pensarcompleto1401

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VITÓRIA, SÁBADO, 14 DE JANEIRO DE 2012 www.agazeta.com.br Pensar Antes e depois de Jobs Entrelinhas A VIDA REVELADA COM AMOR, HUMOR, HORROR E TÉDIO, NAS CRÔNICAS DE LOBO ANTUNES . Página 3 Música 2112”: O DISCO EM QUE O RUSH RETRATOU A VITÓRIA DA ARTE CONTRA A OPRESSÃO. Página 5 Letras A RIQUEZA POÉTICA DE SANTIAGO MONTOBBIO , MEMBRO ESPANHOL DA AEL. Página 8 Conto ENCONTROS E DESENCONTROS EM FICÇÃO INÉDITA DE DEL ESTRELA. Página 12 ESPECIALISTA PROJETA O FUTURO DA TECNOLOGIA SEM O FUNDADOR DA APPLE Páginas 6 e 7 A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA PELO SAMBA Antropóloga analisa documentário sobre a história da Unidos da Piedade Páginas 10 e 11

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Page 1: PensarCompleto1401

VITÓRIA, SÁBADO, 14 DE JANEIRO DE 2012www.agazeta.com.brPensar

Antes e depois de Jobs

EntrelinhasA VIDAREVELADA COMAMOR, HUMOR,HORROR ETÉDIO, NASCRÔNICAS DELOBO ANTUNES.Página 3

Música“2112”: O DISCOEM QUE ORUSH RETRATOUA VITÓRIA DAARTE CONTRA AOPRESSÃO.Página 5

LetrasA RIQUEZAPOÉTICA DESANTIAGOMONTOBBIO,MEMBROESPANHOLDA AEL.Página 8

ContoENCONTROS EDESENCONTROSEM FICÇÃOINÉDITA DEDEL ESTRELA.Página 12

ESPECIALISTA PROJETA O FUTURO DATECNOLOGIA SEM O FUNDADOR DA APPLE Páginas 6 e 7

A CONSTRUÇÃO DAMEMÓRIA PELO SAMBA

Antropóloga analisa documentário sobre ahistória da Unidos da Piedade Páginas 10 e 11

Documento:AGazeta_14_01_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_1.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:12 de Jan de 2012 20:50:43

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2PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,14 DE JANEIRODE 2012

marque na agenda prateleiraquempensa

Aline Prúcoli de SouzaémestreemEstudosLiterá[email protected]

VeraMárciaSoaresdeToledoéprofessoradeLiteraturaeHistóriadaFaculdadeSaberes. [email protected]

AntonioEmílioébaixistadabandaPassageirosClandestinos.antonio_emilio@hotmail.com

GilbertoSudrééconsultoremnovas [email protected]

EsterAbreuVieiradeOliveiraépresidentedaAcademiaFemininaEspí[email protected]

CaêGuimarãeséjornalista,poetaeescritor.Publicouquatrolivroseescrevenositewww.caeguimaraes.com.br

JucaMagalhãeséblogueirodecrônicas, professordemúsicaeprodutorcultural. [email protected]

LucasdosPassosémestrandoemLetras,poetaeestudiosodaobradePauloLeminski. [email protected]

GeovanaTabachiSilvaéantropólogaeprofessoradocursodeCiênciasSociaisdaUFF. [email protected]

Corrupção e SistemaPolítico no BrasilFernando Filgueirase Leonardo Avritzer(org.)Seleção de artigosque observamminuciosamente a relação

entre instituições e cultura política,propondo o enfrentamento da corrupçãono Brasil e suas consequências nocivasao desenvolvimento do país.

256 páginas. Civilização Brasileira. R$ 37,90

O Último Suspirodo MouroSalman RushdieNarrado por um heróipicaresco em cujas veiascorre sangue português,judeu, árabe e indiano,este romance foi a

resposta do escritor a sua condenação àmorte pelo aiatolá Khomeini, em 1988, porcausa de seu livro “Versos satânicos”.

504 páginas. Companhia das Letras. R$ 29

Tio Tungstênio –Memórias de umaInfância QuímicaOliver SacksO autor relembra suainfância, impregnada derecordações sobre ocomportamento misterioso

dos materiais, por meio de uma narrativaenvolvente que mistura investigaçõesintelectuais e amadurecimento afetivo.

336 páginas. Companhia das Letras. R$ 25

Crítica da RazãoPunitivaManoel B. da MottaO estudo das raízes docontrole e da puniçãoinstaurados na sociedadebrasileira, no século XIX,traz subsídios para o melhor

entendimento da realidade prisional do país.

380 páginas. Forense Universitária. R$ 75

CampusCentro de Línguas inicia aulas em fevereiroAs matrículas para os cursos no Centro de Línguas da Ufesestarão abertas a partir de 24 de janeiro. As aulas terão iníciomais cedo este ano, no dia 3 de fevereiro. Mais informaçõesno site www.clinguas.com.br ou pelo telefone 4009-2880.

Ciência Sem FronteirasGraduação-sanduíche no exteriorEstá aberta a seleção para os alunos da Ufes interessados emparticipar do programa de graduação-sanduíche na Alemanha,França, Estados Unidos, Itália ou Reino Unido, dentro daschamadas públicas do Programa Ciência Sem Fronteiras. Maisinformações pelo e-mail [email protected].

26de janeiroAndra Valladareslança CD autoralA cantora e compositorafaz o show delançamento do seuprimeiro CD no próximodia 26, às 20h30, noTrindade restaurante ebar, na Praia da Costa,Vila Velha. Ingresso: R$20 (com direito a umCD). No repertório,músicas próprias e areleitura de “Trêsapitos”, de Noel Rosa.

02de marçoIncentivo à cultura em CachoeiroAs inscrições de projetos culturais na Lei Rubem Braga deCachoeiro de Itapemirim começam na próximasegunda-feira (16) e vão até 2 de março. O edital e a fichade inscrição estarão disponíveis a partir do dia 16, no portalda prefeitura: www.cachoeiro.es.gov.br.

José Roberto Santos Neveséeditor doCaderno Pensar, espaço para adiscussão e reflexão cultural que circulasemanalmente, aos sábados.

[email protected]ÓS-MODERNIDADE E TRADIÇÃO

O que esperar do mundo sem Steve Jobs? Essa é apergunta que o consultor em novas tecnologias GilbertoSudré lança em seu artigo sobre o fundador da Apple, quemorreu em 5 de outubro do ano passado. Uma das maisnotáveis personalidades do nosso tempo, o empresário foiresponsável por revolucionar pelo menos três segmentos daindústria: informática, música e telefonia. Da série Apple II,uma das primeiras linhas de computadores pessoais desucesso, lançada em 1977, às invenções de iPods, iPads eiPhones, nos anos 2000, os produtos criados pelo magnata

mudaram a relação do homem com a tecnologia. Sudré leua biografia de Jobs, escrita por Walter Isaacson, e relata atrajetória do jovem fã de Bob Dylan que construiu o futuromovido por intensidade e paixão. No campo da culturapopular, a antropóloga Geovana Tabachi escreve sobre aconstrução da memória e da identidade dos moradores daPiedade e da Fonte Grande, a partir da relação afetiva coma Unidos da Piedade, a mais antiga escola de samba doEstado, e que comemora amanhã 57 anos de fundação.Pós-modernidade e tradição, juntos, para ler e Pensar.

Pensar na webVídeosdeSteve Jobs, trechosdodocumentáriosobreaUnidosdaPiedade,músicasdoRushe trechosde livroscomentadosnestaedição,nowww.agazeta.com.br

PensarEditor: José Roberto Santos Neves;EditordeArte:Paulo Nascimento;Textos:Colaboradores;Diagramação:Dirceu Gilberto Sarcinelli;Fotos:Editoria de Fotografia e Agências; Ilustrações:Editoria de Arte;Correspondência: Jornal

A GAZETA, Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória/ES, Cep: 29.053-315, Tel.: (27) 3321-8493

DelEstrelaéempresária, amantedasartesedopensamento [email protected]

Documento:AGazeta_14_01_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_2.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:12 de Jan de 2012 20:53:39

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3PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,

14 DE JANEIRODE 2012

entrelinhaspor ALINE PRÚCOLI E VERA MÁRCIA SOARES DE TOLEDO

INSTANTÂNEOSDE UMA VIDA

DIVULGAÇÃO

As Coisas da Vida:60 CrônicasAntónio Lobo Antunes.Alfaguara. 232 páginas.Quanto: R$ 27,90

“Aquilo a que costumamos cha-mar circunstâncias e não pas-sa, muito simplesmente, do queconsentimos que a vida e aspessoas nos façam, obriga-ram-no cada vez mais a refletirsobre si mesmo. Aos vinte anosjulgava que o tempo lhe resol-via os problemas: aos cinquen-ta dava-se conta de que o tempose tornara o problema. Jogaratudo no acto de escrever, ser-vindo-se de cada romance paracorrigir o anterior em busca dolivro que não corrigiria nunca,com tanta intensidade que nãolograva recordar-se dos acon-tecimentos que haviam tido lu-gar enquanto os produzia.”(“António 56 1/2”, p. 59)

António Lobo Antunes dizem sua crônica, “Receitapara me lerem”: “Sempreque alguém afirma ter li-do um livro meu fico de-cepcionado com o erro. É

que meus livros não são para ser lidosno sentido em que usualmente se cha-ma ler: a única forma parece-me deabordar os romances que escrevo éapanhá-los do mesmo modo que seapanha uma doença.” (p. 51). Longe deafastar as pessoas com depoimento tãodireto e cru sobre seu trabalho, LoboAntunes só faz aumentar seu plantel deleitores. E eles são fiéis. Como os deVirginia Woolf, Clarice Lispector, V.S.Naipaul ou Enrique Vila-Matas. Escri-tores estranhos, controversos, intensos,talentosos e inquestionáveis tradutoresda alma moderna e pós-moderna.Lobo Antunes, nascido em 1942, em

Lisboa, foi médico psiquiatra até 1985.A partir desta data, passou a se dedicarintegralmente à antiga profissão a qualabraçou “por volta dos oito anos deidade”: a literatura. Em “Retrato doartista quando jovem”, ele diz: “E ape-nas por falta de vocação para refor-mado, mártir ou refém, acabei roman-cista.” (p. 41). Atualmente, é um dosescritores portugueses mais traduzidose premiados, com vasta obra de ficção(romances, contos e crônicas).Sua voz narrativa vai além de uma

realização meramente portuguesa. Elaalcança um terreno mais amplo natentativa de explicitar a natureza doeuropeu pós-moderno. Impõe-se tam-bém por meio de linguagem inusitadaque, não obstante a singularidade, tra-duz uma notável consciência crítica dasituação histórico-cultural contempo-rânea. Faz-se ainda grande crítico da

memória cultural portuguesa como ex-pressa e delineada, no século XX, de-baixo da ditadura salazarista.Nestas crônicas, a vida se apresenta

através da memória, do humor, docotidiano, do horror, do tédio, dasatrocidades, do amor, da mesquinheze da poesia silenciosa da passagem dotempo.São 60 crônicas/episódios que mis-

turam realidade e ficção, revolvendonostalgicamente e autobiograficamen-te os anos de vida de Lobo Antunes.São, como o título sugere, um álbum delinguagem fotográfica que guarda ins-tantes. Que simplesmente registra “Ascoisas da vida”. São, ainda, trampolinsque nos fazem saltar de um sorrisodisplicente e, por vezes, involuntário,para o choromanso e pesado da solidãoa cada virada de página. Sãomentiras econfissões sinceras de um adulto aindacriança que recria, com invejável fa-cilidade, os episódios e personagens de

sua vida, escancarando minúcias con-jugais de seus familiares (reais ou ima-ginários?) como um pirralho, nada par-vo e muito curioso, que não se cansa deolhar pelo buraco da fechaduraalheia.Este é, enfim, um livro de ensi-

namentos pueris e, por isso mesmo,precioso que não deve ser atravessadocom pressa. Afinal, é um espaço em que“as palavras são apenas signos de sen-timentos íntimos, e as personagens,situações e intriga os pretextos de su-perfície” (p. 51) que nos conduzem aofundo avesso da alma humana para

logo nos fazer renascer. “Imensamen-te.” (p. 83)Ao fim das 231 páginas, a surpresa

nos vem do fato de “não existir nar-rativa no sentido comumdo termo,masapenas largos círculos concêntricos quese estreitam e aparentemente nos su-focam. E sufocam-nos aparentementepara melhor respirarmos.” (p. 52)Paradoxalmente, terminamos a lei-

tura comduas certezas: a de que não hácomo definir certeza alguma sobre ascoisas da vida e a de que estas coisas sãofeitas de lágrimas, gargalhadas, brigas,sonhos, Vergílios e Verlaines, cicatrizes,rugas, Almanaques do Tio Patinhas,bichos da seda, guarda-chuvas de cho-colate e daquilo que está guardado nomais recôndito espaço de nossa me-mória, emumentre lugar escorregadio,etéreo e atemporal que, como numpasse de mágicas mandrakeano– Hopaparece e desaparece.

As crônicas de Lobo Antunes traduzem uma notável consciência crítica da situação histórico-cultural contemporânea

Documento:AGazeta_14_01_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_3.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:12 de Jan de 2012 19:38:28

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4PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,14 DE JANEIRODE 2012

Em “Brumas da Mantiqueira”, Vinícius Bertoletti reativa passagens de sua juventude emBarbacena (MG), incluindo os personagens da política local e os tipos populares da região

EXALTAÇÃO À CIDADE NATALEM PROSA E MEMÓRIAS

Feliz do homem que se fazescritor, reativando as me-mórias de sua juventudebem vivida e historica-mente situada em sua ci-dade natal.

Essa cidade envolvida pelas “Bru-mas daMantiqueira” é Barbacena, des-cortinada pela ótica poética e pelosenso de humor de Luiz Vinícius Gui-marães Bertoletti.Luiz Vinícius é até hoje um devorador

de livros – sendo que, em sua juventude,saboreou com gosto e prazer as obras deÉrico Veríssimo, Machado de Assis, Joséde Alencar, Lima Barreto, GracilianoRamos – comoele sofreu comamorte dacachorrinha Baleia!Leu, ainda jovem, Rachel de Quei-

roz, José Lins do Rego, Camilo CasteloBranco, Júlio Diniz – e não poderiadeixar de se encantar com as poesias deCasemiro de Abreu, Olegário Mariano,João de Deus, Guerra Junqueiro, An-tero de Quental...Não poderia faltar a leitura dos clás-

sicos estrangeiros para a juventude; ede Lobato para adultos.Pode-se assim dizer que se deixou

levar pelo famoso lema de Lobato: “Umpaís se faz com homens e livros”.Com todo esse vasto conhecimento e

aprendizado literário, Vinícius Berto-letti vem impulsionando sua veia poé-tica, tornando-se o nosso grande poetae um excelente memorialista.Em “Brumas da Mantiqueira” (Edi-

tora Thesaurus, Brasília) faz a sua exal-tação à Barbacena, criando um do-brado, que ele ainda define como “sam-ba-enredo”.

Fascínio por JKO seu livro é isso: um samba-enredo,

trazendo alas, adereços, conjunto, fan-tasias e muita história, com personagensformados por amigos, por familiares, porgrupos sociais, culturais e esportivos, porcolegas e gente do meio político, que fezcom que ficasse famosa a sua Barbacenae os seus eloquentes políticos de umaMinas – boa de oratória – que por láalguns viveram e de outros que por lápassaram, como o JK. Não poderia dei-xar de mencionar, dentre outros, Be-nedito Valadares, e a rivalidade históricaentre os doutores Bias Fortes e José

Bonifácio, chamando-os de caudilhos,que se digladiavam a cada eleição.Fascinado por JK, o nosso Luiz Vinícius

profetizou: “Ele tem um carisma indis-cutível. Creio que não será apenas go-vernador. É bem provável que chegue àpresidentedaRepública”. Dissemais: “Jus-celino tem sinos na voz”. E JK chegou.O nosso escritor, com a sua Berenice,

da Belacap para Brasília se mudou; e lápor bom tempo trabalhou; e pela novaCapital Federal se encantou; e seuslivros na Novacap publicou.Já a marcante presença do pai ita-

liano em sua vida não foi abalada. Foisim, fortalecida pela mãe, que mudoude nome – de Senhorinha para o sonoroGraciema, cujo significado indígena éManhã de Sol, nome que foi escolhidopor seu pai.Exaltada foi Graciema na crônica

“Viva seu Abraão”! Crônica a que todaBarbacena de ontem e de hoje deveriater tido acesso.Era o ano de 1942. O mundo estava

em guerra e Vinícius coloca Barbacenanesse cenário de hostilidade urbana,pelos defensores da pátria contra osalemães – os chamados nazistas – eoutros descendentes de europeus (ita-lianos) que habitavam a cidade, dan-do-lhe progresso e cultura.Sobrou até para seu pai, descen-

dente de italianos, que, segundo nossoautor, amava mais Barbacena do que amaioria dos barbacenenses.Aí entra a defesa heroica da mãe –

professora da Escola Normal. Apesar dapequena estatura, ela não temeu, e sim seagigantou lá de uma das janelas dosobrado, de onde falou àmultidão furiosaque se aglomerou na Praça João Pessoa.Oseubradoépatrióticoebemretratado

por seu filho Vinícius. Ei-lo (pág. 72):“Meu marido é tão brasileiro como

qualquer um de vocês, nascido aquimesmo em Barbacena. É reservista doExército, tendo servido em São JoãoDel Rei. Enquanto o Brasil era neutro,ele torcia pela terra de seus pais, mas

agora, é lógico que ele está a favor denossa pátria. Ele é brasileiro, gente!Tem filhos brasileiros! Ama o Brasil!”.Esse homem-poeta com toda essa vi-

vência, e por ser filho de uma mãe-co-ragem pelo seu discurso convincente, epor ter vindo da “cidade das rosas”, sópoderíamos nomeá-lo como um de seusmais nobres jardineiros – sempre preo-cupado com a ecologia: louvando o cantodo sabiá; descrevendo suas árvores fru-tíferas e ornamentais; lutando pelas cas-tanheiras em sua querida Guarapari.Seu livro é recomendado por trazer

tanta prosa, tão saborosa, flanando pelaRua Silva Jardim, Rua 15 de Novembro,Rua do Campo, pelo Grande Hotel, Con-feitaria Colonial, Largo da Igreja deNossaSenhora da Boa Morte, Avenida BiasFortes, Beco Treze, Rua José Bonifácio,Rua Baronesa Maria Rosa, Escola NormalMunicipal, Colégio Imaculada Conceição,Escola Agrícola, Colégio Estadual, ClubeBarbacenense, Praça do Globo, CinemaApolo... Ah, Hotel Aliança, em seu am-biente agradável e de alto astral!

Fatos e casosA riqueza desse seu livro está em

fatos e casos como: “O Burro e asRosas”, “A Onça Pintada”, “PessegadaVerde Esmeralda”, “Laranja de NovaIguaçu”, dentre outros, sob o “Toquede Silêncio” para seu primo Expedito,que preenchem as 158 páginas de“Brumas da Mantiqueira”.Soube, no entanto, recolher tantas

lembranças que certamente encantarãoo leitor, em especial o leitor que moraou já morou no interior, e conviveu dealguma forma com tipos populares quefazem o folclore da cidade.Concluo esse meu discurso – de

caráter crítico-literário – com esses ver-sos de Vinícius Bertoletti, exaltando,com paixão, a sua Barbacena:“Minha terra tão querida, Bar-

bacena,Para ti eu trago aqui este poe-

ma,Linda serra das Gerais;Dominando tão altiva e sobran-

ceira,És princesa da formosa Man-

tiqueira,Perfumada pelos grandes

roseirais”.

Bertoletti é vice-presidente da Guaracultura, associação de escritores de Guarapari

BRUMAS DA MANTIQUEIRAVinícius BertolettiThesaurus Editora160 páginasQuanto: R$ 30. À venda pelosite www.thesaurus.com.br

livrospor LUIZ SÉRGIO QUARTO

Documento:AGazeta_14_01_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_4.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:12 de Jan de 2012 19:55:03

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5PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,

14 DE JANEIRODE 2012

2112Rush. 6 faixas. Ano: 1976.Mercury. Quanto: R$ 51,90(importado e remasterizado).

falando de músicapor ANTONIO EMÍLIO

FALTAM CEMANOS PARA 2112

DIVULGAÇÃO

Alex Lifeson, Neil Peart e Geddy Lee, do Rush, em 1976, ano do lançamento do álbum “2112”: vitória da arte contra a opressão

“Eos humildes devemherdar a terra...” (Sal-mos, 37; 11). Comessa citação bíblica, oRush abre seu quartoálbum, lançado em

1976, que iria consolidar a carreira dotrio canadense e elevá-lo ao patamar dasmaiores bandas do rock de todos ostempos: o épico “2112”.Breve história da banda até então: em

1974, Geddy Lee (baixo e vocal), AlexLifeson (guitarra) e JohnRutsey (bateria),adolescentes de Toronto, lançam seu pri-meiro disco, o homônimo “Rush”. Aindanesse ano, Rutsey deixa a banda para aentrada de Neil Peart, formação esta que,após 38 anos, semantem inalterada. Coma entrada de Peart, o Rush ganha nãoapenas um exímio baterista, mas tambémum culto e profundo letrista. Juntos lan-çam “Fly by Night” em 1975 e entram devez no cenário do rock norte-americano.Ainda em 1975, colocam outro álbum nomercado, “CaressofSteel”, cujamarca sãoletras bem elaboradas, inspiradas emobras de ficção científica, de J.R.R. Tol-kien inclusive, e longas suítes musicais.“Caress” ainda hoje não é bem com-preendido e, na época, quase afundou ogrupo, que estava em franca ascensão. Agravadora dos caras exigia uma guinadana carreira e na filosofia do grupo. Res-ponderam com “2112”.“2112” é um álbum clássico. Sem saber

de sua história, ainda assim, é impres-cindível ouvi-lo. Conhecendo as circuns-tâncias em que foi gerado, o disco ganhaum significado muito maior. Pois bem. ORush tinha então dois caminhos a seguir:ou os músicos mudavam sua forma decompor, deixando de lado tudo aquilo emque acreditavam, se rendendo à indústria,ou se aprofundavamaindamais nos temasconceituais e complexos e nas músicaslongas. O que fizeram? Um álbum deficção científica, cuja faixa-título, de 20:33minutos, édivididaemsetepartes, eocupaum lado inteiro do vinil, inspirada na obrada escritora americana Ayn Rand e queretrata a luta e a vitória da arte contra aopressão. Interessante e familiar, não?A ficção é contada no ano de 2112, na

“Federação Solar”, união de planetas on-de os sacerdotes, dentro dasmuralhas dascidades, censuram a coletividade. Comodiz a letra de Peart: “Nós temos tomadoconta de tudo; as palavras que vocêsouvem, as canções que cantam; as ima-gens que dão satisfação aos seus olhos;...todas as dádivas da vida são mantidasdentro de nossas muralhas”.A coisa começa a mudar quando um

dos habitantes da “Federação Solar”

ultrapassa os muros e encontra numagruta um antigo instrumento musical.Empolgado com seu achado, ele vaimostrar a novidade aos sacerdotes quenão a recebem de bom grado. Umtrecho do diálogo diz assim:“– Eu sei que isto é muito incomum;

vir perante vocês assim; mas eu en-contrei uma maravilha antiga; penseique vocês deveriam conhecer; ouçamminha música; e escutem o que elapode fazer; há algo aqui tão forte com avida; eu sei que ela tocará vocês.– Sim, nós a conhecemos, não é nada

novo; é só perda de tempo; nós nãoprecisamos de coisas antigas; nossomundo está indo bem.”Amúsica gera libertação. Transforma

as coisas. Tem umpoder imensurável navida das pessoas. O álbum retrata bemisso. Além da faixa-título, outras cincocompletam o disco. O simbolismo daarte gráfica também é genial: um ho-mem nu, que representa a pureza doespírito, lutando contra a estrela ver-melha da “Federação Solar”.Para os fãs do Rush, “2112” não é

apenas um disco. É uma hora apreciada

a cada vez que o relógio marca nove edoze da noite. É uma data come-morada como aniversário a cada 21 dedezembro. Infelizmente, não estareivivo para presenciar o 21 de dezembrode 2112. Mas, como o rock não émodista, não é descartável, pelo con-trário, é perene, eterno, tenho certezaque nesse dia, o supremo #rushday,as canções do álbum vão ecoar so-lenemente. Da mesma maneira soleneque esse trio de sessentões se mantémtocando e compondo impecavel-mente desde 1974 até 2012.

Documento:AGazeta_14_01_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_5.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:12 de Jan de 2012 19:40:03

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7PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,

14 DE JANEIRODE 2012

6PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,14 DE JANEIRODE 2012

ESPECIALISTA ANALISA BIOGRAFIA DO FUNDADOR DAAPPLE E PROJETA O FUTURO SEM O GÊNIO DA TECNOLOGIA

artigopor GILBERTO SUDRÉ

COMO SERÁO MUNDO SEMSTEVE JOBS?

Para consultor em novas tecnologias, empresário foi um contrarrevolucionário que conseguiu captar as necessidades da sociedade e traduzi-las em produtos que mudaram a vida das pessoas

PAUL SAKUMA/AP

O executivo apresenta o computadorMacintosh, em 24 de janeiro de 1984

Atecnologia está em pra-ticamente todos os aspec-tos da vida moderna e oque influencia a tecno-logia afeta diretamente aforma como vivemos e

nos relacionamos.Uma das pessoas que alteraram pro-

fundamente nossa relação com as ino-vações foi Steve Jobs, umamericano comuma história bastante peculiar desde oseu nascimento. História esta retratadaao longo das 624 páginas da biografiaescrita por Walter Isaacson. Trata-se deum belo trabalho jornalístico que cobre asua vida pessoal e profissional através deentrevistas com mais de cem pessoas,entre familiares, amigos, colegas de tra-balho e até desafetos. Lançada em ou-tubro do ano passado, a obra se tornou amais vendida pela Amazon em 2011.Colocado para adoção, Jobs foi aco-

lhido por uma família simples, com acondição imposta pela mãe biológica deque ele pudesse cursar a universidade. Foium adolescentemimado, fã de BobDylane que por vezes se parecia mais com umhippie pé-sujo. Ainda adolescente, acos-tumou-se a passar algumas horas por diafazendomeditação zen.No ensinomédio,encontra um de seus melhores amigos e

futuro sócio, Stephen “Steve” Wozniak,cujo irmão mais novo era colega de Jobsna equipe de natação.A graduação promissora, tão dese-

jada por sua mãe, foi abandonada emtroca de um duvidoso curso de ca-ligrafia, que posteriormente tambémfoi deixado de lado por uma viagemmística pela Índia.Aos 20 anos, de volta aos Estados

Unidos e em dupla com seu amigoSteve Wozniak, funda a Apple e cria oque viria a ser o primeiro computadorpessoal do mundo. Dez anos depois, éexpulso da empresa que ele mesmocriou por divergências com o conselhode administração.Fora da Apple, fundou a NEXT, uma

outra empresa de computadores, ecomprou do cineasta George Lucas, por10 milhões de dólares, a produtora deanimações Pixar. Depois de 11 anos ecom filmes como a série “Toy Story”,“Os incríveis”, “Carros” ou “Monstros”no currículo, a Pixar foi vendida por 7bilhões de dólares.Depois demuitos erros estratégicos e

de quase falir, a Apple finalmente cha-ma Steve Jobs de volta, agora com 42anos, para tentar salvar a empresa. Nosanos seguintes vierammuitos sucessos,

como o iMac (marca de seu retorno àempresa), o iPod/iTunes (que revo-lucionou o mercado de venda de mú-sicas), o iPhone (que inaugurou o su-cesso dos smartphones) e o iPad (quemudou a forma como consumimos in-formações e o mercado editorial).A última década de vida de Steve

Jobs foi provavelmente a mais pro-dutiva e de maior impacto na socie-dade, mas também foi marcada pelabatalha contra o câncer no pâncreas.Uma trajetória e tanto.

MercadoAlém dos aspectos tecnológicos e de

inovação, existem outras questões aserem avaliadas na relação de SteveJobs com o mercado.O sucesso da internet é, em grande

parte, fruto da liberdade e democraciaencontrada pelos usuários. Aparente-mente, este modelo não está exata-mente alinhado com o defendido porJobs. A liberdade do usuário em fazer oque desejasse com seus produtos nãoera e nunca foi uma atitude aceita pelaApple. Nesse sentido, Jobs não eraum revolucionário, mas um con-trarrevolucionário, e considerando>

Steve Jobs – A BiografiaWalter Isaacson. Trad.Denise Bottmann, PedroMaia Soares e BeriloVargas. Companhia dasLetras. 624 páginas.Quanto: R$ 49,90 (livro) eR$ 32,50 (e-book)

o que ele fez, o melhor deles.É inegável que Jobs conseguiu

captar as necessidades da sociedade etraduzi-la em produtos, afastando osdetalhes técnicos ou de configuração.Tudo isso, aliado a uma excelente es-trutura de marketing, resultou na con-quista de uma legião de fãs.Odesign agradável de seus produtos e a

facilidade de uso temumpreço a ser pago:o controle quase que completo sobre tudoque entra ou sai de seus aparelhos e oconsumo exclusivo de aplicativos e con-teúdo vindos de uma única fonte. Paraalguns, é um preço alto demais.Sua busca pela excelência é famosa.

Steve nunca permitiu que a Apple fizesseprodutos apenas razoáveis ou bons. Ele sóaceitava os excelentes e levava isso aosseus colaboradores. Foi considerado umchefe que possuía carisma para liderar emotivar sua equipe, porém implacável,pressionando por melhores resultados epodendo demitir funcionários que nãoestivessem de acordo com o esperado.Toda essa exigência era reconhecida

pelos concorrentes e forçou o mercadoa elevar o nível de produtos e serviçospara manter a competição. Com cer-teza, isso ajudou a mudar a maneiracomo vemos a tecnologia atualmente.

QuestõesA pergunta que fica é: “Oque esperar

do mundo em 2012 sem Jobs?”Não teríamos a Apple sem Jobs e é

improvável que outro profissional reú-na os mesmos talentos dele. Será quecontinuaremos a ter produtos com de-sign e uso inovadores, e com alto graude qualidade, mesmo sem a presençade Jobs no comando?É sabido que ele deixou muitos pro-

jetos encaminhados e prontos para se-rem lançados; por alguns anos, aindateremos sua presença em novos lan-çamentos, mas e depois?Desde seu primeiro afastamento por

motivo de saúde ele trabalhou paracriar uma equipe e processos que man-tivessem seu DNA na empresa. Seráque ele conseguiu? Só o tempo e omercado dirão.Uma coisa é certa: tudo o que Steve

Jobs fez foi com intensidade e paixão.Como ele mesmo disse: “Para se tersucesso, é necessário amar de ver-dade o que se faz. Caso contrário,levando em conta apenas o lado ra-cional, você simplesmente desiste. Éo que acontece com a maioriadas pessoas.”

>AP

O jovem mago da informática no lançamento do computador Apple II, nos Estados Unidos, em 1977: a excelência como meta

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8PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,14 DE JANEIRODE 2012

estudos literáriospor ESTER ABREU VIEIRA DE OLIVEIRA

O CORRESPONDENTE ESPANHOLDA AEL: SANTIAGO MONTOBBIOColaborador da Academia Espírito-Santense de Letras fundamenta sua poesia noequilíbrio entre a tradição e a ruptura, com ecos de poetas anteriores ao Modernismo

DIVULGAÇÃO

Montobbio dialoga com a poesia contemporânea, prestando uma original contribuição para a poética de nossos dias, a partir de poemas baseados na metáfora

Perfil do autorNa Academia Espírito-San-tense de Letras, além deseus membros, escritorescapixabas e/ou já desig-nados cidadãos de nossoEstado, que ocupam as

quarentas cadeiras, encabeçadas por pa-tronos, ilustres representantes da his-tória cultural capixaba, hámembros cor-respondentes e entre eles se encontra oescritor espanhol Santiago Montobbio.Na obra deste escritor, observa-se um

equilíbrio entre a tradição e a ruptura.Ele dialoga com a poesia contempo-rânea, prestando uma original contri-buição para a poética de nossos dias, naapresentação de poemas fundamentadosna metáfora. Seus poemas refletem umaespécie de purgação de questões tran-sitórias como a vida, amorte, a solidão, amarginalização, a consciência do tempo,uma reflexão melancólica sobre o amor,uma preocupação em apresentar o temada tessitura e do conteúdo de um poemae o momento angustiante do ato dedebruçar-se no papel: “Papel que a noiteatira,/ papel coma luzàs vezes,/papel oufogo ou melhor/ a salvação triste”.Apesar de recriar o mundo poético

com uma maneira peculiar, encon-tram-se nele ecos de poetas do século XX,

principalmentede escritores espanhóis, ede poetas anteriores ao Modernismo,como Ramón de Campoamor. Há temasou expressões que nos recordam JuanRamón Jiménez e alguns poetas da Ge-ração de 27. Em “Absurdos principiosverdaderos”, no poema “Para vivir noquiero islas palacios y qué alegria”, estáclaro o eco com o poema “Para vivir noquiero...“ de Pedro Salinas. Porém o quemais vincula Montobbio a Salinas é aapresentação de um amor distante, forada realidade cotidiana, à margem dotempo e do espaço. A mulher do seu “eupoético”, com quem dialoga, se refleteemOutras, comonopoema “Outra vida”,da obra “Absurdos principios verdade-ros”: “ [...] Portas por onde tivesse mu-lheres/ que devorassem os olhos/ osinvisíveis exércitos do medo,/ mulheresque soubessem do formigueiro oxidado/que dão os vermes do dia,/ portas,mulheres, simplesmente mulheres/ nabeira de um viver ou de um abismo,/mulheres somente e que você pudessesalvá-las,/ resgatar seu nome do es-quecimento em que você caiu/ e quelábios e palavras/ por um momento nãocheirassem tanto a despedida.[...].Com Luis Cernuda, os ecos poéticos

montobbianos se relacionam na temá-

tica da solidão, da melancolia e de umamor frustrado, ou, em uma expressãopoética como aparece em “Adiós úl-timo”, ”escura do amor ou do esque-cimento”: “Na tenacidade escura doamor ou do esquecimento/ pensava terdo viver despedido”.O fundo e a forma dos poemas mon-

tobbianos são variados. Existem os longospoemas narrativos, alguns sombrios e com

imagens surrealistas, teatrais, cinemato-gráficas, em decorrência de uma filosofiaexistencial; os poemas em prosa poética eos que contêm um humor amargo ou finaironia (“A manhã estremece na esquina/quando você fica mais menina”, em “Lomejor del dia”, poema de dois versos, e“Obscuro mendigo e esperança”, em “Alfinal del Camino”, poema de um verso)Na poética, Montobbio relaciona o ho-

mem com o mundo, consagra suas ex-periências e sua relação entre ele e omundo, entre o homemeamulher, entre ohomem e a sua própria consciência, masnãopretende embelezar, santificar ou idea-lizar omundo que retrata. Por essa razão asua representação não é falsa e nem éverdadeira, mas poética e, assim, como nopoema “El mar está al final de algunosniños”, o “eupoético” encontra no signodomar elementos para querer identificar-secom ele e integrar-se com o ser amado:“Habita seucoraçãoeé talvez suabússola,/seu ritmo, seu pulsar. O mar está no final/de tudo o que resplandece nesta vida./Omar é uma infância. Omar é a liberdade, amúsica./ Eu quero ser o mar que teencontre e te adivinhe/ quando a manhãacorde e em tua alma/ seu ritmo seguir,comoumacriança/queno finalouemseu coração o condense.)

Livros traduzidos para vários idiomasSantiago Montobbio (1966), residente emBarcelona (Espanha), formado em Direito, poetae professor universitário, é membrocorrespondente da Academia Espírito-Santensede Letras. Suas obras já estão traduzidas doespanhol para o inglês, francês, alemão, italiano,romeno, dinamarquês, albanês e português.Algumas obras do autor: “Hospital deInocentes” (1989), “Ética confirmada” (1990),“Tierras” (1996), “Los versos fantasma”(2003), “El anarquista de bengala” (2005), “Lethéologien dissiden” (2008), “La poésie estum fond d’eau marine” (2011), “Donde tirita elnombre” (2010), “Absurdos principioverdaderos” (2011).

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9PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,

14 DE JANEIRODE 2012

poesias

PARA QUESERVEUM EGOLUCAS DOS PASSOSPara que serve um ego, eu te pergunto,e me perturba a ânsia da resposta.Sou quieto, seco, ou falo muito, diz,resolve se sou claro ou insensato.

Eu sou grosso e sensível, veja bem:acima da razão a rima – aindaque, imodesta, se guarde, meio tímida,entre as estranhas margens do soneto.

Ninguém me nota no ônibus lotado;me deixam tropeçar de porta a porta,e o ombro dói com a bolsa bem pesada.

(Como pode uma dor ser elegante?)Erro dos meus óculos ao chinelo,sempre assusta o perigo da verdade.

crônicas

SINCRONICIDADESpor CAÊ GUIMARÃESDo que é composta amatéria dos sonhos?Agosto de 2011. Centro da França. Ocarro cortava a estrada desconhecida co-mo faca quente corta um naco de man-teiga. Movido a diesel, o motor ratificavaa reconfortante sensação de abandonoquando se está em solo estrangeiro. Umaigreja solitária, sem placa a lhe dar nome,sem santo a lhe dar asas, surgiu após umacurva. E um imenso vazio ao redor.Apenas a sonolência que acompanhavaostrês viajantes e nada mais. Uma cons-trução medieval, toda de pedras, e umsilêncio granítico na alma. Orleans aindaera a expectativa de vinho e pouso.Do que é composta a matéria da rea-

lidade? Outra estrada, semanas depois.Entre as curvas, tristes putas que po-deriam ser russas, brasileiras, peruanas,tchecas. Entregues à própria sorte. Ven-talló ficava para trás, um povoado depedra no coração daCatalunha. Emoutrocarro, o diesel cantava a mesma triste

canção. Os dois ocupantes silenciaramdiante das meninas que são jogadas nasestradas pela manhã por cafetões vio-lentos, e recolhidas no fim do dia, com osoldo, o sal e o ódio da humanidadevertido em sexo sem tesão, porrada eseringas largadas no caminho. Semanasdepois, na Barceloneta, um tapa em umataça de cava, uns mariscos, um café. Norestaurante, outras tristes putas, re-cém-chegadas da Rússia, cujos olhos bri-lhavam diante de um sorvete, enquantosua cafetina – brasileira? Peruana? Tche-ca? – comia uma salada saudável e aten-dia a insistentes telefonemas no celular.Just business baby, just business.Do que é composta a matéria da tris-

teza? Outubro de 1997, Palos de la Fron-tera, Andaluzia. Após receber um elogiopela fluência na língua de Cervantes, ojovem divide uma garrafa pequena dexerez e os bacadillos que tinha namochilacom um senhor que se disse plantador de

morangos. O ônibus para Huelva surgiriaem poucos momentos na curva da es-trada, tantas percorridas até então, tantaspor vir no porvir. O senhor reclama davida dura, da falta de perspectivas, de terque trabalhar como braçal até quase 60anos. Ao saber que o mochileiro temantepassados nascidos na pequena ci-dade, sorri com os dentes amareladospelo tabaco e a pele curtida pelo sol.“Então você é um de nós”, afirma com osolhos perdidos nas oliveiras.Do que é composta a matéria da ale-

gria? Algum mês perdido do ano distantede 1985. Estrada da Cascata do Galo,Domingos Martins. Na carroceria da ca-minhonete, meia dúzia de moleques sa-colejam felizes. O ruído das águas caindodo alto damontanha acelera o coração domais despenteado deles. Ao descer e sedeparar com o véu de noiva, ele sepergunta comoseráomundoem12ou26anos. Quantas estradas percorrerá? Comoseguirá este trajeto? O que o destino lhereserva? Após o mergulho nas águasgeladas, esquece as divagações e pensanas jabuticabas que estavam esperandopara ser colhidas na última curva.

DESCONSTRUINDO TOM ZÉpor JUCA MAGALHÃES

Eu nunca soube dizer direito onde equando nasceu a minha implicânciacom Tom Zé, que, coitado, nem devesaber da minha gloriosa existência,aliás, melhor assim, porque não gostoda música do cara e pronto. Quandoconvidado por Elaine Rowena para par-ticipar novamente do projeto CantoSolidário – homenageando a Tropicália–, aceitei com natural satisfação osartistas revisitados, sem imaginar que odestino irônico ia justamente me brin-dar com amissão ingrata de interpretarem pleno Carlos Gomes umamúsica do“gênio de Irará”.O título era “São, São Paulo”. Co-

mecei a ouvir e parei pela metade, ruimda vida! O refrão – mezzo baladinha,mezzo canção de festival – era pra-ticamente idêntico ao da principal mú-sica da “Noviça Rebelde” (!) e logodescambava para um sacode nordes-tino cuja (cuja?) letra se embrenhavaem três longas estrofes intencional-

mente intrincadas, um porre de sedecorar. Joguei a toalha e comuniqueique não ia cantar “aquela porcaria”,mas Elaine e Aguilar me convenceram,alegando que as outras músicas eramtão difíceis quanto (ruins?) e que eupoderia transformar emhardcore (?). Asugestão era até engraçada, mas não iafuncionar, entre outras razões, porquea banda de acompanhamento não era aSilence Means Death e eu não sou dafamília Cavalera. Resolvi aprender amúsica para, pelo menos, me prepararpsicologicamente pros ensaios e – nu-ma curiosa Síndrome de Estocolmo –acabei até quase gostando.Chegou a hora do show e eu na-

quela adrenalina típica. O cantorMarcos William me sacaneou, dizen-do que eu não precisava ficar tãotenso, mas também não era ele quemia cantar Tom Zé, enquanto JaceTheodoro, no espírito do canto so-lidário, disse que quando ele não fica

nervoso as coisas não rolam direito.Vinguei a galera do mal invertendo orefrão do Zé Irará para o da “NoviçaRebelde”, mas suspeito que o públiconem percebeu. Então, só pra com-plementar o tanque, após os edu-cados aplausos, saí do palco mar-chando e cantando: “dó é pena dealguém, ré quem anda para trás...”Ah, sim: e isso tudo fantasiado de

Tropicália, tá? Peguei uma camisa es-tampada com o Grilo Falante e com-pletei o “visual” com um velho chapéude praia e enormes óculos de plásticoazul que as crianças usam pra cantar“O Bom” nas apresentações do coral.Só fiquei mais tranquilo depois doespetáculo, quando encontrei um ami-go que ficou surpreso ao saber que eutinha feito parte da apresentação. Re-sumindo, meu povo: quem viu, viu equem não viu vai poder ver no dia 19de janeiro, quando o espetáculo serárepetido. Chora, Fender Stratocaster!

CAEEmbatucado diante da paisagem –luz na capa do disco, rai das cores –,te vejo dor e céu, jabuticaba elágrima (negra tinta) pelos podresdesejos desta vila em berço eternoretumbando – antes riso largo, físico,agora encarcerado, curto gesto(matéria fina da melancolia).Tem alguma loucura nesse método,bem sei, temendo ser aceita – ou não;perdida na neblina, da fé aoferro, a pupila preta vacila. E eu,a presa pretendida na canção,suspendo o tempo e deito: isso énormal.

O NOVELO DEUM RIOo novelo de um rio gota a gotadeliberadamente claudicanteconluio erigido entre duros ossosprotege seu leito de incauta dama

categoricamente enoveladoencolhido em previsível destinosolitário torna-se leite amargo

AJOELHADOA TEUS PÉSAjoelhado a teus pés como um gato,olhando teu corpo de baixo, eu nuncavia a lâmpada lamber-te os cabelos.

Documento:AGazeta_14_01_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_9.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:12 de Jan de 2012 19:39:46

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11PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,

14 DE JANEIRODE 2012

10PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,14 DE JANEIRODE 2012

Capa do DVD “PiedadeBerço do Samba,Terra de Bamba”

cultura popularpor GEOVANA TABACHI SILVA

ENTRE MEMÓRIA E HISTÓRIA: UNIDOS DAPIEDADE, BERÇO DO SAMBA CAPIXABA

FOTOGRAFIA CEDIDA POR ALOÍZIO ABREU

Samba de 1987NOSSAS MATAS, NOSSASFONTES, NOSSO SAMBAEu sou como aquela folhaQue o vento vai soprando,pairando no arSou obra da mãe naturezaSou guardião das matas e destafonte a cantar

Oh! Minha Fonte GrandeÉs a rainha da minha inspiraçãoQuisera rejuvenescer, voltar a sercriançaE em suas matas me embrenharBrincar com a passaradaColher lírios e rosas pra minhaamada ofertarSe recordar é viver, vivereiMinha Fonte em suas águasbanharei

Vou me banhar com meu amor,vou me banharNa fonte dos inocentes, corpo nu,pleno luar

Como é belo relembrar, aslavadeiras nas fontes a cantarAs pastinhas e o chuveiro de prataNa avenida em forma de cascataO toque da alvorada, quetransformava o morro em alegriaAs festas de Lapinha e CongadaQue só findavam ao romper do dia

Vem, lua airosa, iluminar meucoraçãoPiedade vem bonita e orgulhosaEmocionando toda multidãoMostrando que tem muitashistórias pra contarVejam a euforia destes bambasReluzindo a avenida com as coisasDeste morro onde mora o samba

Amarra o Burro, bota o Chapéu deLadoDeixa Cair que o samba hoje écoroado

Documentário registra a construção da identidade dos moradores da Fonte Grandee da Piedade, a partir de sua relação afetiva com a agremiação, fundada em 1955

Amemória social pode serconsiderada a possibilidadede renovação das lembran-ças, a história vivida, físicaou afetivamente, compon-do a teia de significados

resultantes da associação entre lembrançae esquecimento, tradição e modernidade.A compreensão da categoriamemória nãodeve ser associada a algo do passado,porém um fenômeno que traz em si umsentimento de continuidade e de coe-rência, seja este processado individual-mente ou em grupo, tornando-se o fatorpreponderante para o entendimento dopertencimento, não obstante sujeito a to-

dos os tipos de usos e manipulações.O documentário “Piedade Berço do

Samba, Terra de Bamba” teve comofoco a memória social dos moradoresda Fonte Grande e da Piedade, ondeforam enfatizados em suas lembrançasfatos, acontecimentos e práticas re-lativos ao universo sociocultural dosamba. São festas, comemorações eatividades rituais que indicam a exis-tência de complementariedade entre omundo festivo e o mundo cotidiano, anatureza pública e coletiva dos festejos.Estes se davam no improviso e acon-teciam em qualquer ocasião, seja nocarnaval ou aos domingos. Um tempo

em que o carnaval não era visto comoespetáculo, mas considerado umabrincadeira, uma festa popular!Os episódios trazem registros de jovens

e adultos, sobretudo, indicam percepçõesde saberes construídos a partir das formasde viver e compreender o mundo. Me-móriasdoshábitos, costumes, afetividades,ritos, encontros que formam o patrimônioculturaldoBerçodoSambaedelimitamsua identidade étnica e territorial. Sãoalgumas lembranças registradas nos ví-deos, fruto de escolhas dos moradores em“dar vida” a algumas situações transmi-tidas por gerações anteriores.A continuidade das relações interge-

racionais mantém latentes os “lugares dememória”, exaltandoopertencimentoatra-vés das lembranças de canções, batucadas,blocos, rodas de samba, confecção de fan-tasias, desfiles de carnaval, compositores,amizades e integração das comunidades,como parte das origens, das raízes e dastransformações de cultura e história.A expressão “lugares dememória” é

atribuída ao historiador francês Pier-re Nora. Para ele, os lugares têm umatríplice acepção: material (onde a me-mória social pode ser apreendida pe-los sentidos), funcional (porquetem a função de alicerçar me-mórias coletivas) e simbólica (on-

de essa memória coletiva se ex-pressa).“Os lugares de memória nascem

e vivem do sentimento de que não hámemória espontânea, que é precisocriar arquivos, que é preciso manteraniversários, organizar celebrações,pronunciar elogios fúnebres, notariaratas, porque essas operações não sãonaturais.”Com o processo de mundialização a

história passa a ser mais veloz, onde onovo dá as cartas forjando a sensaçãode hegemonia do efêmero, provocan-do a aceleração da história. Nestecaso, segurar traços e vestígios é amaneira de se opor ao efeito de-vastador e desintegrador da rapidezcontemporânea.O DVD ilustra na capa os morros da

Piedade e Fonte Grande, tendo em vistaevidenciar o samba como elemento desocialização local. O roteiro, a pro-dução e a direção são de GeovanaTabachi, Jocelino Júnior e Marta Ca-retta (coordenação executiva do GrupoRaízes da Piedade), com coproduçãodo Olho de Vidro e apoio do ProgramaRede Cultura Jovem da Secretaria deEstado da Cultura (Secult).

Raízes da PiedadeO grupo Raízes da Piedade foi criado

em 2008 por jovens das comunidadescircunscritas à Escola de Samba, comatividades socioeducativas e culturaisvoltadas principalmente para o públicoinfantil. Em 2011, o grupo ganhou aparticipação de cientistas sociais e deum número maior de moradores. Con-templado por 7 editais públicos, o pro-jeto inicial foi ampliado, tornando aEscola de Samba um Ponto de Cultura,em trabalho conjunto com a diretorasocial Marta Caretta.Os objetivos do Raízes da Piedade são

constituir o Centro de Memória da Pie-dade a partir da valorização identitária;preservardamemória social e a cidadania,ameaçadas por situações característicasdas cidades que vivenciam intenso cres-cimento urbano; e proporcionar olharesoutros sobre a trajetória juvenil, numacomunidade caracterizada por grupos so-ciais de maioria de etnia negra.Fundada em 15 de janeiro de 1955, a

Unidos da Piedade comemora amanhãseu 57º aniversário. É a primeira Escolade Samba nascida em terras capixabas, a

pioneira do samba no Espírito Santo. Suasede é no Centro da Capital, no Chapéudo Lado (entre Fonte Grande e Piedade).Conforme narraram alguns de seus pre-cursores, a escola foi criada em Piedadepor um grupo de jovens sambistas, em1954, e fundada em 1955, em FonteGrande. Estes moradores viveram no Riode Janeiro servindo o Exército ou tra-balhando, conheceramoritmodos surdose o trouxeram para Vitória, aprenderam aconstruir e tocar instrumentos, bem comocompor letras de sambas. Fundaram ba-tucadas e, posteriormente, blocos, comooAmarra o Burro.A Piedade surge da integração das

batucadas, dos congos e das folias dereis. As Batucadas, Chapéu do Lado eMocidade foram vizinhas, ainda queconcorrentes, e se caracterizavam porgrupos de foliões que saíam às ruas nocarnaval. Estes eram em sua maioriatrabalhadores informais. Nesse tempoo samba e o congo não tinham valor eser sambista era sinônimo de malan-dragem. As mulheres que participa-vam da brincadeira eram chamadas degraxeiras, consideradas vagabundas,já que exerciam funções desprivile-giadas, como babás e empregadas do-mésticas. Além do mais, as represen-tações relacionadas à cultura afroeram rechaçadas, vistas como atra-sadas ao olhar das elites emuitas vezesproibidas pela polícia.A Piedade acumula 14 títulos de

campeã, sendo o último em 1986, com oenredo “Sua majestade o café”, do com-positor Edmilson Nascimento, o Caroço.É madrinha das demais escolas de sam-ba capixabas e foi batizada pela Portela,quando esta veio a Vitória a convite doprefeito Mário Gurgel (1957-1958).Em 1987, conquistou o vice-cam-

peonato, com “Nossas matas, Nossasfontes, Nosso samba”, de Edilson (Mos-quito), Clay e Choroca, como uma ma-neira de homenagear e imortalizar amemória social local, exaltando as ati-vidades das lavadeiras, do congo, dasbatucadas e do samba.

Algumas informações contidas neste artigosão fruto da pesquisa realizada através doconvênio entre Instituto Elimu Cleber Maciel eda Secult, intitulada “História e Memória nosMorros da Fonte Grande e Piedade”. Co-ordenada pelos antropólogos Osvaldo Martinse Geovana Tabachi, a pesquisa resultaráem livro que aguarda publicação.

Batucada Chapéudo Lado, nos anos40: origem daUnidos da Piedade

A passista Kelly Reis e o ritmistaLucas Reis, entrevistados no vídeo

Grupo Raízes da Piedade: atividadessocioeducativas e culturais na região

Aloízio Abreu, primeiro mestre debateria da Piedade e do Espírito Santo

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12PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,14 DE JANEIRODE 2012

contopor DEL ESTRELA

O DIA DEPOIS DE VOCÊ“Impressionante esse músculo chamado coração, que solta o grito abafado e se acalmanovamente porque não terá a chance de lhe encontrar” – diz a narradora desta ficção inédita

Tinha nada para fazer... as-sim nada não era, era es-pera mesmo! Me encosteino canto da cozinha e abrium livro bem pelosmeios... não gostei do que

li, eu li algo sobre “memória poé-tica”, uma memória onde a garota dotapete não entrava, apesar de baterna porta avidamente com um sorrisode quem viveu algo bonito, e ele comcara de pasmo, sei lá, por não tervivido o mesmo sentimento com ela,apesar de ter partilhado da mesmacoisa, não que aquilo deixasse de serpoesia para momento.Atualmente acho que estou enlou-

quecendo.Entrando na entressafra, naquele

estado de quase obsessão, achandoque tudo tem uma seta voltada paraVocê.Penso, repenso, e nada me faz focar.

Nem mesmo os olhos desnudos de ti.

Tenho saudades, vontades, e nãoposso.Me calo. Me cego. Me finjo. Outra

pessoa, aquela que não se importa...mas a essa altura eu poderia ser qual-quer pessoa.Qualquer pessoa que não fosse eu

mesma vivendo essa agonia que vemdedentro de mim diretamente disparadapara você, chamada amor, desejo...Te vi ontem, no trânsito parado dos

caminhos cortados.Impressionante mesmo esse tal mús-

culo chamado coração, que vem nagarganta, que solta o grito abafado, por

um momento rápido, e que se acalmanovamente porque não vai ter a opor-tunidade de lhe encontrar novamente,não naquele instante.Dou uma conferida no retrovisor,

como se alguma coisa estivesse forado lugar.Pois bem, eu estava fora do lugar, fora

de mim. Me esqueci onde nossos carrosse cruzaram. Inclusive passei lá hoje demanhã, na tentativa em vão de meencontrar. Porque eu me perdi em ou-tros lugares. Me perdi dentro do pen-samento da lei que atrai a mim todas ascoisas e agora, mais do que nunca,

pessoas relacionadas a você.Tentei me encontrar na porta de

casa, onde te deixei, nas cores dasparedes, nas fotografias... nas músicashabituais.Mas acho sempre que vou me en-

contrar no dia depois de amanhã, es-perando sempre.Que absurdo!Tudo isso éminha “memória poética”.

Síndrome que eu preferia não viver...nem essa, nem síndrome alguma.Vivo, como se fosse te encontrar no

meio do caminho!Mas eu estou nomeio do caminho, as

coisas, os pensamentos, os desejos, asmãos atadas, as palavras, o tempo. Vocêanda por aí, dentro das casas, sem“memória poética” (eu espero que não,intimamente).Volto para cá, o mesmo lugar, as

mesmas músicas, talvez a mesma be-bida... mas sem o mesmo bommomento.

Documento:AGazeta_14_01_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_12.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:12 de Jan de 2012 19:38:54