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FAUUSP / 1º semestre 2006 Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Gustavo Pires de Andrade Neto TFG - Trabalho Final de Graduação Pensando a Cidade no Século XXI: O Concurso Bairro Novo em São Paulo, 2004

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FAUUSP / 1º semestre 2006Universidade de São Paulo

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Gustavo Pires de Andrade NetoTFG - Trabalho Final de Graduação

Pensando a Cidade no Século XXI:O Concurso Bairro Novo em São Paulo, 2004

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Pensando a Cidade no Século XXI:O Concurso Bairro Novo em São Paulo, 2004

Orientadora: Profª. Drª. Vera Maria Pallamin

São Paulo, Julho de 2006

Gustavo Pires de Andrade NetoTFG - Trabalho Final de Graduação

no USP 3447501

Universidade de São PauloFaculdade de Arquitetura e Urbanismo

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“A crítica ao planejamento urbano modernista carrega o risco de ajudar a mover o moinho das idéias neoliberais de flexibilização e da desregulamentação. Porém, o que é necessário evitar é a importação de idéias desvinculadas da forma contraditória, desigual e predatória ao meio ambiente, com que evoluem as cidades brasileiras. Não há por que defender as práticas que aí estão. É muito deprimente assistir à contraditória e alienada absorção de um modelo importado e depois absorver também de fora sua própria crítica, para em seguida colocar, sem mediações, outro modelo no lugar”. (Maricato, 2002, p. 172)

“A crise do planejamento urbano e a busca de uma nova matriz teórica constitui um momento importante para uma produção intelectual comprometida com a democracia no Brasil. A oportunidade é a de “replantear” a questão em novas bases, através de uma militância intelectual que impeça a consolidação de uma matriz que, sob forma nova, novos rótulos, nova marca, cumpra o mesmo e antigo papel de ocultar a verdadeira orientação dos investimentos ou dos privilégios nas cidades”. (op. cit., p. 188)

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Gostaria de agradecer às pessoas que me acompanharam durante minha vida acadêmica e que direta ou indiretamente contribuíram com o resultado deste trabalho. Que todos, mesmo que não citados nominalmente, se sintam agradecidos.

Além de meus estudos na FAUUSP, foram fundamentais à minha formação, e de alguma forma contribuíram com o caráter deste TFG, a minha experiência como estagiário na Habi-Sul e no LabHab, o primeiro ano que estudei arquitetura, na UFSC, e os intercâmbios acadêmicos que realizei na Universidade do Porto e na Politècnica de Catalunya. Agradeço aos muitos colegas que me acompanharam em cada uma destas etapas da minha formação, especialmente à Malu e ao João, do LabHab, onde comecei a fazer pesquisa acadêmica.

Quero agradecer muito especialmente à professora Vera Pallamin, minha orientadora, pelo apoio e incentivo recebido desde quando me interessei em pesquisar o tema que deu origem a este trabalho.

Agradeço também à Nádia Somekh e ao Valter Caldana que, com muita disposição, prestaram valiosos depoimentos para o meu trabalho. Ao prof. Eduardo Nobre que me aceitou como aluno ouvinte em sua disciplina na pós-graduação, que tratava de um tema muito pertinente à minha pesquisa. À Roberta Menezes pela ajuda na revisão do texto e à Tatiana Nobre pela diagramação.

Embora esse trabalho tenha contado com a ajuda de todos os citados, assumo toda a responsabilidade por eventuais erros nele contido.

Agradecimentos

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O Concurso Bairro Novo foi promovido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil e pela Prefeitura de São Paulo em 2004, voltado para a construção de um bairro de predomínio residencial, com área de quase 1 milhão de metros quadrados na região da Água Branca, uma antiga área industrial atualmente subutilizada, segregada pela ferrovia, e separada do rio Tietê por suas vias expressas marginais e bastante próxima ao centro da metrópole paulistana.

O Bairro Novo seria promovido através de uma parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada, a partir da revisão da lei da Operação Urbana Água Branca, existente desde 1995. Identificou-se na realização o Concurso uma mudança quanto ao discurso empregado pelo poder público para empreender intervenções urbanas através de parcerias. Enquanto nas demais Operações Urbanas prevalece a defesa da construção de novas “centralidades terciárias”, supostamente capazes de promover desenvolvimento econômico e social e ter seus benefícios redistribuídos na sociedade, o Bairro Novo fundamentou-se na defesa da construção de um “bairro ideal”, representativo do que seria “viver bem” na “cidade do século XXI”.

A análise crítica do projeto vencedor do concurso permite identificar a apropriação de recursos de desenho utilizados em muitos dos projetos urbanos, principalmente os estrangeiros, realizados nos últimos anos, mas que neste caso foram utilizados sem a devida crítica e adaptação ao contexto.

O Bairro Novo representou uma nova tentativa de se viabilizar o desenvolvimento imobiliário na região. Sem ter conseguido empreender as mudanças desejadas no espaço urbano, a realização do Concurso serviu ao menos à valorização fundiária dos terrenos da Água Branca.

Palavras – Chave: Concurso de urbanismo, Operação Urbana Água Branca, Projeto Urbano.

Resumo

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EMURB – Empresa Municipal de UrbanizaçãoHIS – Habitação de Interesse SocialOUAB – Operação Urbana Água BrancaPDE – Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo PMSP – Prefeitura do Município de São PauloSEMPLA – Secretaria Municipal de Planejamento

Lista de siglas

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Introdução

CAPÍTULO 1: O Concurso Bairro Novo 1.1. A área de Intervenção: Água Branca1.2. Parcerias público-privadas na construção da cidade

1.2.1. A Operação Urbana Água Branca

CAPÍTULO 2: “Fazendo cidade através de projetos”

CAPÍTULO 3: O Projeto Vencedor3.1. A questão da Forma Urbana3.2. Os espaços públicos no Bairro Novo3.3. O sistema edificado em solo privado

CAPÍTULO 4: Desdobramentos “Pós-Concurso”

Conclusão

Referências Bibliográficas

Sumário

08

15202729

32

40586671

78

85

88

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Em abril de 2004, a Prefeitura de São Paulo, juntamente com o Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB, lançou um concurso nacional de urbanismo, chamado Concurso Bairro Novo, voltado para a construção de um bairro com área de quase 1 milhão de metros quadrados na região da Água Branca, uma antiga área industrial, hoje subutilizada, a 6 km do centro da cidade de São Paulo.

A Água Branca, onde se localizam os terrenos do Bairro Novo, situa-se na região administrativa da Subprefeitura da Lapa. Localizada às margens do rio Tietê, entre a Lapa e Barra Funda, a região da Água Branca é cortada por duas linhas1 da CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, integrantes da rede de transporte sobre trilhos. A região é bem servida por transporte coletivo, com a presença de corredores de ônibus nas avenidas Francisco Matarazzo e Marquês de São Vicente e do Terminal Intermodal da Barra Funda, com acesso a linhas de trem e ao metrô.

O Concurso previa a elaboração de projetos urbanos para construção de um bairro inteiro, de predomínio residencial, em área da Operação Urbana Água Branca – OUAB -. Criada pela Prefeitura no ano de 1995, esta Operação Urbana tinha por objetivo transformar a região numa nova centralidade para São Paulo. Esperava-se atrair investimentos para construção de novos edifícios, sobretudo de escritórios.

Apesar da proximidade ao centro da cidade, da grande acessibilidade por transporte público, da existência de grandes áreas urbanizáveis e da flexibilidade urbanística facilitada pela Prefeitura, a OUAB não promoveu transformações urbanas significativas no local.

O Concurso Bairro Novo representou a possibilidade de se fazer uma revisão da lei da Operação Urbana existente e de se definir um “projeto urbanístico” para a área, em uma nova tentativa de se impulsionar o “desenvolvimento” da Água Branca.

As Operações Urbanas são parcerias estabelecidas entre o poder público e a

Introdução

1 A Água Branca é cortada pelas linhas A (Barra Funda – Francisco Morato – Jundiaí, antiga estrada de ferro Santos-Jundiaí) e B (Julio Prestes – Itapevi - Amador Bueno, antiga Sorocabana) da CPTM.

Introdução

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Mapa com perímetro da Operação Urbana Água Branca - OUABFonte: imagem presente no artigo de José Magalhães: “Operações Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projeto. Parte 8 – Operação urbana Água Branca, revisão e proposição”.

Inserção do projeto vencedor do Concurso Bairro Novo na área da OUABFonte: imagem presente no artigo de José Magalhães, op. cit.

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Glebas vazias na Água BrancaFonte: Kusznir, 2005.

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Empreendimento na área da Operação Urbana Água BrancaFonte: Kusznir, 2005.

Empreendimento da Operação urbana Água BrancaFonte: Kusznir, 2005.

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iniciativa privada com o objetivo de promover modificações urbanísticas e de infra-estrutura em determinado espaço da cidade. Em geral, combina-se a maior flexibilização urbanística facilitada pelo Poder Público em troca de contrapartidas a serem pagas pela iniciativa privada. Além da Água Branca, existem outras Operações Urbanas em andamento na cidade atualmente: Centro, Faria Lima e Água Espraiada.

A Operação Urbana Água Branca, entretanto, não obteve o sucesso esperado, pois houve pouco interesse do mercado imobiliário em investir no local. A única intervenção de escala significativa foi a construção do “Centro Empresarial Água Branca”, um conjunto de quatro torres de escritórios, na Avenida Francisco Matarazzo. No entanto, a própria construtora, a Ricci Engenharia, previa a construção de treze edifícios no local, até hoje não executados e, muitos dos escritórios dos edifícios construídos encontram-se atualmente vazios, um sinal inequívoco de que a expectativa inicial não foi confirmada. Houve poucas adesões além desta à Operação Urbana e, desse modo, a maioria dos terrenos vazios ou subutilizados do local assim permanecem até hoje.

A retração de investimentos do mercado imobiliário naquela região, à época, especialmente devido à concorrência com os empreendimentos semelhantes na Avenida Faria Lima e Berrini (setor sudoeste da cidade), assim como a inexistência de um plano urbanístico para a área da Operação Urbana Água Branca, dificultaram a realização de empreendimentos no local e foram os principais elementos apontados para explicar o seu insucesso.

Enquanto as glebas da Água Branca permaneceram subutilizadas, o seu entorno assistiu à implantação de usos diversificados, inclusive a construção de equipamentos de uso metropolitano, alguns projetados por arquitetos de renome, que ajudam a caracterizar a potencial centralidade da região. Muito próximo dos terrenos vazios da Água Branca surgiram2 o Shopping Center West Plaza, o SESC Pompéia, de Lina Bo Bardi, o Memorial da América Latina, de Oscar Niemeyer, além do Parque da Água Branca, o Play Center, o Fórum Criminal – nas antigas instalações da Santa Casa -, a Universidade UNINOVE e a Universidade Paulista – UNIP e a recente implantação do novo Tribunal Regional do Trabalho – TRT, na vizinha Barra Funda, que pode atrair “prédios comerciais para advogados” para a avenida Marquês de São Vicente, segundo analistas do mercado imobiliário3.

A escolha desse tema deve-se à importância urbana da região da Água Branca, uma das últimas grandes áreas subutilizadas próximas ao centro da cidade, e pela mudança no discurso empregado para justificar uma intervenção urbana a ser realizada na cidade de São Paulo através de parcerias público-privadas.

O projeto vencedor permite analisar a representação do espaço arquitetônico e urbano e o caráter dos espaços públicos propostos para esta parte da cidade e assim identificar os critérios de desenho valorizados pelo júri do concurso,

2 Chegou a ser prevista na região a construção da nova sede do MAC – Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo - em terreno adjacente ao da antiga Casa das Caldeiras, edifício histórico, que fazia parte das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo. Estas indústrias foram implantadas na Água Branca no início da década de 1920 e tiveram alguns de seus edifícios tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo – Condephaat -, em 1986. O novo prédio do museu foi projetado pelo arquiteto suíço Bernard Tschumi, grande estrela da arquitetura atual e deveria abrigar salas de exposição e um dos maiores acervos de arte moderna e contemporânea do Brasil. Entretanto, mudanças na administração do museu e o desgaste político gerado entre importantes arquitetos, pela não contratação de um profissional brasileiro, levaram ao “engavetamento” do projeto.3 Esta é a avaliação de João d’Ávila, sócio da Consultoria imobiliária Amaral d’Ávila. Folha de São Paulo, 17 de março de 2005; e de Henrique Cambiaghi, presidente da Asbea - Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura. Folha de São Paulo, 25 de abril de 2004.

Introdução

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que determinaram a escolha feita. A realização do concurso representa, portanto, uma oportunidade privilegiada para se analisar as práticas existentes nas intervenções urbanas neste início de século, tanto sob o ponto de vista do discurso que serve de justificativa para sua realização, como das suas configurações urbanas decorrentes.

É importante fazer uma análise crítica sobretudo quanto o papel da Prefeitura na realização do concurso, sobre a construção do discurso que deu origem à realização do Bairro Novo, fundamentando-se no Edital, no Termo de Referência e também no Projeto Vencedor, e assim discutir a atuação do poder público na produção do espaço urbano da Água Branca.

Para tanto, o trabalho está estruturado em quatro capítulos:

No primeiro capítulo inicia-se a discussão sobre o Edital e o Termo de Referência do Concurso Bairro Novo. Através da análise dos documentos que dão origem ao Concurso espera-se compreender o posicionamento da Prefeitura frente aos interesses públicos e privados presentes na destinação daquele espaço da cidade. Também serão apresentados aspectos das transformações do espaço urbano da Água Branca recentemente, destacando-se a Operação Urbana Água Branca. Pretende-se demonstrar os motivos pelos quais esta Operação não obteve o êxito esperado, em um exemplo em que a “festejada” parceria público-privada não foi capaz de empreender as mudanças desejadas na produção do espaço urbano.

No segundo capítulo, o Bairro Novo será situado entre os Projetos Urbanos, noção formada em oposição à idéia de planificação global da cidade e às doutrinas e práticas do Planejamento Urbano modernista. Os projetos urbanos se caracterizam pelas intervenções pontuais, tratando de fragmentos da cidade de modo singular, e promovendo a transformação ou reqüalificação de sua infra-estrutura, suas atividades e de seu desenho urbano.

No terceiro capítulo será feita uma análise crítica sobre o projeto vencedor, especialmente à luz de teorias urbanas recentes sobre a representação do espaço arquitetônico e urbano e os seus espaços públicos. Evidencia-se o conceito urbanístico proposto neste projeto, que tem como referência a cidade tradicional, configurando quarteirões fechados, em contraste com o verificado nas Operações Urbanas atualmente em andamento na cidade, desenvolvidas “ao gosto do mercado” e caracterizadas por edifícios altos de escritórios.

No quarto capítulo serão apresentados os acontecimentos posteriores à escolha do projeto vencedor que permitem reforçar a crítica sobre a intenção presente na realização do concurso Bairro Novo.

Com este trabalho pretende-se demonstrar que historicamente a atuação do Estado tem servido a propósitos privados na Água Branca e que o Bairro Novo

Introdução

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representou uma nova tentativa de se viabilizar o desenvolvimento imobiliário na região. Mais uma vez a participação do Estado não foi pautada pelo interesse público e a escolha do projeto urbanístico a ser implementado, resultado do referido concurso, ocorreu, como veremos, a serviço do mercado e dos proprietários fundiários.

Introdução

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O Concurso Bairro Novo foi lançado oficialmente pela Prefeitura de São Paulo - PMSP4 - no dia 16 de abril 2004 no Palácio do Anhangabaú (sede do executivo municipal). Na cerimônia de lançamento o arquiteto Jorge Wilheim, então secretário de Planejamento do município, apresentou a área de intervenção na Água Branca e fez um desafio a todos os arquitetos e urbanistas do país dispostos a apresentar propostas para o concurso:

“qual poderá ser o desenho ideal de um novo bairro que seja exemplar e paradigma de uma cidade mais justa, global e moderna do século XXI?” 5

O mesmo tom de discurso, comprometido com a transformação da cidade foi adotado pelo arquiteto Paulo Sophia, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB/SP -, que também participou do lançamento e enfatizou que uma iniciativa como aquela resgatava a dimensão da utopia, que havia marcado a história da arquitetura moderna brasileira:

“uma cidade que não se preocupa com os espaços para a utopia, não merece nem ser visitada e este é um concurso que nos possibilita resgatar essa dimensão desejável e possível” 6.

Finalizando a cerimônia, a então prefeita Marta Suplicy comparou o Bairro Novo ao exemplo de Bicocca7, na Itália. Disse que São Paulo, através de novos projetos urbanos, vinha ganhando “novo brilho e qualidade arquitetônica e ambiental” e ressaltou que se esperava do concurso o projeto de um bairro que servisse de modelo a outras partes da cidade:

“Acredito que o projeto de um novo bairro possa se tornar uma referência para a cidade, além de impedir a deterioração daquela região”. “Acredito que morar nesse bairro será um privilégio e exemplo de como se pode morar melhor no século XXI8”.

CAPÍTULO 1O Concurso Bairro Novo

4 O concurso foi promovido pela Prefeitura de São Paulo através da Empresa Municipal de Urbanização – EMURB – e da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano – SEMPLA - e organizado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB/SP -. Segundo Nadia Somekh, ex-presidente da Empresa Municipal de Urbanização – EMURB -, o idealizador do concurso teriam sido os arquitetos Jorge Wilheim, secretário, e José Magalhães Júnior, diretor de Projetos Urbanos, ambos da SEMPLA. O arquiteto Valter Caldana foi contratado pela Prefeitura para ser coordenador do concurso. 5 “Concurso Bairro Novo – Cerimônia de Lançamento”. In: Site do IAB/SP: www.iabsp.org.br, 19 de abril de 2004. 6 Idem. 7 Trata-se do projeto urbano para o Bairro de Bicocca, em Milão, desenvolvido entre 1985 e 1998 pelo arquiteto italiano Vittorio Gregotti, para o local de uma antiga fábrica da Pirelli.8 “Concurso Bairro Novo – Cerimônia de Lançamento”. In: Site do IAB/SP: www.iabsp.org.br, 19 de abril de 2004.

Capítulo 1 - O concurso Bairro Novo

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Assim como os discursos proferidos no lançamento do Bairro Novo, o texto da justificativa do concurso, presente no Termo de Referência9, repetia os elementos que davam margem aos arquitetos refletirem sobre o que seria um “bairro ideal” para uma cidade “moderna, justa e bonita”, de como poderia ser a cidade do “século XXI”:

“Como deve ser o bairro ideal para morar em São Paulo no século XXI? Quais as características de suas ruas, seus espaços públicos, suas habitações, seus locais de trabalho e de lazer, seu abastecimento local? Como se deve nele circular: a pé, de automóvel, com veículo especial? E qual a mescla de atividades mais adequada para obter a melhor qualidade de vida possível, maximizando a tecnologia de ponta deste século e refletindo a cultura e os hábitos paulistanos, cosmopolitas? Qual o projeto de um novo grande bairro que possa ser exemplar e paradigmático de uma São Paulo metrópole global, mais justa, moderna e bonita?” 10

O bairro a ser construído deveria ter predomínio residencial (80% da área a ser edificada) e grande ênfase quanto à melhoria das condições ambientais e da qualidade de vida urbana da região, além de propor novas áreas e equipamentos públicos, compatíveis com as novas condições potenciais de centralidade da área, caracterizada pela alta acessibilidade e presença de atividades diferenciadas.

O projeto urbano pretendido deveria ser composto por um conjunto de intervenções de reordenação urbanística que contemplassem a sua integração ao espaço urbano existente e que definisse fundamentalmente os seguintes aspectos: sistema viário, transporte público coletivo, infra-estrutura urbana, espaços livres públicos, questões ambientais e paisagísticas, sistemas edificados em solo privado, legislação e gestão da área.

O Termo de Referência, que explicitava as questões presentes no Edital do concurso, expressava expectativas quanto aos projetos, como: “diretrizes concretas e consistentes para a implantação do Bairro Novo” com a “utilização de novos mecanismos de gestão e participação”, propostas concretas para além de uma “reflexão crítica, de caráter teórico e conceitual”, pois o objetivo do Concurso era selecionar um projeto urbano que realmente deveria ser executado e que desse origem à contratação do desenvolvimento do Plano-Referência de Intervenção e Ordenação Urbanística – PRIOU. Afastando-se da discussão subjetiva sobre como cada arquiteto poderia interpretar uma proposta de “cidade justa”, “moderna”, de como poderia ser a cidade do “século XXI”, o mesmo Termo de Referência tratava de aproximar os participantes das questões pragmáticas, de interesse dos envolvidos na realização do Bairro Novo: o concurso definia o modo como o Bairro Novo seria viabilizado, aspecto que sem dúvida condicionava as propostas.

9 Os documentos oficiais do Concurso Bairro Novo eram: o Edital, o Regulamento, o Termo de Referência (uma explicitação do Edital), O Plano-Referência de Intervenção e Ordenação Urbanística – PRIOU -, além de circulares transmitidas aos participantes e do Material de Referência, que continha a descrição da área foco e a base cartográfica e aerofotogramétrica da área de intervenção além de outras informações técnicas necessárias para a elaboração dos projetos. 10 Termo de Referência do Concurso Bairro Novo. 2004, p. 2. Grifo nosso.

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O documento solicita um Projeto Urbano em nível de Estudo Preliminar e aponta entre os objetivos a ser considerados pelos participantes a viabilidade da implantação dos futuros empreendimentos através da participação de agentes públicos e privados. Para tanto, os projetos deveriam fornecer parâmetros à futura revisão da Operação Urbana Água Branca (Lei 11.774/95):

“Os proprietários das glebas, entre os quais a própria Prefeitura de São Paulo cogitam, por iniciativa do poder municipal, associar-se numa Sociedade de Propósito Específico – SPE, com a finalidade de realizar intervenções que propiciem as condições para o seu pleno desenvolvimento. O objetivo desta Sociedade será implementar o Bairro Novo, com base na proposta vencedora do Concurso e nas diretrizes estabelecidas pela Prefeitura de São Paulo, em parceria com os empreendedores privados e demais instâncias de poderes públicos. Os instrumentos para atingir esses objetivos são os previstos nas legislações pertinentes, como o Plano Diretor Estratégico, o Estatuto da Cidade e a Operação Urbana Água Branca. Dentre eles, destacam-se as concessões urbanísticas e a possibilidade de conceder exceções onerosas aos parâmetros e índices urbanísticos vigentes.” 11

A concessão de exceções onerosas já estava prevista na lei da Operação Urbana Água Branca – OUAB -, pela qual se podia pleitear alterações nos índices construtivos e usos previstos na lei de Zoneamento, cessão do espaço público aéreo ou subterrâneo e a regularização de imóveis, mediante o pagamento de contrapartidas pela concessão destes benefícios. As contrapartidas poderiam ser em dinheiro, pela transferência de bens imóveis ou pela execução de obras previstas no quadro de obras da Operação.

Uma vez pré-definida a parceria público-privada como instrumento de viabilização do Bairro, tornava-se evidente que qualquer proposta para o Bairro Novo estaria condicionada aos interesses dos proprietários fundiários e do mercado imobiliário. Como veremos mais adiante, esta situação limitava bastante a capacidade de “resgatar a utopia” na produção da cidade, como havia proposto Paulo Sophia, uma vez que o Projeto Urbano deveria se submeter necessariamente a lucratividade dos agentes privados envolvidos. Segundo as regras que regem as Operações Urbanas em São Paulo, a possibilidade de se propor uma cidade “justa” ficava restrita desde o início a surgir da troca de concessões urbanísticas por dinheiro. A “cidade do século XXI”, que deveria nascer no Bairro Novo, deveria tornar atrativa ao mercado imobiliário uma região que a própria iniciativa privada não foi capaz de urbanizar através da OUAB.

Para Valter Caldana, que foi contratado pela EMURB para coordenar o Concurso, o Bairro Novo tentava superar as causas do insucesso da Operação Urbana Água Branca:

11 Termo de Referência. 2004, p.2. Grifo do texto.

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“...houve um grande debate, entre a nossa equipe e a equipe da prefeitura e um processo de avaliação da Operação Urbana, inclusive uma avaliação de quais os motivos pelos quais a Operação Urbana Água Branca não tinha sido tão bem sucedida quanto outras Operações Urbanas na cidade, certo? Em outras palavras: por que ela foi mal-sucedida. Porque ela não foi uma Operação que tenha prosperado. De alguma forma a Operação Urbana Centro prosperou. De alguma forma a Operação Urbana Faria Lima prosperou, cada uma com as suas mazelas e com as suas diferenças e especificidades mas elas no mínimo “andaram”. A Operação Urbana Água Branca teve lá as 3 (na realidade são 4) torres da Ricci e acabou, não teve mais nada. Então, foi sim baseado (o concurso) numa crítica à Operação Urbana Água Branca12”.

Segundo Caldana, a inexistência de um Projeto Urbanístico teria impedido a incorporação imobiliária da área por não programar o parcelamento das grandes glebas existentes, pois a lei da OUAB tinha apenas um quadro de obras para a região. O Bairro Novo surgiu portanto para preencher a lacuna que supostamente havia impedido o pleno desenvolvimento da Água Branca. O Bairro Novo serviu para dar um Projeto Urbanístico à OUAB.

Refém dos mecanismo de produção do espaço urbano mediados pela iniciativa privada, o interesse público pela almejada “cidade justa” pouco se fazia notar na caracterização pretendida pela Prefeitura para o Bairro Novo. Embora o Plano Diretor Estratégico do Município – PDE - apontasse a busca da reversão do processo de periferização no município, através da promoção de Habitação de Interesse Social – HIS - em áreas próximas ao centro (como é este caso), nos documentos do Bairro Novo sequer havia um capítulo sobre a função social da propriedade, variabilidade social ou HIS, por exemplo. O pouco caso com que é tratada a HIS fica evidente quando se verifica que o assunto é citado unicamente em uma nota de rodapé do Termo de Referência, que especifica que parte da área edificável destinada ao uso habitacional no bairro deve corresponder a 600 unidades de HIS:

“Nota de rodapé: 2Sendo 600 unidades para HIS (área útil máxima de 45m² cada unidade), em edificações de no máximo 4 pavimentos mais térreo13”.

O professor João Whitaker Ferreira (2004a), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAUUSP -, criticou a exclusão sócio-espacial praticada pela SEMPLA através do Concurso, fundamentando sua opinião na baixa exigência de unidades de HIS a ser construída numa das últimas áreas desse porte que ainda estão subutilizadas na região do “centro expandido”, entre os rios Pinheiros e Tietê, onde a alta densidade demográfica, a falta de terrenos livres e a maior concentração de infra-estrutura elevaram o preço dos imóveis e expulsaram a população de baixa renda para a periferia da cidade. Segundo o professor, em São Paulo há pelo menos 1,1 milhão de

12 Em depoimento concedido ao autor em 21 de setembro de 2005.13 Termo de Referência. 2004, p. 12.

Capítulo 1 - O concurso Bairro Novo

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pessoas morando em favelas e 3 milhões que vivem em loteamentos irregulares e clandestinos. Numa área como a do Bairro Novo, em que poderiam viver 40 mil pessoas, o edital do concurso só previa 600 unidades14 de habitação de interesse social. Ainda de acordo com Ferreira, um governo municipal comprometido com a “Reforma Urbana”15, que quisesse reverter o processo de periferização atualmente existente, deveria exigir que pelo menos 4.500 unidades fosse de interesse social, ou seja, que atendesse a metade da população prevista do bairro.

A exigência de 600 unidades de HIS no Bairro Novo realmente não pode ser considerada qualquer avanço quanto à promoção de moradias no local, uma vez que a mesma quantidade já estava prevista para a OUAB, desde a aprovação de sua lei em 1995, para abrigar os moradores de uma favela existente próxima ao rio Tietê. Além disso, a quantidade estimada de 600 unidades de HIS era relativa à demanda daquela população à época, o que já não corresponde à demanda atual, que cresceu devido ao adensamento da favela nos dez anos posteriores à aprovação da OUAB16.

Além disso, dentro do perímetro de intervenção do concurso já existia uma área de 21.920,00 m2 de propriedade da Secretaria Municipal de Habitação – SEHAB -que se encontrava cedida para a construção de HIS, onde já deveriam ser construídas habitações, mesmo que o Edital do concurso não o determinasse.

Cabe lembrar ainda que nos dois anos anteriores à realização do concurso (2002 e 2003) se discutiu na Câmara de Vereadores de São Paulo o novo Plano Diretor Estratégico - PDE - e a criação de Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS -, um importante instrumento de política urbana, de garantia da função social da propriedade. Uma de suas potencialidades é promover a urbanização de áreas vazias e bem servidas de infra-estrutura urbana (como é inegavelmente a área de intervenção do Bairro Novo), denominada ZEIS 3, através da construção de HIS e Habitação para o Mercado Popular – HMP17 -. Neste tipo de ZEIS, as novas edificações propostas devem destinar 50% da área construída à HIS, sendo que o restante pode servir a outros usos, ou destinar 40% à HIS e outros 40% à HMP18. Ou seja, em qualquer caso, bem acima do mínimo de 600 unidades (menos de 7% do total das habitações a serem produzidas).

Por motivos variados, as grandes glebas vazias da área de intervenção do concurso, que se encaixavam perfeitamente à aplicação das ZEIS, não receberam essa denominação nem no PDE e nem no Plano Regional da Lapa. Também não se aplicou nos terrenos qualquer outro instrumento urbanístico que os obrigasse a cumprir a função social da propriedade.

14 Esta era a quantidade mínima exigida pelo Edital e pelo Termo de Referência. Os projetos poderiam propor uma quantidade maior de HIS.15 O conceito de “Reforma Urbana” é mais amplo que apenas o direito à moradia, pois também inclui o direito ao trabalho digno, à cidadania de seus habitantes e à participação democrática da população na gestão da cidade. 16 No entanto, deve-se constatar que o Bairro Novo previa 600 unidades apenas dentro do seu perímetro, que é menos abrangente que o da OUAB.17 De acordo com o PDE, HIS é aquela “habitação que se destina a famílias com renda igual ou inferior a 6 (seis) salários mínimos, de promoção pública ou a ela vinculada, com padrão de unidade habitacional com um sanitário, até uma vaga de garagem e área útil de no máximo 50 m² (cinqüenta metros quadrados), com possibilidade de ampliação quando as famílias beneficiadas estiverem envolvidas diretamente na produção das moradias; Habitação de Mercado Popular é aquela que se destina a famílias de renda igual ou inferior a 16 (dezesseis) salários mínimos ou capacidade de pagamento a ser definida em lei específica, de promoção privada, com padrão de unidade habitacional com até dois sanitários, até uma vaga de garagem e área útil de no máximo 70m² (setenta metros quadrados)”.18 Estes critérios de proporcionalidade são referentes às ZEIS 3, que segundo o PDE são: “áreas com predominância de terrenos ou edificações subutilizados situados

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1.1. A área de Intervenção: Água Branca

O Concurso Bairro Novo estabelecia dois âmbitos de intervenção: a chamada “área foco”, compreendida entre a Avenida Castelo Branco (marginal do Rio Tietê), entre a Rua José Neto Lorenzon e a Ponte Júlio de Mesquita Neto, até a Avenida Francisco Matarazzo, e a “região de referência”, mais abrangente, que englobava todo o perímetro da Operação Urbana Água Branca.

Para a área foco, pretendia-se o Projeto Urbanístico em nível de estudo preliminar, como já foi descrito. A intervenção na região de referência serviria para interconectar os espaços públicos e articular o sistema viário e de transportes entre a área foco e o seu entorno, além de servir de escala para a solução dos problemas de drenagem da região.

Consultados sobre a realização do Concurso, alguns arquitetos opinaram sobre a oportunidade ímpar que significava urbanizar uma área como a Água Branca através do concurso:

Para a arquiteta Regina Monteiro, do Movimento Defenda São Paulo, os projetos deveriam “considerar a referência histórica e dialogar com os bairros vizinhos”. A arquiteta também valorizou a realização do concurso, que julga ser a forma mais democrática de ter um projeto para a região19.

Para o arquiteto Héctor Vigliecca (autor de um projeto que posteriormente recebeu uma Menção Honrosa do júri), o poder público sempre se associa às empreiteiras para fazer intervenções. Isso, segundo ele, gerou “uma série de coisas que são vergonhosas como soluções urbanísticas para São Paulo” que também considerou que “a iniciativa movimenta uma classe intelectual que nunca foi chamada” 20.

Já o arquiteto Carlos Lemos, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAUUSP - destacou:

“Essa área é realmente uma coisa interessantíssima que está solta e livre dentro da cidade. Ela sobrou milagrosamente por motivos econômicos vários e deve ser aproveitada com o máximo de inteligência e bom senso21”

Sem dúvida existiram muitos condicionantes urbanísticos que fizeram com que a Água Branca chegasse até os dias de hoje com grandes glebas subutilizadas. Daí a necessidade de “dialogar com os bairros vizinhos”, como disse Monteiro. No entanto, não se deve descartar a influência de outros fatores, como mudanças na lógica de localização das atividades que ali eram desenvolvidas e, obviamente, a simples manutenção destas áreas vazias em busca de sua valorização fundiária através de investimentos de terceiros, especialmente públicos, caso típico de especulação imobiliária.

em áreas dotadas de infra-estrutura, serviços urbanos e oferta de empregos, ou que estejam recebendo investimentos desta natureza, onde haja interesse público, expresso por meio desta lei, dos planos regionais ou de lei especifica, em promover ou ampliar o uso por Habitação de Interesse Social – HIS ou do Mercado Popular - HMP, e melhorar as condições habitacionais da população moradora”. 19 “São Paulo se prepara para ter seu Bairro Novo”. In: Folha de São Paulo. 25 de abril de 2004. p. C4. 20 Idem.21 Idem.

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Em vermelho, perímetro da OUAB – área de referência - e em azul, perímetro da área foco do Concurso Bairro Novo.

Logotipo do Concurso Bairro NovoFonte: Site da Prefeitura (www.prefeitura.sp.gov.br)

(página anterior)Folha de São Paulo, 25 de abril de 2004, p. C1.

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Vista das glebas subutilizadas da Água BrancaEm primeiro plano, as quatro torres da Ricci.Fonte: Vistoria realizada pela SEMPLA em 2004.

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Segundo Belleza (2002, p. 49), foi determinante para o modo como foi ocupada a região, de predomínio industrial, a implantação da ferrovia Santos-Jundiaí (1867) da São Paulo Railway, também conhecida como “inglesa”, que contava com uma “Estação Água Branca”. Desenvolveu-se ao redor da estação um núcleo populacional que deu origem ao bairro. A transferência das oficinas da São Paulo Railway, do Pátio da Luz para um local próximo à Água Branca, em 1898, e a inauguração da estação da Lapa, foram momentos de grande importância no desenvolvimento da região, pois a presença de operários e administradores da “inglesa” incentivou o aparecimento e crescimento do comércio local.

A contínua instalação de indústrias e abertura de loteamentos na primeira metade do século 20 consolidou a região como um bairro e logo a elevação da Lapa ao nível de “centro local”, que por isso começou a receber investimentos para urbanização e instalação de infra-estrutura básica, assim como instalação de bonde, construção de escola, igreja, etc.

A criação da estrada de ferro Sorocabana (1875), teve um efeito negativo sobre boa parte da Água Branca, pois acabou por isolar a região ao fracionar, com seu leito ferroviário, o núcleo existente. Além disso, a instalação da estação da Lapa fez com que diminuísse a importância da estação Água Branca. Desse modo, segregada da vizinha Lapa, a Água Branca teve a sua ocupação estagnada e, com predomínio absoluto do uso industrial sobre os outros, se tornou uma espécie de “ilha”, desintegrada do tecido urbano local.

A desativação das Indústrias Reunidas Matarazzo, que haviam sido implantadas na Água Branca a partir da década de 1920, em decorrência da falência desta empresa nos anos 80, deixou subutilizada até os dias de hoje uma área de mais de 100.000 m2. Outras indústrias menores que existiam no local permaneceram vazias ou foram substituídas por “usos transitórios”, como concessionárias de veículos, oficinas mecânicas, comércio atacadista, depósitos de material de construção e armazéns. Entretanto, parte da atividade industrial manteve-se, com destaque para a Vidraria Santa Marina, que tem sua fábrica e administração na Água Branca e ocupa uma grande área que foi recentemente reformada e adequada aos padrões antipoluição da Cetesb e portanto não demonstra intenção de sair do local.

Se a instalação das ferrovias Sorocabana e Santos Jundiaí no século XIX foram determinantes do processo de ocupação da Água Branca, segregado do tecido urbano da cidade, por outro lado a retificação do rio Tietê e a drenagem de suas várzeas, promovidas pelo poder público entre os anos 30 e 60, permitiram integrar à cidade áreas anteriormente ocupadas pelo leito do próprio rio, torná-las de propriedade pública e ali desenvolver usos urbanos, de acordo com Seabra:

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“Enquanto nas várzeas do Pinheiros as terras foram negociadas, livremente, no mercado pela Companhia Light, por ter sido ela a executora do projeto de retificação (o poder público teve que comprar as áreas destinadas ao sistema viário) “ao longo do Tietê a Prefeitura do Município de São Paulo tornou-se proprietária de vastas extensões de terra também por ter executado o projeto de retificação”. Eram as áreas dos meandros que foram suprimidos pelas obras de engenharia”. (Seabra, 1989, p.5)

Parte da antiga várzea, tornada pública, cedeu espaço a equipamentos como o Terminal Rodoviário Tietê (do lado oposto do rio), alças de acesso às pontes, a construção do prédio da Santa Casa, etc., ou foram cedidas à entidades privadas. Outra parte, no entanto, passou diretamente às mãos da iniciativa privada, em processos onde nem sempre prevaleceu o interesse público:

“mas esses terrenos têm servido também ao tráfico de influência, pois se tem realizado negócios, nem sempre muito claros, com essas terras como, por exemplo, os que serviram à implantação do centro de convenções do Anhembi, do grupo Alcântara Machado”. (id., ibid., p.10)

A construção das vias expressas marginais foi fundamental na estruturação do sistema viário da cidade, redefiniu as possibilidades de uso dos terrenos e promoveu a sobrevalorização das propriedades localizadas nas proximidades. Seabra destaca que toda a valorização fundiária da área foi apropriada pelos proprietários dos terrenos ribeirinhos, que se beneficiaram diretamente do investimento público no local, pois na época não houve nenhum instrumento criado com o objetivo de ressarcir o poder público dos investimentos feitos na região.

“... a consecução do sistema viário cujas obras coincidiram com as de retificação na sua fase inicial, integrariam de modo qualitativamente diferente os terreno marginais à estrutura metropolitana. Estas terras ganharam uma acessibilidade extraordinária, se sobre-valorizaram de tal forma que, se por um lado impossibilitavam novas instalações industriais, permitiriam a localização de atividades terciárias. Estrategicamente a Editora Abril e o Jornal O Estado de São Paulo, segmentos das indústrias editorial e gráfica, decidiram sobre a sua localização em terrenos da marginal Tietê em meados da década de 60, quando as obras de retificação estavam praticamente concluídas e o sistema viário em gestação”. (id., ibid., p. 7)

Áreas públicas, advindas dos meandros suprimidos do Tietê, como relatado por Seabra, formam parte significativa da área de intervenção do Bairro Novo. Dentro da área foco, a PMSP é atualmente proprietária de terrenos22 que totalizam 234.019,00 m², o que equivale a 25,6% do total da área de intervenção do concurso. Em parte dessa área atualmente funciona o Centro de Treinamento e Educação de Trânsito da CET - CETET -, ligado à Prefeitura. No entanto, quase metade destas áreas de propriedade municipal encontra-se hoje “cedida em

22 É importante diferenciar duas classes de áreas públicas. As áreas consideradas “bem de uso dominial”, que é o caso de um terreno que seja de propriedade da Prefeitura e que pode ser vendido ou cedido pelo poder executivo a terceiros; e aquelas que são “bem de uso comum do povo”, como ruas e praças, que apenas podem ser vendidas ou cedidas a terceiros depois de um processo de desafetação de área pública, que depende de aprovação do legislativo para que se torne um bem de uso dominial.

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comodato” através de leis de concessão ou decretos de permissão de uso. A cessão em comodato permite que em uma área de propriedade pública se desenvolvam usos privados, compensados através de contrapartidas que atendam ao interesse público.

Boa parte das áreas municipais cedidas em comodato em toda a cidade estavam em situação irregular até o final de 2002 por não cumprimento, por parte das entidades privadas, das contrapartidas compactuadas, o que motivou a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI23 –,na Câmara Municipal e interpelações da Promotoria de Justiça da Habitação do Ministério Público Estadual que exigiram da Prefeitura que as cessões existentes fossem revistas.

A “CPI das Áreas Públicas” foi criada em outubro de 2001 para investigar irregularidades nas concessões. Muitas delas foram gratuitas e outras tinham exigências irrisórias, que mesmo assim nem sempre eram cumpridas, para entidades que muitas vezes não tinham caráter filantrópico ou beneficente, o que fazia com que o interesse público fosse prejudicado.

No Bairro Novo, mais de 90.000 m² em áreas públicas municipais foram cedidos ao São Paulo Futebol Clube e à Sociedade Esportiva Palmeiras, para abrigar seus Centros de Treinamento – CTs -. O CT do São Paulo recebeu a concessão da Prefeitura em 1980, autorizada no governo do ex-prefeito Paulo Salim Maluf. A cessão do terreno para o CT do Palmeiras foi realizada em 1988, na gestão de Jânio Quadros. Os dois casos estavam entre os mais polêmicos dentre os investigados pela CPI e pelo Ministério Público:

“A falta de interesse público é o que acontece, segundo a Promotoria, no caso que envolve o São Paulo, por exemplo. O clube fez o CT da Barra Funda sobre uma área municipal que vale mais de R$ 22 milhões. Em contrapartida, tem só de ceder as instalações para os alunos da rede municipal. Mas, em carta, a Secretaria da Educação informou que não tem interesse em manter essa cessão24”.

Confirmadas as irregularidades nas cessões de áreas de propriedade municipal, a PMSP foi pressionada a revê-las. Desde setembro de 2002 a Prefeitura passou a exigir o cumprimento das contrapartidas pelos clubes e passou inclusive a cobrar aluguel pelas áreas.

A Rede Ferroviária Federal – RFFSA -, outra proprietária pública de terrenos na área foco do concurso (6,6%), também cedeu áreas à iniciativa privada, é o caso do terreno onde atualmente está instalado o Nacional Atlético Clube. Este terreno, segundo o Termo de Referência, não deveria sofrer intervenções, uma vez que não se conseguiu fazer um acordo entre as partes envolvidas.

Todo o restante da área do Bairro Novo (67,8% do total) pertence a proprietários privados. Entretanto, a maior gleba existente, atualmente de propriedade da

23 A CPI investigou 141 áreas municipais cedidas em comodato, de um total de 213 existentes em todo o município, boa parte delas na várzea do Tietê, originadas da retificação do rio.24 “Pressionada, Marta Suplicy cobra aluguel de clubes”. In: Folha de São Paulo. 16 de setembro de 2002.

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Companhia Telefônica de Espanha (29,6% do total), também teve origem pública. O terreno pertencia à TELESP, empresa de telefonia do Estado de São Paulo, que foi comprada pela Telefônica. A Telesp havia comprado anteriormente o terreno da RFFSA, pois pretendia implantar seu Centro Administrativo no local. No entanto, mudanças tecnológicas e administrativas da empresa fizeram com que se abandonasse a idéia e o terreno permaneceu vazio até agora, após muitas tentativas fracassadas de se revendê-lo.

1.2. Parcerias público-privadas na construção da cidade

O Termo de Referência do Concurso apontava alguns problemas que inviabilizaram o desenvolvimento da Água Branca e que não conseguiram ser resolvidos através da OUAB e que portanto deveriam ser equacionados nos projetos para o Bairro Novo.

A configuração urbana que apresenta o tecido urbano desagregado, traçado viário descontínuo e o macro-parcelamento fundiário existente na Água Branca, teria sido o maior empecilho urbanístico à sua integração à cidade e ao desenvolvimento da região, além dos problemas de drenagem existentes, que sujeita a região a constantes inundações e dificulta a consolidação de algumas atividades no local. O zoneamento restritivo em algumas áreas também teria desestimulado a ocupação.

Segundo a avaliação da OUAB presente no Termo de Referência:

“A Operação Urbana, embora definisse as condições legais para que fossem firmadas parcerias entre a iniciativa privada e o Poder Público Municipal, carecia da proposta de um plano urbanístico que servisse, a um só tempo, como fio condutor do processo de reurbanização da área e como instrumento de interlocução efetivo entre a Prefeitura, os empreendedores, os proprietários, moradores e usuários da região”.25

O Concurso Bairro Novo representou a possibilidade de se definir um “projeto urbanístico” para a área, em uma nova tentativa de se impulsionar o “desenvolvimento” da Água Branca. Contudo, os mecanismos básicos de viabilização estariam mantidos: uma parceria público-privada em que se combina a maior flexibilização urbanística facilitada pelo Poder Público em troca de contrapartidas a serem pagas pela iniciativa privada, em que concorrem o interesse público, representado pela Prefeitura e o interesse do mercado, representado pelos proprietários privados e empreendedores imobiliários.

De acordo com o ex-secretário Jorge Wilheim, após o insucesso da OUAB, que não conseguiu promover a urbanização da região, a Prefeitura teve a iniciativa de criar o Concurso Bairro Novo, articulando os proprietários fundiários da área:

25 Termo de Referência. 2004, pp. 3-4.

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“A sugestão (de se fazer o concurso) foi feita aos proprietários dos terrenos - a administração municipal, o governo federal, a Telefônica e alguns particulares - que adotaram a idéia. Eles assinaram um protocolo de interesses para formar uma sociedade, na qual a representação de cada um fica vinculada ao tamanho do terreno que possuem. O projeto vencedor (do concurso Bairro Novo) vai virar uma lei, uma revisão da Operação Urbana, e a sociedade negociará com os empreendedores.” 26

Ao projeto urbanístico caberia mediar os interesses dos proprietários e dos empreendedores imobiliários. A existência de um projeto urbanístico que guiasse as intervenções públicas e privadas permitiria um efetivo resultado de conjunto, a desejada “renovação urbana”. O mercado imobiliário também via com simpatia a existência de um projeto para a área. Segundo Eduardo Della Mana, diretor do Sindicato de Construtoras e Imobiliárias – SECOVI -:

“O interesse do mercado imobiliário pela região vai crescer com ou sem o projeto. A grande vantagem de ter um planejamento urbanístico é que você não deixa o mercado imobiliário tão solto. Você pensa parâmetros de ocupação para oferecer aos empreendedores, que sozinhos pensam apenas nas suas construções, com resultados que não são bons do ponto de vista urbanístico27”.

Nas últimas décadas, grandes intervenções urbanas, como seria a implantação do Bairro Novo, foram promovidas através de parcerias entre poder público e iniciativa privada. A justificativa mais freqüente para a participação privada na produção do espaço urbano é a alegada “crise fiscal do Estado”, que teria reduzido a capacidade de investimento público.

De acordo com esta teoria, sem ter como empreender sozinho seus projetos, o Estado passa então a conduzir um processo de articulação entre atores públicos e privados em torno de um projeto que facilite a instalação da oferta de infra-estrutura pela própria iniciativa privada.Em são Paulo, as “Operações interligadas” 28 foram provavelmente o primeiro modo de parceria público-privada na produção imobiliária na cidade de São Paulo, um antecedente das atuais “Operações Urbanas”. As Operações Urbanas29 tratam-se de um conjunto de intervenções restritas a uma parcela definida do território e baseiam-se na execução de obras (que podem ser de infra-estrutura, viárias, paisagismo, construção de HIS, etc.) a serem pagas com recursos arrecadados principalmente através de “outorga onerosa” de direito de construção na sua área de intervenção, para construir-se com coeficiente de aproveitamento acima do estabelecido pelo zoneamento.

26 “São Paulo se prepara para ter seu Bairro Novo”. In: Folha de São Paulo. 25 de abril de 2004. p. C4. 27 idem.28 De acordo com Fix (2001), a lei das “Operações interligadas” foi inicialmente chamada “Lei de Desfavelamento”. As Operações Interligadas apareceram pela primeira vez no Plano Diretor apresentado na gestão Mário Covas em 1985, mas apenas se efetivou depois da aprovação da lei 10.209/86 já na gestão do ex-prefeito Jânio Quadros (1985-1988) e que depois foi alterada pela lei 11.773/95, na gestão de Paulo Maluf (1993-1996). Tratava-se de um mecanismo pelo qual a iniciativa privada doava unidades de HIS à prefeitura em troca de benefícios como modificações de índices urbanísticos e categorias de usos em terrenos de sua propriedade.

Apesar de se basear num propósito social, o de se reduzir o problema das favelas em São Paulo, as Operações Interligadas na gestão de Jânio caracterizaram-se pela remoção de favelas incrustadas em áreas ricas da cidade, como a favela junto à Ponte Cidade Jardim e a favela “JK”, no Itaim Bibi, sobrepondo os interesses dos proprietários dos terrenos ocupados ao interesse social de melhoria da condição de vida da população favelada. As Operações Interligadas serviram ainda a numerosos negócios imobiliários espalhados pela cidade, diretamente beneficiados pelas alterações pontuais promovidas na Lei de Zoneamento.

Já na gestão de Luiza Erundina (1989-1992),

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Segundo Fix (2001, p. 76):

“...mesmo já beneficiando o mercado imobiliário, do ponto de vista do setor privado a Operação Interligada tinha suas limitações. Seu alcance restrito ao lote resolvia o problema de um investimento isolado, como um shopping center ou um edifício residencial, mas não era suficiente para criar novas zonas ‘planejadas’ de investimento maciço por diversos agentes privados, a chamada ‘renovação urbana’”.

A Operação Urbana determina que os recursos arrecadados devem ser investidos dentro do seu próprio perímetro, o que concentra investimentos públicos e privados numa mesma região da cidade. Sem poder arrecadar recursos em uma área e investi-los em outra, torna-se difícil redistribuir para a cidade os recursos provenientes das contrapartidas. Segundo Nobre, as Operações Urbanas ocorrem geralmente onde já existe interesse do mercado, fazendo com que os investimentos se concentrem nas regiões mais privilegiadas da cidade, aumentando assim ainda mais as disparidades intra-urbanas (Nobre, 2002).

O caráter excludente decorrente desse tipo de parceria público-privada é ainda mais grave quando constatamos que na cidade de São Paulo as Operações Urbanas em andamento nem ao menos executaram as unidades de habitação de interesse social previstas. Priorizaram-se gastos em obras de paisagismo e outras melhorias urbanas que contribuíram diretamente para o aumento do preço do solo na região, em detrimento da possível função social deste instrumento urbanístico.

Outra incoerência da prática das Operações Urbanas é que o seu objetivo de promover intervenções urbanísticas sem onerar os cofres públicos, suposto fundamento das parcerias público-privadas, fazendo com que os custos de obras fossem pagos com a arrecadação de outorga onerosa, nem sempre correspondeu à realidade de sua aplicação na cidade de São Paulo.30

Segundo Nobre, a falta de Projetos Urbanísticos que norteassem as Operações Urbanas fez com que o seu resultado fosse puramente imobiliário, sem que nem ao menos houvesse melhoria significativa em seu espaço urbano31.

1.2.1. A Operação Urbana Água Branca

No início da década de 1990 a Secretaria Municipal de Planejamento e a EMURB iniciaram estudos conjuntos para a implementação da Operação Urbana Água Branca, cujo objetivo era o de promover a sua ocupação ordenada. A OUAB foi apresentada na gestão da prefeita Luiza Erundina, mas só foi aprovada posteriormente, em 1995, no governo de Paulo Maluf.

de acordo com Piccini (2003), as “Operações Interligadas” foram consideradas um instrumento urbanístico de caráter social e entre as obras viabilizadas neste período pode-se citar a construção das passarelas do Shopping Center West Plaza, próximo da área do Bairro Novo, que gerou em contrapartidas a construção de 810 unidades de HIS, equivalente a um valor de 7,3 milhões de dólares: “Como podemos ver a orientação política de cada administração gerou usos diferenciados dos mesmos instrumentos urbanísticos aproveitados de forma diferente: enquanto na Administração Jânio Quadros, um instrumento como de O.I. era associado à idéia de desfavelamento de áreas nobres e consolidadas de São Paulo, liberando espaços para o mercado imobiliário, na Administração Luiza Erundina o uso do mesmo instrumento se baseava na preocupação com as situações contingentes de perigo imediato de vida da população moradora de habitações subnormais, favelas e cortiços’”. Desde 1998 as Operações Interligadas encontram-se suspensas no município de São Paulo devido a uma ação de inconstitucionalidade movida pelo Ministério Público.29 O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257 de 2001), que dispõe sobre a função social da propriedade, passou a regulamentar as Operações Urbanas, d e n o m i n a n d o - a s “Operações Urbanas Consorciadas”. De acordo com o § 1º do artigo 32, considera-se Operação Urbana Consorciada:“o conjunto de intervenções e

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Com a promulgação da lei da OUAB, estabeleceu-se a base jurídica que permitia à Prefeitura a concessão de exceções à legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo mediante a cobrança de contrapartidas, que serviriam para viabilizar a execução de serviços e obras de melhoria de infra-estrutura da região.

A única intervenção de escala significativa foi a construção do “Centro Empresarial Água Branca” um conjunto de quatro torres de escritórios de alto padrão, na Avenida Francisco Matarazzo, incorporadas pela Ricci Engenharia.

Esta foi a primeira proposta de adesão à Operação Urbana, aprovada pela Comissão Normativa de Legislação Urbanística – CNLU32 -, em novembro de 1996. A Empresa Ricci Engenharia obteve o benefício de utilização de coeficiente de aproveitamento33 4,0, quando o permitido pelo zoneamento era apenas 1,0.

Por opção da Ricci, a contrapartida foi paga em obras constantes do programa da Lei da Operação Urbana. Nem todas as contrapartidas previstas foram executadas até o momento. Foram restauradas a Casa das Caldeiras e a Casa do Eletricista, tombadas pelo Condephaat, que faziam parte do antigo complexo que formava as Indústrias Reunidas Matarazzo, mas somente um trecho da extensão da avenida Auro Soares de Moura Andrade, entre o Viaduto Antarctica e a Casa das Caldeiras foi realizado, ainda em 1999.

O que foi feito pouco beneficia a região. O trecho construído da avenida é desarticulado do entorno e praticamente só serve como acesso de veículo às quatro torres de escritórios. A avenida nem ao menos tem calçadas34.

Além das quatro torres edificadas, a Ricci Engenharia previa edificar outros nove edifícios no local, ocupando um terreno de quase 100.000 m2, até hoje não executados e sem previsão de início das obras. A alta taxa de vacância das unidades de escritórios nos edifícios construídos desestimulou o prosseguimento do projeto. Houve poucas adesões além desta à Operação Urbana e, desse modo, a maioria dos terrenos vazios ou subutilizados do local assim permanecem até hoje.

A retração de investimentos do mercado imobiliário naquela região, à época, especialmente devido à concorrência com os empreendimentos semelhantes na Avenida Faria Lima e Berrini (setor sudoeste da cidade), assim como a inexistência de um plano urbanístico para a área da Operação Urbana Água Branca, foram as questões apresentadas pela SEMPLA para justificar o insucesso da Operação. No entanto, segundo Kusznir (2005), a OUAB era baseada em uma “demanda forjada” por escritórios, que não correspondia a uma demanda real do mercado imobiliário, e que a construção dos edifícios da Ricci na verdade serviu a negociações entre as falidas Indústrias Reunidas Matarazzo, proprietária do terreno, e o Banco do Brasil, um dos seus credores, e que tinha por objetivo “desencalhar” o terreno. O negócio foi possível através

medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental”. O Estatuto da Cidade remete aos Planos Diretores municipais a aplicação e a regulamentação das Operações Urbanas e não chega a especificar o que seriam as “melhorias sociais”. Para o PDE de São Paulo, em seu artigo 227, as Operações Urbanas Consorciadas têm apenas “alternativamente” como finalidade implantar Programas de Habitação de Interesse Social, sendo esta uma exigência apenas no caso de se afetar moradores de favelas e cortiços, com a necessidade de se realojá-los. 30 No caso da Operação Urbana Faria Lima e Água Espraiada, o alto custo das obras viárias que deram origem a estas Operações Urbanas foi muito superior ao arrecadado em contrapartidas. Sobre esta questão ler Fix (2001), que descreve o caso destas duas Operações Urbanas.31 As intervenções na Faria Lima e na Águas Espraiadas atenderam fundamentalmente à desapropriação de terrenos e construção das novas avenidas, que tampouco atendiam a uma prioridade urbanística na cidade., cf. Nobre (2002) op. cit.32 A CNLU era o órgão que tinha a atribuição de aprovar projetos na Operação Urbana Água Branca naquele período.33 O coeficiente de aproveitamento se refere à área edificável em

Capítulo 1 - O concurso Bairro Novo

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da intermediação da Ricci, da Corretora RMC e do Fundo Previdenciário dos funcionários do Banco do Brasil, a PREVI.

Das quatro torres construídas, duas são de propriedade da Previ, que tem 60% de sua área locada para a multinacional Price Waterhouse Coopers e as duas restantes pertencem ao “Fundo Imobiliário Projeto Água Branca”, entidade criada pela corretora RMC e pela Ricci.

O “Fundo da Água Branca” foi o primeiro fundo imobiliário criado no Brasil. Estes fundos foram criados em junho de 1993 pela Lei 8.668 e regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM – em janeiro de 1994, e têm por objetivo aplicar recursos no desenvolvimento de empreendimentos imobiliários ou em imóveis prontos35. O fundo imobiliário da Água Branca, não tem oferecido boa rentabilidade aos seu investidores, reflexo da alta taxa de vacância na locação dos escritórios:

“No ano passado (2004), quatro dos nove fundos imobiliários com maior liquidez tiveram valorização acima do CDI, e apenas um deles - o Água Branca - ficou abaixo da caderneta de poupança36”.

função da área do terreno que ocupa. Portanto, o coeficiente 4 permite edificar uma área 4 vezes maior que a área do terreno.34 Para uma avaliação abrangente sobre a baixa qualidade urbanística das intervenções beneficiadas pela OUAB ver Kusznir, Mauro. “Urbanismo sem calçadas”. São Paulo, Dissertação de Mestrado apresentada à FAUUSP, 2005.35 Em 2005 estavam em funcionamento cerca de 60 fundos imobiliários em todo o Brasil, reunindo um total de cerca de R$ 2 bilhões aplicados em empreendimentos diversos como hotéis, shopping centers, edifícios comerciais, escolas, loteamentos, etc.36 ISTOÉ Dinheiro. 18 de maio de 2005.

Capítulo 1 - O concurso Bairro Novo

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As intervenções urbanísticas pontuais, tratando de fragmentos da cidade de modo singular e promovendo a transformação ou reqüalificação de sua infra-estrutura, suas atividades e de seu desenho urbano, têm caracterizado muitas das práticas recentes de intervenção nas cidades. A noção de projeto urbano se formou em oposição à idéia de planificação global da cidade e às doutrinas e práticas do Planejamento Urbano de matriz modernista (Portas, 1993, pp. 4-13).

Até mesmo os termos Planejamento Urbano e urbanismo foram adaptados aos novos modos de “fazer cidade”, surgindo nomes como “projetos urbanos”, “grandes projetos”, “mega-projetos”, ou “projetos especiais”, por exemplo37, muitas vezes associados ao que se convencionou chamar de “Planejamento Estratégico38”.

Segundo Campos e Somekh:

“Entende-se por projetos urbanos as iniciativas de renovação urbana concentradas em determinados setores da cidade, combinando agentes públicos e privados, cujos investimentos e intervenções seguem um plano urbanístico, podendo se apoiar no redesenho do espaço urbano e arquitetônico, em normas legais específicas e em novas articulações institucionais e formas de gestão” (Campos & Somekh, 2001)

O próprio setor público encarregou-se de, aos poucos, adaptar a sua estrutura administrativa à essa nova realidade da disciplina urbanística. Como exemplo podemos citar no caso de São Paulo a criação do Departamento de Projetos Urbanos na SEMPLA durante a administração de Marta Suplicy, que passou a ser responsável pelo “desenho” de intervenções pontuais no território da cidade, como as Operações Urbanas.

CAPÍTULO 2“Fazendo cidade através de projetos”

37 De acordo com o contexto, alguns destes termos podem ter acepções diversas, representando por vezes projetos de arquitetura de grande escala ou mesmo intervenções “não-físicas”, como projetos indutores de atividades urbanas.38 Por Planejamento Estratégico entende-se uma modalidade de Planejamento Urbano inspirada na gestão empresarial que tem como objetivo tornar as cidades mais competitivas na disputa global pela atração de capitais.

Capítulo 2 - “Fazendo cidade através de projetos”

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O Departamento de Projetos Urbanos da SEMPLA, antes da proposta do concurso Bairro Novo, havia destinado aquela área à implantação de um outro projeto urbano, a “Vila Olímpica” de São Paulo, além de um novo estádio, para o chamado “Núcleo da Água Branca”, que faziam parte da candidatura de São Paulo à sede dos Jogos Olímpicos de 2012. Entretanto, o projeto urbanístico, coordenado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha, ficou sem efeito quando a capital paulistana perdeu a disputa para o Rio de Janeiro, ainda na etapa brasileira da competição, em 2003. Sobre o “Projeto Olímpico”, Magalhães Júnior, diretor de Projetos Urbanos da SEMPLA disse:

“...o projeto (olímpico) visa a possibilidade de a cidade sediar eventos internacionais, o que aceleraria a implantação de melhorias urbanas. A cidade tem que se transformar por projetos”.39

Magalhães disse ainda que São Paulo precisava de projetos estratégicos e que o Projeto Olímpico era um bom exemplo, pois pensava o território da cidade:

“Nossa proposta é que não há como um arquiteto transformar a cidade, mas é preciso criar projetos estratégicos”.40

Entre os muitos exemplos internacionais desse urbanismo, temos intervenções como o Battery Park em Nova York, um dos pioneiros, que refez parte do waterfront no sul de Manhattam; a Vila Olímpica de Barcelona, um dos exemplos mais acabados deste modelo e difundido pelo mundo através de consultorias de seus idealizadores catalães; o caso emblemático das Docklands em Londres, símbolo do liberalismo extremado do governo Tatcher ainda nos anos 80 e a intervenção em Puerto Madero, em Buenos Aires, paradigmática dos efeitos de uma intervenção desse tipo em uma grande cidade latino-americana.

Os grandes projetos urbanos, geralmente patrocinados pelo Poder Público em parceria com a iniciativa privada, passaram a promover a adaptação ou renovação de importantes áreas da cidade nas últimas décadas, numa lógica empresarial aplicada ao planejamento urbano de produzir, preferencialmente, locais aptos a sediar “atividades terciárias de ponta” ou “terciário avançado”, setor defendido como de liderança da atual fase de acumulação capitalista41 (Harvey, 1989, pp. 135-162).

Por este motivo, grandes projetos urbanos que vemos surgir, de “reqüalificação” de áreas tradicionais ou remodelação de grandes áreas abandonadas, como portos, frentes marítimas, orlas ferroviárias, ou mesmo áreas industriais obsoletas, muitas vezes têm a intenção de transformá-las em novas centralidades terciárias, capazes de inserir as cidades na economia global:

“Entre as diferentes dimensões da crise urbana provocada pelo processo global de reestruturação econômica que tem se intensificado ao longo dos últimos 25 anos, destaca-se o surgimento de grandes

39 “Projeto Derrotado é base para Mostra de São Paulo”. In: Folha de São Paulo. 13 de setembro de 2003.40 Idem.41 Harvey chama esta fase “pós-Fordista” de “acumulação flexível”.

Capítulo 2 - “Fazendo cidade através de projetos”

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Projeto Urbanístico de Paulo Mendes da Rocha para a “Vila Olímpica” de São PauloFonte: imagem presente no artigo de José Magalhães, op. cit.

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Folha de São Paulo, 27 de março de 2005.

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áreas ociosas ou subutilizadas, particularmente nas cidades e setores urbanos, cujo crescimento havia se amparado na indústria de transformação. Atividades manufatureiras que pautaram, por décadas, a vida dessas aglomerações, subitamente se viram compelidas a encerrar suas atividades – ou, na melhor das hipóteses, tiveram que proceder a importantes transformações em seus métodos e cadeias produtivas, muitas vezes deslocando unidades de produção para outras regiões, em um processo já conhecido em suas conseqüências econômicas, sociais e urbanísticas”. (Campos & Somekh, 2001)

A atração de investimentos do setor terciário tem sido apontada como alternativa à perda de atividades industriais, decorrente da transição de “cidade industrial” para “cidade de serviços”, reflexo direto da nova realidade pós-fordista, conforme Harvey:

“Nas últimas décadas, o processo de desindustrialização e reestruturação, especialmente nas grandes cidades do mundo capitalista avançado, tem colocado as cidades num novo papel, de competição interurbana pela atração de capital e pessoas, como centros financeiros, de consumo e de entretenimento”. (Harvey, 1989, p. 92)

Autores como os catalães Borja e Castells42, consultores de muitos Planos Estratégicos de cidades latino-americanas, defendem que com a alegada “crise fiscal do Estado”, não restaria ao poder público alternativa, senão a de se lançar à competição, com outras cidades, pela atração de investimento não apenas de capital, de novas indústrias e de negócios mas também de mão-de-obra especializada, turistas, etc.

Para isso, definem como condições para tornar as cidades “mais competitivas” nesse contexto, a articulação entre atores públicos e privados em torno de um projeto e a construção de uma imagem positiva da cidade, tendo como exemplo máximo de sucesso o caso de Barcelona, que teve um notável revigoramento ocorrido com as ações realizadas para os Jogos Olímpicos de 1992. Atribuem aos governos locais um papel de destaque na condução deste processo, que levaria as cidades a conseguir promover desenvolvimento econômico e social e ter seus benefícios redistribuídos pelos habitantes das cidades. (Borja & Castells, 1996)

Do outro lado desta estratégia que vende a idéia de um novo modelo de planejamento, fragmentado e capaz de atrair investimentos, mas que ainda assim consiga resolver os problemas econômicos e urbanos no atual momento de crise fiscal do estado, temos que a preponderância dos aspectos econômicos (ligados aos proprietários fundiários ou ao mercado imobiliário), sobre as políticas urbanas, pode gerar alterações significativas no tecido urbano e social, com impacto não só nas áreas diretamente afetadas pelos projetos urbanos,

42 Borja e Castells escreveram o texto “As Cidades como Atores Políticos” preparatório à Conferência Habitat - ONU de 1997, em que defendem a adoção do Planejamento Estratégico por parte das cidades.

Capítulo 2 - “Fazendo cidade através de projetos”

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mas em toda a cidade, pela canalização e concentração de recursos para uma única região, de interesse do mercado imobiliário.

Percebe-se então, em muitos dos projetos de reqüalificação ou outros projetos urbanos, uma face bastante excludente, a da “gentrificação” das áreas de intervenção, ou seja, o aumento generalizado dos valores imobiliários, a restrição do acesso aos espaços gerados e a criação de um local restrito e cada vez mais privilegiado na cidade, aumentando ainda mais as desigualdades intra-urbanas.

O modelo apresentado pouco condiz com a realidade paulistana, onde não se verifica um real processo de desindustrialização, sendo indiscutível, entretanto, processos de “deslocalização industrial”, ocorrida com a transferência de plantas industriais para outras regiões, em busca de melhores acessibilidades, benefícios fiscais, mão-de-obra barata, deixando para trás áreas desocupadas ou subutilizadas.

Antigas áreas industriais, muitas vezes bem localizadas e dotadas de infra-estrutura e boa acessibilidade, configuram grandes estoques de área subutilizada, como é de fato a Água Branca e boa parte da orla ferroviária de outros bairros como a Mooca e Ipiranga, remanescentes na cidade, que poderiam representar uma grande oportunidade para a criação de uma nova frente de desenvolvimento imobiliário.

Segundo Ferreira, a defesa da criação de novas centralidades terciárias, supostamente imprescindíveis para a “modernização” da cidade e sua “inserção econômica” mundial, chamada de “mito da cidade global” foi o argumento utilizado para legitimar o direcionamento de investimentos públicos às áreas de interesse do mercado imobiliário em São Paulo. Assim:

“... a imagem da “cidade-global” interessa aos investidores imobiliários e às elites fundiárias locais. E tal interesse ocorre, para além do glamour da imagem da cidade-global, porque a promoção da “cidade-global” legitima junto aos paulistanos a canalização de recursos públicos para promover a valorização fundiária e imobiliária desses business districts, e exacerbar as taxas de lucro resultantes desses empreendimentos. Por isso, a consolidação da imagem da “cidade-global” tornou-se uma questão ideológica43: trata-se de fazer crer à população que os benefícios da “globalização” da cidade são imprescindíveis para sua “modernização” e sua “inserção econômica”, legitimando os esforços para construir a cidade-global, e garantindo a aceitação do fato de que vultosos recursos públicos são canalizados para regiões da cidade já ultra-privilegiadas”. (Ferreira, 2004b, p. 15)

O discurso de que a centralidade terciária seria capaz de melhorar a inserção econômica no mercado global já havia sido testado na Água Branca e havia

43 De acordo com a nota presente no texto de Ferreira, ele adota neste caso “a definição marxista do termo, retomado no Brasil por Marilena Chauí, e no caso urbano, por Flávio Villaça: a ideologia é a construção e difusão de uma versão da realidade que não é obrigatoriamente verdadeira, mas que interessa às classes dominantes para reforçar sua hegemonia” .

Capítulo 2 - “Fazendo cidade através de projetos”

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fracassado. A não confirmação da demanda por escritórios já havia frustrado a OUAB, como atesta a presença perturbadora das quatro torres semi-vazias da Ricci. A Água Branca não conseguiu vencer a disputa pela atração do mercado imobiliário de escritórios com as centralidades terciárias do setor sudoeste da cidade, historicamente favorecido por parte do poder público em investimentos de infra-estrutura urbana, e resolveu atuar em outra frente.

A nova etapa da OUAB precisava de um novo “mote”. Defendido como um “bairro ideal”, de predomínio residencial, paradigma de como poderia ser viver bem em São Paulo no “século XXI”, o argumento de criação do Bairro Novo servia aos interesses privados existentes. Representou aos proprietários fundiários da região uma alternativa de venda de seus imóveis (a gleba da Telefônica, por exemplo, está à venda há anos) e ao mercado imobiliário, a oportunidade de diversificar seus investimentos: se a demanda por edifícios de escritórios estava no setor sudoeste, na Água Branca o Bairro Novo permitiria aos promotores construir um novo bairro residencial de 1 milhão de metros quadrados.

Para Nádia Somekh, ex-presidente da EMURB e jurada do concurso, havia uma necessidade funcional de se promover o uso habitacional, uma vez que a região já apresentava usos diversificados, o que justificaria o predomínio residencial no Bairro Novo:

“... não precisa criar uma nova centralidade uma vez que ela já está delineada pela confluência do sistema de transporte e ela está delineada pelos usos existentes. Ela é uma nova centralidade. Então o que precisa é de uma complementação, com o uso residencial e com algumas atividades, sendo que a PUC se interessou em se mudar pra lá e, embora não esteja explícita essa nova centralidade no programa que foi definido pro concurso... ela é uma realidade. E esse terreno ficou anos vazio porque (são) muitas áreas públicas, sem utilização... e pra cidade é uma perda muito grande e tem várias outras atividades que já estão localizadas lá, no entorno, e que criam uma nova centralidade. A própria operação urbana já definiu todo um conjunto de prédios da Ricci, são 12 prédios (sendo) 4 (já) construídos. Você não precisava reforçar mais esse papel que já estava acontecendo na área...44”

No caso do Bairro Novo, não se tratava mais de construir uma “avenida imobiliária45”, que havia sido suficiente para desencadear a construção de numerosos edifícios de escritórios na Faria Lima, por exemplo. Criou-se a oportunidade de se fazer um bairro inteiro através de parcerias público-privadas. Tratava-se então de determinar quais aspectos deveriam ser privilegiados na avaliação dos projetos apresentados no concurso. Recordarmos que o concurso partiu de uma iniciativa da própria Prefeitura, o que pode ser uma indicação de como a indução da atividade imobiliária privada por parte do poder público já estava arraigada dentro dos órgãos municipais de planejamento.

44 Nádia Somekh, em entrevista cedida ao autor em 21 de setembro de 2005.45 Expressão utilizada pelo urbanista Cândido Malta Campos Filho, cf. Fix, Mariana, op. cit.

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Por se tratar de um bairro residencial, a sua justificativa não poderia ser a mesma da Operação Urbana. A SEMPLA então atualizou o discurso e substituiu a defesa de atração de investimentos do setor terciário pela defesa da construção de um bairro de máxima qualidade de vida, da busca da cidade “moderna”, “bonita” e do “século XXI”, como vimos anteriormente.

Uma análise do discurso que orientou a realização do Concurso Bairro Novo também deve considerar os aspectos valorizados nos projetos premiados e os pareceres do júri do concurso. Este será o objetivo do próximo capítulo: entender que critérios foram considerados para determinar o projeto vencedor. Analisaremos o partido adotado, seu caráter, o público a que se destina e os agentes envolvidos, de modo a relacionar o programa estabelecido pela organização do Concurso e as questões próprias do desenho urbano colocadas pelo projeto vencedor.

Antes mesmo de anunciado o vencedor do Bairro Novo, Jorge Wilheim, também membro do júri, já apontava as questões essenciais a serem consideradas. De acordo com o ex-secretário, os projetos apresentados seriam julgados pelo critério do bem-viver, como moradia, trabalho, lazer e pontos de encontro:

“Eu não quero fazer uma nova Faria Lima. Que o prolongamento da avenida foi um sucesso de lançamento de imóveis, é indiscutível. Agora, que seja um bom lugar para morar, é discutível. O Bairro Novo vai ser bom para morar, e nós temos a convicção de que dá para ganhar dinheiro e fazer uma coisa boa para se morar”.46

46 “São Paulo se prepara para ter seu Bairro Novo”. In: Folha de São Paulo. 25 de abril de 2004. p. C4. Grifo nosso.

Capítulo 2 - “Fazendo cidade através de projetos”

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“Prédios de seis andares, uma praça a cada quatro quarteirões, um parque, um clube, a avenida Pompéia transformada em bulevar e a linha do trem escondida da paisagem. Se tudo correr bem, é assim que ficará o primeiro bairro planejado por iniciativa da prefeitura na história de São Paulo”47

Com uma configuração urbana inspirada na cidade tradicional, com edifícios contíguos formando quarteirões fechados, gabarito controlado, calçadas amplas, praças e algumas ruas de paralelepípedo, a equipe formada pelos arquitetos Euclides Oliveira, Carolina de Carvalho e Dante Furlan, procurou responder às indagações feitas no Termo de Referência e venceu o concurso Bairro Novo.

O arquiteto Euclides Oliveira, que liderou a equipe vencedora, é carioca mora em São Paulo desde 1971 e já realizou projetos como o prédio dos Correios na Vila Leopoldina e as agências de publicidade Salles e McCann-Erickson. A maioria desses projetos foi feita em parceria com o arquiteto Sérgio Pileggi.

Foram premiados os 3 melhores projetos, em ordem de classificação, e foram atribuídas 7 menções honrosas48. O concurso Bairro Novo atraiu a participação de dezenas de arquitetos, com 127 projetos inscritos, que apresentaram 58 propostas consideradas válidas, envolvendo cerca de 700 profissionais de todo o Brasil.

O resultado foi divulgado no dia 22 de julho de 2004 no Palácio do Anhangabaú. Os discursos da solenidade de premiação transcorreram no mesmo tom do lançamento do concurso. Paulo Sophia agradeceu aos arquitetos participantes que, segundo ele “utilizaram seu precioso tempo para se dedicar à reflexão do que será um paradigma para a nossa cidade e as outras muitas cidades de nosso estado e país49”.

Entre os participantes do concurso estavam alguns professores da FAUUSP, que apresentaram propostas, seja através de seus escritórios particulares (como o caso da equipe liderada pelo arquiteto e professor da FAU Bruno Padovano,

CAPÍTULO 3O projeto vencedor

47 “Novo Bairro em SP terá prédios baixos e Praças”. In: Folha de São Paulo, 23 de julho de 2004. p. C1. Grifo nosso.48 A equipe que recebeu o segundo prêmio era formada pelos arquitetos Jaime Cupertino, José Paulo de Bem e Joan Villà. O terceiro prêmio coube aos arquitetos Francisco Spadoni, Lauresto Esher e Selma Bosquê. As menções honrosas foram concedidas às equipes lideradas pelos seguintes arquitetos: Bruno Padovano, Christian de Portzamparc, Décio Amadio, Décio Tozzi, Fábio Zappelini, Héctor Vigliecca e Pedro Nitsche.49 Discurso de Paulo Sophia na solenidade de entrega dos prêmios do Concurso Bairro Novo, em 22 de julho de 2004. Grifo nosso.

Capítulo 3 - O projeto vencedor

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Plano Geral do Projeto vencedor do Concurso Bairro NovoAutoria dos arquitetos Euclides de Oliveira, Dante Furlan e Carolina de Carvalho

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Vistas do Projeto vencedor do Concurso Bairro Novo

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Imagens do projeto classificado em segundo lugar no Concurso, de auto-ria dos arquitetos: Jaime Cupertino, José Paulo de Bem e Joan Villà

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Imagens do projeto classificado em terceiro lugar no ConcursoAutoria dos arquitetos Francisco Spadoni, Lauresto Esher e Selma Bosquê

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(página anterior)Imagem do projeto do arquiteto Bruno PadovanoMenção honrosa

Imagem do projeto do arquiteto Christian de PortzamparcMenção honrosa

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Pensando a Cidade no Século XXI: O Concurso Bairro Novo em São Paulo, 2004 47

que recebeu uma menção honrosa) ou de grupos formados por integrantes de laboratórios de pesquisa da faculdade (como o Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos – LabHab -, através da equipe liderada pelo professor João Sette Whitaker Ferreira e do Laboratório de Tecnologia - LABAUT, com um trabalho coordenado pelas professoras Joana Gonçalves e Denise Duarte).

Uma das menções honrosas foi concedida à equipe liderada pelo arquiteto francês e vencedor do Pritzker Prize de 1994, Christian de Portzamparc que foi a participação estrangeira mais destacada.

O júri que escolheu os projetos premiados foi formado por sete arquitetos: a presidente da EMURB à época, Nadia Somekh, os arquitetos Paulo Zimbres (Brasília), Luís Fernando Freitas (Rio de Janeiro) e Alberto Botti (São Paulo) - indicados pelo IAB/SP, o secretário de planejamento à época, Jorge Wilheim, o diretor de Projetos Urbanos da SEMPLA, José Magalhães Júnior, além do arquiteto argentino Alfredo Garay – indicado pela EMURB/SEMPLA, responsável pela revitalização de Puerto Madero, conhecido projeto de renovação urbana em Buenos Aires.

O parecer do júri destacou que o projeto vencedor possuía “bom conceito geral” em que se “enaltece a vida de bairro”:

“As quadras compostas por prédios contíguos de pavimentos térreo mais seis pavimentos permitem a participação de empreendedores e construtores de médio porte na construção do bairro. O partido adotado aceita diversidade de escala e insere edifícios destinados a HIS ao lado dos demais prédios em lugar de segregá-las. Estabelece a escala e o volume dos espaços privados a partir do desenho dos espaços públicos e promove ruas e esquinas animadas, dando condições para uma vida de bairro marcada pela mistura de usos e pessoas50”.

Para o júri, o projeto coordenado pelo arquiteto Euclides Oliveira “responde à expectativa de um bairro diferenciado, indicando uma forma de habitar em São Paulo diferente da atual tendência de condomínios em edifícios altos e isolados”. Ao final da Ata, o júri conclui que o projeto “trata-se indubitavelmente de uma experiência urbanística digna de ser implantada”.

Antes mesmo de anunciado o resultado do concurso, membros do júri já haviam apontado alguns critérios que determinariam a escolha. Em uma reportagem na Folha de São Paulo intitulada “Espanha e Itália inspiram o Bairro Novo paulistano51”, Magalhães Júnior e Paulo Sophia apontavam os projetos da Vila Olímpica de Barcelona e do bairro de Bicocca em Milão como referências a serem seguidas pelos participantes.

50 Ata do resultado do concurso Bairro Novo. 2004. Grifo nosso.51 Folha de São Paulo. 25 de abril de 2004 p. C4.

Capítulo 3 - O projeto vencedor

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Folha de São Paulo, 13 de julho de 2004, p. C4.

(próxima página)O Estado de São Paulo, 23 de julho de 2004.

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Folha de São Paulo, 25 de abril de 2004.

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Folha de São Paulo, 23 de julho de 2004.

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Segundo Paulo Sophia, a experiência de Barcelona é bem conhecida no mundo todo. A Vila Olímpica barcelonesa é um dos mais festejados projetos urbanos realizados nas últimas décadas e deve-se à reformulação pela qual passou esta parte da cidade para se adequar à realização das Olimpíadas de 1992:

“Eles conseguiram implantar com qualidade um mix de usos. Reformularam o porto e abriram a cidade para o mar. Outra característica espanhola é a construção de praças, que eles privilegiam muito52”.

A área da Vila Olímpica, construída no bairro chamado Poble Nou53, era condicionada por questões urbanísticas bastante semelhantes àquelas que enfrentava o Bairro Novo: localizava-se em uma antiga área industrial, separada da cidade por uma linha férrea e do mar (no caso paulistano seria o rio Tietê) por uma avenida, e também contava com problemas de drenagem que provocavam constantes inundações.

Segundo Magalhães:

“Precisamos ponderar que eles trabalham com uma escala bem menor lá, pelo tamanho da cidade em relação a São Paulo. Mas existe um bairro chamado Poble Nou que foi totalmente reformulado. Existia uma série de galpões industriais antigos que foram modificados. Numa parte desse bairro se construiu a Vila Olímpica, que depois foi bem integrada à cidade e ao porto”.

O redesenho urbano de uma extensa área recriou a frente marítima da cidade e considerou a forma urbana característica, marcado pelas esquinas chanfradas, dos quarteirões do eixample54, a expansão urbana projetada por Ildefonso Cerdá para Barcelona na metade do século XIX. Embora sejam evidentes algumas semelhanças entre o projeto vencedor e os exemplos estrangeiros citados, para o líder da equipe vencedora, a referência utilizada em seu projeto é sobretudo nacional. Para Oliveira:

“a inspiração surgiu das próprias cidades brasileiras da primeira metade do século XX”55, e resgata “aspectos da proposta que o urbanista francês Alfred Agache havia apresentado para o Rio de Janeiro, em 1927, a convite do prefeito da época”56.

De acordo com o partido escolhido pelo projeto, cabe às “massas arquitetônicas harmonizar os espaços urbanos do novo bairro”, numa configuração urbana de “feitio mais europeu do que norte-americano”. Desse modo, os edifícios deverão ser construídos no alinhamento das ruas, estabelecendo com elas, segundo os arquitetos, “forte ligação espacial e simbólica”.

52 idem. 53 Ironicamente, “Poble Nou”, em catalão, quer dizer “Povoado Novo” em português, muito semelhante ao nome “Bairro Novo” escolhido pela Prefeitura para designar o concurso. Outros bairros da cidade de Barcelona também recebem a denominação “poble”, embora este termo seja mais corrente na designação de pequenos municípios – “pueblo” em espanhol - e “bairro” corresponda mais diretamente à palavra “barri” em catalão.54 Eixample, em catalão ou ensanche, em espanhol, significa “extensão” e foi o nome dado ao projeto desenvolvido por Cerdá (1859-1864) de traçado reticulado, com quadras de 113m x 113m e vias de 20m de largura, de tal maneira que cada conjunto de nove quadras e vias correspondentes podia ser inscrito dentro de um quadrado de 400m de lado.55 “Novo Bairro em SP terá prédios baixos e Praças”. In: Folha de São Paulo, 23 de julho de 2004. p. C1. 56 Boletim no46 do IAB-SP. Agosto/setembro de 2004.

Capítulo 3 - O projeto vencedor

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Pensando a Cidade no Século XXI: O Concurso Bairro Novo em São Paulo, 2004 53

O projeto apresenta como característica a forma urbana regular, com controle rigoroso do alinhamento e altura dos edifícios, que devem ser geminados lateralmente e com térreo mais 6 pavimentos, configurando quarteirões fechados. A unidade mínima de parcelamento é o lote, com 20 metros de frente (área de 1.250,00m2), que deve receber edifícios contíguos e independentes. Segundo o júri, isto permite “a participação de empreendedores e construtores de médio porte na construção do bairro”. O projeto vencedor apresentou propostas de tipologias para algumas situações, até porque numa situação como esta, a morfologia guarda uma estreita relação com a tipologia das edificações.

O projeto prevê também a possibilidade de se criar pátios interiores “semipúblicos57”, juntando os fundos de lotes. Essa alternativa, entretanto, dificilmente seria factível caso se empreendessem edifícios contíguos e independentes, sendo favorável apenas no caso de um grande edifício construído com o remembramento de vários lotes. Por outro lado, para que se tenha todo o interior “semi-público”, seria necessário empreender todo um quarteirão ao mesmo tempo, o que prejudicaria o objetivo de tornar a execução de empreendimentos viável para uma construtora de médio ou pequeno porte.

O projeto deixa clara a intenção de “harmonizar a coexistência de pedestres e automóveis, sem apartá-los em demasia”, rejeitando o princípio do urbanismo de cunho funcionalista de separar as circulações de veículos e pedestres. Nas avenidas principais haverá galerias cobertas, de pé-direito duplo, “espaço este tão útil em nosso clima entre o tropical e temperado, sujeito a chuvas, trovoadas, garoa, sol ardente, etc.”, nos dizeres do projeto vencedor, demonstrando a prioridade dada à circulação de pedestres no projeto.

O traçado viário proposto cria um sistema reticulado cartesiano, que forma grandes quadras de 318m x 318m, chamados “superquadras”, delimitadas por vias principais de circulação, que são subdivididos por vias secundárias, de paralelepípedo, com disposição em forma de cata-vento, conformando uma praça interior. Essa proposta cria uma hierarquia na circulação de veículos, destinando as ruas internas ao tráfego local. As superquadras são repetidas 6 vezes em toda a área do Bairro Novo, adaptando-se ao entorno sempre que necessário.

A integração da área do Bairro Novo aos bairros vizinhos deveria ocorrer com o rebaixamento da linha férrea, segundo o projeto vencedor, permitindo assim a demolição do viaduto existente e a transformação da Avenida Pompéia em um “boulevard”. A proposta original de rebaixamento da linha, entretanto, foi alterada durante o projeto executivo contratado pelo SEMPLA, devido ao seu alto custo, que dificilmente tornaria rentável o conjunto da intervenção. A solução encontrada foi a de se elevar em 2m a cota de todo o bairro e assim diminuir o desnível a ser transposto58.

57 Neste caso, entende-se como “semi-públicos” os espaços de propriedade privada mas de uso público. 58 A transposição de uma linha férrea para integrar uma antiga área industrial à cidade foi realizada em outros projetos urbanos de maneira semelhante, como é o caso da Vila Olímpica no bairro do Poble Nou de Barcelona, já citado, e do projeto “Paris Rive Gauche”, na capital francesa. Em ambos os casos optou-se por elevar o nível da cota do bairro em vez de se rebaixar a linha férrea.

Capítulo 3 - O projeto vencedor

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Projeto do urbanista Agache para a cidade do Rio de Janeiro, nos anos 30Fonte: site

Plano Cerdá para a cidade de BarcelonaQuarteirões do bairro de “L’Eixample”, de Barcelona. Ocupação atualFonte: imagem do vídeo “Catalunya des de l’Aire”.

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Quarteirões do “eixample” de CerdáFonte: www.upf.es

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Praça e quarteirões da Vila Olímpica de BarcelonaFonte: imagem do vídeo “Catalunya des de l’Aire”.

Quarteirões da Vila Olímpica de BarcelonaFonte: imagem do vídeo “Catalunya des de l’Aire”.

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Vista aérea da Avenida Icária, na Vila Olímpica de BarcelonaFonte: imagem do vídeo “Catalunya des de l’Aire”.

Pérgulas da Avenida Icária, obra do arquiteto Enric Miralles, Vila Olímpica de BarcelonaFonte: imagem do vídeo “Catalunya des de l’Aire”.

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A primeira fase de intervenção, com área de cerca de 100.000m2, previa a construção de um hotel de grandes dimensões com um anexo para convenções, ao lado das quatro torres da construtora Ricci, na Avenida Francisco Matarazzo, que funcionariam como “âncoras” do projeto. Também integra esta primeira etapa a construção de uma quadra de uso misto. A Prefeitura considera que o sucesso dessas primeiras habitações será fundamental para atrair o interesse de investidores e definir o futuro do Bairro Novo. O projeto prevê também a possibilidade de que seja construída no local uma nova estação da CPTM, vinculada ao check-in remoto para o aeroporto de Guarulhos.

A HIS no bairro estaria distribuída de maneira uniforme pelo bairro e deveriam obedecer à tipologia de térreo mais 6 pavimentos. No que pese o mérito de não se criar um gueto dentro do bairro, destinado à HIS, a proposta não especifica o número de unidades a serem construídas. Além disso, como vimos, o Termo de Referência tinha uma determinação diferente, limitando a HIS a 4 andares.

3.1. A questão da Forma Urbana

De acordo com Somekh59, que fez questão de dizer que não havia votado no projeto que venceu o concurso, o que definiu a escolha deste projeto por parte do júri foi a opção por construir na Água Branca uma cidade homogênea, que São Paulo poderia ter sido:

“muito da decisão do júri foi resgatar uma homogeneidade que sempre foi proposta pra São Paulo desde o Plano de Avenidas e que nunca conseguiu se constituir”. É uma homogeneidade que é defendida desde Haussmann. No começo do século o Anhaia Melo foi para um seminário em Gante (Bélgica) e falou que todo o urbanista queria ser o Haussmann, no começo do século XX.

...Essa homogeneidade que não existiu em São Paulo, porém foi proposta, é o que ajudou o júri a definir o vencedor...

...Tem a cidade modernista, a cidade tradicional – ganhou a cidade tradicional. Que o segundo era modernista, muito Brasília...

...eu não participei do termo de referência, eu participei do júri, eu estava na EMURB mas eu não participei da concepção do projeto. Inclusive eu fui voto vencido... eu era a única mulher no júri... por isso... a diferença de gênero, mas eu não votei no vencedor não... nesse vencedor” 60.

Wilheim, que segundo Somekh concebeu o concurso, já havia expressado sua intenção de transformar a paisagem urbana da cidade em um texto intitulado “Intervenções na Paisagem Urbana de São Paulo” através de mecanismos

59 Depoimento ao autor em 21 de setembro de 2005.60 Depoimento ao autor em 21 de setembro de 2005.

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Pensando a Cidade no Século XXI: O Concurso Bairro Novo em São Paulo, 2004 59

que criassem uma forma urbana homogênea. O texto foi o resultado de uma consultoria prestada por seu escritório, Jorge Wilheim Consultores Associados, ao Instituto Florestan Fernandes de Políticas Públicas – IFF, presidido pela então candidata ao governo municipal Marta Suplicy, e onde se desenvolveram discussões sobre diversas áreas da administração pública com vistas à definição de um plano de governo, a ser seguido caso Marta vencesse as eleições, o que de fato ocorreu61.

No texto, de maio de 2000, Wilheim faz uma análise da paisagem urbana de São Paulo, e apresenta propostas de reconfiguração da cidade, que em muito se assemelham à homogeneidade urbana típica da cidade tradicional. Propõe que o zoneamento e a regulamentação das construções deveriam partir de um projeto localizado do espaço público, com que as construções se defrontam.

“...é importante notar que a relativa má qualidade estética da paisagem construída decorre do abandono do critério de homogeneidade das fachadas sobre as ruas e da legislação recente que estabeleceu uma tipologia dominante: a do edifício alto e isolado; com efeito, desde que se abandonou a regra do gabarito (altura máxima ou mínima da fachada sobre a rua) e se liberou os recuos sobre o alinhamento, prevalecendo outros critérios para os projetos, abdicou-se de privilegiar o espaço público como ponto de partida para a criação da paisagem urbana construída e anulou-se a viabilidade econômica do edifício baixo. Permanece o desafio de permitir liberdade de criação arquitetônica, submetendo-a contudo à criação de ruas mais bonitas...”. (Wilheim, 2000)

O texto também faz referência às desejadas características das calçadas de áreas residenciais, que deveriam servir de ponto de encontro de vizinhos e espaço para socialização e jogo de crianças. Nas ruas comerciais, defende o recuo do andar térreo dos estabelecimentos, mantendo o alinhamento nos superiores, criando uma galeria ao longo das vitrines e do acesso às lojas e abrigando os pedestres da chuva, exatamente como propunha o projeto vencedor:

“...com este artifício se gerará, gradualmente, uma galeria coberta em frente às vitrines, beneficiando os transeuntes e criando um caráter apropriado de rua comercial”. (op. cit.)

O ideal urbano da cidade homogênea passou a influenciar os projetos da SEMPLA, com a volta de Wilheim à Secretaria, sob o governo de Marta Suplicy. Um artigo de Pedro Sales, que foi Assessor técnico da SEMPLA, entre 2001 e 2004, e coordenou a formulação do plano de intervenção e ordenação de operações urbanas na cidade de São Paulo, identifica que uma questão própria do desenho urbano de origem modernista - a criação de espaços privados entre edifícios e o aparecimento de áreas condominiais que não existiam na cidade

61 Com a vitória de Marta, Wilheim foi escolhido secretário municipal de Planejamento.

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tradicional, de edifícios contíguos -, teria contribuído para o desenvolvimento de uma vida coletiva em área privada, desfavorecendo a área pública:

“pudemos observar que a louvável proposta de valorização dos espaços intersticiais entre as edificações com o seu aproveitamento por usos coletivos, com a conseqüente obsolescência da calçada, foi substituída pela degradação do espaço público, e pela transferência para dentro do lote, das funções públicas, como o lazer e o convívio social, com a conseqüente desvalorização do primeiro, tanto do ponto de vista do desenho como da função62”.

A perda da função pública segundo esta avaliação seria decorrente fundamentalmente de uma questão de desenho da cidade. Não surpreende portanto que a tentativa de se recuperar a vida pública que havia na cidade tradicional passasse a orientar o desenho das novas intervenções. Parece ter sido esta a origem teórica para a recuperação do desenho homogêneo de quarteirões fechados que passou a orientar as propostas da SEMPLA:

“Respaldados nestas analises e observações, nos propusemos a uma dupla tarefa: revalorizar o espaço público através de um desenho de qualidade e estabelecer regras claras para o espaço privado, que atendesse suas expectativas de valorização e ganho imobiliário, e desenhasse uma paisagem urbana de qualidade que incentivasse a valorização e o uso dos espaços públicos e o convívio social63”.

Entre os teóricos do assunto, Sales cita Panerai (1986), que trata da passagem da cidade tradicional à cidade moderna, com os câmbios morfológicos e tipológicos de uma para a outra. O tecido urbano da cidade tradicional se caracteriza pela presença de quarteirões fechados, com prédios contíguos, ainda que independentes, e onde é clara a distinção entre o espaço público e privado. Já a cidade moderna, ou cidade aberta, se caracteriza pela presença de edifícios isolados, os “blocos”, determinados sobretudo pelas condições de insolação e ventilação das unidades habitacionais, com significativa melhoria nas condições de higiene e habitabilidade se comparada à cidade tradicional. No entanto, as edificações deixam de configurar o espaço público, característica da cidade tradicional64. As intervenções urbanas de matriz modernista ocorridas no pós-guerra europeu passaram a ser duramente criticadas principalmente a partir dos anos 60.

Uma das primeiras contribuições da experiência pós-moderna quanto a intervenção na cidade são as teorias de Aldo Rossi, que em 1965 escreve “Arquitetura da Cidade”, em que entende a cidade como uma arquitetura e defende a forma urbana como o instrumento que permite não só analisá-la e descrevê-la como também reger as intervenções que nela forem feitas. Rossi também desenvolveu alguns conceitos como “morfologia urbana” e “tipologia”,

62 SALES, Pedro M. R. Operações Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projetos.Parte 1 – Introdução. In: Site Vitruvius: w w w. v i t r u v i u s . c o m .br/arquitextos/arq066/arq066_03.asp. Acessado em 15 de janeiro de 2006.63 op. cit.64 Le Corbusier propõe “matar” a “rua corredor”.

Capítulo 3 - O projeto vencedor

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Vista geral do projeto vencedor(trata-se do projeto executivo desenvolvido pela equipe após vencer o concurso Bairro Novo)

“Esquina chanfrada” no Bairro Novo(idem)

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Planta da superquadra do projeto vencedor do Concurso

Galeria coberta e ponto de perspectiva a partir do pedestre de uma rua. Projeto vencedor do Concurso

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Pensando a Cidade no Século XXI: O Concurso Bairro Novo em São Paulo, 2004 63

aplicados no paradigmático projeto implementado durante o governo comunista na cidade de Bolonha, Itália, nos anos 60.

Intervenções como a de Bolonha tiveram o mérito de identificar no espaço urbano pré-existente os elementos que permitiram à cidade ligar de maneira simbólica as pessoas ao seu lugar de moradia, através de intervenções cuidadosas e precisas, em oposição ao urbanismo modernista praticado sobretudo nas reconstruções do pós-guerra europeu. De acordo com Arantes:

“...houve época em que para resistir à urbanização demolidora praticada pelos modernos, à pretensa “racionalidade” da cidade planificada, tanto quanto ao seu crescimento desordenado, pensou-se que a alternativa consistiria em intervenções orientadas por princípios como os seguintes: consertar sem destruir, refazer sem desalojar, reciclar, restaurar, criar a partir do que está dado, respeitar a sedimentação dos tempos diferentes, reatando e rejuvenescendo os vínculos com a tradição, enfim, construir um “lugar” – na acepção forte do termo -, ou seja, dar forma ao informe, sem com isso querer ordená-lo, mas devolvendo-lhe a antiga dignidade, redescobrindo por aí o fio perdido da continuidade histórica que lhe dá sentido, e assim por diante. Tudo isso era fruto de um esforço de salvação da cidade e, com ela, da urbanidade, quem sabe até de uma vida pública perdida, conduzido discretamente, passo, a passo, por assim dizer em migalhas, a partir de pontos nevrálgicos, escolhidos a dedo, seja por sua deterioração, seja, ao contrário, pelo significado de que poderia se revestir para a população local, servindo de ponto de irradiação (dando origem a uma metástase benigna, na expressão de Bohigas) que viesse a reqüalificar o entorno – ipso facto, a relação das pessoas com o seu espaço e entre elas”. (Arantes, 1998, p. 124)

Segundo Busquets, a “Escola Morfológica”, que reconhece nas características da trama urbana os elementos mais determinantes e contínuos que mantêm a história da cidade65 consagrou-se como um instrumental com grande força projetiva nas recentes intervenções urbanas européias.

“Estas experiencias están aportando sin duda una renovación del instrumental de diseño urbano sin precedetes. El “proyecto urbano” se recupera y la composición urbana deviene de nuevo prioritaria. Desde la postguerra no existe un período de tal renovación instrumental, que reelabora el bagaje analítico y crítico de los años setenta”. (Busquets, s/d, s/n)

Bassani (2005), através do estudo de projetos urbanos realizados nas últimas duas décadas do século XX66, identifica que nestas intervenções predominaram a negação ao caráter abstrato da cidade desenhada pelos modernos. Para ele, os projetos urbanos do último fim de século guiaram-se sobretudo em um

65 Busquets cita projetos dos arquitetos Aldo Rossi e dos irmãos Krier.66 Bassani apresenta projetos urbanos realizados em 8 cidades para fundamentar seu argumento: a Vila Olímpica, em Barcelona; os projetos Bercy e Rive-Gauche, em Paris; Kop van Zuid, em Roterdam; Euralille, em Lille; o Porto Vecchio, de Gênova; a Potsdamer Platz e o Bundstag, em Berlim; o Battery Park, de Nova Iorque e Puerto Madero, em Buenos Aires.

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modelo “reativo” ao moderno, baseado em projetos com desenhos precisos, em oposição ao zoneamento da cidade aberta do planejamento modernista:

“lança-se mão de elementos retóricos da pós-modernidade declarada, das referências simbólicas e miméticas, porém a estrutura urbana projetada é precisa, não exatamente caótica e aberta”. (2005, p. 134)

No caso de uma intervenção em uma área de tecido urbano tradicional (cidade compacta centro-européia) com quarteirões fechados, como Barcelona, é evidente que a recente transformação do espaço urbano da Vila Olímpica, por exemplo, representou a incorporação de elementos da cidade aberta à morfologia presente no bairro do Poble Nou.

“...talvez o interesse maior, e o relativo sucesso desse modelo-Barcelona, decorra dessa situação-limite: de um certo modo ter podido combinar regionalismo e neo ou ultra-modernismo, teoria do ‘lugar’ e planejamento estratégico, uma fórmula por assim dizer híbrida de urbanismo de segunda e de terceira geração, ou ainda de gestão urbana de molde empresarial americano e previdenciário-cultural (se é possível falar assim) europeu, nitidamente francês”. (Arantes, 2002, p. 56)

Tratava-se de conciliar uma forma urbana pré-existente (o quarteirão fechado), um modo de considerar a influência do contexto na intervenção proposta, com o interesse do mercado (de fazer edifícios isolados em altura). No entanto, como justificar a utilização do quarteirão fechado no caso do Bairro Novo, onde este elemento não guarda relação com qualquer pré-existência na Água Branca?

Harvey identifica a mudança de paradigma nos critérios de desenho presentes nos projetos urbanos:

“Como é impossível comandar a metrópole a não ser aos pedaços, o projeto urbano (e observe-se que os pós-modernistas antes projetam do que planejam) deseja somente ser sensível às tradições vernáculas, às histórias locais, aos desejos, necessidades e fantasias particulares, gerando formas arquitetônicas especializadas, e até altamente sobre medida, que podem variar dos espaços íntimos e personalizados ao esplendor do espetáculo, passando pela monumentalidade tradicional. Tudo isso pode florescer pelo recurso a um notável ecletismo de estilos arquitetônicos”. (Harvey, 1989, p. 69)

Para Harvey, a adoção de diferentes linguagens nos projetos urbanos deve-se à abdicação de um projeto social ao se construir a cidade, e que passa a empreender projetos que utilizam princípios estéticos com um fim em si mesmos:

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“Enquanto os modernistas vêem o espaço como algo a ser moldado para propósitos sociais e, portanto, sempre subservientes à construção de um projeto social, os pós-modernistas o vêem como coisa independente e autônoma a ser moldada segundo objetivos e princípios estéticos que não tem necessariamente nenhuma relação com algum objetivo social abrangente, salvo, talvez, a consecução da intemporalidade e da beleza “desinteressada” como fins em si mesmas”. (op. cit., p. 69)

Se no caso de Rossi e nos exemplos a que se refere Busquets e Arantes, a referência ao contexto histórico é utilizada na tentativa de se criar um vínculo do homem com o lugar, Harvey aponta situações em que a adoção de formas urbanas tradicionais faz parte de um processo de estetização do espaço urbano, que chama de “citação histórica” e “populismos”, recorrentes na linguagem pós-moderna na arquitetura e no projeto urbano:

“...a arquitetura e o projeto pós-modernos citam a vasta gama de informações e de imagens de formas urbanas e arquitetônicas presentes em diferentes partes do mundo. Todos trazemos, diz Jencks, um musée imaginaire na mente, extraído da experiência (muitas vezes turística) de outros lugares e do conhecimento adquirido em filmes, na televisão em exposições, em brochuras de viagem, revistas populares etc. É inevitável, diz ele, que tudo isso se agregue, sendo tanto excitante quanto saudável que seja assim. ‘Por que nos restringirmos ao presente, ao local, se podemos viver em épocas e culturas distintas?’”( op. cit., p. 86. Grifo nosso)

Nestes casos, o resgate de formas urbanas tradicionais não está a serviço da vinculação de uma intervenção nova ao contexto em que se insere. Seu objetivo não é o de seguir “o fio perdido da continuidade histórica”. A criação de um cenário, através da recriação de formas urbanas tradicionais, verificado em muitos dos projetos urbanos recentes, serve nestes casos ao que Otília Arantes chama de “isca cultural” ao capital, para o qual a monotonia funcional do modernismo havia criado uma forte demanda reprimida pela diversidade nas formas urbanas. (Arantes, 2002, p. 46)

Pela semelhança a algumas intervenções urbanas ocorridas na Europa, sobretudo pelo retorno ao quarteirão fechado característico da cidade tradicional, o projeto vencedor do concurso pode ser entendido como uma apropriação paulistana dos recursos projetuais que guiaram a implementação de muitos projetos urbanos recentes, mesmo que neste caso a aplicação destes elementos em São Paulo ocorra de maneira postiça, sem a relação com o contexto histórico, que estava presente na origem desta maneira de se intervir no espaço urbano europeu.

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Pensando a Cidade no Século XXI: O Concurso Bairro Novo em São Paulo, 2004 66

Desse modo, o uso de formas urbanas características da cidade tradicional de matriz européia, presentes no projeto vencedor do concurso Bairro Novo, deveria ser considerado uma citação histórica, típica do processo de estetização do espaço urbano pós-moderno, que não restringe seu repertório formal ao “presente” e ao “local”, apesar da tentativa do projeto em dissimular o vínculo com exemplos estrangeiros67. O mesmo desenho urbano, de matriz tradicional, também serviu para o projeto vencedor do Bairro Novo responder à particular maneira como a SEMPLA defendia o interesse público na produção do espaço urbano em São Paulo: construir um bairro “bom para se viver” e com uma paisagem urbana de qualidade, associada à teoria de que o resgate da qualidade do espaço público seria conseguido através de uma mudança no desenho urbano – com a eliminação dos espaços intersticiais entre edifícios.

3.2. Os Espaços públicos no Bairro Novo

Como vimos, o espaço urbano proposto no projeto vencedor é formado a partir da repetição de superquadras de 318m x 318m que são subdivididas por vias secundárias, com disposição em forma de cata-vento, criando quatro quarteirões de volume e alinhamento regular, que por sua vez conformam praças interiores. Ao todo são 6 praças de formato quadrado, cada uma com cerca de 8.000m2.

De acordo com o projeto vencedor, as praças do interior das superquadras “deverão receber além de arborização e do ajardinamento, equipamentos para lazer infantil e da terceira idade tais como playground, ciclovia (circular), recantos com mesa e bancos para jogos, etc.”.A análise do projeto vencedor mostra que o formato e as dimensões regulares destas praças devem ter orientado todo o desenho do espaço urbano do bairro, uma vez que estas são rigidamente iguais em todo o projeto, cabendo aos quatro quarteirões circundantes, em cada superquadra, adaptar-se às condições do entorno. Na realidade, a superquadra-tipo proposta só está perfeitamente aplicada uma única vez, sendo mais freqüente a sua deformação do que a repetição do modelo, para adaptar-se à malha urbana existente.

A expressiva configuração espacial das praças interiores atende diretamente à intenção do Termo de Referência de se relacionar o espaço público ao entorno edificado:

“Considerando que as características dos espaços públicos, além de suas qualidades intrínsecas, são também expressas pelas edificações que lhes servem de parâmetro, é fundamental que sejam estabelecidas diretrizes de parcelamento, uso e ocupação para o solo privado proposto, além das volumetrias daí decorrentes”68.

67 Neste trabalho já foram apontadas muitos vínculos entre o projeto vencedor do concurso Bairro Novo e o tecido urbano do Eixample, do século XIX e a Vila Olímpica de Barcelona, dos anos 90. Apesar das semelhanças, em nenhum momento o projeto vencedor do concurso admite a referência.68 Termo de Referência. 2004, p. 9.

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Outro espaço urbano característico do projeto, é o alargamento criado na calçada devido aos chanfros presentes nas esquinas de cada um dos quarteirões. Segundo o próprio projeto:

“as esquinas, configuradas como espaços urbanos generosos (à maneira dos ‘largos’ de antigamente), propiciam pontos de encontro agradáveis, locais convenientes para o abrigo de bancas de jornal, telefones públicos, do carrinho de pipoca, do sorveteiro etc.”.

Sem dúvida, boa parte da área correspondente ao espaço público é formada pelas ruas do bairro. O projeto vencedor também busca promover as calçadas das ruas como espaço público favorável ao desenvolvimento das relações interpessoais, qualificando-as com arborização, “visando-se o conforto ambiental e a continuidade e valorização dos espaços públicos” e com a criação de galerias cobertas de pé-direito duplo na base dos edifícios. Segundo os arquitetos, o volume edificado homogêneo, decorrente dos edifícios construídos no alinhamento das ruas, permite estabelecer entre a rua e os edifícios “forte ligação espacial e simbólica”.

O Termo de Referência do concurso definia que os espaços livres públicos deveriam articular e integrar a área do Bairro Novo ao entorno, e tratar com especial atenção as barreiras urbanas representadas pela linha férrea e a marginal do Tietê.

Há ainda um conjunto de 3 praças em um trecho chamado “Centro do Bairro”, embora não se possa identificar esta condição através de uma hierarquia advinda do desenho urbano. Nestas praças do “Centro de Bairro”, não persiste a configuração espacial existente nas praças interiores e, além disso, elas não criam um espaço público unitário, pois este espaço é atravessado ao meio pela Avenida Marquês de São Vicente. Existem mais alguns espaços residuais, denominados genericamente como praças.

Como vimos, o projeto vencedor propõe o soterramento da linha férrea como modo de eliminar esta barreira física existente. A transformação da Avenida Pompéia em um Boulevard, assim como a criação de uma praça sobre a linha férrea, ajudariam a conectar o Bairro Novo ao entorno.

No caso da Marginal Tietê, o projeto preferiu abster-se, remetendo possíveis soluções a um futuro projeto de paisagismo de escala mais abrangente, que considerasse a calha do rio Tietê como um todo.

Foi proposto também um grande parque, com um lago, próximo ao rio Tietê, que o júri considerou excessivamente segregado e recomendou que fosse dada “atenção menos marginal para o parque proposto”. No geral, no entanto, a

Capítulo 3 - O projeto vencedor

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Vista de uma superquadra do projeto vencedor, com praça ao centro(trata-se do projeto executivo desenvolvido pela equipe após vencer o concurso Bairro Novo)

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Parque próximo à Marginal Tietê. Projeto vencedor do Concurso(idem)

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avaliação foi positiva, o júri destacou a boa escala das ruas, calçadas e galerias e a promoção de “ruas e esquinas animadas, dando condições para uma vida de bairro marcada pela mistura de usos e pessoas”.

A valorização do espaço público, foi um dos aspectos fundamentais defendidos pelos movimentos críticos à arquitetura e sobretudo ao urbanismo moderno na segunda metade do século XX, conforme Arantes:

“No intuito de devolver a cidade moderna à coletividade expropriada ao longo do processo de constituição das grandes aglomerações urbanas contemporâneas, arquitetos e urbanistas entregaram-se, particularmente a partir de meados dos anos 60, a uma verdadeira obsessão pelo lugar público, em princípio o antídoto mais indicado para a patologia da cidade funcional”. (Arantes, 1995, p. 97)

Assim, junto como a recuperação de formas urbanas tradicionais, este urbanismo crítico ao moderno também buscava resgatar a intensidade das interações pessoais que haviam caracterizado os espaços públicos no tecido urbano tradicional das cidades:

“...depois de um século de crítica à grande cidade, a luta contra a impessoalidade moderna, em nome agora da lógica emocional da comunidade, se volta contra a metrópole, buscando na “vizinhança” dos corações transparentes um contato imediato...”. (op. cit., p. 99)

No entanto, a valorização formal do espaço público não necessariamente significa a recuperação da vida pública, que “refluiu” fortemente, em décadas de progressiva privatização da vida coletiva. Nestes casos, o espaço público não consegue ou nem mesmo tem a intenção de resgatar o espírito de “vizinhança”, assumindo um papel simbólico, representativo, até mesmo comprometidos com o “espetáculo urbano”:

“...é em parte o que vem ocorrendo por iniciativa dos Estados capitalistas modernos, investindo em obras monumentais justificadas pela ideologia da criação de lugares públicos, mas nem por isso restaurados. Funcionam contudo como grandes vitrines publicitárias (vejam-se, em Barcelona, as iniciativas urbanas e arquitetônicas tomadas em razão dos Jogos Olímpicos de 1992) que despertam, à sua maneira, o espírito cívico, o orgulho nacional, mas não obrigatoriamente motivam para a vida pública”. (op. cit., p. 143)

Como vimos, pelo menos para a SEMPLA, a idéia de se recuperar o espaço público tem a ver com a supressão das áreas privadas intersticiais entre edifícios.

Capítulo 3 - O projeto vencedor

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Ou seja, decorre fundamentalmente de um problema de desenho. Neste aspecto, o projeto vencedor respondeu diretamente aos anseios do concurso, valorizando os espaços públicos através da sua qualificação espacial.

3.3. O Sistema edificado em solo privado

O Termo de Referência do concurso deixava claro que no projeto urbano que se esperava, os elementos edificados não deveriam assumir isoladamente o papel de protagonistas:

“O papel reservado às edificações é o de conformar e relacionar-se com os espaços públicos do Bairro Novo. Assim, devem ser propostas, para os lotes destinados ao uso privado, alternativas de ocupação que determinem alinhamentos, distanciamento entre edifícios, alturas mínimas e máximas, usos junto ao pavimento térreo, equilíbrio de funções e outros fatores que contribuam para a qualificação das ruas, praças e demais áreas destinadas ao uso público. O resultado final deve considerar, a relação que se estabelece entre cheios e vazios, público e privado, movimento e repouso, etc.”.69

Esperava-se sobretudo que se propusessem novas configurações morfológicas e tipológicas que incluíssem a revisão dos parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo.

O projeto vencedor apresentou propostas de tipologias para algumas situações, até porque numa situação como esta, a morfologia guarda se relaciona diretamente com a tipologia das edificações. No entanto, deixa claro que os projetos arquitetônicos serão individuais para cada lote, “esperando-se assim obter a variedade formal típica de uma cidade aberta” e que o tipo não se trata de um modelo a ser copiado:

“Obedecidos o gabarito de altura e projeção edificável, serão livres de restrições os demais aspectos dos projetos arquitetônicos tais como dimensões e número de habitações por edifício, sistemas construtivos, materiais de acabamento, composição das fachadas, aberturas, etc. Em resumo, estas disposições do nosso plano visam permitir a diversidade urbana e o pluralismo arquitetônico dentro de uma estruturação normativa das massas tectônicas que definirão o caráter do lugar”.

De acordo com o projeto, os edifícios devem ser contíguos, com térreo mais 6 pavimentos (coeficiente de aproveitamento de 3,2). O pavimento térreo dos edifícios de uso exclusivamente habitacional deveria ser de pilotis, enquanto que os dos de uso misto seriam destinados a lojas, sendo obrigatório uma galeria

69 Termo de Referência. 2004, pp. 9-10.

Capítulo 3 - O projeto vencedor

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coberta de pé-direito duplo. Um pavimento de cobertura ocupando 40% da área de projeção edificável seria permitido em ambos os tipos de edificações, destinado à habitação ou uso social do edifício.

“O pavimento térreo dos edifícios exclusivamente residenciais é conceitualmente um “pilotis” que se destina a abrigar os ambientes de uso comum do condomínio, além do apartamento do zelador, até um máximo de área construída equivalente a 60% da projeção edificável. Com a exceção dos pilares, os demais elementos construtivos deverão obedecer a um recuo de 5m com relação ao alinhamento da rua”.

O resultado edificado da aplicação destas normas são edifícios entre empenas (sem a possibilidade de aberturas nas laterais) e com 25m de profundidade. Ou seja, a planta do pavimento tipo resultante (com exceção das esquinas), seria um quadrado de 25m x 25m, com aberturas somente em dois lados. Esta relação desproporcional entre volume construído e área de fachada praticamente obrigaria a construção de vazios interiores para permitir iluminação e ventilação (ainda que precária) a alguns cômodos das unidades residenciais. Apesar do anacronismo do sistema edificado proposto, o projeto pelo menos teve o bom senso de, nas tipologias apresentadas, garantir abertura à fachada frontal ou posterior de todas as salas e quartos.

A HIS também deveria se submeter à morfologia urbana de todo o bairro, com edificações compostas por térreo mais 6 pavimentos, com utilização de elevador:

“Em nosso plano, os prédios de habitação popular obedecerão ao gabarito de térreo + 6 e serão distribuídos de maneira uniforme entre as demais edificações visando a inclusão social dos seus moradores; o custo de um elevador poderá ser diluído na comercialização das lojas do térreo”.

A adoção dos recursos formais e da linguagem da pós-modernidade na arquitetura, dos variados processos de estetização contemporâneos fica, sem dúvida, muito restrita no Bairro Novo, se compararmos ao que se pode ver nas áreas de maior interesse do mercado imobiliário em São Paulo, onde predominam sobretudo os edifícios suntuosos, repletos de citações historicistas, como colunas e frontões, ou altas torres espelhadas, e se adotam volumetrias que somente são possíveis de se edificar na cidade aberta. Sobre este aspecto, o projeto vencedor faz o seu comentário mais crítico:

“Em São Paulo, neste conflito entre comércio e cultura próprio do neoliberalismo, o comércio vem levando a melhor; nossos bairros estão infectados pela estética do falso e do kitsch, com nossas ruas exibindo seus prédios como produtos à venda em uma prateleira de supermercado”.

Capítulo 3 - O projeto vencedor

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Proposta de tipologias e de fachadasProjeto vencedor do Concurso

Tipologia de HISProjeto vencedor do Concurso.

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O projeto determina que as arquiteturas dos edifícios devem submeter-se às condicionantes urbanas, que configuram o espaço público. Numa situação como esta, a relação de visibilidade do edifício a partir do espaço público fica reduzida à fachada que dá frente à rua, mas por outro lado proporciona uma extraordinária força de conjunto. Hierarquicamente ganham destaque os edifícios das esquinas, onde há maior amplitude visual. Em todo caso, o edifício deve se submeter ao gabarito, alinhamento, etc. Sobre essa questão, o projeto recebeu elogios do júri:

“(o projeto) responde à expectativa de um bairro diferenciado, indicando uma forma de habitar em São Paulo diferente da atual tendência de condomínios em edifícios altos e isolados”. 70

No entanto, o mesmo júri do concurso faz uma recomendação aos vencedores no sentido contrário:

“(deve-se) garantir a existência de marcos referenciais urbanos avaliando a conveniência de verticalizações pontuais”.71

O próprio projeto, no entanto, destinava algumas áreas à criação de equipamentos e edifícios em altura, de volumetria livre onde não se poderia garantir que fossem empregadas arquiteturas diferentes daquelas criticadas. O projeto previa a construção de um hotel de grandes dimensões com um anexo para convenções, que funcionariam como “âncoras”, segundo o próprio projeto, ao lado das quatro torres da construtora Ricci, na Avenida Francisco Matarazzo.

A SEMPLA, na proposta de revisão que fez da OUAB, incorporando o projeto vencedor do Bairro Novo, incluiu por conta própria edifícios em altura não previstos no projeto vencedor do concurso72, criando uma “faixa de adensamento” na Avenida Marquês de São Vicente destinada a receber edifícios de escritórios, com volumetria e arquitetura não tão rigidamente controlada.

70 Ata do resultado do concurso Bairro Novo.71 Idem. 72 Ver capítulo 4 deste TFG.

Capítulo 3 - O projeto vencedor

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Vista geral da volumetria proposta para a revisão da OUAB, incorporando o projeto vencedor do Concurso e as faixas de adensamento propostas pela SEMPLAFonte: imagem presente no artigo de José Magalhães: “Operações Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projeto. Parte 8 – Operação urbana Água Branca, revisão e proposição”.

Faixa de adensamento proposta pela SEMPLA para a Avenida Marquês de São Vicente(idem)

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Vistas da proposta de volumetria proposta para a revisão da OUAB(idem)

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Vistas da proposta de volumetria proposta para a revisão da OUAB(idem)

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Logo depois de anunciado o resultado do concurso o mercado imobiliário começou a se mostrar interessado nas possibilidades da área. Em uma reportagem da Folha intitulada “Projeto agita mercado imobiliário da região da Barra Funda”, consultores imobiliários foram unânimes em dizer que o simples lançamento do concurso Bairro Novo foi suficiente para elevar os preços dos terrenos na região:

”Para Gonzalo Fernandez, diretor da imobiliária Fernandez Mera, vencedora do Prêmio Folha Qualidade Imobiliária 2004, criadas as condições, a tendência é crescer rapidamente, pois o bairro possui terrenos grandes, o que atrai os incorporadores.

Eduardo Zaidan, vice-presidente do Sinduscon-SP (sindicato das construtoras), considera inevitável o resgate da região, inserida num espaço de boa infra-estrutura urbana. “Tem tudo para ser um sucesso imobiliário”, avalia”

As melhorias feitas nos últimos cinco anos já valorizaram os terrenos, diz Roberto Gerab, 50, diretor da incorporadora Kallas, segunda no ranking de lançamentos no Prêmio Folha Qualidade Imobiliária 2004. “Em 2000, o metro quadrado custava R$ 150; hoje, não sai por menos de R$ 750.”

A incorporadora Klabin Segall vislumbrou o início da transformação em 2000, quando lançou o condomínio Cores da Barra. Os apartamentos, de 93 m2, custavam R$ 134 mil (valor corrigido pelo IPC-Fipe). Hoje, calcula Marcela Carvalhal, gerente de marketing da Klabin Segall, a unidade pronta é vendida a R$ 170 mil --valorização de 22% sobre a inflação acumulada no período. “Se o Bairro Novo der certo, os preços praticados na região subirão até a R$ 2.600”, afirma Gerab73”.

CAPÍTULO 4Desdobramentos “Pós-Concurso”

73 “Projeto agita mercado imobiliário na região da Barra Funda”. In: Folha de São Paulo. 30 de outubro de 2004.

Capítulo 4 - Desdobramentos “Pós-Concurso”

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Para que se começassem as obras do Bairro Novo, no entanto, a equipe vencedora deveria executar o seu PRIOU e posteriormente o projeto executivo, cujo pagamento de honorários por esses trabalhos já estavam previstos no Termo de Referência do concurso. Também faltava transformar o projeto vencedor num projeto de lei e aprová-lo na Câmara, como uma revisão da lei da 11.447/95 da OUAB, o que não chegou a acontecer. Mesmo assim, suas idéias tiveram repercussão em outros projetos para a cidade, cumprindo seu papel “exemplar” e “paradigmático”, como se havia previsto.

Num artigo publicado no site Vitruvius74, Magalhães Júnior comenta que o projeto vencedor originou novas diretrizes urbanísticas, que serviram de referência a outras intervenções urbanas na cidade, entre elas “a indução à promoção de conjuntos edificados, priorizando o desenho urbano de quadra em detrimento da unidade isolada por lote”.

No início de 2005, no entanto, a sorte do Bairro Novo começou a mudar, com a chegada ao governo municipal do novo prefeito, José Serra. Menos de um mês depois de ter assumido a prefeitura, o prefeito determinou que a EMURB suspendesse o contrato com a equipe vencedora e declarou que o projeto não seria realizado, “tachando” o concurso de “projeto eleitoreiro da Marta”.

A equipe de Euclides Oliveira já havia recebido o prêmio e os honorários referentes ao anteprojeto, mas ficou sem receber os honorários contratados pela execução do projeto básico. Em carta publicada em 16 de novembro de 200575, Euclides conta que, com a mudança de governo (chegada de Serra) mudou a relação de seu escritório com a EMURB:

“O final do caso saiu na grande imprensa; pedimos uma audiência com o prefeito José Serra, que falou na nossa cara que não iria nos pagar, pois se tratava de um projeto “eleitoreiro da Marta” e que cobrássemos da EMURB na Justiça...

...E assim, por ter ganhado um concurso aberto de urbanismo, passei por um verdadeiro inferno nos últimos meses, fiquei com o escritório atolado em dívidas até o pescoço, que não tenho a menor idéia de como pagar, e ainda tenho de entrar com uma ação de cobrança contra a EMURB, que me será paga daqui a uns quinze anos em precatórios, de triste reputação. E pessoalmente ainda fica a tristeza de perceber que, com trinta e seis anos de profissão, ainda não consigo ser tratado ao menos com dignidade e respeito, não só por clientes, mas também por “colegas”...

Numa segunda carta76, de 14 de março de 2006, Euclides volta a enfrentar a EMURB, que ainda não havia pago os honorários devidos, acusando o novo executivo municipal de tentar desqualificar o seu projeto. Seguem abaixo os trechos principais:

74 O artigo se intitula “Operações Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projeto. Parte 8 – Operação urbana Água Branca, revisão e proposição” e faz parte de uma série de artigos publicados no site pela equipe de Projetos Urbanos da SEMPLA. w w w. v i t r u v i u s . c o m .br/arquitextos/arq066/arq066_03.asp.75 A carta aberta foi publicada no site da revista Projeto Design em 16 de novembro de 2005: http://www.arcoweb.com.br/forum/d i s c u t e . a s p ? f o r u m _id=15956&of fset=10. Também ocupou o espaço em que o projeto do Bairro Novo seria apresentado na Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, em 2005, como forma de protesto.76 Publicada no mesmo site em 14 de março de 2006.

Capítulo 4 - Desdobramentos “Pós-Concurso”

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(página anterior)O Estado de São Paulo, 2 de setembro de 2004.

Carta aberta exposta na VI Beianl de Arquitetura de São PauloFoto: Marcos Calixto Rios.

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“Nas últimas semanas a EMURB, para justificar o calote que nos foi dado por determinação da atual administração, vem procurando desclassificar, por meio da mídia escrita e falada (a rádio CBN, que, aliás, não nos concedeu o direito de resposta), o meu escritório e o dos colegas que formaram minha equipe para o desenvolvimento do projeto “Bairro Novo”, tachando-o de “ruim... incompleto... deficiente em tecnologia e que não agregaria valor urbanístico à esta cidade”...

...Igualmente, devido as declarações da Ex-presidente da EMURB, arq. Heloisa Penteado, de que nem sempre o projeto que ganha um concurso é bom, volto a transcrever o nome dos jurados que nos deram o 1º lugar...

...E alô, Heloisa, realmente assinei a suspensão do meu contrato, meses após ela ter sido efetivada e sob a condição de que receberia 80% do valor do meu contrato, o que você pode conferir...

...Outro fato grave a ser trazido à público foi o de que nossos “colegas” da EMURB publicaram no Portal de Arquitetura Vitruvius, na internet, em novembro de 2005, artigo denominado “Operações Urbanas em São Paulo, Parte 8- Operação Água Branca,www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq066/arq066_03.asp, no qual aparecem, ao lado do texto, três fotos de uma maquete eletrônica, com destaque para o “Bairro Novo” com algumas pequenas alterações (não autorizadas por nós), não constando nelas qualquer menção aos autores do projeto...

...Aproveito a oportunidade para dizer que aceito a formação de um grupo de perícia com Urbanistas independentes e de renome, para julgarem a qualidade do meu Projeto Básico; alô, Presidência da EMURB, aceitam por acaso este caminho?

...Gostaria de informar também que, este projeto que os arquitetos daquela empresa tanto depreciam, estará entre os que representarão o Brasil na II Conferência Internacional de Desenvolvimento Urbano em Cidades de Fronteira, a ser realizada em Foz do Iguaçu e em seguida na II MIRA, Mostra Internacional de Arquitetura do Rio de Janeiro, após a qual será exposta nos países do Cone Sul, em exposições patrocinadas pelo IAB-RJ...

...Encerrando este necessário depoimento, reafirmo que o problema aqui tratado não é nem técnico nem conceitual, mas sim político, devido a obstinação do prefeito José Serra em vingar-se de sua derrota nas eleições presidenciais de 2002 desconstruindo tudo o que foi realizado pela administração anterior, cabendo-nos o papel de bodes expiatórios...”

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Mesmo com a desistência da Prefeitura, na gestão de Serra, de implementar o projeto vencedor, manteve-se a valorização do solo na região, decorrente da simples realização do concurso, e depois disso até mesmo um novo shopping center, com 10 salas de cinema e um moderno teatro deve surgir nas suas imediações, construído pelo grupo gaúcho Zaffari, beneficiando-se da OUAB (que, como vimos, até o lançamento do Bairro Novo só havia servido a um único empreendimento relevante, o Centro Empresarial Água Branca).

Ferreira aponta que a realização de concursos públicos77 em São Paulo tem servido a interesses privados:

“...raros são os concursos que promovem um processo participativo que oriente os arquitetos para o caminho da intervenção democrática no espaço. Na maioria dos casos, eles geralmente resultam em milionários projetos de centros culturais ou comerciais, destinados às altas classes, que só irão provocar um aumento do preço imobiliário e a conseqüente expulsão da população pobre”. (Ferreira, 2002)

Portas, embora se referindo ao Planejamento Estratégico, aponta que os planos urbanos devem criar imagens arquitetônicas e urbanas, que depois podem nem ser materializadas, mas que pelo menos tem o papel de induzir um processo de transformação de uma área, por redirecionar o interesse público e privado para esta intervenção:

“...a estratégia tem um papel determinante. As pessoas podem não entender um Plano de Urbanismo, mas conseguem entender uma estratégia e os custos da mesma, e podem dizer se aceitam ou não esse jogo. Mas a estratégia não pode ser só de palavras e números, tem que ter uma visualização espacial que seja “catalisadora”- como diriam os americanos – quer dizer, que atraia, chame a atenção, mesmo que depois não se faça assim. Ao menos teve a função de precipitar o interesse, de mostrar como a estratégia poderia vir a se materializar. Quando existirem as condições para isto, o arquiteto-urbanista já será outro - mesmo que seja o mesmo, provavelmente mudaram suas convicções; mas a primeira visualização espacial cumpriu uma certa função. Tem seus riscos, pois no fundo a imagem da arquitetura é usada um pouco como técnica publicitária, mas o documento de estratégia tem isto também”. (Portas, 1993, p. 11)

O valor dos imóveis na Água Branca, Pompéia e Vila Romana, no entorno das glebas subutilizadas onde seria construído o Bairro Novo, continuou a aumentar desde a realização do concurso Bairro Novo em 2004, com valorização de 36% em apenas dois anos:

77 Kusznir (2005) identifica no Concurso Bairro Novo uma estratégia de valorização fundiária dos terrenos subutilizados da Água Branca, sem um real compromisso com a sua implementação.

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“’Hoje (junho de 2006), Água Branca e Pompéia têm a melhor relação custo/benefício da zona oeste’, crava Fábio Rossi Filho, 40, membro da diretoria de marketing do Secovi-SP (sindicato da habitação). ‘Um apartamento na região terá a mesma valorização de um em Perdizes.’”

...os lançamentos ficam mais caros. O preço de um apartamento novo ainda é atraente, mas subiu 36% de 2004 a maio deste ano. O metro quadrado, que custava R$ 2.373 em 2004, passou para R$ 3.228 em 2006, segundo cálculos da Folha sobre números do banco de dados Geoimóvel, elaborado pela consultoria Amaral d’Avila Engenharia de Avaliações.

Ainda assim, segue 20% mais barato do que em Perdizes, onde o metro quadrado de novos residenciais custa R$ 4.055.

’A tendência é que o preço aumente, sem chegar ao patamar de Perdizes. O tráfego intenso impede valorização maior”, diz Celso de Sampaio Amaral Neto, 46, diretor comercial da Amaral d’Avila Engenharia de Avaliações78”.

Se não conseguiu efetivamente implantar um bairro residencial nas glebas da Água Branca, o Bairro Novo ao menos atendeu ao objetivo de dar um projeto urbano à OUAB e de “precipitar o interesse, de mostrar como a estratégia poderia vir a se materializar”. Também serviu para induzir a promoção de empreendimentos imobiliários na região, como o novo shopping center em construção, e valorizar mais um pouco os terrenos da Água Branca que, no entanto, continuam subutilizados e não servindo ao interesse público.

78 “Lançamentos de alto padrão despontam na região de Perdizes”. In: Folha de São Paulo. 19 de junho de 2006.

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Historicamente a atuação do Estado serviu a propósitos privados na Água Branca. Como vimos, desde o surgimento daquelas áreas, com a retificação do rio Tietê e a drenagem de suas várzeas, as áreas privadas absorveram toda a valorização fundiária decorrente destas obras, promovidas pelo poder público entre os anos 30 e 60, conforme Seabra. Boa parte das áreas públicas, onde antes havia os meandros do rio Tietê, estavam até recentemente cedidas a usos privados, com nenhuma ou quase nenhuma contrapartida que servisse ao interesse público, que motivou a instauração da CPI das Áreas Públicas, na Câmara, em 2001.

A OUAB, criada em 1995, significou a desregulamentação urbanística em favor da iniciativa privada, mas foi incapaz de tornar a região atrativa ao mercado imobiliário, pois teve como único resultado relevante a construção de quatro torres de escritórios, que estão quase vazias por falta de locatários. Com o fracasso da tentativa de ali criar uma centralidade terciária (supostamente capaz de gerar emprego e renda e distribuir benefícios), que havia servido de discurso à promoção da OUAB, o Concurso Bairro Novo representou a oportunidade de se definir um projeto urbanístico para a área e uma nova chance de urbanizar a região. Baseou-se na intenção de construir um “bairro ideal”, predominantemente residencial, paradigmático e exemplar para outras transformações urbanas em São Paulo. Desse modo, o Bairro Novo representou uma mudança na justificativa ideológica para as transformações urbanas através de parcerias público-privadas.

Ferreira (2004b) já apontava elementos que desacreditavam intervenções como a Operação Urbana Faria Lima como resultantes da reestruturação da produção capitalista em São Paulo, que exigiria a construção de novas “centralidades terciárias” para garantir a sua inserção na economia globalizada. Argumentando que a “cidade global” trata-se de um mito em São Paulo e sua defesa, mais ideológica do que real, serve a interesses privados, Ferreira aponta que através desse discurso, os empreendedores urbanos conseguem canalizar investimentos públicos para a construção de infra-estruturas nas áreas de seu interesse, desviando as políticas públicas do real interesse público. A justificativa

Conclusão

Conclusão

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de se construir uma nova centralidade terciária ficava ainda mais improvável no caso da OUAB, após o insucesso da promoção de edifícios de escritórios no local. O Bairro Novo, então, optou pela adoção do discurso da construção de um bairro que tivesse qualidade de vida exemplar, que seria de predomínio residencial, representando uma nova frente de desenvolvimento imobiliário e também uma alternativa à venda daqueles terrenos. A execução de obras de infra-estrutura, ou mais especificamente, viárias, como justificativa para a parceria público-privada, também não condiz com este caso, uma vez que a obra de rebaixamento da linha férrea, de complexidade técnica e custo elevado, deveria ser feita pelo poder público.

A análise da proposta do projeto vencedor para a área deve ser entendida desse modo, com o Estado abdicando da defesa do interesse público e escolhendo um projeto urbano que servisse aos interesses privados. Se por um lado não se justifica o discurso que associa a transformação daquela área a mudanças econômicas da atual fase do capitalismo que reestruturaram antigas áreas industriais e portuárias em todo o mundo, verifica-se que o projeto vencedor do Bairro Novo “bebeu na mesma água” dos exemplos internacionais de projeto urbano, no que se refere aos critérios de desenho adotados. A adoção de uma forma urbana anacrônica, baseada na cidade compacta européia do século XIX, de quarteirões fechados, deve ser considerada uma citação histórica, típica do processo de estetização do espaço urbano pós-moderno, utilizada de maneira “postiça” no caso paulistano, onde não há relação com o contexto histórico, que estava presente na origem desta maneira de se intervir no espaço urbano europeu. O uso de formas urbanas características da cidade tradicional poderia ser o que Otília Arantes chamou de “isca cultural” para o capital, gerando mais uma alternativa ao desenvolvimento da região pelo mercado imobiliário.

Até mesmo méritos do projeto como a priorização, pelo menos no desenho, de espaços públicos, em oposição à “cidade de muros” que atualmente se constrói em São Paulo, precisam ser relativizados quando se considera que o Bairro Novo seria, necessariamente, um Bairro de classe média, pois deveria ser viabilizado pelo mercado imobiliário através de parcerias público-privadas e contaria com apenas 600 unidades de HIS (a mesma quantidade já estava presente na lei da OUAB de 1995 e até hoje nenhuma unidade foi construída. Ou seja, até mesmo estas 600 unidades poderiam nunca se tornar realidade).

A proposta de se fazer um bairro paradigmático, exemplar de como pode ser “viver bem”, no século XXI só faz sentido para uma parte privilegiada da população, a quem o bairro se destina, e aos interesses do mercado, o que pouco tem a ver com a defesa do interesse público, como parecia defender a SEMPLA. Enquanto isso, parte significativa da população paulistana vive em favelas e loteamentos clandestinos nas periferias sem sequer saber como é viver com um mínimo de dignidade, permanecendo muito distante do “bairro ideal” que buscava o concurso.

Conclusão

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A implantação do Bairro Novo, do modo como está colocado, significaria a final apropriação daquela área pelos interesses privados, a serviço do mercado imobiliário e dos proprietários fundiários, a perda de uma grande oportunidade de se reconquistar o caráter público daquela antiga área de várzea e das intervenções urbanas fazerem valer o interesse público na definição dos rumos da cidade.

Conclusão

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Leis e outros documentos

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Periódicos

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Sites consultados

Site do IAB/SP (www.iabsp.org.br), 19 de abril de 2004. Site da Revista Projeto Design (www.arcoweb.om.br).

Entrevistas realizadas

Nádia Somekh. 21 de setembro de 2005.Valter Caldana. 21 de setembro de 2005.