pereira, magnus roberto de mello. almuthasib

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Almuthasib - o trabalho dos almotacés e o papel deles para a municipalidade.

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  • RESUMO

    A almotaaria, uma das mais antigas e du-radouras instituies das cidades de ori-gem portuguesa, foi praticamente ignora-da pela historiografia. O presente artigotem por objetivo resgatar este tema. Pro-cura demonstrar que as atribuies bsi-cas do direito de almotaaria (controle domercado, do sanitrio e do edificatrio)revelam o ncleo profundo daquilo queera entendido como o urbano.A cincia poltica tem proposto que o Es-tado moderno centralizado nasceu doaprofundamento e desdobramento da es-fera administrativa do rei. Todavia, o estu-do do direito de almotaaria pode levar concluso de que este Estado de polticaspblicas nasce pela apropriao das atri-buies administrativas da cidade.Palavras-chave: Direito de Almotaaria;Portugal; Brasil colonial.

    ABSTRACT

    The almotaaria, one of most long-terminstitutions of portuguese cities, was ig-nored by historiography for a long time.This article has by purpose to rescue al-motaaria as a historic theme. It wondersto demonstrate that three basic attribu-tions of almotaaria rights (market, sa-nitary and building controls) show thedeepest meaning of the urban.The science of politics has told that Mo-dern State borns through advance and en-largement of Kings administrative fields.However, the study of almotaaria rightsmay drives to the conclusion that publicpolicies state emerges from appropriationof county administrative attributions.Key-words: Almotaaria rights; Portugal;colonial Brazil.

    Almuthasib Consideraes sobre o direito de almotaaria nas cidades

    de Portugal e suas colniasMagnus Roberto de Mello Pereira

    Universidade Federal do Paran

    Colaboradores: Norton Frehse Nicolazzi Jr.* e Mara Fabiana Barbosa**

    Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 21, n 42, p. 365-395. 2001

  • O Arquivo da Cmara Municipal de Curitiba guarda uma vasta coleo delivros manuscritos que registram a ao dos almotacs da antiga vila de NossaSenhora da Luz dos Pinhais.1 Esta documentao cobre, com algumas poucaslacunas, a atuao dos almotacs durante o perodo que vai de 1718 a 1828. Aocontrrio de outros livros municipais, como os de Atas da Cmara e de Provi-mentos dos Ouvidores, que foram criteriosamente transcritos e publicados porFrancisco Negro, os livros de Termos e Audincias dos Almotacs permanece-ram inditos e praticamente ignorados por parte dos historiadores.2

    Isto no de se estranhar, pois na historiografia brasileira h um precon-ceito solidamente estabelecido em relao atuao administrativa das cma-ras do perodo colonial. Abordar o tema dos almotacs nas nossas vilas e cida-des coloniais enfrentar este preconceito que, desde o sculo passado, aparecenos debates que foram travados sobre a importncia ou no das cmaras muni-cipais. A opinio de Capistrano de Abreu exemplar a esse respeito.

    A cada vez me conveno mais que Joo Francisco Lisboa falseou a histria, dan-do-lhe uma importncia que nunca possuram as municipalidades. S quando ha-via alvoroto, apareciam ligeiramente, em feies semelhantes s que os castelha-nos chamavam cabildo abierto; fora disto, nomear almotacis, aferir medidas,mandar consertar pontes, estradas e caladas consumia-lhes todo o tempo.3

    Todavia, nomear almotacis, aferir medidas, mandar consertar pontes, es-tradas e caladas talvez nos diga mais sobre a sociedade colonial luso-brasilei-ra do que episdicos alvorotos valorizados por Capistrano. O exerccio do direi-to de almotaaria por parte das nossas cmaras municipais configuram aquiloa que denominamos de trs agendas do viver urbano: a do mercado, a do cons-trutivo e a do sanitrio.4

    Examinando os livros de registros desses oficiais camarrios vamos perce-ber que sua atuao se concentrava, em primeiro lugar, no controle das relaesde mercado. Em suas peridicas correies pela vila eles verificavam se todas ascasas comerciais e oficinas de artesos tinham a competente licena de funcio-namento, se os pesos e medidas estavam corretamente aferidos e se o tabela-mento imposto ao comrcio era obedecido. queles que infringissem os precei-tos camarrio: multas, discursos moralizantes e at mesmo priso.

    Aos Vinte e dois dias do ms de Julho de mil e Setecentos e quarenta e trs nestaVila de Nossa Senhora da luz dos Pinhais de Curitiba saiu de correio o Almota-cel o Capito Miguel Rodrigues Ribas pelas Ruas publicas desta Vila correndo to-das as casas de vendas [...] e ofcios de Sapateiros e Alfaiates e condenou a Antu-nes Rodrigues dos Santos em um tosto por no ter tacha de seu oficio de Alfaiate

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  • e condenou tambm a Manoel Pereira Vidal em dez tostes a saber em cinco tos-tes de no ter registado dois escritos de aferio e em cinco tostes de no ter Al-motaado um pouco de toucinho e condenou tambm a Manoel Rodrigues Portoem seis tostes a saber em cinco tostes por no ter Almotaado sal e em um tes-tam por no ter taxa das obras de seu ofcio de sapateiro e em cuja advertncia ti-nha posto aos ditos oficiais por um edital que mandou passar o qual se publicoupelas Ruas desta Vila e assim mais condenou a Antnio Gomes e Setuvel em cincotostes por no ter registado os escritos de aferies e assim mais condenou aFrancisco da Cunha em seis tostes a saber em cinco tostes por no ter registadoum escrito de aferio e em um tosto por no mostrar tacha do seu oficio de sa-pateiro e assim mais condenou a Frutuoso da Costa Braga em seis tostes a saberem cinco tostes por no ter registado dois escritos de aferies dos seis mesespassados e em um tosto por no ter procurado da Cmara a tacha das obras deseu oficio de sapateiro e assim mais condenou a Francisco. Furtado em cinco tos-tes por no ter ainda a revista da petio de licena pelos os oficiais da Cmarados seis meses ltimos do ano e assim mais condenou a Jos Nunes [...] em cincotostes por no ter almotaado sal e bem assim achando-se o dito na casa do Con-celho adonde esse dito Almotacel o mandou vir e aos mais sobreditos condenadospara os exortar com seus ofcios e vendas publicas nesta Vila para viverem comelas e seus ofcios como Deus manda e a obrigao da Justia para assim observa-rem falando o dito Jos Nunes na presena desse dito Almotacel o mandou meterna enxovia [...].5

    Antes de sair em correio, os almotacs apregoavam que os comerciantesdeveriam ter suas licenas preparadas e mais escritos de Almotaarias e aferi-es cada um com suas portas varridas e asseadas e os tenham medidas pron-tas seus ramos verdes na porta com sua gamela e gua e toalhas para se fazer[limpeza] nas medidas sendo necessrio.6 No hesitavam em condenar algumvendeiro em Cinco tostes por no ter ramo verde sobre a porta de seu estabe-lecimento, quando vendia bebidas alcolicas.7 Um detalhe como esse diz respei-to persistncia do carter ibrico de nossas cidades, pois a exigncia deste ra-mo indicativo j estava consignada na legislao das cidades medievaisportuguesas.

    Acharam por postura que os ramos que puserem nas portas das adegas no sejamde oliveira e ponham-nos to altos nas portas que no possam os encavalgados atang-los com as mos salvo se forem as adegas em tais ruas que no embarguem.Lisboa, 1314.8

    O controle do abastecimento urbano por parte da municipalidade pode ser acom-panhado atravs dos registros das multas aplicadas pelos almotacs curitibanos

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  • aos vendeiros locais, quando estes no obedeciam s taxas (tabelamentos) im-postas pelo poder municipal. Ora era um comerciante punido por vender Cin-co Laranjas Ridculas que so as desta terra cinco ao vintm contra o Almota-ado, que era de 10 laranjas por vintm, ora era outro, por este ter vendido umaquarta de farinha por uma pataca.9

    Ainda no que respeita s relaes comerciais, ainda vamos encontrar os al-motacs servindo de mediadores nos conflitos entre artesos os consumidoresde seus produtos e servios.

    Entrando da correio fez audincia, [...] e s apareceu Bonifcio Nunes e reque-reu ao dito Almotacel que Antnio de Arajo Miranda oficial de ourives o qual ti-nha em seu poder um anel para consertar, e como lho no tinha consertado reque-ria que viesse o dito Antnio de Arajo a sua presena para lhe entregar a dita obraou feita ou na forma que se lhe tinha entregue e logo aparecendo o dito ourives pe-rante o dito Almotacel e se consertou com o dito Bonifcio Nunes.10

    Outra atribuio bsica dos almotacs tinha por objeto a sanidade urbana.Uma parcela deste cuidado com o sanitrio tambm dizia respeito aos estabele-cimentos comerciais. Em suas peridicas correies pela vila os almotacs ti-nham o cuidado de verificar o estado de limpeza das ruas em frente aos estabe-lecimentos comerciais e artesanais. No era incomum que os comerciantesfossem multados por no terem varrido as ruas. Note-se que nem todos colabo-ravam espontaneamente, o caso de Bento Gonalves, condenado em Cinco tos-tes por lhe achar a porta suja escandalosamente com montes de bosta na suaporta mostrando fazer rebelio em no querer varrer. Mais raramente, este ti-po de vigilncia atingia o interior dos estabelecimentos, a exemplo da condena-o imposta a Manoel Gonalves de Almeida em quinhentos Ris por este ven-der cachaa e no ter as medidas dela com o asseio costumado que deviam estarem uma gamela ou alguidar com gua e cobertas [...] do p e no como as ti-nha cada uma por sua banda secas e mal acondicionadas.11

    Entretanto, a atuao dos almotacs em relao ao sanitrio no se restrin-gia a esse tipo de ao pontual. Era de sua responsabilidade a preservao dasfontes de abastecimento de gua potvel. Coordenavam, ainda, a escavao devalos para o escoamento de gua ou a dessecao dos charcos existentes no in-terior da vila ou em suas imediaes.

    Na mesma Correio foi apresentada a ele dito Almotac uma petio dos mora-dores desta vila e habitadores em a rua que faz canto junto a Matriz cujos supli-cantes se acham assinados em a mesma petio em a qual Reclamam que Sendoeles suplicantes obrigados a conservarem um canal por detrs dos seus muros pa-

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  • ra despejo das guas que no tempo delas alagam as mesmas Casas e Ruas por cu-jo motivo so estes obrigados a conservao do dito canal que para melhor defini-o determinou ele dito Almotac que em correio se faria vistoria para se lhesdeferir sobre o requerimento dos suplicantes e passando ele dito Almotac comi-go escrivo e Alcaide pela dita paragem achou que o sobredito canal que [...] ossuplicantes beneficiavam em muita parte se acha fora dos muros dos suplicantes ecom tal se acha o dito canal entupido; e por este motivo param as guas e ordina-riamente no tempo delas se conserva um lago imundo de fronte das casas em quehabita Joo de Abreu Guimares ocasionando os inconvenientes que semelhanteslagos imundos costumam resultar, o tudo lhe pareceu a ele dito Almotac resolverna forma do direito competente sua jurisdio que. embargadas as obras dos ca-nais e muros dos suplicantes propusessem estes todas as suas razes e suplicasaos oficiais da Cmara desta vila aos quais se far remessa da sobredita petiodos suplicantes incorporando-se juntamente o teor desta resoluo para eles ditosoficiais determinarem na conformidade do seu Regimento na certeza de que semdisputa que o dito canal melhor e com mais limpeza se pode conservar dentro dosmuros dos suplicantes ficando o mesmo canal correspondendo imediatamente pa-ra os lados de Leste ao Este para assim receber melhor o dito canal as guas que aeste acudir de todos os canais particulares das ruas de cima para o que os supli-cantes devem dar entrada para o recebimento em o seu canal mestre que ficavaservindo de madre [...] das enxurradas e canos inferiores ficando assim todo aque-le beco livre do dito lago e grande pantanal que continuamente sucede por faltado dito benefcio; E por quanto Se acha aquele Beco que Corresponde aos murosdos suplicantes para a parte de Leste com sessenta e sete palmos de largura e paraa parte do Este com cincoenta e trs devendo-se por esta linha na retido maisperpendicular tanto para a formalidade do aspeto pblico como para o cmododo dito canal mestre para o que parece de Razo dar cmodo conveniente para queos suplicantes possam bem conservar o dito canal dentro dos seus muros ficandoo dito beco na largura de quarenta e cinco palmos craveiros em linha reta sem de-nominao alguma parecendo a eles ditos oficiais da Cmara resolver assim oucomo lhes parecer conforme seu regimento para o que o escrivo lanava este ter-mo na petio dos suplicantes sendo-lhes como ele intimado para o recurso quedevem ter sobre esta importante matria tanto aos suplicantes como ao mais po-vo; e de como assim o determinou em correio mandou fazer este termo em queassinou com o Alcaide e eu Antnio Francisco Guimares escrivo que o escrevi.12

    Percebe-se que ao lado das preocupaes com o sanitrio, as medidas pro-postas pelo almotac contemplam a prpria configurao do traado urbano davila. Este tipo de ao caracteriza o terceiro vis do leque das atribuies da al-motaaria: a do construtivo. Nesta rea, a atuao mais constante consistia em

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  • organizar a construo e manuteno de pontes, a pavimentao das ruas, e emmultar os proprietrios que no mantinham adequadamente os seus imveis.

    E correndo as Ruas achou ele S. Almotacel as casas da Senhora Isabel [...] com bu-racos da parte da rua e do quintal e mandou ao Alcaide que notificassem a donadas ditas casas para que em tempo de quinze dias as consertasse e na mesma for-ma mandou notificar a Antnio Soares e a Jos Leme para [...] para cada um con-sertarem suas casas em tempo de quinze dias por estarem as casas dos sobreditosdesmontadas e com paus a pique [...]; e no consertando dentro dos ditos quinzedias serem condenados na forma dos captulos da correio.13

    Note-se que Curitiba no era nem uma cidade de porte mdio para o pa-dro da poca, muito menos um dos grandes plos de comrcio transatlntico,como o Rio de Janeiro ou Salvador, onde as questes do mercado, do saneamen-to ou do construtivo adquiriam uma complexidade muito maior. Mesmo assim,os almotacs curitibanos eram bastante atuantes nessas trs esferas de compe-tncia. Isto no pode ser considerado como algo excepcional. Curitiba exem-plificativa das muitas pequenas vilas que se espalhavam pelo interior do terri-trio da Amrica portuguesa. A documentao permite constatar que, no inciodo sculo XVIII, a atuao dos almotacs era um pouco frouxa, crescendo aolongo do sculo. O mesmo fenmeno foi constatado por Taunay em relao a SoPaulo. medida que avanam os anos setecentistas se apuravam as demons-traes civilizadoras. Assim iam os almotacis tomando importncia que jamaishaviam tido. 14

    AL MUHTASIB

    primeira vista, esses registros do exerccio do direito de almotaaria porparte das cmaras podem levar a uma leitura um tanto anedtica. Mais consis-tentemente, eles permitem acompanhar alguns aspectos da histria econmicaou do viver cotidiano das vilas coloniais brasileiras. Todavia, o que se pretendepropor uma abordagem que resgate uma tradio administrativa especficaem toda a sua complexidade. No s em relao aos almotacs, mas s prpriascmaras municipais, uma vez que as abordagens que temos feito desta tradioesto excessivamente marcadas pelas leituras que fizeram os historiadores quenos precederam.

    A historiografia clssica brasileira privilegiou a compreenso da cidade co-mo instituio poltica, expondo com insistncia a problemtica do grau de au-tonomia das cmaras coloniais brasileiras em relao ao estado central portu-gus. Esta discusso foi herdada dos medievalistas portugueses do sculo XIX,

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  • em especial de Alexandre Herculano, a qual foi adaptada para se transformarem questo colonial. Assim, o grau de autonomia da cidade medieval em rela-o ao rei tornou-se a nossa problemtica da autonomia das cmaras coloniaisem relao ao poder central da metrpole colonizadora. Hoje, mesmo em rela-o histria medieval, o sentido dessa questo da maior ou menor autonomiada cidade passou por diversas revises, que no tiveram maiores impactos nahistoriografia brasileira, uma vez que esta se conformou com os antigos debatese no mais voltou ao tema.

    por demais sabido, como nos lembra Jacques Le Goff, que as pessoas daBaixa Idade Mdia no pensavam, ao obter os forais, as franquias, em criar umacidade. O que pretendiam era formar uma comunidade capaz de fazer frenteaos senhores.15 A luta por garantias polticas um fenmeno que, a partir dosculo XII, atravessa todo o espao europeu ocidental. No apenas o citadino,mas o rural tambm. Portugal no foi exceo. Basta atentarmos para as muitascomunidades rurais do norte portugus que foram dotadas de forais: rudimen-tares e imperfeitos na classificao de Herculano, ou simplesmente rurais paraTorquato Soares.16 Se no so franquias, nem as magistraturas eletivas que defi-nem o urbano, como faz-lo? Como a cidade toma conscincia de si mesma?

    H, obviamente, uma conscincia fsica fornecida pela aglomerao de edi-fcios. O urbano uma interioridade, um sentido de separao com o exteriorno-citadino, que as muralhas medievais ajudam a reforar. Isto no tudo, noentanto. Vive-se neste espao, e para que isto seja possvel algum (todos, mui-tos ou poucos) precisa tom-lo aos seus cuidados. Algum precisa ser o respon-svel por veer a cidade. Administr-la, no sentido mais lato. Se atentarmos paraaquilo que administrado, saberemos muito sobre o que entendido como ur-bano num dado momento, sem a necessidade de recorrer a definies prvias.

    Na cidade portuguesa da Baixa Idade Mdia, a definio do campo da aoadministrativa tinha um nome muito preciso: almotaaria.17 No norte da Euro-pa, este campo precisou ser redefinido, podendo-se falar em uma inveno dasinstituies administrativas da cidade. Na pennsula, entretanto, no houve umacompleta descontinuidade urbana e muitas das instituies administrativas fo-ram herdadas com a cidade islmica. Herana no-esttica, pois cidade e almo-taaria foram reformuladas pelos novos senhores cristos. No entanto, especial-mente em relao almotaaria, ao lado do processo de reelaborao existirampermanncias, as quais, como veremos, inscrevem-se no sentido mais profundodo urbano.

    Apesar de ser especfica da cidade ibrica, a almotaaria foi uma das insti-tuies medievais menos estudadas pelos historiadores portugueses. Isto por-que confundiu-se a plida figura do almotac da Idade Moderna com o institu-to da almotaaria, algo bastante mais amplo e complexo. Em geral, esquecem-se

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  • de um detalhe fundamental. Se, atravs da eleio de seus alvazis (juzes), osmoradores da cidade medieval a apresentam na cena histrica como plis, co-munidade poltica dos cidados dotada de jurisdio e territrio, com a escolhados almotacs ela se tornou urbe, comunidade administrativa autnoma.

    A autonomia da administrao urbana era algo completamente desconhe-cido na civilizao muulmana. Os omias, califas de Bagd, representam a pas-sagem de uma confederao de guerreiros tribais nmades para um Estado im-perial e centralizado. O imprio omada deixara para trs os tempos do desertoe a administrao passou a ser feita atravs de uma cadeia de cidades. No en-tanto, tais cidades estavam completamente submetidas autoridade central,atravs de seus delegados regionais e locais. Os muulmanos reproduziam mui-to das estruturas administrativas do imprio bizantino, do qual se haviam apos-sado da maior parte do territrio. Foram esses mesmos omias, apoiados emexrcitos de berberes convertidos ao isl, que empreenderam a conquista da pe-nnsula Ibrica, incluindo-a em seu Estado imperial.

    Se tentssemos buscar as origens da instituio da almotaaria seria fciltraar a linha de filiao que vai do edil curul romano ao agoranome bizantino eao muhtasib islmico, depois cristo. Contudo, essas genealogias mais confun-dem do que esclarecem, pois, da mesma forma que os cristos, os muulmanosso herdeiros e continuadores das tradies greco-romanas. Basta-nos, dessemodo, examinar o almotac do ponto de vista da continuidade, ou no, entre asadministraes das cidades pr e ps-reconquista.

    Na cidade muulmana, esse oficial era o responsvel por uma de suas insti-tuies urbanas caractersticas: a Hisba. Tal instituio tinha como misso a vi-gilncia e aferio dos pesos e medidas; a eqidade das transaes comerciais; ocontrole dos diversos ofcios da cidade; a verificao do estado dos artigos deconsumo alimentcio; e a sanidade urbana. Era tambm responsvel pela cidadesob o aspecto de entidade fsica. Cabia hisba a reparao das muralhas, a ma-nuteno das vias pblicas e o controle das construes, de forma a evitar queestas ultrapassassem os limites dos lotes, apropriando-se terras pblicas ou devizinhos, ou que infringissem as normas construtivas vigentes, provocando umexcessivo estreitamento ou ensombrecimento das ruas.18

    Em rabe, o titular da Hisba era denominado Muhtasib. Quando o ofcio foiincorporado, com algumas variaes, nas diversas tradies municipais dos rei-nos da pennsula Ibrica, o termo foi mantido: almotac, em Portugal, almota-cm, em Castela, e mustaaf, nos reinos orientais da pennsula e nas Baleares.Os reis cristos no apenas mantiveram o cargo, aps a reconquista, como a for-ma de prov-lo. Do mesmo modo que seus antecessores islmicos, resguarda-ram para si a nomeao dos ocupantes, atravs de seus agentes locais, os alcai-des, procurando manter o controle administrativo e econmico das cidades.19

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  • Nos diversos reinos peninsulares, o processo de transformao do almota-c, de funcionrio rgio em oficial concelhio, no foi idntico. Variou de reinopara reino. Em Barcelona, por exemplo, ele s se concluiu no final do sculo XV.Mesmo nessa poca, a escolha do mustaaf era feita atravs de uma lista trpliceou qudrupla apresentada pelos homens bons ao soberano de Arago, a quemcompetia a escolha final.

    No caso portugus, as cmaras de algumas cidades importantes obtiveramo privilgio de eleger os almotacs em perodo bastante mais recuado. O foralde 1179, dado por d. Afonso Henriques a Lisboa, Santarm e Coimbra, atribuaqueles concelhos o poder de escolha desses oficiais. Posteriormente, muitosconcelhos ao sul do Tejo receberam forais que consignavam o mesmo privil-gio, tornando a eleio concelhia dos almotacs princpio generalizado. Isto ocor-reu em algumas cidades que adotaram forais semelhantes ao de Coimbra, de1111, e na generalidade das que tinham foros semelhantes aos de vila e Sala-manca.20 Esta situao recobria parte da Beira, a Estremadura e o Alentejo. Maistarde, com a conquista do Algarve, s cidades da regio seriam dados forais se-melhantes ao de Lisboa, o que as colocaria na mesma situao. Assim, do sculoXIII em diante, mais ou menos padro que o almotac fosse um oficial de no-meao da municipalidade.

    No entanto, a sua escolha foi, por muito tempo, compartilhada entre os con-celhos e o alcaide, um delegado do poder rgio. Esta prtica aparece consignadanos forais e costumes de muitas cidades e vilas, como no caso dos costumes deBeja do sculo XIV.

    Costume, que o alcaide e alvazis, e o concelho cada um ms faam seus almotacs,e ponham quais posturas quiserem e as tolham cada que quiserem, cada que proldo concelho.21

    Lembremos que essa regio, onde a presena islmica foi mais duradoura,era a poro do territrio portugus que concentrava os maiores ncleos urba-nos, em oposio ao norte, onde prevalecia uma ocupao alde. Pode-se afir-mar, por conseguinte, que na tradio urbana portuguesa, descontadas as pri-meiras dcadas aps a reconquista, a almotaaria foi precocemente integradana estrutura concelhia.

    Mas isto tambm significou uma atrofia do cargo de almotac, o qual pro-gressivamente tornar-se-ia um oficial menor, de nomeao dos vereadores e aeles submetido. Muitas de suas atribuies acabariam migrando para a aladados prprios vereadores ou de outros oficiais municipais, ao contrrio do queaconteceu no reino aragons, exemplo que tomamos para contraste. Ali, o cargo

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  • de almotac evoluiu para uma autntica magistratura urbana, no mesmo nveldos juzes do cvel e do crime.

    DAS COUSAS QUE PERTENCEM

    Em Portugal, o mais antigo regimento de almotaaria que se conhece estinserido numa recompilao de posturas municipais de Lisboa dos sculos XIIIe XIV.22 O documento apresenta, logo em seu incio, a definio do mbito decompetncia dos almotacs. Percebe-se, de imediato, uma permanncia das atri-buies que lhes couberam no perodo islmico. Se projetarmos para o futuro,veremos que algumas de suas atribuies chegariam intocadas ao sculo XIX.Apesar de ter variado quanto forma de indicao, durao do mandato, oumesmo por sua importncia na estrutura de cargos administrativos das cida-des, no podemos deixar de nos surpreender com essa espantosa continuidadede nome e funo.

    Na Lisboa do perodo, eram dois almotacs grandes, um cavaleiro e o ou-tro cidado, ambos escolhidos pelo concelho, os quais, por sua vez, indicavamdois almotacs pequenos ou menores. Em qualquer dos casos, a durao do man-dato era de um ms.

    Das cousas que pertencem.Em toda demanda que faam assim de parede como de portal que diz algum a

    outro que o no deve ali fazer ou que lha faz no seu; ou sobre demanda que fa-am dazevel* ou desterco** ou sobre gua verter ou sobre demanda de ruas e defrestas e dazinhagas e de pardieiros*** e de janelas e de madeira por nas paredese sobre fazer ou alar casas e sobre enxurros e canos e sobre balces ou sobre ta-boados fazer e sobre feitos das ruas e das carreiras e das caladas fazer e sobremonturos e as fontes limpar e resguardar e adubar **** e outrossim sobre vinhode fora pr e sobre todas as coisas compradas que forem para vender todas estascousas sobreditas fazem e pertencem Almotaaria.23

    Apenas a seguir aparece a competncia pela qual estamos habituados aidentificar os almotacs, a de fiscal dos pesos e medidas.

    Os Almotacs grandes e pequenos em sembra * [e] cada um por si devem ser ti-dos de ver e guardar os pesos e as medidas por que vendem e compram tambmnas casas como nas adegas como nos outros lugares onde quer em tal maneira quesejam todos direitos e iguais a todos comunalmente tambm para os estranhoscomo para os da vila e as medidas e os pesos que acharem falsos quebrant-los-o e devem levar os Almotacs de qualquer falsidade para a almotaaria da pri-

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  • meira vez 5 soldos e na segunda 5 e na terceira vez que a for achado seja homemquer mulher devem-no por no pelourinho e pague de l suso ** 5 soldos ou lhe fa-ro como mandar o Concelho se algum seu degredo passar que seja por ele pos-to.24

    H que perceber uma ruptura na redao entre os dois segmentos. Segura-mente no saram de uma mesma pena e no so de uma mesma poca. Arris-car-se-ia a afirmar que o primeiro trecho, pela colocao invertida do verbo, foiredigido originalmente em latim e depois traduzido, um tanto literalmente, pa-ra o portugus. J a segunda parte, que confere ao almotac a competncia defiscal de pesos e medidas, obedece forma-padro dos degredos ou posturas,em que esto includas, inclusive, as penalidades aos infratores. Pode-se imagi-nar que, de fato, a competncia original dos almotacs lisboetas est definidano primeiro segmento, no qual a preocupao com o urbano e o construtivo acentuada. A suspeita corroborada pela frmula de encerramento, todas es-sas cousas sobreditas que fazem e pertencem almotaaria.

    Percebe-se que a nfase da competncia original do almotac recai sobre oconstrutivo e o sanitrio. No restante, ela ficava restrita a sobre vinho de forapr e sobre todas as coisas compradas que forem para vender, de onde deriva aresponsabilidade sobre pesos e medidas. Na seqncia, o documento entra nombito caracterstico das posturas municipais, desdobrando a competncia doalmotac em algumas normas de controle urbano.

    de se notar a semelhana deste regimento com seus congneres do res-tante do mundo hispnico. O original do documento a que nos referimos nomais existe em Portugal, e s nos permitido conhecer o seu teor devido a umacpia bastante antiga encontrada num arquivo de Navarra. Presume-se que essacpia tenha servido de subsdio elaborao de outros regimentos de almota-aria. Nos reinos peninsulares, no era incomum que um municpio adotasseforais, regimentos ou posturas de outros, independentemente das fronteiras na-cionais, ainda em formao.

    Ao analisar as mustaafias do sudeste da pennsula, o historiador espanholSevillano Colom percebeu que os diversos municpios da regio tomaram comoexemplo os regimentos de Valncia. No que respeita s edificaes, os mustafsestavam encarregados de resolver questes relativas s servides de paredesmedianeiras, abertura de janelas, etc., em perfeita consonncia com o que ocor-ria em Portugal.25 Tal ordem de atribuies no era, portanto, uma peculiarida-de da almotaaria de Lisboa, ou de alguns municpios portugueses. Neste as-pecto, parece haver uma homogeneidade peninsular, herdada de um passadoislmico comum das cidades dos novos reinos cristos.

    As atribuies dos almotacs de Lisboa aparecem muito mais desenvolvi-

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  • das num regimento de 1444.26 Todavia, neste documento a definio das esferasde competncia no mais do que uma cpia do regimento anterior. O que sealtera o corpo de posturas que o acompanha, em que as questes urbanas apa-recem muito mais esmiuadas. No podemos, porm, concluir que o desenvol-vimento que a questo urbana sofre neste diploma seja exatamente deste pero-do ou redigido em Lisboa. Nada nos garante que no temos em mos umarecompilao de posturas mais antigas, ou cpia da legislao de outra locali-dade, apenas reiterada por esse diploma. o que nos sugere a comparao comregimentos de outros pases da pennsula onde possvel encontrar os mesmosdesdobramentos da competncia dos almotacs em perodos bastante mais re-cuados, e que consignam medidas idnticas s adotadas em Portugal.

    As atribuies bsicas dos almotacs foram mantidas em todas as colniasportuguesas, bem como o termo pelo qual eram designados.27 O regimento dosalmotacs foi incorporado, modernizada a sua redao, s Ordenaes Manueli-nas. Assim, o seu alcance atingiu o conjunto do universo urbano portugus daEuropa e das colnias. Mantiveram-se, tambm, as atribuies originais dos al-motacs: o controle do mercado, do sanitrio e do construtivo.

    Neste ponto, a historiografia portuguesa mais recente costuma cometer umequvoco. Enquanto alguns historiadores como Marcelo Caetano ou o pr-prio Herculano chamaram a ateno para o amplo leque de atribuies ur-bansticas dos almotacs, outros, de geraes mais recentes, costumam apre-sent-las como competncias adquiridas tardiamente atravs das OrdenaesManuelinas, principalmente aquelas voltadas ao processo edificatrio.28 o queafirmam Banha de Andrade, em sua monografia sobre Montemor-o-Novo, ouAntnio Manuel Hespanha, em sua Histria das Instituies.29

    Tal engano compreensvel, uma vez que as Ordenaes Manuelinas (s-culo XVI) delegam algumas atribuies aos almotacs que no constavam dasAfonsinas (sculo XV), o que levou suposio de que fossem uma novidade.No entanto, elas no so mais do que redao modernizada dos antigos regi-mentos dos almotacs de Lisboa.

    Os ditos almotacs conhecero de todas as demandas, que se fazem sobre o fazer,e o no fazer de paredes de casas, ou quintais, e assim de portais, janelas, frestasou eirados, ou tomar ou no tomar dguas de casas, ou sobre meter traves, ouqualquer outras madeiras nas paredes, ou sobre estercos e sujidades, ou guas,que se lanam como no devem, e sobre canos e enxurros, e sobre fazer de cala-das, e ruas.30

    Na realidade, o que se observa nas Ordenaes Manuelinas em relao aosalmotacs a juno de duas tradies legislativas. A primeira, mais antiga,

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  • esta que acabamos de traar, a qual aparece de forma acabada no Regimento deLisboa. A outra aquela resultante da lenta codificao das atribuies dos di-versos oficiais concelhios, contida nos Regimentos de Oficiais, elaborados a par-tir da segunda metade do sculo XIV. Um bom exemplo destes regimentos aquele dado a vora, em tempos de d. Joo I, o rei que deu incio ao processo decodificao que levaria s Afonsinas.31 Este mesmo regimento est contido nasprprias Ordenaes Afonsinas e no Regimento dos Oficiais do Reino impressopor Valentim Fernandes em 1504, por ordem de d. Manuel.32 Nestes textos, os al-motacs recebem diversas atribuies em relao ao mercado e limpeza urba-na, no entanto, no que respeita ao construtivo h uma completa omisso, queser superada com a incluso das atribuies previstas nos regimentos de Lis-boa. Feita esta fuso, no aconteceriam alteraes de monta, pois as OrdenaesFilipinas apenas repetem o anteriormente disposto.33

    Note-se que as duas ltimas ordenaes continuam atribuindo aos almo-tacs o papel de resolver demandas. Mas h uma diferena substancial entre opapel de mediador que os almotacs ocupavam em perodos mais recuados e ode polcia das normas municipais que, progressivamente, foram assumindo. Talmudana corresponde passagem do direito consuetudinrio, no qual prevale-cia a fora do costume, para o direito positivo, determinado pelas normas legaisescritas, no caso as posturas municipais.

    CORPORA, COMMUNITATES

    O instituto da almotaaria expressa com perfeio as instituies poltico-administrativas da Baixa Idade Mdia. A almotaaria portuguesa tomou formadurante um perodo que, comumente, tem sido denominado de corporativo, oude sistema poltico corporativo, ou ainda, mais abrangentemente, de sociedadecorporativa. Este perodo tem sido examinado como o de uma sociedade queemerge de uma crise feudal, mas que no ainda uma sociedade moderna.

    Trata-se de mais um destes tantos buracos negros das periodizaes, quecostumamos esconder sob o conceito teleolgico de perodos de transio.Com transio queremos dizer que, no exame a posteriori que nos permitidofazer do perodo, encontramos algumas coisas que identificamos como restosde um passado mais remoto, e outras que consideramos pertencer gnese danossa sociedade contempornea. O instituto da almotaaria atravessa a ltimaIdade Mdia e se estende por todo este perodo de mltiplas transies que,conforme o ngulo de observao, chamamos de Idade Moderna, Antigo Regi-me ou Mercantilismo. Ela pertence a um perodo para o qual no existe nome,

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  • algo que estaria entre o no-Estado e o Estado, entre o no-mercado e o merca-do, entre a no-cidade e a cidade.

    Do ponto de vista das instituies, a almotaaria pertence a uma poca emque o poder poltico era representado como articulao (hierarquizada) de ml-tiplos crculos autnomos de poder (corpora, communitates) as famlias, ascidades, as corporaes, os senhorios, os reinos, o Imprio.34 A escolstica me-dieval foi a principal responsvel por forjar a imagem da sociedade como umgrande corpo, que o resultado do funcionamento harmnico de seus corposcomponentes (intermedirios e menores), cada um deles dotado de uma auto-nomia limitada pelo funcionamento do todo. Estes corpos componentes, inte-grados por um conjunto de homens (corporao, cidade, etc.), equiparam-seaos rgos de um ser vivo. So necessariamente desiguais entre si, dotados definalidades prprias, irredutveis uns aos outros, mas indispensveis ao funcio-namento geral. A cabea, responsvel pela harmonia entre as partes, identifi-cada com o rei, o centro desta ordem. Trata-se de uma concepo hierrquica desociedade, na qual no h, portanto, a menor pretenso a uma igualdade. Po-rm, ela trabalha com um sentido de anti-individualismo, de pertinncia a umtodo coerente, e de estabilidade das coisas. Todos tm o seu lugar e todos tmdireito a viver. Mas cada um segundo o seu estado, e a cada um segundo o seuestado.

    Nesta ordem, os rgos menores so concebidos como miniaturas do gran-de corpo. Devem encontrar uma harmonia interna entre as partes que o inte-gram e com a cabea real. E a cidade tambm tem a sua cabea, representadapelos concelhos, comunas, ou cmaras, alm de diversos corpos menores: clero,fidalgos, cidados, corporaes de ofcio, ou as prprias famlias que a habitam.O modelo proposto pela escolstica medieval afirmava que a administrao doreino e da cidade eram diferentes escalas de uma mesma coisa, uma concepoainda hoje aceita. O que dizem as atuais teorias sobre o Estado e as instituies?

    Antnio Manuel Hespanha caracteriza a administrao rgia do perodocomo passiva, exerccio de um poder mediador que agia apenas para reconsti-tuir a ordem quando se instauravam conflitos entre os corpos constituintes doreino. Para ele, o poder administrativo da cidade se manifesta de maneira se-melhante ao do rei.

    Isto verdadeiro em relao aos poderes das cidades cujo governo visa, antes detudo, consecuo da paz urbana, apesar de as circunstncias da vida em comumde grande nmero de famlias criarem problemas novos relativos ao abasteci-mento, sade, ao urbanismo que as cidades tm que resolver.35

    Note-se que Hespanha, apesar de tomar o partido da semelhana entre as

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  • prticas administrativas do rei e da cidade, abre caminho para a constatao dadiferena. Mesmo no se debruando sobre o tema da almotaaria, ele escolheas suas atribuies bsicas (mercado, sanitrio e construtivo) para caracterizaros problemas advindos do viver em cidade que, a nosso ver, do o recorte preci-so da ao da almotaaria. Contudo, ele nos deixa em suspenso. Quais so asconseqncias institucionais advindas deste trip de dificuldades que no seconfiguram como a administrao passiva do rei, que nem idntica admi-nistrao econmica privada (no sentido grego de prover as necessidades dosmembros da casa oikos).

    A fim de evitar este problema preciso introduzir uma separao entre asnoes de plis e de urbe. Para que no seja um recorte arbitrrio, vamos tentaresclarecer esta separao. A plis, tal como a entendemos, a identidade polti-ca da cidade, a esfera de delimitao de seus direitos e deveres com o rei e dosdireitos e deveres entre os corpos que a compem. J a urbes o lugar da prti-ca de harmonizao interna entre as partes constituintes da cidade e da admi-nistrao ativa do oikos urbano. Prtica que no competia ao rei nem aos cor-pos menores, mas um dos direitos da cidade: o direito de almotaaria. Os reispreferiam representar esse direito de almotaaria como um direito adquiridoatravs de doao rgia. J as cidades costumavam postul-lo como direito ra-dicado, costume imemorial do qual estavam em posse.

    A almotaaria , simplesmente, a prtica cotidiana deste direito, a admi-nistrao da cidade. A diferena entre a administrao do rei e a da cidade resi-de exatamente neste ponto. Enquanto a administrao do rei era eminentemen-te passiva (poder mediador e judicirio), a da cidade era tanto passiva, poistambm exercia o poder de mediar, quanto ativa, uma vez que os concelhos ad-ministravam uma economia. A longa histria da formao do Estado ociden-tal centralizado coincide com a apropriao desta esfera de administrao ativapelos reis. A cidade, a quem pertencia tal esfera, vai resistir durante muito tem-po, encarando a ampliao dos poderes rgios como usurpao dos seus. Colo-cado desta maneira, podemos concluir que o Estado nacional moderno no nas-ceu, portanto, de aprofundamentos e desdobramentos da esfera administrativado rei, mas pela apropriao da esfera administrativa da cidade. O direito de al-motaaria e suas prticas correspondentes forneceram o modelo sobre o qualformou-se o Estado administrativo centralizado.

    Este direito de almotaaria da cidade medieval ibrica apoiava-se na no-o de preo justo, que lhe fornecia a chave do controle de todas as atividadescomerciais e artesanais da cidade. O conceito tambm passou pela elaboraodoutrinria tomstica. Na imagem escolstica da sociedade, cada corpo, alm deter um lugar prprio, tinha um valor absoluto e outro relativo, razovel ou pro-porcionado (relao = razo = proporo). O valor razovel, diga-se, preo ra-

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  • zovel ou justo, deveria ser fixado de acordo com as estaes do ano, a produti-vidade da terra, a distncia entre produtor e consumidor, sem se ater aos inte-resses de grupos ou indivduos.36

    Esta noo de que o mercado deveria ser pautado por uma moralidade, nabusca do preo justo, define muitas das prticas de almotaaria que se destina-vam a garantir a qualidade da produo, impedir fraudes, tabelar preos, evitarmonoplios e intermediaes que encarecessem os produtos, estabelecer acor-dos com fornecedores ou mesmo racionar alimentos, quando necessrio. Racio-namento desigual e proporcional condio de cada um, obviamente. bom lem-brar que, no universo de origem portuguesa, onde se inclui o Brasil, todas essasprticas estavam amplamente disseminadas, como pudemos observar em rela-o aos almotacs de Curitiba, e adentraram o sculo XIX.

    No que respeita ao construtivo, cabia almotaaria conduzir as obras fei-tas em comum benefcio, assim como mant-las. Tambm se inclua, neste di-reito geral da cidade, mediar os conflitos provocados pelas construes, de mo-do a garantir a paz. Da mesma forma, o acesso terra urbana deveria ser pautadopor princpios morais. Enquanto este poder no sucumbiu s presses da espe-culao imobiliria (que se manifestou muito cedo), a terra urbana costumavaser doada a quem fosse aceito como vizinho (o morador da cidade). No seriadado novo lote a quem possusse outro sem construir. As casas abandonadas earruinadas podiam ser doadas a quem quisesse ocup-las. Isto subsistiu porlongo tempo nas localidades menores de Portugal. Na maior parte do Brasil, aconcesso de cartas de data (de doao da terra urbana) foi uma realidade at aprimeira metade do sculo XIX.

    O sanitrio, sempre to negligenciado pelos estudiosos, tambm integrava,como j apontamos, o direito e a ao da almotaaria. Era atribuio bsica dacidade garantir a prpria existncia da vida em seu interior, assegurando o aces-so ao alimento e ao abrigo, mas tambm mantendo o estado de sade dos mo-radores. No se tratava de prover uma medicina ativa (curativa), mas de manterum estado de equilbrio (profilaxia) que permitisse vida prosperar num am-biente que muito cedo se demonstrou nefasto.

    Para o modelo tomista, a sade corprea no se diferenciava da sade mo-ral. Os males que afligiam o corpo da cidade eram causados pelo desequilbrioentre suas partes ou pela m circulao dos humores entre elas. As doenas mo-rais eram provocadas pela falncia de alguns rgos ou pelo agigantamento decertas pores em detrimento de outras. A exemplo de qualquer mortal, as cida-des eram atingidas por males fsicos, to ou mais mortais que os males morais.O excesso ou a estagnao dos humores urbanos faziam o corpo da cidade apo-drecer. Era preciso, portanto, mant-los em boa circulao.

    Esse modelo era um ideal de harmonia a ser atingido. Na cidade real, o que

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  • no faltou foram os desequilbrios responsveis pelas doenas fsicas e morais.Todos sabemos que as instituies da cidade foram apropriadas em benefcio decertos grupos ou indivduos. Mesmo assim, ela forneceu aos seus moradores umasensao de pertencimento a uma ordem urbana estvel, que se apoiava nestasnoes de moral e equilbrio expressas no direito de almotaaria.

    Acompanhando as trs principais agendas do viver urbano nas cidades deorigem portuguesa (a da forma, a do podre e a do mercado) observa-se que, emtodos os casos, houve uma trajetria comum. Num primeiro momento, as prti-cas administrativas se expressavam na ao mediadora dos almotacs, provo-cada por conflitos vicinais que, depois, foram substitudas por normas de direi-to escrito (as posturas municipais).37 Por ltimo, o Estado centralizado foi-seapropriando dessas agendas urbanas. A tal apropriao das prticas adminis-trativas das cidades corresponde a emergncia das modernas cincias iluminis-tas do saneamento, do urbanismo e da poderosssima economia poltica.

    Na passagem entre os sculos XVIII e XIX ensaiava-se a constituio de umEstado centralizado em polticas pblicas. Porm, em seu perodo inicial, esseEstado ainda no estava muito aparelhado para aes mais concretas e se limi-tava mais a fazer diagnsticos do que a implementar suas polticas. As cinciasque dariam suporte a essas polticas apenas estavam engatinhando. Eram aindapretenses que se revelavam mais como obsesses pelas coisas ptridas, pelaregularidade da forma urbana ou pelo livre mercado, do que por sua eficcia eaceitao geral. Assim, os agentes do Estado central (administradores, engenhei-ros, arquitetos, naturalistas, economistas) passariam a ser cheiradores emri-tos. No houve poo, cloaca, casebre que no fosse vasculhado pelos narizes aten-tos dos agentes do Estado central e minuciosamente descritos. Da mesma forma,o construtivo foi submetido a uma mania da ordem geomtrica, e as relaes demercado s insistentes pregaes de que a ordem econmica era auto-regulvel.

    Entendemos que essas polticas do Estado no se tratavam exatamente deinvenes. Eram apenas atualizaes de certos temas inerentes ao viver em ci-dade (as agendas do viver urbano) que, como estamos procurando demonstrar,estavam expressas nos antigos regimentos de almotaaria. Chegando ao sculoXVIII, percebe-se que a almotaaria ainda demonstra vitalidade, tanto em Por-tugal como nas colnias. Mais surpreendente, durante a primeira metade do s-culo XIX, as cmaras do Brasil Imprio ou do Portugal do liberalismo valiam-seconstantemente do direito de almotaaria, nos mesmos moldes do que vinhaocorrendo h sculos. Estamos, portanto, diante de uma instituio que, pelomenos no papel, atravessou os sculos.

    ALMOTAARIA, POLCIA, POLTICA

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  • Esta espantosa continuidade do desenho institucional da almotaaria por-tuguesa cria alguns problemas sobre sua localizao no interior das teorias so-bre o Estado. Para a Cincia Poltica, durante o sculo XVIII teria ocorrido a su-perao do Estado tradicional. Ao prncipe deixara de caber a garantia daharmonia dos diversos corpos sociais (ordens, corporaes), ao que ia sendosubstituda pelo moderno Estado administrativo. Esta nova situao caracte-rizada tanto por uma mudana quantitativa o aumento das tarefas assumi-das pelo Estado , quanto qualitativa, que corresponde ao trnsito de uma ar-te de governar para uma cincia de governo.38

    A passagem da poltica como arte do governo, ou seja, da pura ao poltica se-gundo os ditames da razo de Estado polcia como cincia de governo, ouseja, da ao administrativa segundo as funes e os fins prprios do Estado ,sem dvida, de grande importncia. bvio que a polcia no se substitui pol-tica, antes continua sempre subordinada s suas exigncias supremas e insupri-mveis. Mas o desenvolvimento destas doutrinas que se propem determinar asformas e os mtodos da atividade ordinria e normal dos governos, em correlaocom os fins do Estado, a expresso de uma nova mentalidade de tipo claramenteiluminista.39

    Em Portugal, no h dvidas de que o perodo pombalino representa estapassagem. Os insucessos de boa parte das polticas propostas pelo despotismoiluminado pombalino no eliminam o fato. Note-se que estamos falando de po-lticas. At agora procurei evitar o uso da noo para no incorrer em anacro-nismo. Apenas no sculo XVIII difunde-se entre os prprios agentes histricosenvolvidos com tarefas de Estado a noo de polcia (as nossas modernas pol-ticas pblicas).

    A centralizao dos poderes de Estado prope-nos duas questes. A pri-meira, de mbito mais geral, indagar sobre o lugar que a antiga concepo deadministrar a cidade, expressa no direito de almotaaria, ocupou na definiodas esferas e formas de atuao do Estado centralizado que emergiu no sculoXVIII. A segunda, saber como, ou com que intensidade as polticas superarama almotaaria no universo portugus. Trata-se, portanto, de investigar, em am-bos os casos, a relao existente entre a polcia (as polticas pblicas) e a almo-taaria.

    AS POLTICAS E A ALMOTAARIA

    O maior campo de lutas entre almotaaria e a economia poltica foi o domercado de abastecimento urbano. Como era de se esperar, Lisboa foi a cidade

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  • que sofreu com mais fora o impacto da centralizao. Desde 1572, a cidade eragovernada por letrados de nomeao rgia.40 Todavia, tendo por pretexto o ter-remoto que a atingiu, Pombal promoveria um completo esvaziamento dos po-deres deste concelho j to dependente das decises do rei.41 Durante a recons-truo, a Coroa apropriou-se dos direitos que a cidade detinha sobre o processoedificatrio, numa escala que ultrapassava a rea destruda. Embora soubesseimpossvel, Manuel da Maia, o arquiteto-mor da reconstruo, sonhava com arenovao completa da cidade.42 A pretenso de criar uma nova Lisboa foi assu-mida pelo Estado central, que se encarregou de garantir diretamente, e no atra-vs da Cmara, que as Ruas da mesma Cidade, e os edifcios, que nela se erigi-rem, sejam reguladas e conservadas com a polcia, que se faz to recomendvelem comum benefcio.43

    No que concerne ao construtivo, a Cmara de Lisboa teve o seu poder dealmotaaria completamente esvaziado. Ainda que Eugnio dos Santos, um dosarquitetos do Senado de Lisboa, recebesse a incumbncia de desenhar os novosprdios padronizados, ele foi cada vez mais um arquiteto do Estado central emenos da municipalidade. Em alguns momentos, esta excluso do poder muni-cipal torna-se explcita. Um alvar de Pombal proibia qualquer interferncia daCmara nas obras da Alfndega e da Praa do Comrcio, que estavam a cargoda Junta do Comrcio.44

    Esta Junta do Comrcio do Reino e seus Domnios foi a instituio do Esta-do central criada para assumir as atribuies da almotaaria relativas ao comr-cio. Pelos seus estatutos, ela deveria ser responsvel pela poltica comercial e ar-tesanal de todo o imprio. Na prtica, a sua atuao no foi muito alm de Lisboa,onde estabeleceu uma concorrncia direta com o poder de almotaaria do Se-nado, a Cmara da capital do Imprio. Senado e Junta travaram uma batalha dedcadas sobre a competncia de conceder licenas para o funcionamento de ofi-cinas e de examinar os mestres de ofcio. Em relao a alguns ramos artesanais,a Cmara perdeu o poder decisrio e tornou-se uma instncia intermediria,obrigada a referendar automaticamente as deciso tomadas pela Junta. Outroespao de disputa foi o poder de inspeo sobre o comrcio. A Junta tentaria to-mar esta competncia para si e isentar as lojas de Lisboa das inspees dos al-motacs.45

    O desabastecimento provocado pelo grande terremoto foi a justificativa pa-ra o Estado central desencadear um processo de desregulamentao do merca-do de vveres, subtraindo-o do poder de almotaaria da Cmara. Um alvar de21 de fevereiro de 1765 determinava que os vendedores possam livremente ven-der pelos preos que ajustarem com o comprador.46 Apenas o po, o azeite e apalha ficaram fora deste livre mercado. Todavia, esta ltima foi objeto de um ex-tenso regulamento promulgado pela administrao pombalina.47 A cidade dei-

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  • xou de ser a responsvel pela proviso de palha para tornar-se a executora deuma poltica definida pelo Estado central. Afinal, o novo papel do municpio de-veria ser o de agncia local de um Estado cada vez mais centralizado. Mas, emque medida este quadro ideal realizou-se ou ficou restrito a Lisboa?

    No Brasil, embora freqentes opinies em contrrio, predomina a idia deque, no sculo XVIII, o Estado central portugus assume um domnio quasecompleto sobre as Cmaras.48 Em Portugal, onde o tema foi estudado mais deta-lhadamente, variam muito as opinies sobre a interferncia do poder central.Maior ou menor, o que tem sido detectado a perda do poder poltico das cida-de. No entanto, este esvaziamento poltico no foi, necessariamente, acompa-nhado da perda do poder de administrar. Muitas vezes, os mesmos autores queadvogam a total dependncia das Cmaras em relao ao Estado central, quan-do passam a estudar a atuao de alguma Cmara especfica, deparam-se comeste campo quase imutvel da administrao local.

    Um dos principais advogados da tese da centralizao precoce do Estadoportugus foi Alexandre de Lucena e Vale.49 Entretanto, em seus estudos sobreViseu no sculo XVIII, ele nos apresenta uma Cmara em pleno uso de seus po-deres de almotaaria.50 Srgio Cunha Soares, outro autor que tomou Viseu comoobjeto, categrico em afirmar que h um absoluto contraste entre Viseu e Lis-boa no que diz respeito ao exerccio dos poderes administrativos.51 Em seu es-tudo sobre a Cmara de Portimo, Lus Vidigal verificou que as taxas de almo-taaria (tabelamento de preos) continuaram em vigor at 1834.52 Umtabelamento que fora legalmente extinto na dcada anterior. Apenas no Porto possvel detectar uma tendncia contrria. Quando das reformas urbanas pom-balinas, a cidade perdeu uma parcela de sua competncia sobre o construtivo.Todavia, esta apenas mais uma exceo.

    Nas colnias, as principais excees foram as sedes das capitanias, Estadose vice-reinos. Os funcionrios ilustrados costumavam conduzir algumas polti-cas gerais para a sua rea de jurisdio e outras especficas para as suas capi-tais. De fato, a ingerncia poltica ou administrativa nessas capitais foi grande.Mas em relao aos outros lugares, ela era drasticamente menor. Atravs dosexemplos anteriormente apresentados relativos Cmara de Curitiba, pode-severificar no apenas a permanncia do exerccio do direito de almotaaria, maso seu crescimento ao longo do settecento.53

    Curitiba representativa de uma grande parcela das localidades brasilei-ras, para as quais o sculo XVIII foi um perodo de relativo crescimento urba-no. Se nos sculos anteriores a nfase de muitas Cmaras recaa sobre a media-o poltica, no XVIII ela passou a concentrar-se sobre a mediaoadministrativa.54 No podemos, no entanto, imaginar que isto as tornava luga-res de uma proto-administrao iluminista, pois o que ocorria era um reforo

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  • ou a retomada dos velhos princpios da almotaaria. Essas Cmaras coloniaisainda eram corpos de representao dos cidados, que se reuniam para condu-zir discusses delimitadas pelo secular regimento dos almotacs. Idealmente, asua ao continuava a ser pautada por uma noo de mercado moral, reguladopela idia do justo preo, e pela defesa de uma ordem espacial e sanitria, quese apoiava na tradio. interessante perceber que, em muitos casos, foram osprprios agentes do Estado central portugus os responsveis por insistir juntos Cmaras que o papel delas era exatamente este. Para Curitiba e outras locali-dades de jurisdio da capitania de So Paulo, as correies do ouvidor RafaelPires Pardinho, realizadas no incio da dcada de 1720, so muito elucidativas aeste respeito.55

    No sculo XIX no ocorreram alteraes bruscas. Apenas muito lentamen-te seria permitido s Cmaras organizarem-se a modo e semelhana de um Es-tado central em miniatura, como no caso do Brasil, e um pouco menos do queisso em Portugal e nas colnias africanas, quando estas se tornaram indepen-dentes.

    Durante muito tempo, conviveram o Estado centralizado iluminista e umaorganizao municipal ainda apegada a suas prerrogativas tradicionais. Conhe-cemos muito melhor este Estado central do que as administraes locais, pelosimples fato de que h uma notvel diferena entre as respectivas capacidadesdiscursivas. Era da natureza da nova arte ou cincia da administrao (polcia)produzir um grande nmero de estudos, anlises, relatrios e estatsticas. Nela,os homens de letras ocuparam um papel cada vez maior. J a antiga adminis-trao apoiava-se mais em prticas do que em produzir discursos sobre elas. Assuas falas eram esparsas e fragmentrias, at porque no havia a necessidadede justificar aes que se apoiavam numa tradio antiqssima.

    Esta discrepncia muito visvel quando comparamos o novo sanitarismodo sculo XVIII com as antigas prticas adotadas pelas Cmaras. O mesmo ocor-re em relao ao mercado livre. H um discurso-padro sobre as vantagens dolivre comrcio que se reproduz na documentao do Estado e na produo aca-dmica da poca. Desde Pombal, o Estado portugus declaradamente anti-feudal. Uma das instituies mais lembradas como feudais, pelos autores se-tecentistas, justamente o direito de almotaaria. Basta ver os muitos artigospublicados nas Memrias Econmicas da Academia Real das Cincias de Lis-boa, nos quais as posturas e tabelamentos de preos so acusados de atacar osprincpios da Economia Poltica.56

    O longo prembulo do cdigo de posturas da cidade aoriana de Angra, de1788, foi uma das raras respostas sistematizadas aos defensores da economiapoltica. quase um libelo contra os ataques ordem tradicional. No por aca-

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  • so, a elite camarria da cidade inicia explicando o seu papel, atribuindo o seupoder a uma origem quase divina.

    Moiss, o mesmo Moiss, cujos sentimentos eram divinos, pela familiaridade quetinha com Deus, elegeu de entre o Povo Israeltico, vares fortes e tementes do Al-tssimo, para governarem e proverem as necessidades do Povo, reservando para sias decises mais graves, e de mais alta indagao.57

    Trata-se de uma total reao escolstica aos novos discursos. A Cmara deAngra contrape-se frontalmente razo iluminista de mercado, propugnandoa continuidade de uma ao pautada pelo conceito medieval de razovel. As leisdeveriam adaptar-se aos novos tempos, mas a ordem geral deve ter suas exce-es, conforme as sociedades e segundo os lugares, onde as mesmas coisas notm sempre um igual valor. Sculos depois ainda ecoavam certos princpiospropostos por So Toms de Aquino e seus seguidores. Aps a longa exposiotomista, entra-se finalmente num completo cdigo de posturas, no qual aparecevigorosa toda a tradio da almotaaria. O cdigo fecha com uma tabela geralde preos da produo artesanal. Neste momento, a legislao geral do reino jimpunha o livre comrcio da maioria dos gneros, mesmo assim os vereadoresde Angra probem que couro, sumagre, tremoos e linhaa sejam extrados darea de jurisdio do concelho.

    A postura sobre a comercializao de couros demonstrativa daqueles en-traves postos pelas Cmaras livre circulao de mercadorias. Contudo, ela tam-bm demonstra a noo de ordem moral qual deveriam estar sujeitas as ope-raes comerciais.

    Que nenhuma pessoa compre couros para embarcar da terra para fora enquantoforem necessrios para os sapateiros fornecerem suas tendas em beneficio do po-vo, e aos lavradores para uso e servio de suas lavouras: com a pena de seis milreis; e no caso de haver sobras recorrero Cmara para depois de ter examinadoo surtimento do povo, lhe conferir as licenas para a extrao com as necessriasFianas.58

    Angra no foi uma exceo. Este tipo de prtica continuava generalizadapor todo o Imprio.59 A maioria das Cmaras simplesmente adotava posturasdeste tipo sem se dar ao trabalho de justific-las, outras o faziam em nome dosnovos tempos. No podemos esquecer que muitas medidas adotadas pelo Esta-do central padeciam da mesma ambigidade. O mercado regulamentado era togeneralizado que o prprio discurso iluminista via-se obrigado a reconhec-lo.

    Quase por toda parte as Posturas, que dirigem o comrcio intrnseco, so outros

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  • tantos embaraos que se ope ao seu giro. [....] Observe-se o que estas posturasimpedem, alm das que j se lembraram contra a livre exportao dos vinhos, pro-bem outras, que se tirem para fora do termo rezes, po, vinho, azeite, legumes,qualquer mantimento em geral, caa, galinhas, lenha, carvo, junco, palha, e ceva-da, e at mesmo pedras, sem que estas paguem ao concelho 60 ris por carreta.[....] A comodidade de haver abundncia, e bom preo em razo destas proibies,que antigamente se supunha, e a rivalidade feudal das terras umas para as outras, a causa destas posturas, quase gerais por todo reino. Hoje conhecemos bem, queo consumo, e exportao que faz a abundncia, e que desta que vem o bom pre-o, pois a carestia segue necessariamente a falta do gnero, que o cultivador des-preza, quando no h de ter mais que o preciso para comer.60

    Esta situao pode ser explicada pelo fato de a economia portuguesa terpermanecido eminentemente agrria.61 Nos advertiu o economista Karl Polanyi,que nos pases onde a economia industrial se imps mais cedo, as elites agr-rias usaram o seu poder poltico na defesa de uma organizao mais tradicio-nal. Desta maneira, elas deram tempo para que a sociedade se ajustasse aos no-vos padres de mercado, contendo em nveis menos intolerveis a desagregaosocial que estes provocavam.62 Se verdadeiro que nesses pases h uma conti-nuidade das antigas prticas regulatrias, mais ainda o no universo lusitano.O que se verifica, tanto em Portugal quanto nas colnias, uma permannciados antigos corpos que, embora cada vez mais relegados a uma situao peri-frica, continuaram a exercitar a velha ordem.

    A fora com que isto se manifesta nas Cmaras no nos deve levar a con-cluir que a elite agrria concelhia detinha o monoplio destes valores. Eles esta-vam profundamente radicados na populao em geral. Quase todos os movi-mentos e revoltas populares, alm de outros nem to populares, se autodefiniamcomo conservadores ou restauradores. Sua ao era pautada pelo retorno a umaordem perdida.63 Muitas vezes, as revoltas iniciavam-se com clamores por po.64

    No entanto, esta alegao de fome no se referia apenas fome real provocadapor um mau ano agrcola. A fome era sintoma de um desequilbrio moral, umaruptura do pacto da almotaaria. O grito contra a fome, quase sempre real, poisela era endmica, dava partida a lutas contra a apropriao de alimentos escas-sos pelos poderosos, mas tambm contra excesso de impostos, usurpao daterra, do poder local ou da prpria Coroa.

    Segundo o historiador ingls E. P. Thompson, os estudiosos que procuramcriar um vnculo direto e imediato entre os motins populares do sculo XVIII ea fome cometem uma simplificao grosseira. Thompson soube perceber que,nesses movimentos de massa, a ao se apoiava num sentido de legitimidade,

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  • ou seja, que os envolvidos acreditavam estar defendendo direitos e costumestradicionais.

    Isto estava [....] baseado em uma idia tradicional das normas e obrigaes so-ciais, das funes econmicas prprias dos distintos setores da comunidade que,tomadas em conjunto, pode dizer-se que constituem a economia moral dos po-bres.65

    Se no sculo XVIII isto verdadeiro para a Inglaterra e outros pases quelideraram a revoluo industrial, mais verdadeiro para Portugal e colnias. Osentimento de perda de uma antiga ordem estvel estava presente em diversasrevoltas nas quais se envolveram as corporaes dos artesos, seja em Salvador(1710), seja em Angra (1757) ou no Porto (1757). As congregaes das corpora-es de ofcios, denominadas como Casas dos Vinte e Quatro ou Casa dos Doze,entraram nestas lutas visando a repor uma moralidade perdida; no Porto, a domercado do vinho; em Angra, a do trigo; e em Salvador, a do sal.66 Estas lutas,centradas numa expectativa de mercado justo, adentraram o sculo XIX; veja-se o movimento dos quebra-quilos, provocado pela introduo do sistema m-trico no Brasil.

    Das trs vertentes constitutivas da almotaaria, aquela que expressava ajustia de mercado foi a que demonstrou um maior apelo popular. Todavia, asregulamentaes de mercado encontraram na Economia Poltica um inimigode peso, que se dedicou a suprimi-las como prtica e como valor.

    As do saneamento e do construtivo foram, por sculos, encaradas comonormatividade externa. Mas os seu efeitos foram mais durveis e hoje integramvalores normalmente aceitos. O ptrido e a forma ainda permanecem na esferada administrao local. Isto porque as polticas iluministas interagiram de for-ma muito diferente com cada ramo da almotaaria. As cincias especficas dosalubrismo e do urbanismo retomaram o carter normativo destas posturas e oaprofundaram. A cidade liberal, produzida apenas por macropolticas que con-cediam ao livre mercado um poder auto-regulador sobre a produo do tecidourbano, demonstrou-se rapidamente invivel.67 Assim, mesmo numa poca emque os Estados centrais de Portugal e do Brasil eram declaradamente livre-cam-bistas, continuou aberto o campo das lutas travadas em torno de instituiesmedievais como a almotaaria e as posturas municipais.

    LA LONGUE DURE

    O exerccio do direito de almotaaria, consubstanciado nas posturas sobrequestes sanitrias e sobre produo do espao, apenas uma pequena parcela

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  • das normas legais que acompanham o longo processo do fazer-se citadino. Sofragmentos que, ao lado de muitas centenas de outras posturas, se acumularam,ao longo dos sculos, em camadas estratigrficas nos livros de registros. Cadauma dessas posturas tem uma longa histria. Passaram por diversos processosde reviso e foram confirmadas, modificadas, revogadas ou simplesmente es-quecidas. So sobrevivncias do direito consuetudinrio medieval, refletem aproduo terica do Renascimento. Nasceram de acalorados debates entre ve-readores, negociadas com as corporaes de ofcios, impostas pelo rei, pelo ca-pito, pelo corregedor ou pelo ouvidor. Quem sabe foram copiadas da cidade vi-zinha? Ou de outro continente?68 No entanto, ao lado de todas estas variaes,encontramos novamente um fundo de permanncias. Jamais saram do quadroproposto pelos regimentos medievais de almotaaria.

    Como j vimos, esses regimentos atribuam aos almotacs trs ordens decompetncia. A primeira, sobre gua verter, azevel e esterco, caractersti-ca da questo sanitria. Outra, sobre portais, paredes e balces, remete aos as-pectos construtivos e formais da cidade. Por fim, a superintendncia das coisascompradas que forem para vender coloca as relaes de mercado no centro daquesto urbana. Em conjunto, elas configuram as principais agendas do viverurbano.

    Considerando que as Ordenaes Filipinas continuavam em pleno vigor noBrasil at o incio do sculo XIX, temos em mos uma instituio mais do quemilenar, mesmo descontados os seus antecedentes pr-islmicos. Apenas no rei-no cristo de Portugal foram mais de 700 anos, em que se mantiveram o nomee a instituio. Ao longo desses sculos, os almotacs perdem o exclusivo dessatrade de competncia para os outros oficiais da cidade. O concelho, o munic-pio, a Cmara ou a Prefeitura passaram a ser depositrias do direito de almota-aria, compartilhando-o com os crescentes poderes do Estado centralizado.

    Paramos por aqui para no nos aproximarmos perigosamente da atualida-de. Entretanto, ser que algum teria dvidas de que os atuais cdigos de pos-turas das grandes cidades, cheios de tecnicismos, continuam tratando de de-mandas de ruas e de frestas e dazinhagas e de pardieiros e de janelas, sobremonturos e as fontes limpar ou sobre alar casas? E que, ainda hoje, todasestas cousas sobreditas fazem e pertencem Almotaaria?

    Fenmeno estructurale?, inscrito numa longue dure? Enveredando por umaespeculao braudeliana, diramos que esta reunio de funes aparentementedesconexas na figura do almotac revela um ncleo profundo e permanente da-quilo que era entendido como o urbano. A almotaaria expressa uma conscin-cia especfica de cidade (o urbano): trama em que esto inextrincavelmente reu-nidos o sanitrio, o construtivo e as relaes de mercado. Por sua vez, estaconscincia desemboca nas trs principais agendas do viver urbano: a do po-

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  • dre, a da forma e a do mercado. Verso urbanizada de uma leitura tridica dosperigos do mundo, aos quais a cidade deve dar respostas, que corresponde apro-ximadamente aos mais temidos flagelos medievais: a peste, a guerra e a fome.

    NOTAS

    * Mestrando dos Cursos de Ps-graduao em Histria da UFPR, integrante do CEDO-PE Centro de Documentao e Pesquisa Paran Sculo XVIII. Na qualidadede bolsista PROLICEM da UFPR, participou do levantamento e transcrio da docu-mentao setecentista do Arquivo da Cmara Municipal de Curitiba.

    ** Acadmica do Curso de Histria da UFPR, integrante do CEDOPE Centro de Do-cumentao e Pesquisa Paran Sculo XVIII. Na qualidade de bolsista PI-BIC/CNPQ, participou do levantamento e transcrio da documentao setecentista doArquivo da Cmara Municipal de Curitiba.1 CARDOSO, Jaime Antonio. Arquivo da Cmara Municipal de Curitiba. In Boletim doDepartamento de Histria da Universidade Federal do Paran. Curitiba, 1968, n.6, pp.14e 24.2 Curitiba uma das raras cidades brasileiras a contar com um acervo expressivo dedocumentao municipal do perodo colonial. Mais raro ainda, parte significativa des-ta documentao est transcrita e impressa na publicao Boletim do Archivo Munici-pal de Curitiba.3 ABREU, Capistrano de. Correspondncia. Rio de Janeiro : INL, 1954, v.2, p.28.4 A questo aparece mais desenvolvida em PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. A for-ma e o podre; duas agendas da cidade de origem portuguesa nas idades medieval e mo-derna. Curitiba: UFPR, 1998. (Tese de doutoramento defendida nos Cursos de Ps-gra-duao em Histria da Universidade Federal do Paran sob a orientao da prof. dr.Ana Maria de Oliveira Burmester).5 CURITIBA. Cmara Municipal. Audincias dos Almotacis. 1737-1749, f.29. Doravanteos Livros de Termos de Audincias e Aferies dos Almotacs de Curitiba sero refe-renciados como TAAAC.6 TAAAC, 1737-1749, f.25.7 TAAAC, 1755-1757, f.4.8 POSTURAS DO CONCELHO DE LISBOA, (sec. XIV), Lisboa: Sociedade de Lngua Por-tuguesa, 1974, p.53.9 TAAAC, 1755-1757, ff.4 e 40.10 TAAAC, 1737-1749, f.47.11 TAAAC, 1755-1757, f.4, e TAAAC, 1737-1749, f.57 v.12 TAAAC, 1766-1800, ff.30v-31v.

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  • 13 TAAAC, 1737-1749, f.16v.14 TAUNAY, Affonso de E. Histria da cidade de So Paulo no sculo XVIII. 1701-1711.Annais do Museu Paulista, So Paulo, 1931, tomo 5, p.401.15 LE GOFF, Jacques. O apogeu da cidade medieval. So Paulo: Martins Fontes, 1992, p.5.16 SOARES, Torquato Brochado de Souza. Apontamentos para o estudo das origens dasinstituies municipais portuguesas. Lisboa: s.ed., 1931.17 A palavra almotaaria foi usada, desde a Idade Mdia, tanto em sentido geral, paradesignar a instituio ou suas atribuies, quanto em sentido particular, para designaras atividades mais correntes do almotac e, depois, da cmara em relao ao abasteci-mento das cidades. Almotaar era fiscalizar o comrcio, ou garantir que todos pudes-sem encontrar alimentos no mercado, impondo racionamento quando preciso, ou, ain-da, tabelar preos. Neste ltimo sentido, que chegou ao sculo XIX, a almotaaria eraqualquer tabelamento de preos, mesmo os que no tinham eram de responsabilidadedas municipalidades. Ver, por exemplo, o famoso tabelamento geral dos preos do rei-no, de autoria de d. Afonso III. LEI DE ALMOTAARIA; 26 de dezembro de 1253, 2 ed.Lisboa: Banco Pinto & Sotto Mayor, 1984.18 SEVILLANO COLOM, Francisco. De la institucin del mustaaf de Barcelona, de Maj-jorca y de Valencia. In Anurio de Histria del Derecho Espaol. Madrid, 1953, t.23,p.527.19 CAETANO, Marcelo. A administrao municipal de Lisboa durante a primeira dinas-tia. 1179-1383. Lisboa: Livros Horizonte. 1991, pp.16-7. SEVILLANO COLOM, op. cit.,pp.530-2.20 SOARES, Srgio Cunha. Os vereadores da Universidade na Cmara de Coimbra, 1640-1777. In Revista Portuguesa de Histria, Coimbra, tomo 26, 1991, p.101.21 COLECO DE LIVROS INDITOS DA HISTRIA DE PORTUGAL, v.4, p.527. Citadode LANGHANS, Franz-Paul. As posturas. Lisboa: Faculdade de Direito da Universidadede Lisboa, 1937, p.22.22 POSTURAS DO CONCELHO DE LISBOA, op. cit.23 POSTURAS DO CONCELHO DE LISBOA, op. cit., p.45.

    * Azavel ou Azevel = lixo, porcaria em rabe ou hebraico.

    ** Esterco = fezes.

    *** Pardieiro = Edificao em runas, do latim paredenarium.

    **** Adubar = aumentar, incrementar.24 POSTURAS DO CONCELHO DE LISBOA, op. cit., pp.45-6.

    * Em sembra = conjuntamente.

    ** Suso = debaixo, sob.25 SEVILLANO COLOM, op. cit., pp.536-7. No tive a oportunidade de consultar direta-mente os documentos originais, ou mesmo as suas transcries, citados pelo historia-

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  • dor. Todavia, por tudo que ele menciona, tem-se a certeza de que ele tinha em mos re-gulamentos em tudo semelhantes aos portugueses.26 LIVRO DAS POSTURAS ANTIGAS. Lisboa: Cmara Municipal, 1979, pp.98-113.27 No Brasil, o nome s foi latinizado no sculo XIX, quando o termo foi substitudo porfiscal. No universo colonial castelhano, o quadro era mais complexo. Em alguns muni-cpios parece no haver oficiais que reunissem as atribuies clssicas dos almotacs,em outros eles eram denominados diputados. Ver, por exemplo, as Ordenanzas del Ca-bildo de Quito transcritas no apndice documental de DOMINGUEZ COMPAY, Fran-cisco. La vida em las pequeas ciudades hispanoamericanas de la conquista. Madrid:Ediciones Cultura Hispanica, 1978.28 HERCULANO, Alexandre. Histria de Portugal desde o comeo da monarquia at o fimdo reinado de Afonso III. Lisboa: Bertrand, s.d. 8.ed. v.7, pp.320-1. CAETANO, op. cit.,p.16.29 ANDRADE, Antnio Alberto Banha de. Montemor-o-Novo, vila regalenga; ensaio dehistria da administrao local. Primeira parte: O poder poltico dos reis e a adminis-trao do concelho durante os sculos XIII-XVI. In Cadernos de Histria, Montemor-o-Novo, 1976, n.2, pp.33-4.HESPANHA, Antnio Manuel. Histria das instituies; pocas medieval e moderna.Coimbra: Livraria Almedina, 1982, pp.249-50.30 ORDENAES MANUELINAS, livro I, ttulo 49, 33.31 Ver transcrio em PEREIRA, Gabriel Vtor do Monte. Documentos histricos da cida-de de vora. Fascculo I, Foros e costumes ou direito consuetudinrio municipal nossculos XII e XIII. vora: Typographia da Casa Pia, 1885, pp.164-7.32 Ver ORDENAES AFONSINAS e REGIMENTO DOS OFICIAIS DAS CIDADES, VILASE LUGARES DESTES REINOS. Lisboa: Fundao Casa de Bragana, 1955 (fac-smile daedio original de 1504).33 ORDENAES FILIPINAS, livro I, ttulo 68, 22.34 HESPANHA, Histria das instituies, p.66.35 HESPANHA, Histria das instituies, p.67.36 Num tempo e lugar especficos as coisas tinham um valor razovel, mantidas as con-dies. Ver HESPANHA, Histria das instituies, pp.196-7.37 Sobre a legislao municipal ver PEREIRA, Magnus R. M. e SANTOS, Antonio C. A.Cdigos de Posturas Municipais. In Monumenta. Curitiba, Aos Quatro Ventos, inver-no 1998, v.1, n.3, pp.1-22.38 No pretendo enfrentar a rdua questo das polticas de Estado, ou do Estado de po-lticas. Em lngua portuguesa, uma boa sntese sobre a questo HESPANHA, AntnioManuel. Poder e instituies na Europa do antigo regime. Lisboa: Fundao CalousteGulbenkian, 1984.39 HESPANHA. Poder e instituies, p.266.

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  • 40 OLIVEIRA, Eduardo Freire de. Elementos para a histria do Municpio de Lisboa. Lis-boa: Typographia Universal, 1887, t.1, pp.7-33.41 A obra que melhor sistematiza este esvaziamento de SOARES, Srgio Cunha. As-pectos da poltica municipal pombalina; a Cmara de Viseu no reinado de d. Jos. InRevista Portuguesa de Histria, Coimbra, 1985, tomo 21.42 FRANA, Jos Augusto. Lisboa pombalina e o iluminismo. Lisboa: Livros Horizonte,1965, p.86.43 PORTUGAL. Alvar de 15 de junho de 1758. Colleco de Leis, Decretos e Alvars, quecomprehende o feliz reinado del Rei Fidelissimo D. Jos o I. Lisboa: Officina de AntonioRodrigues Galhardo, 1797. tomo 1, 1750-60, s.p.44 Ver OLIVEIRA, op. cit., tomo 16, p.340.45 Idem, pp.306-13. SOARES, Aspectos, pp.24-6.46 OLIVEIRA, op. cit., tomo 17, pp.24-7. SOARES. Idem, p.33.47 PORTUGAL. Alvar de 1 de julho de 1752. Colleco de Leis,. tomo 1, s.p.48 ZENHA, Edmundo. O municpio no Brasil; 1532-1700. So Paulo: Ip, 1948, pp. 165-72. PRADO JR., Caio. Evoluo poltica do Brasil e outros estudos. So Paulo: Brasilien-se, 1953, p.41.49 VALE, Alexandre de Lucena e. Histria e Municipalidade; novos conspectos. Anaisda Academia Portuguesa de Histria, v.16.50 VALE, Alexandre de Lucena e. Viseu do sculo XVIII nos livros de actas da cmara. Vi-seu: Junta Distrital, 1962.51 SOARES. Aspectos, p.37 e seguintes.52 VIDIGAL, Lus. Cmara, nobreza e povo; poder e sociedade em Vila Nova de Portimo.1755-1834. Portimo: Cmara Municipal, 1993, p.126.53 Sobre a permanncia de valores como o de preo justo e de maneiras de agenciar oespao, ver PEREIRA, Magnus R. M. Semeando iras rumo ao progresso. Curitiba: Edito-ra da UFPR, 1996, p.28 e seguintes.54 O aumento destas atividades administrativas levou Janice Theodoro da Silva a con-cluir que, no sculo XVIII, aumentou a autonomia da Cmara de So Paulo em rela-o ao Estado central. SILVA, Janice Theodoro da. So Paulo 1554-1880; discurso ideo-lgico e organizao espacial. So Paulo: Editora Moderna, 1984, p.109.55 MARCONDES, Moyss. Documentos para a histria do Paran. Rio de Janeiro: Typo-graphia do Annuario do Brasil, s.d. NEGRO, Francisco. (ed.) Boletim do Arhivo Muni-cipal de Curitiba, v.1, n.1.56 OLIVEIRA, Joaquim Pedro Gomes de. Extracto das Posturas da Villa de Azeito.Memmorias Economicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa. Lisboa, t.3. 1791,p.307. Ver tambm, no mesmo peridico: NOGUEIRA, Antnio Henrique. Racionaldiscurso sobre a agricultura, e populao da Provncia do Alentejo. _____, t.1, 1787.

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  • PORTUGAL, Thomaz Antnio Villa Nova. Memria sobre a preferncia que entre nsmerece o estabelecimento dos mercados ao uso das feiras de anno para o commerciointrnseco. _____, t.2, 1790.57 RIBEIRO, Lus da Silva. Posturas da Cmara Municipal de Angra em 1788. In Obras.tomo II - Histria. Angra do Herosmo: Instituto Histrico da Ilha Terceira, 1983, p.415.58 RIBEIRO, op. cit., p.147.59 Oliveira Marques considera espantosamente tardia a sobrevivncia dos mercados lo-cais regulamentados e auto-suficientes em Portugal. MARQUES, A. H. de Oliveira. In-troduo histria da agricultura em Portugal. Lisboa: Cosmos, 1978, pp.117-21.60 OLIVEIRA, Extracto, pp.316-7.61 Alguns autores consideram que, na Europa como um todo, a supremacia da economiaagrria e da nobreza fundiria a ela vinculada um fenmeno que se estende at a Pri-meira Grande Guerra. Em decorrncia, estendem a baliza cronolgica do Ancien Rgi-me at 1914. Ver, por exemplo, MAYER, Arno J. A fora da tradio; a persistncia doAntigo Regime. So Paulo: Cia. das Letras, 1987.62 POLANYI, Karl. A grande transformao; as origens da nossa poca. Rio de Janeiro:Editora Campus, 1980, p.169.63 Em muitos levantamentos populares, acreditou-se estar restaurando o bom governodo rei, que era enganado por prepostos e emissrios responsveis pelo mau governo.Ver OLIVEIRA, Antnio de. Poder e oposio poltica em Portugal no perodo filipino.(1580-1640). Lisboa: Difel, 1990, pp.191-2.64 Isto foi freqente nas diversas revoltas antitributrias seiscentistas contra o aumentodo cabeo de sisas, ou a imposio do real dgua e do papel selado. Ver MAGAHES,Joaquim Romero. 1637, os motins da fome. BIBLOS, Coimbra, 1976, tomo 3. OLIVEI-RA, Antnio de. Levantamentos populares no arcebispado de Braga em 1635-1637.Bracara Augusta, v.34, n.91, jan.-dez.1980, pp.419-46.65 THOMPSON, E. P. Tradicin, revuelta y consciencia de clase; estudios sobre la crisis dela sociedad preindustrial. Barcelona: Editorial Crtica, 1979, pp.64-6.66 RUY, Affonso. Histria da Cmara Municipal da cidade do Salvador. Salvador: CmaraMunicipal, 1953, pp.173-87. SILVA, Francisco Ribeiro. Os motins do Porto em 1757;novas perspectivas. In POMBAL REVISITADO. Lisboa: Editorial Estampa, 1984, pp.247-83. DRUMMOND, Francisco Ferreira. (ed.) Annaes da Ilha Terceira. Angra do Heros-mo: Cmara Municipal, 1856, v.2, pp.269-73.67 O conceito de cidade liberal foi proposto pelo arquiteto Leonardo Benevolo, para darconta do ambiente urbano que se formou durante a revoluo industrial na Inglaterrae outros pases europeus onde a poltica de laissez-faire teve uma expresso urbansti-ca. BENEVOLO, Leonardo. Diseo de la ciudad. Mxico: Gustavo Gili, 1979, pp.5-25. Nastradies urbanas de Portugal e do Brasil, a cidade liberal nunca existiu oficialmente.As nossas cidades liberais reais so as favelas e bairros da lata, sempre encaradas co-mo um mal a suprimir.

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  • 68 Sobre a cpia de posturas, ver um depoimento do sculo XVIII: OLIVEIRA, Extrac-tos, pp.306-7.

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    Artigo recebido em 10/2000. Aprovado em 10/2001.