre nos municípios com a instalação de

empreendimentos desse porte, ou seja, os chamados impactos ambientais difusos.

Explicitar esse suposto, garantindo uma apropriação democrática e crítica das

informações relacionadas ao ambiente e sua regulação pública para sujeitos cuja

capacidade de intervenção é socialmente desproporcional, do ponto de vista das relações

de poder, é uma tarefa das mais importantes a ser cumprida nos espaços de educação

ambiental não-formal. Mas a prática de alguns projetos em execução nas diversas

instâncias da gestão pública do meio ambiente tem mostrado que a garantia desse

conjunto de resultados ainda é um desafioque, dados os limites desse texto, não

poderemos tratar aqui. Sublinharemos apenas uma delas, que tem a ver, mais

diretamente, com a função social da universidade, e tem sido destacada por vários

estudiosos do tema: a carência de recursos humanos.

Ao contrário do que se propõe em determinadas perspectivas idílicas da relação

homem-natureza, a “questão ambiental” é eivada de conflitos e tensões que precisam

estar no centro dos processos educativos. Desse modo, sinaliza Loureiro (2009, p. 21)

que o profissional envolvido em programas de educação ambiental não-formal [...] tem que demonstrar experiência e capacidade de interlocução com

grupos com diferentes faixas de escolaridade (por vezes, extremamente

discrepantes), ou seja, tem que ser capaz de adequar linguagens e

metodologias em função dos sujeitos participantes. Necessita dominar

também os procedimentos pedagógicos para a ação prioritariamente junto a

jovens e adultos, posto que são as faixas etárias que compõem

majoritariamente o conjunto dos envolvidos nas discussões sobre um

empreendimento e que atuam de forma mais direta no enfrentamento dos

conflitos de uso. Neste plano mais genérico, precisa igualmente evidenciar

conhecimento das diretrizes da educação ambiental e os princípios da gestão

ambiental pública.

8

Em direção complementar a esse conjunto de habilidades, Layrargues (2009)

adiciona ainda o fato evidente de que a PNEA, seja no campo da educação formal, seja

no da educação não-formal, requer o investimento público na formação de profissionais

capazes de materializar sua execução nos termos universalizantes em que foi proposta.

Obviamente não basta haver recursos humanos qualificados e disponíveis para garantir

a efetividade da PNEA. Sua implementação – devido à relação com a “questão

ambiental” e sua complexidade enquanto fenômeno que afeta diretamente a capacidade

de reprodução do capital – requer uma série de iniciativas no sentido de ampliar o

controle social na direção de uma maior e mais efetiva capacidade de regulação do

Estado sob o meio ambiente no Brasil.

Entretanto, ante os objetivos do presente texto, salientamos que a formação de

recursos humanos é algo importante como parte desse conjunto de precondições para

que o “Estado [garanta] o cumprimento do direito adquirido de acesso universal à

educação ambiental [...] exigindo do Órgão Gestor o desenho de critérios e

procedimentos de qualificação e certificação profissional, para além da formação de

educadores populares ambientais”. (LAYRARGUES, 2009, p. 37-38).

Como parte das atividades desenvolvidas pelo Departamento de Serviço Social,

no PEAC, temos trabalhado com ações de pesquisa e extensão envolvendo uma equipe

multiprofissional, como também estudantes de graduação, que fazem seus estágios por

meio desse projeto de educação ambiental. Isso porque entendemos que um programa

dessa natureza cumpre um papel importante na formação profissional, na perspectiva

supra indicada.

Nessa direção e assumindo explicitamente a perspectiva de uma educação

ambiental com compromissos emancipatórios, é que pautamos a pesquisa como

importante elemento do programa. Como veremos adiante, temos executado uma série

de atividades de cunho interventivo desde os primeiros meses de contato com o

programa, mas estas foram realizadas a partir dos princípios da pesquisa-ação3. Esta

metodologia possibilita não apenas agir, mas conhecer, por meio de “aproximações

sucessivas”, a realidade das comunidades com as quais trabalhamos.Conforme

característico de processos de pesquisa-ação, os dados que seguem são resultantes da

dinâmica interventiva das equipes na área mencionada. Mais especificamente, foram

levantados como parte da realização dos estágios supervisionados de discentes da

graduação inseridos nas equipes e associam levantamentos realizados por meio de

fontes secundárias a conteúdos provenientes de observação e registro em diário de

campo.

Como resultado parcial desse investimento, passamos agora a uma

caracterização geral da área de abrangência do PEAC a fim de situar o panorama

desafiador no interior do qual temos atuado.O foco desta caracterização são os aspectos

socioeconômicos e políticos das comunidades que constituem o Programa, a partir dos

quais podem ser melhor compreendidas as demandas à educação ambiental não-formal

enquanto parte de conflitos mais amplos existentes na sociedade clivada pelas classes

sociais.

Cabe afirmar, inicialmente, que os municípios onde se localizam as

comunidades abrangidas pelo PEAC são, predominantemente, de pequeno porte. Entre

esses 12 municípios (já citados) apenas Aracaju, em face de ser a capital do estado de

3“Trata-se de uma opção e estratégia metodológica que, segundo Franco (2005), desde seu surgimento

tem como valores principais a “construção de relações democráticas; a participação dos sujeitos; a

consideração de que os sujeitos mudam mais facilmente quando impelidos por decisões grupais”

(FRANCO, 2005, p. 485)

9

Sergipe, não pode ser assim considerado. Para situar esta realidade de municípios de

pequeno porte no estado de Sergipe, partimos da premissa de que é preciso considerar

os dados mais gerais que delineiam essas particularidades, do ponto de vista

socioeconômico.

Nessa direção, Lopes (2010) indica que em Sergipe, como nos demais estados

do Brasil, tem sido cada vez mais significativa a tendência de predomínio do setor

terciário em relação aos demais setores (secundário e primário) da atividade econômica.

As atividades que mais contribuíram com o PIB per capita de Sergipe, em 2006, foram

relacionadas ao setor de administração, Saúde e Educação Pública. Verifica-se que, de

maneira semelhante ao Nordeste, a administração pública em Sergipe tem uma

importância fundamental para a economia local, totalizando cerca de 24,5% do PIB do

estado. Muitas cidades sergipanas têm um quadro grande de funcionários no setor

público que constitui, em geral, a principal renda das famílias, especialmente nos

municípios de pequeno porte como é o caso dos que são partícipes do PEAC.

Outro destaque nessas cidades são os empregados do comércio, cujas relações de

trabalho estão baseadas na informalidade ou mesmo em contratos temporários. Os

serviços de manutenção e reparação, transportes, a indústria de transformação, além da

pecuária e da pesca também são mencionadas destacadamente na composição do PIB do

estado (SEPLAN, 2004).

Conforme mencionado acima a pesca artesanal em Sergipe é predominantemente

desenvolvida nos estuários dos rios. Cabe ressaltar, ainda, a presença forte de mulheres

pescadoras artesanais cuja atividade é denominada popularmente de mariscagem4. Em

vista desta presença, desde 2010, na execução do PEAC, vem-se desenvolvendo ações

de pesquisa e extensão voltadas exclusivamente a este segmento5.

Entre as atividades industriais operantes no estado destacamos a de exploração

de petróleo e gás da PETROBRAS, que impulsionou a economia sergipana na década

de 1980 gerando, direta e indiretamente, emprego e renda de modo significativo. No

entanto, a mesma vem declinando, “desde meados dos anos 80, já que não tem

apresentado crescimento sustentado. Em 1978, a produção de petróleo alcançou 2

milhões e 734 mil metros cúbicos (m³), caindo sucessivamente ao longo dos últimos

anos” (LACERDA, 1999 apud LOPES, 2010, p.7). Ainda no que diz respeito à

indústria e sua relação com a área de abrangência do PEAC, a mesma concentra-se,

basicamente, nos municípios que compõem a Região Centro e no município de Estância

(Região Sul). São, entretanto, indústrias de pequeno/médio porte, concentradas na

produção têxtil ou de alimentos, em sua maioria.

Tendo como supostos os baixos indicadores sociais encontrados na região

Nordeste, o estado de Sergipe apresenta alguns dos melhores, se comparamos com os

demais estados que constituem essa região. Conforme dados da Secretaria de Estado do

Desenvolvimento Econômico, da Ciência e Tecnologia e do Turismo, em 2005 o PIB

sergipano atingiu o valor de 13,4 bilhões de reais e apresentou, neste mesmo ano, o

maior PIB per capita do Nordeste (R$ 6.821)6.

No tocante ao Índice de Desenvolvimento Humano, Sergipe apresenta um índice

mais alto que a média do Nordeste: 0,720 em 2005 (DIÁRIO DO NORDESTE, 2010) e,

4 “A mariscagem é definida de maneira muito semelhante por estudiosos do assunto (BARBOSA, 2009;

ESTEVES, 2007; FADIGAS, 2009; KUNH, 2009; MANESCHY, 2000; MONTELES ET. AL., 2009),

sendo bastante frequente considera-la como “[...] uma categoria de pesca artesanal normalmente exercida

por mulheres que se ocupam da coleta de moluscos e/ou crustáceos” (FADIGAS, 2009, p. 112) 5 Parte dos resultados da pesquisa referida encontra-se sistematizada em Aranha (2012).

6Disponível em: http://www.invistaemsergipe.se.gov.br/modules/tinyd0/index.php?id=4. Acessado em:

08/10/10.

10

se comparado à média nacional que, segundo dados do Relatório de Desenvolvimento

Humano (PNUD, 2004)é de 0,775, o estado apresenta um número relativamente

equiparado. Seu índice fica em torno de 0,742 (SEPLAN, 2004). Apesar disso é alto o

índice de pobreza apresentado em Sergipe, que tem 31,4% de seus habitantes vivendo

abaixo da linha de pobreza, sendo 18,1% moradores do campo e 13,3% residentes na

cidade (LOPES, 2010).

Do ponto de vista do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) os municípios

da Região Centro mostram-se relativamente homogêneos: em Aracaju o índice é de

0,794; São Cristóvão de 0,700 e Itaporanga D’Ajuda de 0,638 (PNUD, 2004). Se

compararmos o IDH dessa região com o IDH de Sergipe, verificamos que Aracaju está

acima da média do estado.

No caso da Região Norte o IDH-R dos municípiosé baixo, se considerado o da

capital do estado. A intensidade da pobreza em Pacatuba e Brejo Grande é alarmante, já

que esses municípios ocupam, respectivamente, a segunda e a sexta posição neste

quesito entre os municípios sergipanos. É nestes municípios, portanto, que existem os

maiores percentuais de pessoas, nesta região, vivendo com uma renda abaixo de R$

75,50 reais. Na Região Sul, os índices de desenvolvimento humano também são baixos,

com destaque para Santa Luzia do Itanhi com um IDH de 0,545, seguido por Jandaíra

(0,574), Conde (0,594), Indiaroba (0,606) e Estância (0,672). Provavelmente o IDH de

Estância se destaca em relação às demais devido ao número elevado de indústrias

instaladas no município, que chega a 41.

Todos os municípios da área de abrangência do PEAC recebem royalties e, de

acordo com o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM, 2009)7, a

transferência desses recursos representa de 4 a 14% da receita dos municípios em

questão. Conforme o site da Agência Nacional de Petróleo (ANP) os roylatiessão

uma compensação financeira devida ao Estado pelas empresas

concessionárias produtoras de petróleo e gás natural no território brasileiro e

são distribuídos aos estados, municípios, ao Comando da Marinha, ao

Ministério da Ciência e Tecnologia e ao fundo especial administrado pelo

Ministério da Fazenda, que repassa aos estados e municípios de acordo com

os critérios definidos em legislação específica.

Observando-se os dados de 2010, disponíveis sobre os municípios da área de

abrangência, os valores são bastante diferenciados, oscilando entre cerca de R$

2.361.666,48 (Estância) e R$ 10.194,45 (Jandaíra).Não obstante essas variações – que

tem a ver com vários fatores, inclusive com a produtividade dos poços de petróleo – é

fato que estes recursos não se refletem em benefícios para a população devido à falta de

regulação e controle em relação ao seu uso pelo Poder Público municipal. Na maioria

dos casos não existe controle social pela população em relação a isso, tanto que

uma simples visita a alguns dos municípios produtores de petróleo há

décadas é suficiente para que se perceba que os royalties recebidos não

fizeram com que se tornassem diferentes das cidades do entorno que não

recebem (ROMÃO, 2010, n/p).

Em 2010 foram registrados 194 conflitos por terra, no Nordeste, o que

corresponde a 54% dos conflitos em todo o Brasil (MST, 2010). No que se refere aos

7 Disponível em: http://www.seplan.se.gov.br/modules/tinyd0/index.php?id=112. Acessado em

17/10/2010.

11

conflitos por terra no estado de Sergipe, podemos verificar que a maioria se concentra

na região do semiárido e conta com o apoio da Diocese de Propriá e do MST. Na região

de abrangência do PEAC registram-se conflitos especialmente nos municípios de São

Cristóvão, Itaporanga D’Ajuda, Brejo Grande, Pacatuba, Barra dos Coqueiros, Estância,

Indiaroba e em Santa Luzia do Itanhi. Em geral os acampamentos são localizados às

margens das rodovias e ao redor das propriedades. Além desses conflitos, de caráter

rural, no espaço urbano também acontecem conflitos na luta pelo direito à habitação,

como é o caso da ação do Movimento dos Sem Teto, em Aracaju.

São encontrados ainda, nas regiões Sul e Norte, comunidades reconhecidas

como quilombolas8. Estas são definidas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate a Fome como “grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com

trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas e com

ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”,

conforme Decreto N.º 4887/03. Essas comunidades possuem direito de propriedade de

suas terras, consagrado desde a Constituição Federal de 1988. É possível identificar,

nessas comunidades, organizações voltadas para esse segmento, como associações e um

movimento estadual.

Em vista desses aspectos sócioeconômicos e políticos e das orientações do

IBAMA para os programas de educação ambiental no licenciamento, a nossa

experiência no PEAC tem priorizado a linha de organização comunitária para

participação no licenciamento ambiental. Temos percebido, no contato com as

comunidades abrangidas, o extremo grau de fragilidade político-organizativa dos

pescadores. Suas principais formas de organização coletiva e representativa são as

colônias de pescadores e as associações comunitárias. Ambas, mas especialmente as

Colônias, têm sido marcadas pelo monopólio de poder de suas lideranças (em geral, os

presidentes) e, na maioria dos casos, têm pouca representatividade devido à

centralização das decisões e reprodução de clientelismos de diversas ordens.

Não sendo esta apenas uma particularidade dos pescadores, temos feito deste um

dos principais eixos de nossa intervenção no trabalho de educação ambiental. Através

de mediações como o debate da legislação ambiental, dos projetos de compensação da

atividade pesqueira, dos recursos públicos para a pesca artesanal, entre outros, temos

materializado inúmeros processos coletivos nas comunidades, estimulando o surgimento

e formação política de novas lideranças. A institucionalização de um conselho gestor do

Programa e de um representante do mesmo em cada uma das 95 comunidades

abrangidas, por exemplo, é parte desse trabalho que pretende fomentar outros modos de

condução das instâncias coletivas, levando em consideração a democracia e a autonomia

perante os poderes políticos municipais.

Essas são apenas algumas das possibilidades interventivas materializadas a partir

desse processo continuado de pesquisa a respeito da realidade das comunidades

costeiras. Realizando, portanto, uma conjugação entre os objetivos legais da educação

ambiental não-formal – especialmente a que se realiza como parte dos processos de

licenciamento e gestão pública do meio ambiente – e a função social da universidade, a

pesquisa funciona como um importante instrumento na formação de profissionais e na

produção de conhecimentos socialmente referenciados.

8 Em Santa Luzia do Itanhi (região Sul) as comunidades de Rua Palha, Pedra Furada, Cajazeiras e Taboa;

na região Norte as comunidades de Resina e Brejão dos Negros, no município deBrejo Grande; Santana

dos Frades, em Pacatuba e Pontal da Barra na Barra dos Coqueiros.

12

Considerações Finais

A curta problematização exposta nesse texto convoca ao apontamento de alguns

elementos de síntese, para também retratar os desafios e desdobramentos possíveis deste

e de outros Projetos de Educação Ambiental, notadamente no licenciamento, mas não só

nele. No caso destes, temos nos guiado tanto pelas Orientações Pedagógicas do IBAMA

quanto pelo disposto na recente Nota Técnica N.º 01/2010 do IBAMA e suas linhas de

ação.

Desde o início do trabalho desenvolvido, em julho de 2009, procuramos atrelar

ao Projeto as dimensões da pesquisa e da extensão, entendendo que cabe à universidade

angariar esforços e oportunizar a produção de conhecimentos socialmente relevantes e,

com base neles, elaborar propostas para intervir na realidade.

Podemos afirmarque a construção coletiva do conhecimento tem se afirmado

como mediação fundante em toda a trajetória da implementação do Projeto -seja na

coleta de dados, nas discussões sobre a natureza da representação política das

comunidades, na definição acerca do caráter do Conselho Gestor, seus objetivos e

funcionamento, no debate acerca da questão ambiental e da legislação ambiental.

Conhecer os aspectos específicos de cada localidade tendo clareza do quadro geral de

questões socioeconômicas e políticas onde elas se inseremé um movimento importante

para ampliar as alternativas de intervenção. Sem estas mediações correríamos o risco de

hipostasiar ou minimizar as realidades locais, que se assemelham em muitos aspectos de

sua vulnerabilidade socioambiental e podem ser trabalhadas de modo articulado,

ampliando o poder de enfrentamento de conflitos e problemas comuns.

A incorporação da UFS como instituição executora de parte das ações do PEAC

representou, segundo avaliamos, um ponto de inflexão. Foi possível, por meio da

capacidade técnica e política dos quadros da UFS, transferir parte da credibilidade dessa

instituição para o Programa. Na ótica da UFS, assumir este projeto de Educação

Ambiental trouxe inegáveis contribuições, entre as quais se destaca o investimento na

formação de profissionais qualificados para atuar frente às temáticas da “questão

ambiental” e da educação ambiental.

Esta formação certamente impactará na disponibilidade de novos “quadros”

envolvidos com o debate em foco. Estando esse segmento do mercado de trabalho em

expansão e se constituindo, ineliminavelmente, de forma interdisciplinar, indica

fecundas perspectivas para os estudantes de graduação e pós-graduação, não apenas de

Serviço Social.

É pertinente, por fim, afirmar que este projeto gestou a possibilidade de intervir,

numa direção teórico-metodológica determinada, nos rumos do debate acerca da

Educação Ambiental no Brasil. Assim, a perspectiva crítica no interior da qual a

educação ambiental é tomada estrategicamente, em articulação com as determinações

socioeconômicas das populações atingidas pela chamada “questão ambiental”, cruza-se

com os aportes já acumulados no campo do Serviço Social brasileiro, impulsionando o

Programa numa direção social que se distancia de concepções “mudancistas” que, por

vezes, alcançam o patamar de hegemonia no debate da Educação ambiental.

A produção de conhecimentos acerca da realidade das comunidades pesqueiras

no estado de Sergipe também possui importância para os próprios sujeitos que aí vivem

e trabalham. Pode representar maior visibilidade social para suas necessidades, com

chances de interferir na formulação e gestão de políticas públicas que respondam suas

demandas de modo mais eficiente, além de potencializar suas capacidades organizativas

para a redução das assimetrias postas nos conflitos socioambientais.

13

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