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1 Assistente Estagiário, Instituto Superior Técnico, Departamento de Engenharia Civil, Lisboa 2 Professor Catedrático, Instituto Superior Técnico, Departamento de Engenharia Civil, Lisboa 3 Professor Auxiliar, Instituto Superior Técnico, Departamento de Engenharia Civil, Lisboa PERFIS PULTRUDIDOS DE FIBRA DE VIDRO (GFRP). COMPORTAMENTO DE VIGAS MISTAS GFRP-BETÃO. João Ribeiro Correia 1 , Fernando Branco 2 , João Gomes Ferreira 3 RESUMO Os problemas de durabilidade dos materiais tradicionais e a exigência de velocidades de construção crescentes têm conduzido nos últimos anos ao desenvolvimento de novas soluções estruturais. Os materiais compósitos em geral, e os perfis pultrudidos de fibra de vidro (GFRP - Glass Fiber Reinforced Polymer) em particular, começam a desempenhar um papel cada vez mais importante nesse domínio, devido à sua resistência, elevada durabilidade e reduzido peso próprio. A ligação destes perfis a elementos de betão poderá ter uma grande viabilidade no domínio da reabilitação de estruturas de betão. Neste artigo apresentam-se os resultados de um trabalho experimental em que foi estudado o comportamento misto entre perfis de GFRP e o betão. Foram realizados ensaios de conexão de corte e foi analisado o comportamento à flexão de vigas mistas GFRP-betão. 1. INTRODUÇÃO Até recentemente o campo de aplicação dos materiais compósitos “avançados” esteve limitado a estruturas com elevados requisitos de desempenho, como as da indústria aeroespacial. O desenvolvimento da indústria dos plásticos reforçados com fibras (FRP’s) permitiu a expansão a outros mercados, como o da indústria da construção. No caso particular dos perfis de GFRP, o campo de aplicação tem sido muito diversificado. Inicialmente, foram utilizados sobretudo em elementos não estruturais ou em estruturas secundárias, como escadas isolantes, painéis de fachada e plataformas para certas indústrias como a petroquímica ou a do saneamento básico. Nos últimos anos, começaram a surgir aplicações em estruturas de edifícios e coberturas (treliças ou pórticos) e mesmo em pontes pedonais, constituídas apenas por perfis de GFRP [1-3].

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Page 1: PERFIS PULTRUDIDOS DE FIBRA DE VIDRO (GFRP). …jcorreia/Papers/NCPaper3.pdf · 1 Assistente Estagiário, Instituto Superior Técnico, Departamento de Engenharia Civil, Lisboa 2 P

1 Assistente Estagiário, Instituto Superior Técnico, Departamento de Engenharia Civil, Lisboa 2 Professor Catedrático, Instituto Superior Técnico, Departamento de Engenharia Civil, Lisboa 3 Professor Auxiliar, Instituto Superior Técnico, Departamento de Engenharia Civil, Lisboa

PERFIS PULTRUDIDOS DE FIBRA DE VIDRO (GFRP). COMPORTAMENTO DE VIGAS MISTAS GFRP-BETÃO.

João Ribeiro Correia1, Fernando Branco2, João Gomes Ferreira3

RESUMO Os problemas de durabilidade dos materiais tradicionais e a exigência de velocidades

de construção crescentes têm conduzido nos últimos anos ao desenvolvimento de novas soluções estruturais. Os materiais compósitos em geral, e os perfis pultrudidos de fibra de vidro (GFRP - Glass Fiber Reinforced Polymer) em particular, começam a desempenhar um papel cada vez mais importante nesse domínio, devido à sua resistência, elevada durabilidade e reduzido peso próprio. A ligação destes perfis a elementos de betão poderá ter uma grande viabilidade no domínio da reabilitação de estruturas de betão. Neste artigo apresentam-se os resultados de um trabalho experimental em que foi estudado o comportamento misto entre perfis de GFRP e o betão. Foram realizados ensaios de conexão de corte e foi analisado o comportamento à flexão de vigas mistas GFRP-betão.

1. INTRODUÇÃO Até recentemente o campo de aplicação dos materiais compósitos “avançados” esteve

limitado a estruturas com elevados requisitos de desempenho, como as da indústria aeroespacial. O desenvolvimento da indústria dos plásticos reforçados com fibras (FRP’s) permitiu a expansão a outros mercados, como o da indústria da construção. No caso particular dos perfis de GFRP, o campo de aplicação tem sido muito diversificado. Inicialmente, foram utilizados sobretudo em elementos não estruturais ou em estruturas secundárias, como escadas isolantes, painéis de fachada e plataformas para certas indústrias como a petroquímica ou a do saneamento básico. Nos últimos anos, começaram a surgir aplicações em estruturas de edifícios e coberturas (treliças ou pórticos) e mesmo em pontes pedonais, constituídas apenas por perfis de GFRP [1-3].

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Os perfis de GFRP são produzidos por pultrusão utilizando na maior parte dos casos fibras de vidro E, combinando filamentos contínuos aglomerados em mechas (rovings) e mantas de fios (mats), embebidos numa matriz de poliéster ou viniléster [4]. O processo de pultrusão engloba duas fases: numa primeira fase dá-se a impregnação das fibras de reforço e a aquisição da forma final num molde, enquanto a matriz se encontra no estado líquido. Numa segunda fase ocorre a solidificação da matriz no molde, obtendo-se um perfil com a forma e as dimensões desejadas [5].

Em vigas constituídas por perfis pultrudidos de GFRP, o reduzido módulo de elasticidade na direcção longitudinal tem como consequência o facto de o dimensionamento não ser condicionado pela resistência do material, mas sim pela deformabilidade e por fenómenos de instabilidade [6, 7]. Por outro lado, a reduzida relação entre o módulo de elasticidade e o módulo de distorção na direcção longitudinal implica que a proporção da deformabilidade por corte seja muito significativa [7, 8].

Nesse contexto, a utilização de perfis de GFRP em estruturas mistas GFRP-betão como elemento de tracção poderá ter uma grande viabilidade, em particular nos domínios da reparação e do reforço de estruturas. De facto, existem várias vantagens potenciais na ligação de elementos de GFRP a lajes comprimidas de betão, salientando-se o aumento da rigidez de flexão com a correspondente diminuição da deformabilidade, e o aumento da capacidade resistente, garantindo em simultâneo um bom aproveitamento das propriedades dos elementos de GFRP.

O trabalho apresentado teve como objectivo o estudo do comportamento à flexão de vigas mistas GFRP-betão. Foram realizados ensaios de conexão de corte em perfis de GFRP com secção transversal em I (200x10x100x10 mm) ligados a elementos de betão com parafusos metálicos. Os resultados destes ensaios foram utilizados para dimensionar e testar à flexão uma viga simplesmente apoiada, constituída pelo mesmo perfil de GFRP ligado a uma laje de betão com aquele tipo de conectores. O comportamento à flexão da viga mista GFRP-betão é apresentado e comparado com o de outra viga constituída por um perfil em GFRP idêntico ao utilizado na viga mista, demonstrando as vantagens do sistema compósito.

2. ENSAIO DE CONEXÃO DE CORTE O objectivo deste ensaio é a quantificação da resistência ao corte da ligação entre

perfis de GFRP e o betão, por forma a definir o espaçamento longitudinal entre os conectores da viga mista.

Neste ensaio, os banzos de um troço do perfil de GFRP utilizado na viga mista foram ligados a dois cubos de betão com parafusos metálicos M10 (conectores de corte), de acordo com a geometria representada na figura 1, e o perfil foi carregado em compressão até à rotura. A carga foi aplicada com um macaco hidráulico com uma capacidade de 20 ton que reagiu contra uma viga de carga apoiada em duas barras “diwidag” (figura 2). Foi colocada uma chapa metálica no topo do perfil para uniformizar as tensões aplicadas e os deslocamentos foram medidos nos quatro vértices dessa chapa para detectar eventuais rotações do provete. O registo dos valores dos aparelhos de medida (carga e deslocamentos) foi realizado em PC através de uma unidade de aquisição de dados de 8 canais da marca HBM, modelo Spider8.

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Betão Betão

Betão Betão

Perfil GFRP

Perfil GFRP

Conector

Conector

Fig. 1 – Geometria do provete: planta

(em cima) e corte (em baixo) Fig. 2 – Sistema de aplicação da carga

A carga foi aplicada monotonicamente (figura 3) até ocorrer a separação dos dois

materiais devido à rotura por corte dos parafusos (figura 4), para uma carga última de 157,1 kN. No entanto, na definição do espaçamento entre os conectores de corte da viga mista, foi adoptada uma carga máxima de 120 kN (60 kN por banzo) uma vez que, para cargas superiores a este valor, os deslocamentos aumentaram consideravelmente. A ovalização dos furos (figura 4) e as elevadas tensões de compressão determinadas para a região da chapa em frente aos parafusos, sugerem que a rotura por esmagamento dos banzos estaria iminente.

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

0 1 2 3 4 5 6 7

Deslocamento relativo (mm)

Forç

a (k

N)

Kensaio = 80,7 kN/mm

Fu = 157,1 kN

Fmax = 120 kN

Fu/2 = 78,6 kN

Fig. 3 – Diagrama força-deslocamento do ensaio de

conexão de corte Fig. 4 – Rotura por corte dos

parafusos com ovalização dos furos

3. ANÁLISE DE VIGAS MISTAS GFRP-BETÃO Na análise elástica de uma secção mista GFRP-betão (figura 5) assume-se a validade

das seguintes hipóteses: − O betão não resiste à tracção; − A hipótese de Bernoulli é válida; − Não existe escorregamento entre o perfil e o betão; − Toda a largura da laje de betão é efectiva; − Não se considera a contribuição das armaduras localizadas na laje de betão.

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εp

εf2

εw

εf1

εεc

Fig. 5 – Geometria da secção transversal da viga mista e distribuições de extensões na altura

da secção

A posição da linha neutra em fase elástica (Xe,el) foi determinada tendo em conta as hipóteses anteriores, e o facto de passar no centro de gravidade da secção homogeneizada. Se a linha neutra atravessar a laje de betão (se Xe,el < hc), podem ser utilizadas as seguintes expressões para estimar a sua posição e o momento de inércia equivalente da secção homogeneizada:

02h

hAn2XAn2Xb cpelep2

elec =��

���

� +×××−×××+× ,, (1)

2

elecpp

3elec

eq X2h

hAIn3

XbI �

���

� −+×++×

×= ,

, (2)

em que: − n – coeficiente de homogeneização: relação entre o módulo de elasticidade do

perfil na direcção longitudinal (Ep) e o módulo de elasticidade do betão (Ec); − Ip – momento de inércia do perfil em relação ao seu maior eixo principal de

inércia; − Ap – secção transversal do perfil. Para determinar a resistência última à flexão de secções de vigas mistas GFRP-betão

são ainda admitidas as seguintes hipóteses: − A área do perfil pode ser solicitada elasticamente em tracção até à tensão última na

direcção longitudinal de valor σtu,x; − A área efectiva do betão pode ser solicitada em compressão até à tensão última de

valor fc. O dimensionamento da secção transversal é feito impondo as seguintes condições

adicionais (figura 6): − A rotura ocorre por compressão do betão (σc = fc), para uma extensão εc = 0,0035; − Na rotura, a linha neutra está no betão.

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εg

εf2 σf2

εw σw

σf1εf1

εεc = 0,0035

σσc = fc

Fig. 6 – Secção transversal e diagramas de extensões e tensões (na rotura) ao longo da altura

da secção A primeira condição justifica-se pelo facto de o modo de rotura por compressão do

betão ser mais dúctil do que a rotura em tracção do perfil. A segunda condição pretende optimizar a utilização das propriedades do perfil de GFRP.

A posição da linha neutra na rotura (Xe,u) é determinada impondo as condições de equilíbrio estático na secção transversal, isto é, garantindo que a força de compressão no betão (Fc) é equilibrada pelas forças de tracção no banzo superior (Fb1), na alma (Fw) e no banzo inferior (Fb2) do perfil, resultando das condições anteriores:

( ) 02h

HAhH2AXAAXE

fb80wfuewf

2ue

cp

cc =��

���

���

� −×+−××−×++×ε×××

)(,

,, (3)

O momento último da secção é determinado impondo o equilíbrio do momento flector

na secção em torno do eixo neutro, resultando a seguinte expressão:

( ) ( ) ( ) +��

���

� +−−×××ε×+×××××=2t

hXHbtEX60fXb80M fuef1bpuecuecu ,,, ,,

( )[ ] ( ) ��

���

� −−×××ε×+��

���

� −−××−××ε×+2t

XHbtE2h

XHt2htE fuef2bpuefwwp ,, (4)

Numa viga mista simplesmente apoiada de vão L, em que a rotura ocorre por

esmagamento do betão, a força máxima de corte entre o ponto de aplicação da carga e cada um dos apoios é igual à força máxima de compressão no banzo de betão (Fc). Tendo em conta a força máxima de conexão de corte, determinada nos ensaios de conectores (Fmax,ensaio), o afastamento entre secções transversais com conectores (af,c) necessário para garantir uma interacção total (evitando a ocorrência de escorregamento entre o perfil de GFRP e o betão), pode ser estimado através da seguinte expressão:

2LF

Faf

c

ensaioc

/

, max,= (5)

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4. PROPRIEDADES DA VIGA MISTA

O perfil pultrudido de GFRP utilizado na viga mista é constituído por uma matriz de poliéster reforçada com fibras de vidro-E, numa proporção em peso de 62%. O módulo de elasticidade em flexão na direcção longitudinal (Ep = 38,39 GPa) e o módulo de distorção (Gp = 3,48 GPa) foram determinados num ensaio à flexão realizado num perfil idêntico ao utilizado na viga mista (com o mesmo vão de 4,0 m), de acordo com uma metodologia descrita em [9, 10].

O valor médio da resistência à compressão do betão (fc = 39,91 MPa) foi determinado a partir do ensaio de três provetes, realizado de acordo com a especificação LNEC E226 [11]. O módulo de elasticidade em compressão do betão (Ec = 35,97 GPa) foi determinado a partir do ensaio de 2 provetes, realizado de acordo com a especificação LNEC E397 [12].

A viga mista, com um comprimento total de 4,80 m, foi ensaiada à flexão num vão de 4,0 m, tendo sido submetida a uma carga concentrada a meio vão. As dimensões da secção transversal (figuras 7 e 8) foram fixadas com base nas expressões apresentadas anteriormente (procurando garantir as condições aí especificadas, nomeadamente a rotura em compressão do betão) e tendo em atenção o campo de aplicação preferencial previsto para este tipo de estruturas, em particular as áreas da reabilitação e do reforço de estruturas. Nessa medida, foi adoptada uma laje de betão com 100 mm de altura e 400 mm de largura.

A laje de betão foi armada longitudinalmente nas faces inferior e superior com 2φ6+2φ8 (1,57 cm2) em aço A500 e transversalmente com φ6//0,10 (5,65 cm2/m), também em aço A500, tendo sido adoptado um recobrimento de 15 mm.

φ6//0,10 M10 M10

2φ8+2φ6

Fig. 7 – Geometria da secção transversal da viga mista GFRP-betão (dimensões em mm)

Fig. 8 – Colocação dos parafusos no banzo superior

O resultado obtido no ensaio de conexão de corte (resistência máxima de 60 kN para

uma secção aparafusada) e o valor máximo da força de corte (correspondente à resistência da zona comprimida do betão), foram utilizados para fixar um espaçamento de 12,5 cm entre os conectores, com base na expressão (5).

A posição da linha neutra em fase elástica (Xe,el), a rigidez de flexão da secção equivalente (EI,eq), a posição da linha neutra na rotura (Xe,u) e o momento flector último (Mu) foram estimados com base nas expressões (1-4) e nos valores das propriedades mecânicas do perfil de GFRP e do betão determinados experimentalmente:

− Xe,el = 53,78 mm (verificando a condição Xe,el < hc); − EI,eq = 4639,61 kN.m2; − Xe,u = 70,93 mm (verificando a condição Xe,u < hc);

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− Mu = 188,49 kN.m.

5. ENSAIO À FLEXÃO DA VIGA MISTA GFRP-BETÃO Os apoios da viga foram materializados com rótulas cilíndricas com 5 cm de diâmetro,

assentes em chapas metálicas, estando uma das rótulas fixa, podendo a outra deslizar na direcção longitudinal. De cada um dos lados das chapas metálicas foram soldados pequenos troços de perfis tubulares metálicos que, sem tocarem na viga mista, evitaram que a mesma tombasse lateralmente depois da rotura.

A carga foi aplicada a meio vão da viga mista, tendo sido utilizado um macaco hidráulico de 30 ton, a reagir contra a viga superior de um pórtico de carga metálico (figura 9). A leitura da carga aplicada pelo macaco foi realizada através de uma célula de carga de 30 ton, colocada entre o macaco e o perfil. Foi ainda colocada uma barra metálica com 8 cm de largura entre a célula de carga e a laje de betão para distribuir as tensões aplicadas.

A viga mista foi instrumentada com deflectómetros eléctricos e extensómetros em várias secções, designadas em diante por S1 a S4 (figura 10). O deflectómetro (δ1) foi colocado na secção S1 (meio vão) para medir os deslocamentos sob o ponto de aplicação da carga. Na secção S2 foram colocados dois deflectómetros (δ2 e δ3), para verificar a eventual rotação lateral da viga mista. Os extensómetros (ε1 a ε8) foram colados na secção S4, 30 cm afastada do meio vão, para não haver influência dos efeitos da concentração de tensões e da complexidade da distribuição de tensões junto ao ponto de aplicação da carga. O registo dos valores dos aparelhos de medida (carga, deslocamentos e extensões) foi realizado em PC através de uma unidade de aquisição de dados de 100 canais da marca HBM.

δ2 δ3

δ1

ε1 ε2

Deflectómetro (vertical)

Extensómetro

ε7

S2

ε5 ε6

ε3 ε4

S1 S3

ε8

Fig. 9 – Pórtico de carga Fig. 10 – Instrumentação da viga mista:

alçado (em cima) e corte (em baixo) O ensaio foi realizado aos 28 dias tendo sido realizados dois ciclos de carga, com

controlo da força aplicada. Em ambos os ciclos verificou-se não ocorrer rotação transversal da viga mista (deflectómetros δ2 e δ3).

No primeiro ciclo a carga foi aplicada monotonicamente até à rotura, que ocorreu por compressão da lâmina de betão (figuras 11 e 12), para uma carga de 178,4 kN. Depois de uma pequena propagação da zona de rotura, a viga foi descarregada.

No segundo ciclo a carga voltou a ser aplicada monotonicamente e, à medida que a zona de esmagamento da lâmina de compressão de betão progredia em comprimento e na altura da secção, a rotura final ocorreu de forma súbita, para uma carga de 182,0 kN, por corte

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interlaminar da alma do perfil, 1 a 2 cm acima da sua meia altura e ao longo de todo o comprimento da viga. A rotura por corte interlaminar foi acompanhada por delaminação e flexão da alma na secção de meio vão (figuras 13 e 14). A viga mista ficou separada em duas partes, e a queda da parte superior foi evitada pelos troços metálicos tubulares soldados aos apoios onde a mesma assentou após a rotura.

Fig. 11 – Deformação da viga mista na rotura

– 1º ciclo Fig. 12 – Esmagamento da lâmina de

compressão – 1º ciclo

Fig. 13 – Rotura em compressão do betão e

rotura interlaminar da alma com delaminação e flexão – 2º ciclo

Fig. 14 – Vista lateral da zona do meio vão – 2º ciclo

Apresentam-se na figura 15 os diagramas força-deslocamento (F-δ) correspondentes

aos dois ciclos de carga. Na mesma figura é apresentada a curva correspondente a um ensaio à flexão realizado numa viga constituída por um perfil de GFRP idêntico ao utilizado na viga mista. Nesse ensaio, em que a encurvadura lateral foi impedida, a rotura ocorreu de forma súbita, por instabilidade local do banzo superior.

No primeiro ciclo de carga da viga mista é possível distinguir três zonas distintas do diagrama F-δ. Os dois primeiros troços da curva são praticamente rectos e a mudança de inclinação que ocorre para uma carga de cerca de 40 kN corresponde à perda de rigidez associada à fendilhação do betão. Com o aumento da carga para cerca de 160 kN, a curva começa a ter um comportamento não linear, o que tem a ver com uma progressiva perda de rigidez associada ao início da rotura por esmagamento do betão, que ocorreu para uma carga de 178,4 kN, muito próxima do valor previsto de 188,5 kN.

No segundo ciclo de carga da viga mista o diagrama F-δ é linear praticamente até à rotura. De facto, a rotura por corte interlaminar ocorreu no início da parte não linear do

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diagrama e parece ter sido induzida pelo facto de o betão esmagado deixar de contribuir para a resistência ao corte da secção mista.

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

200

0 20 40 60 80 100 120

Deslocamento a meio vão (mm)

Forç

a (k

N)

VIGA MISTA - 1º CICLO VIGA MISTA - 2º CICLO VIGA GFRP Fig. 15 – Diagramas força-deslocamento da viga mista (1º e 2º ciclos) e da viga de GFRP.

Relativamente à viga constituída apenas pelo perfil de GFRP são de salientar as

seguintes melhorias no comportamento estrutural da viga mista: − A rigidez aumentou cerca de 3,5 vezes, por comparação com o comportamento

exibido no segundo ciclo de carga, em estado fendilhado. − A resistência última aumentou cerca de 3 vezes. − A rotura na viga de GFRP ocorreu por instabilidade local, para uma tensão

longitudinal máxima nos banzos de 269 MPa. No caso da viga mista, e de acordo com as extensões medidas (ε1 e ε2), a rotura ocorreu para uma tensão longitudinal de tracção máxima no banzo inferior de 386 MPa. O aproveitamento da capacidade resistente do perfil aumentou mais de 40%.

− Tendo em conta o tipo de rotura que ocorreu no 1º ciclo de carga, conclui-se ser possível dimensionar as vigas mistas GFRP-betão por forma a que a rotura ocorra de uma mais dúctil do que no caso da vigas simples de GFRP.

6. CONCLUSÕES Os resultados obtidos no trabalho apresentado permitem concluir que a utilização de

estruturas mistas GFRP-betão é uma solução viável em obras de reparação ou reforço, ou mesmo em estruturas novas, apresentando uma rigidez razoável, uma elevada resistência e um baixo peso próprio.

Por comparação com o comportamento de uma viga constituída por um perfil de GFRP, a viga mista evidenciou um aumento considerável da rigidez e da capacidade resistente, com um melhor aproveitamento das propriedades do perfil. Do ponto de vista da segurança estrutural, é ainda de assinalar a ocorrência de um modo de rotura mais dúctil.

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AGRADECIMENTOS Os autores agradecem o apoio dado pela empresa STEP, Lda., no fornecimento dos

perfis de GFRP.

REFERÊNCIAS

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[2] Sobrino, Juan; Pulido, Mª Dolores (2002), “Towards Advanced Composite Materials Footbridges”, Structural Engineering International, Vol 12, No 2, 84-87.

[3] Braestrup, Mikael (1999), “Footbridge Constructed from Glass-Fibre-Reinforced Profiles, Denmark”, Structural Engineering International, Vol 9, No 4, 256-258.

[4] Pecce, M. (2001), “Structural behaviour of FRP profiles”, Composites in Construction: A Reality (Proceedings of the ASCE International Workshop), Capri, 250-257.

[5] Correia, João Ribeiro; Branco, Fernando; Ferreira, João (2003), “Os Perfis Pultrudidos de Fibra de Vidro (GFRP)”, Relatório ICIST DTC nº 7/03, 40 p.

[6] Barbero, E.J., Fu, Shin-Ham, Raftoyiannis, Ioannis (1991), “Ultimate Bending Strength of Composite Beams”, Journal of Materials in Civil Engineering, Vol. 3, No. 4, 292-306.

[7] Nagaraj, V., GangaRao, H.V.S. (1997), “Static Behaviour of Pultruded GFRP Beams”, Journal of Composites for Construction, Vol. 1, No. 3, 120-129.

[8] Roberts, T.M., Al-Ubaidi, H. (2002), “Flexural and Torsional Properties of Pultruded Fiber Reinforced Plastic I-Profiles”, Journal of Composites for Construction, Vol. 6, No.1, 28-34.

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[10] Mottram, J.T. (1991), “Evaluation of design analysis for pultruded fibre-reinforced polymeric box-beams”, The Structural Engineer, Vol. 69, No. 11, 211-220.

[11] Especificação E226 do LNEC, “Betão. Ensaio de Compressão.”, Lisboa, 1968. [12] Especificação E397 do LNEC, “Betões. Determinação do Módulo de

Elasticidade em Compressão.”, Lisboa, 1993.