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PerSe Editora

R. Turiassú, 390 - Conj. 176

Perdizes - São Paulo - SP

CEP: 05005-000

TEL: 3675-8075

CNPJ: 11.053.820/0001-68

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Natal Monico

Os Herdeiros

Primeira Edição

São Paulo

2012

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Natal Monico 5

Os Herdeiros

Romance

Primeira Parte

Do alto da colina podia-se avistar uma

vasta área. Era uma região inóspita quase virgem, as

poucas terras habitadas eram cercadas por magnífica

mata colorida pelos mais diversos tons de verde. A

diversidade de árvores era tanta que, em suas copas as

flores multicoloridas davam àquela floresta à alegria de

uma eterna primavera. Os pássaros que nela habitavam

faziam de cada amanhecer uma linda festa canora, uma

verdadeira orquestra dirigida pelo excelente maestro

sabiá, que começava afinar seu instrumento sempre por

volta das quatro horas da manhã, e à tarde numa

escandalosa algazarra a procura do melhor galho ou dos

seus ninhos, anunciava a chegada da noite. Um

caudaloso rio descia por entre as montanhas, suas águas

revoltas após mergulharem de uma magnífica cachoeira

escorriam ruidosamente através de um canyon por

algumas centenas de metros até desaparecerem por uma

estreita garganta. Naquele trecho não havia margens,

atravessá-lo ali era quase impossível, e chegar próximo

à água exigia de quem se aventurasse muita coragem e

determinação além de muita perícia.

O monte era conhecido como o morro

dos enforcados. Uma enorme figueira era vista e temida

pelos poucos moradores da região, pois era nela que

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pessoas desesperadas davam fim à própria vida. Do pé

da serra mal se podia avistar o casebre lá no alto, era

uma casa tosca, porém, muito firme toda construída com

toras de aroeira, árvore que abundava na região nos idos

de 1800. O homem que ali morava era ainda muito

jovem, não era bonito, mas, muito forte e musculoso o

que de alguma maneira o tornava atraente. Possuía rosto

de linhas firmes, um queixo quase quadrado e sobre um

par de olhos negros e penetrantes os supercílios se

ligavam dando a impressão de uma enorme taturana.

Seus cabelos longos, negros e levemente ondulados

davam-lhe um ar de monge solitário, fazendo jus à

alcunha de “o eremita” como era conhecido na região.

Na realidade era mais um lobo solitário, pois há um

bom tempo vivia ali sozinho com seu inseparável cão.

Sentado ali na soleira da porta assistia

extasiado os primeiros raios de sol que inundavam de

luz aquelas terras que ele sonhava, um dia, lhes per-

tencerem. Porém, tudo o que possuía era aquela velha

casa no alto da colina e algumas centenas de metros ao

redor da mesma. Essa propriedade ele herdara do pai

que cansado de viver pusera fim à própria vida. Na

época a belíssima e enorme figueira ainda estava lá, e o

pedaço de corda que restara da forca balançava ao sabor

do vento presa num dos braços compridos daquela que

era conhecida como a árvore dos enforcados.

Aureliano era seu nome. Perdera a mãe

aos treze anos quando uma traiçoeira cascavel encurtara

a vida da pobre mulher. Um homem de aproximada-

mente quarenta anos e um menino de treze lutavam

arduamente para sobreviverem naquele fim de mundo,

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onde nem mesmo os poucos vizinhos se conheciam

direito.

Com um graveto curto em sua mão

riscava no solo algo que parecia ser um mapa, coisa que

somente ele naquele momento poderia explicar.

Aureliano levantou-se e imitando o cão vira-lata que

acabara de sair de um pequeno buraco escavado no

barranco começou a espreguiçar-se. Depois arrastou o

pé sobre aqueles riscos e com um gesto inesperado deu

um chute naquilo que havia desenhado no chão.

Chamou o cão que atendia pelo nome de gambá, não sei

se pelo mau cheiro ou por sua ligeira semelhança com

aquele animal fedido que, em uma de suas viagens ao

vilarejo encontrou dentro de uma caixa junto com mais

três filhotes. Dos quatro somente restara o gambá, os

outros tiveram uma morte estranha ao tentarem se

alimentar com restos de um animal que encontraram

dentro de uma caverna, na realidade uma mina de prata

abandonada há muitos anos em virtude da pouca

produtividade. Na época diziam que alguns mineiros

haviam morrido por causa de um gás, ou da poeira que

respiravam dentro da mina. O homem e o cachorro

desceram algumas dezenas de metros e embrenharam-se

no mato. Meia hora depois Aureliano estava de volta e

trazia na mão um enorme coelho que inocentemente

caíra em uma de suas armadilhas.

Algumas peles daquela espécie de animal

secavam ao sol provavelmente para serem vendidas

numa vila distante. O cão pulava e ladrava alegremente

ao redor do dono, ele sabia que alguma coisa daquele

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banquete iria sobrar para ele. Logo uma fumaça branca

e cheirosa para o olfato animal saia por todos os poros

da rústica construção, aguçando ainda mais o instinto do

cão que corria ao redor da morada como se quisesse

caçar aquela fumaça. Depois de comer e de dar as

entranhas e os ossos do coelho para o gambá, Aureliano

voltou a sentar-se na soleira onde estivera por mais de

uma hora apreciando o nascer de um novo dia e o

espetáculo da luminosidade trazida pelo rei sol.

Mais uma vez um pequeno graveto em

sua mão começava a riscar o chão, à medida que com a

outra mão espalmada sobre os olhos para aplacar os

raios solares observava tudo em sua volta. Aos poucos o

mapa ia se formando exatamente como o anterior e,

quem sabe, dos muitos que ele já deveria ter desenhado

e arrastado com o pé. Nessas horas ele se levantava e

atirava com força e com raiva o pequeno graveto que o

cão alegremente se encarregava de correr atrás e trazê-lo

de volta. Num desses momentos ele se lembrou das

mortes estranhas dos irmãos do gambá e resolveu

investigá-las. Nada dentro daquela gruta parecia ser a

causa da perda dos cães. Porém, uma pequena quan-

tidade de pó muito fino lhe chamou a atenção, mas não

teve coragem de levar a boca. Ele sabia que muitos

animais procuravam nas rochas ou mesmo na terra o sal

necessário para o organismo. Seria aquele pó uma

espécie de sal impróprio para o consumo? Levado pela

curiosidade, mas com muito medo e com ajuda de um

facão ele raspou a parede da gruta para obter uma

quantidade maior daquele material, em seguida colocou

numa velha caneca um punhado daquela poeira e foi

para casa. Ainda com medo, mas curioso pelo resultado,

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preparou uma armadilha com uma ave abatida e

aguardou ansioso pelo resultado. No dia seguinte encon-

trou um porco do mato morto junto da armadilha.

Àquela descoberta lhe dava a certeza de que aquele

material era um poderoso veneno.

Foram muitos os dias em que ele se

deteve sobre aquelas formas geométricas, umas me-

nores, outras maiores, o vale todo dividido em peque-

nos e grandes quadrados. Era isso, todas as proprie-

dades daquela área estavam ali representadas. Mas, o

que aquilo queria dizer? O que é que Aureliano matu-

tava enquanto riscava e estudava cada parte daquele

mapa durante todos aqueles dias?

Mais uma vez ele se levantou, olhou para

sua obra geométrica que, desta vez, parecia bem mais

abrangente e de certa forma mais bem desenhada.

Ameaçou chutar como das vezes anteriores, porém, o pé

parou no ar e foi recuando vagarosamente para não

estragar a sua obra prima. E depois de estudá-la aten-

tamente foi até uma pequena árvore e dela tirou alguns

gravetos e com eles improvisou uma cruz. Mais uma

vez estudou meticulosamente o mapa a sua frente,

escolheu um dos quadrados e nele espetou aquele

símbolo que ele acabara de fabricar. Com aquele gesto

ele acabava de decretar a morte de alguém. Depois,

como que desorientado deu duas ou três voltas em torno

da casa sempre gesticulando e dizendo coisas ininte-

ligíveis. Parecia cansado, parou com as pernas abertas

sobre aquele desenho e com o corpo curvado e o rosto

bem próximo da pequena cruz cuspiu sobre ela, dando

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mostras de que aquela propriedade era mesmo a esco-

lhida. Depois voltou a sentar-se, mas repentinamente

dobrou o corpo como se uma cólica violenta o tivesse

atacado de repente. As mãos apertadas contra o ventre e

a boca escancarada davam à exata impressão de que ele

iria vomitar. Até mesmo o gambá que se deliciava com

o osso que restara de uma caça arrastou-se vagarosa-

mente com o rabo entre as pernas e foi tirar uma soneca

no fundo da gruta que tinha por casa.

Meia hora depois Aureliano e seu

inseparável amigo desciam mais uma vez o morro e

embrenharam-se na mata, para logo depois reapa-

recerem. O homem vinha arrastando um galho de árvore

e numa área próxima a casa passou a limpar aquele

ramo. Depois mediu cinco palmos e fez o corte, ele

acabara de fabricar um belo porrete muito parecido com

um taco de basebol. A matéria prima era madeira pesada

e de longa vida. Depois de raspada e untada com

gordura animal, ele colocou aquele pedaço de madeira

em cima do telhado para secar ao sol, e só o retirou

cinco dias depois quando o taco parecia estar pronto

para o seu propósito.

Não era um cajado que pudesse lhe servir

de apoio, mas um bastão que fabricou conscientemente

e com muito carinho para uma única finalidade. Nessa

época Aureliano não teria mais que vinte e cinco anos,

mas já estava cansado de tanta miséria. Desde que se

conhecia por gente não se lembrava do dia em que se

alimentara com um bom prato de comida. Quando

perdeu a mãe e o pai as coisas ficaram ainda piores,

tinha que caçar seu próprio alimento que, muitas vezes,

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não passava de uma pequena ave, ou um peixe que tinha

que ir buscar lá no fundo do vale aonde corria aquele rio

de águas violentas e de pesca muito difícil.

Mesmo em meio a tanta miséria

Aureliano sonhava e, sonhando, tramava um jeito de se

tornar dono de todas aquelas terras que se derramavam

colina abaixo até onde as suas vistas podiam alcançar.

Algumas propriedades começavam a se destacar na

paisagem, sinais do progresso que chegava a uma área

até pouco tempo virgem. A mata aos poucos ia sendo

invadida dando lugar a pequenas lavouras. Somente lá

do alto do morro é que se podia notar a lenta, mas,

progressiva transformação de uma área que um dia só

tinha por habitantes os animais silvestres.

Numa certa manhã depois de prender o

cão dentro de casa para que este não o seguisse,

Aureliano munido daquele bastão começou a descer o

morro. Sem pressa e procurando ocultar-se entre as

moitas mais altas ele foi se aproximando da propriedade

que durante muitos dias estudara detidamente, para

poder praticar aquilo que na sua maneira de pensar seria

o início da realização do seu sonho.

Escondido atrás de uma moita passou a

observar o movimento dentro da área. Precisava estudar

os hábitos do homem que teria que enfrentar. Pouco

além de uma horta havia uma trilha que entrava mato

adentro o que indicava caminho certo por onde o

homem por ele visado se embrenhava para caçar e,

também, para fazer suas necessidades fisiológicas, pois

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se podia ver logo atrás das primeiras moitas uma ca-

sinha que tinha como porta apenas um pano pendurado.

Num dos cantos do terreno podia-se ver três cruzes

distantes uma das outras cerca de quatro metros.

Aureliano sabia que sob uma delas estava enterrado o

corpo de Juvenal, talvez o único amigo que tivera em

toda sua vida. O rapaz corria atrás de uma caça quando

uma lasca de bambu quase atravessou sua coxa, logo a

gangrena tomou conta de toda a perna e o levou a morte.

As outras cruzes estavam ali há muitos anos, ela

lembrava os pais do homem que ele vinha vigiando há

vários dias. Ele continuava de olho em sua futura vítima

e na casa erguida quase no centro da gleba. De onde

estava podia controlar os movimentos de marido e

mulher, enquanto um se preocupava em aumentar a sua

produção de alimentos, o outro se ocupava em colher

algumas folhas de hortaliças e também alguns legumes

para preparar a alimentação de ambos. A mulher parecia

ter entre trinta e cinco e quarenta anos. O marido,

porém, parecia bem mais velho, andava pela casa dos

cinquenta e cinco. Aureliano demonstrava não ter

pressa, queria pegar sua presa bem distante da casa.

Depois de alguns dias de observação ele aguardou o

homem retornar do mato e esperou até que ele entrasse

na residência. Era hora de almoço, por isso, o moço

sabia que teria um bom tempo para entrar por aquela

trilha no mato e investigar até aonde sua futura vítima se

aventurava. Quase no final do caminho havia uma

bifurcação, uma trilha levava a parte anterior de uma

belíssima queda d’água, a outra seguia rio abaixo e

terminava num barranco, local ideal para uma pescaria.

Ali as águas faziam um giro para depois descerem rio

abaixo. Era ali que o homem vinha buscar o peixe, por

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isso, era ali que iria morrer bem distante da casa onde

seu grito de dor e desespero nunca seria ouvido.

Aureliano que também vivia de caçar e

pescar sabia qual o melhor horário para essas atividades,

conhecia as fases da lua e lá do alto do morro podia ver

no horizonte a aproximação de uma chuva ou a chegada

do frio, situações que influenciavam tanto para caça,

quanto para a pesca. Ele sabia que estava em época

propícia, por isso, resolveu: – Será amanhã bem cedo.

Quanta gente já morreu afogada ao cair de um barranco

durante uma pescaria, por que não... ele?

O rapaz retirou-se apressadamente do

local, pois não podia ser visto pela futura vítima e nem

ser pressentido pelo cão que sabia existir na proprie-

dade, e que somente acompanhava o dono quando este

ia caçar. Nem mesmo ele, Aureliano, permitia a presen-

ça do cão em dia de pescaria. Aquela noite o moço não

conseguiu dormir. Sabia que o que ia fazer era muito

perigoso, por isso, não podia errar.

Muito antes de o dia clarear já estava no

local, e escondido atrás de uma árvore aguardava

ansiosamente por sua vítima. Seu coração começou a

bater em ritmo bem mais acelerado ao ouvir ainda, que

distante, alguns galhos secos estalarem sob as pisadas

firmes do homem que sem saber e despreocupadamente

caminhava em direção à morte.

Aureliano esperou que ele se ajeitasse na

beira do barranco. Depois, pé ante pé, como um gato à

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espreita de um rato foi se aproximando. O taco em sua

mão tremia ligeiramente à medida que subia para ficar

em posição de ataque. Há dois passos da vítima ele

parou, levou a arma um pouco mais para trás a fim de

dar maior velocidade a mesma e desfechou o golpe. A

pancada no ombro foi violenta, o homem tombou de

lado e rolou barranco abaixo, seu corpo acompanhou o

rodamoinho e depois desceu o rio como se fosse uma

velha canoa desgovernada. O rapaz amparava-se numa

árvore, pois todo seu corpo tremia com violência.

Depois de algum tempo e já mais calmo se aproximou

da beira do barranco para certificar-se de que sua vítima

sumira naquele turbilhão de águas.

Sem pressa ele voltou para casa. Soltou o

cão que latia insistentemente, pois havia pressentido a

chegada do dono que logo depois se embrenhou na mata

a procura de uma caça para o almoço. Aureliano iria

esperar alguns dias para dar prosseguimento ao seu

plano, mas ao raiar do segundo dia os latidos do cão

chamaram à sua atenção. Ele olhou pela janela para ver

o porquê de todo aquele barulho. Percebeu que alguém

subia o morro pela trilha que por falta de uso e de

conservação estava quase toda tomada pelo mato. Fora

da casa ele podia ver melhor e ficou inquieto quando

notou que era a mulher de sua vítima. Ele olhou para o

chão e ficou assustado ao ver aquela cruz enfiada na

terra, aquilo poderia ser interpretado como prova do seu

crime. Rapidamente ele a pegou e a jogou no mato,

depois como sempre fazia arrastou o pé sobre o desenho

apagando de vez qualquer possibilidade da mulher vir a

desconfiar dele. Em seguida voltou para dentro da casa

e pegou uma vasilha e a encheu de água, tomou parte do

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líquido e o restante entornou sobre sua cabeça. Feito

isso e ainda com a água a escorrer pelo corpo saiu

novamente. A mulher acabara de subir a colina nesse

exato momento e ficou um tanto envergonhada ao vê-lo

seminu, por isso, abaixou a cabeça o mais que pôde e

quase sem fôlego perguntou:

Aureliano, por acaso você teria visto o

meu marido?

Espera só um pouquinho, dona Maria

Lúcia, eu vou colocar uma camisa.

Poucos minutos depois o rapaz retornava e

trazia na mão um velho pedaço de pano com o qual

acabara de se enxugar.

Dona Maria Lúcia faz muito tempo

que não vejo o senhor Durvalino. Por que a senhora o

procura por estas bandas?

Porque há dois dias ele saiu de casa

para pescar e até agora não voltou. Sei que como ele

você também vive enfiado no mato para caçar e pescar,

por isso, pensei que você pudesse tê-lo visto por ai.

A senhora já o procurou na barranca

do rio? Se ele disse que ia pescar é lá que deve procurá-

lo. A senhora sabe que por aqui é muito difícil aparecer

alguém e, quando aparece, é para se pendurar numa

corda lá na figueira. Graças a Deus não foi isso que

aconteceu e como pode ver não tem ninguém pendurado

naquele galho.

Credo Aureliano! Deus me livre de

ver o meu Durvalino pendurado naquela maldita árvore.