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Perifíton: Diversidade Taxonômica e Morfológica Ana Luiza Burliga & Albano Schwarzbold Ana Luiza Burliga & Albano Schwarzbold Ana Luiza Burliga & Albano Schwarzbold Ana Luiza Burliga & Albano Schwarzbold Ana Luiza Burliga & Albano Schwarzbold Conceito de perifíton Conceito de perifíton Conceito de perifíton Conceito de perifíton Conceito de perifíton Dois termos principais foram introduzidos na literatura científica para designar as comunidades de organismos aderidas a substratos: “aufwuchs” e “periphyton”. O termo originalmente alemão “aufwuchs”, que significa “crescer sobre”, foi apresentado por Seligo em 1905, referindo-se a organismos fixos que não pene- tram no substrato (Cooke, 1956). Segundo Björk (1983), o termo “aufwuchs” foi utilizado também por Ruttner (1952), em seu livro intitulado Grundriss der Limnologie, traduzido para o inglês como Fundamentals of Limnology. Esta obra contém um desenho clássico de uma comunidade aderida a Myriophyllum no Lago Lunzer Untersee, localizado nos alpes da Áustria (Figura 1). O termo “periphyton” (= perifíton) foi utilizado pela primeira vez por Behning em 1924, para definir organismos aderidos a substratos artificiais na água. A palavra é de origem grega, que significa literalmente “ao redor da planta” (prefixo “peri” = “ao redor de”; “phyton” = “planta, vegetal”). Pos- teriormente ao trabalho de Behning, o termo ganhou conotação mais ampla, sendo então “perifíton” denominado para todos os organismos aquáticos que crescem em superfícies submersas (Cooke, 1956). Outros termos utilizados na lingua alemã, mas pouco encontrados na lite- ratura, e que são sinônimos de perifíton são: “Nereiden”, “Bewuchs”, “Laison”, “Belag” e “Besatz”. Sinônimos encontrados na língua inglesa são: “attached”, “sessile”, “sessile-atached”, “sedentary”, “seeded-on”, “attached materials”, “slime”, “slime-growths” e “coatings” (Sládecková, 1962). O termo “benthic algae” é mais comumente designado para organismos que crescem sobre ou estão associados com a zona mais profunda de um cor- po d’água (por exemplo, sedimentos ou rochas) (Wehr & Sheath, 2003). No Brasil, o termo perifíton é mais utilizado para organismos microscópicos, sendo 1 1 1

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Page 1: Perifíton: 1 Diversidade Taxonômica e Morfológica · Diversidade Taxonômica e Morfológica ... apesar de apresentarem grande diversidade metabólica e tipos de reprodução,

Perifíton:Diversidade Taxonômicae MorfológicaAna Luiza Burliga & Albano SchwarzboldAna Luiza Burliga & Albano SchwarzboldAna Luiza Burliga & Albano SchwarzboldAna Luiza Burliga & Albano SchwarzboldAna Luiza Burliga & Albano Schwarzbold

Conceito de perifítonConceito de perifítonConceito de perifítonConceito de perifítonConceito de perifítonDois termos principais foram introduzidos na literatura científica para designaras comunidades de organismos aderidas a substratos: “aufwuchs” e “periphyton”.

O termo originalmente alemão “aufwuchs”, que significa “crescer sobre”, foiapresentado por Seligo em 1905, referindo-se a organismos fixos que não pene-tram no substrato (Cooke, 1956). Segundo Björk (1983), o termo “aufwuchs” foiutilizado também por Ruttner (1952), em seu livro intitulado Grundriss derLimnologie, traduzido para o inglês como Fundamentals of Limnology. Esta obracontém um desenho clássico de uma comunidade aderida a Myriophyllum noLago Lunzer Untersee, localizado nos alpes da Áustria (Figura 1).

O termo “periphyton” (= perifíton) foi utilizado pela primeira vez porBehning em 1924, para definir organismos aderidos a substratos artificiais naágua. A palavra é de origem grega, que significa literalmente “ao redor daplanta” (prefixo “peri” = “ao redor de”; “phyton” = “planta, vegetal”). Pos-teriormente ao trabalho de Behning, o termo ganhou conotação mais ampla,sendo então “perifíton” denominado para todos os organismos aquáticos quecrescem em superfícies submersas (Cooke, 1956).

Outros termos utilizados na lingua alemã, mas pouco encontrados na lite-ratura, e que são sinônimos de perifíton são: “Nereiden”, “Bewuchs”, “Laison”,“Belag” e “Besatz”. Sinônimos encontrados na língua inglesa são: “attached”,“sessile”, “sessile-atached”, “sedentary”, “seeded-on”, “attached materials”,“slime”, “slime-growths” e “coatings” (Sládecková, 1962).

O termo “benthic algae” é mais comumente designado para organismosque crescem sobre ou estão associados com a zona mais profunda de um cor-po d’água (por exemplo, sedimentos ou rochas) (Wehr & Sheath, 2003). NoBrasil, o termo perifíton é mais utilizado para organismos microscópicos, sendo

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22222 ECOLOGIA DO PERIFÍTON

o termo “algas bentônicas” mais comumente empregado para as macroalgas,organismos que são visualizados a olho nu.

FFFFFigura 1igura 1igura 1igura 1igura 1 Franz Ruttner e seu desenho clássico sobre perifíton: “aufwuchs” sobre folha deMyriophyllum mostrando vários meios de fixação (50 aumentos). Com suas superfíciesaderidas diretamente na folha, Cocconeis (l) e Epithemia (h); com botões gelatinosos ouhastes curtas, Synedra (i), Tabellaria (f) e Achnanthes (k); em tubos gelatinosos, Encyonema(g); com hastes longas, algumas vezes ramificadas, Cymbella (d), Gomphonema (e) e Vorti-cella (a); com algas filamentosas firmemente aderidas por células “holdfast”, Oedogonium(b) e Bulbochaete (c). Ilustração de Ruttner retirada de Esteves (2011). Desenho originalretirado de Ruttner (1952, p. 184, fig. 55).

A comunidade acadêmica usou também uma terminologia específica, quese baseia na natureza do substrato sobre o qual o perifíton cresce (Srámek-Husek, 1946, via Sládecková, 1962). São denominadas de algas epilíticas as quevivem sobre substrato rochoso; algas epifíticas, sobre superfície de plantas,incluindo outras algas (como, por exemplo, as filamentosas); algas epipélicas,sobre sedimento fino; algas epizóicas, sobre superfícies de animais; epipsâmicas,sobre substrato arenoso; e epidêndricas, epidendríticas, sobre madeira. Hátambém muitas algas que se encontram associadas frouxamente ao substrato,aderidas à matriz de suas próprias mucilagens ou às de outras algas. Este gru-po recebe a denominação de metafíton.

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Sládecková (1962) designou o termo perifíton como “toda comunidadeque vive aderida a um substrato”. Propôs, também, uma subdivisão na deno-minação do perifíton em dois grandes grupos: “perifíton verdadeiro”, que seriacomposto de organismos fixos, imóveis e adaptados à vida séssil através derizóides, pedúnculos gelatinosos, entre outras estruturas de fixação, e “pseudo-perifíton”, denominação atribuída àqueles organismos que não possuem umaestrutura de fixação verdadeira e que estão frouxamente aderidos ao substrato,vivendo associados a este. Essa subdivisão é pouco utilizada atualmente.

A padronização do termo “perifíton” foi consolidada somente em 1982,no 1o Workshop Internacional “Periphyton of Freshwater Ecosystems”, reali-zado em Växjö, Suécia. Nesse evento, foi definido o termo perifíton como“uma complexa comunidade de microrganismos (algas, bactérias, fungos eanimais), detritos orgânicos e inorgânicos aderidos a substratos inorgânicos ouorgânicos, vivos ou mortos” (Wetzel, 1983).

O conceito de perifiton proposto por Wetzel (1983) é amplamente aceitoentre os especialistas. Para detalhes sobre o perifíton heterotrófico e bacteriope-rifíton, ver os capítulos de Cláudia Costa Bonecker e Leandro Junio Fulone, eo capítulo de Maria Angélica Oliveira, ambos neste livro.

Neste capítulo, daremos ênfase à diversidade taxonômica e morfológicadas algas presentes no perifíton, também denominadas como “ficoperifíton”(do grego “phycos”, alga).

Diversidade taxDiversidade taxDiversidade taxDiversidade taxDiversidade taxonômicaonômicaonômicaonômicaonômica

As algas constituem um conjunto de organismos distribuídos em grupostaxonômicos muito diversificados, e muitas vezes não possuem laços de paren-tesco entre si. A classificação das algas, parcialmente bioquímica, permaneceainda amplamente fundamentada em características como: a natureza e loca-lização dos pigmentos (clorofilas e pigmentos acessórios), dos carboidratos dereserva (próximos do amido ou da laminarina) e a disposição dos tilacoides(sistemas de membranas situados no interior dos plastídios, que contêm ospigmentos) (Franceschini, 2010).

Mas, apesar de apresentarem grande diversidade metabólica e tipos dereprodução, compartilham algumas características em comum, como, por exem-plo, a de que todas as divisões possuem clorofila a. Como exemplo de carac-terísticas distintas, diferentes divisões possuem clorofilas b, c ou d, como tam-bém os pigmentos acessórios. A Tabela 1 resume as principais características ediferenças taxonômicas das cinco linhagens mais comumente encontradas noperifíton de águas continentais.

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As classificações mais atuais das algas têm por base estudos filogenéticose representam, desta forma, a história evolutiva desses organismos (Reviers,2010).

A divisão Cyanobacteria, comum no perifíton, é constituída de organis-mos procariontes e faz parte do domínio “Eubacteria” (ou Bacteria), e todosos outros grupos de algas encontram-se disseminados em várias linhagens doseucariontes, no domínio “Eukaria”.

Especificamente no perifíton, as maiores biomassas de algas ocorrem basi-camente em duas linhagens: reino Plantae (no qual estão incluídas as linhagensChlorophyta e Streptophyta e a divisão Rhodophyta) e sub-reino Stramenopiles(divisão Ochrophyta, em que estão incluídas as diatomáceas).

TTTTTabela 1abela 1abela 1abela 1abela 1 Principais características das cinco linhagens de algas mais comumente encontra-das no perifíton de águas continentais (Fonte: Reviers, 2006).

LinhagensLinhagensLinhagensLinhagens Pigmentos Pigmentos Pigmentos Pigmentos

importantesimportantesimportantesimportantes Parede celularParede celularParede celularParede celular

Produtos de Produtos de Produtos de Produtos de reservareservareservareserva

FlagelosFlagelosFlagelosFlagelos

CyanobacteriaCyanobacteriaCyanobacteriaCyanobacteria (cianofíceas)

clorofila a ficobilinas, carotenos

xantofilas

peptidoglucano, gram negativa glicogênio ausentes

OchrophytaOchrophytaOchrophytaOchrophyta (incluindo

diatomáceas)

clorofilas a, c

carotenos, xantofilas

SiO2

(nas diatomáceas)

óleo e

leucosina

ausentes vegetativamente

nas diatomáceas

ChlorophytaChlorophytaChlorophytaChlorophyta

(clorofíceas,

algas verdes)

clorofilas a, b

carotenos celulose e pectina

amido das

plantas

usualmente 2-4

iguais no

comprimento

quando presentes

StreptophytaStreptophytaStreptophytaStreptophyta

(algas verdes

desmídias e

carofíceas)

clorofilas a, b

carotenos celulose e pectina

amido das

plantas

ausentes nas

desmídias

RhodophytaRhodophytaRhodophytaRhodophyta (rodofíceas,

algas vermelhas)

clorofila a, d ficobilinas, carotenos,

xantofilas

celulose, ágar e carragenano

mananos e xilanos

glicogênio ausentes

Diversidade morfológicaDiversidade morfológicaDiversidade morfológicaDiversidade morfológicaDiversidade morfológicaTTTTTipos de taloipos de taloipos de taloipos de taloipos de talo

As algas perifíticas possuem uma grande diversidade de formas de vida. Ostipos de talo podem variar desde unicelulares, como Gomphonema Ehrenberg eEunotioforma Kociolek & Burliga, por exemplo; coloniais, como NephrocytiumNägeli; pseudofilamentosos, como Wolskyella Claus; filamentosos simples não

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ramificados, como em Ulothrix Kuetzing e Oscillatoria Vaucher ex Gomont;filamentosos ramificados, como Stigeoclonium Kützing e em Stigonema Agardhex Bornet et Flahault; filamentosos com falsa ramificação, como ScytonemaAgardh ex Bornet et Flahault e em Plectonema Thuret ex Gomont; sifonáceosou cenocíticos, como Vaucheria A.P. de Candolle, até formas pseudoparen-quimatosas, como Coleochaete Brébisson. Para detalhes sobre a diversidademorfológica, ver as chaves genéricas do perifíton, de Iara Maria Franceschini,e das diatomáceas, de Thelma Alvim Veiga Ludwig e Priscila Izabel Tremarin,ambas neste livro, e as obras de Bicudo & Menezes (2006) e Franceschini et al.(2010).

TTTTTipos de aderência ao substratoipos de aderência ao substratoipos de aderência ao substratoipos de aderência ao substratoipos de aderência ao substrato

O ficoperifíton coloniza substratos submersos na zona eufótica da mai-oria dos ambientes aquáticos, tanto continentais quanto ambientes marinhos.Desta forma, teoricamente, todas as superfícies que recebem luz podem sus-tentar a comunidade perifítica.

O perifíton pode desenvolver uma complexa estrutura física, similar à dasflorestas terrestres (Hoagland et al., 1982). As diferentes adaptações morfo-lógicas ao tipo de aderência ao substrato incluem, em sua maioria:

1. Formas firmemente aderidas ao substrato, como em Cocconeis (Figu-ra 2A).

2. Aderidas por mucilagem almofada, “pad mucilage”, como em Gomphonema(Figura 2B).

3. Aderidas na extremidade por uma haste de mucilagem, “stalk muci-lage”, como em Gomphonema (Figura 2C, D).

4. Mucilagem em tubo, como em Nitzschia.

5. Apressório terminal na célula basal, “holdfast”, como na filamentosasimples Oedogonium (Figura 2E).

6. Algas filamentosas de hábito heterótrico, como Stigeoclonium, queapresentam uma parte basal prostrada ramificada e diretamente ade-rida ao substrato e uma parte ereta também ramificada (Figura 2F).

Algumas espécies são móveis e se movimentam através da matriz mucila-ginosa da comunidade perifítica. Esses movimentos podem se dar, por exemplo,pelo deslocamento do tricoma em algumas cianobactérias ou pelo deslocamentoatravés da mucilagem excretada no canal da rafe em algumas diatomáceas.

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Salienta-se que algumas espécies podem ocupar o hábitat bêntico ou planctô-nico em algum momento do ciclo de vida, porém, muitas espécies de algas sósão encontradas em um ou outro hábitat.

FFFFFigura 2igura 2igura 2igura 2igura 2 Diferentes adaptações morfológicas e tipos de aderência ao substrato encontradasnas algas do perifíton. A. Totalmente aderida ao substrato, Cocconeis sp.; B. Mucilagem tipoalmofada, Gomphonema sp.; C, D. Mucilagem em pedúnculo, Gomphonema sp. Escala =5 µm. E. Apressório terminal “holdfast” em Oedogonium sp.; F. Hábito heterótrico, com partebasal prostrada e diretamente aderida ao substrato e parte ereta, Stigeoclonium sp. Escala =10 µm. Imagens A-D cedidas pelas pesquisadoras Thelma Ludwig e Priscila Tremarin.

Agradecimentos – Agradecimentos – Agradecimentos – Agradecimentos – Agradecimentos – Agradecemos às pesquisadoras Dra. Iara Maria Franceschinie Dra. Liliana Rodrigues pela revisão do texto.

A B C

D E F