pedroso, sergio flores. tradução e ensino de línguas não-maternas

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  • Letras & Letras, Uberlndia 22 (1) 51-72, jan./jun. 2006

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    TRADUO E ENSINO DE LNGUAS NO-MATERNAS

    Sergio Flores PEDROSO*

    Resumo: Neste artigo, abordada a relao entre traduo e ensino de ln-guas no-maternas. Considerando o estado atual da ateno dispensada traduo nessa especialidade de ensino, sua relao com a traduo pareceestar sendo assumida de tal maneira que no condiz com o modo como elase d na prtica. Essa percepo me levou a fazer o percurso de volta nahistria do ensino de lnguas no-maternas, considerando o reconhecimentoou no da traduo no processo, a mudana que se inicia com o movimentocomunicativo e, finalmente, a abordagem da participao da lngua maternano processo de ensino-aprendizagem atravs de uma teorizao ancoradano conceito de meta. O arcabouo terico com que aqui se opera o daescola francesa de anlise do discurso.

    Palavras-chave: lingstica aplicada; anlise do discurso; ensino de lnguasestrangeiras; traduo

    1. Introduo

    Algumas posturas adotadas a respeito da relao entre a tra-duo e a pedagogia das lnguas no-maternas1 (LNM) atravs dahistria do ensino ? a partir do mtodo gramtica-traduo at o inciodo sculo XXI ?, parecem obedecer ao fato de a convico anteceder experincia tal qual Todorov (1999: 24) descreveu o voluntarismo deCristvo Colombo.

    Primeiramente, a didtica estava moldada s necessidades de

    * Doutor em Lingstica Aplicada. Instituto de Linguagens, UFMT. Endereo eletrnico:[email protected]

    1 Com este qualificativo quero abarcar as categorias de lngua estrangeira e segunda lngua.Wilkins (1994: 3715) elenca vrios pontos de vista para considerar ambas as partes de umaoposio cuja validade legitimada pelo conceito de primeira lngua que, por sua vez, tambmno consensual enquanto denominao para a lngua materna. A dicotomia lngua estrangei-ra/segunda lngua pode ser justificada, segundo Wilkins (Op. cit.: 3715), a partir de pressupos-tos individuais a diferena est dada pelas condies de aprendizagem ou sociais, nasquais a diferena est subordinada parcialmente ao estatuto da lngua na comunidade espe-cfica.

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    um ensino altamente especializado as lnguas clssicas e a umafilosofia da educao que tendia a conceber o seu sujeito como merodepositrio de dados que ulteriormente viria a reproduzir. Essa aconcluso a que se chega quando se faz o caminho de volta do queconsidero um dos efeitos dessa filosofia pedaggica: na produoescolarizada de conhecimento prevalece a repetio mecanicista quedesenvolve o que Orlandi (1996: 15) chamou de memria metlica2.Porm, diante de um objeto diferente de ensino, essa didtica eraaplicada sem as reconfiguraes necessrias. Assim, a leitura e a es-crita eram as atividades nicas em que se baseava e a que visava oensino de LNM.

    As lnguas vivas eram tratadas como mortas e concediam lngua materna (LM) o privilgio de seu estatuto natural. A partir delase tratava de acessar a lngua-alvo tida como acmulo de palavrascuja combinatria significativa era preciso elucidar. A traduo se de-sempenhava como exerccio principal e a gramtica, como ferramentapara o acesso ao inteligvel3.

    2. A tradio dos mtodos

    Longe de representar uma incongruncia pedaggica, o mto-do de gramtica-traduo era coerente com as finalidades para asquais foi concebido: a leitura e a escrita, nessa ordem de prioridades,trabalhando principalmente a partir de textos em que de incio prevale-cia o teolgico, o litrgico e o literrio como j era tradio antes deser concebido como mtodo mais massificado com a expanso da es-cola como instituio. Atravs de LNM, principalmente o latim e depoistambm o francs, eram ensinados e disponibilizados preceitos religi-osos com explicaes mais aprofundadas que, ao mesmo tempo, justi-ficavam a liturgia.

    Paralelamente, o conhecimento dos grandes autores da cultu-ra ocidental e suas obras literrias mais representativas era um as-pecto principal na formao intelectual daqueles que tinham o privil-

    2 Essa pesquisadora qualifica assim o saber desistoricizado em que a nfase est na reprodu-o mecanicista que estabelece poucas conexes com causas fincadas na histria, enquantocondies de produo, e por isso desconsidera a interpretao cuja pertinncia dada pelocontingencial.

    3 Recorro esse termo por sua relao direta com o conceito de linguagem enquanto cdigo,baseado em Orlandi (1988: 72).

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    gio de ter acesso escolarizao. Assim, o ensino de LNM se desen-volveu com a marca de suas origens no seu percurso dentro da insti-tuio escolar, principalmente no que tange sua essncia gramati-calista.

    A educao caudatria das necessidades que a prtica soci-al4 impe. Esta foi concedendo protagonismo oralidade no que tan-ge ao ensino de LNM. Essa mudana deveu-se a vrios fatores: afacilidade de deslocamento entre pases deu um salto quantitativo equalitativo da mesma maneira que as comunicaes, a imprensa. Oacesso informao se potencializava, o comrcio se acelerava, osmeios de transporte facilitavam as relaes interpessoais, o pblicoescolar aumentava, a sociedade se laicizava, o capitalismo se indus-trializava. As necessidades a que a pedagogizao das LNM atendia,enfim, passaram a ser outras: comeava a projeo interativa do ensi-no de LNM.

    Segundo Malmkjaer (1998: 2), nos finais do sculo XIX, empleno auge do mtodo gramtica-traduo e muito em coernciacom as necessidades a que atendia , dissidncias se faziam ouvirdentro do movimento reformista. Essas oposies diziam respeito prin-cipalmente nfase na oralidade, eliminao da traduo e neces-sidade do recurso a textos completos e no a frases isoladas no traba-lho com as LNM5.

    Obviamente tratava-se da inadequao dos objetivos do mto-do s necessidades principalmente de interao para que o protestan-tismo que contribuiu muito para o desenvolvimento do ensino deLNM na Europa h dois sculos atrs angariasse proslitos, culti-vasse rebanhos e se expandisse geograficamente. Contudo, o mto-do direto foi que realmente veio a se mostrar como antagonista princi-pal e ferrenho da traduo no ensino de LNM.

    O mtodo direto, se baseava na concepo de que a aprendi-zagem de uma LNM, segundo Howatt, op. cit.: 192),

    [...] um processo intuitivo para o qual os seres humanos possuem capaci-dade natural que pode ser trazida tona se condies certas existirem. [...]

    4 Ela aqui considerada como relao que se estabelece entre os indivduos segundo o histricode suas condies de existncia. O funcionamento e os efeitos dessa relao se reflete demaneira individualizada e coletiva no pensamento e no comportamento, imprimindo-lhes identi-dade.

    5 Isto, sob a influncia da psicologia associativa.

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    Tais condies so trs: algum com quem falar, alguma coisa a dizer e avontade de compreender e ser compreendido6.

    Esse mtodo inaugurou a rejeio mais efetiva ao recurso LM e aos esforos por mimetizar a aquisio da lngua primeira justifi-cados por uma significativa variedade de teorias7. Os diversos mto-dos filiados a essas teorias mostraram-se militantes defensores dareproduo do caminho trilhado na inscrio da LM. Tomando comoponto de partida o mtodo direto propriamente dito, e passando peloaudiolingual, o estruturoglobal audiovisual, o planejamento nocional-funcional sem esquecer metodologias alternativas como, por exem-plo, o silencioso e a sugestopedia todos se mantiveram firmes nessapostura. S com o movimento comunicativo e sua variedade de ten-dncias, essa postura comea a perder estabilidade.

    3. Comunicativismo e LM

    Para abordar a relao comunicativismo/LM determinanteconsiderar a influncia de teorias pedaggicas que, por caminhosepistemolgicos distintos, se constituem a partir do estudo da aquisi-o da LM e do processo de construo do conhecimento na criana.Seus fundadores foram Vigotsky que a partir da inscrio tericamarxista cria a psico-sociolingstica , e Piaget, cuja base epistemo-lgica consiste em pressupostos tericos da psicologia e pedagogiaocidental.

    Essas novas fontes tericas promovem um processo de recon-siderao de concepes bsicas do ensino comunicativo. Trata-se,por um lado, da homogeneizao do pblico um aspecto fundamentalda tradio metodolgica do ensino em geral e de LNM em particularque legitima a existncia do LD. A individualidade do aprendiz passa aser considerada prioritria dado que assumido que, ao interagir coma exterioridade, o sujeito constri o prprio conhecimento (Vygotsky,1987; 45-70).

    Por outro lado, um aspecto da maior importncia em planeja-mentos didticos e no desempenho do professor a reconsideraodo erro, at ento concebido como elemento atravs do qual se torna

    6 Salvo indicao em contrrio, as tradues so minhas.7 Algumas das quais so: o behaviorismo, o gerativismo, a pragmtica, a anlise textual, a

    psico-sociologia, o construtivismo.

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    visvel qualquer assimilao baixa do aprendiz. O erro passa a serconsiderado parte importante e afirmativa do processo de aprendi-zagem, pois tido agora como indcio do esforo individual na cons-truo de conhecimento, como concluiu Piaget (1975), apesar de suaescola terica ser diferente da psico-sociolingstica. No que tange aoensino de LNM, esta reconsiderao da maior importncia porqueinicia o fim da demonizao da interferncia que, desde o mtodo dire-to at bem avanado o movimento comunicativo, tem sido considera-da como o mais deplorvel dos erros.

    J dentro da abordagem comunicativa, Selinker (1996: 103 apudMalmkjaer, op. cit.; 1) modula o pavor da interferncia com que tra-vestida a averso presena da LM no ensino de LNM. Ele, contudo, um dos pesquisadores cuja teoria (1972) foi construda a partir des-sa rejeio. Selinker defende que a traduo de equivalncias podedesempenhar papel importante na formao de competncia interlin-gstica, j que os aprendizes podem olhar atravs de sistemaslingsticos. O que, de incio, abre espao para uma tolerncia mnimaque torna possvel o recurso explcito LM em sala de aula como ex-pediente apenas extremo para resolver impasses de compreenso.

    Widdowson (1979), por sua vez, teorizando na defesa do ensi-no de ingls com finalidades especficas, j tinha assumido uma pos-tura minimalista semelhante referncia a Selinker feita acima. O pes-quisador britnico expressava que:

    [...] a traduo, concebida de uma certa maneira, pode ser um instrumentopedaggico da maior utilidade. Principalmente em circunstncias especiais,como quando a lngua estrangeira ensinada para fins especficos, comoprestao de servios, a traduo pode se apresentar como o meio maiseficiente de aprendizagem (p. 101).

    Em geral, as posturas que atualmente prevalecem na rea di-zem respeito a uma viso no-excludente da traduo contrastandocom o que j foi comum na produo terica das sete primeiras dca-das do sculo passado (Howatt, op. cit.: 2); um exemplo Lado (1964:53-54) quando argumenta que:

    A traduo no substituta da prtica da lngua. Vrios fatos so argumentosque sustentam esse princpio: (1) poucas palavras, se alguma houver, sototalmente equivalentes nas duas lnguas, (2) ao pensar que as palavras soequivalentes, o estudante assume equivocadamente que sua traduo apli-cvel mesma situao do original e em conseqncia comete erros, e (3) atraduo termo a termo resulta em construes incorretas.

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    Psicologicamente, o processo de traduo mais complexo,diferente e desnecessrio para a fala, a audio, a leitura ou a escrita.Alm do mais, no se consegue fazer uma boa traduo sem o dom-nio da segunda lngua. Por isso ensinamos a lngua primeiro e sento ensinamos traduo como habilidade separada, se o conside-rarmos pertinente.

    A escolha de citao to extensa obedece a que considero queela rene objees traduo que, em essncia iro se repetir comleves variaes em tericos que exerceram e/ou exercem influnciaexpressiva no ensino de LNM como Gatenby (1967) e Richards eRogers (1986). Esta ltima dupla de autores no considera pertinenteo recurso traduo na abordagem comunicativa. Isto devido a queno conseguem desvincul-la dos objetivos do mtodo gramtica-tra-duo de que so crticos devotados. Ao considerarem a leitura e aescrita como objetivos principais do recurso traduo, criticam osexerccios de traduo porque lhes parece que so usados para ensi-nar vocabulrio e aspectos gramaticais atravs da referncia LM de novo a LM como aspecto negativo principal perturbando uma apren-dizagem assptica da LNM.

    Gatenby vai mais longe na justificao da impertinncia do re-curso traduo. O pesquisador reproduz a postura de Lado (op.cit) eacrescenta que

    Pedir para traduzir [como recurso de avaliao] pedir algo no-natural. (...)O estudante pode entender perfeitamente bem o que o ingls significa tantoquanto uma criana bilnge sem ser capaz simultaneamente ou com umacerta facilidade de transferi-lo para sua lngua verncula. (...) Ns, professo-res, estamos nos esforando para que nossos alunos usem o ingls semtraduzir mentalmente, para que digam sem hesitar a coisa certa no momentocerto. (p.69)

    Essas objees e outras do mesmo teor so resumidas porMalmkjaer (op. cit.: 6) que, ao mesmo tempo, descreve como conce-bem a traduo os detratores da sua participao do ensino de LNM.Assim, a traduo, para eles:

    seria independente das quatro habilidades que definem acompetncia lingstica leitura, escrita, fala, audio diferiria radicalmente das quatro habilidades ocuparia um tempo que poderia ser aplicado no ensino dasquatro habilidades no seria natural

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    induziria os estudantes ao equvoco de pensarem que ex-presses existentes nas duas lnguas se correspondem termoa termo impediria que os alunos pensem na LNM produziria interferncias seria um mau recurso para avaliar as habilidades apenas apropriada para treinar tradutores

    O fato curioso, como a prpria Malmkjaer (op. cit.: 7) e tambmColina (2002: 2) coincidem em comentar, que esses postulados8 tmresistido ao tempo, aparentemente fazendo jus vocao longeva domtodo que os gerou a contrario. Mas na realidade, no meu parecer,essa seduo incompreensvel que a traduo exerce no processode ensino o que explica o constante esforo em rejeit-la denunciacomo ainda ela atrelada a uma prtica pedaggica que chegou aservir como justificativa para a implantao de outra mais sintonizadacom o momento histrico e com a cobrana da prtica social9.

    Entretanto, a vida prtica, perceptvel como experincia exis-tencial em cada indivduo, o mais importante elemento desqualificadordo mito. Ela evidencia que o trabalho da LM se faz visvel no mnimocontato com uma LNM. Assumo, por isso, como contradio irnica10 asituao em que se encontra o componente tradutrio quando o ensi-no de LNM pensado e praticado.

    4. A dispensa impossvel da traduo

    A relao do ensino de LNM com a traduo se d na tensoentre o tradicional e o razovel. Parece ser tanto assim que quando naliteratura se fala em traduo, ela geralmente assumida como prti-ca, como exerccio com a escrita, no como processo contrastivo men-tal involuntrio, espontneo, que decorre da precedncia da LM, do

    8 Este termo bem oportuno quanto a sua coerncia com a referncia ao raciocnio colombianodo incio desta seo. Segundo o Dicionrio Aurlio Eletrnico:1. Filos. Proposio no evidente nem demonstrvel, que se admite como princpio de umsistema dedutvel, de uma operao lgica ou de um sistema de normas prticas; 2. Fato oupreceito reconhecido sem prvia demonstrao: Esse postulado emana de uma profunda con-vico.

    9 Nesse sentido, Steiner (1978: 270) comenta que a aprendizagem e a memria esto condicio-nadas a todo momento por fatores sociais e histricos.

    10 Irnica por oposio contradio dialtica. Esta envolve complementaridade enquanto aqueladiz respeito ao paradoxal.

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    fato de todo indivduo j estar inscrito na linguagem no momento doprimeiro contato com a LNM.

    Hummel (1995: 446) por exemplo, explcito nessa associaoquando comenta:

    A traduo serve como suplemento para qualquer programa de ensino delnguas. No sugiro com isso que ela substitua o curso de escrita. Ela deveriaser vista, principalmente como complemento til para cursos de composioe escrita.

    Por outro lado, quando se reconhece pertinncia traduo, oque prevalece uma concepo em que sub-repticiamente ainda lhe atribudo o carter de dispensvel por trs da defesa de sua inclu-so definitiva entre os objetivos do ensino de LNM. Implicitamente, huma certa desconsiderao do lado totalizador da linguagem em queprevalece o dialtico em favor do analtico. Cai-se na armadilha denegar a prtica com a teoria ou vice-versa. o caso, por exemplo, dasreiteradas propostas11 de considerar a traduo como a quinta habili-dade o que poderia implicar em desconsiderar, o que aqui se defendecomo participao incontornvel da traduo de cada uma das prti-cas discursivas12 numa LNM.

    Nenhuma das ditas habilidades se produz em assepsia de pelomenos uma outra, mas a traduo sempre est a, mediando entre aLM e a LNM como ferramenta interpretativa e plataforma para acessara outros modos de construir sentidos. Parece ser por isso que Costa(1988)13, em artigo que marcou diferena em pleno auge do comunica-tivismo mais intransigente no que diz respeito considerao da LM, rom-peu com os padres do momento chamando a ateno para a impor-tncia da traduo e, em conseqncia, da LM no ensino de LNM.

    Aparentemente, entre cognitivistas e pragmaticistas, inexiste apercepo de que um trao constitutivo das prticas discursivas acomplementaridade. Ao serem consideradas com estatuto de autono-mia, excludo um aspecto caracterstico da linguagem no seu de-sempenho totalizador: o carter dialtico das prticas discursivas. Tal-

    11 Haja vista Tudor (1987: 270), Malmkjaer (1998: 8) e Stibbart (1998:71).12 Uma prtica discursiva aqui considera a materializao do trabalho com a linguagem para

    produzir/interpretar sentidos atravs da enunciao cuja unidade o texto.13 A obra subseqente desse pesquisador demonstra que estava longe de conceber qualquer

    separao ou clivagem entre a traduo e as outras prticas de linguagem que tambm sem-pre esto inter-relacionadas.

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    vez esta seja uma explicao para as discusses sobre: (1) considerara cultura como quinto elemento (Damen e Savignon, 1987), a relaoideologia-ensino de LNM atravs da cultura (Zarate, op. cit.; Samovare Porter, 1994) e (3) a traduo como quinta habilidade (Malmkjaer,op. cit.; Costa, op. cit.).

    No incio desta quarta seo, foi includa uma referncia re-presentao mais recorrente da traduo como prtica da escrita quando na literatura se fala da traduo em termos genricos. Nempor isso, embora com menos freqncia, ela deixa de ser referida comoferramenta mental subjacente com estatuto de imanncia prpriade todo trabalho com uma LNM. Contudo, tambm nesse caso esbo-a-se a idia da possibilidade de dispensa. Isso, por se tratar de umaviso com maior cincia de como a LM est sempre agindo em cadasujeito, no pode menos que ser considerado um grande paradoxo.

    Kern (1994), Hawras (1996) e Cohen (1998) por exemplo, apartir da sua filiao cognitivista, coincidem em afirmar que h conse-qncias positivas no recurso traduo mental, mas, ainda segundoeles, a traduo se mostra mais produtiva no processo de leitura. Esseltimo pesquisador defende que a traduo introspectiva um hbitoque no deve ser desencorajado, pois inclui questes relevantes paraa leitura em LNM e uma prtica invisvel que tem estado esquecidanas salas de aula, apesar de ser algo inevitvel, principalmente nasfases iniciais do aprendizado.

    Em respectivas pesquisas, Kern e Hawras, tentando estabele-cer em que momento se reduzia nos estudantes uma pretensa tendn-cia a traduzir mentalmente no processo de leitura no perodo de umsemestre letivo, estavam implicitamente afirmando sua crena em quea traduo mental dispensvel. Antes deles, j outros pesquisadorestambm fundamentaram seu trabalho nesse pressuposto. Rivers eTemperley (1978) apud Costa, (op. cit.: 285), sustentaram que a tradu-o nos estgios iniciais praticamente inevitvel e que ela ocorremesmo nos estudantes submetidos aos mais ortodoxos mtodos di-retos. O que denota a fora da tradio, apesar do reconhecimento decertas evidncias em contrrio.

    Creio achar a justificao para a situao descrita acima nainvisibilidade progressiva da traduo mental. No meu parecer, essasua caracterstica mais marcante faz com que assim como aumentamas possibilidades enunciativas e de compreenso em conseqnciado trabalho pedaggico com a LNM, assim tambm a automatizaodo mecanismo tradutrio sempre funcionando no segundo plano

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    se torna mais eficaz evidenciando-se menos principalmente para seuusurio. Essa traduo constitutiva s pode ser gerenciada quandomostrada atravs da escrita como mais freqente ou atravs daoralizao. Ela leva ao equvoco principalmente quando se reluta emabrir mo das pr-noes decorrentes do mtodo gramtica-traduo de consider-la inexistente ou de que se possa limit-la.

    Assim essa conjuno de tradio e ocultamento respons-vel pela assuno sempre subjacente no cognitivismo que ainda pre-valece no ensino de LNM. Ela diz respeito a que se pode mimetizar aaquisio da LM, que se pode aprender a lngua de dentro e que ouniverso lingstico e cultural fica como entre parnteses como as-sinala criticamente Costa (op. cit.: 283) durante o processo. Comose a denominao lngua no-materna no implicasse, sobretudo,na preexistncia de uma lngua materna.

    5. O reconhecimento da inscrio prvia na linguagem

    As atenes para o desempenho da LM como aspecto consti-tutivo do processo de aprendizagem de LNM encorajaram outros pes-quisadores a empreender a reconfigurao da noo preconceituosaque tinha conseguido se impor a respeito da traduo. Isto, contestan-do as abordagens que principalmente debitavam nela a culpa peloerro enquanto interferncia (mtodos a partir do direto at o atual co-municativo tardio) e reforando o reconhecimento da funo da LM.Dois trabalhos de Widdowson Teaching Languages as communication(1978)14 e Explorations in applied linguistics (1979) representarammarcos nesta viso reavaliatria da traduo.

    No volume de 1978 (1991), Widdowson defende, por exemplo, que:

    Matrias como histria, geografia, cincias, arte, etc, se baseiam na realidadeda prpria experincia da criana e no h razo porque uma lngua estran-geira no deva se relacionar indiretamente com o mundo exterior atravs des-sas mesmas matrias. (p.32) (Trad. Almeida Filho)

    Widdowson faz uma proposta que, no sendo indita, estavaem letargia no ensino de LNM. Para conferir a adequao dessa afir-

    14 A edio brasileira pertence editora Pontes, de Campinas e apareceu em 1991 sob o ttulo deO ensino de lnguas para a comunicao, traduzido por Jos Carlos Paes de AlmeidaFilho.

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    mao, basta recuar no tempo at as preceptoras estrangeiras dascrianas das aristocracias europias. Nessa base, a proposta deWiddowson consistiu em aproveitar as condies de produo e otexto que se adqua a elas como base para facilitar a compreenso euso da LNM. Dessa maneira, reduz-se o choque do totalmente novo ese propicia a emergncia da ferramenta contrastiva. Isto porque umdos modos de funcionamento do mecanismo de aprendizagem se daproximando o novo da experincia do estudante para, descobrindo-lhe a inteligibilidade, mostrar que funcional e vice-versa. Na pgina35, o prprio autor faz questo de explicar esta concluso dizendo que

    Ao negar efetivamente ao aprendiz que recorra a sua prpria experincia, oprofessor aumenta a dificuldade da tarefa de aprender uma lngua. (Trad.Almeida Filho)

    Finalmente, se considerarmos o propsito destas referncias,ele mais explcito:

    Trata-se do seguinte: uma vez que os tpicos tratados no curso de lnguasero tratados em outras aulas atravs da LM, ento os alunos podem seservir da traduo para a aprendizagem da lngua estrangeira. [...] Nocaso da abordagem que est sendo proposta, a traduo no operaria nessenvel [formal], mas sim ao nvel do uso. Isso equivale a dizer que o aluno reco-nheceria atos de comunicao como identificao, descrio, instruo e outrosexpressos na lngua estrangeira de uma maneira e na sua prpria lnguade outra. Ele equaciona, portanto, duas frases baseado apenas no seuuso em comunicao (...). (Trad. Almeida Filho) (Grifos meus)

    Est aberta a porta para uma considerao diferente da LM e atraduo no ensino no meio da hostilidade beligerante da dcada de70 e anteriores: presta-se ateno ao contrastivo privilegiando o textu-al. Na mesma direo, s que com uma elaborao mais aprofundada,uma das crticas que Widdowson faz do planejamento nocional funcio-nal que aparece na coletnea Explorations... de 1979 parece dizerrespeito LM ou dar continuidade sugesto de que ela seja consi-derada:

    difcil descobrir como pode o planejamento nocional-funcional, tal qual proposto, produzir competncia comunicativa por si mesmo, se desconsideratotalmente um dos seus aspectos fundamentais [as regras semnticas e prag-mticas]. Tambm difcil perceber, por que tal planejamento pode produzir,se assim for, maior motivao nos alunos do que o planejamento estruturalis-ta. Os alunos so colocados diante de aspectos de linguagem a que se cha-

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    ma noes ao invs daqueles chamados de oraes. Tais aspectos so or-ganizados e rotulados de modo diferente, mas, a menos que os aprendizesestejam persuadidos da relevncia disso para desenvolverem uma habilidadepara lidarem com o discurso15, uma habilidade que associem com o usonatural de sua prpria lngua, bem provvel que vejam tudo isso comomais um engodo pedaggico. (p. 254)

    A porta que Widdowson abriu e assinalou para a comunidadecientfica fez com que muitos daqueles que j vinham se sentindoinconformados com a condenao preconceituosa da LM no processode ensino de LNM se arriscassem exposio e com argumentosmais transparentes e por isso mais crticos. Swan (1990: 96-97)16 criti-ca o movimento comunicativo interrogando-se:

    Se a LM elemento central no processo de aprendizagem de uma LNM, porque est to escancaradamente ausente da teoria e da metodologia da abor-dagem comunicativa? Por que atribuda to pouca ateno, nesse e emoutros sentidos, quilo que os estudantes j conhecem? A abordagem comu-nicativa parece constar de dois modelos para descrever suas necessidades:1. estabelecer o que os estudantes necessitam saber2. ensin-loO modelo mais vlido, a meu ver, teria quatro etapas:1. estabelecer o que os estudantes necessitam saber2. estabelecer o que j os estudantes conhecem3. subtrair o segundo do primeiro4. ensinar o que restou.

    O que o aluno j sabe e que qualquer pessoa j possui nocontato com uma LNM, principalmente a LM e sua operatividadeatravs de cuja mediao primeiro ostensivamente, depois de modomenos perceptvel , a outra lngua vai ser aprendida. por isso queesse prprio pesquisador pondera:

    Trata-se de um estado singular de coisas. [...] Os estudantes sempre tradu-zem de e para suas prprias lnguas e os professores sempre lhes dizempara no faz-lo. As interlnguas notoriamente contm erros decorrentes dainterferncia da LM; nem sempre se percebe em que alta proporo os acer-tos presentes na interlngua tambm contm elementos da LM. (p.96)

    O problema que se coloca para o ensino de LNM e que se

    15 Este autor opera com um conceito de discurso que corresponde com a noo enunciado, cujaunidade menor a frase, mas que em geral representa um conjunto delas.

    16 O artigo foi publicado pela primeira vez em 1985.

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    repete na maior parte da literatura que direta ou colateralmente serefere ao tradutrio traduo, sim ou no? precisa de uma refor-mulao: dado que a traduo tem estado sempre a e no podemosexercer controle sobre a sua participao no contato com outra lnguaa ponto de dispens-la, o que se impe, ento, parece ser sua expli-citao em ambiente pedaggico.

    Nesse sentido, Dagut (1986: 206) sugere o controle pedaggi-co do processo tradutrio mental para evitar equvocos operatrios notrabalho com a novidade de lidar com outra lngua. O fato curioso que ele confunde ainda o aumento da imperceptibilidade da traduono usurio com o desaparecimento da atividade, reproduzindo o equ-voco da dispensa da LM:

    [...] o uso criterioso, controlado, da traduo ajuda realmente a diminuir a de-pendncia do aluno de sua LM e o aproxima da habilidade necessria paratrocar as formas e padres da LM pelos da LNM.

    Essa recorrente possibilidade de dispensa tambm subjaz nasugesto de tratamento criterioso e de incluso explcita do tradutrioem nveis avanados como propem Rivers e Temperley (1978), Titfore Hieke (1985), Stibbard (1998) e muitos outros. Ao mesmo tempo, aviso alimentada pela iluso de controle total sobre o tradutrio temseu fundamento em trs fantasmas que ainda parecem assombrar par-cialmente o movimento comunicativo: o meta em geral, o contrastivoem particular e a traduo como sua ferramenta principal.

    Os objetivos de natureza pragmtica da metodologia comuni-cativa descartam as consideraes metalingsticas e as compara-es com a LM como ferramentas mais recorrentes, a no ser emcasos extremos. Descritos de modo condensado, esses objetivos vi-sam a conseguir no estudante o domnio (ou a aproximao) de pa-dres de uso autntico da LNM atravs do contato com o falante nati-vo em ambiente de imerso na melhor das hipteses ou em sala deaula, como regra. Para isso, o estudante posto diante da maiorquantidade pertinente de amostras da LNM, tendo o falante nativocomo modelo de uso lingstico a imitar e a simulao situacional comoestratgia principal de ensino. No h, por isso, espao predetermina-do para explicitaes metalingsticas ou contrastivas pelo professor.

    5. O lado meta

    A situao descrita nos dois pargrafos acima tem sofrido mu-

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    17 A cobrana da sociedade diante da dinmica integracionista do Mercado Comum que ao invsda dimenso pan-europia que a integrao ganha agora, limitava-se ao espao da EuropaOcidental, j gerou o movimento comunicativo atravs da sua verso nocional-funcional (Wilkins,1976: Van Ek, 1976).

    18 Este pesquisador explica: Assim, pode ser meta todo tratamento intencional e/ou controladodesses dados [os dados da lngua a que o leitor est exposto]. Dentro desse vasto conjunto,so considerados metalinguajeiros os discursos cujo objeto a linguagem, de modo cons-ciente ou deliberado, sob qualquer aspecto que se analise. Mais especificamente, entre essesdiscursos so metalingsticas as manifestaes verbais que alm de tomar como objeto alinguagem e/ou a(s) lngua(s), revelam uma tentativa de descrio ou de anlise de fatoslingsticos observados, com o recurso ou sem ele, a uma terminologia gramatical especializa-da ou metalngua. Por outro lado, considerada metacognitiva toda auto-observaoverbalizada da prpria reflexo meta pelo sujeito (avaliao, julgamento, controle...).

    19 Esta pergunta leva embutida a ponderao expressa por Serrani (2001: 33) que cito a seguir:Neste incio dos anos 2000, mltiplos domnios do conhecimento e da ao parecem evidenci-ar o paradoxo seguinte: por um lado, proclamada a necessidade crescente da qualidade m-xima (e para isso preciso uma compreenso profunda dos fenmenos e processos de estudo)e pelo outro, propugna-se o imediatismo na obteno de resultados. O campo aplicado dos es-tudos da linguagem no exceo (...) este estudo [o artigo de que este trecho foi extrado] ins-creve-se na linha de trabalho e ao que, juntamente com a indispensvel busca de resultadosefetivos, promove a realizao de pesquisas cujo desenvolvimento nem sempre rpido ecujos produtos podem no estar necessariamente em sintonia com os ditames mercadolgicos.

    danas a partir da dcada de 90 do ltimo sculo em razo da cons-tante reviso de que tem sido objeto a teoria que embasa o comunicati-vismo. Assim, a ortodoxia com que se visualizava o gramatical e o con-trastivo no ensino comeou a receber abalos provindos de propostasdiversas em que o social, o metalingstico e o contrastivo so ressalta-dos (Swan, op.cit. Celce-Murcia (1995); Bachman (1991); Galisson (1998).

    O aprofundamento das pesquisas na rea do ensino de LNM ea anlise dos seus resultados tm gerado trabalhos tericos e aplica-es prticas, principalmente a partir da Frana, em que feita umareavaliao do contrastivo e o metalingstico dentro da metodologiado ensino de LNM. Trata-se da resposta cobrana da dinmica soci-al europia, cujo carter eminentemente plurilingstico, diante dadramtica acelerao integradora a caminho de uma entidade multi-nacional17 melhor definida. Assim, autores como Coste (1985), Borillo(1985), Dabne (1994,1998) e Degache (1998)18 tm chamado a aten-o para o meta e sua incidncia no trabalho com as LNM.

    Parafraseando Murphy (1988) apud Schefer (2000: 37), com a abordagemdo meta, as pesquisas parecem responder interrogao de maior pertinnciaa fazer ao ensino de LNM: ao invs de se pensar o que fazer com X que nopoderia ser feito de outra maneira?, o que embasa os questionamentosdos pesquisadores diz respeito a o que fazer com X para que o percursoat o domnio da LNM seja mais curto, eficiente e no contradiga pres-supostos tericos da inscrio do pedagogo19?

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    A recusa considerao explcita do meta no ensino de LNMtem-se dado no movimento comunicativo com alto nvel de intran-signcia. Isto, do seu incio at a dcada de oitenta. Considero que oque a justifica principalmente uma atitude de reao quilo que te-ricos e professores consideravam na origem do domnio insatisfatrioda LNM: a traduo em particular, o contrastivo em geral e a gramticaenquanto chave para a decifrao do (pretenso) cdigo. Um dos pres-supostos tericos, como resume Coste (1985: 63), era que para con-seguir o domnio lingstico esperado era suficiente a mera manipula-o mecanicista de discursos estrangeiros. Tratava-se de dizer comoo falante nativo, principalmente cuidando muito da fidelidade imitativa,mas com a mnima interveno do arrazoado gramatical e de compa-raes explcitas.

    A situao descrita acima faz enorme contraste com a concep-o cientfica da pedagogia na modernidade20 em cuja base, em geral,prevalece a prtica experimental-analtica. Ela embasa o maior traodistintivo do trabalho pedaggico em geral: a fundamentao didticano meta. Coste (op. cit.: 76), fazendo referncia inutilidade de fingirem ambiente pedaggico uma autenticidade de uso que lhe hetero-gnea, comenta:

    Sem pecar por excesso, a comunicao lingstica na aula de lngua ape-nas funcional ou como se diz autntica quando metacomunicacional oumetalingstica.

    Parece inexistir equacionamento pedaggico que consiga abrirmo do recurso a padronizar o que se apresenta no seu estado natu-ral como aleatrio na prtica social. Para isso, descompacta-se o todo.As partes so apresentadas funcionando dentro de uma ordem lgicaem que o dialtico privado de protagonismo. O meta, nessa viso ferramenta de tanta importncia que se tornou trao distintivo da pe-dagogia no seu esforo por explicar cada um dos seus objetos. Oensino de LNM no tem ficado fora dessa estratgia.

    Nas ltimas dcadas, sob a influncia de abordagens mais aten-tas ao social21 na lingstica terica, tem-se produzido no ensino de

    20 Sob essa denominao, situo o perodo histrico que vai do Iluminismo, em que se evidenciamelementos que esto na base do que seria o capitalismo de que fazem parte as correntesfilosficas que o legitimam, afirmando-o ou negando-o, at as primeiras dcadas da segundametade do sculo XX.

    21 Como a pragmtica, a anlise textual e as anlises do discurso da escola francesa e davertente inglesa Fairclough cuja base gramsciana.

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    LNM um esforo por subverter esse funcionamento desagregador dapedagogia. Desta vez, sem o carter pendular referido por Swan (op.cit.: 97):

    Como movimento de um pndulo terico que vai de um extremo ao outro,cada exagero seguido por seu oposto. Constatamos que tem havido muitatraduo, a traduo ento totalmente banida. As explicaes gramaticaisso consideradas sobrevalorizadas, as explicaes gramaticais so varridas.A gerao A investe metade do seu tempo construindo padres estruturais;para a gerao B os padres estruturais so antema. Os estudos contrastivosprometem a lua e as estrelas; quando a lua e as estrelas demoram muito achegar, os estudos contrastivos desaparecem dos planejamentos como senunca tivessem existido.

    Assim, nem execrado nem dispensado, o meta reformulado(Coste, Burillo, Dabne, Degache, op. cit.) sob a premissa de que o ambi-ente escolar no tem como trabalhar em funo da aprendizagem deLNM fora do meta como ferramenta didtica principal (Coste, op.cit.: 86).

    O gesto meta no trabalho com as LNM embasa o contrastivo emgeral e a traduo em particular. A esse respeito, Bailly (1994: 25) fazcomentrio em que usa o termo distanciamento, mas sem atribuir LMpapel interativo nesse efeito nem na construo de sentidos na LNM:

    A LNM favorece uma certa conscincia da atividade com a linguagem eesse efeito de distanciamento abre um espao maior para as hipteses arespeito de tal atividade do que quando linguagem e pensamento funcio-nam entrecruzados como acontece quando se estuda a LM. (Grifos meus)

    No possvel estabelecer equivalncias sem pensar sobreo recorte discursivo com pontos de referncia que lhe so alheios.Interpretar um gesto meta e traduzir se processa nessa dimenso,ora como exerccio explcito em ambiente pedaggico, ora como recur-so que nos impe a LM sem pedir permisso porque est no comandoe toda exterioridade nos chega por sua mediao. por isso que elatraa um caminho para a LNM em que ela a LM ponto de partidae ponto de chegada de um percurso em que se tornou mais identificvelem seus detalhes para o usurio.

    6. Consideraes finais

    Este histrico sucinto comeou caracterizando a relao LNM-traduo como decorrente de um esforo por negar uma evidncia

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    que leva negao de um aspecto constitutivo do ser humano: a ins-crio na linguagem. Dados e elaboraes que tm sido explicitadosnas pginas desta seo visaram a justificar a idia de que a recusa areconhecer o desempenho da LM como aspecto constitutivo do pro-cesso de aprendizagem de uma LNM significa tentar diminuir-lhe ocarter fundador (Revuz, 1998: 217). Isso pode levar a sustentar idi-as limites como a de que se possa dispensar em algum momento ainscrio na linguagem que constitui o sujeito e que seja possvel pen-sar na LNM. Mas o fato que posturas minimalistas ou que se recu-sam a reconhecer o que aqui tido como evidncia tm imprimidoidentidade a teorizaes e implementaes do ensino de LNM at bemavanado o movimento comunicativo.

    Visto de uma perspectiva que cuida mais do afirmativo do reco-nhecimento do desempenho da LM no processo de aprendizagem deLNM, h varias dcadas que convivem posturas antagnicas umas eassimtricas outras quanto traduo. Porm, medida que a recons-tituio cronolgica se aproxima do momento atual, a literatura mostracomo ganha terreno a assuno afirmativa da LM. Fatores externos linguagem, mas altamente influentes nos rumos do ensino de LNM,esto na base da nova perspectiva a partir da qual ele comea a serabordado.

    A dinmica social tem imprimido historicamente o ritmo das mu-danas de paradigma nesta nossa rea. A ateno traduo e ao(inter)cultural est muito vinculada contrao do mundo pela amplia-o do contato entre pases e regies em razo da acelerao dram-tica das comunicaes, fomentando relaes econmicas, polticas,comerciais e tursticas. Todas se fundam na relao interpessoal. En-sino de LNM e prticas sociais esto vinculadas em relao de causa-efeito e considerar isto contribui muito para a compreenso do fazerpedaggico com que estamos comprometidos.

    PEDROSO, S.F. Translation and foreign languages

    Abstract: This paper discusses the relationship between translation and foreignlanguages teaching. this relationship is assumed as contradictory becausethere is no complementarity between the theory and the way as translationworks within the teaching-learning process. Such perception made me go backto the foreign languages teaching history, having in mind if translations is takeninto account or not, the change that starts with the communicative approach

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    and finally the consideration of the mother tongue within the foreign languagesteaching-learning process. The concept of meta and the theoretical basis oflanguage studies are the one of the French discourse analysis.

    Keywords: Applied linguistics; discourse analysis, foreign languages teaching;translation.

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