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PEDAGOGIA VICENTINA: AS PRIMEIRAS ESCOLAS CONFESSIONAIS FEMININAS EM MINAS GERAIS NA
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX (MARIANA E DIAMANTINA)
Ana Cristina Pereira Lage Professora UNI-BH
Doutoranda FAE/UFMG1 [email protected]
Palavras-chave: congregação vicentina – gênero – ensino confessional
O presente trabalho parte do levantamento preliminar de referências e fontes
para a pesquisa de doutorado desenvolvida em História da Educação na Universidade
Federal de Minas Gerais. A pesquisa propõe a comparação e as possíveis conexões entre
duas instituições mineiras e uma portuguesa, instaladas no início da segunda metade do
século XIX. Neste estudo aqui apresentado, devido ao momento da pesquisa em
desenvolvimento, com a coleta parcial de fontes, é proposta a discussão somente sobre
as instituições mineiras.
A criação das instituições estaria intimamente ligada à vinda das Filhas de
Caridade de São Vicente de Paulo e dentro de uma nova perspectiva de ensino,
diferenciado dos recolhimentos católicos anteriores, como também na perspectiva de
assistência, principalmente às órfãs, contando inclusive com subvenções da província.
Pretende-se comparar as aproximações e as especificidades na instalação do Colégio
Providência (1849, em Mariana) e do Colégio Nossa Senhora das Dores (1867, em
Diamantina).
A metodologia da pesquisa deve centrar-se na História Social, utilizando os
conceitos e discussões acerca da história comparada e também dentro das possibilidades
das mestiçagens culturais, já que, ao trabalhar com a instalação das freiras vicentinas em
espaços diferentes, não seria tratar de uma mesma “Escola” situada em lugares
diferentes, mas pensar nas variações possíveis de um modelo escolar e nas apropriações
feitas por determinados grupos com características culturais particulares.
Supõe–se que as instituições analisadas foram instaladas em com uma
intencionalidade de fortalecimento do ideário ultramontano católico na segunda metade
do século XIX em solo mineiro, o qual passou a utilizar as mulheres como instrumentos
de expansão de um novo discurso do catolicismo. A idéia de trabalhar com a
comparação parte do pressuposto de que estas escolas possuíam algo em comum, ligado
ao ensino vicentino feminino, mas também particularidades específicas dos lugares nos
quais foram instaladas. São estas percepções do comum, das particularidades e das
possíveis conexões entre as Instituições estudadas, levando em consideração o
pensamento ultramontano e a necessidade de ampliação do ensino feminino da época
que serão propostos neste estudo.
PENSAMENTO CATÓLICO NO SÉCULO XIX
O ultramontanismo fazia parte de um plano expansionista da Igreja Católica. Do
latim ultramontanus, o termo designou o movimento daqueles fiéis que atribuíam ao
papa um importante papel na direção da fé e do comportamento do homem. Nas
primeiras décadas do século XIX, devido a freqüentes conflitos entre a Igreja e o Estado
em toda a Europa e América Latina, foram chamados de ultramontanos os partidários da
liberdade da Igreja e de sua independência com relação ao Estado.
Este pensamento passou a ser referência para a maioria dos católicos em
diversos países. Aparecia também como uma reação ao mundo em processo de
modernização e como uma orientação política desenvolvida pela Igreja, marcada pelo
centralismo romano, o fechamento sobre si mesma e a recusa do contato com as novas
idéias.
Em uma definição bastante esquemática, entende-se por catolicismo
romanizado ou ultramontano aquele catolicismo praticado entre 1800
e 1960, nos pontificados de Pio VII a Pio XII, informado por um
conjunto de atitudes teóricas e práticas, cujo eixo de sustentação se
apoiava em: 1) reforço do tradicional magistério, incluindo-se a
retomada do tomismo como única filosofia válida para o cristão
aceitável para a Igreja; 2) condenação à modernidade em seu conjunto
(sociedade, economia, política, cultura); 3) centralização de todos os
atos da Igreja em Roma, decretando-se, para isso, a infalibilidade do
Papa, no Concílio do Vaticano I, em 1870, de modo a reforçar a
hierarquia, onde o episcopado foi bastante valorizado, submetendo
todo o laicato ao seu controle; 4) adoção do medievo como paradigma
de organização social, política e econômica. O objetivo dessa política
era, de imediato, preservar a instituição em face das ameaças do
mundo moderno e, a médio e longo prazo, recristianizar a sociedade,
de modo a recolocar a Igreja como centro do equilíbrio mundial.
(MANOEL, 2004, p.45)
No Brasil, principalmente no período que vai da questão dos Bispos (1870-1875)
até a proclamação da República, a Igreja passou então a investir na formação e
reformulação dos quadros clericais, no incentivo à catequese e na criação de novas
associações devocionais católicas dentro deste ideário ultramontano.
Em Minas Gerais, o bispo de Mariana, o padre lazarista Dom Antônio Ferreira
Viçoso2 o qual governou no referido bispado entre 1844 e 1875, foi o responsável por
iniciar o movimento de reforma do clero mineiro nos moldes do ultramontanisno, tendo
ordenado neste período o total de 318 sacerdotes seculares (BEOZZO, 1993).
Segundo Diva Muniz (2003), anterior à reforma do clero empreendida por D.
Viçoso, muitos sacerdotes mineiros adotavam um “comportamento laico”. Devido ao
sistema do padroado eram, na maioria das vezes, mais funcionários do governo do que
pastores da Igreja, complementando seus vencimentos com outras atividades,
trabalhando como fazendeiros, advogados, comerciantes, professores e políticos.
Pelos princípios ultramontanos, cabia ao bispo D. Viçoso trazer os párocos para
dentro da Igreja e torná-los mais preocupados com as questões da fé e do Vaticano.
Quanto aos leigos, já que predominava uma população de fiéis em sua maioria
analfabetos, o seu trabalho centrava-se na intensificação das atividades pastorais,
catequéticas e educacionais.
A reforma do clero em Minas Gerais teve início em 1856, com a recuperação do
Seminário de Mariana (fundado em 1750), e, posteriormente, com a criação do
Seminário Episcopal de Diamantina (1869). A preocupação com os fiéis traduziu-se
principalmente na ação catequética destes novos padres e na implantação de escolas
confessionais. D. Viçoso reformou colégios masculinos já criados (Caraça-1822,
Congonhas do Campo–1832, e Campo Belo-1827) e trouxe as freiras francesas
vicentinas para instalar os colégios femininos - Providência (1849, em Mariana), Nossa
Senhora das Dores (1867, em Diamantina) 3 - como também reformulou o estatuto do
Recolhimento de Macaúbas (1847).
A implantação do ultramontanismo foi sendo intensificada ao longo do século
XIX principalmente, pelo investimento na educação. Especificamente a educação de
meninas e jovens fazia parte dos conceitos elaborados pela Igreja Ultramontana, pois as
alunas seriam, posteriormente, educadoras dos filhos e da sociedade conforme os
princípios do catolicismo. Era uma estratégia de preparação de futuras “agentes
sociais”.
Segundo Ivan Manoel (1996), a vinda das freiras para o Brasil se constituiu em
uma etapa de um planejamento bem elaborado e em escala mundial do
ultramontanismo. A necessidade de implantação das escolas confessionais não se
restringia somente aos vultosos recursos financeiros arrecadados com o recebimento de
pagamentos das anuidades escolares, mas também em afastar os educandos das idéias
modernas e das propostas de ensino leigo. Particularmente no caso da educação
feminina, o discurso ultramontano ia de encontro às ansiedades da oligarquia brasileira.
Ainda para este mesmo autor, no Brasil do século XIX as idéias católicas
apresentavam uma concepção de sociedade, poder político e relações familiares que
eram convenientes à forma de vida das elites brasileiras. Mesmo que os princípios do
liberalismo pregados pelas elites reforçasse o caráter individualista e o civismo como
força para a implantação de uma “Nação”, a educação católica não fugia a estes
interesses, já que esta sempre ensinou ao católico ser ordeiro, obediente e respeitador da
ordem constituída. A expansão da rede escolar católica no Brasil só foi possível,
portanto, com a aliança entre a Igreja conservadora e as elites locais.
Como o investimento das províncias na educação não era suficiente, a solução
encontrada pelas elites para educar suas filhas era contratar professores para ensinar às
jovens em suas próprias residências ou, preferencialmente, enviá-las para estudar nos
primeiros Colégios Internos. Tais Colégios eram mantidos, na maioria das vezes, pelas
diversas congregações católicas que chegaram ao Brasil na segunda metade do século
XIX. Este tipo de Colégio era importante principalmente para as meninas, pois seriam
retiradas do convívio familiar e educadas dentro dos novos princípios propostos.
A necessidade inicial de educar formalmente as meninas não estaria então dentro
de uma perspectiva de preparação e instrumentalização destas para ganhar o espaço
público. Algumas até conseguiram exercer profissões fora do espaço privado, como
professoras, mas a necessidade de fortalecimento da educação escolar feminina
continuava ainda dentro da perspectiva de prepará-las para o casamento. Enquadrava-se
à necessidade de educá-las nos moldes escolares para capacitá-las dentro das novas
regras de um mundo com novas características: em processo de urbanização e com
novos valores de civilidade.
Aliava-se ainda às aspirações masculinas de ter uma esposa educada, a
necessidade da Igreja de arregimentar as mulheres como um alicerce seguro para as suas
ações ultramontanas. Soma-se à necessidade de educação feminina por parte da
sociedade, as idéias ultramontanas e também a política de investimentos insuficientes no
ensino público, o que acarretou o incentivo das instituições confessionais femininas no
Brasil.
OS RECOLHIMENTOS
As primeiras instituições religiosas femininas de Minas Gerais, anteriores ao
fortalecimento desta política expansionista educacional feminina, foram os
recolhimentos de Macaúbas (instalado em 1715)4, e de São João da Chapada (instalado
em 1750)5. Pouco se sabe sobre este último recolhimento devido à escassez de fontes,
mas há estudos mais sistemáticos acerca do Recolhimento de Macaúbas, inseridos nas
discussões empreendidas tanto por Leila Algranti (1999), quanto por Diva Muniz
(2003). Estas instituições eram principalmente espaços de devoção e vida
contemplativa, diferenciando-se dos conventos pela ausência dos votos. A fundação de
tais estabelecimentos era facilitada pelo fato de ser exigida somente uma licença
episcopal para o seu funcionamento enquanto os conventos necessitavam de uma ordem
papal.
Utilizava-se, portanto, o termo recolhimento para identificar todas as
instituições femininas de reclusão que não tivessem sido fundadas
como o apoio do papa, mas erguidas com fins devocionistas,
caritativos ou educacionais. Mais do que isso, a análise dos estatutos
dos conventos e recolhimentos estudados revela que, com exceção do
aspecto legal e dos votos solenes, não havia diferenças entre eles.”
(ALGRANTI, 1999, p. 78)
O ensino nos recolhimentos era desenvolvido seguindo os dispositivos de todas
as comunidades religiosas. As meninas eram mais preparadas para a prática religiosa do
que para a vida em sociedade. “... As lições escolares estavam igualmente inscritas num
contexto essencialmente conventual, já que entremeadas de orações, ladainhas, cânticos,
leituras de textos espirituais, silêncios e penitências.” (MUNIZ, 2003, p. 169)
Houve a tentativa de instalar uma educação mais formal no Recolhimento de
Macaúbas por uma determinação Régia de D. Maria I, em 1789 6 mas foi somente em
1847 que a instituição reformulou os seus princípios e adotou a prática educativa
efetiva. D.Viçoso e os lazaristas foram responsáveis por conseguir a referida
reformulação.
A CONGREGAÇÃO DAS FILHAS DE CARIDADE DE SÃO VICENTE DE PAULO E SUA INSTALAÇÃO EM MINAS GERAIS
A Congregação das Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo foi fundada na
França em 1633 por São Vicente de Paulo (1581-1660) e Santa Luísa de Marillac
(1591-1660). Anteriormente São Vicente já havia fundado a Congregação das Missões
(também conhecidos como Lazaristas), vertente masculina das vicentinas. Para o
fundador, “(...) a vocação do missionário é de fazer amar a Deus. (...) Para explicar
como se deve amar a Deus, isto é, desejar a sua maior glória e honra, Vincent de Paul
definia duas formas de amor: afetivo e efetivo.” (LOPES, 1993, p. 30)
Ainda segundo esta autora, o amor efetivo seria o exercício das obras de
caridade7. As caridades seriam em número de sete: “(...) dar de comer a quem tem fome
e água a quem tem sede, abrigar os peregrinos, visitar os prisioneiros, visitar os doentes,
vestir os que estão nus e preparar os mortos.” (LOPES, 1993, p. 30)
Imbuídas neste espírito, as filhas de caridade tiveram permissão de circular pela
cidade de Paris, característica particular desta ordem religiosa no momento de sua
fundação. Também está contida em seus estatutos a subordinação direta ao Superior dos
Padres das Missões e não ao Bispo da localidade de instalação da Casa, o que
demonstra uma atitude inovadora para esta Congregação.
O caráter educacional da Congregação já estava presente desde o século XVII.
Ainda segundo Eliane Marta T. Lopes, diversos textos dos fundadores mostram uma
dupla tarefa exercida pelas Filhas de Caridade: servir aos pobres doentes e cuidar de
crianças abandonadas.
... a Companhia das Filhas de Caridade foi estabelecida para amar a
Deus, servir e honrar o Nosso Senhor, e a Santa Virgem.” E como
honrá-los? Sua regra acrescenta: para fazer conhecer o desejo de Deus
na sua implantação; “(...) para servir aos pobres doentes
corporalmente, administrando-lhes tudo o que for necessário; e
espiritualmente, procurando que eles vivam e morram em bom
estado.8
Quanto à educação das crianças órfãs (enfants trouves) São Vicente diz que as
Filhas de Caridade foram escolhidas por Deus para educá-los. Neste assunto, devem
perceber a importância ao serem escolhidas por Deus e de realizar um trabalho que
aproxima as vicentinas de Nossa Senhora: são virgens e mães ao mesmo tempo.9
Anterior à instalação das irmãs vicentinas em Minas Gerais, a preocupação com
as questões assistenciais estava diretamente associada às irmandades. Tais irmandades
estavam isentas de jurisdição eclesiástica, submetendo-se às autoridades civis coloniais.
Como a presença da Igreja em Minas Gerais sofria restrições (a proibição da instalação
de ordens religiosas e o funcionamento do sistema de padroado), ela teve que atrelar-se
às irmandades leigas tanto para a evangelização, quanto para o assistencialismo e até
para a construção de seus templos. Dentro do espírito assistencialista, destacam-se as
Misericórdias, que “(...) adquiriram traço peculiar ao se transformarem em irmandades
predominantemente assistencialista, aquelas assumiram o ônus da construção e
manutenção de hospitais. O seu lado espiritual ficou em segundo plano, em detrimento
do aspecto social” (BOSCHI, 1986, p. 66)
A criação dos colégios confessionais femininos em Minas Gerais estaria
intimamente ligada à vinda das Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo e dentro de
uma nova perspectiva tanto de ensino, diferenciado dos recolhimentos anteriores, como
também de assistência, principalmente às órfãs, contando inclusive com subvenções da
província. No Relatório de Presidente da Província de 1871, aparece a informação de
que havia uma subvenção da província para o Colégio das Irmãs de Caridade de
Mariana (MG) que mantinha neste momento 176 alunas, e para as irmãs de Diamantina
(MG), com 145 alunas.
A importância da abertura de tais instituições em Minas Gerais, particularmente
do Colégio Providência em Mariana, com caráter caritativo e educacional verifica-se
nos jornais locais:
Não é nada mais nem nada menos do que a modesta e pobre fundação
da primeira casa no Brasil, dirigida pelas heroinas filhas de S. Vicente
de Paulo, contendo trez estabelecimentos em um só edificio debaixo
da protecção e denominação da Providencia, que são o Collegio, o
recolhimento das orphãs e o hospital; de maneira que não se pode
chamar de providencia uma e trina. Em um só edificio, dirigidas por
uma só Superiora as mesmas Irmãs se multiplicam nos cuidados e
penosissimos trabalhos destas trez distinctas fundações.
Ah! Quanto de penuria e provações ellas curtem pela escassez dos
meios, sem contudo faltar, como até o presente não faltou, o restricto
necessario?!....Já se sabe: sem luxo, sem pompa, sem até o confortavel
para as benemeritas heroinas que despendem tudo quanto lhes
offerece a Providencia em proveito dos que se abrigam sob o tecto
dessa proverbial caridade, sem ter ellas muitas vezes o indispensavel á
suas debeis compleições no que toca a comodidades, utensilios, etc...
E Deus sabe se não levam o heroismo a ponto de privarem-se do
sustento conveniente para que melhor possam tratar de suas alumnas,
de suas pupillas, de seus doentes.
O fructo de há muito collhido por esta sancta instituição dó por Deus
pode ser aquilatado. Quantas mães de familia dignas de veneração?!..
(...) não se pode o immenso bem que esta pobre e quasi desconhecida
obra de D. Viçoso tem feito, faz e continuará a fazer á humanidade
carecedora! Por um influxo ou inspiração divina, o que não raras
vezes concede Deus a seus eleitos, é que D. Viçoso projectou e
realizou essa fundação. Plantou elle um jardim, contendo trez
canteiros, do que fez entrega e doação á Divina Providencia. ... (Jornal
O Viçoso, 19/09/1894. P.04)
Percebe-se também que estas instituições abrigavam dois tipos de alunas:
aquelas filhas de pais abastados, que eram preparadas para as funções de esposa e mãe;
como também meninas órfãs ou muito pobres que necessitavam ser “adestradas” de
forma adequada para as transformações exigidas com o fortalecimento das noções
civilidade e urbanidade. Para conseguir a manutenção das instituições assistenciais,
seria necessário também o ensino de meninas da elite, pagantes.
A diferenciação entre as alunas pobres e as mais abastadas verificada já no
ensino do período imperial brasileiro e desde as primeiras escolas religiosas do período
moderno europeu era uma necessidade que vinculava - se à modernização da sociedade,
à higienização da família e à construção da cidadania dos jovens. Havia também uma
preocupação em afastar do conceito de trabalho toda a carga de degradação que lhe era
associada por causa da escravidão, o que levou os condutores da sociedade a
arregimentar também as mulheres das camadas populares para a educação. Elas
deveriam ser honestas, ordeiras, asseadas; a elas caberia controlar seus maridos e formar
os novos trabalhadores e trabalhadoras do país. Àquelas que seriam as futuras mães dos
líderes também se atribuía a tarefa de manutenção de um lar afastado dos distúrbios e
perturbações do mundo exterior. Esta separação no tipo de educação oferecida às
mulheres de distintas classes sociais era um reflexo da influência francesa no ensino
brasileiro.10
Esta influência e diferenciação do ensino entre as classes sociais não era um
princípio somente das instituições confessionais femininas francesas, mas também
passava pelo próprio pensamento iluminista. Segundo Carlota Boto (1996), o
pensamento iluminista francês foi responsável por dar continuidade e fortalecer as
diretrizes deste ensino diferenciado já que os pensadores iluministas preocupavam-se
com a possibilidade de oferecer uma educação irrestrita para o povo e assim desviá-los
dos serviços braçais. Tornava-se necessário o fortalecimento de uma diferenciação no
ensino para as classes sociais e, ainda, a valorização de uma preparação para o trabalho.
Em Minas Gerais, na segunda metade do século XIX, O Bispo de Mariana Dom
Antônio Viçoso preocupava-se com as questões relativas à valorização do trabalho
feminino, em uma sociedade em que estas idéias eram particularmente depreciadas pela
exploração da escravidão. O trabalho passa a ser visto como uma “salvação” da
corrupção e do ócio.
O trabalho livra o homem da servidão, e salva a mulher das ciladas da
corrupção. Quantas creaturas miseraveis que são hoje a escoria da
sociedade, seriào mulheres honestas, se tivessem occupado suas mãos
em ligeiros trabalhos, e seo espirito em bons pensamentos! Porque a
preguiça do espirito he tão perigosa como a do corpo. (Selecta
Catholica, 15/11/1846. apud. ASSIS, 2004, p. 239)
Quando pensamos em uma educação diferenciada no seio das instituições
escolares, ou seja, uma formatação escolar de preparação de algumas alunas da elite
para o papel de “boas mães e esposas” e diretoras da casa, e de outras, pobres e/ou órfãs
para o trabalho doméstico, compreende-se então a necessidade de Dom Viçoso em
defender a idéia de valorização do trabalho feminino. Paralelo às questões do
assistencialismo, as instituições confessionais femininas tornaram-se ambientes
propícios para a preparação de trabalhadoras domésticas, quer seja no Brasil ou na
Europa.
As escolas de caridade, as escolas de aldeia e as petites écoles que se
desenvolveram a partir de meados do século XVII podem bem ter sido
responsáveis pela elevação dos padrões de educação exigidos às
raparigas que se propunham ir servir. Em Inglaterra, seguramente, a
rapariga que tivesse freqüentado as escolas de caridade gozava de
algumas solidas vantagens em relação a outros candidatos a lugares
em casas abastadas. A educação aí recebida valorizava as virtudes da
limpeza e de uma apresentação pessoal cuidada. ... À rapariga que
tivesse freqüentado a escola de caridade também havia sido ensinada a
deferência e o respeito pela honestidade e pela sobriedade. No mundo
do serviço doméstico, estes eram atributos que contavam. (HUFTON,
1991, p.34)
REVISÃO DA LITERATURA
Após o levantamento de livros e artigos que tratam da instalação das instituições
aqui analisadas em Minas Gerais, verifica - se os poucos estudos apontados nesta
direção até então. Pretende-se aqui dialogar e questionar esta produção bibliográfica.
Várias respostas só virão após o aprofundamento da pesquisa e a comparação entre as
duas instituições.
Na publicação Educação em Revista foram encontrados três artigos que levam a
pensar na instalação das instituições confessionais femininas vicentinas em Minas
Gerais. O primeiro artigo analisado, escrito por Júnia e Marcos Lobato Martins (1993),
discorre sobre o Colégio Nossa Senhora das Dores de Diamantina em 1867. Inicia com
uma explanação acerca do cenário mineiro entre 1860 e 1940. Segundo eles, as
modificações nas estruturas sociais e culturais da região diamantinense para este
período aconteceram lentamente. Deve-se ao isolamento do norte/nordeste mineiro em
relação às demais áreas do Estado. Neste espaço geográfico predominava uma produção
destinada ao auto - consumo e com poucas ligações mercantis com o restante do Estado
e com a Bahia. Mas Diamantina influenciava toda a região dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri, principalmente no âmbito cultural, recebendo na cidade diversos filhos das
famílias mais abastadas para serem educados institucionalmente. Pergunta-se: a
instalação do Colégio Nossa Senhora das Dores em Diamantina não seria então um
motor de desenvolvimento econômico e cultural para a cidade de Diamantina?
Quanto à pesquisa acerca do Colégio Nossa Senhora das Dores, consultaram os
livros de registros de matrícula da Instituição e recorreram também à História Oral, sem
delimitar o período para o trabalho. Conseguiram levantar informações sobre a
proveniência das educandas, tanto quanto a procedência, quanto às diferenças entre as
meninas de elite e as órfãs pobres. Os espaços ocupados, o tipo de ensino, o
relacionamento com as freiras, eram diferenciados entre estes dois grupos.
Concentrando a pesquisa sobre as órfãs, conseguiram fazer um levantamento do
cotidiano destas, principalmente com relação à questão do trabalho (faziam bordados,
enxovais, flores artificiais e realizavam a limpeza da Instituição). Acrescentam que
algumas dessas moças, quando alcançavam a idade de 21 anos, iam trabalhar na Fábrica
de Tecidos de Biribiri, pertencente à família do bispo D. João Antônio dos Santos.
Outras casavam, ou iam exercer a carreira religiosa. Esta diferenciação entre a educação
das alunas também estaria presente nas demais instituições gerenciadas pelas vicentinas,
no caso específico de Mariana? Em que ponto eram semelhantes ou diferenciavam nas
atividades educacionais? E por que acontecia (ou não) esta diferenciação?
Em outro artigo publicado na Educação e Revista, as atenções estão voltadas
para a Casa da Providência, instalada em Mariana no ano de 1849. Eliane Marta
Teixeira Lopes (1987) propõe elaborar uma metodologia de pesquisa que se aplique à
pesquisa do cotidiano na referida escola durante o século XIX. Embora aponte que o
material não foi totalmente pesquisado, mostra caminhos para o que é possível
pesquisar e como se deve proceder. Começa analisando a bibliografia sobre a educação
em Minas Gerais nos séculos XIX e XX, a qual considera rara e escassa, salientando um
maior número de obras sobre história do que sobre educação. Analisando as Revistas do
Arquivo Público Mineiro, constata que não há nenhum artigo ou transcrição documental
sobre o Colégio Providência.
Segundo a autora, a ida ao Colégio foi infrutífera no momento de
desenvolvimento da pesquisa, já que as freiras informaram que não havia um arquivo.
Visitou um pequeno Museu do Colégio, mas recebeu a informação de que este seria
ampliado e instalado um Museu Pedagógico. Sabe-se que hoje o Museu Pedagógico já
está concluído, colocando-se assim como uma possibilidade da atual pesquisa.
Foi na Cúria Arquidiocesana de Mariana que Eliane Marta T. Lopes conseguiu
coletar o material mais expressivo sobre o momento de criação do Colégio e da
mentalidade religiosa de Minas Gerais. Mas considera as entrevistas como momentos
importantes na pesquisa. Utiliza o relato de 12 pessoas, direta ou indiretamente ligadas
ao Colégio entre 1915 e 1960. Dentro dessa possibilidade apontada pela autora,
pergunta-se: como pensar o momento da instalação do Colégio Providência em Mariana
no ano de 1849, intitulando o texto com o século XIX e utilizando entrevistadas que
viveram no século XX? Não seria anacrônico?
Finalizando a revisão da literatura, ainda pequena, devido aos poucos estudos
realizados sobre o início da educação confessional feminina em Minas Gerais na
segunda metade do século XIX, está o livro de Diva Muniz (2003). Esta obra analisa a
educação feminina em Minas Gerais entre 1835 e 1892, pesquisando a partir do Colégio
Providência, do Colégio Nossa Senhora das Dores, do Recolhimento de Macaúbas e
também da instrução pública.
A autora trabalhou com diferentes tipos de registros, o que foi possível analisar
os currículos diferenciados a partir das relações de classe e gênero, direcionados para a
preparação de alunas com papéis já prescritos: mãe, esposa e educadora. Buscou ainda
perceber o lugar das mulheres na sociedade mineira. Aponta fontes documentais e
também particularidades acerca das instituições estudadas, especialmente o Colégio
Nossa Senhora das Dores e o Colégio Providência, mas muitas vezes coloca na mesma
análise as duas instituições, levando em consideração um eixo comum: a direção das
vicentinas. Não percebe as particularidades dos locais (Mariana e Diamantina) no qual
as duas instituições foram instaladas. Além disso, fala muito pouco sobre a educação
diferenciada entre alunas pagantes e órfãs pobres no interior de cada uma das
instituições. Esta diferenciação acarreta diretamente a formação de um novo papel de
educanda: a trabalhadora. Tendo como ponto de partida as discussões levantadas aqui,
pergunta-se então: como perceber a educação no interior das escolas confessionais
femininas instaladas pelas vicentinas em Mariana e Diamantina?
METODOLOGIA
A metodologia da pesquisa centra-se na História Social, já que são analisadas as
instituições educacionais em suas perspectivas sociais, tanto nas relações exteriores,
com a sociedade dos locais estudados, quanto nas relações interiores, entre as Irmãs de
Caridade e suas respectivas educandas (pagantes ou órfãs). Tem-se como pressuposto de
que é um estudo dos particulares, mas que não deve perder de vista o geral. Além das
questões educacionais, de gênero e religiosas tratadas, deve-se também pensar as
questões políticas, econômicas e sociais.
Atualmente é possível caracterizar a história social como uma forma de
abordagem que “(...) prioriza a experiência humana e os processos de diferenciação e
individuação dos comportamentos e identidades coletivos – sociais – na explicação
histórica.” (CASTRO, 1997, p. 54) Propõe também uma redução da escala de análise,
não buscando estabelecer microcosmos exemplares do social, mas pensando em um
movimento mais amplo, explicativo de uma análise maior.
Dentro desta perspectiva, na pesquisa aqui proposta, ao comparar dois núcleos
sociais (O Colégio Providência e a cidade de Mariana, O Colégio Nossa Senhora das
Dores e Diamantina) em suas particularidades, torna-se necessário perceber as
diferenciações, individuações e identidades coletivas presentes nestas comunidades,
para assim compreender a necessidade de instalação e de fortalecimento do ensino
confessional feminino em contextos mais amplos.
Peter Burke (2002) analisa modelos e métodos comuns entre dois campos (a
história e as ciências sociais), caracterizando abordagens genéricas às duas disciplinas.
A primeira delas seria a comparação. Durkheim considerou dois tipos de comparação:
entre sociedades que fundamentalmente têm a mesma estrutura; ou entre sociedades
basicamente diferentes. Inicialmente, os historiadores tenderam a rejeitar a comparação,
interessados apenas no específico. Mas seria a partir da comparação que “(...)
conseguimos ver o que não está lá; em outras palavras, entender a importância de uma
ausência específica. (...) Observar o que fenômenos aparentemente diferentes têm em
comum, entretanto, é, sem a menor dúvida, uma virtude intelectual tão valiosa como
observar o quanto fenômenos aparentemente similares diferem entre si.” (BURKE,
2002, pp. 40-41)
Aponta ainda dois riscos da história comparativa: a tendência a fazer uma análise
evolucionista ou estática das sociedades; ou o etnocentrismo. “(...) Os comparatistas
enfrentam um dilema. Ao comparar características culturais específicas, nos fixamos em
algo preciso, podendo notar sua presença ou ausência, mas corremos o risco de
superficialidade. Já a busca entre análogo leva a comparações entre sociedades inteiras.”
(BURKE, 2002, pp.45-46).
Segundo Ana Isabel Madeira (2007) seriam pontos de resistência aos estudos
históricos comparados em educação as questões espaço - temporais e as questões
teórico–conceituais. Levando em consideração um período específico da educação
portuguesa, analisa que a maior parte da historiografia da educação utiliza balizas
políticas, negligenciando as particularidades do campo educativo, com marcos
específicos e temporalidades próprias.
... Por outro lado, revela que esses mecanismos de adaptação
produzem respostas localizadas, “indigenizadas” e híbridas cuja
compreensão apenas se torna possível mediante uma remissão do
enfoque aos problemas do quotidiano, às experiências vividas dos
actores, às culturas institucionais e relativamente circunscritas de
processos de escolarização-formação. (MADEIRA, 2007, p. 39)
Dentro desta perspectiva comparativa para a história da educação, ao propor
trabalhar com a instalação das freiras vicentinas em espaços diferentes, não seria tratar
de uma mesma Escola situada em lugares diferentes, mas pensar nas variações possíveis
de um modelo escolar nas apropriações feitas por grupos com características culturais
particulares. Para além das comparações, estabelecer também as conexões possíveis
entre as instituições e os meios nos quais elas foram implantadas. Deve-se levar em
consideração ainda a presença de sociedades culturalmente mestiçadas no interior da
escola – já que na pesquisa salienta – se principalmente a presença de freiras francesas,
meninas da elite mineira, órfãs e pobres.
... A investigação sobre a cultura e as práticas escolares, por exemplo,
demonstra a riqueza de situações que podem ser compreendidas à luz
dos mediadores culturais no contexto da sociedade culturalmente
mestiçada. Por que não pensar na intensidade das trocas que envolvem
a escola, na verdade ela mesma um importante elemento mediador?
(FONSECA, 2003, p. 71)
Temos dificuldades em enxergar e analisar as mestiçagens no momento da
pesquisa. Torna-se pertinente realizar tais indagações nas discussões acerca das
instituições aqui analisadas: “(...) por intermédio de qual alquimia as culturas se
misturam? Em que condições? Em que circunstancias? Segundo quais modalidades?
Em que ritmo?” (GRUZINSKI, 2001,18)
A presença das freiras vicentinas francesas tanto na sociedade marianense,
quanto na sociedade diamantinense do século XIX provocaram mudanças, apropriações
e mestiçagens nas sociedades locais. As freiras não só instituíram uma nova forma de
comportar-se entre as meninas/mulheres, como também realizaram uma aproximação
com as culturas locais.
Ainda relativamente pouco explorada e, portanto, pouco familiar aos
nossos espíritos, a mistura dos seres humanos e dos imaginários é
chamada de mestiçagem, sem que se saiba exatamente o que o termo
engloba, e sem que nos interroguemos sobre as dinâmicas que ele
designa. Misturar, mesclar, amalgamar, cruzar, interpenetrar,
superpor, justapor, interpor, imbricar, colar, fundir etc., são muitas as
palavras que se aplicam à mestiçagem e afogam sob uma profusão de
vocábulos a imprecisão das descrições e a indefinição do
pensamento.(GRUZINSKI, 2001, 42)
É um trabalho complexo para compreender historicamente o que pertence a uma
cultura vicentina e é implantado em Mariana ou Diamantina... Como ao mesmo tempo
pode ser implantado em Paris, Lisboa, ou qualquer outra instituição da Congregação
implantadas na segunda metade do século XIX. Perceber, portanto, as possíveis
conexões entre estas instituições. Por outro lado, compreender as especificidades de
cada uma delas nas sociedades em que são implantadas, já que trabalha-se com a
perspectiva das misturas, cruzamentos, mesclagens...Só a comparação entre estes dois
espaços propostos torna possível a percepção das particularidades e conexões entre as
duas instituições aqui analisadas.
POSSÍVEIS DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS ENTRE MARIANA E DIAMANTINA
Embora instaladas como núcleos urbanos mineiros já no período colonial,
Mariana e Diamantina distanciam-se não só espacialmente, mas também em suas
particularidades econômicas, políticas, sociais e culturais. Compreender as
particularidades destes dois núcleos possibilita a compreensão das particularidades e as
conexões das instituições educacionais aqui analisadas.
Mariana foi fundada em 1696, devido à exploração do ouro. Tornou-se a
primeira Vila da Capitania de Minas Gerais (1711), tornando-se também sede
administrativa da região. Logo em 1720, com a separação de Minas da capitania de São
Paulo, a administração passou para Vila Rica, local próximo de Mariana. Mesmo
perdendo o poder político, a cidade não deixou de influenciar a região, pois em 1745 foi
criado o primeiro bispado neste local, o que leva a considerarmos a cidade como berço
da religiosidade católica de Minas Gerais, ou seja, já não tem poder político
administrativo, mas forte poder religioso. Se levarmos em consideração que política e
religião não são dissociadas no Brasil até a proclamação da República devido ao sistema
do Padroado, é possível perceber a importância de Mariana nas questões políticas,
econômicas e culturais em todo o período colonial e imperial de Minas Gerais,
influenciando, inclusive, a instalação da primeira instituição vicentina feminina, o
Colégio Providência.
Já Diamantina teve uma fundação posterior (1714) e, devido à exploração dos
diamantes, difere-se das demais vilas criadas pela exploração aurífera. Por causa da
raridade e do valor, não foi possível a livre exploração das pedras preciosas, sendo
estabelecida a figura do Contratador de Diamantes (1740), que recebia da Coroa
portuguesa o direito de explorar as lavras. A influência política, econômica e social da
região ficava nas mãos de poucos homens, influenciando inclusive no processo de
urbanização da cidade. Enquanto Mariana se caracterizava pela construção de um rico
casario, Diamantina construía poucas casas luxuosas para os poucos poderosos locais.
Somente em 1831 o Arraial tornou-se vila. Para Goodwin Jr.(2007), Diamantina
conheceu o seu florescimento no século XIX, no momento em que diminuía a
exploração dos diamantes, mas que liberava a sua exploração e diversificava - se
economicamente, tornando-se pólo comercial para o restante da região norte - mineira.
... Em 1831, finalmente foi reconhecido o desenvolvimento do arraial,
com sua elevação a categoria de Vila em 13 de outubro, sede de
município, com o nome de Diamantina; a elevação a cidade data de 06
de março de 1838. A autonomia política foi o mote para o inicio de
uma disputa entre as elites diamantinenses e do Serro no campo
político, econômico e principalmente cultural. A extinção formal da
Real Extração em 1832 (efetivada na prática em 1841) liberou o
garimpo do diamante, que se manteve em um nível razoável,
acompanhado em menor escala do ouro; o algodão transformou-se em
outra fonte de riqueza, exportado para o mercado inglês.
Essas transformações fizeram com que as elites diamantinenses do
inicio do século XIX vivessem um período de enriquecimento e
refinamento que chegou a impressionar até viajantes estrangeiros,
como o francês Saint – Hilaire ou o alemão Von Eschwege - que veio
a residir e trabalhar na cidade. As transformações de hábitos e
costumes vividos pelas elites ocorreram desde a chegada da Côrte
portuguesa em 1808, intensificando-se com a abertura para influências
britânicas e o processo de independência. (GOODWIN Jr., 2007, p.48)
A implantação do Bispado na cidade, segundo de Minas Gerais, ocorreu em
1853, por uma forte campanha empreendida por D. Viçoso em seu processo de aumento
da religiosidade nos moldes do ultramontanismo. A figura principal para a instalação
desta política religiosa diamantinense foi D. Antonio de Almeida, discípulo direto de D.
Viçoso e responsável, dentre outras frentes católicas, por implantar o Colégio Nossa
Senhora das Dores na cidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cabe aqui salientar novamente que esta é uma discussão preliminar. O
levantamento de fontes para esta pesquisa ainda está no seu estágio inicial,
comprometendo principalmente as percepções acerca da comparação entre as duas
instituições. Mas principalmente com o auxilio do levantamento e da leitura
bibliográfica apontada, é possível perceber algumas conexões e diferenças entre o
Colégio Providência de Mariana e o Colégio Nossa Senhora das Dores de Diamantina.
O Colégio de Mariana (1849) foi a primeira instituição confessional feminina
educacional em Minas Gerais e a sua experiência influenciou diretamente a fundação do
Colégio em Diamantina alguns anos depois (1867). Ambos foram fundados pelas freiras
vicentinas, solicitadas pelos bispos locais, vindas diretamente da França para exercer
tanto funções educacionais, quanto caritativas. Praticavam também uma educação
diferenciada para alunas pagantes e órfãs.
Os pontos levantados acima apontariam para a análise de possíveis aproximações
entre as instituições. E onde estaria a diferença nesta comparação? Estaria presente na
análise da história das sociedades locais, nas personagens que ocuparam os espaços
pesquisados, ou seja, na percepção das particularidades das freiras e das alunas, e nas
possíveis mestiçagens da cultura local com as novas instituições de ensino femininas.
Talvez nesta análise comparada, que aponte semelhanças e diferenças entre as
duas instituições, seja possível apontar caminhos para compreender até o motivo do
fechamento do Colégio Nossa Senhora das Dores na década de 1960 e a manutenção do
Colégio Providência até os dias atuais.
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(1780). In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ouro Preto: Imprensa Oficial de Minas Gerais, V. 02, 1897. Disponível em: www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/rapm/brtacervo.php?cid=75 . Acesso em 24 de novembro de 2007. P.353) 6 “(...) somente em 1789, após extenuante peregrinação burocrática pelas repartições da Corte, foi obtido o almejado benefício régio, através de despacho da Rainha Da. Maria I, que finalmente aprovou o estabelecimento e o tomou sob sua proteção. (...) O ato régio de aprovação de Macaúbas apenas foi despachado favoravelmente depois de predominar ali a intenção de se estabelecer um instituto educacional, sendo bastante explícitas as determinações da Rainha de que se reformassem os Estatutos do Recolhimento para se elaborar um plano completo de educação para as meninas.” (FARIA, 1977, p.134) 7 Na Enciclopédia Católica, a caridade se define como: “(...) un hábito divinamente infundido, que inclina al humano a amar a Dios por él mismo sobre todas las cosas, y al hombre por amor a Dios”.Divide-se entre o amor a Deus e o amor aos homens (amor próprio e amor ao próximo). Caridad. In: Enciclopedia Católica. Disponível em: http://www.enciclopediacatolica.com/a.htm . Acesso em 25 de novembro de 2007 8 Conférence du 19 juillet 1640, . Saint Sur la vocation de fille de la Charité Vincent de Paul.Entretiens aux filles de la charité. Tome IX. Disponível em: http://www.famvin.org/fr. Acesso em 08 de outubro de 2007. Livre tradução.
9 Conférence Du 07 Décembre 1643, Sur l’oeuvre dês enfants trouves.. Saint Vincent de Paul.Entretiens aux filles de la charité. Tome IX. Disponível em: http://www.famvin.org/fr. Acesso em 08 de outubro de 2007
10 “No que diz respeito à história da educação, a França do século XIX herdou mais o patrimônio educativo do Ancien Règime que o legado da Revolução e, ainda, acrescentou às desigualdades culturais, as de caráter social e sexual. O sistema educacional francês, calcado no princípio que a educação deve ser adaptada, tanto quanto possível, ao futuro social dos indivíduos, não apenas segregou o ensino feminino, como, também, criou perspectivas de instrução distintas entre as próprias mulheres.” (CARVALHO, 2003. p. 124)