pedro_gil

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Page 1: Pedro_Gil

Que economista quero ser?

O segundo ano está a terminar e o terceiro aproxima-se. Começa a

ser tempo de pensar no futuro e naquilo que queremos ser. No meu caso,

faça o que fizer, serei sempre economista. Até posso acabar por trabalhar

noutra área qualquer, numa profissão nada relacionada, mas economista

serei sempre. Pois para mim não é uma profissão, é um estado. Um estado

que se adquire e mantém, desde que a chamita ainda queime, nem que seja

um pouco.

Nesta linha de ideias, fui dando por mim a pensar na seguinte

questão:

“Afinal que economista quero ser?”

Das notícias que vejo, poucos são os economistas que realmente vejo

como um modelo. O que mais vejo são comentadores políticos a fazer o

trabalho que deveria ser nosso. Porque afinal os melhores não é na televisão

que aparecem, é atrás da secretária, onde ninguém os vê, a tomar decisões

brilhantes e a fazer sucesso, quando quase toda a gente pensa que ser

economista é ser alguém especializado em não perceber nada de um

assunto, Economia. Sim, digo não perceber porque é a imagem que está

assente na generalidade das pessoas.

Tudo isto contribuiu para que realmente pensasse no tipo de

economista que eu quero ser, independentemente do que faça. E após ir

pensando cheguei a algumas conclusões em relação às capacidades e aos

atributos que são mais importantes para este fim.

Imparcialidade. O primeiro ponto a ser referido. Uma qualidade às

vezes tão ignorada mas que, no entanto, constitui uma das maiores armas de

qualquer economista que se preze. Sem imparcialidade, nada se constrói,

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tudo é deturpado. A nossa visão torna-se uma pala e, a determinada altura,

fica-se tão fechado que só se vêem pessoas connosco ou contra nós. Não há

meio-termo. Não é isto que eu quero ser. Não é esta a postura que eu quero

tomar.

Se virmos que num determinado ano, um país tem uma taxa de

inflação de 20%, sem qualquer conhecimento adicional, não podemos

tomar aquele dado como “Naquele ano, a taxa de inflação foi alta”. Eu

quero ser capaz de ver as coisas tal como elas são. A taxa de inflação foi de

20%, é este o facto. É isto, desde logo que tenho que saber. Se foi alta, se foi

baixa, ou se foi outra coisa qualquer são conclusões lógicas que podemos e

devemos fazer. Mas o facto não pode ser substituído por essas mesmas

conclusões. A taxa de inflação foi de 20% no ano tal, ponto. Mais se seguirá.

Argumentar. Um das capacidades que mais valorizo. Um dos maiores

exemplos para mim nesta área foi Milton Friedemann. Para mim, destacou-

se não só pelas suas ideias mas pela sua forma de falar. Ao dirigir-se a uma

plateia, conseguia explicar a ideia que queria transmitir de uma forma que

combinava, no meu entender, dois aspetos de uma maneira extraordinária:

simplicidade e rigor. Simplicidade, porque conseguia falar de forma

acessível para as pessoas. Rigor, porque raramente utilizava conceitos sem

os explicar. Ia ao pormenor mas sem nunca tornar o discurso pesado ou

menos cativante. E quando era confrontado com opiniões contrárias

adoptava sempre a mesma postura. Lembrava o grande autor da afirmação

“Só sei que nada sei”, Sócrates. Desconstruía os argumentos dos adversários,

fazendo-lhes perguntas concretas e objetivas, sem nunca perder o

horizonte. Mostrava claramente a falsidade dos seus argumentos,

mostrando as falácias, os dogmas, ideias feitas em que essas pessoas se

baseavam para o contestar. E tudo sem perder a calma, ser mostrar raiva,

com um nível absolutamente extraordinário, mesmo quando se via em

situações mais tensas. É assim que eu quero ser.

Page 3: Pedro_Gil

Abertura. Uma das lições que também, implicitamente, aprendi com

Friedman foi esta: Não devemos rejeitar qualquer ideia que nos seja

apresentada. Se ela for falsa, ela cairá nos seus próprios argumentos. Por

isso, apesar de simpatizar com as ideias monetaristas por causa deste grande

vulto da Economia, não digo de forma absolutamente nenhuma que sou da

escola de Chicago. Isso seria um erro. Primeiro quero conhecer todas as

escolas de pensamento económico. E conhecer a fundo. Afinal, se elas

surgiram é porque houve motivos para isso. Quem sabe se acabarei por

considerar que a mais correta é o Keynesianismo. Não é impossível. Nada é

impossível. Desde que argumente com metade da classe deste senhor.

Explicar. Por muito conhecimento que até possa vir a ter, por muito

bem-intencionado que seja, se não souber transformar as ideias mais

complexas em palavras inteligíveis de pouco adianta saber muito. Nada.

Zero. Serve para mim e pouco mais. Quem me irá ouvir? Quem me irá

contratar? Simples, ninguém, pelo menos no seu perfeito juízo.

Matemática. Para muitos um dado adquirido mas calma, que pode

não ser assim tão simples. Um bom matemático sabe as fórmulas, mas um

excelente matemático entende-as. Vê mais do que integrais, derivadas,

potências, lagrangeanos, maximizações. Vê mais do que isso. Vê ideias. Vê

conceitos. E um excelente economista é um excelente matemático. Senão

fica-se pelos números. “Mas as pessoas não são números!”. Esta é uma

afirmação que estarei sujeito a ouvir sempre mas que será menos

fundamentada se agir e pensar desta forma.

“Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Um provérbio

tão simples e conhecido, do qual se podem tirar várias lições de valor. Para

agora, só preciso de uma. A água que se consegue dissipar pelas mãos, que

pode tomar todas as formas e feitios, é capaz de ser mais forte que uma

pedra. Imagine-se um copo com água. Se se atirar água com toda a força

Page 4: Pedro_Gil

para o chão, ela continua lá presente. Pode-se espalhar, mas de lá não saiu.

Se se quisesse, poder-se-ia voltar a encher o copo com a mesma água que

foi atirada, com mais ou menos trabalho, a água lá estaria outra vez na sua

forma inicial. Com mais ou menos sujidade, lá estaria. Já uma pedra, com

isto poderia muito bem ser reduzida a pedaços. Não voltaria a ser inteira

nem com supercola. Como?

Flexibilidade. Não estar agarrado a dogmas nem a convicções só

porque sim, mesmo que já se tenha mostrado que são falsos. “Realmente, à

luz dos factos, admito que estou errado.” Esta é uma das melhores

afirmações para mostrar esta qualidade. Aprendê-la, uma necessidade

fundamental. Não se trata de estar sempre a pôr em causa o que afirmamos,

o que fazemos, nada disso. Trata-se de construir credibilidade. De ganhar

força. “Com todo o respeito, à luz do que sei, penso que tenho razão”. Só

assim, esta afirmação pode ser dita, não doutra forma. Eu quero, portanto,

ser capaz de reconhecer quando errei. Se eu não desenvolver esta

capacidade, passo a ser visto como um teimoso que acha que tem razão

mesmo que tenha feito ou dito uma grande calamidade. Ninguém me vai

levar a sério. É só este o resultado possível. Fico eu a perder e toda a gente

porque, afinal, em nada contribuí para a sociedade. Só fui teimoso e

arrogante. Não, não é isto que quero ser.

Conhecimento. A palavra que faltava, essencial para qualquer

profissional, mal interpretada por muitos. Nas áreas que estudam

especificamente fenómenos e aspetos da Natureza, um facto é ou não

irremediavelmente verdadeiro. No entanto, na nossa não é bem assim. Na

nossa, o objecto de estudo é o ser humano e o seu comportamento. E a

dificuldade instala-se quando é ele próprio a analisar-se. Imaginemos que

os animais eram racionais. Para nós seria muito estranho ver uma barata a

analisar outra e conferir os seus hábitos, não seria? Então quanto mais um

ser um ser humano a analisar outro, a verificar o seu comportamento

Page 5: Pedro_Gil

quando, de repente, o nível geral de preços aumentar! E no entanto, é a isso

que estamos sujeitos, é apenas isso que podemos fazer. Por isso, não é

qualquer coisa que constitui conhecimento. Verdadeiro Conhecimento. E

afinal o que é este conhecimento de que falo?

Factos. Dados, estatísticas, eventos, enfim, factos. E neste campo

importa salientar alguns aspetos. Em primeiro lugar, é tão importante

conhecer os acontecimentos que acabaram de ocorrer como os mais

remotos. A História é uma das melhores amigas de qualquer economista.

Para muitos esta afirmação pode constituir um verdadeiro aborrecimento e

até disparate mas é a mais pura das verdades. Saber os fatores económicos

que levaram à queda do império romano pode ser tão importante como

analisar uma crise inflacionista dos Estados Unidos. Pode-se constatar que

em ambos os casos a entidade responsável pela emissão de moeda emitiu

uma quantidade maior que o que costumava fazer. E assim, de um momento

para o outro, de forma simples, começam a surgir padrões. Padrões e mais

padrões. A consequência: o presente começa a ter mais sentido e o futuro

deixa de ser um mistério tão grande.

Em segundo lugar, não basta conhecer um facto para partir

imediatamente para conclusões. Os padrões que podemos encontrar

tomando a postura acabada de enunciar são úteis mas isso não chega. Tem

que ir mais além. Um facto tem que ser esmiuçado até onde o bom senso o

permitir. Uma subida da dívida pública em pontos percentuais pode não

significar um maior endividamento. Até pode ser causado por uma simples

alteração de critérios contabilísticos que passaram a considerar mais

elementos para o seu cálculo. E isto é um exemplo simples. Portanto, só

depois de esmiuçar é que se pode raciocinar e encontrar explicações,

procurar relações de causa-efeito, tirar conclusões, no fundo, o que se bem

entender. Mas só depois. Um segundo, um minuto, uma hora, não importa.

Desde que seja depois.

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Em terceiro e último lugar, sem fontes credíveis, nada feito. Isto pode

ser intuitivo para uns mas para outros nem tanto. O conhecimento de factos

só faz sentido se estes forem verdadeiros. Portanto antes de querer

conhecer factos, quero conhecer fontes credíveis às quais possa aceder para

atingir o meu objetivo. E não quero conhecer uma, quero conhecer muitas!

Porque uma não basta. Não bastam as notícias, não bastam os jornais,

porque mesmo esses meios de comunicação social pecam neste campo.

Quanto mais fontes melhor. E para quê tantas fontes? Não bastaria uma?

Sim, à partida. Mas se um facto for verdadeiro, quase irremediavelmente

aparece em mais do que uma fonte. Se só aparecer numa, pode-se dar o

caso de ser muito específico, mas é de levantar o sobreolho.

Estas são algumas das capacidades que eu quero desenvolver. Não me

alongo não por não haver mais, porque as há, mas porque estas são as que

considero a base da pirâmide. Afinal, à conta de desenvolver estas

capacidades, outras, também essenciais, terão um empurrãozinho.

Raciocinar rápido, ter confiança mas decisões tomadas, ser sensato, entre

muitas outras. Tenho um longo caminho para trilhar, que não se adivinha

fácil, mas pelo menos tenho alguma certeza de que este é o caminho certo.

É este o economista que quero ser.

E tu? Que economista queres ser?

Pedro Gil Gonçalves Lima, aluno de 2º ano da Licenciatura em

Economia