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Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado de Pernambuco

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Pertencer é mais que nascer - Antologia co-loca em discussão o RG pernambucano

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Sexo, mentiras e roupa lavada - Todo o desespero de certas donas de casa

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O que podia ter sido e não foi - Ivana Arruda Leite descreve os erros do destino09

Venda sob prescrição da moda - Clínicas de reabilitação invadem o imaginário das celebridades

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Inédito - Marcelo Mário Melo presta homenagem a Arraes

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“Identidade: Pra que te quero?” é a polêmica que o Pernambuco des-taca a partir da provocação do “Panorâmica do Conto Pernambucano”, ao incluir o nome de Graciliano Ramos, entre os escritores do Estado. Na ma-téria de Marcella Sampaio, páginas três e quatro, o escritor Cyl Gallindo, organizador da antologia, explica: “Os critérios para a escolha dos autores foram ser pernambucano ou ter feito de Pernambuco a sua pátria literária”. Vem daí, em conseqüência, a pergunta: “Teríamos traços literários que iden-tificariam a prosa de ficção no Estado?”

Matéria no caderno Saber +, seguindo a sua linha polêmica, destaca

aqueles traços que responderiam por esta identidade: ritmo lento, pontua-ção breve, saudade de um tempo psicológico. Tudo isso em oposição, por exemplo, à literatura baiana, representada por Jorge Amado e Adonias Filho; o primeiro festivo, quase carnavalesco, e o segundo sombrio, fechado, forte, mas muito diferente de um autor como Gilvan Lemos, um pernambucano legítimo.

Para ampliar ainda mais o debate, estão sendo publicados trechos de romances de Gilvan Lemos, Clarice Lispector e Graciliano Ramos. Como en-tender a participação de uma quase carioca e de um alagoano? Em primeiro lugar porque Graciliano Ramos viveu a infância em Buíque, no Interior do Es-tado, e está incluído na panorâmica. E depois, porque Clarice Lispector viveu parte de sua adolescência no Recife, estudando na Escola João Barbalho. É claro que não se quer nada definitivo. Há apenas o desejo do debate.

Também no Saber +, a escritora Luzilá Gonçalves Ferreira fala do seu

projeto que reúne escritores pernambucanos desde o século XX, e que está agora na fase pré-editorial. O projeto faz parte de uma longa pesquisa, que contou com a participação de professores e alunos da Universidade Federal de Pernambuco, envolvendo muitas horas de trabalho. A matéria está nas páginas três e quatro, com mais detalhes.

“Nenhum livro do século XX foi tão eficiente em moldar a ética e a esté-tica de uma geração”, afirma Bruno Albertim no artigo sobre os cinqüenta anos da publicação de “On the road”, o romance revolucionário de Jack Kerouac, que deu eternidade à geração beat, nos Estados Unidos. É um livro cheio de lendas e mitos, sobretudo aqueles que se reportam à criação da escrita automática, ressaltando que o autor escreveu o livro de um fôlego só, durante quarenta dias, cheio de drogas e de bebidas.

A atrapalhada versão brasileira da série “Donas de casa desesperadas” recebe um tratamento irônico pela dupla Carol Almeida e Daniela Arrais. As duas resolveram descrever como cada uma das personagens estaria achando da sua versão latina, com direito a Sônia Braga e Lucélia Santos no elenco. Fabiana Moraes conta os detalhes da moda de reabilitação que está fazendo o imaginário das celebridades e Ivana Moura comenta os parâmetros que guiam as excursões dos espetáculos teatrais pernambucanos para festivais pelo Brasil.

Nas páginas onze e doze, uma homenagem do Pernambuco a Miguel Arraes: a primeira é assinada pela jornalista Tereza Rozowykwiat, biógrafa do ex-governador do Estado, comentando os dois livros organizados por Evaldo Costa e Juareiz Correya, recentemente lançados, além do poema de Marcelo Mário Melo.

Boa leitura. Raimundo Carrero [email protected]

SUMÁRIO EDITORIAL

Entre na briga - O Pernambuco abre espaço para os leitores. Escreva dez linhas sobre “Como as mulheres estão sendo retrata-das pelas revistas femininas”. Você participará do debate com nossos colaboradores. Veja e-mail no editorial.

Os prós e os contras da carona - Quem diria que o clás-sico de Kerouac já é cinqüentão?

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EXPEDIENTEGovernador do estado

Eduardo Camposvice-Governador

João Lyra Netosecretário da casa civil

Ricardo Leitão

Presidente

Flávio Chaves diretor de Gestão Bráulio Mendonça Meneses

diretor industrial Reginaldo Bezerra Duarte

Gestor Gráfico

Júlio Gonçalves

equiPe de Produção

Débora Lobo, Eliseu Barbosa, Joselma Firmino, Lígia Régis, Roberto Bandeira e Aluísio Ricardo

Circulação quinzenal. Parte integrante do Diário Oficial do Estado de Pernambuco. Distribuído exclusivamente pela

Companhia Editora de Pernambuco - CEPERua Coelho Leite, 530, Santo AmaroCEP 50100-140

Fone: (81) 3217.2500– FAX: (81) 3222.5126

editor

Raimundo Carreroeditor executivo

Schneider Carpeggiani

edição de arte

Jaíne Cintra

tratamento de imaGem

Sebastião Corrêa secretário Gráfico

Militão Marques

revisão

Gilson Oliveira

SXC/

Cort

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Alexandre Belém

Uma viagem sem a tirania das certezas - Ex-cursões de espetáculos teatrais locais colocam em discussão a qualidade da nossa produção

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Na voz do povo - Lançamentos discutem o mito deixado por Miguel Arraes

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Marcela Sampaio

Panorâmica do conto pernambucano

abre debate sobre id

entidades

efresco de cajá, rua da Saudade, a cheia de 67. Diz o teórico Homi Bhabha, indiano-inglês que discursa com maestria sobre o local da cultura, que “a

questão da identificação nunca é a afirmação de uma identidade pré-datada, nunca uma profecia autocumpridora – é sempre a produção de uma imagem de identidade e a transformação do sujeito ao assumir aquela imagem”. Ou seja, somos as coisas com as quais nos identificamos, cujos espectros assombram ou iluminam nossa existência. Há quem diga que os produtos culturais, gerados, sempre, a partir dessas identidades, refletem uma condição, um lugar, seja ele determinado geograficamente ou não. Pode ser. Provavelmente é. Refresco de cajá, rua da Saudade, a cheia de 67, afinal, são imagens quase que arquetípicas da nossa vivência pernambucana, presentes na “Panorâmica do Conto Pernam-bucano” em textos de autores como Luzilá Gonçalves e Paulo Caldas.

O livro, que será lançado durante a Fliporto 2007, reúne 114 escritores, defi-nidos como pernambucanos por causa do seu local de nascimento ou das influ-ências que, em algum momento da sua formação cultural, receberam da cultura local. Alguns deles, inclusive, serão publicados como contistas pela primeira vez. “Os critérios para a escolha dos autores foram ser pernambucanos ou terem feito de Pernambuco sua pátria literária”, explica Cyl Gallindo, organizador da obra em parceria com Antônio Campos. Segundo eles, ambos também escritores e presentes na coletânea, a intenção foi realmente fazer uma seleção censitária, que possibilitasse uma visão bastante abrangente da produção de contos a partir de influências pernambucanas. Embora polêmico em alguns momentos, o livro, na visão de Cyl, reflete uma conexão existente entre os autores e seus escritos, a partir do momento em que suas criações são entrelaçadas umas às outras. “A espinha dorsal da literatura brasileira está no Nordeste. E de tal forma mostra-se como expressão pessoal da nacionalidade brasileira, pois nada produzido neste país (...) tem intrínseco o sentido de brasilidade sem que tenha raízes na cultura nordestina”, escreve ele na apresentação do livro. Por isso, diz, foram incluídos na “Panorâmica...” artistas como Graciliano Ramos e Clarice Lispector, de um lado, e Nelson Rodrigues, de outro.

“O sertão de Graciliano é a representação de Buíque, onde ele viveu dos dois aos nove anos de idade”, afirma Cyl, em interpretação bem particular. De qual-quer maneira, ele não tem intenção de se esquivar dos questionamentos. Incluiu no livro um texto de Nelson Rodrigues, sobre o qual pesa o mesmo argumento que utilizou para definir seus escolhidos, já que ele é considerado o mais carioca dos escritores, embora tenha nascido aqui. “Nesse caso, o critério foi mesmo o local de nascimento”.

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Saber +

O jornalista e ensaísta Abdias Moura, presente na coletânea com um conto que escreveu para uma edição de natal do caderno Viver do Diario de Pernambuco, lembrou que, certa vez, um erudito paraibano, que desejava muito ser membro da APL, disse que nosso Estado tem uma vocação “imperialística” em relação aos vizinhos. Ele acredita que há certa identificação “menos formal ou temática, diria quase espiritual” entre os escribas da terra. “Temos uma maneira própria de ver o mundo e nos situar no país”. Raimundo Carrero também enxerga elementos de interseção na produção literária pernambucana. Segundo ele, a nossa escrita é dura, seca, bem menos festiva que a da Bahia, por exemplo. A própria obra de Carrero, a despeito da sua personalidade aparentemente leve, não traduz essa leveza.

Para Ângela Prysthon, PhD em Teoria Crítica e Estudos Culturais Hispânicos pela Universidade de Not-tingham, Reino Unido, e professora da Universidade Federal de Pernambuco, está claro que há uma iden-tificação entre produtos culturais que se pretendem relacionados, mas não exatamente ou apenas ligada à questão geográfica. “Há uma mitologia que se cria a partir de uma certa idealização do lugar, que acaba por gerar um núcleo identitário forte. Essas mitologias vão se renovando. Aqui em Pernambuco, a literatura pas-sou pelo ciclo da belle époque, na época da Faculdade de Direito; depois, num segundo momento, houve o ciclo sertanejo. Em seguida, surgiu o movimento modernista, freyriano, muito influente até hoje. No final do século passado, o resgate da identidade local se deu através do movimento mangue, que se refletiu em vários universos artísticos”, analisa. Ângela acha que o processo de identificação, de qualquer maneira, não é natu-ral. “Esses movimentos são criados, promovidos, as instituições precisam deles. Mesmo assim, é importante que eles existam, porque as pessoas envolvidas passam a se sentir pertencendo”. Segundo ela, a metrópole hoje é a maior catalisadora deste tipo de movimentação gregária.

Agregar, vale um parêntese, não é fácil. O próprio Cyl Gallindo comenta sobre a incompletude das listas em seu texto de abertura. No caso desta coletânea, a tarefa é ainda mais complexa, já que o trabalho tem a intenção de ser enciclopédico. Ao ler alguns dos contos para a produção desta reportagem, no entanto, observei o cuidado na escolha dos textos, que realmente parecem contar com o “fio de Ariadne” (expressão usada por Cyl) conectando-os. Claro que a análise merece ser mais cuidadosa – afinal, são mais de 800 pági-nas –, mas a princípio, a leitura do livro é congruente, na medida em que o imaginário registrado pela maioria dos autores reflete, de alguma maneira, um modo de estar no mundo.

Seja através das referências lingüísticas particulares, de imagens da nossa história ou da nossa geografia, das lembranças de fatos acontecidos que acumulamos, os contos da “Panorâmica...” parecem mesmo fazer parte da produção de uma tribo. Segundo Stuart Hall, um dos mais conhecidos teóricos dos estudos cul-turais, o sujeito pós-moderno não possui uma identidade fixa, essencial ou permanente. “O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimen-to até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora ‘narrativa do eu’ “, diz no livro “A identidade cultural na pós-modernidade”.

Talvez seja por isso que mesmo os escritores “pernambucanos de alma” carreguem sua narrativa de ra-nhuras ganhas em sua passagem por aqui. Bom, a modéstia nunca foi mesmo uma característica nossa, e, aliás, por que diabos deveria ser? yy

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enhum livro do século vinte foi tão eficiente em moldar a ética e a estética de uma geração – ou várias – como ele. Suas páginas, com maior ou menor intensidade, ajudaram muita gente a se tornar o que se tornou: verbete da história pop do recente século

findado. Jim Morrisson, por exemplo, assumiu que a leitura o influenciou a fundar o The Doors. Suas palavras estão presentes tam-bém na obra e na vida de Lou Reed a Tom Wolfe. De Neil Young a Jim Jamursh, Bono, Joni Mitchel ou Win Wenders. Beck chegou a dizer que jamais teria se tornado cantor se não tivesse lido “On the road”, o clássico de Jack Kerouac produzido em três semanas de datilografia alucinada, café e afetaminas, publicado no dia 5 de setembro de 1957. Sim, a “bíblia hippie”, credencial, rótulo e prisão que o embala desde que surgiu, completa meio século. “Pé na estrada”, sua tradução em português, dá sempre provas de vitalidade. Poucos, pouquíssimos livros sustentam o foco por cinqüenta anos.

Desde o início dos anos noventa, Jonnny Depp, Gus Van Saint e Coppola estão enrolados numa versão cinematográfica, nunca concluída, do livro que mais influenciou o comportamento da juventude pós cinqüenta. Se dizem arrebatados pelo estilo febrilmente verborrágico. Nos Estados Unidos, “On the road” é o livro mais roubado das livrarias – prova inconteste de sua capacidade de fetiche. Para marcar o cinqüentenário, a editora Viking acaba de publicar “On the road – The Original Scroll”, uma edição comemorativa, original, sem os cortes sutilizantes que permitiram sua publicação na grande associação de pais e mestres nos anos cinqüenta.

A nova edição, sem lançamento definido no Brasil, terá mais doses, portanto, de sexo, álcool e drogas ao longo da narração so-bre o percurso de um tal Sal Paradise (na verdade um alterego de Kerouac), por um país embaixo do tapete, o inverso diametral do American Way of Life onde desfilam deserdados, malucos, freaks, homens e mulheres, das mais diferentes composições psicotrópi-cas, emotivas e hormonais. No Brasil, atestado de popularidade, ele está disponível num formato de bolso (da L&PM), em tradução de Eduardo “500 anos de descobrimento” Bueno. Pode ser comprado até em farmácias e supermercados. Walter Salles já fez um documentário a respeito e pretende ter “On the road” como título de seu próximo filme. Não é apenas seu conteúdo desregrado, con-tracultural, manteiga no pão quentinho para respaldar o comportamento da juventude lisérgica dos anos sessenta, e conseqüentes, que garantem seu encanto. “On the road” foi aclamado por libertar a literatura norte-americana do ranço acadêmico, europeizante. Coloquial, verborrágico, incontido, o livro traduzia a prosódia das ruas. Ancorado em vogais, tem uma sonoridade ainda hoje difícil de ser traduzida do inglês. Kerouac dizia ser um livro para ler em voz alta.

Para produzi-lo, disse que precisou passar sete anos na estrada e três semanas à máquina de escrever. O original está condensado num rolo de papel com comprimento de 36,5 metros. Mal se conseguem ver parágrafos ou quaisquer outros espaçamentos no jorro verbal de Kerouac. “Isto não é literatura, é datilografia”, disse Trumam Capote, um dos detratores do texto – e de toda a literatura – do escritor. “Pé na estrada”, a versão definitiva, pode ter sido escrito em três semanas de café e afetaminas. Mas é, na verdade, uma versão, digamos, literária, ficcional, dos diários das viagens que Kerouac empreendeu, sobretudo de carona, entre 1948 e 1950. Em sua companhia, estava o personagem inspirador da obra: Neal Cassady, um gênio bissexto, ladrão de carros, devorador de livros, espírito inquieto e erótico. No livro, ele vira Dean Moriarty, fio-condutor da narrativa. Kerouac aplicou tintas de ficção nas memórias da estrada previamente rascunhadas.

Com “Pé na estrada”, Jack virou referência de todos os seus pares e da chamada literatura beat. Condensou a excelência do estilo. Uma linguagem, como explica Bueno, seu tradutor: “laudatória, incontida, espontânea, repleta de gírias, de coloquialismo e de ali-terações – não a partir de fontes literárias clássicas, mas com base nas cartas quase iletradas de Neal Cassady, o delinqüente juvenil que, no capítulo um de ‘On the road’, vem procurar Kerouac para aprender a ser escritor”. Depois de muitas recusas, deste e de outros títulos, “On the road”, devidamente podado, foi publicado em 1957. Resenhando pelo New York Times, catapultou Kerouac para a glória literária e fama mundana imediatamente.

Disse o crítico que “On the road” estaria fadado a ser o que “O sol também se levanta”, de Hemingway, fora para a geração an-terior. Nunca mais Kerouac conseguiu se livrar de sua obra mais conhecida. Tudo que escreveria acabaria (desfavoravelmente) compa-rado ao clássico. Eleito papa da contracultura, ele terminou os dias odiando as “hordas de hippies” ou qualquer cabeludo americano que cruzasse seu caminho. Abandonou Ginsberg e os outros companheiros beatniks. Reacionário convicto, atravessava o tempo no sofá da sala da mãe, com quem nunca deixou de viver. Diante dele, uma televisão e litros de cerveja entornados todos os dias.

O bebum reaça e barrigudo em nada lembrava a figura charmosa que fez muita gente botar o pé na estrada. Adotado, adorado e comercializado pela indústria cultural, insistia em ser um reles humano, medíocre até. Mas já era tarde. Ninguém encontra o caminho de volta depois de virar mito. yy

Bruno Albertim

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A obra-prima beat, “On the road”, completa meio século de asfalto

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esperate housewives”. “Donas de casa desesperadas”. Susan, Bree, Lynette e Gabrielle. Susana, Elisa, Lígia e Gabriela. Estados

Unidos. Brasil. Duas realidades diferentes, um mesmo sabão em pó. No estranho mundo da televisão, países de contas correntes tão dis-tintas assumem uma identidade sem identidade, cheiro ou textura. O legal é copiar. Legalmente. Os diálogos parecem ser traduzidos com dicionário de internet, os enquadramentos foram copiados no Adobe Photoshop e os problemas decalcados. A propósito da estréia da série exibida hoje pela RedeTV!, convidamos as principais per-sonagens da versão original dessa franquia para construir algumas críticas a respeito de sua clonagem latina. Qualquer semelhança com a ficção é mera realidade.

“DCarol Almeida e Daniela Arrais

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O que diriam as protagonistas da série “Dona de casa desesperadas” sobre a versão latina da série?

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“Acho digno. Mesmo. Sei que vocês devem supor um pouco de presunção de minha parte, afinal de contas, estou certa que meu nariz custou mais caro que todo o guarda-roupa dessa série e que meu jardineiro sempre teve muito mais ‘adubo’ que um orçamento de terceiro mundo pudes-se sustentar. Mas, enfim, sendo uma pessoa que entende, embora não lembre muito bem, o que é ter uma herança latina, imagino o exercício de superação que o Brasil deve ter feito para produzir algo assim. E, a exceção dessa pequena introdução redigida pelo meu advogado, um rapaz muito ambicioso, dedicado e extremamente prestativo, não tenho muito mais a dizer sobre ‘Donas de casa desesperadas’. A não ser que é uma cópia barata, que tem água na rua, vozes estranhas (e eu ainda não consegui entender em que língua vocês falam) e uma narradora que – pobre Mary Alice – me lembra mais filme de terror ou, pior, um cartão de crédito. Com limite. Acreditem, a voz de uma defunta deve soar bem melhor do que a da pilantrinha da Tiffany’s em seu pouco dissimulado ‘desculpe, senhora’. Gostaria de depor também em favor da minha vizinha Susan ou, como vocês diriam, Susana. Como alguém teve a idéia de contratar um anão de jardim em um dos papéis centrais dessa história? Eu, que nem faço a linha amiga, me senti indignada.

E, outra, se no Brasil tem seqüestros e florestas – não adianta disfarçar, porque eu assisto televisão – onde estão os homens mascarados e a Anaconda? Tenho certeza que a au-diência feminina, entre outras, sente falta de ambos. Quan-to à minha personagem, aqui chamada de Gabriela, admito ter achado a moça até bonitinha, talvez um pouco acima do peso ou um pouco abaixo da elegância. Certamente, ela sabe vestir um roupão, mas para cortar a grama de longo e salto alto... fofa, falta um pouco mais de passarela.

No mais, acho tudo muito digno. Mesmo.”

Gabrielle Solis

“Com essa vida de esposa, dona de casa e mãe de quatro pestinhas, não me sobra tempo para ver televisão. Mas me pediram uma avaliação deste seriado brasileiro. Logo nas primeiras cenas, vi coisas esquisitas. Aqueles cenários me lembraram os tempos de publicitária, em que eu passava horas debruçada no Photoshop. Com uma diferença: eu era competente e costumava agregar valor às campanhas dos meus clientes. A equipe deste seriado deve pensar que contratar mão-de-obra barata de estagiário é esperteza.

Tem horas em que eu não acredito como pude deixar tudo de lado... Mas voltemos ao seriado. Achei simpática a moça que é inspirada em mim. Ela conse-gue ter um pulso menos forte que o meu, o que me deixa pensando que ela está realmente criando selvagens.

E me chamou a atenção ela ter deixado os filhos na rua, para ver se eles apren-diam a obedecer. Eu já fiz isso, vocês sabem. Acho ok fazer isso na Califórnia... Mas no Brasil? Não é lá que todo mundo é seqüestrado, cooptado para o tráfico, morto?

Ah, outro aspecto que eu achei interessante é que nenhuma das donas de casa latinas tem funcionárias trabalhando em tempo integral. Certa vez eu tinha lido que, no Brasil, existem moças que são pagas para cuidar das crianças e da casa. Até comida elas fazem. E o que é melhor, por um preço irrisório, principal-mente se você era acostumada a ganhar U$S 100 por hora.

Depois que fiz um trato com o Tom de me dedicar à “profissão” tão bonita que é ser mãe em tempo integral, tem horas que penso em como seria ter ajuda. Mas parece que a minha equivalente no seriado gosta mesmo de lidar com tantas criaturas “fofas” e “adoráveis”. Ela não me pareceu nem um pouco entendiada com a função. Eu, por mais que ame meus filhos, já tive que recorrer a uns remé-dios para ver se acompanho tanta energia...”

Lynette

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“Não creio que a televisão possa ajudar a sociedade a desenvolver seus ver-dadeiros valores morais. De fato, tenho certeza que ela pode mesmo desviar uma conduta familiar que precisa ser construída diariamente, em um exercício republicano contínuo de auto-indulgência. Para mim, a televisão sempre foi e sempre será um excesso e tudo que transborda suja. Mas, como me pediram gentilmente para escrever sobre essa série brasileira chamada “Donas de casa desesperadas”, aceitei ceder alguns minutos do meu dia, sempre muito ocupa-do, para assistir e tecer alguns comentários sobre o programa. Acredito que, em países com oportunidades mais escassas, como é o caso do Brasil, a televisão é possivelmente uma das raras oportunidades de entretenimento. De modo que acho correto que a televisão brasileira exiba uma série estrangeira, ainda que dublada em espanhol. Afinal de contas, não creio que a população local entenda nossa língua inglesa e muito menos saiba ler legendas. Não creio também que essas pessoas gostariam de assistir a assuntos que fizessem referência à realidade brasileira, imagino que esta deva ser por demais desoladora para entreter. Achei o

programa limpo, bem podado e insosso, três elementos essenciais para uma casa bem cuidada, ambiente onde naturalmente se constroem as boas histórias. Fosse um prato no menu, acho que a série seria uma excelente sopa de alfafa, até por-que, como diria a personagem de Elisa Fernandes, ‘não há nada de errado numa sopa de alfafa’. A propósito dessa senhora, aparentemente inspirada nas minhas habilidades domésticas, me parece ser uma pessoa agradável de se conversar – me confesso agora um pouco culpada por não ter levado adiante as aulas de espanhol na época do colégio – e insípida o suficiente para saber como cuidar de uma casa. Compartilho com ela a sensação que nem tudo sai exatamente como nós planejamos. Não planejamos, por exemplo, falar no tempo errado e, dessa forma, criar um vácuo entre nossas intenções e o entendimento alheio. Talvez por isso a produção da série tenha deixado tão claro que nem sempre nossa voz está sincronizada com nossos propósitos”

Bree van de Kamp

Sexo, mentiras e roupa lavada

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“Eu posso ser desajeitada, cabeça de vento, atrapalhada mesmo. Mas pelo menos tenho uma característica que conta a meu favor depois de uma filha de quinze anos e um marido que me trocou pela secretária: ainda estou ‘inteira’. Em nada pareço com essa atriz que escolheram para o meu papel no seriado brasileiro ‘Donas de Casa Desesperadas’. Ela tem, no mínimo, uns quinze anos a mais do que eu! Sem falar que ela tem uns olhares estranhos e parece até que tem um torcicolo onipresente. Não gostei.

E o tal do Miguel? Eu nunca entupiria um cano da minha casa para tê-lo por perto. E olha que eu sou de fazer essas trapalhadas quando aparece uma nova paixonite. Mas olhando o Miguel, só penso no tipinho do meu ex-marido: canalha, canastrão, daqueles que chamam qualquer rabo de saia de ‘meu amor’.

O ‘meu’ Mike não. Sempre teve o charme discreto dos que chegam a uma nova cidade sem motivo aparente. E sempre teve aquela aura de mistério em torno dele, as falas curtas e precisas, o trabalho braçal... Ai, ai. Isso é que é homem pra chamar de ‘meu’. Pena que ele seja mais complicado do que tubulação velha.

Deixando os suspiros de lado, vamos à minha filha latina, coitada, que sofre de uma falta de sincronia entre a expressão facial e os enunciados verbais. Logo ela, que é praticamente uma Rory Gilmore, sempre articulada, uma metralhadora de ponderações e sugestões sobre a vida atrapalhada dessa mãe aqui que, segundo ela, é a adolescente da relação.

Só mesmo a Edie ganhou uma versão compatível com toda sua ‘latina voluptuosidade latente’, se é que vocês me entendem. A Vera é um primor: atirada, sem vergonha, de short cavado, fazendo biquinho sexy, a legítima mulher pecadora que cobiça o homem da próxima. Eu queria pular no pescoço dela, mas tento me conter, afinal, de ‘meu’ o Mike não tem quase nada”.

Susan

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biza, Mônaco, Toscana, Nice, Costa Almafitana. Os paraísos europeus nos quais as celebrities se espreguiçavam vestindo chiques biquínis bran-

cos e usando óculos de enormes armações de repente estão vazios. Vazios de quem importa. Vazios de quem não adquiriu a nova pátina social do cool, da fama. Os “outros”, é verdade, ainda circulam felicíssimos por es-ses lugares de exceção lindamente decorados. Mas Quem Acontece pre-fere ligar para (800) 434-7365 e conseguir um quarto no lindo Betty Ford Center, no Campo Miragem, Califórnia, EUA. Lagos, árvores, uma sala de fitness incrível, piscinas nababescas e o necessário Quarto da Serenidade, tudo à disposição. Para entrar nesse cantinho, basta ter alguns milhares de dólares para bancar o mínimo de três semanas de hospedagem. Estar bêbado, drogado e intoxicado também é altamente recomendável.

Em vez dos entendiantes textos das propagandas turísticas (“venha desfrutar desse paraíso” e coisas do gênero), o folder do Betty Ford Center traz um reconfortante recado: “Our Mission: to provide effective alcohol and other drug dependency treatment services, including programs of education and research to help women, men and families begin the pro-cess of recovery”.

Não é por menos que o cantor Keith Urban, marido de Nicole Kid-man, gastou uma pequena fortuna para conhecer Betty. Ozzy Osbourne, Linsday Lohan, David Hasselhoff (Baywatch), Eddie Griffin (ex-jogador de Minnesota Timberwolves), Houston Rockets (que morreu ao bater com o carro em um trem) e o indefectível Willis (o policial da banda Village People que brindou o mundo com o lirismo de “YMCA” e “In the navy”), também foram vistos caminhando pelos verdes campos localizados em Palm Springs. Diferentes celebridades, de diferentes pesos, modelos e sta-tus na mídia. Todas elas sendo notícia por um motivo “so cool”: entraram na reabilitação, aliás, rehab, como manda a regra “lingüística” que separa quem “entende” daqueles que “não entendem” o peso desse termo no mundo atual.

O fator rehab é um dos assuntos preferidos da mídia novidadeira des-de que virou tema de editorial de moda na ótima “Vogue Itália”. Alaridos, absurdos, “ai, eu a.m.e.i.”, celebração das drogas, experiência fashion. De tudo se disse. Bobagem. Não há nada de novo no front. Cocaína, vodca, heroína e outros aditivos sempre foram componentes usuais do mundo da moda. Na verdade, vamos tirar a dita cuja da berlinda – as drogas sempre estiveram, para o bem ou para o mal, associadas à juventude, esta sim um tema central da sociedade pós-moderna. A mídia adora. A moda também.

O oportuno diferencial é que agora o legal não é apenas se drogar, ser “addict”. O tchuns da coisa é, depois das veias bem cheinhas de heroína, correr para os braços de Betty Ford (ou para o Cirque Lodge Rehab, o SouthCoast Recovery, o Capo Beach Recovery...). Não deixa de ser en-graçado pensar que o que é cool para essa nova geração de starlets era simplesmente inimaginável para gente como Billie Holiday, Charlie Parker. Ou, mais ainda, Bukowski. É de se imaginar a cara cínica e esburacada de um dos maiores escritores e cachaceiros dos Estados Unidos para atitudes desse tipo: “Os Grandes Poetas morrem em penicos fumegantes de mer-da.” Metade das celebridades de hoje também.

Mas não se engane: certamente os VIP made in Hollywood e adja-cências já devem estar procurando novos nichos. Steven Meisel já usou o tema rehab na “Vogue Itália”? Então a moda chegou à sua curva elíptica máxima e agora só pode descer. Deixar de ser legal. Rebah? “So last sea-son”, dirá a garota dourada por trás de seus óculos de enormes armações, preparando-se para vestir seu biquini branco e pular em uma lancha an-corada na Costa Almafitana. “Next!”

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Ser viciado não é mais suficiente, o cool agora é a utopia da reabilitação de luxo, mas até quando?Fabiana Moraes

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Venda sob prescrição da moda

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ocê com certeza conhece alguém que vive sentado à beira do caminho, se la-mentando: “ah, se eu tivesse me casado com a fulana”, “ah, se eu tivesse feito

aquela faculdade”, “ah, se eu tivesse ficado naquele emprego”, “ah, se eu tivesse tido mais filhos”, “ah, se eu tivesse saído de casa mais cedo”, “ah, se eu não tivesse saído de casa”. Quando se procura motivo pra lamentar, eles vêm em fila. Todo mundo tem algo do que se arrepender. Mas daí a ficar erguendo castelos em cima do que podia ter sido e não foi há uma grande diferença.

A melancolia é o avesso do sonho. O sonho te faz olhar pra frente e ter esperan-ça. A melancolia é atraso de vida e não leva a lugar algum. Essa história de viver de olho no espelho retrovisor não tá com nada.

Os nostálgicos têm na ponta da língua a lista das oportunidades que deixaram passar, dos caminhos por onde não foram, dos convites que recusaram, das vezes que o medo os impediu de fazer o que queriam, e tudo isso pra quê? Pra justificar a frustração e a infelicidade em que vivem.

Na verdade, usam o passado como desculpa para não encarar a árdua tarefa de fazer do tempo presente o tempo das realizações. É um jeito indolente e paradoxal de viver. Indolente porque culpando o passado ele se exime de mudar o rumo da sua história aqui e agora. E paradoxal porque nós somos fruto das escolhas que fizemos. Se elas tivessem sido outras, nós também o seríamos e, nesse caso, quem

é capaz de dizer que julgamento faríamos da nossa vida? Aliás, quem garante que ela teria sido melhor se tivéssemos ido por lá?

À distância é muito fácil falar: eu teria feito tudo diferente. Será que teria mes-mo? O passado vive na lembrança como uma linda paisagem, digna de Michelan-gelo ou Da Vinci. Mas será que os “bons tempos” eram mesmo tão bons assim? Será que não tínhamos naquela época os mesmos problemas e angústias que te-mos agora, com a diferença de que aquelas o tempo diluiu?

Eu sei que se conselho fosse bom não seria dado de graça, mas eu me arrisco a unzinho: só se arrependa do que dá tempo de consertar. Aí sim, vale a pena.

Corra atrás daquele amigo e peça perdão pela palavra errada que você falou; pule mais cedo da cama pra brincar com seu filho; tome coragem e peça a mão daquela morena em namoro; coloque no correio aquela carta que está guardada há meses na gaveta; termine esse relacionamento que te faz tão infeliz. Mas faça isso já. Não espere cinqüenta anos pra se lamentar.

A vida é uma só e, como disse Vinícius de Morais: “duas mesmo que é bom nin-guém vai me dizer que tem, sem provar muito bem provado, com certidão passada em cartório no céu e assinado embaixo: Deus. E com firma reconhecida!”.

Divertido é viver achando que o melhor ainda está por vir. Achando não, tendo certeza!

VIvana Arruda Leite

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Será que o teatro pernambucano está pronto para ser consumido pelo mercado externo?

Ivana Moura

m projeto das artes cênicas pernambucanas, chamado “Janeiro de grandes espetáculos”, deu uma “cartada de mestre” no começo deste ano: trouxe curadores de festivais brasileiros importantes como convidados para acompanhar a progra-

mação. A iniciativa sugerida por várias pessoas, inclusive por mim, em edições anteriores, surtiu efeito. Meia dúzia de mon-tagens locais foi chamada a participar desses eventos de diapasão nacional e internacional. A estratégia é comum em outras áreas e os festivais, em todas as linguagens, convidam jornalistas também para ampliar o raio de repercussão. Isso faz parte dos mecanismos de consagração.

Ainda no início do ano, uma das coordenadoras do “janeiro...”, Paula de Renor, comemorava a “grande sacada”, reco-nhecendo que sem esse intercâmbio – mas com a sutil diferença da Apacepe (Associação dos Produtores em Artes Cênicas de Pernambuco) ser a anfitriã da visita dos curadores –, dificilmente o teatro pernambucano daria esse salto. Mercadológico.

O presidente da Apacepe, Paulo de Castro, chegou a dizer que o mais importante para um espetáculo é mostrar o trabalho fora do seu estado. Mas para que isso fosse viabilizado, aparecia um outro problema. Verba para as passagens. Isso foi resol-vido, pelo menos para uma parte do grupo das cênicas: Com o convênio assinado em junho com a Prefeitura do Recife (que assegura R$ 50 mil destinados à compra de passagens aéreas para participação em festivais).

Com essa verba foram beneficiados três grupos recifenses. O coletivo Angu de Teatro, circula agora em setembro por Brasília, no Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília – e pelo “Porto Alegre em Cena” com “Angu de sangue”, adaptação da obra de Marcelino Freire. Depois leva “Ópera”, de Newton Moreno, ao Festival de Guaramiranga.

O bailarino, ator e diretor Kléber Lourenço estréia em meados de setembro também em Porto Alegre, com o espetáculo “Negro de estimação”, baseado no livro “Contos negreiros”, de Marcelino Freire. Além de “Negro”, Lourenço também faz um circuito com “Jandira” (fusão de teatro, literatura e dança contemporânea) por Brasília, Porto Alegre e Belo Horizonte.

A terceira companhia que recebe o auxílio do “Recife Palco Brasil” (o nome de batismo do convênio que vai disponibilizar anualmente uma quantia para a compra de passagens aéreas ou terrestres para grupos locais convidados por festivais de ou-tros estados) é a Remo Produções, de Paula de Renor, que segue com o espetáculo “Fernando e Isaura” (primeira adaptação

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para o teatro do romance Ariano Suassuna lançado em 1956) para Brasília, Porto Alegre e Belo Horizonte, além de uma pa-rada regulamentar em São Paulo para participar de uma homenagem ao autor do “Romance d’A Pedra do Reino”.

Antes desse “esforço concentrado”, a encenação de “As três viúvas de Arthur”, projeto do Aprendiz Encena, do Centro de Formação Apolo-Hermilo, inspirado na obra do dramaturgo maranhense Arthur Azevedo, esteve em março no Festival de Teatro de Curitiba, na grade da mostra principal. Conhecido como a grande vitrine do teatro nacional, o programa curitibano também abrigou na sua mostra paralela – o Fringe (que não está submetido às regras da curadoria oficial) três espetáculos: “Ópera”, “Angu de sangue” e “A chegada da prostituta no céu”. A peça “As três viúvas de Arthur” atraiu a atenção do público e da mídia menos pela trama e mais pela presença no elenco de Hermila Guedes, incensada com o sucesso do filme “O céu de Suely”, de Karim Aïnouz. Engraçado é que Hermila integrou o elenco de “Angu de sangue”, mas sua participação não causou esse reboliço todo. A peça sim. Aliás, as duas do Coletivo Angu de Teatro tiveram ótima receptividade.

E por sinal, Curitiba já projetou alguns grupos, hoje consolidados ou em vias de, como A vida é Feita de Som e Fúria, da curitibana Sutil Companhia de Teatro com sua versão teatral do livro “Alta fidelidade”, feita pelo diretor Felipe Hirsch e o grupo Espanca!, trupe mineira que encenou “Por Elise”.

Então, o impulso à produção local foi dado pelo projeto “Janeiro de grandes espetáculos” (faço restrições a grandiloqüên-cia do nome), que assume, de certa forma, o papel de curador das montagens locais que merecem o incentivo governamen-tal. Existe uma promessa da Prefeitura do Recife de ampliar a verba de apoio para a circulação de grupos teatrais para R$ 80 mil ou R$ 100 mil em 2008, segundo o presidente da Apacepe, Paulo de Castro. E por enquanto, o critério de seleção dos grupos está norteado pela exigência de que as peças sejam vistas no evento organizado pela Apacepe.

Não deixa de ser curioso e até irônico que a figura tão combatida pelas entidades, inclusive a Apacepe, no “Festival de teatro do Recife”, o do curador (aquela figura que agencia a formação dos sentidos de uma programação, que passa tam-bém pela escolha das peças) seja protagonista dessa rede que envolve o mercado de difusão da arte, e também teatral, nas cercanias de Pernambuco. Agora com os produtores dessas entidades fortalecidos.

Espera-se o bom entendimento de que na arte contemporânea tudo ficou mais relativo e passivo de várias interpretações, mais complexo, híbrido e que o teatro pernambucano não pode estar fora dessa discussão. Mas sem a tirania das certezas. Se Paulo de Castro acha que o lance agora é vender o teatro pernambucano... Se o bailarino Kléber Lourenço defende que “Nossas encenações são tão boas quanto as de fora. Falta entrar nesse circuito”, como comentou ao Diario de Pernambuco... Queiram os deuses do teatro que público, crítica e curadores (profissionais que decidem a agenda de alguns dos principais festivais de artes cênicas no mundo inteiro) concordem com essa opinião. Agora é esperar para ver quem está pronto para ser “consumido” pelo mercado.

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história do governador Miguel Arraes já foi contada em prosa e verso, cantada em todos os ritmos, escrita por intelectuais, interpretada pelo povo e, durante muitos anos, sussurrada entre quatro pa-

redes. Dois anos depois da sua morte, o lançamento de dois livros, “Cartas de Agosto”, organizado pelo jornalista Evaldo Costa, e “Arraes na boca do povo”, uma coletânea de obras populares feita pelo poeta Juareiz Correya, mostram a visão que dois segmentos distintos da população guardaram de um dos mais controvertidos políticos pernambucanos, amado por uns e odiado por outros.

A morte do ex-governador provocou um momento de reflexão, não mais movida pelas disputas políti-cas. Foi assim que jornalistas, historiadores, cientistas políticos, advogados, integrantes de ONGs, escritores, poetas, sociólogos, médicos, professores, geógrafos, economistas, políticos e familiares, expuseram suas opiniões sobre Miguel Arraes, através de artigos que a Imprensa local e nacional registrou e que foram reunidos por Evaldo Costa.

Coerência, provavelmente, é a palavra que serve de fio condutor entre os diversos artigos. O cientista político Michel Zaidan, um dos contundentes críticos de Arraes em seu último governo, reviu suas posições após um breve encontro com ele. “Miguel Arraes foi um representante de sua geração e jamais se modifi-caria para se adequar aos ritos da chamada democracia participativa, com suas assembléias, fóruns e con-selhos. Mas dentro da moldura terceiro-mundista, nacional-popular de seu pensamento, ele nunca abjurou suas convicções, ao contrário dos falsos democratas que assumiram o governo depois dele”, afirmou Zaidan ao Jornal do Commercio.

Mas a palavra “vazio” parece ser a que exprime o sentimento mais fundo que a morte de Arraes provo-cou, especialmente por ter se dado no meio de um crise política nacional, quando o País chafurdava numa série de denúncias de corrupção. O jornalista Bernardo Joffily, vai longe em sua análise sobre a ausência do ex-governador no cenário nacional: “Agora morto, ele de alguma forma pede da palavra e intervém no nervoso debate sobre a crise. Intervém com sua biografia, com o seu pensamento, com o seu exemplo e o seu legado”.

Ex-aliados políticos, como foi o caso do presidente do PPS, Roberto Freire, diante da morte de Arraes não conseguiram manter a rigidez que tiveram enquanto ele era vivo. Apesar de admitir que o seu partido sempre manteve relações políticas tensas com o ex-governador, fundadas em razões históricas e doutriná-rias, afirmou que o PPS nunca havia deixado de render tributo ao “líder maior dos pernambucanos durante quase meio século, ao homem que amou o seu povo e dedicou boa parte da sua vida a mudar o destino dos brasileiros”.

E para lembrar que Arraes não era apenas um dirigente político, Evaldo Costa não esqueceu de desta-car o papel familiar de Arraes, pai de dez filhos, com dezesseis netos e seis bisnetos. O jornalista fez isso publicando um poema de Bernardo Arraes Valença, um dos netos do ex-governador: “Tua presença me faz falta/ quando entrava em alto mar/ quando deitava na rede/ e lia um livro pra descansar/ ou quando estava escrevendo/ e não podíamos atrapalhar”.

Por outro lado, o livro de Juareiz Correya mostra a importância e o reconhecimento que Arraes teve do seu povo. Cordéis e repentes contam a história do sertanejo que se transformou em mito para os excluídos. Os mais antigos datam de 1959. É o caso de “A vitória de Arras e as três quedas de Cleofas”, de Severino Carlos. Outros temas vieram depois inspirando José Soares, que através de um cordel narra “A anistia ampla e a volta de Arraes”. Seguindo o rumo da história, João José da Silva escreve, em 1986, “Jarbas apóia Arraes pela unidade popular”.

Com a vitória do ex-governador surgem novos cordéis. “A esperança está de volta”, de Andorinha, “Arra-es governa de novo”, de José Bento da Silva, “A vitória de Arraes e a alegria do povo”, de Francisco Borges, “A vitória esmagadora de Arraes”, de Leonardo Rodrigues dos Santos, dentre outros.

No que se refere aos repentes, o que ficou mais famoso foi “Volta Arraes ao Palácio das Princesas, vai entrar pela porta que saiu”, de Lourival Batista, que se transformou no hino da campanha de 1986, in-terpretado por Zeto do Pajeú. A história de Arraes foi explorada ainda através do repente por Jô Patriota, Ivanildo Vila Nova, João Furiba, Diniz Vitorino, Sebastião Dias e Antônio Marinho do Nascimento.

Mas coube a Rogério Menezes do Nascimento cantar o réquiem para Arraes: “Foi 2005 o ano/no dia 13 de agosto/ que a morte espalhou desgosto/ no solo pernambucano/ Arraes partiu deste plano/ pra o céu de paz e beleza/ deixando uma luz acesa/ pra guiar quem vem atrás/ véspera do dia dos pais/ morreu o pai da pobreza”.

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(Em memória de Miguel Arraes)Há aqueles que levantam uma bandeirae prosseguem.Aqueles que afrouxam as mãose abandonam as bandeiras no caminho.Aqueles que rasgam queimamrenegam bandeiras e se recolhem.Aqueles que se bandeiame passam a defenderbandeiras contrárias.Aqueles que refleteme escolhem bandeiras melhores.Aqueles que encerram as bandeirasem gavetas vitrines e altares.Aqueles que colocam as bandeiras à venda.

É triste ver bandeiras abandonadasvendidas ou sacralizadas no céu distante.As bandeiras não são entidadespara comércio adoração e arquivo

Expostas ao vento e ao tempoas bandeiras são coisas simples da vidaexigem cuidado:como uma casauma roupaum filhouma flor.

Marcelo Mário Melo

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