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PEPTÍDEOS 26 FUNCIONAIS & NUTRACÊUTICOS Introdução As proteínas do leite estão divi- didas em dois grupos principais: o grupo das caseínas (78% a 80%) e o grupo das proteínas do soro ou soroproteínas (20% a 22%), confor- me mostrado na Tabela 1. Além de exercerem diversas funções básicas de nutrição (fonte de aminoácidos para síntese protéica e de energia) e tecnológicas (propriedades funcio- nais e sensoriais), essas proteínas possuem regiões dentro de sua estru- tura primária que codificam ativida- des latentes de proteção e regulação das funções biológicas. Muitas delas possuem propriedades biológicas específicas, que fazem desses com- ponentes potenciais ingredientes de alimentos promotores de saúde. As Tabelas 2 e 3 apresentam, respectivamente, as atividades bioló- gicas das principais proteínas do leite e das principais proteínas do soro. Peptídeos bioativos (PBAs) Peptídeos biologicamente ativos (bioativos) ou bio-funcionais foram definidos inicialmente como compo- nentes (genuínos ou liberados) de alimentos prontos para o consumo, capazes de exercer uma atividade reguladora no organismo humano, independentemente de seu valor nu- tritivo. Posteriormente, foram descri- tos como fragmentos específicos de proteínas com um impacto positivo nas funções ou condições corpóre- as, podendo finalmente influenciar a saúde. Finalmente, como peptídeos com atividade similar a uma droga ou hormônio, que eventualmente PEPTÍDEOS BIOATIVOS DE PRODUTOS LÁCTEOS modulam a função fisiológica ao se ligarem a receptores específicos da célula alvo, levando a indução de respostas fisiológicas. Os PBAs contêm de 3 a 20 resí- duos de aminoácidos por molécula e normalmente são inativos dentro da seqüência da molécula. Estudos têm identificado um grande número de seqüências de PBAs nas proteínas do leite, além das condições para sua liberação. Devido ao grande número de PBAs codificados em sua região primá- ria, as proteínas do leite são consi- deradas, no momento, as principais fontes conhecidas de uma varieda- de de PBAs (veja Tabela 4). Muitos destes PBAs possuem propriedades biológicas específicas, que fazem desses componentes potenciais in- gredientes de alimentos promotores de saúde. Além dos estudos envolvendo identificação e condições para a liberação dos PBAs, há também estudos mostrando que estes pep- tídeos exercem várias atividades biológicas “in vitro” e “in vivo” e que alguns deles possuem propriedades multifuncionais. Por administração oral, dependendo da seqüência de aminoácidos, os PBAs podem afetar os principais sistemas corpóreos - cardiovascular, digestivo, imune e nervoso. Funcionalidade dos peptídeos bioativos (PBAs) PEPTÍDEOS BIOATIVOS DE SOROPROTEÍNAS Cientistas da área de alimentos reconhecem a importância das proteínas do soro ( α-lactoalbu- mina, β-lactoglobulina, albumina sérica bovina, imunoglobulinas, lactoferrina e lactoperoxidase), devido ao seu alto valor nutricional, propriedades funcionais excelentes, perfil de flavor neutro e limpo e por serem biologicamente ativas. Os ingredientes do soro são utilizados no mundo inteiro em bebidas, bar- ras energéticas e outros alimentos processados. Ingredientes de soro mais recentes incluem as proteínas hidrolisadas de soro que contêm elevados níveis de peptídeos bioa- tivos (veja Tabela 5). As seqüências dos PBAs encon- tram-se em estado inativo quando inseridas na cadeia polipeptídica da proteína do soro intacta. Es- tes peptídeos liberados durante o processo de digestão intestinal das proteínas do soro, podem estar envolvidos na regulação da entrada de nutrientes e influenciar o metabolismo pospandrial através da estimulação de hormônios. Embora as proteínas do soro possuam elevada digestibilidade e sejam rapidamente absorvidas para a circulação sanguínea, sabe-se que os hidrolisados protéicos contendo peptídeos de pequeno tamanho, di e tripeptídeos, são absorvidos numa velocidade maior, tanto em relação às proteínas como aos aminoácidos livres. Os hidrolisados, na forma de di e tripeptídeos, preservam melhor a estabilidade de alguns aminoáci- dos em processos de esterilização e estocagem. Portanto, uma vez que as proteínas concentradas e hidroli- sadas sejam obtidas e conservadas

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Introdução As proteínas do leite estão divi-

didas em dois grupos principais: o grupo das caseínas (78% a 80%) e o grupo das proteínas do soro ou soroproteínas (20% a 22%), confor-me mostrado na Tabela 1. Além de exercerem diversas funções básicas de nutrição (fonte de aminoácidos para síntese protéica e de energia) e tecnológicas (propriedades funcio-nais e sensoriais), essas proteínas possuem regiões dentro de sua estru-tura primária que codificam ativida-des latentes de proteção e regulação das funções biológicas. Muitas delas possuem propriedades biológicas específicas, que fazem desses com-ponentes potenciais ingredientes de alimentos promotores de saúde.

As Tabelas 2 e 3 apresentam, respectivamente, as atividades bioló-gicas das principais proteínas do leite e das principais proteínas do soro.

Peptídeos bioativos (PBAs)

Peptídeos biologicamente ativos (bioativos) ou bio-funcionais foram definidos inicialmente como compo-nentes (genuínos ou liberados) de alimentos prontos para o consumo, capazes de exercer uma atividade reguladora no organismo humano, independentemente de seu valor nu-tritivo. Posteriormente, foram descri-tos como fragmentos específicos de proteínas com um impacto positivo nas funções ou condições corpóre-as, podendo finalmente influenciar a saúde. Finalmente, como peptídeos com atividade similar a uma droga ou hormônio, que eventualmente

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modulam a função fisiológica ao se ligarem a receptores específicos da célula alvo, levando a indução de respostas fisiológicas.

Os PBAs contêm de 3 a 20 resí-duos de aminoácidos por molécula e normalmente são inativos dentro da seqüência da molécula.

Estudos têm identificado um grande número de seqüências de PBAs nas proteínas do leite, além das condições para sua liberação. Devido ao grande número de PBAs codificados em sua região primá-ria, as proteínas do leite são consi-deradas, no momento, as principais fontes conhecidas de uma varieda-de de PBAs (veja Tabela 4). Muitos destes PBAs possuem propriedades biológicas específicas, que fazem desses componentes potenciais in-gredientes de alimentos promotores de saúde.

Além dos estudos envolvendo identificação e condições para a liberação dos PBAs, há também estudos mostrando que estes pep-tídeos exercem várias atividades biológicas “in vitro” e “in vivo” e que alguns deles possuem propriedades multifuncionais. Por administração oral, dependendo da seqüência de aminoácidos, os PBAs podem afetar os principais sistemas corpóreos - cardiovascular, digestivo, imune e nervoso.

Funcionalidade dos peptídeos bioativos (PBAs)PEPTÍDEOS BIOATIVOS DE SOROPROTEÍNAS

Cientistas da área de alimentos

reconhecem a importância das proteínas do soro (α- lactoalbu-mina, β-lactoglobulina, albumina sérica bovina, imunoglobulinas, lactoferrina e lactoperoxidase), devido ao seu alto valor nutricional, propriedades funcionais excelentes, perfil de flavor neutro e limpo e por serem biologicamente ativas. Os ingredientes do soro são utilizados no mundo inteiro em bebidas, bar-ras energéticas e outros alimentos processados. Ingredientes de soro mais recentes incluem as proteínas hidrolisadas de soro que contêm elevados níveis de peptídeos bioa-tivos (veja Tabela 5).

As seqüências dos PBAs encon-tram-se em estado inativo quando inseridas na cadeia polipeptídica da proteína do soro intacta. Es-tes peptídeos liberados durante o processo de digestão intestinal das proteínas do soro, podem estar envolvidos na regulação da entrada de nutrientes e influenciar o metabolismo pospandrial através da estimulação de hormônios.

Embora as proteínas do soro possuam elevada digestibilidade e sejam rapidamente absorvidas para a circulação sanguínea, sabe-se que os hidrolisados protéicos contendo peptídeos de pequeno tamanho, di e tripeptídeos, são absorvidos numa velocidade maior, tanto em relação às proteínas como aos aminoácidos livres. Os hidrolisados, na forma de di e tripeptídeos, preservam melhor a estabilidade de alguns aminoáci-dos em processos de esterilização e estocagem. Portanto, uma vez que as proteínas concentradas e hidroli-sadas sejam obtidas e conservadas

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sem desnaturação, os peptídeos, obtidos pela proteólise destas, podem ser capazes de conservar e ampliar sua atividade funcional.

Os benefícios terapêuticos das proteínas do soro também podem ser resultantes da produção de peptídeos bioativos durante a fermentação.

Peptídeos metabolicamente ativos podem ser usados para controlar ou alterar o crescimento de culturas bacterianas ou a quali-dade de produção. Tais compostos também poderão ser usados como reagentes em laboratórios de pes-quisa ou como componentes de kits para testes clínico-diagnósticos. Deve-se também considerar o apro-veitamento dos efeitos saudáveis dos componentes do soro para consumidores não humanos como culturas de fermento. Provou-se também que os peptídeos bioativos possuem capacidade de introduzir propriedades benéficas à saúde em produtos não alimentícios, tais

como produtos farmacêuticos e cosméticos.

Os PBAs são muito promissores para serem usados como com-ponente de alimentos funcionais desenvolvidos especialmente para melhorar a saúde cardiovascular.

Os dois principais fatores de risco a nível mundial associados à incidência de doenças cardiovas-culares são a hipertensão e a dis-lipidemia. Peptídeos derivados de soro de leite demonstraram possuir atividade que pode reduzir estes dois fatores de risco.

Pesquisas recentes mostram que os PBAs do soro podem estar envolvidos nas seguintes funções relacionadas à saúde cardiovas-cular:

1 - Atividade inibidora de ECA; 2 - Atividade similar às de subs-

tâncias opióides;3 - Atividade antitrombótica; 4 - Atividade associada à redu-

ção do nível de colesterol.Podem ainda apresentar ativi-

dade antioxidante, antimicrobiana, estimular a proliferação e diferen-ciação de osteoblastos e auxiliar na cicatrização de feridas.

1 - Atividade inibidora de ECA (enzima conversora de angiotensi-na). Peptídeos inibidores de ECA atuam no controle da pressão arte-rial alta por meio da dilatação dos vasos sanguíneos e de seu efeito sobre o volume de sangue. Vários efeitos colaterais são associados com o uso de drogas inibidoras de ECA no controle da pressão sanguínea, incluindo aumento dos níveis de potássio, redução da função renal, tosse, erupções cutâ-neas, anormalidades fetais, entre outros. Proteínas do leite (caseínas e soroproteínas) são fontes ricas de peptídeos inibidores de ECA (veja Tabela 6).

Peptídeos inibidores de ECA são obtidos das proteínas do leite a partir de tratamento com proteases gastrintestinais, pepsina, tripsina e quimotripsina, ou com proteases

TABELA 1 - CONCENTRAÇÃO E PESO MOLECULAR DAS PROTEÍNAS EM LEITE E COLOSTRO

Grupo Fração protéica Peso molecular Concentração (gramas/litro)

(Daltons) Colostro LeiteCaseína

αs1-caseína 23 614 10,4

αs2-caseína 25 230 2,8

β-caseína 23 983 9,8

K-caseína 19 023 4,2

Soroproteína

α-lactoalbumina 14 200 3,0 1,2

β-lactoglobulina 18 400 8,0 3,3

Imunoglobulinas G, M, A 150 000- 1000 000 20-150 0,6-1,0

Glicomacropeptídeo 8 000 2,5 1,2

Soroalbumina 66 300 1,3 0,3

Lipoproteínas

Lactoferrina 80 000 1,5 0,1

Lactoperoxidase 78 000 0,02 0,03

Lisozima 14 000 0,0004 0,0004

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de plantas ou de bactérias. Peptí-deos inibidores de ECA deriva-dos da caseína são chamados de casoquininas e os derivados de proteínas do soro (α-lactoal-bumina e β - lactoglobulina) de lactoquininas.

Um dos peptídeos derivados de

glicomacropeptídeo demonstrou possuir atividade anti-hipertensiva.

2 - Atividade similar às de substâncias opióides. Os peptídeos opióides são aqueles que possuem características farmacológicas semelhantes às do ópio (morfina). O mecanismo pelo qual o sistema

opióide age sobre a regulação car-diovascular é complexo, no entanto, peptídeos opióides endógenos são tidos como tendo um grande potencial para serem usados como moduladores da pressão arterial. Vários peptídeos derivados de soro também exibem atividade semelhan-

TABELA 2 - FUNÇÕES BIOLÓGICAS DAS PRINCIPAIS PROTEÍNAS DO LEITE BOVINO

Proteína Função

Transporte de minerais e elementos traço (Ca, PO4, Fe, Zn, Cu)

Caseínas (α-, β- e K) Precursor de peptídeos bioativos

Imunomodulação (hidrolisados/peptídeos)

Ligação de ácidos graxos

β-lactoglobulina Transporte de retinol

Precursor de peptídeos bioativos

Antioxidantes

Síntese de lactose em glândulas mamárias

α-lactoalbumina Transporte de cálcio

Imunomodulação

Anticarcinogênico

Precursor de peptídeos bioativos

Potencial papel em leite humano (promoção de digestão e prevenção de infecções gastrintestinais)

TABELA 3 - FUNÇÕES BIOLÓGICAS DAS PRINCIPAIS PROTEÍNAS DO SORO

Proteína Atividade e Função

β-lactoglobulina Carreador de retinol, ligação ácidos graxos, potencial antioxidante, precursor para peptídeos bioativos.

α-lactoalbumina Síntese de lactose em glândulas mamárias, carreador de Ca, imunomodulação, anticarcinogênico, precursor para peptídeos bioativos.

Imunoglobulinas G, M, A Proteção imune específica (antisoros e sistemas complementares), potencial precursor para peptídeos bioativos.

Glicomacropeptídeo Antiviral, antitrombótico, bifidogênico, regulação gástrica.

Lactoferrinaa Antimicrobiano, antioxidativo, anticarcinogênico, antiinflamatório, imunomodulaçao, transporte Fe, regulação do crescimento celular, precursor para peptídeos bioativos.

Lactoperoxidase Antimicrobiana, efeito sinergístico com Igs e LF.

Lisozima Antimicrobiana, efeito sinergístico com Igs e LF.

Soroalbumina precursor para peptídeos bioativos.

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te à de substâncias opióides. Estes incluem os peptídeos derivados da α-lactoalbumina e β-lactoglo-bulina.

3 - Atividade antitrombótica. A

trombose, definida como a forma-ção ou presença de um coágulo de sangue em um vaso sanguíneo, é outro fator de risco de grande importância nas doenças cardio-

vasculares. Para que a agregação plaquetária possa ocorrer é neces-sária a fixação do fibrinogênio às plaquetas do sangue. Acredita-se que os peptídeos do leite inibem

TABELA 4 - EXEMPLOS DE PEPTÍDEOS BIOATIVOS CODIFICADOS EM PROTEÍNAS DO LEITE

Nome Fragmento Enzima ou origem Bioatividade

α-Caseína exorfina αs1 – CN f(90-96) Pepsina Opióide

Casoxina D αs1 – CN f(158-164) Pepsina, Quimotripsina Opióide (antagonista)

Caseinofosfopeptídeo αs1 – CN f(43-58) 2P Tripsina Transporte mineral

Caseinofosfopeptídeo αs1 – CN f(59-79)4P Tripsina Transporte mineral

Caseinofosfopeptídeo αs1 – CN f(66-74) 3P Digestão 2 Transporte mineral

αs1 - Imunocasoquinina αs1 – CN (194-199) Tripsina Imunomodulatória

β-Casomorfina-11 β-CN f(60-70) Digestão Opióide

β- Casomorfina-7 β-CN f(60-66) Pepsina Opióide imunomodulatória, Citomodulatória

β-Casomorfina-5 β- CN f(60-64) Opióide

β-Casoquinina β-CN f(177-183) Tripsina Citomodulatória

β-Casoquinina β-CN f(193-202) Sintética Imunomodulatória

Caseinofosfopeptídeo β-CN f(1-25) 4P Tripsina Transporte mineral, Imunomodulatória, Citomodulatória

Caseinofosfopeptídeo β-CN f(7-18) 3P Digestão Transporte mineral

Caseinofosfopeptídeo β-CN f(29-41) 1P Digestão Transporte mineral

Imunopeptídeo β-CN f(63-68) Sintética Imunomodulatória

Imunopeptídeo β-CN f (191-193) Sintética Imunomodulatória

Casoxina 6 k-CN f(33-38) Pepsina Opióide (antagonista)

Casoxina C k-CN f(25-34) Tripsina Opióide (antagonista)

Casoplatelina k-CN f(106-116) Tripsina Antitrombótica

Peptídeo inibidor Ovelha k-CN f(112-116) Tripsina Antitrombóticade trombina

α-Lactorfina α-Lactalbumina f(50-53) Sintética Opióide

Não nomeado α-Lactalbumina Sintética Imunomodulatória

f(50-51), f(18-19)

Imunopeptídeo α-Lactalbumina f(18-20) Sintética Imunomodulatória

β-Lactorfina β-Lactoglobulina Sintética Opióide

Serorfina Serum albumima f(399-404) Pepsina Opióide

Lactoferricina Lactoferrina f(17-41) Pepsina Imunomodulatória

Lactoferroxina A Lactoferrina f(318-323) Pepsina Opióide (antagonista)

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essa fixação às plaquetas. Foi investigada a atividade antitrom-bótica de alguns peptídeos do soro e alguns estudos relataram que o glicomacropeptídeo ao ser decomposto deu origem a vários fragmentos que mostraram possuir atividade antitrombótica. Outro estudo também forneceu evidência limitada de que peptídeos deriva-dos da lactoferrina podem estar en-volvidos na adesão plaquetária.

4 - Atividade associada à redu-ção do nível de colesterol. Estudos com ratos, comparando a proteína do soro versus caseína, mostraram que a proteína do soro reduziu de forma significativa a concentração de colesterol no soro sanguíneo em aproximadamente 35%.

Os PBAs do soro além de esta-rem envolvidos em várias funções relacionadas à saúde cardiovascu-lar, também atuam em outras áreas da saúde humana. A lactoferricina, peptídeo derivado da lactoferrina pela ação da pepsina, por exem-plo, atua na cicatrização de feridas, apresenta efeitos antimicrobianos e propriedades antioxidantes. Possui ação antimicrobiana mais eficiente

que a lactoferrina. Descobriu-se também, recente-

mente, que há uma fração ativa na proteína do soro que estimula a proliferação e diferenciação de osteoblastos (células formadoras de osso) cultivados em laborató-rios. Se o intestino absorver estes componentes, os mesmos podem desempenhar um papel importante na formação de ossos no homem.

Em geral, pode-se concluir que os peptídeos do soro exibem um leque muito amplo de propriedades bioativas e, portanto, possuem um grande potencial e futuro promissor como componentes de alimentos funcionais.

PEPTÍDEOS BIOATIVOS DAS CASEÍNAS

As caseínas (αs1, αs2, β e k-caseínas) desempenham no or-ganismo importantes funções fisio-lógicas, tanto em suas estruturas nativas como através de peptídeos produzidos por enzimas proteolíti-cas, tanto in vivo (sistema digestivo), como in vitro.

Dentre as classes de peptídeos bioativos originados da proteólise

das caseínas destacam-se os que apresentam:

1 - Ação opióide;2 - Ação antiopióide;3 - Atuação no t ranspor te

(absorção) de mineral;4 - Ação imunoprotetora ou

imunoestimulante;5 - Ação anti-hipertensiva;6 - Ação antitrombótica;7 - Ação antimicrobiana.A Tabela 7 mostra exemplos de

peptídeos bioativos derivados das caseínas.

Ação opióide e antiopióide. Peptídeos opióides derivados da caseína são denominados casomorfinas, sendo a maioria fragmentos da β-caseína (β-caso-morfinas).

Os peptídeos bioativos origina-dos da proteólise das caseínas com ação opióide apresentam ati-vidade semelhante à dos opióides endógenos (endorfinas) que atuam tanto no sistema nervoso central como em órgãos periféricos pro-duzindo vários efeitos fisiológicos. Em nível de sistema nervoso central podem promover sedação e torpor, depressão respiratória, hipoten-

TABELA 5 - PEPTÍDEOS BIOATIVOS DERIVADOS DE SOROPROTEÍNAS DO LEITE

Proteína precursora Fragmento Seqüência peptídica Nome Função

α-lactoalbumina 50-53 YGLF α-lactoforina Opióide (antagonista) Inibidor de ECA

β-lactoglobulina 102-105 YLLF β-lactoforina Efeito estimulatório não opióide sobre o íleo

β-lactoglobulina 146-149 HIRL β-lactotensina Contração do íleo

GMP 106-116 MAIPPKKNQDK Casoplatelinas Atividade antitrombótica

108-110

106-112

113-116

GMP 108-110 IPP Atividade anti-hipertensiva

Albumina 399-404 YGFQDA Serotonina Atividade opióidesérica bovina

Albumina 208-215 ALKAWSVAR Albutensina A Contração íleo Inibidor sérica bovina de ECA

*Adaptado de Shah (2000) e Korhonon et al. (1998)

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são, regulação da temperatura corporal, regulação da ingestão de alimentos, regulação do compor-tamento sexual, entre outros. Em nível periférico atuam na supressão da motilidade intestinal.

Tanto os peptídeos com ativida-de opióide como os de atividade antiopióide (antagonista) se ligam aos tecidos alvo em receptores específicos, provocando a ação opióide específica ou a inibição da atividade.

Segundo Drewnowski (1992), a resposta sensorial para alimentos altamente palatáveis, notadamente ricos em açúcar e em gordura, parece ser mediada por peptídeos opióides endógenos. Este mesmo pesquisador e colaboradores (1992) realizaram os primeiros es-tudos sobre os efeitos do bloqueio do sítio de ligação de opióides em humanos e seus efeitos na preferência e ingestão de misturas de açúcar e gordura. Mulheres que receberam infusão venosa de

naloxona (bloqueador dos sítios opióides) experimentaram 20 produtos lácteos com diferentes conteúdos de açúcar e gordura e classificaram a doçura e a sensa-ção prazerosa de cada amostra. A naloxona não mostrou influência na percepção da intensidade do sabor doce, mas a sensação de prazer foi reduzida para todos os produtos. Assim, pode-se esperar que tais bloqueadores reduzam o prazer da ingestão de alimentos altamente palatáveis que, desta forma, diminuiria seletivamente o seu consumo. Em estudos clínicos a naloxona reduziu o consumo de alimentos tanto em pessoas normais como obesas e diminuiu a quantidade excessiva de alimen-tos consumidos por mulheres com bulimia.

Ligação e transpor te de mine-rais. Os caseinofosfopeptídeos são peptídeos derivados das caseínas alfa (α), beta (β) e kappa (k) con-tendo um ou mais radicais fosfato

ligados à serina. A estes peptídeos tem sido atribuída a função de se ligar e transportar minerais, como Ca, P, Mg e Fe, facilitando, inclusive, sua absorção e fixação em vários tecidos. A adição de caseinofosfopeptídeos em fórmu-las de pastas de dente tem sido sugerida visando o fortalecimento do esmalte dos dentes e efeito anticariogênico.

Ação imunoestimulante. Qual-quer material estranho absorvido pelo organismo faz com que o sistema imune produza moléculas protetoras específicas (anticorpos) e componentes celulares como macrófagos e linfócitos. Alguns peptídeos com ação imunoestimu-latória já foram isolados, a partir das caseínas alfa, beta e capa, e caracterizados, sendo que a ativi-dade destes peptídeos é exercida principalmente sobre os compo-nentes celulares do sistema imune (macrófagos e linfócitos).

Ação anti-hipertensiva. A ação

TABELA 6 - ATIVIDADE INIBIDORA DE ECA DE PEPTÍDEOS DE SORO

Peptídeo Fragmento Origem Índice de inibição (IC50)

YGLF 50-53 α-lactoalbumina digerida por pepsina e tripsina 733mM

YP Soro de um produto semelhante ao iogurte 720mM (L. helveticus)

VGINYWLAHKYGL 99-108 α-lactoalbumina hidrolizada por tripsina 327mM

YGL 50-52 α-lactoalbumina hidrolizada por tripsina 409mM

WLAHK 104-108 α-lactoalbumina hidrolizada por tripsina 77mM

VFK 81-83 β-lactoglobulina hidrolizada por tripsina 1029mM

LAMA 22-25 β-lactoglobulina hidrolizada por tripsina 1062mM

LDAGSAPLB 32-40 β-lactoglobulina hidrolizada por tripsina 635mM

CMENSA 106-111 β-lactoglobulina hidrolizada por pepsina, 788mM depois tripsina e quimotripsina

ALPMH 142-146 β-lactoglobulina hidrolizada por pepsina, 521mM depois tripsina e quimotripsina

VLDTDYK 94-100 β-lactoglobulina hidrolizada por pepsina, 946mM depois tripsina e quimotripsina

CAPTOPRIL Medicamento comercial 0,006mM

* Tabela adaptada Gerdes et al (2007), de Pihlanto et al. (2000) e Mulay et al. (1997)

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anti-hipertensiva de certos peptí-deos originários da hidrólise da alfa e β-caseína já foi comentada quando foi abordada a ação anti-hipertensiva de soroproteínas.

Ação antit rombótica. Alguns peptídeos derivados da k-caseína, denominados de casoplatelinas, apresentam atividade antitrom-bótica, inibindo a agregação de plaquetas, bem como a ligação do fibrinogênio a sítios específicos na superfície da plaqueta.

Ação antimicrobiana. Nas últimas décadas, peptídeos antibacterianos, codificados na estrutura primária de proteínas do leite, têm sido descritos. As propriedades bacte-rianas, origens e procedimentos de isolamento de tais peptídeos são mostrados na Tabela 8.

A lactenina foi provavelmente o primeiro fator antibacteriano derivado do leite que foi obtido com renina. Casecidinas são pep-tídeos antimicrobianos obtidos de caseína tratada com quimosina e atuam sobre os lactobacilos e também sobre várias bactérias patogênicas tais como Staphylo-coccus aureus.

Outro peptídeo antibacteriano derivado da αs1-caseína tratada com quimosina é a isracidina, a qual, in vivo, exerce uma forte ação protetora contra S. aureus, Strepto-coccus pyogenes e Listeria monocyto-genes. Também protege vacas de mastite quando injetado no interior do úbere a níveis comparáveis aos

observados em tratamentos com antibióticos padrões.

Alfa-s2-caseína também é pre-cursora de diversos fragmentos de peptídeos com atividade antibacte-riana. Um peptídeo correspondente ao fragmento αs2-caseína (f 150-188), isolado de leite acidificado e fervido, chamado casocidina-1 mostrou atividade inibitória contra bactérias gram-positivas e nega-tivas.

Há também relatos mostrando o efeito inibitório, sobre o crescimento bacteriano, de peptídeos derivados da k-caseína. Um destes peptídeos, chamado kappacina apresenta atividade contra bactérias Gram positivas e negativas. Além disso, apresenta a capacidade de ligar enterotoxinas e inibir adesão de ví-rus e bactérias, como por exemplo, a ligação de bactérias cariogênicas a superfície oral.

Embora antibióticos mais po-tentes estejam disponíveis, peptí-deos antimicrobianos mostram a vantagem de serem hábeis para matar células-alvo rapidamente e apresentam um amplo espectro de atividade, incluindo atividade para alguns dos mais sérios pató-genos resistentes à antibióticos em clínicas.

Ocorrência de PBAs em produtos lácteos

Sabe-se que os PBAs podem ser gerados durante a fermentação do

leite por meio da ação de fermen-tos lácticos empregados. Assim, uma grande variedade de PBAs tem sido encontrada em produtos lácteos fermentados, tais como iogurte, leite fermentado e queijo. Esses produtos tradicionais podem, sob certas condições, carrear efei-tos benéficos específicos quando ingeridos como parte da dieta diária. No entanto, tais benefícios à saúde, atribuídos aos PBAs nes-tes produtos tradicionais, ainda não foram bem estabelecidos. Por outro lado, já existem alguns pro-dutos comerciais suplementados com PBAs derivados do leite, nos quais os benefícios à saúde foram documentados em estudos clínicos humanos.

As bactérias ácido lácticas (BAL), usadas na obtenção de produtos fermentados do leite, possuem considerável atividade proteolítica resultante de seu rápi-do crescimento em leite. Durante a fermentação, as caseínas passam por uma rápida degradação pro-teolítica, que resulta na liberação de potenciais peptídeos bioativos (veja Tabela 9).

Em comparação com outras espécies avaliadas, as linhagens de Lb. helveticus possuem forte ativi-dade proteolítica e peptideolítica, degradando as caseínas e seus derivados. Portanto, elas podem ser utilizadas para a produção de PBAs, com diferentes atividades, tais como opióide e hipotensiva.

TABELA 7 - PEPTÍDEOS BIOATIVOS DERIVADOS DE PROTEÍNAS DO LEITE BOVINO

Peptídeo bioativo Proteína precursora Bioatividade

Casomorfinas α, β-caseína Opióide

Casoquininas α, β-caseína Antihipertensivo

Casoxinas k-caseína Opióide – antagonista

Casoplatelinas k-caseína Antitrombótico

Imunopeptidases α, β-caseína Imunoestimulante

Caseinofosfopeptídeos α, β-caseína Carreadores de minerais

Fonte: SHAH, 2000Adaptado de: Meisel & Schlimme (1990); Schlimme & Meisel (1993)

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TABELA 8 - PROPRIEDADES, ORIGENS E PROCEDIMENTOS DE ISOLAMENTO DE PEPTÍDEOS ANTIMICROBIANOS

Nome* Fragmento Atividade Enzima ou Referências origem

Lactenina Não conhecido Estreptococos Leite bovino Jones e Simms (1930) patogênicos ReninaCasecidinas Fragmentos de k-e αs1 – CN Staphylococcus aureus Quimosina ou Lahov et al. (1971); e lactobacilos tratamento Lahov e térmico Regelson (1996)Isracidina αs1 – CN f(1-23) Alguns microrganismos Quimosina Hill et al. (1974); Lahov e Regelson (1996)Casocidina-I αs2-CN f(150-188) Staphylococcus carnosus; Fervura e Zucht et al. (1995) Escherichia coli acidificaçãoSN αs2-CN f(164-179) Bactérias Gram-positivas e Pepsina Recio e Visser (1999) Gram-negativas SN αs2-CN f(183-207) Bactérias Gram-positivas Pepsina Recio and Visser (1999) e Gram-negativas SN Humana β-CN f(184-210) Bactérias Gram-positivas Lactobacillus Minervini et al. (2003) e Escherichia coli helveticusKappacina k-CN f(106-169) Streptococcus mutans Quimosina Malkoski et al. (2001) Escherichia coli SN Humana k-CN f(43-97) Staphylococcus carnosus Pepsina Liepke et al. (2001) Escherichia coli SN α-Lactalbumina f(1-5) Bactérias Gram-positivas Tripsina Pellegrini et al. (1999)SN α-Lactalbumina f(17-31) S-S(109-114) Bactérias Gram-positivas Tripsina Pellegrini et al. (1999)SN α-Lactalbumina f(61-68) s-s(75-80) Bactérias Gram-positivas Quimotripsina Pellegrini et al. (1999)SN β-Lactoglobulina f(15-20) Bactérias Gram-positivas Tripsina Pellegrini et al. (2001)SN β-Lactoglobulina f(25-40) Bactérias Gram-positivas Tripsina Pellegrini et al. (2001)SN β-Lactoglobulina f(78-83) Bactérias Gram-positivas Tripsina Pellegrini et al. (2001)SN β-Lactoglobulina f(92-100) Bactérias Gram-positivas Tripsina Pellegrini et al. (2001)Lactoferricina-B Lactoferrina f(17-41/42) Bactérias Gram-positivas Pepsina Recio and Visser (1999); e Gram-negativas ou quimosina Hoek et al. (1997)SN Lactoferrina f(1-16) S-S(43-48) Bactérias Gram-positivas Pepsina Dionysius e Milne e Gram-negativas

SN Lactoferrina f (1-42) S-S(43-48) Escherichia coli Pepsina Dionysius e Milne (1997)SN Lactoferrina f(1-16)S-S(17-48) Escherichia coli Quimosina Hoek et al.(1997)SN Lactoferrina f(1-16)S-S(45-48) Micrococcus flavus Pepsina Recio e VIsser (1999) SN Lactoferrina f(1-11)S-S(17-47) SN Lactoferrina f(17-30) Patogênicos orais Sintético Groenink et al. (1999) SN Lactoferrina f(19-37) Patogênicos orais Sintético Groenink et al. (1999)Lactoferricina-C Caprine Lactoferrina f(14-42) Micrococcus flavus Escherichia coli Lactoferricina-C Caprina Lactoferrina f(17-41) Staphilococcus aureus Sintético Vorland et al. (1998) Escherichia coli Lactorricina-M Murina Lactoferrina f(17-41) Staphilococcus aureus Sintético Vorland et al. (1998) Escherichia coli Lactoferricina-H Humana Lactoferrina f(1-11)S-S(12-47) Bactérias Gram-positivas e Gram-negativas SN Humana Lactoferrina f(18-31) Bactérias Gram-positivas Sintético Groenink et al. (1999) e Gram-negativasSN Humana Lactoferrina f(20-38) Prevotella intermedia Sintético Groenink et al. (1999)SN Humana lisozima f(87-115) Bactérias Gram-positivas Sintético Ibrahim et al., (2001) e Gram-negativas

*A menos que seja indicada outra fonte, o precursor é o leite bovino

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A proteólise pode ocorrer por ação enzimas proteolíticas du-rante a fermentação do leite e a maturação do queijo. São elas: i) naturalmente presentes em leite; ii) do coagulante adicionado; iii) das enzimas microbianas, princi-palmente as de BAL autóctones e adicionadas, bem como das enzi-mas do trato digestivo, resultando na liberação de muitos PBAs.

PEPTÍDEOS HIPOTENSORES Até o momento, a atividade

bio-funcional, produzida durante a fermentação láctica, mais estuda-

da é aquela que envolve o controle da alta pressão sanguínea. Certos peptídeos originários da hidrólise das caseínas α e β, como de al-gumas proteínas do soro de leite, agem no sistema renina-angioten-sina, inibindo a enzima conversora de angeotensina I em angiotensina II (ECA).

Esses peptídeos podem ser li-berados durante a maturação do queijo por enzimas proteolíticas das BAL, tais como as proteinases ligadas à parede celular e as pepti-dases citoplasmáticas das BAL. Inclusive, a potência do sistema

inibidor ECA em queijo tem sido relacionada com a extensão da maturação.

O tipo de BAL usado é um dos principais fatores que influenciam a síntese de PBAs inibidores do sistema ECA em produtos lácteos.

Frações de peptídeos inibidores do sistema ECA possuindo diferen-tes potenciais têm sido isolados de vários tipos de queijos. A Tabela 10 apresenta os peptídeos origi-nados das caseínas αS1, αS2 e β. Esses peptídeos liberados da αS1-, αS1- e β-caseína apresentam valores de IC50 de 13,4 a 592

TABELA 9 - EXEMPLOS DE PBAS LIBERADOS DAS PROTEÍNAS DO LEITE POR VÁRIOS MICROORGANISMOS E ENZIMAS MICROBIANAS

Micoorganismo Proteína Seqüência Bioatividade Referências precursora

Lb. helveticus, β-cn, k-cn Val-Pro-Pro, Inibidor ECA Nakamura et al. S. cerevisae Ile-Pro-Pro Antihipertensivo (1995)

Lactobacillus GG β-cn, αS1-cn Tyr-Pro-Phe-Pro, Opióide, Nakamura et al.Enzimas + Ala-Val-Pro-Tyr-Pro-Gln-Arg, inibidor ECA (1995)Pepsina e tripsina Hr-Thr-Met-Pro-Leu-Trp Imunestimulador

Proteinase de β-cn Lys-Val-Leu-Pro-Val-Pro-(Glu) Inibidor ECA Rokka et al.Lb. helveticus CP90 (1997)

Lb. helveticus CPN4 Proteínas soro Tyr-Pro Inibidor ECA Maeno et al. (1996)

Lb. delbrueckii subsp. β-cn, k-cn Muitos fragmentos Inibidor ECA Yamamoto et al. bulgaricus SS1 (1999)Lc. lactis subsp. cremoris FT4 Gobbetti et al.

(2000)

Lb. delbrueckii subsp. k-cn Ala-Arg-His-Pro-His-Pro- Antioxidativo Kudoh et al.bulgaricus IFO13953 HisLeu-Ser-Phe-Met (2001)

Lb. rhamnosus+ digestão β-cn Asp-Lys-Ile-His-Pro-Phe, Inibidor ECA Hernández-com pepsina e Corolase PP Tyr-Gln-Glu-Pro-Val-Leu, Ledesma Val-Lys-Glu-Ala-Met-Ala- et al. (2004) Pro-Lys

Lb. delbrueckii subsp. β-cn Ser-Lis-Val-Tyr-Pro-Phe-Pro- Antioxidativo Ashar e Chand, Gly-Pro-Ile bulgaricus Inibidor ECA (2004)

St. thermophilus+ Lc. lactis β-cn Ser-Lys-Val-Try-Pro Inibidor ECA Ashar e Chand,subsp. lactis biovar. (2004)diacetylactis

Lb. helveticus ICM 1004 Hidrolisado de Val-Pro-Pro, Ile-Pro-Pro Inibidor ECA Pan et al.(extrato celular) leite desnatado (2002)

*cn=caseína

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μM. Até então nenhuma proteína do soro derivada de peptídeos inibidores de ECA foi identificada em queijo.

A Tabela 11 apresenta alguns peptídeos, inibidores do sistema ECA, identificados em diferentes leites fermentados. A maioria dos peptídeos é derivada da caseína, possuindo valor de IC 50 variando de 5 a 720 μM. Em certos casos, onde culturas do iogurte foram em-pregadas para fermentar a caseína e soro chegou a ser necessária a atividade de tripsina para liberar a atividade inibidora ECA.

Os Lb. helveticus são mais efe-tivos na produção de peptídeos inibidores de ECA que Lactococcus lactis. Duas bebidas de leite, Ameal STM e EvolusTM, fermentadas com diferentes linhagens de Lb. helveticus, possuindo propriedades hipotensoras, foram desenvolvidas respectivamente pela Companhia Calpes, no Japão, e pela Valio, na Finlândia. O produto Ameal S é fermentado com Sacharomyces cerevisae em conjunto com Lb. helveticus. Eles contêm os tripep-tídeos IPP (beta-caseína f(74-76) e capa-caseína f(108-110)) e VPP (beta-caseína f(84-86)), conforme mostra a Tabela 12.

Uma linhagem de Lb. helveticus é utilizada para originar um leite fermentado, possuindo ambas as propriedades, anti-hipertensiva e redutora de batimento cardíaco.

Esta descoberta levou ao desenvol-vimento do Cardi-04TM Chr. Han-sen A/S (Dinamarca), que é comer-cializado como uma linhagem de BAL que possui a propriedade de gerar peptídeos anti-hipertensivos durante a fermentação.

Liberação de PBAs a partir do leite

Conforme mencionado, os PBAs estão presentes na seqüência primá-ria das caseínas do leite num estado inativo. Precisam ser liberados, a fim de mediar um efeito fisiológi-co. Esses peptídeos ou seqüências pró-peptídeos associadas podem ser gerados por diferentes vias: (i) Hidrólise por enzimas digestivas (pepsina, tripsina, quimotripsina e pancreatina), (ii) Proteólise pela fermentação com bactérias lácticas, (iii) Hidrólise por enzimas proteolí-ticas derivadas de microrganismos ou plantas e combinações por fermentação láctica e por hidrólise com enzimas digestivas. Exemplo: Peptídeos inibidores de ECA foram isolados de leite UAT após trata-mento com pepsina, seguido de fermentação com Lactobacillus GG e de digestão com tripsina.

As seqüências bioativas devem apresentar as seguintes proprie-dades:

(i) Resistência às condições de degradações subseqüentes, as quais podem levar a perda comple-

ta de sua bioatividade. Exemplo: uma fração de peptídeo inibidor ECA isolado de leite de ovino e de caseinato de sódio hidrolisado com uma proteinase de Lb. helveticus PR4 mostrou ser resistente à degra-dação subseqüente com tripsina e quimotripsina. A degradação pode ocorrer “in vivo” durante o trânsito gastrintestinal, absorção intestinal e o transporte sanguíneo.

(ii) Capacidade de adsorção à mucosa intestinal. Exemplo: um estudo “in vitro” mostrou que o tripeptídeo VPP, constituinte dos leites fermentados Ameal S e Evo-lus, foi capaz de cruzar as células Caco-2.

(iii) Capacidade para alcançar os organismos-alvo. Exemplo: foi mostrado que IPP e VPP foram detectados na aorta de SHR, após ingestão de Ameal S. Além disso, a ingestão de Ameal S por SHR foi associada com uma diminuição da atividade ECA em soro. Finalmente, a ingestão de ambos os produtos resultou em significativo aumento da atividade da renina em SHR.

Todos os exemplos citados in-dicam que os peptídeos inibidores de ECA presente nesses leites fer-mentados são resistentes à digestão gastrintestinal, ou seja, que estes cruzam a barreira da mucosa, que eles são resistentes à digestão pelas peptidases e que estes peptídeos mediam uma resposta fisiológica.Normalmente, os peptídeos peque-

TABELA 10 - ALGUNS PEPTÍDEOS INIBIDORES DO SISTEMA ECA IDENTIFICADOS EM DIFERENTES VARIEDADES DE QUEIJO

Fragmento Seqüênciab IC50 (μM)c Queijo

αS1-cn f(1-9) RPKHPIKHQ 13,4 Gouda

αS1-cn f(102-109) KKYNVPQL 77,1 Manchego

αS2-cn f(205-208) VRYL 24,1 Manchego

β-cn f(60-68) YPFPGPIPN 14,8 Gouda

β-cn f(58-72) LVYPFPGPINSLPQ 18,0 Crescenza

β-cn f(199-204) VRGPFP 592,0 Manchego

acn= caseína. bUm código de letra. CConcentração de material medindo 50% da atividade ECA

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nos (2 a 4 aminoácidos) são mais estáveis nas condições gástricas. Alguns peptídeos se ligam a recepto-res específicos do lúmen intestinal e induzem às reações fisiológicas. Pequenos peptídeos são absorvidos intactos por um sistema de trans-porte de peptídeos na circulação sanguínea e transportados aos organismos-alvo.

Produção comercial de PBAs

A produção comercial de peptíde-os bioativos das proteínas do leite é limitada pela falta de tecnologias adequadas. Até agora, técnicas de separação por membranas representam a melhor tecnologia disponível para o enriquecimento de peptídeos com determinada faixa de peso molecular.

A ultrafiltação é rotineiramente empregada para enriquecer PBAs a partir de hidrolisados de proteínas.

Hidrólise enzimática pode ser feita por batelada ou contínua usando membrana de UF. O método con-vencional de batelada tem algumas desvantagens, como o alto custo da enzima e sua ineficiência, quando comparado com o processo con-tínuo.

Uso de reatores de membrana para a produção contínua de seqüências peptídicas específicas foi introduzido em 1990. Ela já foi bem aplicada para a conversão de proteínas de alimentos de várias origens a hidrolisados com proprie-dades nutricionais e/ou funcionais. Uso de reatores de membrana de UF aperfeiçoou a eficiência da bio-conversão catalisada por enzima e aumentou o rendimento do produto. Além disso, reatores de membra-na de UF forneceram um produto consistentemente uniforme com as características de peso molecular desejadas.

Extração contínua de PBAs em reatores de membrana tem

sido principalmente aplicado às proteínas do leite: recuperação de peptídeos antitrombóticos de-rivados do caseinomacropeptídeo (CMP); combinação de hidrólise enzimática e UF para produção de peptídeos emulsificantes da β-lactoglobulina. Mas, eles nota-ram problemas de incrustações (interação peptídeo-membrana), principalmente em UF de hidroli-sados de caseína.

Quando desenvolvidos como ingredientes alimentares, o tipo de processamento aplicado aos PBAs é de importância vital para sua atividade. Considerando que tratamentos térmicos severos têm um efeito muito negativo sobre a biodisponibilidade dos peptídeos do soro, os processadores devem monitorar cuidadosamente os pa-râmetros de produção.

Perspectivas futuras O desenvolvimento de qual-

TABELA 11 - ALGUNS INIBIDORES DO SISTEMA ECA IDENTIFICADOS EM DIFERENTES LEITES FERMENTADOS

Fragmento Seqüênciab IC50 (μM)c Bactéria Lácticad

αS1-cn f(194-199) TTMPLW 51,00 Iogurte e linhagens filantesf

αS1-cn f(142-147) LAYFYP 65,00 Iogurte e linhagens filantesf

αS1-cn f(157-164) DAYPSGAW 98,00 Iogurtef

αS1-cn f(146-147) YP 720,00 Lb. helveticus CPN4

β-cn f(74-76) IPP 5,00 S. e cerevisae + Lb.f helveticus

β-cn f(84-86) VPP 9,00 S. cerevisae + Lb. helveticus

β-cn f(177-183) AVPYPQR 274,00 Iogurte e linhagens filantesf

β-cn f(193-198) YQEPVL 280,00 Iogurte e linhagens filantesf

β-cn f(114-115) YP 720,00 Lb. helveticus CPN4

β-cn f(108-113) EMPFPK 423,00d Iogurte e linhagens filantesf

k-cn f(108-110) IPP 5,00 Lb. helveticus

k-cn f(58-59) YP 720,00 Lb. helveticus CPN4

A-Ia f(105-110) LAHKAL 621,00 Iogurte e linhagens filantesf

β-Ig f(9-14) GLDIQK 580,00 Iogurte e linhagens filantesf

β-Ig f(15-20) VAGTWY › 1000,00 Iogurte e linhagens filantesf

acn, caseína. bUm código de letra. CConcentração de material mediando 50% da atividade ACE. dBactéria láctica. dmg L-1, eLb,Lactobacillus. fPepsina e tripsina também foram adicionadas para liberar PBAs inibidores de ECA.

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quer produto lácteo fermentado com benefícios à saúde humana, além das necessidades nutricio-nais, requer um conhecimento detalhado dos mecanismos que estão por trás dos efeitos benéfi-cos. Exemplo: PBAs inibidores de ECA: conhecimento detalhado do mecanismo envolvido na intera-ção existente entre o sítio ativo da enzima e o peptídeo e/ou aminoácidos presentes dentro desses peptídeos, em ordem para efetivamente produzir peptídeos inibidores e/ou produtos lácteos contendo cada peptídeo.

Muitos PBAs derivados das proteínas do leite ocorrem dentro de uma mesma região da proteína intacta, por exemplo, as seqüências de peptídeos específ icos pos-suindo duas ou mais atividades in vitro tem sido identificados. Essas regiões são consideradas “zonas estratégicas”, que devem ser parcialmente protegidas da proteólise.

Devido a multifuncional bioati-vidades, por exemplo, atividades inibidoras opióide e ECA, a posse de produtos lácteos possuindo am-bas as atividades pode ser benéfi-ca para a saúde cardiovascular.

Recentemente, tecnologias adequadas para a produção co-mercial de PBAs, a partir de leites fermentados em escala industrial, têm sido desenvolvidas e lançadas para sua subseqüente utilização como ingredientes de alimentos funcionais. Estas têm como base os novos métodos de separação em membranas e de cromatografia de troca iônica empregados pela emergente indústria de ingredien-tes lácteos.

As substâncias bioativas, ori-ginadas de alimentos, podem ser disponibilizados ao consumidor em produtos convencionais, ali-mentos funcionais ou medicinais ou como suplementos dietéticos. Cada categoria necessita de uma “alegação específica”.

Leila Maria Spadoti Engenheira de alimentos (ESALQ/USP). Possui Mestrado em Ciên-cia e Tecnologia de Alimentos (ESALQ/USP), área de Leite e Derivados, e doutorado em Tecnologia de Alimentos (FEA/UNICAMP), área de Leite e Deri-vados. Atua profissionalmente no Centro Estadual de Educação Tec-nológica Paula Souza, Fundação Tropical de Pesquisas e Tecnolo-gia André Toselo e, atualmente, é pesquisadora do Centro de Tecno-logia de Laticínios - TECNOLAT / ITAL.

Izildinha Moreno Graduada em Biologia (PUC-Campinas). Possui Mestrado em Ciência dos Alimentos (FCF/USP), área de Bromatologia, e douto-rado em Ciência dos Alimentos (FCF/USP), área de Bromatolo-gia. É pesquisadora e diretora técnica do Centro de Tecnologia de Laticínios - TECNOLAT / ITAL.

TABELA 12 - EFEITOS HIPOTENSIVOS DE LEITES FERMENTADOS EM HUMANOS

Microrganismo(s)a Produtob Dose (subjetiva) Resposta Referência (max D PSS mmHg)c

Lb. helveticus CM4 Ameal STM 95mL/dia -14,1±3,1 (P<0,01) Hata et al. S. cerevisae (30 mild hipertensive) Após 8 semanas (1996)

Lb. casei Leite fermentado (LF) Ad libitum -7 (P<0,05) Kawase et al.TCM0409 contendo soro (20 voluntários saudáveis) Após 8 semanas (2000)

Str. thermophilus TCM Concentrado protéico 1543

Lb. helveticus LBK16H Evolus 150 mL/dia -10,1±3,0 (P<0,05) Seppo et al. (30 mild hipertensive) Após 8 semanas (2002)

Lb. helveticus LBK16H Evolus 150 mL/dia -6,7±3,0 (P<0,03) Seppo et al. (39 hypertensives) Após 21 semanas (2003)

Lb. casei Shirota LF + Υ-ácidoaminobutírico 100 mL/dia -17,4±4,3 (P<0,05) Inoue et al. Lc. lactis YT2027 (35 mild hipertensives) Após 12 semanas (2003)

Lb. helveticus LBK16H Evolus 150 mL/dia -2,6±15,9(P<0,3111) Tuomiletho Após 21 semanas et al. (2004)

Lb. helveticus Ameal S 160 g/dia -5,2±8,1(P<0,390) MizushimaS. cerevisae Após 2 semanas et al. (2004)

aLb,Lactobacillus; S., Saccharomyces. bAmeal STM produzido por Calpis Food Industry CO Ltda, Tokyo, Japão; EvolusTM produzido por Valio Ltda. Valio, Finlândia. cPSS, pressão sanguínea sistólica; Valor expressado + erro padrão; mmHg. Milímetros de mercúrio.

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