perspectivas sobre a histÓria do oriente e Ásia … · poderia ter importantes implicações para...
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PERSPECTIVAS SOBRE A HISTÓRIA DO ORIENTE E ÁSIA
CONTEMPORÂNEOS
Elaine Cristina Senko1
Resumo: O presente artigo debaterá os principais aspectos em torno de questões que
afetam a História do Oriente e Ásia na contemporaneidade. Vamos seguir a cada passo
elementos da cultura e poder da Questão Palestina/Israel, da Primavera Árabe, sobre o
Estado “Islâmico” e a Ásia Contemporânea (abordando Japão, China, Coréias e Índia).
Palavras-chave: Palestina, Questões Árabes, Ásia Contemporânea, Oriente, História
Abstract: This article will discuss the main aspects on issues that affect the History of
East and Asia nowadays. We will follow every step elements of culture and power of the
Question Palestine / Israel , the Arab Spring, on the state "Islamic " and the Contemporary
Asia ( covering Japan , China, Koreas and India.
Keywords: Palestine, Arab Questions, Asian Contemporary, East, History
A Questão Palestina/Israel
A Questão Palestina/Israel parece infindável. Que imagem recebemos, hoje, a
partir da indústria cultural, em relação aos países de tradição e cultura islâmica? A cultura
islâmica surge relacionada ao terrorismo, à violência e à barbárie. Trata-se de um
estereótipo. Precisamos compreender a cultura islâmica em sua especificidade; ou seja,
não devemos julgar. Devemos considerar, em relação a hoje: o fundamentalismo de
poucos não expressa a cultura de muitos. É necessário evitar as generalizações, os
preconceitos que continuam se reproduzindo pela falta de conhecimento, de crítica.
Para debatermos o tema vamos iniciar com a questão das identidades coletivas,
que na Palestina são maleáveis desde tempos das Cruzadas quando uma sociedade
miscegenada foi constituída na região entre cristãos, islâmicos e judeus. Sobre o assunto
Peter Demant explana:
1 Professora Doutora em História pela UFPR. Pesquisadora do Laboratório de História Intelectual da
UNIOESTE-Marechal Cândido Rondon/PR e do NEMED UFPR – Curitiba/PR. [email protected]
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4247162T2
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A identidade coletiva de nações, grupos étnicos e religiosos se tornou
recentemente um tema que mereceu atenção acadêmica. Muitos autores
acreditam hoje que a autodefinição de um grupo não é “natural” mas
sim o resultado de complexos processos de interação com outros
grupos, o que leva à contrução das identidades coletivas. Essa posição
construtivista certamente contradiz discursos religiosos e nacionalistas
tradicionais, que consideram identidades coletivas algo preexistente. O
fato é que identidades coletivas são mais maleáveis do que
anteriormente se imaginava, e portanto poderiam mudar no futuro. Isso
poderia ter importantes implicações para a resolução de conflitos
complexos, onde dois ou mais grupos lutam pelo mesmo território em
nome de identidades presumivelmente imutáveis e mutuamente
exclusivas. O conflito Israel-Palestina claramente pertence a essa
categoria. O emaranhado de argumentações religiosas e nacionalistas
em ambos os lados torna a questão da definição e dos limites de suas
identidades ainda mais complexa1.
A reflexão baseada num senso crítico nos permite conduzir a explicação sobre a
Questão Palestina/Israel num sentido do esclarecimento das identidades. Ora as
identidades locais afetam para uma intensidade dos conflitos na região e em outros
momentos o princípio do universalismo há uma diminuição. Para se entender isso
devemos ressaltar pontos subjetivos conforme Demant atenta:
(1)As identidades coletivas de ambos os lados visivelmente se
modificam durante o conflito; (2) essas mudanças foram causadas em
larga escala por sua (principalmente antagonística) interação; (3) há
paralelismos estruturais significantes entre as identidades palestinas e
israelenses e palestinas. Além disso, olhando para uma evolução das
identidades futuras, sugerimos que (4), sob certas condições favoráveis,
a verificação de semelhanças nas identidades israelense e palestina
poderia facilitar uma reconciliação e uma resolução pacífica do
conflito2.
Há um certo otimismo no discurso de Demant, mas que ele próprio vai
apresentando com uma dose de ceticismo na resolução do conflito; para o referido
pesquisador o problema palestino se apresenta como um objeto de um longo processo
histórico o qual ainda vivemos. Por exemplo, para Edward Said é importante ressaltar os
encontros entre Oriente e Ocidente e buscar esclarecimentos:
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Uma razão a mais para sua persistência é a crescente presença de
muçulmanos em toda a Europa e nos Estados Unidos. Pensem nas
populações hoje da França, da Itália, da Alemanha, da Espanha, da Grã-
Bretanha, dos Estados Unidos e até mesmo da Suécia, e vocês deverão
concordar que o Islã não está mais nas bordas do Ocidente, mas sim em
seu centro. Mas o que é tão ameaçador sobre essa presença? Enterradas
na cultura coletiva estão as memórias das primeiras grandes conquistas
árabe-islâmicas, que começaram no século VII e que como o ilustre
historiador belga Henri Pirenne escreveu em seu importante livro
Mohammad and Charlemagne (1939), romperam de uma vez por todas
com a unidade antiga do Mediterrâneo, destruíram a síntese cristã-
romana e possibilitaram a ascenção da nova civilização, dominada pelas
potências do norte (a Alemanha e a França carolíngias), que tinham
como missão – ele parecia estar dizendo – retomar a defesa do Ocidente
‘contra seus inimigos históricos e culturais. O que Pirenne deixou de
fora, aliás, foi que, para criar essa nova linha de defesa, o Ocidente
recorreu ao humanismo, à ciência, à filosofia, à sociologia e à
historiografia do Islã, que já tinha se colocado entre o mundo de Carlos
Magno e a Antiguidade Clássica. O Islã está dentro do Ocidente desde
o começo, e até mesmo Dante, grande inimigo de Maomé, tinha que
concordar com isso quando colocou o Profeta no próprio centro de seu
inferno3
A questão que envolve os dois grupos (judeus pró-sionistas ou não e os árabes
palestinos) tem uma origem em seu passado remoto. Na antiguidade, habitada pelos
judeus, mas desde há muito tempo, repovoada pelos povos árabes. Ao final do século
XIX, judeus de várias regiões do mundo começam a retornar à Palestina, dentro de um
movimento Sionista. Ocorre, portanto, um acirramento entre as duas prerrogativas de
habitar a região: considerada por ambos os povos como “Sagrada”, por conta da cidade
de Jerusalém. Em 1917 foi criado o Estado de Israel mas o território estava sob tutela
britânica. Trinta anos depois a Organização das Nações Unidas fizeram a Partilha da
Palestina e em 1948 se configura o Estado de Israel. Mas em 1967 temos o imapcto da
Guerra dos Seis Dias patrocinado pelo Egito e pela Liga Pan-Árabe contra o controle
palestino de Israel. Na sequência ocorreu a Guerra do Yom Kippur ou Guerra Árabe
Isralense de 1973, coalizão liderada novamente pelo Egito e agora Síria contra o Estado
de Israel. Com as derrotas frequentes do lado árabe, o Estado de Israel se fortaleceu por
conta de uma aliado militar forte, os Estados Unidos. Todos esses conflitos contribuiram
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para a expansão da indústria de armas dos sionistas e norte-americanos por um lado, e da
Liga Árabe por outro. Na atualidade o domínio da política sionista expande diante da
expurgação palestina. Demant sinaliza as fases deste processo de embate político e
religioso:
A ideologia sionista e israelense passou por quatro estágios mais ou
menos articulados: (1) o “clássico” sionismo pré-Estado; (2) o
estatismo da “pequena Israel”, 1948-1967; (3) uma longa fase quando
o confronto com os territórios ocupados levou à queda do consenso
interno de Israel, 1967-1991; (4) 1991 até agora, caracterizado pela
disputa entre o pós-sionismo e um judaísmo fundamentalista. Em cada
estágio, um elemento de identidade coletiva era enfatizado, outros
desenfatizados4.
E esse jogo entrucado de poderes na região palestina se deve ao movimento do
Orientalismo, em que segundo Said:
A minha idéia é que o interesse europeu, e depois americano, pelo
Oriente era político de acordo com alguns de seus aspectos históricos
óbvios que descrevi aqui, mas que foi a cultura que criou esse interesse,
que agiu dinamicamente em conjunto com as indisfarçadas
fundamentações políticas, econômicas e militares para fazer do Oriente
o lugar variado e complicado que ele obviamente era no campo que eu
chamo de orientalismo 5.
O movimento orientalista acompanhado da política imperialista foi um paradoxo
histórico, pois enquanto a política aculturava os povos conquistados, as artes (literatura e
pinturas) - apesar de distorcer o relato/a visão sobre um certo “Oriente”-, abriram as portas
do Ocidente até os caminhos orientais. Temos que compreender esse processo histórico
e não julgá-lo como geralmente se faz6. Mas uma via se abre na explanação de Demant,
apesar de ser um pensamento de 2002 ainda se faz muito presente agora em 2015:
Cada uma a seu modo, duas sociedades muito diferentes, mutuamente
hostis mas intimamente ligadas, estão alcançando constelações
ideológicas semelhantes. Poderia o paralelismo nas escolhas de
identidade que os confronta servir como ponte para o diálogo?
Enquanto os paralelos entre a evolução cultural de ambas as sociedades
são apenas incidentais, os obstáculos permanecem formidáveis. Se
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depois de Israel também os palestinos tiverem a permissão para cruzar
o patamar da soberania, estaria armado o cenário para um declínio do
nacionalismo. O que virá em seguida? Dois modelos mutuamente
exclusivos de identidade coletiva, um baseado em religião e outro em
democracia pluralista, estão lutando pela ascensão em ambas as
sociedades. Essas semelhanças estruturais são precondição
indispensável para uma aproximação cultural dessas comunidades.
Ainda que influências culturais globais e regionais estejam mais
influentes em todo lugar, e o verdadeiro conteúdo de cada identidade
seja diferente em cada sociedade, a evolução ideológica tanto de Israel
quanto da Palestina será fortemente dependente do que acontece com
seu vizinho. Isso abre possibilidades: para a comunicação israelense-
palestina significa que um diálogo autêntico é somente possível entre
aquelas forças de cada sociedade que optam por uma identidade
coletiva democrática não religiosa. A reaproximação cultural
israelense-palestina, hoje uma miragem distante, se tornará uma opção
apenas quando a identificação nacional de ambas as nações se tornar
menos fanática e menos exclusiva, e quando, no coração de ambos os
povos, a opção democrática obteiver uma vitória decisiva sobre o
fundamentalismo religioso7.
Os conflitos entre Israel e Palestina continuam, com momentos de maior ou menor
acirramento; Israel tem o apoio dos EUA, que impedem qualquer tipo de sansão ao
governo judeu, também coibindo a ação da ONU. Hoje, quem está no governo da
“Autoridade Palestina” é o “Hamas”, grupo político que tem levado às últimas
consequências o conflito na região; seu líder é Mahmud Abbas.
Destarte, concordamos com Demant na urgência de Estados que sejam laicos por
excelência onde as culturas religiosas possam coexistir sem uma delas ter o controle da
demanda política.
Primavera Árabe e Estado “Islâmico”
Sobre o conceito de “Primavera” Árabe se trata de uma referência a Primavera
dos Povos (1848) e Primavera de Praga (1968). O que essas “Primaveras” tem em
comum? A tentativa de deposição dos tradicionais “ditadores”; no caso do Oriente, seriam
as lutas contras os antigos ditadores colocados no poder desde a época do imperialismo
europeu e que dominaram seu cargo de forma vitalícia. A Primavera Árabe foi a tentativa
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de levar a democracia para regiões onde se estabeleceu ditaduras e autarquias. Esse
movimento se espalhou rapidamente através das mídias sociais e reuniram vários jovens
na luta por governos mais laicos e democráticos. Tudo iniciou-se em 2010,
principalmente no norte da África8, na Tunísia quando um jovem universitário, que por
conta da crise econômica, estava trabalhando em uma atividade de vendedor de legumes
e ateou fogo em seu próprio corpo. A referida ação do jovem levou a cena em forma de
vídeo para milhares de pessoas em quase todos os países do globo. Por conta da pressão
interna e externa, o então presidente Zine El Abidine Ben Ali renunciou o cargo em que
estava a mais de vinte três anos, dando margem para grupos a favor da democracia
entrarem no poder. Logo em seguida, os protestos alcançaram o Egito em que Hosni
Mubarak também renunciou ao poder em que estava a trinta anos; a Libia por sua vez,
apresentou um dos momentos mais dramáticos da Primavera Árabe com a queda e morte
de Muamar Kadafi desde de 1969 no poder até 2010. Também o reino do Bahrein
governado por Hamad Ben Isa Al-Khalifa foi impactado pela Primavera Árabe. O Iêmen
sentiu os abalados das ondas pró democaracia corroborando para a fuga do presidente Ali
Abdullah Saleh do país em direção a Árabia Saudita. Na Síria vemos o governo de Bashar
Al-Assad que comanda a mais de dez anos o país, porém desde 2014 está envolvido na
luta contra o Estado “Islâmico”.
Depois dessas ondas democráticas, surgiu um efeito político contrário: o
surgimento do radicalismo do Estado “Islâmico”, 2014/2015 ocorre ao mesmo tempo de
uma crise política na Crimeia (Rússia X Ucrânia)9 e de uma crise financeira mundial com
destaque para a Grécia. Colocamos “Islâmico” entre aspas por se tratar de um movimento
que atrai pessoas para a causa através da religião, mas que no seu interím apenas existe o
objetivo da violência; pois que a violência não é um príncipio propagado pela cultura de
fé islâmica. Decorrente da forte instabilidade nas regiões do Iraque e Síria (locais de
conflitos recentes e constantes) surge um fundamentalismo de extrema violência, que
deturpa os preceitos do Islã e que atrai muitos ocidentais para sua causa. Mas por quais
razões europeus estão também participando desses movimentos, que incluem destruição
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da cultura artística e histórica universal em cidades, como no caso da destruição ocorrida
em Palmira, Síria? Talvez uma das sinalizações seja o que o pesquisador Javier Barreda
Surreda aponta: “En el contexto de la “guerra contra el terror”, los gobiernos [europeus]
también violaron sus obligaciones internacionales al devolver a personas a países donde
corrían riesgo de sufrir graves violaciones de los derechos humanos, incluida la tortura”10.
Ainda assistimos agora em 2015 os prolongamentos das ações terroristas do Estado
“Islâmico” que prejudica ainda mais o preconceito contra o Islã e os muçulmanos no
mundo; enquanto isso governantes mundiais não tomam partido pois a indústria bélica é
favorecida enquanto o patrimônio histórico da humanidade é perdido aos poucos11.
Ásia Contemporânea: Japão, China, Coréias e “Índia entre Oriente/Ásia”
Concomitante ao que ocorre no Ocidente e Oriente Próximo, o Japão, a China, as
Coréias e a Índia desenvolvem políticas contemporâneas em que crises e ações
determinantes fazem um efeito global.
No Japão Contemporâneo temos ainda a presença da hierarquia política prevalente
como identidade social. Mesmo com os contatos com o Ocidente e com o Oriente
Próximo, o Japão resguarda sua cultura privada. O pesquisador Wataru Kikuchi
demonstra a questão das relações hierárquicas do Japão Contemporâneo tendo por análise
de uma convivência entre a tradição e a modernização:
O Japão venceu duas guerras ainda sob o imperador Meiji no trono: a
Guerra Sino-Japonesa (1894-5), pela qual, vitorioso, anexou a ilha
Formosa como colônia e a Guerra Russo-Japonesa (1904-5), que elevou
o status do Japão como potência da Ásia, obtendo, entre outros, o direito
de interferir no governo da Coreia. O imperador Meiji veio a falecer em
1912 e foi sucedido pelo imperador Taishô, que teve breve trono (1912-
26). Em 1914, o Japão se envolve na Primeira Guerra Mundial ao lado
dos aliados, que se tornaram vitoriosos, e tira proveito dessa aliança,
principalmente econômica. Mas a quebra da bolsa de valores de 1929 e
o grande terremoto que assolou a região de Kanto, em 1923, trazem a
grande depressão econômica, cujas consequências acarretam o colapso
da política dos partidos e abre o caminho para a ascensão dos militares
e da extrema direita ao poder, na década seguinte. O imperador Shôwa,
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entronado em 1926, presenciou essa fase de radicalismos e
conturbações, e o envolvimento e posterior derrota do Japão na Segunda
Guerra Mundial. A sua participação e, sobretudo, a sua
responsabilidade nessa série de acontecimentos da história
contemporânea do Japão são motivos de acaloradas discussões ainda
hoje, e marcou, de certa forma, a imagem do imperador entre o povo
japonês, principalmente entre aqueles que participaram direta ou
indiretamente da grande guerra. Derrotado na guerra, o Japão esteve
sob a ocupação dos aliados, tendo os americanos no comando, de 1945
a 1952. Nessa fase, foram tomadas as medidas que tiveram grande
impacto na sociedade japonesa, como a reforma agrária promovida em
duas etapas, em 1946 e 1950, a reforma educacional, em 1947, e a
promulgação da Lei Trabalhista, em 1945. O início da Guerra Fria e
principalmente a Guerra da Coreia (1950-53) favoreceram a
reconstrução do Japão, que teve a economia reativada na condição de
páis fornecedor de materiais e serviços para os aliados. Em 1955, a
economia japonesa já se encontrava num patamar sueprior àquele
verificado antes da Segunda Guerra Mundial e, a partir de então,
cresceu anualmente acima de 10% do PNB nas duas décadas seguintes.
A prosperidade econômica fez surgir a sociedade de massas e de
consumo no Japão, e é inegável que isso tenha repercutido na mudança
das relações sociais entre os nipônicos12.
Por sua vez a China e a Índia também alcaçaram um desenvolvimento de impacto
global, como nos mostra o diplomata Paulo Antônio Pereira Pinto:
O estudo da emergência atual da China e Índia, deveria levar em conta,
portanto, que o grande desafio do século atual é o entendimento de
como as culturas evoluem, adaptam-se ou permanecem estáveis. O foco
prioritário deste estudo, portanto, visa a mapear tendências que possam
resultar destas alterações no cenário internacional. [...] Nesse sentido,
chamam atenção especial, por um lado, as declarações da China, em
2005, de que sua condição atual de potência emergente deve ser
entendida como uma nova fase histórica, marcada por “ascensão
pacífica” do país, destinada a beneficiar seu entorno imediato e relações
com o exterior. Segundo este discurso chinês, estaria em curso,
praticamente, o ressurgimento da influência político-cultural que o
antigo Império do Centro exercia sobre as nações situadas ao Sul de
suas fronteiras. Isto é, historicamente – sempre de acordo com Pequim
– laços foram mantidos com o Sudeste Asiático, com base em
relacionamento “pacífico”, que a RPC, agora, procuraria “reacender”.
Por outro, a Índia não busca nem expandir sua cultura, nem suas
instituições democráticas. O que os indianos parecem analisar com
grande precisão são os quesitos necessários para a preservação da
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segurança de sua multiculturalidade, no contexto de entorno imediato
pacífico. A liderança atual indiana, portanto, parece entender que a
inquietação mundial, provocada por rivalidades étnicas e religiosas,
poderá afetar, também, a estabilidade de seu próprio país. Daí, Nova
Delhi ter que exercer amplo leque de interlocução com culturas que
rodeiam a Índia. [...] Quanto ao fenômeno indiano, cabe avaliar se
existe, realmente, processo sustentável de crescimento ou se não se
trata, por um lado, de exercício promocional do Governo de Nova
Delhi, com sua campanha de divulgação de “India everywhere”, ou, por
outro, de contra-ofensiva de empresas multinacionais assustadas com
sua excessiva dependência da economia chinesa e, portanto,
interessadas em criar alternativa para seus investimentos. Ao contrário
dos chineses – como se procurou demonstrar nas segunda e terceira
partes do artigo – os indianos nunca procuraram expandir sua cultura,
nem suas instituições democráticas. Sua grande preocupação parece ser
a garantia da segurança interna de sua multiculturalidade, em ambiente
internacional estável. A liderança atual indiana, portanto, parece
entender que a inquietação mundial, provocada por rivalidades étnicas
e religiosas, poderá afetar, também, seu próprio país. Daí, Nova Delhi
ter que exercer amplo leque de interlocução com culturas que rodeiam
a Índia. Na medida em que se consolide a emergência destes dois países,
que possuem laços de vizinhança milenares, bem como se desenvolvam
cooperação mais intensa e troca de ensinamentos sobre como
administrar seus respectivos processos de crescimento exponenciais,
haverá, sem dúvida, impacto significativo no ordenamento político
internacional. Basta lembrar que, há pouco mais de 50 anos, foram
ambos os promotores dos chamados Cinco Princípios de Convivência
Pacífica. Caberia, agora, desejar que contribuam para um
relacionamento internacional baseado no respeito mútuo entre culturas
diversas13.
Ora, a política japonesa e chinesa afetam diretamente na contemporaneidade as
atitudes no território das duas Coréias, para tanto Elói Martins Senhoras e Rita de Cássia
de Oliveira Ferreira explicam que:
O endurecimento da retórica norte-coreana propiciada desde o
abandono do Tratado de Não-Proliferação Nuclear em 2003 e o
primeiro teste de lançamento balístico nuclear em 2006, após dez anos,
repercutiu em um contexto de inflexão estrutural em 11 de março de
2013, quando, após novas sanções da Organização das Nações Unidas
(ONU) contra as políticas do regime da Coréia do Norte, o novo líder
deste país, consolidando-se como terceira geração ditatorial, decretou
nulo o acordo de armistício. Conclui-se com base nessas discussões que
o crescente tensionamento na península Coréia desde março de 2013 -
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engendrado pelo líder norte-coreano, Kim Jongun, ao confirmar o fim
do armistício com a Coréia do Sul - corrobora para a compreensão de
que existe uma inflexão na longa duração da declaração Norte-Sul de
não-agressão que merece atenção, por mais que persista uma recorrente
estratégia norte-coreana de
chantagem e barganha política a fim de se trazerem ganhos a um país
que se encontra isolado por sanções internacionais14.
A Ásia contemporânea revela um novo e recente olhar sobre o processo histórico,
pois os países como Japão, China, Índia e Coréia resistem a crise internacional e
continuam imersos num clima de estabilidade econômica (demandante essencialmente da
exploração da força de trabalho de muitos e com exagero no consumo15), exceto a Coréia
do Norte com sua política isolacionista.
Chiharu Shiota: "Accumulation-Searching for the Destination", 2012, Marugame Genichiro-
Inokuma Museum of Contemporary Art, Japan.
Considerações finais
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Ao fim e ao cabo, o Oriente (incluindo o norte de África) e a Ásia (destaque para
Japão, China, Coréias; e Índia – esta última entre Oriente e a Ásia) devem resolucionar
seus problemas econômicos e políticos sem nenhuma intervenção ocidental. Ora, o mais
importante é a autonômia desses países, compreendendo e respeitando as diferenças
culturais, no âmbito político, religioso e social. A União Européia, os Estados Unidos, a
Rússia devem permitir que esses países do Oriente e da Ásia caminhem com os próprios
pés, de forma independente.
***
Notas
1DEMANT, Peter. Identidades israelenses e palestinas: questões ideológicas. In: DUPAS, Gilberto;
VIGEVANI, Tullo. (organizadores). Israel-Palestina: a construção da paz vista de uma perspectiva
global. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 201.
2 DEMANT, Peter. Identidades israelenses e palestinas: questões ideológicas. In: DUPAS, Gilberto;
VIGEVANI, Tullo. (organizadores). Israel-Palestina: a construção da paz vista de uma perspectiva
global. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 202.
3 SAID, Edward W. Cultura e Política. Tradução de Luiz Bernardo Pericás. São Paulo: Boitempo Editorial,
2003, p.46-47.
4 DEMANT, Peter. Identidades israelenses e palestinas: questões ideológicas. In: DUPAS, Gilberto;
VIGEVANI, Tullo. (organizadores). Israel-Palestina: a construção da paz vista de uma perspectiva
global. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 209.
5 SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Tradução: Tomás Rosa Bueno.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.23. 6 Sobre o assunto indicamos: IRWIN, Robert. Pelo amor ao saber: os orientalistas e seus inimigos.
Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008.
7 DEMANT, Peter. Identidades israelenses e palestinas: questões ideológicas. In: DUPAS, Gilberto;
VIGEVANI, Tullo. (organizadores). Israel-Palestina: a construção da paz vista de uma perspectiva
global. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 257.
8 O Norte Africano Ibn Khaldun (1332-1406) já sinalizava a falta de assabyia local (coesão de grupo) como
o fator de decadência política das sociedades. Para mais sobre a História do Oriente e da África, consultar:
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SENKO, Elaine Cristina. O passado e o futuro assemelham-se como duas gotas d’água: uma reflexão
sobre a metodologia da história de Ibn Khaldun (1332-1406). Dissertação de mestrado defendida pelo
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná. Curitiba: PPGHIS UFPR,
2012.
9 Sobre o conflito na Crimeia é deveras importante voltar ao passado e se atentar para o fim do czarismo na
Rússia no começo do século XX, em que russos brancos se dirigiram aos territórios circundantes ao Mar
Negro (principalmente onde se encontra a Ucrânia).
10 BARREDA SUREDA, Javier. La EU y los derechos humanos en los países del Mediterráneo. In: MELO
CARRASCO, Diego; LAISECA ASLA, Fernando. Europa y el Mediterráneo Musulmán. Viña del Mar
(Chile): Ediciones Altazor, 2010, p. 150.
11 Sobre uma das soluções para não se perder nosso patrimômio no nível imagético e de memória histórica,
indicamos a seguinte leitura: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/colunistas/rodrigo-wolff-
apolloni/o-estado-islamico-e-o-touro-digital-de-nimrud-edydm0gis8f745dnii9nugjaw (Acesso em
03/07/2015).
12 KIKUCHI, Wataru. Relações hierárquicas do Japão Contemporâneo: um estudo da consciência da
hierarquia na sociedade japonesa. Tese de Doutorado. São Paulo: USP, 2012, p. 79-80.
13 PINTO, Paulo Antônio Pereira. China e Índia – emergência e impacto cultural. Revista Brasileira de
Política Internacional. Vol. 1, n. 50, pp. 86-101, 2007. 14 SENHORAS, Elói Martins; FERREIRA, Rita de Cássia de Oliveira Ferreira. A Guerra da Coréia vista
após sessenta anos de Armistício (1953-2013). Revista Conjuntura Global. Curitiba. Vol. 2, n.3, jul./set.,
p.139, 2013.
15 Sobre o exagero no consumo veja a obra de Chiharu Shiota: "Accumulation-Searching for the
Destination", 2012, Marugame Genichiro-Inokuma Museum of Contemporary Art, Japan.
https://br.pinterest.com/pin/513551163736030111/ (Acesso em 03/07/2015).
Referências bibliográficas
BARREDA SUREDA, Javier. La EU y los derechos humanos en los países del
Mediterráneo. In: MELO CARRASCO, Diego; LAISECA ASLA, Fernando. Europa y
el Mediterráneo Musulmán. Viña del Mar (Chile): Ediciones Altazor, 2010, pp. 143-
170.
DEMANT, Peter. Identidades israelenses e palestinas: questões ideológicas. In: DUPAS,
Gilberto; VIGEVANI, Tullo. (organizadores). Israel-Palestina: a construção da paz
vista de uma perspectiva global. São Paulo: Editora UNESP, 2002, pp. 201- 259.
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