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PEDAGOGIA DE PROJETO COM A FABRICAÇÃO DE PAPEL E CELULOSE: DEBATES DE QUÍMICA E AMBIENTE NO ENSINO MÉDIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO Cynthia Torres Daher Fortunato [email protected] Professor de Educação em Ciências, M.Ed. Instituto Federal do Espírito Santo – Campus Vitória Aracruz – Espírito Santo Frederico da Silva Fortuanto [email protected] Professor de Química, M.Sc. Instituto Federal do Espírito Santo – Campus Vitória Aracruz – Espírito Santo Sidnei Quezada Meirelles Leite [email protected] Professor de Educação em Ciências e Química, D.Sc. Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática Instituto Federal do Espírito Santo – Campus Vitória Vitória – Espírito Santo Resumo: O objetivo deste artigo é debater o ensino de Química a partir do tema socioambiental da fabricação de papel em uma escola pública estadual do município de Aracruz – Espírito Santo. Tratou-se de uma pesquisa qualitativa de cunho exploratório, desenvolvida a partir de atividades práticas, palestras e oficinas desenvolvidas à luz da pedagogia de projetos. As atividades realizadas com cinco alunos e alguns professores do ensino médio, foram fundamentadas na pedagogia de projetos, baseadas na perspectiva histórico-crítica e no enfoque CTSA. Ao realizar a abordagem temática, foi possível enfocar as questões locais e regionais do município de Aracruz, buscando resgatar conceitos de ciências e de tecnologia química articulados aos aspectos ambientais e sociais, promovendo nos alunos um conhecimento crítico de uma ciência, promovendo cidadania ativa em alunos do ensino médio. Palavras-chave: ensino de química, alfabetização científica, abordagem temática, pedagogia de projetos 1 INTRODUÇÃO Há muito a educação brasileira dá sinais de não cumprimento de seu papel na educação científica de adolescentes e as escolas públicas estaduais do Espírito Santo não ficam longe desta realidade. Promovem, ainda hoje, ensino fundamentado em conteúdos

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PEDAGOGIA DE PROJETO COM A FABRICAÇÃO DE PAPEL E CELULOSE: DEBATES DE QUÍMICA E AMBIENTE NO ENSINO

MÉDIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO Cynthia Torres Daher Fortunato – [email protected] Professor de Educação em Ciências, M.Ed. Instituto Federal do Espírito Santo – Campus Vitória Aracruz – Espírito Santo Frederico da Silva Fortuanto – [email protected] Professor de Química, M.Sc. Instituto Federal do Espírito Santo – Campus Vitória Aracruz – Espírito Santo Sidnei Quezada Meirelles Leite – [email protected] Professor de Educação em Ciências e Química, D.Sc. Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática Instituto Federal do Espírito Santo – Campus Vitória Vitória – Espírito Santo Resumo: O objetivo deste artigo é debater o ensino de Química a partir do tema socioambiental da fabricação de papel em uma escola pública estadual do município de Aracruz – Espírito Santo. Tratou-se de uma pesquisa qualitativa de cunho exploratório, desenvolvida a partir de atividades práticas, palestras e oficinas desenvolvidas à luz da pedagogia de projetos. As atividades realizadas com cinco alunos e alguns professores do ensino médio, foram fundamentadas na pedagogia de projetos, baseadas na perspectiva histórico-crítica e no enfoque CTSA. Ao realizar a abordagem temática, foi possível enfocar as questões locais e regionais do município de Aracruz, buscando resgatar conceitos de ciências e de tecnologia química articulados aos aspectos ambientais e sociais, promovendo nos alunos um conhecimento crítico de uma ciência, promovendo cidadania ativa em alunos do ensino médio. Palavras-chave: ensino de química, alfabetização científica, abordagem temática, pedagogia de projetos

1 INTRODUÇÃO

Há muito a educação brasileira dá sinais de não cumprimento de seu papel na educação científica de adolescentes e as escolas públicas estaduais do Espírito Santo não ficam longe desta realidade. Promovem, ainda hoje, ensino fundamentado em conteúdos

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descontextualizados, fragmentados, distantes do mundo real e encarnado; apoiado em armazenamento temporário de informações, sem priorizar a apropriação do conhecimento e em práticas pedagógicas distantes das atualmente propostas para o ensino de ciências (DELIZOICOV et al., 2002). Formação desta natureza não favorece a alfabetização científica (CHASSOT, 2003) e nem o despertar de vocações científicas. Como consequência, o Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo (PAEBES) tem confirmado tal realidade por meio de baixos desempenhos dos discentes de nível médio das escolas estaduais.

Um Estado que defende a produção de conhecimentos que auxiliem a compreensão da ciência, que busque formar cidadãos ativos, sabedores de seus direitos, cumpridores de seus deveres e que busque favorecer a autonomia desses cidadãos, não pode continuar promovendo práticas educativas que estimulem a passividade e a heteronomia. Nesse sentido, a presente pesquisa justificou-se na busca por oportunizar vivências de práticas pedagógicas embasadas nas vertentes atuais do ensino de ciências (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002) fundamentadas nos pressupostos teóricos do movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) (SANTOS; MORTIMER, 2002) na busca pelo favorecimento da alfabetização científica (CHASSOT, 2003). Acredita-se que tais experiências de ensino de ciências favorecem aprendizagem significativa dos discentes de nível médio, beneficiam produção de novas práticas pedagógicas no cotidiano escolar e a supressão/superação de tendências embasadas em concepções e práticas educacionais ainda fundadas em princípios tradicionais.

A escolha da temática fundamentou-se no propósito de favorecer aprendizagem de Química contextualizada ao estudo de tema de relevância para o ambiente econômico e social de Aracruz, tendo em vista o fato de existir no município, desde 1967, empresa brasileira de produção de celulose e papel que muito influi no desenvolvimento regional e nacional. A abordagem temática (AULER, 2003) favorece a promoção de integração entre conhecimentos de diferentes componentes curriculares como: Química, Biologia, Física, Matemática, Geografia e História, fato que oportuniza a interdisciplinaridade.

Neste trabalho defendemos o emprego de pedagogia de projetos na perspectiva histórico-crítica (SAVIANI, 2003), promovendo cidadania ativa no aluno do Ensino Médio da Escola Pública. Ao realizar um projeto escolar na perspectiva histórico-crítica, o aluno é levado a refletir sobre as questões locais e regionais a partir de um tema socioambiental problematizador. Por vezes, o aluno é levado confrontar o conhecimento construído a partir de suas experiências com o conhecimento ali apresentado, promovendo rupturas de paradigmas (DELIZOICOV et al., 2002).

O objetivo deste trabalho foi analisar o desenvolvimento o projeto escolar mediado pelo tema fabricação do papel, buscando compreender a relação ensino-aprendizagem promovida a partir das práticas pedagógicas. Ao realizar a prática pedagógica o aluno foi levado a compreender o seu espaço cotidiano, sua história e suas possibilidades de intervenção local e regional, superando a neutralidade da ciência e da tecnologia. Assim, acreditamos que uma química debatida na perspectiva histórico-crítica contribui com uma ampla evolução discente nos campos da cognição, da pesquisa, do vocabulário, da autonomia e da solidariedade (FREIRE, 1999).

2 METODOLOGIA

2.1 A pesquisa

Tratou-se de pesquisa qualitativa de cunho exploratório que visou proporcionar maior aproximação de todos os envolvidos com a temática em foco, desenvolvida por meio de

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estudo teórico, realização de oficinas, palestras acerca de temas afins à pesquisa e confecção de materiais de divulgação científica. Os sujeitos da pesquisa foram os discentes bolsistas, os docentes de ciências, a equipe envolvida na sua execução e, de maneira geral, toda comunidade escolar da escola estadual. A pesquisa teve duração de doze meses e objetivou investigar o ensino de Química vivenciado na escola investigada; favorecer alfabetização de discentes; despertar vocações científicas e incentivar talentos na busca de recursos humanos para o desenvolvimento do município e do Estado. A pesquisa contemplou levantamento, estudo e divulgação de conhecimentos acerca dos processos químicos, biológicos e físicos envolvidos na produção de celulose e papel, bem como os impactos ambientais, sociais e econômicos de tal produção para o município de Aracruz e para o Estado do Espírito Santo. Os bolsistas de iniciação científica júnior cumpriram carga horária de dez horas semanais, sempre no contra turno de sua matrícula regular, e a bolsista monitora, licencianda em Pedagogia, cumpriu carga horária de vinte horas semanais. Dessas horas semanais, quatro eram destinadas a encontros presenciais que aconteciam na escola estadual e no IFES. A monitora, licencianda em Pedagogia, acompanhou o cumprimento de todas as atividades/etapas da pesquisa e auxiliou os alunos de iniciação científica júnior, sempre orientada pela coordenadora do projeto, que também acompanhou os encontros presenciais. Suas atividades envolveram: orientação dos bolsistas júnior na execução das tarefas, no apoio à organização dos encontros de estudo, palestras e visitas, na confecção de relatórios periódicos, entre outros.

2.2 Local da pesquisa

A pesquisa desenvolveu-se em escola estadual de ensino médio localizada no centro da cidade de Aracruz, onde foram realizados parte dos encontros semanais e onde foi possível investigar o ensino de Química vivenciado pelos bolsistas de nível médio. Também aí foram promovidas palestras para discentes envolvendo temáticas de cunho científico e pedagógico. Parte dos encontros foram realizados no IFES/Aracruz, objetivando contato dos bolsistas com ambiente tecnológico, além de proporcionar acesso a recursos de pesquisa e local de atividades práticas e palestras. A escolha da referida escola estadual como origem dos alunos de iniciação científica júnior baseou-se no fato de esta apresentar grande número de alunos em vulnerabilidade social, com poucas oportunidades de desenvolver trabalho de pesquisa que incentive talentos potenciais e no interesse, disponibilidade e abertura de professores, pedagogas e direção da escola em oportunizar aprendizados e vivências de pesquisa aos seus alunos. O fato de a bolsista monitora ser licencianda em Pedagogia baseou-se na crença de que este grupo de profissionais necessita contato mais detido com conhecimentos que envolvam as ciências naturais, para que, ao atuarem como Pedagogos no nível médio, o façam de maneira fundamentada nas tendências atuais para o ensino de ciências tendo como referência os pressupostos teóricos do movimento CTS (SANTOS; MORTIMER, 2002).

2.3 Coleta e análise dos dados

A coleta de dados aconteceu por meio de: levantamento e estudo de bibliografias, realização de atividades práticas, oficinas, palestras acerca de temas afins à pesquisa e confecção de materiais de divulgação científica. O desenvolvimento metodológico do trabalho foi realizado com base em Marconi e Lakatos (2010) e apoiado em Laville e Dionne (1999). 3 O PROJETO ESCOLAR

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A pesquisa em tela buscou responder de que formas o ensino de Química mediado por temática de relevância social (AULER, 2003) favorece a apropriação de conhecimentos científicos, a compreensão da função social da ciência (SANTOS, 2007) e potencializa novas maneiras de ensinar/aprender Ciências. Nasceu de parceria entre Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), instituição responsável pelo desenvolvimento da pesquisa; uma a escola estadual de ensino médio de onde foram selecionados cinco alunos de iniciação científica júnior; a Faculdade de Aracruz (FAACZ), de onde foi selecionada a bolsista monitora licencianda em Pedagogia e a Fundação de Amparo a Pesquisa do Espírito Santo (FAPES), que aprovou a presente pesquisa por meio do edital CNPq/FAPES nº 011/2011 e subsidia-a por meio de auxílio financeiro e de bolsas. A equipe multidisciplinar de docentes do IFES é composta por Pedagoga/Farmacêutica e mestre em educação, Farmacêutico Doutorando em Biotecnologia e Engenheiro Químico doutor em Engenharia Química, todos docentes do curso de licenciatura em Química do IFES nos campi Aracruz/ES ou Vitória/ES. Foram organizadas diferentes ações por meio de diagnósticos de conhecimentos prévios e oficinas de desenvolvimento do projeto descritas abaixo:

a) diagnóstico dos saberes dos bolsistas e da monitora, licencianda em Pedagogia, acerca dos processos de produção de celulose e papel e seus impactos sociais, econômicos e ambientais, por meio de aplicação de questionário e da realização de grupos focais envolvendo os bolsistas e a coordenadora da pesquisa (FIGURA 1);

b) oficinas de estudo/revisão/aprofundamento de conceitos científicos fundamentais das diferentes áreas de conhecimento e que favoreceram a apropriação de conhecimentos pertinentes ao tema (FIGURA 2);

c) oficinas de confecção de fluxograma acerca das etapas de produção de celulose e papel; d) oficinas de produção de papel reciclado (FIGURA 3); e) oficinas de confecção de linha do tempo da produção de celulose e papel no mundo

(FIGURAS 4, 5 e 6); f) palestras de cunho científico e educacional promovidas por pesquisadores envolvidos e

convidados que contribuíram para dirimir possíveis dúvidas acerca de fundamentos conceituais necessários à leitura crítica da temática (FIGURA 7).

g) oficinas para socialização dos estudos bibliográficos por meio da apresentação de seminários para os componentes do grupo de pesquisa;

Figura 1: Momento de estudo dos bolsistas de IC Júnior

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Figura 2: Linha do tempo confeccionada pelos bolsistas de IC Júnior

Figura 3: Fluxograma confeccionado pelos bolsistas de IC Júnior, 2012

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Figura 4: Bolsista de IC Júnior produzindo papel reciclado, 2012. A: montagem da tela, B: picando papel para a massa, C: moldando a massa, D: secando o papel, E: papel úmido; F:

papel pronto

Figura 5: Imagens da palestra sobre biotecnologia

Figura 6: Imagens da palestra sobre cidadania

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Figuras 7: Seminários apresentados pelos bolsistas de IC Júnior

4. O PIBIC JR E A PRODUÇÃO DE PAPEL E CELULOSE Difícil imaginar como seria a vida sem o papel, este é um dos materiais mais importantes e versáteis que se conhece e suas propriedades químicas e físico-mecânicas permitem diferentes aplicações como: escrita e impressão, produção de jornais, papéis sanitários, embalagens (caixas e sacos) etc. Cada uma das finalidades citadas requer propriedades diferentes, como maior maciez para papeis sanitários e maior resistência para papeis de embalagens. Entende-se como realmente grave a possibilidade de crianças, adolescentes e jovens não conhecerem, ainda que minimamente, os processos envolvidos na produção de celulose e papel em uma região produtora de tais bens. É de grande relevância que o discente, sintonizado com sua realidade local, conheça e compreenda de que o papel é constituído, como é produzido, quais os recursos consumidos na sua fabricação, quais os impactos ambientais de sua produção, a história de sua produção desde 105 d.C., quando inicialmente utilizado na escrita pelos chineses, até os dias atuais, quando o Brasil ocupa lugar de destaque em nível mundial sendo o quarto produtor de celulose, com crescimento médio anual de 7,5% e o décimo produtor mundial de papel, com crescimento médio anual de 5,6% (BRACELPA, 2012). Além disso, é importante para os discentes e professores compreenderem que muito antes do seu contato com o produto final, o papel, houve desenvolvimento em pesquisa e tecnologias na obtenção de plantas mais apropriadas ao clima, solo, resistentes a doenças e pragas e com melhor qualidade para produção da celulose. Assim, discentes e professores têm noção do desenvolvimento tecnológico do município e do país relacionado ao setor produtivo de polpa celulósica e papel. Oportunizar a alunos do ensino médio e docentes em formação ou já formados a familiarização e apropriação desses conhecimentos, e de outros referentes à produção de celulose/papel, é contextualizá-los à realidade que os cerca e favorecer participação neste meio de forma cidadã e socialmente responsável, um dos principais objetivos desta pesquisa.

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5. A CONSTRUÇÃO DE UMA CIÊNCIA CRÍTICA NO ENSINO MÉDIO Com base no movimento CTS (SANTOS; MORTIMER, 2002), pode-se dizer que, atualmente, o ensino de ciências visa promover alfabetização científica (CHASSOT, 2003) de discentes da educação básica, partindo de perspectivas histórico-culturais (MIZUKAMI, 1986), beneficiando a formação de cidadãos ativos teoricamente fundamentados, tecnicamente competentes e socialmente comprometidos com a melhoria da qualidade de vida de sua comunidade e, consequentemente, do planeta. A alfabetização científica é processo sempre em construção, inicia-se com uma educação fundamentada em princípios progressistas que partem sempre de análises críticas das realidades sociais e que sustentam, de forma implícita, as finalidades sociopolíticas da educação. Nesse sentido, CHASSOT (2003) alerta para o fato de que o analfabeto científico não é capaz de realizar leitura crítica do mundo, torna-se passivo na medida em que tudo vê, pouco compreende e dificilmente consegue intervir. Ainda CHASSOT indica que

[...] seria desejável que os alfabetizados cientificamente não apenas tivessem facilitada leitura do mundo em que vivem, mas entendessem as necessidades de transformá-lo – e, preferencialmente, transformá-lo em algo melhor. Tenho sido recorrente na defesa da exigência de, com a ciência, melhorarmos a vida no planeta, e não torná-la mais perigosa, como ocorre, às vezes, com maus usos de algumas tecnologias (p.94, 2003).

O projeto “Alfabetização científica e a produção de celulose e papel” buscou contribuir para formação deste cidadão, primando por valores humanos e valorizando os aspectos sociocientíficos, muitas vezes esquecidos no estudo de ciências do ensino médio. A abordagem temática é tendência no ensino de ciências que surge como alternativa ao tratamento meramente conceitual. Representa tentativa de progressiva superação de ensino unicamente propedêutico e disciplinar (AULER, 2003) por meio de contextualização. Tal perspectiva favorece a sintonia entre os conceitos estudados com a realidade local e com temas de relevância social. Nessa perspectiva, a história da ciência tem importância destacada no sentido de oportunizar reflexão crítica acerca dos conhecimentos produzidos no passado, conhecimentos estes nunca neutros, que remetem à compreensão dos dias atuais e podem favorecer a construção de dias futuros melhores, pois como já afirmado por VOLPATO (2000) “ou o século XXI se dedica aos valores humanos ou de nada valeram os avanços tecnológicos até agora alcançados”. A abordagem temática também tem a seu favor a possibilidade de oportunizar enfoques interdisciplinares, ou quem sabe até, transdiciplinares do conhecimento (FAZENDA, 2008). De acordo com AULER (2003), apoiando a perspectiva da abordagem temática estão os pressupostos do movimento CTS e os pressupostos do educador Paulo Freire, que valorizou a formação desse cidadão ativo por meio de educação libertadora. Segundo Auler (2003): O movimento CTS, emergente por volta de 1960-1970, em alguns contextos específicos, postula, dentre outras coisas, a superação do modelo de decisões tecnocráticas relativamente a temas sociais que envolvem CT. Freire, por sua vez, enfatiza a necessidade da superação da “cultura do silêncio” para a constituição de uma sociedade mais democrática. Preliminarmente cabe destacar que a compreensão que pauta esta aproximação está balizada por uma concepção de não neutralidade da CT (p. 2). Outra tendência no ensino de ciências é o ensino por investigação. Nesta perspectiva busca-se ensinar a fazer perguntas antes de fornecer respostas, provoca-se a vontade de saber. Assim, ensinar por investigação requer incentivo à curiosidade por meio de problematizações que suscitem a formulação de hipóteses que, por sua vez, poderão ser investigadas/testadas.

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Desse modo, a presente pesquisa buscou provocar a curiosidade do aluno no sentido de levá-lo a investigar respostas acerca dos processos envolvidos na produção de celulose e papel e dos seus impactos sociais, econômicos e ambientais e, assim, forjar a formação do cidadão sintonizado com o mundo que o cerca. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi possível constatar que, a partir da pedagogia de projeto articulado à abordagem temática, houve um relevante crescimento dos bolsistas em nível de autonomia, relações interpessoais, ampliação de vocabulário e conhecimento científico. Tais avanços foram averiguados quando, a partir deles, partiam questionamentos e respostas aos próprios questionamentos e sugestões de percursos metodológicos para execução de tarefas/atividades. Tarefas executadas pelos bolsistas júnior e apoiadas pela bolsista licencianda em Pedagogia:

a) -investigação de setor internacional e brasileiro de celulose e papel, e elaboração de gráficos com os cinco maiores produtores mundiais de celulose e os dez primeiros produtores mundiais de papel. Alguns alunos embora tivessem familiaridade com o uso do mecanismo de busca, Multimídia e Download tiveram dificuldades na construção dos gráficos de barra utilizando planilha do BrOffice Calc. Após a construção dos gráficos foi solicitada interpretação dos dados obtidos.

b) Participação em palestra de Biotecnologia. Antes da palestra foi aplicado questionário de sondagem dos conceitos prévios de Biotecnologia que são ministrados no ensino médio nas disciplinas de Química e Biologia e utilizados durante a pesquisa: estrutura do DNA, hibridação e clonagem de plantas, seleção de novas variedades de plantas, plantas transgênicas, engenharia genética e composição química da madeira. Após a sondagem foi ministrada palestra. Analisando os resultados do diagnóstico constatou-se o desconhecimento, por parte dos discentes, de alguns vocabulários, como: polipeptídeos, ácidos graxos, purina, pirimidina, RNA, antitripsina, replicação, entre outros. Interessante destacar que os discentes, inicialmente, não associaram as siglas DNA a ácido desoxiribonucléico e RNA a ácido ribonucléio. Constatou-se tal fato quando, ao sublinharem as palavras desconhecidas contidas no questionário, os discentes sublinharam as expressões: desoxiribonucléico e ribonucléico e não a palavra ácido, escrita logo à frente. Também foi evidenciada dificuldade em compreender a diferença entre os blocos químicos de construção da vida, principalmente a diferença entre ácidos nucléicos e proteínas. Houve confusão entre o que são plantas transgênicas, mudas clonais, hibridação e “experimentação in vitro”. As expressões “(...) celulose é um polissacarídeo” e “(...) a celulose é o composto orgânico mais abundante na natureza” eram parcialmente compreendidas pelos bolsistas. Após a palestra proferida por um dos pesquisadores envolvidos no projeto e as correções conceituais, foi realizado, pelos discentes, seminário com o tema “Aplicações da Biotecnologia na produção de Papel e Celulose”, no intuito de oportunizar melhor apropriação do conhecimento e também foram confeccionados atividade de caça-palavras e palavras cruzadas com os novos vocabulários apropriados pelos discentes.

c) A composição química da madeira envolveu oficinas de estudo completa de dois artigos da revista Química Nova na escola, a saber: Carboidratos: Estrutura, Propriedades e Funções e Papel: Como se fabrica e leitura parcial do artigo “Aplicações de fibras lignocelulósicas na química de polímeros e em compósitos” da revista Química Nova. Os artigos foram lidos separadamente pelos alunos e depois, em outro momento, debate

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mediado pela coordenadora do projeto. Tais estudos e debates demonstraram ser decisivos no favorecimento à apropriação de novos conceitos por parte dos bolsistas.

d) A produção de papel reciclado foi atividade desenvolvida pelos bolsistas, desde a confecção dos moldes e telas, preparo da massa, modelagem e secagem do papel. Tal atividade, além de favorecer momento lúdico e prazeroso da pesquisa, contribuiu de forma significativa para despertar compromisso social de cada um no uso responsável do produto, para o reconhecimento da importância da reciclagem como meio de racionalizar recursos naturais envolvidos na produção industrial, além de favorecer o conhecimento das etapas e fundamentos envolvidos na reciclagem de papel.

Assim, foi possível perceber resultados consistentes no que tange favorecimento à

aprendizagem de Química por meio de ensino por investigação, contextualizado, interdisciplinar, ativo, lúdico e desafiador. Esses resultados demonstraram que o enfoque CTSA na perspectiva histórico-crítica, promove um espírito científico a partir das reflexões críticas. Entende-se que esta pesquisa apresentou relevante oportunidade de contribuir para formação política e cidadã de discentes e docentes, de forjar novas e prazerosas formas de ensinar/aprender Química e de despertar vocações científicas e tecnológicas por meio do incentivo de talentos potenciais na busca de recursos humanos de interesse para o desenvolvimento científico e tecnológico do município de Aracruz e do Estado do Espírito Santo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AULER, D. Alfabetização Científico-Tecnológica: um novo “paradigma”?. ENSAIO-Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 5, n. 1, p.1-16, mar. 2003. BRACELPA, Associação Brasileira de Celulose e Papel. Dados do setor. Disponível em: <http://www.bracelpa.org.br/bra2/sites/default/files/estatisticas/booklet.pdf>. Acesso em: 26 fev. 2012, 10:26:00. CHASSOT, Attico. Alfabetização científica: uma possibilidade para a inclusão social. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 22, p. 90-100, Jan.-Apr. 2003. DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J.A.; PERNAMBUCO, M.M. Ensino de ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. FAZENDA, Ivani (Org.). O que é interdisciplinaridades? São Paulo: Cortez, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 12. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. JUNIOR FRANSCISCO, W. E. Carboidratos: Estrutura, Propriedades e Funções.Química Nova na Escola, nº 29, p. 8-13, 2008. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010. LAVILLE, C.; DIONNE, J. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Editora Artes Médica Sul, 1999.

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MIZUKAMI, Maria da Graça N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: Editora Pedagógica Universitária, 1986. SANTOS, C. P.; REIS, I. N. dos; MOREIRA, J. E. B.; BRASILEIRA, L. B. Papel: Como se fabrica? Química Nova na Escola, nº 14, p. 3-7, 2001. SANTOS, W.L.P. dos. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 12, n. 36, p. 474-550, set./dez. 2007. SANTOS, W.L.P. dos; MORTIMER, E.F. Uma análise de pressupostos teóricos da abordagem C-T-S (Ciência – Tecnologia – Sociedade) no contexto da educação brasileira, ENSAIO-Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p.1-23, Dez. 2002. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2003. SILVA, R.; HARAGUCHI, S. K.; MUNIZ, E. C.: RUBIRA, A. F. Aplicações de fibras lignocelulósicas na química de polímeros e em compósitos. Quim. Nova, v. 32, nº. 3, p. 661-671, 2009. VOLPATO, Gilson. Ciência: da filosofia à publicação. 2. ed. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2000.

PEDAGOGY OF PROJECT TO MANUFACTURE OF PULP AND PAPER: DEBATES OF CHEMICAL AND ENVIRONMENTAL PUBLIC SCHOOL IN THE

ESPÍRITO SANTO

Abstract:The aim of this paper is to discuss the teaching of chemistry from the social and environmental issue of papermaking in a public school in the municipality of Aracruz - the Espírito Santo. This was an exploratory qualitative research, developed from practical activities, lectures and workshops held in the light of projects pedagogy. The activities carried out with five students and some high school teachers, were grounded in the pedagogy of projects based on the historical-critical approach and the CTSA. In conducting the thematic approach, it was possible to address local issues and regional municipality of Aracruz, seeking to rescue the concepts of science and chemical technology to articulate environmental and social aspects, fostering in students a critical understanding of a science, promoting active citizenship in students high school. Keywords: chemical education, scientific literacy, thematic approach, the project practice