perspectivas sobre a histÓria do oriente e Ásia … · poderia ter importantes implicações para...

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Revista Ipsis Libanis http://www.icbl.com.br/ipsislibanis/ Ano 1 Número 2 ISSN 2526-0340 2017 79 PERSPECTIVAS SOBRE A HISTÓRIA DO ORIENTE E ÁSIA CONTEMPORÂNEOS Elaine Cristina Senko 1 Resumo: O presente artigo debaterá os principais aspectos em torno de questões que afetam a História do Oriente e Ásia na contemporaneidade. Vamos seguir a cada passo elementos da cultura e poder da Questão Palestina/Israel, da Primavera Árabe, sobre o Estado “Islâmico” e a Ásia Contemporânea (abordando Japão, China, Coréias e Índia). Palavras-chave: Palestina, Questões Árabes, Ásia Contemporânea, Oriente, História Abstract: This article will discuss the main aspects on issues that affect the History of East and Asia nowadays. We will follow every step elements of culture and power of the Question Palestine / Israel , the Arab Spring, on the state "Islamic " and the Contemporary Asia ( covering Japan , China, Koreas and India. Keywords: Palestine, Arab Questions, Asian Contemporary, East, History A Questão Palestina/Israel A Questão Palestina/Israel parece infindável. Que imagem recebemos, hoje, a partir da indústria cultural, em relação aos países de tradição e cultura islâmica? A cultura islâmica surge relacionada ao terrorismo, à violência e à barbárie. Trata-se de um estereótipo. Precisamos compreender a cultura islâmica em sua especificidade; ou seja, não devemos julgar. Devemos considerar, em relação a hoje: o fundamentalismo de poucos não expressa a cultura de muitos. É necessário evitar as generalizações, os preconceitos que continuam se reproduzindo pela falta de conhecimento, de crítica. Para debatermos o tema vamos iniciar com a questão das identidades coletivas, que na Palestina são maleáveis desde tempos das Cruzadas quando uma sociedade miscegenada foi constituída na região entre cristãos, islâmicos e judeus. Sobre o assunto Peter Demant explana: 1 Professora Doutora em História pela UFPR. Pesquisadora do Laboratório de História Intelectual da UNIOESTE-Marechal Cândido Rondon/PR e do NEMED UFPR Curitiba/PR. [email protected] http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4247162T2

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Ano 1 Número 2

ISSN 2526-0340 2017

79

PERSPECTIVAS SOBRE A HISTÓRIA DO ORIENTE E ÁSIA

CONTEMPORÂNEOS

Elaine Cristina Senko1

Resumo: O presente artigo debaterá os principais aspectos em torno de questões que

afetam a História do Oriente e Ásia na contemporaneidade. Vamos seguir a cada passo

elementos da cultura e poder da Questão Palestina/Israel, da Primavera Árabe, sobre o

Estado “Islâmico” e a Ásia Contemporânea (abordando Japão, China, Coréias e Índia).

Palavras-chave: Palestina, Questões Árabes, Ásia Contemporânea, Oriente, História

Abstract: This article will discuss the main aspects on issues that affect the History of

East and Asia nowadays. We will follow every step elements of culture and power of the

Question Palestine / Israel , the Arab Spring, on the state "Islamic " and the Contemporary

Asia ( covering Japan , China, Koreas and India.

Keywords: Palestine, Arab Questions, Asian Contemporary, East, History

A Questão Palestina/Israel

A Questão Palestina/Israel parece infindável. Que imagem recebemos, hoje, a

partir da indústria cultural, em relação aos países de tradição e cultura islâmica? A cultura

islâmica surge relacionada ao terrorismo, à violência e à barbárie. Trata-se de um

estereótipo. Precisamos compreender a cultura islâmica em sua especificidade; ou seja,

não devemos julgar. Devemos considerar, em relação a hoje: o fundamentalismo de

poucos não expressa a cultura de muitos. É necessário evitar as generalizações, os

preconceitos que continuam se reproduzindo pela falta de conhecimento, de crítica.

Para debatermos o tema vamos iniciar com a questão das identidades coletivas,

que na Palestina são maleáveis desde tempos das Cruzadas quando uma sociedade

miscegenada foi constituída na região entre cristãos, islâmicos e judeus. Sobre o assunto

Peter Demant explana:

1 Professora Doutora em História pela UFPR. Pesquisadora do Laboratório de História Intelectual da

UNIOESTE-Marechal Cândido Rondon/PR e do NEMED UFPR – Curitiba/PR. [email protected]

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4247162T2

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A identidade coletiva de nações, grupos étnicos e religiosos se tornou

recentemente um tema que mereceu atenção acadêmica. Muitos autores

acreditam hoje que a autodefinição de um grupo não é “natural” mas

sim o resultado de complexos processos de interação com outros

grupos, o que leva à contrução das identidades coletivas. Essa posição

construtivista certamente contradiz discursos religiosos e nacionalistas

tradicionais, que consideram identidades coletivas algo preexistente. O

fato é que identidades coletivas são mais maleáveis do que

anteriormente se imaginava, e portanto poderiam mudar no futuro. Isso

poderia ter importantes implicações para a resolução de conflitos

complexos, onde dois ou mais grupos lutam pelo mesmo território em

nome de identidades presumivelmente imutáveis e mutuamente

exclusivas. O conflito Israel-Palestina claramente pertence a essa

categoria. O emaranhado de argumentações religiosas e nacionalistas

em ambos os lados torna a questão da definição e dos limites de suas

identidades ainda mais complexa1.

A reflexão baseada num senso crítico nos permite conduzir a explicação sobre a

Questão Palestina/Israel num sentido do esclarecimento das identidades. Ora as

identidades locais afetam para uma intensidade dos conflitos na região e em outros

momentos o princípio do universalismo há uma diminuição. Para se entender isso

devemos ressaltar pontos subjetivos conforme Demant atenta:

(1)As identidades coletivas de ambos os lados visivelmente se

modificam durante o conflito; (2) essas mudanças foram causadas em

larga escala por sua (principalmente antagonística) interação; (3) há

paralelismos estruturais significantes entre as identidades palestinas e

israelenses e palestinas. Além disso, olhando para uma evolução das

identidades futuras, sugerimos que (4), sob certas condições favoráveis,

a verificação de semelhanças nas identidades israelense e palestina

poderia facilitar uma reconciliação e uma resolução pacífica do

conflito2.

Há um certo otimismo no discurso de Demant, mas que ele próprio vai

apresentando com uma dose de ceticismo na resolução do conflito; para o referido

pesquisador o problema palestino se apresenta como um objeto de um longo processo

histórico o qual ainda vivemos. Por exemplo, para Edward Said é importante ressaltar os

encontros entre Oriente e Ocidente e buscar esclarecimentos:

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Uma razão a mais para sua persistência é a crescente presença de

muçulmanos em toda a Europa e nos Estados Unidos. Pensem nas

populações hoje da França, da Itália, da Alemanha, da Espanha, da Grã-

Bretanha, dos Estados Unidos e até mesmo da Suécia, e vocês deverão

concordar que o Islã não está mais nas bordas do Ocidente, mas sim em

seu centro. Mas o que é tão ameaçador sobre essa presença? Enterradas

na cultura coletiva estão as memórias das primeiras grandes conquistas

árabe-islâmicas, que começaram no século VII e que como o ilustre

historiador belga Henri Pirenne escreveu em seu importante livro

Mohammad and Charlemagne (1939), romperam de uma vez por todas

com a unidade antiga do Mediterrâneo, destruíram a síntese cristã-

romana e possibilitaram a ascenção da nova civilização, dominada pelas

potências do norte (a Alemanha e a França carolíngias), que tinham

como missão – ele parecia estar dizendo – retomar a defesa do Ocidente

‘contra seus inimigos históricos e culturais. O que Pirenne deixou de

fora, aliás, foi que, para criar essa nova linha de defesa, o Ocidente

recorreu ao humanismo, à ciência, à filosofia, à sociologia e à

historiografia do Islã, que já tinha se colocado entre o mundo de Carlos

Magno e a Antiguidade Clássica. O Islã está dentro do Ocidente desde

o começo, e até mesmo Dante, grande inimigo de Maomé, tinha que

concordar com isso quando colocou o Profeta no próprio centro de seu

inferno3

A questão que envolve os dois grupos (judeus pró-sionistas ou não e os árabes

palestinos) tem uma origem em seu passado remoto. Na antiguidade, habitada pelos

judeus, mas desde há muito tempo, repovoada pelos povos árabes. Ao final do século

XIX, judeus de várias regiões do mundo começam a retornar à Palestina, dentro de um

movimento Sionista. Ocorre, portanto, um acirramento entre as duas prerrogativas de

habitar a região: considerada por ambos os povos como “Sagrada”, por conta da cidade

de Jerusalém. Em 1917 foi criado o Estado de Israel mas o território estava sob tutela

britânica. Trinta anos depois a Organização das Nações Unidas fizeram a Partilha da

Palestina e em 1948 se configura o Estado de Israel. Mas em 1967 temos o imapcto da

Guerra dos Seis Dias patrocinado pelo Egito e pela Liga Pan-Árabe contra o controle

palestino de Israel. Na sequência ocorreu a Guerra do Yom Kippur ou Guerra Árabe

Isralense de 1973, coalizão liderada novamente pelo Egito e agora Síria contra o Estado

de Israel. Com as derrotas frequentes do lado árabe, o Estado de Israel se fortaleceu por

conta de uma aliado militar forte, os Estados Unidos. Todos esses conflitos contribuiram

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para a expansão da indústria de armas dos sionistas e norte-americanos por um lado, e da

Liga Árabe por outro. Na atualidade o domínio da política sionista expande diante da

expurgação palestina. Demant sinaliza as fases deste processo de embate político e

religioso:

A ideologia sionista e israelense passou por quatro estágios mais ou

menos articulados: (1) o “clássico” sionismo pré-Estado; (2) o

estatismo da “pequena Israel”, 1948-1967; (3) uma longa fase quando

o confronto com os territórios ocupados levou à queda do consenso

interno de Israel, 1967-1991; (4) 1991 até agora, caracterizado pela

disputa entre o pós-sionismo e um judaísmo fundamentalista. Em cada

estágio, um elemento de identidade coletiva era enfatizado, outros

desenfatizados4.

E esse jogo entrucado de poderes na região palestina se deve ao movimento do

Orientalismo, em que segundo Said:

A minha idéia é que o interesse europeu, e depois americano, pelo

Oriente era político de acordo com alguns de seus aspectos históricos

óbvios que descrevi aqui, mas que foi a cultura que criou esse interesse,

que agiu dinamicamente em conjunto com as indisfarçadas

fundamentações políticas, econômicas e militares para fazer do Oriente

o lugar variado e complicado que ele obviamente era no campo que eu

chamo de orientalismo 5.

O movimento orientalista acompanhado da política imperialista foi um paradoxo

histórico, pois enquanto a política aculturava os povos conquistados, as artes (literatura e

pinturas) - apesar de distorcer o relato/a visão sobre um certo “Oriente”-, abriram as portas

do Ocidente até os caminhos orientais. Temos que compreender esse processo histórico

e não julgá-lo como geralmente se faz6. Mas uma via se abre na explanação de Demant,

apesar de ser um pensamento de 2002 ainda se faz muito presente agora em 2015:

Cada uma a seu modo, duas sociedades muito diferentes, mutuamente

hostis mas intimamente ligadas, estão alcançando constelações

ideológicas semelhantes. Poderia o paralelismo nas escolhas de

identidade que os confronta servir como ponte para o diálogo?

Enquanto os paralelos entre a evolução cultural de ambas as sociedades

são apenas incidentais, os obstáculos permanecem formidáveis. Se

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depois de Israel também os palestinos tiverem a permissão para cruzar

o patamar da soberania, estaria armado o cenário para um declínio do

nacionalismo. O que virá em seguida? Dois modelos mutuamente

exclusivos de identidade coletiva, um baseado em religião e outro em

democracia pluralista, estão lutando pela ascensão em ambas as

sociedades. Essas semelhanças estruturais são precondição

indispensável para uma aproximação cultural dessas comunidades.

Ainda que influências culturais globais e regionais estejam mais

influentes em todo lugar, e o verdadeiro conteúdo de cada identidade

seja diferente em cada sociedade, a evolução ideológica tanto de Israel

quanto da Palestina será fortemente dependente do que acontece com

seu vizinho. Isso abre possibilidades: para a comunicação israelense-

palestina significa que um diálogo autêntico é somente possível entre

aquelas forças de cada sociedade que optam por uma identidade

coletiva democrática não religiosa. A reaproximação cultural

israelense-palestina, hoje uma miragem distante, se tornará uma opção

apenas quando a identificação nacional de ambas as nações se tornar

menos fanática e menos exclusiva, e quando, no coração de ambos os

povos, a opção democrática obteiver uma vitória decisiva sobre o

fundamentalismo religioso7.

Os conflitos entre Israel e Palestina continuam, com momentos de maior ou menor

acirramento; Israel tem o apoio dos EUA, que impedem qualquer tipo de sansão ao

governo judeu, também coibindo a ação da ONU. Hoje, quem está no governo da

“Autoridade Palestina” é o “Hamas”, grupo político que tem levado às últimas

consequências o conflito na região; seu líder é Mahmud Abbas.

Destarte, concordamos com Demant na urgência de Estados que sejam laicos por

excelência onde as culturas religiosas possam coexistir sem uma delas ter o controle da

demanda política.

Primavera Árabe e Estado “Islâmico”

Sobre o conceito de “Primavera” Árabe se trata de uma referência a Primavera

dos Povos (1848) e Primavera de Praga (1968). O que essas “Primaveras” tem em

comum? A tentativa de deposição dos tradicionais “ditadores”; no caso do Oriente, seriam

as lutas contras os antigos ditadores colocados no poder desde a época do imperialismo

europeu e que dominaram seu cargo de forma vitalícia. A Primavera Árabe foi a tentativa

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de levar a democracia para regiões onde se estabeleceu ditaduras e autarquias. Esse

movimento se espalhou rapidamente através das mídias sociais e reuniram vários jovens

na luta por governos mais laicos e democráticos. Tudo iniciou-se em 2010,

principalmente no norte da África8, na Tunísia quando um jovem universitário, que por

conta da crise econômica, estava trabalhando em uma atividade de vendedor de legumes

e ateou fogo em seu próprio corpo. A referida ação do jovem levou a cena em forma de

vídeo para milhares de pessoas em quase todos os países do globo. Por conta da pressão

interna e externa, o então presidente Zine El Abidine Ben Ali renunciou o cargo em que

estava a mais de vinte três anos, dando margem para grupos a favor da democracia

entrarem no poder. Logo em seguida, os protestos alcançaram o Egito em que Hosni

Mubarak também renunciou ao poder em que estava a trinta anos; a Libia por sua vez,

apresentou um dos momentos mais dramáticos da Primavera Árabe com a queda e morte

de Muamar Kadafi desde de 1969 no poder até 2010. Também o reino do Bahrein

governado por Hamad Ben Isa Al-Khalifa foi impactado pela Primavera Árabe. O Iêmen

sentiu os abalados das ondas pró democaracia corroborando para a fuga do presidente Ali

Abdullah Saleh do país em direção a Árabia Saudita. Na Síria vemos o governo de Bashar

Al-Assad que comanda a mais de dez anos o país, porém desde 2014 está envolvido na

luta contra o Estado “Islâmico”.

Depois dessas ondas democráticas, surgiu um efeito político contrário: o

surgimento do radicalismo do Estado “Islâmico”, 2014/2015 ocorre ao mesmo tempo de

uma crise política na Crimeia (Rússia X Ucrânia)9 e de uma crise financeira mundial com

destaque para a Grécia. Colocamos “Islâmico” entre aspas por se tratar de um movimento

que atrai pessoas para a causa através da religião, mas que no seu interím apenas existe o

objetivo da violência; pois que a violência não é um príncipio propagado pela cultura de

fé islâmica. Decorrente da forte instabilidade nas regiões do Iraque e Síria (locais de

conflitos recentes e constantes) surge um fundamentalismo de extrema violência, que

deturpa os preceitos do Islã e que atrai muitos ocidentais para sua causa. Mas por quais

razões europeus estão também participando desses movimentos, que incluem destruição

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da cultura artística e histórica universal em cidades, como no caso da destruição ocorrida

em Palmira, Síria? Talvez uma das sinalizações seja o que o pesquisador Javier Barreda

Surreda aponta: “En el contexto de la “guerra contra el terror”, los gobiernos [europeus]

también violaron sus obligaciones internacionales al devolver a personas a países donde

corrían riesgo de sufrir graves violaciones de los derechos humanos, incluida la tortura”10.

Ainda assistimos agora em 2015 os prolongamentos das ações terroristas do Estado

“Islâmico” que prejudica ainda mais o preconceito contra o Islã e os muçulmanos no

mundo; enquanto isso governantes mundiais não tomam partido pois a indústria bélica é

favorecida enquanto o patrimônio histórico da humanidade é perdido aos poucos11.

Ásia Contemporânea: Japão, China, Coréias e “Índia entre Oriente/Ásia”

Concomitante ao que ocorre no Ocidente e Oriente Próximo, o Japão, a China, as

Coréias e a Índia desenvolvem políticas contemporâneas em que crises e ações

determinantes fazem um efeito global.

No Japão Contemporâneo temos ainda a presença da hierarquia política prevalente

como identidade social. Mesmo com os contatos com o Ocidente e com o Oriente

Próximo, o Japão resguarda sua cultura privada. O pesquisador Wataru Kikuchi

demonstra a questão das relações hierárquicas do Japão Contemporâneo tendo por análise

de uma convivência entre a tradição e a modernização:

O Japão venceu duas guerras ainda sob o imperador Meiji no trono: a

Guerra Sino-Japonesa (1894-5), pela qual, vitorioso, anexou a ilha

Formosa como colônia e a Guerra Russo-Japonesa (1904-5), que elevou

o status do Japão como potência da Ásia, obtendo, entre outros, o direito

de interferir no governo da Coreia. O imperador Meiji veio a falecer em

1912 e foi sucedido pelo imperador Taishô, que teve breve trono (1912-

26). Em 1914, o Japão se envolve na Primeira Guerra Mundial ao lado

dos aliados, que se tornaram vitoriosos, e tira proveito dessa aliança,

principalmente econômica. Mas a quebra da bolsa de valores de 1929 e

o grande terremoto que assolou a região de Kanto, em 1923, trazem a

grande depressão econômica, cujas consequências acarretam o colapso

da política dos partidos e abre o caminho para a ascensão dos militares

e da extrema direita ao poder, na década seguinte. O imperador Shôwa,

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entronado em 1926, presenciou essa fase de radicalismos e

conturbações, e o envolvimento e posterior derrota do Japão na Segunda

Guerra Mundial. A sua participação e, sobretudo, a sua

responsabilidade nessa série de acontecimentos da história

contemporânea do Japão são motivos de acaloradas discussões ainda

hoje, e marcou, de certa forma, a imagem do imperador entre o povo

japonês, principalmente entre aqueles que participaram direta ou

indiretamente da grande guerra. Derrotado na guerra, o Japão esteve

sob a ocupação dos aliados, tendo os americanos no comando, de 1945

a 1952. Nessa fase, foram tomadas as medidas que tiveram grande

impacto na sociedade japonesa, como a reforma agrária promovida em

duas etapas, em 1946 e 1950, a reforma educacional, em 1947, e a

promulgação da Lei Trabalhista, em 1945. O início da Guerra Fria e

principalmente a Guerra da Coreia (1950-53) favoreceram a

reconstrução do Japão, que teve a economia reativada na condição de

páis fornecedor de materiais e serviços para os aliados. Em 1955, a

economia japonesa já se encontrava num patamar sueprior àquele

verificado antes da Segunda Guerra Mundial e, a partir de então,

cresceu anualmente acima de 10% do PNB nas duas décadas seguintes.

A prosperidade econômica fez surgir a sociedade de massas e de

consumo no Japão, e é inegável que isso tenha repercutido na mudança

das relações sociais entre os nipônicos12.

Por sua vez a China e a Índia também alcaçaram um desenvolvimento de impacto

global, como nos mostra o diplomata Paulo Antônio Pereira Pinto:

O estudo da emergência atual da China e Índia, deveria levar em conta,

portanto, que o grande desafio do século atual é o entendimento de

como as culturas evoluem, adaptam-se ou permanecem estáveis. O foco

prioritário deste estudo, portanto, visa a mapear tendências que possam

resultar destas alterações no cenário internacional. [...] Nesse sentido,

chamam atenção especial, por um lado, as declarações da China, em

2005, de que sua condição atual de potência emergente deve ser

entendida como uma nova fase histórica, marcada por “ascensão

pacífica” do país, destinada a beneficiar seu entorno imediato e relações

com o exterior. Segundo este discurso chinês, estaria em curso,

praticamente, o ressurgimento da influência político-cultural que o

antigo Império do Centro exercia sobre as nações situadas ao Sul de

suas fronteiras. Isto é, historicamente – sempre de acordo com Pequim

– laços foram mantidos com o Sudeste Asiático, com base em

relacionamento “pacífico”, que a RPC, agora, procuraria “reacender”.

Por outro, a Índia não busca nem expandir sua cultura, nem suas

instituições democráticas. O que os indianos parecem analisar com

grande precisão são os quesitos necessários para a preservação da

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segurança de sua multiculturalidade, no contexto de entorno imediato

pacífico. A liderança atual indiana, portanto, parece entender que a

inquietação mundial, provocada por rivalidades étnicas e religiosas,

poderá afetar, também, a estabilidade de seu próprio país. Daí, Nova

Delhi ter que exercer amplo leque de interlocução com culturas que

rodeiam a Índia. [...] Quanto ao fenômeno indiano, cabe avaliar se

existe, realmente, processo sustentável de crescimento ou se não se

trata, por um lado, de exercício promocional do Governo de Nova

Delhi, com sua campanha de divulgação de “India everywhere”, ou, por

outro, de contra-ofensiva de empresas multinacionais assustadas com

sua excessiva dependência da economia chinesa e, portanto,

interessadas em criar alternativa para seus investimentos. Ao contrário

dos chineses – como se procurou demonstrar nas segunda e terceira

partes do artigo – os indianos nunca procuraram expandir sua cultura,

nem suas instituições democráticas. Sua grande preocupação parece ser

a garantia da segurança interna de sua multiculturalidade, em ambiente

internacional estável. A liderança atual indiana, portanto, parece

entender que a inquietação mundial, provocada por rivalidades étnicas

e religiosas, poderá afetar, também, seu próprio país. Daí, Nova Delhi

ter que exercer amplo leque de interlocução com culturas que rodeiam

a Índia. Na medida em que se consolide a emergência destes dois países,

que possuem laços de vizinhança milenares, bem como se desenvolvam

cooperação mais intensa e troca de ensinamentos sobre como

administrar seus respectivos processos de crescimento exponenciais,

haverá, sem dúvida, impacto significativo no ordenamento político

internacional. Basta lembrar que, há pouco mais de 50 anos, foram

ambos os promotores dos chamados Cinco Princípios de Convivência

Pacífica. Caberia, agora, desejar que contribuam para um

relacionamento internacional baseado no respeito mútuo entre culturas

diversas13.

Ora, a política japonesa e chinesa afetam diretamente na contemporaneidade as

atitudes no território das duas Coréias, para tanto Elói Martins Senhoras e Rita de Cássia

de Oliveira Ferreira explicam que:

O endurecimento da retórica norte-coreana propiciada desde o

abandono do Tratado de Não-Proliferação Nuclear em 2003 e o

primeiro teste de lançamento balístico nuclear em 2006, após dez anos,

repercutiu em um contexto de inflexão estrutural em 11 de março de

2013, quando, após novas sanções da Organização das Nações Unidas

(ONU) contra as políticas do regime da Coréia do Norte, o novo líder

deste país, consolidando-se como terceira geração ditatorial, decretou

nulo o acordo de armistício. Conclui-se com base nessas discussões que

o crescente tensionamento na península Coréia desde março de 2013 -

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engendrado pelo líder norte-coreano, Kim Jongun, ao confirmar o fim

do armistício com a Coréia do Sul - corrobora para a compreensão de

que existe uma inflexão na longa duração da declaração Norte-Sul de

não-agressão que merece atenção, por mais que persista uma recorrente

estratégia norte-coreana de

chantagem e barganha política a fim de se trazerem ganhos a um país

que se encontra isolado por sanções internacionais14.

A Ásia contemporânea revela um novo e recente olhar sobre o processo histórico,

pois os países como Japão, China, Índia e Coréia resistem a crise internacional e

continuam imersos num clima de estabilidade econômica (demandante essencialmente da

exploração da força de trabalho de muitos e com exagero no consumo15), exceto a Coréia

do Norte com sua política isolacionista.

Chiharu Shiota: "Accumulation-Searching for the Destination", 2012, Marugame Genichiro-

Inokuma Museum of Contemporary Art, Japan.

Considerações finais

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Ao fim e ao cabo, o Oriente (incluindo o norte de África) e a Ásia (destaque para

Japão, China, Coréias; e Índia – esta última entre Oriente e a Ásia) devem resolucionar

seus problemas econômicos e políticos sem nenhuma intervenção ocidental. Ora, o mais

importante é a autonômia desses países, compreendendo e respeitando as diferenças

culturais, no âmbito político, religioso e social. A União Européia, os Estados Unidos, a

Rússia devem permitir que esses países do Oriente e da Ásia caminhem com os próprios

pés, de forma independente.

***

Notas

1DEMANT, Peter. Identidades israelenses e palestinas: questões ideológicas. In: DUPAS, Gilberto;

VIGEVANI, Tullo. (organizadores). Israel-Palestina: a construção da paz vista de uma perspectiva

global. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 201.

2 DEMANT, Peter. Identidades israelenses e palestinas: questões ideológicas. In: DUPAS, Gilberto;

VIGEVANI, Tullo. (organizadores). Israel-Palestina: a construção da paz vista de uma perspectiva

global. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 202.

3 SAID, Edward W. Cultura e Política. Tradução de Luiz Bernardo Pericás. São Paulo: Boitempo Editorial,

2003, p.46-47.

4 DEMANT, Peter. Identidades israelenses e palestinas: questões ideológicas. In: DUPAS, Gilberto;

VIGEVANI, Tullo. (organizadores). Israel-Palestina: a construção da paz vista de uma perspectiva

global. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 209.

5 SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Tradução: Tomás Rosa Bueno.

São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.23. 6 Sobre o assunto indicamos: IRWIN, Robert. Pelo amor ao saber: os orientalistas e seus inimigos.

Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008.

7 DEMANT, Peter. Identidades israelenses e palestinas: questões ideológicas. In: DUPAS, Gilberto;

VIGEVANI, Tullo. (organizadores). Israel-Palestina: a construção da paz vista de uma perspectiva

global. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 257.

8 O Norte Africano Ibn Khaldun (1332-1406) já sinalizava a falta de assabyia local (coesão de grupo) como

o fator de decadência política das sociedades. Para mais sobre a História do Oriente e da África, consultar:

Page 12: PERSPECTIVAS SOBRE A HISTÓRIA DO ORIENTE E ÁSIA … · poderia ter importantes implicações para a resolução de conflitos complexos, onde dois ou mais grupos lutam pelo mesmo

Revista Ipsis Libanis http://www.icbl.com.br/ipsislibanis/

Ano 1 Número 2

ISSN 2526-0340 2017

90

SENKO, Elaine Cristina. O passado e o futuro assemelham-se como duas gotas d’água: uma reflexão

sobre a metodologia da história de Ibn Khaldun (1332-1406). Dissertação de mestrado defendida pelo

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná. Curitiba: PPGHIS UFPR,

2012.

9 Sobre o conflito na Crimeia é deveras importante voltar ao passado e se atentar para o fim do czarismo na

Rússia no começo do século XX, em que russos brancos se dirigiram aos territórios circundantes ao Mar

Negro (principalmente onde se encontra a Ucrânia).

10 BARREDA SUREDA, Javier. La EU y los derechos humanos en los países del Mediterráneo. In: MELO

CARRASCO, Diego; LAISECA ASLA, Fernando. Europa y el Mediterráneo Musulmán. Viña del Mar

(Chile): Ediciones Altazor, 2010, p. 150.

11 Sobre uma das soluções para não se perder nosso patrimômio no nível imagético e de memória histórica,

indicamos a seguinte leitura: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/colunistas/rodrigo-wolff-

apolloni/o-estado-islamico-e-o-touro-digital-de-nimrud-edydm0gis8f745dnii9nugjaw (Acesso em

03/07/2015).

12 KIKUCHI, Wataru. Relações hierárquicas do Japão Contemporâneo: um estudo da consciência da

hierarquia na sociedade japonesa. Tese de Doutorado. São Paulo: USP, 2012, p. 79-80.

13 PINTO, Paulo Antônio Pereira. China e Índia – emergência e impacto cultural. Revista Brasileira de

Política Internacional. Vol. 1, n. 50, pp. 86-101, 2007. 14 SENHORAS, Elói Martins; FERREIRA, Rita de Cássia de Oliveira Ferreira. A Guerra da Coréia vista

após sessenta anos de Armistício (1953-2013). Revista Conjuntura Global. Curitiba. Vol. 2, n.3, jul./set.,

p.139, 2013.

15 Sobre o exagero no consumo veja a obra de Chiharu Shiota: "Accumulation-Searching for the

Destination", 2012, Marugame Genichiro-Inokuma Museum of Contemporary Art, Japan.

https://br.pinterest.com/pin/513551163736030111/ (Acesso em 03/07/2015).

Referências bibliográficas

BARREDA SUREDA, Javier. La EU y los derechos humanos en los países del

Mediterráneo. In: MELO CARRASCO, Diego; LAISECA ASLA, Fernando. Europa y

el Mediterráneo Musulmán. Viña del Mar (Chile): Ediciones Altazor, 2010, pp. 143-

170.

DEMANT, Peter. Identidades israelenses e palestinas: questões ideológicas. In: DUPAS,

Gilberto; VIGEVANI, Tullo. (organizadores). Israel-Palestina: a construção da paz

vista de uma perspectiva global. São Paulo: Editora UNESP, 2002, pp. 201- 259.

Page 13: PERSPECTIVAS SOBRE A HISTÓRIA DO ORIENTE E ÁSIA … · poderia ter importantes implicações para a resolução de conflitos complexos, onde dois ou mais grupos lutam pelo mesmo

Revista Ipsis Libanis http://www.icbl.com.br/ipsislibanis/

Ano 1 Número 2

ISSN 2526-0340 2017

91

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Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008.

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Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

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Boitempo Editorial, 2003.

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da Coréia vista após sessenta anos de Armistício (1953-2013). Revista Conjuntura

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Dissertação de mestrado defendida pelo Programa de Pós-Graduação em História da

Universidade Federal do Paraná. Curitiba: PPGHIS UFPR, 2012.