perspectivas de alunos concluintes do ensino mÉdio …
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Revista Contemporânea de Educação, vol. 10, n. 20, julho/dezembro de 2015
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PERSPECTIVAS DE ALUNOS CONCLUINTES
DO ENSINO MÉDIO ACERCA DO TRABALHO
NA SOCIEDADE CAPITALISTA ATUAL
ANA CLÁUDIA LOPES1
CARINA DARCOLETO2
MICHELLE SAIEVIEZ3
Resumo
Este artigo visa compreender as concepções de alunos concluintes do Ensino Médio sobre o trabalho e a relação existente entre empregado e empregador na sociedade atual. Os dados desta pesquisa foram coletados por meio de questionários aplicados aos alunos matriculados em duas instituições públicas de ensino. Abordamos o trabalho, no seu sentido ontológico, buscando evidenciar as especificidades dessa atividade, enquanto criadora de valor-de-uso, e sinalizar as limitações proporcionadas por meio do trabalho, enquanto gerador de valor-de-troca, ao trabalhador, nessa organização social. Concluímos que, para a maioria dos alunos pesquisados, a relação desigual existente entre empregado e empregador é algo natural.
Palavras-chave: Aluno concluinte do Ensino Médio. Educação escolar. Trabalho.
Abstract
This article seeks to understand the views of students, graduates of high school, on the job and the relationship between employee and employer in today’s society. The data from this study were collected through questionnaires administered to students enrolled in two public schools. We approached the work in its ontological sense, to disclosing the specifics of this activity, as creator of value - in - use, and signal limitations provided through work, while exchange - value generator, the employee in this organization social. We conclude that, for most students surveyed, the existing unequal relationship between employee and employer is natural.
Keywords: Student who finished high school. School education. Work.
1 Graduada em Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG, turma de 2014.
Atualmente trabalha no Núcleo Regional de Educação de Ponta Grossa/PR. 2 Graduou-se em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP -, campus de
Araraquara, em 2003. É doutora em Educação Escolar pelo Programa de Pós-Graduação da UNESP de Araraquara (2009). Atualmente, é professora adjunta do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
3 Graduada em Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG, turma de 2014.
Docente da Educação Infantil, pela Prefeitura Municipal de Ponta Grossa PR.
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Introdução
Este artigo apresenta, de modo sintético, os resultados de uma pesquisa que
tratou sobre as concepções de alunos concluintes do Ensino Médio acerca do trabalho
e da relação existente entre empregado e empregador na sociedade capitalista atual4.
Para a elaboração deste texto, utilizamos o referencial teórico metodológico
materialista histórico-dialético, o qual nos possibilitou compreender o trabalho
enquanto ato originário do ser social. Já na sociedade de classes, a partir desse
referencial, percebemos o quanto o modo de produção capitalista é responsável
pelas inúmeras limitações à vida dos homens, particularmente daqueles
pertencentes à classe trabalhadora.
O objetivo geral desta pesquisa foi compreender as concepções dos alunos
concluintes do Ensino Médio acerca do trabalho e da relação existente entre
empregado e empregador na sociedade atual. Para isso, teve como objetivo
específico conhecer o que está implícito nas concepções dos alunos sobre o
trabalho e a relação existente entre empregado e empregador em nossa
sociedade, ou seja, buscamos saber se a formação escolar desses alunos tem
algum tipo de influência em suas concepções. Optamos por realizar esta
investigação com os alunos do 3º ano do Ensino Médio devido ao fato de eles
estarem concluindo a sua Educação Básica, como também, partindo da hipótese
de que esses alunos, em sua maioria, estão entrando no mercado de trabalho, se já
não estiverem inseridos nele durante essa etapa de ensino.
A coleta dos dados para a realização dessa pesquisa foi realizada por meio de
questionário aplicado aos alunos concluintes da última etapa da Educação Básica,
ofertada por duas instituições públicas da Rede Estadual de Ensino, ambas
localizadas no município de Ponta Grossa/PR, no mês de maio do ano de 2014.
Para realizarmos a análise dos dados coletados, foram realizadas diversas leituras e
fichamentos tanto de obras de autores marxistas quanto propriamente escritos
marxianos.
Neste texto, buscamos apontar as especificidades do trabalho em nossa
sociedade e de que maneira os jovens concluintes do Ensino Médio compreendem
essa atividade, tendo como base a formação escolar propiciada a esses alunos.
Desse modo, temos a pretensão de destacar algumas peculiaridades do modo de
produção capitalista, bem como sinalizar a forma com que a educação escolar
tem colaborado para a manutenção da sociedade atual.
4 Esta pesquisa culminou na redação do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado As perspectivas dos alunos
Concluintes do Ensino Médio acerca do trabalho na sociedade capitalista atual, defendido na Universidade
Estadual de Ponta Grossa em outubro de 2014.
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1 O trabalho como atividade essencial para a transformação do ser natural em ser social
Buscando compreender as concepções de alunos concluintes do Ensino
Médio sobre o trabalho e a relação existente entre trabalhador e empregador em
nossa sociedade, como também identificar o que está implícito em tais
concepções, percebemos a importância de, neste primeiro momento, abordarmos
algumas questões relativas ao trabalho no sentido ontológico, que, segundo Marx, é
a atividade responsável pela transformação do ser natural em ser social.
Trataremos, ainda, de algumas questões que contemplam a especificidade do
trabalho e da atividade remunerada nessa sociedade, sinalizando algumas das suas
implicações, para que, assim, possamos apontar algumas das limitações
proporcionadas por meio do trabalho, enquanto criador de valor-de-troca5 ao
trabalhador, nessa organização social.
Para entendermos o trabalho no sentido ontológico, partimos do
pressuposto marxiano, o qual define essa atividade como elemento fundamental
para a transformação do ser natural em ser social. A partir das contribuições de
Marx e Engels (1979), compreendemos que, pelo fato de o homem ser parte da
natureza e transformá-la, por meio do trabalho, essa é a atividade que garante a sua
existência humana. Segundo Lessa e Tonet (2004, p. 9): “O único pressuposto do
pensamento de Marx é o fato de que os homens, para poderem existir, devem
transformar constantemente a natureza.” Essa transformação, de acordo com
Darcoleto (2009, p. 23), é um processo que ocorre da seguinte forma:
Quando Marx diz que ‘a natureza não está, nem objetiva nem
subjetivamente, imediatamente disponível ao ser humano de modo
adequado’, significa que, como parte da natureza, o homem
necessariamente tem de se relacionar com a mesma para satisfazer suas
necessidades. Em contrapartida, os objetos que a natureza oferece – de
imediato – ao homem, não lhe são úteis na forma como se apresentam
imediatamente. Assim, para satisfazer suas necessidades mais primitivas,
o homem desenvolve – a partir dos objetos dados pela natureza -
instrumentos adequados para transformá-la tal como está posta,
criando, com isso, novas necessidades, as quais, nesse momento,
configuram-se como necessidades especificamente humanas. É a partir
das necessidades humanas criadas na relação de transformação da
natureza pelo homem que as necessidades físicas primitivas também
serão supridas.
Assim sendo, entendemos que o homem, por meio da matéria-prima
disponível na natureza, constrói novos objetos a fim de atender às suas
necessidades e, nessa relação dialética, ele transforma a natureza e a si mesmo,
5 Trataremos, adiante, do que vem a ser o trabalho enquanto gerador de valor-de-troca.
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como também modifica a humanidade como um todo. Dessa maneira, o
homem amplia cada vez mais seus conhecimentos e habilidades pelo trabalho,
garantindo, assim, a sua existência humana, conforme afirma Marx e Engels (1979,
p. 39):
[...] o primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portando, de
toda a história, é que os homens devem estar em condições de viver para
poder ‘fazer história’. Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer,
beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato
histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação
destas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é
um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda
hoje, como há milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e
todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos.
Nessa perspectiva, os autores mostram que o trabalho é o ato fundante e
essencial para a transformação do homem de ser meramente biológico em ser
social. Em outras palavras, o trabalho se caracteriza como “o instrumento da auto
criação do homem como homem”, por meio dele o homem se afasta das suas
características naturais, embora nunca totalmente, para se tornar um novo ser, o
ser social. Segundo Tonet (2007, p. 10-11): “Para Marx, o trabalho é o ato
ontológico fundamental do ser social. Isto porque o trabalho contém em si os
elementos que fazem dele a mediação responsável pelo salto ontológico do ser
natural para o ser social.”
Na esteira de Marx, Lessa e Tonet (2004) diferenciam as atividades realizadas
pelos animais daquelas que os homens realizam, ou seja, as aranhas, ao tecerem
suas teias, ou as abelhas, ao construírem suas colmeias, fazem-no de acordo com
a sua gênese e de forma irracional; em outras palavras, realizam-nas com o intuito
de apenas reproduzir-se e a maneira como executam suas atividades sempre se
dará da mesma forma. Conforme afirmam Lessa e Tonet (2004, p. 9): “Nestas, a
organização das atividades e sua execução são determinadas geneticamente e, por
isso, não servem de fundamento para o desenvolvimento destes insetos.”
Entretanto, o homem trabalha de maneira bem diferente, ele age de forma
consciente, sendo capaz de imaginar toda a ação que pretende executar antes de
agir. A consciência do homem intervém na atividade de auto (re)produção
humana, bem como no seu desenvolvimento. Partindo desse entendimento, Lessa
e Tonet (2004, p. 9), às luzes de Marx, afirmam que:
Entre os homens, a transformação da natureza é um processo muito
diferente das ações das abelhas e formigas. Em primeiro lugar, porque
a ação e seu resultado são sempre projetados na consciência antes de
serem construídos na prática. É esta capacidade de idear (isto é, de criar
ideias) antes de objetivar (isto é, de construir objetiva ou materialmente)
que funda, para Marx, a diferença do homem em relação à natureza,
funda a evolução humana.
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Nesse sentido, vale trazermos a conhecida passagem de Marx e Engels (1979,
p. 27, grifos dos autores) na Ideologia alemã:
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela
religião ou por tudo que se queira. Mas eles próprios começam a se
diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de
vida, passo este que é condicionado por sua organização corporal.
Produzindo seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente,
sua própria vida material.
A partir do exposto, entendemos que a principal característica que diferencia
o homem dos animais é que o homem, através do intercâmbio com a natureza, é
capaz de produzir os meios que garantem sua existência como ser humano. Nessa
perspectiva, Lukács (1997, p. 47) afirma que: “[…] o trabalho é um processo entre
atividade humana e natureza: seus atos estão orientados a transformar objetos
naturais em valores de uso”. De modo geral, podemos dizer, com base em Marx e
Engels (1979), bem como em Lukács (1997), que o trabalho enquanto criador de
valor de uso é aquele que tem por finalidade atender às reais necessidades do
homem.
Ao construir um objeto, o homem está adquirindo novos conhecimentos, e
estes contribuirão para que novas situações possam ocorrer e, assim,
sucessivamente, novos conhecimentos possam ser adquiridos. Nesse sentido,
Lessa e Tonet (2004, p. 10) afirmam: “Segundo Marx, isso significa que, ao
construir o mundo objetivo, o indivíduo também se constrói. Ao transformar a
natureza, os homens também se transformam, pois adquirem sempre novos
conhecimentos e habilidades”.
Dados os limites deste texto, nosso foco é abordar algumas questões relativas
ao trabalho na sociedade capitalista. Ainda com base em Lessa e Tonet (2004), o
ápice dessa sociedade deu-se com a Revolução Industrial, no século XVIII, com a
ruptura do modo de produção feudal, o que originou as duas classes essenciais da
sociedade burguesa: o proletariado e a burguesia. Para Lessa e Tonet (2011, p. 63),
entre os séculos XI a XVIII, a burguesia se expandiu rapidamente: “Do comércio
local passou ao comércio por toda a Europa. Em seguida, descobriu a África, o
caminho marítimo para as Índias, as Américas e articulou um mercado mundial”.
Dessa forma entendemos que, a partir do momento em que o homem passou a
armazenar produtos para além do seu consumo necessário para a garantia da
sobrevivência (transição do feudalismo para o capitalismo), originou-se, a partir
desse excedente, “[...] a exploração do homem pelo homem” (LESSA; TONET,
2004, p. 30), surgindo, assim, as classes sociais e, consequentemente, seus
antagonismos.
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A existência deste excedente tornou economicamente possível a
exploração do homem pelo homem. Temos aqui a gênese de algo
radicalmente novo na história humana. Nas sociedades primitivas, os
indivíduos, por mais que divergissem, tinham no fundo o mesmo
interesse: garantir a sobrevivência de si e do bando ao qual pertenciam.
Com o surgimento da exploração do homem pelo homem, pela
primeira vez as contradições sociais se tornam antagônicas, isto é,
impossíveis de serem conciliadas. (LESSA; TONET, 2004, p. 30).
Nesse contexto, de acordo com Marx e Engels (1979), para que os burgueses
pudessem realizar a Revolução Francesa, ocorrida no século XVIII, a classe
burguesa se posicionou enquanto classe revolucionária, criticando a dominação
da nobreza e do clero e incutindo na população o conceito de liberdade e
igualdade para todos. Desse modo, para que a burguesia pudesse passar de classe
em ascensão (classe revolucionária) a classe com poder consolidado, lançou seus
interesses, como se estes fossem comuns a todos os integrantes da sociedade;
porém, quando ela atingiu a hegemonia, seus interesses deixaram de caminhar em
direção à transformação da sociedade, direcionando-se à sua manutenção, pois
suas “transformações revolucionárias” de outrora foram ações que continham
objetivos implícitos em favor da sua classe e que serviram para desencadear a
expansão do modo de produção capitalista. Assim, a burguesia, com o intuito de
impedir uma nova ação revolucionária pela classe que é explorada (proletários),
passa a negar a história, afirmando ser impossível a superação do modo de
organização social capitalista.
Com efeito, cada nova classe que toma o lugar da que dominava antes
dela é obrigada, para alcançar os fins a que se propõe, a apresentar seus
interesses como sendo o interesse comum de todos os membros da
sociedade, isto é, para expressar isso mesmo em termos ideais: é
obrigada a emprestar às suas ideias a forma de universalidade, a
apresentá-las como sendo as únicas racionais, as únicas universalmente
válidas. […] Quando a burguesia francesa derrubou a dominação da
aristocracia, permitiu que muitos proletários se elevassem acima do
proletariado. […] Cada nova classe estabelece sua dominação sempre
sobre uma base mais extensa do que a da classe que até então
dominava, ao passo que, mais tarde, a oposição entre a nova classe
dominante e a não-dominante se agrava e se aprofunda ainda mais.
(MARX; ENGELS, 1979, p. 74-75).
Assim sendo, entendemos que, na sociedade capitalista, desenvolve-se um
modo de produção que, segundo Lessa e Tonet (2011, p. 63): “[...] tem em sua
essência uma nova forma de exploração do homem pelo homem […].” Por meio
da divisão social do trabalho, ou seja, pela venda da força-de-trabalho, do
trabalhador ao burguês, tudo o que se produz pelas mãos do trabalhador
converte-se em mercadoria e, para que seja possível essa conversão (compra e
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venda do que se produz), há a necessidade de separar o trabalhador dos meios
de produção e do produto final elaborado por ele.6
O burguês “paga” para o trabalhador um determinado valor em dinheiro e,
em contrapartida, o trabalhador necessita produzir de maneira acelerada para que
o “lucro” do burguês amplie-se cada vez mais. Para Lessa e Tonet (2004), o que
diferencia a sociedade capitalista em relação aos modos de produção das
sociedades anteriores é a redução da força-de-trabalho em mercadoria; em
outras palavras, as necessidades essenciais do homem (trabalhador) são
totalmente ignoradas em virtude do enriquecimento privado da classe burguesa.
Nessa sociedade, emergiu o trabalho enquanto criador de valor-de-troca, que
tem como fim último o acúmulo de capital.
2 O trabalho, a atividade remunerada e suas implicações para a humanidade
Como já sinalizamos, segundo Lessa e Tonet (2004), a forma de produção
nessa sociedade desencadeou um novo tipo de exploração do homem pelo
homem, ou seja, por meio da venda da força-de-trabalho do trabalhador ao
burguês originam-se as relações sociais entre os que possuem os meios de
produção (burguesia) e os que possuem a força-de-trabalho (proletariado).
Segundo Marx (1988, p. 135):
Por força de trabalho ou capacidade de trabalho entendemos o conjunto
das faculdades físicas e espirituais que existem na corporalidade, na
personalidade viva de um homem e que ele põe em movimento toda
vez que produz valores de uso de qualquer espécie.
Nesse sentido, compreendemos que a força de trabalho faz parte da vida
humana. Materializada em seu corpo, o homem a coloca em movimento, cada
vez que ele necessita produzir algo que atenderá às suas necessidades essenciais.
Entretanto, a partir da organização do trabalho na sociedade capitalista, o
homem necessitou vendê-la, expropriando-a da sua própria vida. Os proletários,
por meio dela (força-de-trabalho), contribuem para que os burgueses acumulem
cada vez mais riquezas e, em troca, os burgueses pagam em dinheiro (salário) ao
trabalhador por sua força-de-trabalho. O “salário” pago ao trabalhador, na
maioria das vezes, não supre nem as necessidades básicas para a sua
sobrevivência, que compreende ter um lugar seguro para morar, comer, beber,
vestir-se, entre outras atividades essenciais ao homem. O custo da força-de-
6 Para Lessa e Tonet (2011), a separação entre o trabalhador e entre os meios de produção e o produto final
elaborado por ele faz parte de um longo processo histórico, que começou ainda nos modos de produção
que antecederam a sociedade capitalista, porém, tornou-se mais intensa e recebeu suas configurações finais
entre os séculos XV e XVIII.
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trabalho é baixo, e seu valor, que corresponde ao salário, é sempre menor que as
necessidades do trabalhador.
Segundo Tonet (2007), o antagonismo de classes existente em nossa
sociedade, ou seja, a adversidade gerada a partir da divisão entre os
possuidores dos meios de produção (burguesia) e entre os que vendem sua
força-de-trabalho (proletário) originou-se no momento em que o trabalho
passou a ser gerador de valor-de-troca. Nesse aspecto, Tonet (2007, p. 11)
enfatiza: “Deste modo, é historicamente falso confundir trabalho com trabalho
gerador de valores-de-troca e pressupor que esta forma de trabalho é uma
determinação essencial do ser social.” De acordo com Tonet (2007), na sociedade
regida pelo capital, todos os produtos fabricados por meio do trabalhador já não
servem mais para contemplar as necessidades do próprio homem, mas são
produzidos para a venda, tudo o que se produz transforma-se em mercadoria e,
para que o trabalhador possa ter acesso ao produto que foi produzido, o qual é
necessário à sua vida, precisa ter dinheiro: “O que se produz não é mais para
consumo próprio, mas para vender no mercado. Desse modo, todos precisam,
agora, se dirigir ao mercado (com dinheiro, claro) para adquirir os bens
necessários à vida.” (LESSA; TONET, 2011, p. 64).
As regras compelidas pela lógica do capitalismo são rígidas, pois, se o
trabalhador não se adequar a esse modo de produção, certamente suas
condições de sobrevivência serão cada vez mais escassas. O trabalho enquanto
criador do valor-de-troca é o responsável pela submissão de milhões de pessoas
que se sujeitam a vender sua força-de-trabalho em condições insalubres, sendo
este um dos atos originários das desigualdades sociais na sociedade capitalista.
Com as contribuições de Marx (1988, 1996), Marx e Engels (1979), Lukács
(1997), Tonet (2007), Darcoleto (2009) e Lessa e Tonet (2004, 2011), vimos que as
implicações do trabalho enquanto gerador de valor-de-troca para a humanidade
são muitas, tais como: o valor dado à mercadoria sobressaiu-se ao homem; as
desigualdades sociais ampliaram-se, aumentado assim as formas desumanas de
sobrevivência; o individualismo internalizou-se no homem, impedindo, de certa
forma, o desenvolvimento da humanidade como um todo. Essas são algumas das
muitas problemáticas que vivenciamos atualmente. Segundo Marx (1996), se
fizermos uma comparação da sociedade capitalista com outros modos de
organização das sociedades anteriores, observamos que a capitalista possibilitou
alguns aspectos positivos para a humanidade, como, por exemplo, o
desenvolvimento das forças produtivas e das tecnologias, porém ela também é a
responsável pela produção e reprodução de elementos desumanizadores, pois, além
da miséria material, o trabalho alienado7 faz com que “[...] o acesso ao
desenvolvimento humano mais genérico de seu tempo [...]” (LESSA; TONET,
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2011, p. 94) seja impedido e ignorado, a favor do acúmulo de riquezas para um
pequeno grupo de pessoas da nossa sociedade.
3 O papel da educação na formação do trabalhador: mediação para a manutenção ou para a transformação social?
Para tratarmos do papel da educação na formação do trabalhador,
apontaremos aqui, com base em Cambi (1999), como a escolarização,
historicamente, atingiu as massas populares (enquanto necessidade do modo de
organização social capitalista, em nível mundial). Sinalizaremos a necessidade da
ampliação dos níveis da escolarização da população em nosso país, até chegar
ao Ensino Médio (nível mínimo exigido para o ingresso na maioria das profissões
existentes no mercado de trabalho), para que, assim, possamos articular alguns
aspectos que permeiam a escolarização, nesse nível de ensino, com a coleta dos
dados para a realização desta pesquisa. Buscaremos apontar as finalidades da
educação escolar, mostrando o seu papel na formação dos indivíduos para o
trabalho (emprego) nessa organização social.
O desenvolvimento da industrialização e da urbanização, desencadeado pela
Revolução Industrial, imprimiu diversas mudanças no modo de organização do
trabalho e na vida das pessoas. A partir daquele momento, o trabalho deixou de
ser artesanal, desenvolvido nas próprias residências das pessoas, para se tornar
industrial. Além disso, ele passou a ser também dividido: o trabalho que antes era
efetivado por apenas um trabalhador passou a ser desenvolvido por várias pessoas
e de forma parcelada.
Em relação à educação formal (conhecimento sistematizado), sabemos que
ela já ocorria anteriormente, mesmo nas organizações sociais que antecederam à
sociedade capitalista, porém destinava-se apenas às classes dominantes; para as
pessoas de menor poder aquisitivo, a educação ocorria de maneira informal,
sendo desenvolvida em meio às suas tarefas rotineiras: no convívio familiar, no
exercício do trabalho, nas igrejas, entre outros lugares.
Porém, as mudanças de vida provenientes da Revolução Industrial (século
XVIII) desencadearam a necessidade da criação de uma instituição responsável
pela instrução dos homens, ou seja, uma instituição que fosse capaz de prepará-
los para atender às demandas do novo modo de produção. Essa instituição tinha
como objetivo preparar os indivíduos para a vida urbana – visto que estes, em sua
maioria, advinham da zona rural –, habituando-os às regras sociais das cidades
7 Na sociedade capitalista, conforme Marx, o trabalho alienado refere-se ao trabalho assalariado, que é a forma do
trabalho sob esse modelo de organização social. Para melhor compreender a alienação que emerge da atividade
do trabalho, ver, dentre outros textos de Marx, Manuscritos econômicos filosóficos de 1844 e, de Marx e Engels,
A ideologia alemã”.
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(higiene, ética, moral, entre outros), como também moldando-os para as
atividades laborais8, garantindo que estes ao menos fossem alfabetizados (o que
incluía a resolução de cálculos básicos e noções de leitura), para que, assim,
pudessem atender às novas demandas do sistema capitalista.
Com relação a esse novo estilo de vida, Cambi (1999, p. 200) afirma:
Nele se afirmam comportamentos de autocontrole e de conformidade a
modelos de ‘boas maneiras’, que revelam o nascimento de uma nova
sensibilidade social e de uma convivência que redescreve cada âmbito
de ação do sujeito (desde assoar o nariz – com o uso do lenço – até
estar à mesa – com o uso do garfo), censurando comportamentos
demasiado grosseiros e solicitando um minucioso controle.
A partir das contribuições de Cambi (1999), verificamos que, por meio da
instituição escolar, exerce-se um controle sobre a população, pois, a partir dela, o
Estado “molda” as massas populares a seu gosto, fazendo com que tenham um acesso
restrito às informações, abrangendo apenas os conhecimentos que lhes forem
convenientes – o que torna esse tipo de educação pragmática e tecnicista, pois
prioriza apenas a formação de trabalhadores qualificados ao mercado de trabalho,
deixando de formá-los integralmente. Além disso, através da educação
institucional, objetiva-se, também, desenvolver nos indivíduos um sentimento de
pertencimento ao Estado, de conformação às regras sociais – através da criação de
um novo imaginário coletivo de caráter civil –, as quais, de acordo com Cambi
(1999, p. 372), “[...] renovam a mentalidade, criam um novo universo de símbolos,
delineando novos valores (laicos e civis), fixam um novo tipo de homem social (o
cidadão)”.
Sobre essa função “reguladora” da escola, Cambi (1999, p. 207) afirma:
[...] à escola foram atribuídos um papel e um perfil decididamente
ideológicos: ela se torna agente da reprodução social e, em particular,
da ideologia dominante, do poder e seus objetivos, seus ideais e sua
lógica. A escola se torna, como dirá Althusser, ‘aparato ideológico do
Estado’ que conforma reproduzindo a força de trabalho, mas sobretudo
a ideologia.
A fim de que todos os trabalhadores recebam essa instrução normalizadora,
que é capaz de inculcar hábitos, formas de pensar, além de preparar a mão de obra
necessária, surgiu o discurso de universalização da escolarização básica. Ao
mesmo tempo, a ideia de “educação para todos” foi se destacando, e um dos
motivos que também impulsionaram essa proposta de universalização da
escolarização foi a entrada da mulher no mercado de trabalho, que desencadeou
a necessidade de um espaço para que se deixassem as crianças.
8 O termo “atividades laborais” passou a existir na sociedade capitalista referindo-se às atividades que o
trabalhador exerce por meio da venda da sua força-de-trabalho ao burguês, detentor dos meios de produção,
em troca de salário (dinheiro).
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A partir da Revolução Industrial (século XVIII), a escolarização começou a
abranger as massas populares, e a escola passou a ser uma instituição central da
vida social, tornando-se obrigatória e gratuita – caracterizando-se como um
direito de todos, assegurado por lei, sob incumbência do Estado. Tal
obrigatoriedade se deu pelo fato de que a escola passou a ser responsável pela
formação do futuro trabalhador, sendo um instrumento indispensável para a
reprodução dos interesses da classe burguesa.
Entretanto, essa “educação”, tida como de direito de todos e de
responsabilidade do Estado, é fragilizada e alienada, o que torna quase
impossível ao aluno pertencente à classe trabalhadora o acesso ao patrimônio
acumulado ao longo da história da humanidade:
[…] o acesso à educação é cada vez mais dificultado; os próprios
conteúdos são cada vez mais fragmentados e alienados; o processo
educativo é sempre mais submetido às regras do mercado. Disto tudo
resulta uma formação dos indivíduos cada vez mais unilateral,
deformada e empobrecida. Destaque-se, porém, que isto se dá ao
mesmo tempo em que se torna sempre mais amplo o fosso entre a
realidade e o discurso. (TONET, 2005, p. 134).
Nesse mesmo sentido, Tonet (2007, p. 50) ainda enfatiza:
No caso da sociedade burguesa, a hegemonia desta classe impõe que a
educação tenha dois objetivos fundamentais: a formação para o trabalho
(mão-de-obra para o capital) e a educação para a cidadania e a
democracia (a estruturação de uma concepção de mundo, de ideias, de
valores adequados para a reprodução desta ordem social).
Além da manutenção/conservação da ordem social capitalista, segundo
Tonet (2005, 2007), por meio dessa educação “deformada”, a classe trabalhadora
é preparada/qualificada para o mercado de trabalho, como também preparada
para exercer a cidadania e a democracia; esses dois termos, cidadania e
democracia, originaram-se a partir do momento em que o Estado passou a
“representar os direitos e os deveres de todos os sujeitos”.
Nesse contexto, e como já foi dito, exige-se, a princípio, que o trabalhador
adquira noções básicas de leitura, escrita e cálculo. Isso se explica pelo fato de o
salário, entre outros fatores, ser calculado pelo tempo/nível de formação do
trabalhador, ou seja, quanto menor for o tempo de formação exigido por um
trabalho, menor será o salário do trabalhador.
Contudo, segundo Darcoleto (2009, p. 129): “Diante da […]
complexificação do trabalho, o sistema de produção exige que os trabalhadores
dominem alguns ‘instrumentos intelectuais’, que até então não possuíam […].”
Dessa maneira, aumentaram-se as exigências por um maior nível de
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conhecimento por parte do trabalhador para manusear os instrumentos de
trabalho e, com isso, o grau de escolaridade exigido para determinados
empregos foi se tornando maior, mas o salário, em contrapartida, não aumentou.
Isso é o que ocorre até hoje.
Atualmente, no caso do Brasil em particular, para o exercício de
determinadas funções (mesmo aquelas cujo salário é considerado irrisório), o
Ensino Médio passa a ser a exigência mínima. Nessa perspectiva, percebemos
que esse nível de ensino tem como finalidade a preparação dos jovens para
“conseguirem” o seu primeiro emprego. Verificamos que essa afirmação está
ratificada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº
9.394/1996, em seu Artigo 35, mais especificamente, no Inciso II, que diz que o
Ensino Médio deve focar: “[…] a preparação básica para o trabalho e a
cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se
adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento
posteriores”. (BRASIL, 1996, p. 14). Percebemos ainda, que não somente o
Ensino Médio, mas também os demais níveis de ensino, como o Ensino
Fundamental e a Educação Superior, contemplam uma formação fragilizada,
conforme colabora Jimenez (2005, p. 243):
Traçando um quadro radicalmente impiedoso da educação brasileira,
ousamos alegar que, quer se tome em conta o ensino fundamental, o
médio, e o superior quer se aborde a questão nos limites do ensino
supletivo ou da formação profissional, a educação do trabalhador
brasileiro vem estampando, no contexto das reformas gestadas no
espírito da última LDB (LDB 9394/96), a marca da fragmentação e do
aligeiramento, da mercantilização e da manipulação elevadas a
patamares que beiram o insuportável.
Desse modo, entendemos que a escolarização dos trabalhadores,
especificamente em nosso país, tem se tornado cada vez mais fragmentada,
manipulada e, especialmente, mercantilizada, pois é notória a competição
acirrada de empresas privadas que lutam por um espaço no campo educacional.
Nesse sentido, Jimenez (2005, p. 247-248) afirma:
No fim das contas, a educação passa a constituir-se num dos setores
mais rentáveis da economia, atraindo para si grandes investidores que
têm migrado de diversos outros ramos de negócios para lucrar com esse
promissor nicho de mercado […].
A partir das contribuições de Jimenez (2005), como também de Tonet (2007),
notamos que a educação, impulsionada pela lógica capitalista, tem se tornado um
poderoso trunfo para que as instituições privadas possam comercializá-la,
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tornando-a também uma mercadoria, que, por meio do aligeiramento, produz
um conhecimento insignificante, que apenas serve para “preparar” os indivíduos
para o mercado de trabalho. Essa mercantilização da educação não afeta apenas as
instituições privadas; a educação escolar pública também sofre os impactos da
lógica dessa organização social, que, segundo Tonet (2007, p. 28), passa a ter:
[...] de modo cada vez mais forte, um caráter mercantil. […], o capital
precisa apoderar-se, de modo cada vez mais intenso, de novas áreas
para investir. A educação é uma delas. Daí a intensificação do processo
de privatização e de transformação desta atividade em uma simples
mercadoria. Não é preciso referir as consequências danosas que este
processo traz para o conjunto da atividade educativa.
Nesse contexto, de acordo com Tonet (2007), verificamos que é praticamente
impossível efetivarmos uma educação que vise à formação humana, nesse modelo
de sociedade em que vivemos:
Ora, a educação é um poderoso instrumento para a formação dos
indivíduos. Mas, […], nas sociedades de classes ela é organizada de
modo a servir à reprodução dos interesses das classes dominantes. Na
sociedade capitalista isto é ainda mais forte e insidioso porque as
aparências indicam que uma formação de boa qualidade é acessível a
todos, enquanto a essência evidencia que tanto o acesso universal
quanto a qualidade não passam de uma falácia. (TONET, 2007, p. 81-
82).
Por meio dessa educação fragilizada, a classe burguesa atinge seu maior
objetivo, que é o de fomentar o mercado de trabalho, preparando os indivíduos
para que estes contribuam no aumento da produção e, como resultado, na
ampliação do acúmulo de capital para um número pequeno de pessoas da nossa
sociedade.
4 O que caracteriza o trabalho9 para o aluno concluinte do Ensino Médio: alguns apontamentos
Tendo como base as discussões realizadas, apresentaremos agora os dados
coletados no decorrer da pesquisa em questão, os quais foram adquiridos por
meio de questionário aplicado aos alunos do 3º ano do Ensino Médio dos turnos
matutino e noturno, ofertados por duas instituições públicas da Rede Estadual de
Ensino de Ponta Grossa/PR, aqui denominadas como as instituições A e B.10
9 A atividade remunerada será tratada, neste caso, como trabalho, porém, como já vimos, num sentido bem
diferente em relação ao trabalho, no seu sentido ontológico.
10 Utilizaremos a denominação A para a instituição pertencente à Rede Estadual de Ensino localizada na região
mais central e a denominação B – para a instituição situada em um bairro da periferia – ambas de Ponta
Grossa PR. Essas denominações fictícias são necessárias para preservarmos os nomes das duas instituições onde
realizamos a coleta dos dados para a elaboração desta pesquisa.
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O questionário foi aplicado no primeiro semestre de 2014, mais
precisamente no mês de maio, em duas turmas de cada instituição – uma do
turno matutino e uma do noturno. Foram distribuídos 150 questionários entre
as escolas, sendo 99 destes recolhidos respondidos, parcial ou integralmente (dos
respondidos, 49 pertencem à escola A e 50 pertencem à escola B). Cada
questionário continha 27 questões, abertas e fechadas, e era dividido em duas
partes, a primeira delas, que corresponde às questões 1 a 17, continha perguntas
que deveriam ser respondidas por todos os alunos; e a segunda, que corresponde às
questões 18 a 27, destinava-se apenas aos alunos que, além de estudar, também
trabalham.
A seguir, apresentamos um quadro que traz, de modo sucinto, as respostas
com algumas das questões objetivas do questionário aplicado aos alunos,
concluintes do Ensino Médio.
Quadro 1 - Informações referentes a algumas das questões objetivas dos questionários aplicados
ao grupo de alunos concluintes do Ensino Médio.1112
Idade dos alunos do
grupo pesquisado11
80 (15-17
anos)
18 (18-24
anos)
Nível de escolaridade
do pai e/ou
responsável dos
alunos pesquisados
3
Não
alfabe-
tizado
16
E.F.
incom-
pleto
24
E.F.
com-
pleto
11
E.M.
incom-
pleto
38
E.M.
com-
pleto
2
E.S.
incom-
pleto
5
E.S.
com-
pleto
0
Pós-
gradua-
do
Nível de escolaridade
da mãe e/ou
responsável dos
alunos pesquisados
2
Não
alfabe-
tizada
17
E.F.
incom-
pleto
27
E.F.
com-
pleto
12
E.M.
incom-
pleto
37
E.M.
com-
pleto
1
E.S.
incom-
pleto
3
E.S.
com-
pleto
0
Pós-
gradua-
da
Alunos que não
trabalham e que estão
em busca de emprego
41
SIM
17
NÃO
Alunos que
consideram a etapa
do Ensino Médio
importante para a
formação12
98
SIM
0
NÃO
Fonte: as autoras, tendo como base algumas das questões objetivas do questionário.
Conforme exposto no quadro 1, verificamos que 82% dos alunos pesquisados
pertencem à faixa etária de 15 a 17 anos e que 18% dos demais estão entre 18 e
24 anos. Desse modo, podemos inferir que a grande maioria deles não apresenta
defasagem idade/série.
Observamos, no que se refere à escolarização dos pais e/ou responsáveis
pelos alunos do grupo pesquisado, que o maior percentual do nível de estudo está
no Ensino Médio completo, ou seja, 38,38% dos pais e/ou responsáveis
11 Um aluno não respondeu a esta questão.
12 Um aluno não respondeu a esta questão.
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concluíram a última etapa da Educação Básica. Apenas 5,05% avançaram um
pouco mais em seus estudos, ao concluírem a Educação Superior.
Com relação ao nível de escolaridade das mães e/ou responsáveis, o maior
registro também foi no Ensino Médio Completo – 37,37%. Verificamos que uma
minoria possui a Educação Superior completa, representando, apenas, 3,03% das
mães dos alunos pesquisados.
Constatamos, a partir da análise dos dados referentes à escolaridade dos pais,
das mães e/ou responsáveis pelos alunos, que, com o passar do tempo, o nível de
ensino frequentado pelos brasileiros vem aumentado significativamente,
porém, segundo Gouveia (1978 apud CAPORALINI, 1991, p. 24):
Um aumento da participação das camadas populares em certos níveis de
ensino não significa, necessariamente, que os estudantes dessas camadas
estejam se beneficiando das mesmas oportunidades educacionais
oferecidas aos estudantes originários das camadas mais favorecidas.
Indica simplesmente que um maior número de indivíduos originários
daqueles estratos está atingindo níveis e escolaridade constatados
predominantemente entre indivíduos provenientes de famílias mais bem
situadas.
As análises do autor, juntamente com a coleta dos dados, evidenciam que
houve um aumento no nível da escolarização da população. Porém, esse aumento
não garante a efetiva apropriação, por parte da classe trabalhadora, do
conhecimento historicamente acumulado pela humanidade.
Dando continuidade à análise dos dados coletados, a seguir apresentamos
um gráfico que traz a situação ocupacional do grupo dos alunos pesquisados.
Gráfico 1 – informações referentes à situação ocupacional dos alunos concluintes
do ensino Médio, integrantes do grupo dos alunos pesquisados.
Fonte: as autoras, tendo como base a questão de número 5 do questionário.
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No que se refere à situação ocupacional do grupo de alunos pesquisados,
verificamos que 38 deles somente estudam - a maioria desses alunos,
representando 81,57% - e frequentam o período matutino em ambas as escolas.
Verificamos também que 20 deles estudam e realizam outras atividades que não
são remuneradas, conforme estão descritas no gráfico 2, a seguir. Constatamos
que o número de alunos que estudam e trabalham é significativo. Conforme se
verifica no gráfico 1, 41 dos jovens entrevistados são trabalhadores, dos quais, 32
estudam e trabalham, sendo distribuídos da seguinte forma entre as escolas:
escola A – turno matutino: 9,37%, turno noturno: 43,75%; escola B – matutino:
3,13%, noturno: 43,75%. Outro fator que entendemos que deve ser destacado é
que 9 alunos do grupo pesquisado, além de estudarem e exercerem uma função
remunerada, também realizam outras atividades que não são remuneradas,
elencadas no gráfico 3.
Gráfico 2 – informações referentes aos alunos que estudam e
que realizam outras atividades que não são remuneradas.
Fonte: as autoras, tendo como base a questão de número 5 do questionário.
Gráfico 3 – informações referentes aos alunos que estudam,
trabalham e também realizam outras atividades que não são
remuneradas.
Fonte: as autoras, tendo como base a questão de número 5 do questionário.
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443
Percebemos que a escolha pelos cursos técnicos predomina tanto no grupo
dos alunos que somente estuda como naquele dos que estudam e trabalham, o
que nos leva a inferir que eles estão em busca de qualificação profissional. Dos
38 alunos que somente estudam, somados aos 20 alunos que estudam e que
exercem atividades que não são remuneradas, representando 58,59% dos alunos
desta pesquisa, 41 deles, no momento, estão à procura de emprego, conforme os
dados apontados no quadro 1 e no gráfico 1.
Sobre a importância da formação concebida por meio do Ensino Médio, 98 alunos13 consideram-na importante. A partir das justificativas elencadas pelos
alunos, constatamos que, para 29,59% dos alunos, a importância da formação do
Ensino Médio se dá pelo fato de que esse nível de ensino permite o ingresso à
Educação Superior, e, para 13,56% dos alunos, essa formação é a garantia para a
“conquista de um bom emprego”. Nesse sentido, concordamos com Vieira (2005,
p. 137) quando afirma que:
Hoje, a educação formal e a qualificação são situadas como elementos de
competitividade, e os alunos são levados a crer que o mundo do trabalho está aberto
ao profissional capacitado. Difunde-se, de certa forma, […], a ideologia do capital
humano, relacionando a garantia de melhores empregos à qualificação profissional.
Entendemos que a ideologia da classe burguesa recai fortemente sobre a
educação escolar, conforme afirma Mészáros (2008, p. 25): “Poucos negariam hoje
que os processos educacionais e os processos sociais mais abrangentes de
reprodução estão intimamente ligados.” Dessa forma, a sociedade burguesa, por
meio das mais diversas dimensões da sociedade, inclusive através da educação
escolar, reproduz seus interesses, propagando, à classe trabalhadora, “certos
valores” que a induzem a acreditar que somente pela formação escolar é que se
podem conquistar condições melhores de vida.
Retomando a análise dos dados, na sequência apresentamos o quadro 2, com
os dados referentes à função desempenhada pelo aluno que estuda e exerce uma
atividade remunerada, bem como o tempo em que está nesse emprego. Quadro 2 - Informações referentes às questões 18 e 23 do questionário aplicado, que tratam,
respectivamente, da função desempenhada pelo jovem no seu emprego, e da quantidade de
tempo que ele trabalha no mesmo local.
Função
desempenhada
pelo aluno no seu
emprego
26
Serviços em geral
(auxiliar geral, ajudante,
loneiro, pedreiro,
carpinteiro, mecânico,
auxiliar administrativo)
12
Atendimento ao
público e eventos
(balconista, garçom,
telemarketing, DJ)
02
Estagiário
01
Não especificou
Quantidade do
tempo que o
aluno trabalha no
mesmo local
31
Há menos de um ano
05
Há mais de um ano
04
Há mais de dois
anos
1
Há três anos ou mais
Fonte: as autoras, tendo como base as questões 18 e 23 do questionário.
13 Um aluno não respondeu a essa questão.
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Em relação às funções desempenhadas pelos jovens trabalhadores em seus
empregos, constatamos, a partir do quadro 2, que a maior parte deles, 63,42%,
desempenha funções de serviços em geral, como auxiliar geral, ajudante,
loneiro, pedreiro, carpinteiro, mecânico, auxiliar administrativo, entre outros.
Logo em seguida, com 29,26%, aparecem funções de atendimento ao público e
eventos: balconista, garçom, telemarketing, DJ. Uma minoria desses jovens tem
ocupação de estágio, somente 4,88%. Ainda, 2,44% dos jovens que afirmaram
trabalhar e estudar não definiram onde realizam essas atividades. No que tange à
regularidade do emprego desses jovens, verificamos que um número expressivo
deles, 48,78%, ainda não trabalha com carteira assinada, ou seja, são trabalhadores
informais que estão excluídos da legislação trabalhista atual, o que contribui
ainda mais para a precariedade da atividade exercida por esses alunos
trabalhadores.
A questão 15 do questionário aplicado foi elaborada de modo que as
respostas fossem obtidas de acordo com a opinião de cada aluno, em relação ao
motivo de algumas pessoas não obterem sucesso na carreira profissional.
Procedemos da mesma maneira com a questão 16, procurando saber a opinião
dos alunos sobre por que algumas pessoas têm uma remuneração melhor do que
outras. A seguir, apresentamos o quadro 3 com essas informações:
Quadro 314 – Informações referentes à questão 1515 e à 1616 do questionário aplicado, no que
tange aos fatores que implicam o insucesso da carreira profissional dos indivíduos, e o que
diferencia a remuneração salarial entre uma pessoa e outra, em nossa sociedade.
Fatores que implicam
o insucesso da carreira
profissional
Percentual do número de
alunos que responderam
a mesma opção sobre
os fatores que implicam
o insucesso da carreira
profissional
Fatores que implicam
a diferenciação da
remuneração salarial
Percentual do número de
alunos que responderam
a mesma opção sobre
os fatores que implicam
a diferenciação da
remuneração salarial
Ausência de reconhecimento 1,01% Dedicação e esforço 26,26%
Falta de comprometimento 25,25% Qualificação e estudos 64,64%
Falta de respeito
1,01% Poucas pessoas
especializadas na área
3,03%
Falta de qualificação/estudos 30,30% Capacidade 3,03%
Falta de atualização
1,01% Experiência
profissional
6,06%
Não fazem o que gostam
9,09% Complexidade da
função
6,06%
Frustração
2,02% Cargo hierárquico
elevado
3,03%
(Continua)
14 Alguns alunos preencheram para essa questão, mais de um fator, tanto no que se refere ao insucesso
profissional, como ao que se refere à disparidade de renda, sendo que todos os fatores foram computados
para a elaboração desse quadro.
15 Treze alunos não responderam a essa questão.
16 Seis alunos não responderam a essa questão.
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Fatores que implicam
o insucesso da carreira
profissional
Percentual do número de
alunos que responderam
a mesma opção sobre
os fatores que implicam
o insucesso da carreira
profissional
Fatores que implicam
a diferenciação da
remuneração salarial
Percentual do número de
alunos que responderam
a mesma opção sobre
os fatores que implicam
a diferenciação da
remuneração salarial
Falta de vontade
20,20% Parentesco com o
chefe
2,02%
Pensam só no dinheiro 4,04% País injusto 1,01%
Falta de aptidão
2,02% Manutenção do modo
de organização social
1,01%
Falta de oportunidade 5,05%
Mercado de trabalho pequeno
1,01%
Falta de sorte 1,01%
Escolha errada 3,03%
Carga horária excessiva 1,01%
Fonte: quadro elaborado pelas autoras, tendo como base as questões 15 e 16 do questionário.
Por meio da análise dos dados apresentados no quadro 3, verificamos que,
para a grande parte dos alunos, ou seja, 30,30% das respostas, o insucesso na
carreira profissional se dá pela falta de estudos e/ou qualificação, bem como esse
mesmo fator, representado por 64,64% das respostas, é o que implica a
diferenciação da remuneração salarial entre as pessoas. Conforme tratamos
anteriormente, acerca dos objetivos da educação escolar em nossa sociedade
(internalização de valores/preparação da mão-de-obra necessária ao capital),
entendemos que a nossa abordagem vem ao encontro da realidade discutida até
aqui, ou seja, por meio dos dados coletados, torna-se possível confirmarmos
que a ideologia burguesa está significativamente presente nas salas de aula, bem
como em suas vidas, pois, de acordo com as respostas dos alunos, o insucesso
profissional e a disparidade de renda são fatores de responsabilidade do próprio
indivíduo: caso ele não se qualifique, não terá condições para obter um “bom
emprego”, e, consequentemente, melhorar suas condições de vida. Nesse aspecto,
Tonet (2013, p. 4) contribui:
[…] a forma particular da sociabilidade capitalista, que articula
desigualdade social com igualdade formal, implica, por parte de todos
e, portanto, também dos explorados, a adesão a esta forma de sociedade,
sem que, para isso, tenha que ser utilizada, rotineiramente, a violência
direta. Esta não deixará de existir, mas, apenas em determinados casos
e, muitas vezes, como último recurso. Daí porque a formação para a
cidadania, isto é, a internalização dos valores, ideias, concepções de
mundo, comportamentos, etc, é de capital importância.
Concordamos com Tonet (2013) ao afirmar que, nessa organização social, os
indivíduos são “educados” para aceitarem de forma passiva as contradições
existentes, e a não necessidade da “violência direta”, como aponta o autor, refere-
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se ao fato de que o direito (instrumento criado pelo Estado), por meio de leis,
controla o modo de vida das pessoas da nossa sociedade, “considerando todos
como cidadãos detentores de direitos e deveres de forma igual”. Porém sabemos
que essa igualdade não existe e que essas “leis” são criadas em benefício dos
interesses da classe dominante, conforme afirmam Lessa e Tonet (2001, p. 55):
“[...] o objetivo fundamental do Direito será o de regulamentar a vida social de
modo que ela possa se reproduzir sobre a base da propriedade privada”.
Dessa forma, a ideologia burguesa, propagada pelas mais diversas esferas da
nossa sociedade, acaba por se internalizar em cada indivíduo, particularmente no
caso do trabalhador, que, para obter um bom emprego, o qual irá lhe proporcionar
melhores condições de vida, não deverá medir esforços para se qualificar/estudar,
enfim, “correr atrás” dos seus objetivos. Assim, “naturalmente”, o trabalhador se
culpabiliza pelo fato de muitas vezes não conseguir almejar esse tal “emprego
idealizado”, pelo motivo de não poder ofertar o que o mercado de trabalho atual
exige.
A questão de número 17 do questionário aplicado aos alunos foi de grande
importância para a nossa pesquisa, pois, por meio dela pudemos compreender
o que caracteriza o “trabalho” para os alunos concluintes do Ensino Médio que
integram o grupo dos alunos pesquisados. A pergunta foi elaborada da seguinte
forma: tendo como base a formação escolar concebida até esta etapa em sua vida, o
que significa o trabalho para você? Diante das mais variadas respostas, verificamos
que, para a maioria dos alunos, o trabalho tem como finalidade: “ganhar dinheiro”;
“ser independente, ter o seu dinheiro”; “fonte de sustento, dinheiro”; “ter o próprio
dinheiro, é uma coisa conquistada por nós mesmos”; “é muito importante para
termos uma vida confortável, tudo gira em torno do dinheiro e para isso
precisamos estudar muito para ter um bom emprego”; “fonte de dinheiro”;
“comprar minhas coisas, sem depender de ninguém”; “independência financeira, a
possibilidade de ter minha própria casa e meu carro, sem trabalho é quase
impossível você ter qualquer uma dessas coisas”; “um objetivo para melhorar a
vida, conseguir comprar aquilo que eu quero”; “tudo se eu não trabalhar não tem
como comprar as coisas”; “um meio de ganhar independência financeira”;
“sobrevivência, precisamos de dinheiro”; “significa uma forma de ganhar dinheiro
para se sustentar e dependendo do trabalho pode se divertir também”.
Em relação aos “fins últimos” do trabalho, na sociedade capitalista,
mostramos, no início deste texto, de acordo com Tonet (2007), que o trabalho
passou a ser um meio para a produção de mercadorias e que o trabalhador
precisa vender a sua força-de-trabalho ao empregador, em troca de “dinheiro”
(salário), para suprir as suas necessidades básicas. Nesse contexto, diante das
respostas dos alunos, verificamos que a lógica do modo de produção dessa
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organização social se reproduz de maneira ideológica também dentro do espaço
escolar, pois, de acordo com as respostas, foi possível verificarmos que, para a
maioria deles, a venda da força-de-trabalho é algo natural, que sempre foi dessa
forma e certamente também será e que o “dinheiro”, adquirido por meio do
“trabalho”, é o elemento indispensável para a conquista dos seus projetos de vida.
Mészáros (2008, p. 35, grifos do autor) nos auxilia a entender melhor essa
questão, quando afirma que:
A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos,
serviu – no seu todo – ao propósito de não só fornecer os
conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em
expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um
quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não
pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma
‘internalizada’ (isto é, pelos indivíduos devidamente ‘educados’ e
aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação
hierárquica e implacavelmente impostas.
O trecho citado nos ajuda a ressaltar, mais uma vez, que a instituição escolar
é um forte instrumento de reprodução dos interesses da classe burguesa, ou seja,
a educação proporcionada aos futuros trabalhadores visa incutir os valores da
ordem social capitalista. Sem essa “educação formal”, que é destinada aos
indivíduos pertencentes à classe que é explorada, torna-se impossível a preparação
do homem (trabalhador), para que este atenda às necessidades específicas para a
manutenção dessa organização social.
Dos 99 questionários respondidos, apenas 1 aluno respondeu a essa questão
demonstrando um certo conhecimento acerca do “trabalho” em nossa sociedade,
ao afirmar que: “O trabalho é a troca da sua mão de obra (trabalhar) por
remuneração (dinheiro) para sobreviver adquirindo o necessário para viver
(comida)”. Dessa maneira, inferimos, por meio dos dados coletados, que os
alunos parecem desconhecer as bases materiais que estruturam a nossa sociedade
e os motivos que dão origem às desigualdades sociais, que são frutos das
contradições existentes (divisão social do trabalho). Salientamos que a ideologia
da classe burguesa vai muito além dos muros das instituições escolares, ela está
presente em todos os lugares da nossa sociedade, o que impede, de certa forma,
que o indivíduo conscientize-se de que ele pertence à classe trabalhadora e que é
explorado todos os dias, por meio da venda da sua força-de-trabalho. Essa
ausência de consciência de classe contribui em favor de um dos objetivos
essenciais da classe dominante, o de manter a ordem da sociedade capitalista.
Nesse sentido, Darcoleto (2009, p. 131, grifos do autor), às luzes de Mészáros
(1993) contribui:
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Essas considerações acerca da luta de classes e da importância da
consciência de classe necessária, conforme nos indica o filósofo húngaro,
fazem sentido para o nosso debate na medida em que vemos que o
esforço da burguesia para se manter no controle das relações de produção
e de distribuição dos produtos, limitando a apropriação dos trabalhadores
a uma parte muito pequena do conhecimento histórico-social ([...],
evitando-se a todo custo que o domínio do conhecimento venha a tornar-
se um instrumento de luta por uma radical transformação das relações
sociais de produção), significa uma forma eficiente de ‘tirar’ dos
trabalhadores também suas possibilidades de interiorizar tal consciência
de classe, ou seja, as possibilidades de luta contra a atual estrutura de
produção e reprodução social.
A citação anterior ratifica as discussões realizadas ao longo deste texto, em
relação ao domínio da classe burguesa sobre a classe trabalhadora, bem como os
motivos que a impulsionam a impedir que “todos” apropriem-se de uma educação
que vise à formação humana.
Finalizando a nossa pesquisa, a partir dos dados coletados, verificamos que
98,98% dos alunos pesquisados demonstraram que suas concepções acerca do
trabalho em nossa sociedade – o que inclui também a compreensão por parte
deles sobre a relação existente entre emp regad o e empregador – são advindas
de princípios capitalistas, ou seja, “trabalha-se” para se obter o “dinheiro”, sendo
este último o elo entre a necessidade e a felicidade (garantia da realização dos seus
projetos de vida). A relação desigual existente entre empregado e empregador é
algo natural, tais alunos a consideram como justa, pois colocam no trabalhador a
responsabilidade pelo tipo de emprego e salário que recebem. Dessa maneira,
podemos inferir que a ideologia burguesa está fortemente presente em suas
vidas, bem como é atuante dentro dos muros da escola.
Considerações finais
Ao concluirmos nossa investigação, verificamos que os jovens pesquisados
atribuem ao trabalho vários sentidos, como, por exemplo, a possibilidade de
proporcionar independência pessoal ou ser o meio de realização pessoal; porém
todos os objetivos de vida dos alunos pesquisados nos parecem estar atrelados à
aquisição do “dinheiro”. Diante desses resultados, entendemos que a maior parte
dos jovens entrevistados desconhece o trabalho enquanto atividade
essencialmente humana, e, por consequência, desconhece o fato de que as
desigualdades sociais provenientes da sociedade capitalista se deram a partir da
divisão social do trabalho, bem como são produzidas historicamente pela
humanidade, e, portanto, podem ser superadas por ela.
Ratificamos, através dos resultados, que provavelmente a escola não tem
contribuído significativamente para que os alunos compreendam o modo de
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organização atual dessa sociedade e suas implicações negativas na vida da classe
trabalhadora, bem como que este não é o único modo de organização social
possível para a humanidade.
Compreendemos que a educação escolar sozinha não é capaz de solucionar
os problemas sociais. Porém, acreditamos na possibilidade que o professor tem
de contribuir para a transformação, dentro de sua autonomia relativa, em sala de
aula, através de uma atividade educativa de caráter emancipador, visando
garantir que seus alunos tenham contato com o que há de mais desenvolvido no
patrimônio cultural da humanidade, o que, por sua vez, contribuirá para que
compreendam o mundo como ele é, ou seja, entendam como se deu o processo
histórico pelo qual passou a humanidade até chegar à contemporaneidade, e os
antagonismos provenientes do modo de organização social atual, permitindo,
assim, que esses alunos não participem do mundo apenas com sua força-de-
trabalho, mas que possam contribuir para transformá-lo, no sentido de construir
uma nova forma de sociabilidade, na qual a humanidade seja livre da exploração
do homem pelo homem, de forma que todos possam desenvolver plenamente
todas as suas potencialidades.
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Submissão em: 29/04/2015.
Aprovação em: 22/09/2015.