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  • Antonio Sol Cava

    Edson Pereira da Silva

    Gisele Lbo-Hajdu

    Volume 1

    Evoluo

    Apoio:

  • Referncias Bibliogrfi cas e catalogao na fonte, de acordo com as normas da ABNT.

    Copyright 2004, Fundao Cecierj / Consrcio Cederj

    Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrnico, mecnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Fundao.

    ELABORAO DE CONTEDOAntonio Sol CavaEdson Pereira da SilvaGisele Lbo-Hajdu

    COORDENAO DE DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONALCristine Costa Barreto

    DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL E REVISOJos MeyohasMaria Helena HatschbachMarta Abdala

    REVISO TCNICAMarta Abdala

    S685eSol-Cava, Antonio.

    Evoluo v.1 / Antonio Sol-Cava. Rio de Janeiro: Fundao CECIERJ, 2010.

    172p.; 19 x 26,5 cm.

    ISBN: 85-7648-065-4

    1. Evoluo. 2. Equilbrio de Hardy-Weinberg. 3. Sntese evolutiva. 4. Mutao. 5. Mtodos em evoluo. I. Silva, Edson Pereira da. II. Lbo-Hadju, Gisele. III. Ttulo.

    CDD: 576.82010/1

    EDITORATereza Queiroz

    COORDENAO EDITORIALJane Castellani

    COPIDESQUENilce Rangel Del Rio

    REVISO TIPOGRFICAKtia Ferreira dos SantosPatrcia Paula

    COORDENAO DE PRODUOJorge Moura

    PROGRAMAO VISUALFbio Guimares

    COORDENAO DE ILUSTRAOEduardo Bordoni

    ILUSTRAOFabiana Rocha

    CAPAFabiana Rocha

    PRODUO GRFICAPatricia Seabra

    Departamento de Produo

    Material Didtico

    Fundao Cecierj / Consrcio CederjRua Visconde de Niteri, 1364 Mangueira Rio de Janeiro, RJ CEP 20943-001

    Tel.: (21) 2334-1569 Fax: (21) 2568-0725

    PresidenteMasako Oya Masuda

    Vice-presidenteMirian Crapez

    Coordenao do Curso de BiologiaUENF - Milton Kanashiro

    UFRJ - Ricardo Iglesias RiosUERJ - Cibele Schwanke

  • Governo do Estado do Rio de Janeiro

    Secretrio de Estado de Cincia e Tecnologia

    Governador

    Alexandre Cardoso

    Srgio Cabral Filho

    Universidades ConsorciadasUENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIROReitor: Almy Junior Cordeiro de Carvalho

    UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitor: Ricardo Vieiralves

    UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitora: Malvina Tania Tuttman

    UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIROReitor: Ricardo Motta Miranda

    UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROReitor: Alosio Teixeira

    UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEReitor: Roberto de Souza Salles

  • Evoluo

    Aula 1 Introduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas ______ 7 Antonio Sol Cava

    Aula 2 Evidncias da Evoluo ______________________________ 21

    Antonio Sol Cava

    Aula 3 Histrico do estudo da Evoluo _______________________ 41

    Edson Pereira da Silva

    Aula 4 A nova sntese evolutiva _____________________________ 55 Edson Pereira da Silva

    Aula 5 Freqncias gnicas e genotpicas, heterozigosidade, populaes, modelos e introduo ao Equilbrio de Hardy-Weinberg __________________________________ 69

    Gisele Lbo-Hajdu

    Aula 6 Equilbrio de Hardy-Weinberg: aplicaes e implicaes _____ 85 Gisele Lbo-Hajdu

    Aula 7 Equilbrio de Hardy-Weinberg: violaes dos pressupostos alelos mltiplos , genes ligados ao sexo e mais de um loco __ 99

    Gisele Lbo-Hajdu

    Aula 8 Marcadores moleculares no estudo da Evoluo __________111 Edson Pereira da Silva

    Aula 9 Mutao. Suas origens e efeitos evolutivos ______________131 Gisele Lbo-Hajdu

    Aula 10 Modelos deterministas e estocsticos em Evoluo _______149

    Antonio Sol Cava

    Referncias _______________________________________169

    SUMRIO

    Volume 1

  • Ao fi nal desta aula, voc dever ser capaz de:

    Associar o pensamento evolutivo com o equilbrio entre a mudana e a estabilidade.

    Apresentar hipteses para a explicao de fenmenos da Natureza ligados evoluo.

    objetivos1AULAIntroduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas

  • 8 C E D E R J

    Evoluo | Introduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas

    INTRODUO

    Apesar de a palavra evoluo ter muitos sentidos, em Biologia,

    evoluo quer dizer mudana nos genes ou em suas propores

    nas populaes. Repare que evoluo no quer dizer progresso!

    Evoluo apenas mudana, sem que seja necessariamente

    para melhor ou para pior. Em Biologia, o que melhor para um

    organismo em um momento pode ser pior em outro.

    Coisas so semelhantes. Por isso a cincia possvel. Coisas

    so diferentes. Por isso a cincia necessria.

    Richard Lewontin, 1983

    A base da teoria evolutiva a dialtica entre o que muda e o que

    permanece. Se a taxa de mutao nos genes fosse muito maior

    do que (por exemplo, se 1% dos genes, ao serem duplicados,

    sofresse mutaes), a vida no planeta no seria possvel do

    jeito que a conhecemos. Por outro lado, se a mutao no

    existisse, ou seja, se os sistemas de replicao fossem perfeitos,

    a evoluo no seria possvel.

    Evoluo o processo unifi cador da Natureza. ela que nos liga, por laos

    de ancestralidade, a todos os seres vivos do planeta. Ela a nossa histria,

    a origem das relaes ecolgicas, da diversidade do planeta. na evoluo

    que encontramos a explicao para a taxonomia. Foi a evoluo que gerou a

    complexidade celular, as relaes fi siolgicas e os processos bioqumicos. Todas

    essas frases refl etem o papel da evoluo na formao histrica do mundo atual.

    Foi por isso que a frase sobre a importncia fundamental da evoluo (...nada

    faz sentido seno luz da evoluo.) foi citada, tanto na Aula 8, de Grandes

    Temas em Biologia, como na primeira aula do curso de Gentica.

    De fato, o estudo da evoluo envolve tantos outros estudos, que essa matria

    dada somente aps os alunos de Biologia terem sido devidamente apresentados

    Gentica, Dinmica da Terra, Ecologia e Taxonomia dos Seres Vivos.

    A evoluo a explicao integradora da biodiversidade em todos os seus

    nveis. Seu estudo envolve a observao dos seus resultados e a formulao de

    hipteses sobre como foram produzidos esses resultados. Ele envolve tambm

    a previso, baseada nessas hipteses, sobre resultados ainda no observados.

    Mas... o que a evoluo? Pense e responda: como voc defi niria evoluo?

  • C E D E R J 9

    AU

    LA 1

    Organic life beneath the shoreless wavesWas born and nursed in oceans pearly caves;First forms minute, unseen by spheric glass,Move on the mud, or pierce the watery mass;These, as successive generations bloom,New powers acquire and larger limbs assume;Whence countless groups of vegetation spring,And breathing realms of fi n and feet and wing.

    A vida orgnica nos mares sem fi mnasceu e cresceu nas cavernas brilhantes das ondas;primeiro formas minsculas, invisveis s lentes,moviam-se na lama, ou atravessavam os oceanos; Essas, na exploso de novas geraes.Novos poderes adquirem e novos membros desenvolvem;onde inmeros grupos de vegetao aparecemE os reinos de organismos de nadadeiras, e ps e asas.

    Erasmus Darwin. The temple of nature, 1802.

    Erasmus Darwin acreditava na evoluo, apesar de no propor um mecanismo plausvel para ela. Essa tarefa teve de esperar duas geraes, at que seu neto, Charles Darwin, propusesse a teoria da seleo natural.

    Os processos evolutivos so convencionalmente divididos em

    microevoluo e macroevoluo. A microevoluo entendida como a

    parte dos processos envolvidos nas mudanas de freqncias dos genes

    nas populaes. Esses processos esto associados s foras evolutivas

    da mutao, seleo natural e variaes aleatrias (deriva gnica) e ao

    efeito da migrao entre populaes diferentes. A macroevoluo est

    relacionada com as mudanas geolgicas e seus resultados; ela lida com

    as grandes mudanas evolutivas, com a formao dos vrios grupos de

    organismos e com os processos envolvidos. A microevoluo envolve a

    gentica das populaes e a especiao lenta e gradual dessas populaes.

    A macroevoluo envolve a evoluo acima do nvel de espcie e as

    mudanas bruscas que podem provocar especiaes aceleradas. Esses

    dois termos foram criados pelo entomlogo russo Iuri Filipchenko, em

    1927, no primeiro estudo em que tentava integrar a gentica mendeliana

    com a evoluo. Como ele publicou em alemo, os termos no foram

    incorporados ao vocabulrio dos evolucionistas at que, dez anos mais

    tarde, um aluno dele, chamado Theodosius Dobzhansky (voc j leu

  • 10 C E D E R J

    Evoluo | Introduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas

    sobre esse importante pesquisador na Aula 8, de Grandes Temas em

    Biologia), usou os dois termos em ingls, no seu famoso livro Gentica

    e a origem das espcies.

    Para alguns evolucionistas, sobretudo da escola anglofnica

    (basicamente Inglaterra e EUA), a macroevoluo nada mais que o

    acmulo de passos microevolutivos; nesse caso, seria o resultado direto

    da microevoluo. Essa viso de continuidade entre micro e macroevoluo

    constitui a escola gradualista. Para outros evolucionistas, sobretudo na

    Europa continental (mas incluindo tambm um dos fundadores da teoria

    evolutiva moderna, o ingls Ernst Mayr, e evolucionistas norte-americanos

    importantes, como STEPHEN JAY GOULD e Niles Eldredge), apesar de os

    processos microevolutivos contriburem de maneira fundamental para a

    macroevoluo, existem tambm processos macroevolutivos especiais, que

    no podem ser vistos como simples resultado de acmulo microevolutivo.

    Um exemplo a teoria do equilbrio pontuado, pela qual as espcies, uma

    vez originadas, evoluem muito lentamente, por estarem bem adaptadas

    ao seu meio, embora, em momentos de crises ambientais especfi cas, elas

    evoluam muito rapidamente, em exploses de especiao.

    Entendeu por que MICRO e MACRO? que a micro realizada

    devagar, devagarzinho, constitui a soma de pequenos passos de mutao

    e modifi cao gradual das freqncias dos genes, enquanto a macro realiza-

    se em grande escala, com passos de sete lguas.

    Na primeira parte de nosso curso (primeiro mdulo), veremos os

    processos evolutivos envolvidos na microevoluo. J no segundo mdulo,

    verifi caremos a interao entre microevoluo e macroevoluo, os

    processos evolutivos exclusivamente macroevolutivos e as conseqncias

    ecolgicas da evoluo. Ao longo deste curso, voc poder ver como o

    estudo da evoluo permite que sejam feitas hipteses sobre as relaes

    fi logenticas entre as espcies e como fenmenos ecolgicos (como

    a evoluo de predadores e presas, as defesas qumicas e as relaes

    complexas entre espcies diferentes) podem ter-se originado. Voc ver

    como as espcies se originam, e como podemos detectar geneticamente a

    presena de espcies diferentes, mesmo quando elas so to parecidas a

    ponto de confundirem os taxonomistas. Ver tambm como o estudo da

    evoluo pode ser til para aqueles que, como voc, se preocupam com

    a preservao das espcies.

    STEPHEN JAY GOULD

    Foi um grande paleontologista, humanista e maravilhoso divulgador da Cincia. Ele escreveu vrios livros que foram traduzidos para o Portugus; so deliciosos de serem lidos e tratam de questes cientfi cas de maneira simples e fascinante. Alguns exemplos so: Darwin e os grandes enigmas da vida, O polegar do panda, Quando as galinhas tiveram dentes, O sorriso do fl amingo e Vida maravilhosa.

    MICROEVOLUO

    Evoluo que resulta apenas do acmulo de pequenas mudanas nas freqncias dos genes.

    MACROEVOLUO

    Evoluo que resulta de grandes mudanas, tanto no aceleramento ocasional dos processos de especiao como nas divergncias entre os grandes grupos de organismos.

  • C E D E R J 11

    AU

    LA 1

    EVOLUO COMO PROCESSO DIALTICO

    A base da teoria evolutiva a dialtica entre o que muda e o que

    permanece. A teoria evolutiva tambm deve levar em conta o resultado

    da mudana que a coisa alterada provoca em seu redor. Assim, em vez

    de vermos apenas o ambiente como guia das mudanas adaptativas dos

    organismos, vemos tambm os organismos mudando o ambiente. Um

    exemplo bem claro desse processo a evoluo da aerobiose no planeta.

    Como nos outros planetas do nosso sistema solar, onde freqentemente

    o oxignio est ausente, a concentrao de oxignio livre na atmosfera

    primitiva da Terra era muito baixa (0,01%). Isso permitiu o aparecimento

    e a concentrao de compostos orgnicos nos oceanos, sem que eles

    sofressem ataques oxidativos dos gases da atmosfera neles dissolvidos.

    Aps o surgimento da vida e sua primeira diversifi cao, todos os

    organismos viviam em condies anaerbicas (ou seja, sem oxignio),

    conforme ainda encontramos em alguns grupos de bactrias no oceano

    (em fontes hidrotermais no mar profundo) ou em terra (como a bactria

    do ttano, que morre em contato com o oxignio, e por isso a gua

    oxigenada efi caz para ajudar a limpar feridas). A maneira anaerbica

    de viver permaneceu no planeta por muitos milhes de anos usando,

    como fonte de energia para vida, os compostos orgnicos e inorgnicos

    acumulados nos oceanos nos milhes de anos anteriores.

    No entanto, eventualmente surgiram bactrias capazes de usar

    uma nova forma de energia: a luz do Sol. A vantagem de usar a luz

    solar como fonte de energia para a vida era enorme, por ela ser abundante.

    como era feito anteriormente pelas bactrias anaerbicas, essa energia

    era usada para reduzir compostos orgnicos, dessa vez, porm, era usada

    com o hidrognio nascente da hidrlise da gua (H2O 2 H+ + O-). Se

    o hidrognio produzido era til para a bioqumica dessas clulas, o mesmo

    no se pode dizer do oxignio, que era txico; desse modo, a evoluo da

    fotossntese s foi possvel com os efeitos da diluio do oxignio na gua

    (lembre-se de que tudo isso estava acontecendo na gua, onde se originou

    e permaneceu, por milhes de anos, a vida). Voc observou o ttulo desta

    seo, A evoluo como processo dialtico? No dicionrio, vemos que

    dialtica , segundo a Filosofi a, o desenvolvimento de processos gerados

    por oposies que provisoriamente se resolvem em unidades. Ento me diga:

    Onde est a dialtica dessa histria do oxignio que estamos vendo? Quais

    so as oposies? E qual foi a resoluo dessas oposies?

  • 12 C E D E R J

    Evoluo | Introduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas

    Hoje em dia, como voc sabe, o oxignio indispensvel vida

    da maior parte dos seres vivos. Mas ele, como vimos ainda h pouco,

    no era necessrio antigamente. Muito ao contrrio, ele era txico. Era

    txico para a vida que existia, embora tenha sido gerado por ela mesma.

    A est a contradio, ou a oposio, como diz o dicionrio.

    O que as primeiras bactrias fotossintetizantes queriam era o

    hidrognio, mas como o tiraram da gua, sobrava o oxignio que, por sua

    vez, era um produto txico de excreo. No incio, a resposta evolutiva

    a esse desafi o foi o aparecimento de mecanismos de defesa contra os

    radicais livres do oxignio (como as enzimas peroxidases, catalases e

    superxido-dismutases). Mas a resoluo dessas oposies foi a volta

    por cima que a Natureza deu, transformando o oxignio de coisa txica

    a coisa necessria vida... Vamos continuar ento nossa histria.

    A vantagem evolutiva de usar a luz do Sol como fonte de energia

    foi to grande que as bactrias fotossintetizantes proliferaram e acabaram

    dominando todos os ambientes iluminados do mar. Ao mesmo tempo,

    esse crescimento produziu um efeito poluidor devastador sobre as outras

    espcies. Por causa da fotossntese, o oxignio aumentou, mais de 2.000

    vezes sua concentrao na atmosfera, chegando aos 22% atuais (lembre

    que, na atmosfera primitiva, o oxignio fazia s 0,01% do ar e dos

    gases dissolvidos na gua). Na histria da Terra, essa transformao no

    meio ambiente, causada pela evoluo da fotossntese, provavelmente

    provocou uma das maiores extines de espcies (em proporo s

    espcies totais). Ao mesmo tempo, o aumento da concentrao do

    oxignio permitiu a evoluo da respirao aerbica, energeticamente

    muito mais efi ciente do que a respirao anaerbica (como voc viu no

    curso de Bioqumica). O aparecimento da novidade evolutiva do uso

    de oxignio na respirao transformou-o de elemento extremamente

    txico em elemento fundamental na evoluo da vida no planeta, e a

    respirao aerbica foi to bem-sucedida que quase todas as espcies

    atuais necessitam do oxignio para viver. Desse modo, no incio da vida

    no planeta a maioria das espcies, no conseguiria viver na atmosfera

    atual, assim como a maioria das espcies atuais no conseguiria viver na

    atmosfera primitiva do nosso planeta. Essa a dialtica da evoluo: o

  • C E D E R J 13

    AU

    LA 1

    meio ambiente seleciona as espcies e as espcies modifi cam o ambiente,

    em processo contnuo. Voc pode pensar em outros exemplos em que as

    espcies mudam o ambiente, permitindo a evoluo de outras espcies?

    O nmero de exemplos enorme. Na verdade, a Evoluo e a

    Ecologia esto cheias de casos em que uma espcie modifi ca o ambiente

    afetando diretamente ela mesma e outras espcies. Exemplos clssicos so as

    sucesses ecolgicas, em que cada espcie aparece em um certo momento, que

    determinado pelas espcies que apareceram antes e pelas transformaes que

    elas provocaram no ambiente. Quando um navio afunda, por exemplo, no

    incio ele no colonizado; pouco a pouco, no entanto, bactrias e microalgas

    vo crescendo sobre ele. Essas bactrias vo acabar preparando a superfcie

    do navio para ser colonizado por outros organismos que, por sua vez, vo

    servir de substrato para outros, e assim por diante... No fi nal, o que vemos

    um esqueleto de navio, que mais parece um pedao de recife, tantos so os

    organismos que acabam vivendo sobre ele. Outro exemplo de modifi cao

    aquela que os vegetais fazem no solo, transformando rochas e detritos

    de plantas e animais em terra, que servir para o crescimento de outras

    plantas. Outros tipos so as vrias espcies de parasitas, que evoluram

    somente depois de seus hospedeiros terem aparecido (afi nal, uma parte

    do meio ambiente do parasita o hospedeiro).

    PENSANDO A NATUREZA

    Formulamos, a seguir, algumas perguntas para voc. Procure respond-

    las de todas as maneiras possveis. Medite sobre cada uma, com cuidado.

    Imagine cenrios alternativos ao da evoluo para respond-las. Por exemplo,

    ser que o fato de serem encontrados fsseis diferentes nas camadas mais

    profundas resultado apenas dos pesos diferentes dos organismos? Ser que

    o fato de no serem encontrados fsseis de mamferos nas rochas mais antigas

    pode ser devido a alguma coisa, como uma difi culdade maior de se preservar os

    fsseis de mamferos em relao aos fsseis de moluscos? Solte sua imaginao!

    Mas considere tambm as respostas que envolvem a evoluo, e veja como

    ela poderia ser usada para responder a cada pergunta.

  • 14 C E D E R J

    Evoluo | Introduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas

    Procure usar o que voc j aprendeu em Gentica, Dinmica da

    Terra, Citologia, Bioqumica, Zoologia e Botnica para abordar cada

    pergunta. No se esquea de que porque sim ou porque no no

    so respostas! Escreva as respostas que voc consegue encontrar para

    cada pergunta. Se puder, discuta-as com algum colega ou com os tutores.

    Ateno: a busca das respostas a cada pergunta em cursos anteriores e a

    discusso com amigos, familiares etc. muito importante. Ao contrrio

    das outras aulas do nosso curso, voc no ter as respostas ao fi nal

    desta aula. Essas perguntas so colocadas aqui para sua refl exo e

    como material para todo nosso curso de Evoluo. Voc deve guardar

    as respostas escritas e compar-las com o que for aprendendo ao longo

    das prximas aulas.

    1. Por que os fsseis, em camadas diferentes de rocha

    e, independentemente, em vrios locais do mundo, tendem a

    se agrupar, e se encontram por exemplo, fsseis de mamferos

    somente nas camadas mais superfi ciais, ao passo que fsseis de

    esponjas aparecem em todas as camadas?

    2. Por que encontramos fsseis de samambaias tropicais

    na Antrtida?

    3. Por que todos os seres vivos usam cidos nuclicos (DNA

    e RNA) como molcula responsvel pela hereditariedade, se vrias

    protenas poderiam exercer essa funo igualmente bem?

    4. Por que todos os animais usam o ciclo de Krebs para

    sua respirao aerbica e o ATP como molcula transportadora

    de energia, se existem tantas maneiras diferentes de produzir e

    transmitir energia a partir do piruvato?

    5. Por que no existem vertebrados com quatro patas e

    com asas ao mesmo tempo? (Imagine como seria til a um tigre

    se ele pudesse voar, ou mesmo planar, ao tentar capturar sua

    presa, ou como seria til para uma guia se ela tivesse mos

    para ajud-la a fazer seu ninho.)

    Figura 1.1

  • C E D E R J 15

    AU

    LA 1

    6. Por que as baleias e golfi nhos no tm brnquias?

    7. Por que gneros de rpteis que vivem a vida inteira

    em locais sem nenhuma luz tm olhos (ainda que ocultos) por

    baixo da pele?

    8. Por que, pergunta-se, nos cromossomos, os nossos

    pseudogenes, ntrons e transposons (voc aprendeu a respeito

    dessas seqncias de DNA no curso de Gentica) encontram-se

    em geral nas mesmas posies, que aqueles outros segmentos

    dos demais primatas, mesmo sabendo que a maior parte dessas

    seqncias de DNA nessas espcies no so teis para nada?

    9. Por que as seqncias de DNA so mais semelhantes

    entre um golfi nho e um camundongo do que entre um golfi nho

    e um atum?

    10. Por que os insetos morriam rapidamente quando expostos

    ao DDT, nos anos 1950, e atualmente so muito mais resistentes?

    (o mesmo vale para a resistncia das bactrias a antibiticos).

    11. Abaixo, temos o desenho de um embrio de golfi nho

    (Stenella attenuata). Por que, apesar de os golfi nhos no terem

    membros inferiores (nem sequer transformados em nadadeiras),

    seus embries apresentam os primrdios de braos (bb na

    fi gura) e pernas (bp na fi gura)? Note que esses pequenos braos

    e pernas j tm ossos, veias e nervos de membros verdadeiros,

    que so reabsorvidos ao longo da gravidez.

    Figura 1.2: Embrio do golfi nho.

    bb

    bp

    bb = Broto do Brao

    bp = Broto da Perna

  • 16 C E D E R J

    Evoluo | Introduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas

    12. Como foi possvel, a partir de cruza-

    mentos que comearam com a domesticao de

    lobos selvagens (Canis rufus) na sia, h cerca de

    14.000 anos (esse nmero se baseia em evidncias

    arqueolgicas e moleculares), criar um nmero

    to grande de tipos de cachorro, do chiuaua ao

    pastor alemo?

    EPLOGO, OU O FIM DO COMEO

    Agora, que voc tem as respostas a essas perguntas (voc as tem,

    no ?), temos de levar em conta uma coisa importante: para qualquer

    fenmeno da Natureza, voc pode encontrar, se procurar bem e tiver uma

    grande imaginao e muito tempo, um nmero infi nito de explicaes.

    Por exemplo, considere o grfi co a seguir (Grfi co 1.1):

    Quantas linhas voc poderia traar indicando a relao entre

    o comprimento e o peso de um gato? Como ns temos dois pontos,

    poderamos colocar uma linha reta entre eles. Mas poderamos tambm

    colocar um nmero infi nito de curvas, todas passando pelos dois pontos.

    Figura 1.3

    Grfi co 1.1: A relao entre comprimento e peso, em gatos, baseada em apenas dois pontos.

    PESO X COMPRIMENTO EM GATOS

    cm

    g

  • C E D E R J 17

    AU

    LA 1

    possvel, inclusive, estabelecer modelos matemticos complexos para

    cada uma dessas curvas e escrever relaes sofi sticadas, do tipo: quando

    os gatos tm 10cm, eles apresentam 130g; depois, eles devem diminuir

    de peso, por causa da energia despendida no desenvolvimento gonadal.

    Depois, aos 20cm, eles sofrem uma grande engorda, passando de 1kg.

    A partir da, seu envelhecimento comea, de modo que, aos 50cm, eles

    voltam a pesar 900 gramas.

    Para que a Cincia seja possvel, devemos ser capazes de escolher entre

    as explicaes alternativas para os fenmenos. Essa deciso melhor tomada

    atravs da verifi cao experimental (por exemplo, aumentando o nmero de

    medidas ao longo da curva), como tambm pelo princpio da parcimnia.

    Nesse caso, usamos o que fi cou conhecido como A Navalha de Occam, que

    recebeu esse nome por ter sido usada freqentemente pelo fi lsofo e telogo

    franciscano, do sculo XIII, William de Occam (nome de uma cidadezinha

    inglesa). Pelo princpio da Navalha de Occam, se temos duas ou mais

    explicaes para um determinado fenmeno e no temos nenhuma razo

    para crer que uma seja melhor que a outra, devemos escolher aquela que

    dependa do menor nmero de pressupostos. Em outras palavras, devemos

    usar a navalha para cortar as explicaes desnecessariamente complicadas

    e escolher a que for mais simples. A Navalha de Occam instrumento

    fundamental para os cientistas.

    Tente, ento, rever as respostas que voc deu a cada uma das 12

    perguntas anteriores e aplicar a Navalha de Occam para escolher aquelas

    que so mais simples.

    A Evoluo o processo gerador de toda a diversidade da vida no planeta. O estudo

    da Evoluo inclui aspectos de todas as outras disciplinas da Biologia. O processo

    evolutivo no unidirecional, ou seja, as espcies no seguem o caminho simples do

    adaptar-se ou morrer, em relao ao meio ambiente, pois elas mesmas modifi cam

    esse meio. A Evoluo, ento, um caminho complexo de interaes entre as espcies

    entre si e entre elas e o meio ambiente.

    R E S U M O

  • 18 C E D E R J

    Evoluo | Introduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas

    ATIVIDADES FINAIS

    1. No princpio era a sopa. Essa sopa era sem vida, mas rica em nutrientes produzidos

    quimicamente, a partir da atmosfera redutora primitiva e acumulados durante

    milhes de anos. Ela permitiu o incio da vida, pois representava uma quantidade

    razovel de energia qumica acumulada. Assim, a primeira vida na Terra deve ter

    sido heterotrfi ca, usando essa energia. Porm, durante o crescimento dessa vida,

    tal sopa foi sendo consumida rapidamente, e a vida na Terra, nesse momento, corria

    o risco de se extinguir ou permanecer em nveis muito baixos, porque o processo

    de gerao de alimentos quimicamente era muito lento. A vida, ento, gerava sua

    primeira contradio: consumir sem produzir. O que permitiu que essa contradio

    fosse superada? E que nova contradio surgiu a partir dessa superao?

    2. Newton v uma ma cair da rvore. Ela pode ter cado porque voou at o

    cho, atravs de seu desejo interno de se encontrar com o solo, onde lanar suas

    sementes; ela pode ter cado porque o esprito da fl oresta passava pela rvore

    naquele momento e a empurrou em direo ao cho; ela pode ter cado porque

    existe uma fora de atrao entre os corpos, que depende da massa e da distncia

    entre eles. Como a Terra tem uma enorme massa, ela atraiu a ma; ela pode ter cado

    porque Newton tinha poderes para normais e, sem saber, desejou que ela casse.

    Entre essas possibilidades, Newton escolheu uma. Qual foi? Por que ele escolheu

    essa, dentre tantas outras explicaes, como hiptese mais plausvel? E o que foi

    necessrio fazer para verifi car se sua hiptese era, de fato, a mais provvel?

    RESPOSTA

    A superao dessa contradio se deu atravs do aparecimento de bactrias que

    conseguiam obter energia de uma fonte nova o Sol. Essas bactrias usavam

    a luz para quebrar a molcula da gua, produzindo hidrognio, que era til

    para reduzir compostos orgnicos e aumentar sua complexidade. A superao

    da contradio da heterotrofi a, ento, foi a fotossntese. A nova contradio

    foi o acmulo do produto txico desse processo, o oxignio, que foi resolvida

    posteriormente com o aparecimento da respirao aerbica, onde o oxignio

    passou de txico a fundamental.

  • C E D E R J 19

    AU

    LA 1

    RESPOSTA

    A explicao que Newton encontrou foi a Lei da Gravidade. O critrio de escolha foi a

    simplicidade (=parcimnia); ou seja, Newton usou a Navalha de Occam. A maneira

    de verifi car sua hiptese foi observar a sua abrangncia (Ser que pedras tambm

    caem? Ser que as coisas caem tambm fora das fl orestas? Ser que as coisas

    caem mesmo quando Newton no est olhando para elas?) e procurar modelar,

    atravs da Matemtica e de observaes controladas, o seu comportamento.

    AUTO-AVALIAO

    Esta uma aula introdutria. Se voc est curioso para entender um pouco

    mais esse processo incrvel que a Evoluo, ento ela cumpriu seu papel. As

    difi culdades que voc pode ter tido talvez estejam relacionadas s defi nies de

    micro e macroevoluo ou idia da Navalha de Occam. No se preocupe muito

    com os conceitos por enquanto: voc vai v-los de novo ao longo do curso. J a

    idia da Navalha de Occam fundamental, no s para o nosso curso, mas para

    sua futura formao, como profi ssional. Mesmo que nem sempre fi que explcito

    para quem a usa, essa Navalha est presente o tempo todo nas anlises cientfi cas.

    Mas seu conceito fcil de aprender: quando temos vrias explicaes para um

    determinado fenmeno, procuramos escolher a mais simples em primeiro lugar.

    Ela pode at no ser a correta, mas um bom ponto de partida.

    Voc pode ter tido difi culdade, tambm, em responder s perguntas que fi zemos

    ao longo da aula, e para as quais no demos resposta. Se deixou alguma em branco,

    faa um esforo para respond-la. O importante no acertar ou errar, pensar

    nas alternativas. Neste momento, voc pode at brincar de ignorar a Navalha de

    Occam, e procurar explicaes rebuscadas. Mas no deixe de responder a nenhuma

    das questes elas sero revistas ao longo do curso e serviro, como medida de

    seu progresso no aprendizado de Evoluo.

  • Evidncias da Evoluo

    Ao fi nal desta aula, voc dever ser capaz de:

    Interpretar fenmenos da Natureza como evidncias da evoluo.

    Relacionar a sucesso estratigrfi ca de fsseis com sucesso temporal.

    Diferenciar os efeitos da descendncia e da convergncia evolutiva na produo ou manuteno de semelhanas entre organismos.

    Enumerar as principais evidncias morfolgicas e moleculares da evoluo.

    objetivos2AULA

  • 22 C E D E R J

    Evoluo | Evidncias da Evoluo

    INTRODUO Na aula passada, fi zemos uma srie de 12 perguntas relacionadas observao de

    fatos da Natureza. Pedimos que voc pensasse bem sobre o maior nmero possvel

    de explicaes dentro e fora da evoluo para aqueles fatos. Como voc ver

    na prxima aula (Um histrico da Evoluo), o reconhecimento da evoluo como

    processo gerador da biodiversidade aconteceu muito recentemente na histria

    da civilizao ocidental. Somente nos ltimos 200 anos, os fi lsofos e cientistas

    comearam a se dar conta de que os fsseis resultavam de seres que viveram

    no passado (e no apenas de pedras parecidas com animais ou plantas); de

    que muitos deles eram de espcies que no existem hoje em dia (e no apenas

    animais que sempre existiram e que foram petrifi cados recentemente); e de que

    a Terra tinha uma histria geolgica antiga (e no apenas os cinco ou seis mil

    anos de histria humana).

    Vamos apresentar aqui, brevemente, as evidncias que permitiram aos

    cientistas concluir que a evoluo ocorreu e ainda ocorre. Sero apresentadas

    as constataes factuais, cuja explicao mais evidente a evoluo. Os processos

    responsveis pela evoluo, ou seja, os modos como a evoluo ocorre, sero

    apresentados ao longo do curso.Aps cada evidncia da existncia da evoluo,

    tambm apresentaremos evidncias alternativas que serviriam para demonstrar

    o contrrio, ou seja, para provar que a evoluo no existiu. Em cincia,

    freqentemente devemos nos perguntar: que resultados fariam com que se

    tornasse falsa minha hiptese? Esse tipo de abordagem chama-se teste da

    falseao, e foi introduzido por Karl Popper (voc leu sobre ele no incio do curso

    de Gentica). De maneira geral, dizemos que uma teoria se fortalece quando

    esto claras, na sua formulao, as maneiras de false-la. Nesse contexto, teorias

    cientfi cas permanecem vlidas enquanto no so refutadas/falseadas.

  • C E D E R J 23

    AU

    LA 2

    EVIDNCIA 1 O REGISTRO FSSIL

    Duas informaes do registro fssil constituem importantes evidncias

    da evoluo da vida. A primeira a ordem cronolgica em que os fsseis se

    encontram, nas vrias camadas geolgicas. A segunda a existncia de formas

    intermedirias entre grupos considerados aparentados evolutivamente.

    Para entender a importncia da primeira evidncia, vamos considerar

    que voc, por acaso, no goste muito de arrumar

    sua mesa de trabalho (o mesmo raciocnio pode

    ser usado para o cho do seu quarto!). Dessa

    forma, ao longo dos dias, voc vai colocando

    toda a correspondncia que chega em uma pilha

    em cima da mesa (ou as roupas usadas em vrias

    camadas em algum canto do cho do quarto).

    Depois de duas semanas (Figura 2.1), voc se

    lembra de que precisa pagar uma conta de telefone

    que chegou h dez dias e est para vencer. Onde

    voc vai procur-la? No topo da pilha?

    provvel que ela no esteja no topo, mas se encontre mais

    prxima, ao fundo da pilha. Quando comea a procurar, voc se lembra

    de que, na mesma poca em que chegou a conta do telefone, voc tambm

    havia recebido um convite para um casamento que iria acontecer na semana

    seguinte. Voc continua procurando, sabendo que, quando encontrar a

    conta, o convite tambm vai estar por perto (na mesma localizao na

    pilha de papis). De maneira geral, podemos dizer que os documentos mais

    antigos estaro mais para o fundo da pilha e os mais recentes, mais para o

    topo; existir uma relao entre estratigrafi a (isto , a posio nos vrios

    estratos ou camadas da sua pilha) e tempo. Se a evoluo no existisse,

    fsseis de todos os tipos deveriam encontrar-se em todas as camadas. No

    entanto, o que se observa que, nas camadas mais profundas encontram-se

    os organismos estruturalmente mais simples, e a complexidade estrutural

    aumenta conforme se investigam as menos profundas. Assim, em rochas de

    trs bilhes de anos, que normalmente se encontram nas regies fossilferas

    mais profundas, ns s observamos fsseis de bactrias. J em rochas de

    dois bilhes de anos, aparecem os primeiros eucariotos, embora estes

    Figura 2.1: Pode existir ordem cronolgica no meio da baguna em uma mesa de trabalho.

  • 24 C E D E R J

    Evoluo | Evidncias da Evoluo

    no sejam os que conhecemos hoje em dia, pois so organismos muito

    simples, unicelulares. Organismos multicelulares levam outro bilho de

    anos para aparecer (e mais vrios metros de rocha para cima da pilha).

    Os primeiros animais s vo aparecer em rochas de cerca de meio bilho

    de anos (580 milhes) e so exatamente o que esperaramos encontrar

    nas partes mais profundas: esponjas e anmonas do mar. A partir da,

    o processo se acelera: em rochas com apenas 20 milhes de anos a mais

    do que aquelas em que esto as esponjas e anmonas, j encontramos

    os primeiros moluscos e equinodermas. At hoje no foi encontrada

    nenhuma rocha com mais de 500 milhes de anos que apresentasse

    animais terrestres. Tais animais (principalmente insetos) s vo aparecer

    em rochas de 400 milhes de anos, e os primeiros rpteis e aves s

    apareceram nas camadas mais superfi ciais, de 300 milhes de anos. Os

    mamferos, ento, s vo aparecer em rochas de 100 milhes de anos.

    A mesma estratigrafi a observada com as plantas. Nenhuma rocha

    estudada at hoje, de mais de 200 milhes de anos, tem fsseis de plantas

    de fl ores, apesar de essas rochas apresentarem fsseis de samambaias,

    cuja resistncia fossilizao a mesma que a das fanergamas. Apesar

    de as plantas que se reproduzem por fl ores serem predominantes hoje em

    dia, no registro fssil elas s vo aparecer nas camadas mais superfi ciais,

    com menos de 70 milhes de anos. Quer dizer, ento, que a maioria dos

    dinossauros nunca viu uma fl or?

    De fato, se considerarmos que os dinossauros apareceram na

    Terra cerca de 300 milhes de anos atrs, e se extinguiram h cerca de 50

    milhes de anos, ento somente os das pocas mais tardias conviveram

    com fanergamas. Assim, fl orestas, como as que conhecemos atualmente,

    formadas por rvores lenhosas, no possuem representantes fsseis em

    camadas com mais de 100 milhes de anos. A relao entre posio

    estratigrfi ca e complexidade estrutural uma evidncia muito forte de

    que a evoluo aconteceu. Se encontrssemos fsseis de todas as formas

    de vida juntos, nos mesmos estratos, ns falsearamos a teoria evolutiva

    atual. Se encontrssemos, por exemplo, fsseis de dinossauros misturados

    com fsseis de macacos, ou se encontrssemos fsseis de mamferos

    nas rochas de mais de dois milhes de anos, ou de plantas lenhosas em

    estratos mais antigos do que os fsseis de pteridfi tas, ns teramos uma

    evidncia de que a teoria evolutiva, como a conhecemos, seria falsa.

  • C E D E R J 25

    AU

    LA 2

    Figura 2.2: Sucesso estratigrfi ca de fsseis.Os fsseis mais antigos se encontram nas cama-das mais profundas.

    Agora responda: Por que as camadas de rochas mais antigas

    apresentam fsseis geralmente diferentes dos encontrados nas

    camadas mais recentes?

    Porque os organismos da Terra foram mudando ao

    longo do tempo, e os encontrados nas rochas mais profundas

    representam vestgios da fauna mais antiga.

    A segunda evidncia fssil importante a existncia de

    formas intermedirias na evoluo dos organismos. Se a

    evoluo no tivesse ocorrido, e todas as espcies tivessem

    surgido h alguns bilhes de anos, extinguindo-se com o

    tempo, no esperaramos encontrar formas intermedirias

    entre fsseis mais antigos e fsseis mais recentes. No

    entanto, apesar de o processo de fossilizao ser

    muito raro, de maneira que a maioria das espcies

    acaba no deixando nenhum registro, temos vrios

    exemplos dessas formas intermedirias, como

    aquelas entre dinossauros e aves (o Archaeopteris,

    veja Figura 2.3), entre mamferos terrestres e baleias

    e entre macacos e homens. Voc j viu vrios desses

    exemplos em outros cursos (Diversidade dos Seres

    Vivos e Grandes Temas em Biologia) e ver ainda

    melhor na aula sobre fsseis e evoluo humana.

    Figura 2.3: Fssil de Archaeopteris, uma forma intermediria entre os dinossauros e as aves atuais.

    EVIDNCIA 2 A UNIDADE DA VIDA

    Se todas as espcies tivessem aparecido

    simultnea e independentemente, elas poderiam ter

    encontrado solues semelhantes para problemas

    semelhantes, mas no deveriam apresentar uma

    homogeneidade estrutural, bioqumica e fi siolgica;

    alguns animais poderiam no ter a clula como sua

    unidade bsica, por exemplo. Da mesma forma, a no

    ser a descendncia de um ancestral comum, no existe

    razo para explicar por que organismos to diferentes, como bactrias,

    fungos, bananeiras, ostras, macacos e peixes tivessem, todos, o DNA como

    molcula carregadora da informao gentica. Nem seriam os cdigos

    genticos responsveis pela traduo dos genes em protenas praticamente

    idnticos em todos esses organismos.

  • 26 C E D E R J

    Evoluo | Evidncias da Evoluo

    Ento, pense bem e responda: por que o ATP a principal molcula

    transmissora de energia em todos os seres vivos, se outros nucleotdeos,

    como o GTP, o CTP e o TTP tm propriedades que os tornam igualmente

    efi cazes para esse processo? Por que a meiose de todos os animais

    praticamente idntica? Por que, dos mais de 200 aminocidos conhecidos,

    apenas os mesmos 10% so usados para fazer as protenas de todos os

    seres vivos? Por que, das centenas de alternativas termodinamicamente

    equivalentes para a degradao da glicose produzindo energia (a gliclise,

    como voc j estudou em Bioqumica), apenas uma est presente em

    praticamente todos os seres vivos?

    A resposta simples: essas semelhanas moleculares entre todos

    os seres vivos ocorrem porque eles so descendentes dos mesmos

    ancestrais que encontraram solues originais efi cazes desde o incio

    da evoluo. Essas solues foram selecionadas e mantidas em todos os

    seus descendentes, ao longo da evoluo.

    A cada ano so descobertas cerca de 4.000 novas espcies de

    animais e plantas. Se, em uma delas, os cidos nuclicos no forem a base

    da hereditariedade, ou ainda se o seu cdigo gentico for completamente

    diferente daquele dos outros seres vivos, ou ainda se o seu ciclo de Krebs

    for completamente substitudo por outra via de produo aerbica de

    energia, teremos uma boa evidncia para falsear a teoria evolutiva.

    EVIDNCIA 3 RVORES FILOGENTICAS

    Uma das caractersticas de nossa espcie a capacidade de organizar

    as coisas. Assim, dado um grupo de objetos, podemos facilmente construir

    uma classifi cao para eles. Podemos, por exemplo, classifi car uma coleo

    de fi gurinhas, livros ou camisas, em grupos, de acordo com o tipo, cor etc.

    Uma biblioteca uma coleo organizada de livros. O biblioteconomista

    pode decidir classifi c-los por tipo, por assunto, por nome de autor, por

    antigidade ou at por tamanho. Dentro de cada grupo, os livros podem

    ser rearranjados em subgrupos, e assim por diante. No fi nal, para facilitar o

    trabalho de localizao dos livros, podemos, inclusive, produzir uma rvore

    de classifi cao (veja a Figura 2.4). Era assim que a taxonomia era vista no

    princpio, e todos os nomes dos grandes grupos taxonmicos que usamos at

    hoje (Cnidaria, Insecta, Mammalia, Primatas...) foram criados muito antes

    de se pensar em evoluo.

  • C E D E R J 27

    AU

    LA 2

    Biblioteca

    Histria Biologia Culinria

    Antiga Citologia Cozinha brasileira

    Recente Ecologia Cozinha internacional

    Taxonomia

    Evoluo

    Europia

    Africana

    Asitica

    Figura 2.4: Uma rvore possvel de classifi cao de livros em uma biblioteca.

    A palavra primitivo tem vrias conotaes no uso dirio das pessoas. Alguns

    associam primitividade a coisa atrasada, de pouco valor. Como na frase Ventilador

    muito primitivo; bom mesmo ar-condicionado. Outras pessoas idolatram a idia

    de primitivo, acham que o primitivo o melhor, entendendo a o primitivo como a

    Natureza, em oposio ao progresso e suas mazelas. Como na frase o que eu queria

    mesmo era ter uma vida primitiva, sem as complicaes do escritrio. Quando um

    evolucionista fala de primitivo, ele usa a palavra no seu signifi cado mais puro. Primus,

    em latim, quer dizer o primeiro. Ento, primitivas so as espcies mais ancestrais,

    e os caracteres (morfolgicos, moleculares etc.) que elas possuem. O oposto de

    primitivo, para um evolucionista, derivado. Observe que usar a palavra primitivo

    para uma espcie atual, mesmo que ela seja pertencente a um dos primeiros grupos

    a aparecerem na evoluo (como as esponjas, por exemplo) incorreto. Afi nal, se

    os animais primitivos eram esponjas, isso no signifi ca que uma esponja que existe

    hoje em dia seja tambm primitiva. Afi nal, ela teve mais de 500 milhes de anos para

    evoluir at o que ela agora. E, como todos descendemos de um ancestral comum,

    isso signifi ca que elas tiveram exatamente o mesmo tempo que ns para evoluir! S

    que ns seguimos outros caminhos evolutivos, que provocaram grandes divergncias

    morfolgicas em relao aos nossos ancestrais, enquanto que as esponjas atuais

    permanecem mais parecidas com as esponjas primitivas.

  • 28 C E D E R J

    Evoluo | Evidncias da Evoluo

    Se a teoria da evoluo est correta, e a diversidade do planeta

    foi produzida por especiaes e mudanas, desde as espcies primitivas

    (veja o boxe sobre o uso da palavra primitivo) at as atuais, deve ser

    possvel fazer uma rvore de classifi cao que no represente apenas

    as semelhanas e diferenas entre grupos, mas tambm refl ita o padro

    fi logentico do grupo (phyllum = grupo; genesis = origem).

    Suponhamos, ento, que voc fosse classificar um grupo

    de animais que contivesse um morcego, uma ona, um pardal e um

    gamb. Voc poderia decidir que a presena de asas uma caracterstica

    importante, agrupando, assim, o morcego com o pardal. Pelo que voc

    j conhece de Biologia, esse agrupamento est errado. Por qu?

    Apesar de parecer muito simples, essa questo bsica em toda

    a taxonomia. A chave para responder a essa pergunta a corroborao dos

    caracteres. Se os caracteres dos seres vivos esto evoluindo continuamente, ento

    esperamos que classifi caes construdas com vrios caracteres independentes

    (morfologia, qumica, gentica) sejam, de maneira geral, concordantes, e que

    as discordncias eventuais possam ser explicadas dentro do prprio processo

    evolutivo. Assim, essa classifi cao de animais em alados e no alados juntando

    morcegos e aves em um grupo confl itaria com classifi caes baseadas em outros

    caracteres morfolgicos, fi siolgicos e moleculares, e poderia ser explicada pelo

    processo de convergncia morfolgica causada pela seleo natural.

    A corroborao das rvores fi logenticas (rvores de classifi cao que

    refl etem relaes de parentesco entre as espcies) atravs de vrios caracteres

    independentes , talvez, a demonstrao mais forte da realidade da evoluo.

    Uma das coisas que tornam uma rvore filogentica diferente

    de outras rvores de classificao que as linhas que ligam os grupos

    representam verdadeiros elos de ancestralidade. Os ns, nos quais

    as linhas se encontram, representam ancestrais, e a profundidade

    da rvore pode ser vista como representao do tempo.

    Vamos fazer um pequeno exerccio. Considere a seguinte

    lista de animais: esponjas, guas-vivas, insetos, lacraias, camares,

    mexilhes, serpentes, lagartos, crocodilos, pardais, baleias, vacas,

    humanos, chimpanzs, cangurus, sapos, atuns, estrelas-do-mar.

    Mostre esses animais a algumas pessoas que no saibam Biologia;

    procure incluir, no mnimo, uma criana de menos de 10 anos. Se ela no

    conhecer algum dos animais, procure mostrar, pelo menos, uma fi gura de um

    dos livros do curso de Zoologia ou, melhor ainda, mostre o bicho, se possvel.

  • C E D E R J 29

    AU

    LA 2

    Agora, pea-lhes que tentem juntar esses animais em grupos de dois ou trs.

    Anote os grupos formados. Depois, pea que os reagrupe em grupos maiores.

    Anote os novos supergrupos. Continue o processo at que todos os animais

    e grupos formem um nico grupo, que seria chamado animais (ou, mais

    corretamente, Metazoa).

    Use as informaes dos grupos sugeridos por cada pessoa,

    para construir uma rvore fi logentica. Compare as rvores. Elas so

    parecidas ou diferentes?

    Compare as rvores feitas com o apresentado na Figura 2.5, que

    inclui, agora, tambm outros organismos.

    Figura 2.5: rvore fi logentica com representantes dos principais grupos vivos na Terra.

    estrela-do

    -mar

    peixes

    anfb

    ios

    marsu

    piais

    chim

    pan

    z

    hu

    man

    os

    vacas

    baleias

    aves

    croco

    dilo

    s

    igu

    anas

    lagarto

    s

    cob

    ras

    mo

    lusco

    s

    crustceo

    s

    lacraias

    inseto

    s

    med

    usas

    espo

    njas

    cog

    um

    elos

    levedu

    ras

    ban

    anas

    gram

    a

    coq

    ueiro

    s

    feijes

    pin

    heiro

    s

    samam

    baias

    mu

    sgo

    s

    algas verd

    es

    bactria

    Metazorios (animais)

    Artrpodes Rpteis MamferosFungosPlantas

    apenas um cotildone na

    semente

    sementes encobertas

    sementes

    Xilema e fl oema

    Cloroplastos

    C

    exoesqueleto

    protostmios

    rgos

    Sistema nervoso e circulatrio

    deuterostmios

    vrtebras

    mandbulas

    dedos

    B

    mnio

    plos, sangue quente

    duas fenestras no crnio

    A plumasplacenta

    Mitocndria, ncleoUm ancestral comum hipottico

    uma mudana de caracter herdada por todos os decendentes

  • 30 C E D E R J

    Evoluo | Evidncias da Evoluo

    Essa rvore inclui membros de alguns dos grupos de seres vivos da

    Terra. Existem 1041 (1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.

    000.000.000) maneiras de se construir uma rvore com essas mesmas 30

    espcies. No entanto, os agrupamentos apresentados na rvore so to

    naturais que, se dssemos a vrias crianas a tarefa de classifi car esses

    organismos por semelhana, elas chegariam a rvores bastante parecidas

    (compare com as rvores que seus colegas e crianas fi zeram). claro que

    haveria surpresas, como talvez o grupamento das baleias com os peixes.

    E a maior parte das pessoas certamente no juntaria aves com crocodilos,

    apesar de sabermos hoje em dia que eles so aparentados. Mesmo assim,

    as rvores construdas pelas crianas seriam, estatisticamente, altamente

    correlacionadas e semelhantes rvore fi logentica da Figura 2.5. Essa

    rvore corroborada por caracteres morfolgicos, fi siolgicos e por

    um nmero enorme de caracteres moleculares independentes (genes de

    vrias regies dos genomas dos organismos). Mais importante ainda:

    a rvore produzida com seqncias de DNA tambm corroborada

    com o registro fssil, de modo que muitos dos ancestrais hipotticos

    (os ns) da rvore so encontrados, e sua posio nas vrias camadas

    de rocha corresponde bem com o esperado, com base na topologia da

    rvore. Essa corroborao, por mtodos independentes, uma evidncia

    clara da evoluo dessas espcies a partir de ancestrais comuns. Se ns

    tivssemos, por exemplo, um nmero grande de genes apoiando a ligao

    entre aves e morcegos, em vez de apoiar a unio desses organismos a seus

    grupos respectivos, que foram construdos claramente fundamentados

    na evidncia fssil, estaramos falseando a teoria evolutiva.

    O uso da Gentica Molecular tem revolucionado o estudo da

    evoluo. Hoje em dia, seqncias de DNA so usadas intensamente

    para esclarecer as relaes fi logenticas dos seres vivos. Elas foram teis,

    inclusive, para ver a evoluo em ao! Algumas pessoas dizem que, como

    a evoluo acontece to devagar, ns no podemos v-la, e que, por no

    podermos test-la objetivamente (fazendo uma evoluo no laboratrio, por

    exemplo), ela no pode ser considerada uma Cincia de verdade. No entanto,

    alm de o argumento estar errado em princpio (seno tambm no seriam

    cincias, por exemplo, a Fsica Atmica ou a Histria), ele tambm est

    errado na prtica, pois a evoluo j foi demonstrada em laboratrio.

    Vejamos um exemplo: os vrus evoluem muito rapidamente, podendo

    haver centenas de geraes em um ano. Assim, em 1992, foi feito um

  • C E D E R J 31

    AU

    LA 2

    experimento (HILLIS et al., 1992), em que uma fi logenia verdadeira foi

    construda usando-se vrus bacterifagos, que so fceis de cultivar e se

    multiplicam rapidamente (Figura 2.6).

    Essa fi logenia foi feita em laboratrio, a partir de uma linhagem

    original que era subdividida propositadamente aps um nmero varivel

    de geraes, de modo a simular eventos de especiao (na rvore

    mostrado, ao longo das linhas, o nmero de geraes de cada uma;

    foram usados nmeros variveis para melhor simular a evoluo de uma

    populao natural). Como os cientistas tinham controle total sobre essa

    fi logenia, eles puderam tambm analisar cada um dos ancestrais (as letras

    A-F e W), alm das espcies atuais (J-R). O nmero possvel de rvores

    diferentes com essas nove espcies maior que 135.000. No entanto,

    pesquisadores independentes e que no sabiam do padro evolutivo real

    (por ter sido feito um exame s cegas) reconstruram a rvore correta

    em todos os casos, usando apenas as seqncias gnicas das linhagens

    terminais (de J a R, na Figura 2.6).

    Um outro exemplo foi a reconstruo do ancestral hipottico de

    todos os vrus da AIDS do tipo HIV-I, feito em 1998, a partir de 111

    seqncias de vrus de pessoas contaminadas. A seqncia de DNA

    Figura 2.6: Evoluo de vrus produzida artificialmente em laboratrio. Linhagens de vrus eram separadas e reproduzidas por vrias gera-es. Depois, cada grupo era separado em dois; esses dois novos grupos eram deixados reproduzir novamente por vrias geraes. Por exemplo, o cultivo do ancestral W foi dividido em dois, que foram deixados evoluindo inde-pendentemente. Um grupo foi reproduzido por 17 gera-es, gerando o ancestral E. O outro foi reproduzido por 18 geraes, gerando o ancestral F. Esse processo simula a evoluo de uma espcie com vrios eventos de separao geogrfi ca.

  • 32 C E D E R J

    Evoluo | Evidncias da Evoluo

    desse ancestral hipottico foi comparada com outra, encontrada em

    uma amostra de plasma de uma pessoa que morreu em 1959, no Congo

    Belga, na frica (na poca, ainda no se conhecia a doena AIDS e a

    morte havia sido atribuda a algum mal desconhecido). A seqncia

    hipottica foi extremamente semelhante (com alta signifi cncia estatstica)

    seqncia de 1959 (ZHU et al., 1998).

    EVIDNCIA 4 AS RESTRIES EVOLUTIVAS

    Uma das conseqncias da evoluo que as espcies, ao se

    adaptarem a novas condies, necessariamente usam modificaes

    de estruturas preexistentes. Se todas as espcies houvessem aparecido

    simultaneamente, suas estruturas estariam adaptadas aos seus ambientes

    de maneira perfeita e independente. Por exemplo, no seria muito mais

    vantajoso ter asas alm das quatro patas (como aparece na fi gura mitolgica

    de Pgaso) a ter de escolher entre ter os membros superiores funcionando

    como braos ou como asas? E no seria muito mais conveniente para as

    baleias e golfi nhos se eles tivessem brnquias, em vez de necessitarem de

    todas as adaptaes complexas para otimizar o uso do oxignio do ar,

    mesmo vivendo no mar? No entanto, o que observamos na Natureza

    o uso surpreendente de adaptaes de estruturas preexistentes, para novas

    funes. Essas estruturas (como as asas dos pingins adaptadas natao,

    ou as membranas entre os dedos das mos dos morcegos adaptados ao

    vo) so sempre restritas pelas contingncias evolutivas dos seus ancestrais

    e demonstram a freqente conservatividade morfolgica na Natureza (ou,

    como Linnaeus dizia, Natura non facit saltum: Natureza no faz saltos).

    Se a evoluo no existisse e as criaturas da Natureza tivessem aparecido

    simultaneamente, desenhadas perfeitamente para suas funes, poderamos

    ver mamferos com asas verdadeiras ou com penas (que so melhores

    isolantes trmicos do que plos), aves aquticas com nadadeiras, golfi nhos

    com brnquias e aves corredoras (como o avestruz) com quatro patas, em

    vez de asas vestigiais. Alis, as estruturas vestigiais so tambm uma boa

    evidncia da evoluo.

  • C E D E R J 33

    AU

    LA 2

    EVIDNCIA 5 FORMAS VESTIGIAIS

    Se as espcies evoluem a partir de outras, elas herdam dessas outras

    os genes que determinam seus caracteres morfolgicos e bioqumicos,

    mesmo que nem sempre esses genes sejam teis s novas condies de

    vida. Os caracteres que j no so teis nas novas condies de vida das

    espcies deixam de ser mantidos pela seleo natural (como voc ver

    na Aula 5), de modo que as mutaes aleatrias que surgem nos genes

    que os codifi cam no so mais eliminadas. As formas determinadas por

    esses genes tornam-se, ento, vestigiais.

    Lamarck estava plenamente consciente de tais formas vestigiais,

    mas via nelas uma evoluo necessria e conseqente do desuso. Para

    Darwin, no entanto, as formas vestigiais seriam apenas uma evidncia

    do que acontece com as caractersticas que deixam de ser mantidas

    pela seleo natural. Existem vrios exemplos de formas vestigiais na

    Natureza. Temos, assim, os olhos de vrias espcies fossoriais (que vivem

    em cavernas onde no existe luz), como algumas variedades do peixe

    Astianax mexicanus e da salamandra Proteus anguinus que, apesar de

    viverem em total escurido e serem cegas, tm, ainda assim, olhos (no caso

    de Proteus, os olhos, apesar de invisveis externamente, esto escondidos

    sob a pele). As jibias, que so rpteis descendentes de animais de quatro

    patas, apresentam vestgios de quadris, apesar de j no terem nenhum

    vestgio de pernas. Estruturas vestigiais encontram-se tambm em plantas.

    Por exemplo, os dentes-de-leo (Taraxacum sp.) possuem sementes, mas

    elas so produzidas assexuadamente; no entanto, produzem plen como

    se fossem plantas sexuadas. No caso do dente-de-leo, o plen produzido

    perdido, e representa, assim, uma estrutura vestigial dos seus ancestrais

    sexuados.

    Existem tambm formas vestigiais diretas nos genes. No nosso

    genoma, por exemplo, cerca de 20% das seqncias reconhecveis

    como codifi cantes (as cadeias de leitura aberta, que voc aprendeu

    em Gentica) so de pseudogenes, que podem ser vistos como vestgios de

    genes. Os pseudogenes so, em geral, produzidos pela duplicao de genes

    funcionais. Essa duplicao permite o relaxamento da seleo natural em

    uma das cpias, que passa a acumular mutaes at no produzir mais

    uma protena funcional. Os pseudogenes, assim, no exercem sua funo

    original, mas servem como indicadores dos genes que j existiram. Dessa

  • 34 C E D E R J

    Evoluo | Evidncias da Evoluo

    forma, apesar de no funcionarem, os pseudogenes de espcies prximas

    so muito semelhantes. Se os nossos pseudogenes fossem mais semelhantes

    aos das vacas do que aos dos macacos, por exemplo, ns teramos

    uma evidncia falseadora da hiptese da origem evolutiva comum

    entre ns e os outros primatas. No entanto, nos cromossomos, ns

    temos praticamente os mesmos pseudogenes e nas mesmas posies,

    que os macacos.

    EVIDNCIA 6 A HERANA COMUM DO INTIL

    Como vimos anteriormente, na evidncia 4, as espcies possuem

    restries s possibilidades de adaptao ao ambiente, que so

    conseqncia de sua histria evolutiva. Essas restries fazem com que

    as solues encontradas pelas espcies, na sua adaptao ao meio, sejam,

    freqentemente, imperfeitas. O projeto Genoma Humano (e vrios outros

    projetos genoma, como o de moscas, vermes, fungos e plantas) mostrou

    uma enorme redundncia e a presena de uma quantidade formidvel de

    DNA no codifi cante. No caso de nossa espcie, por exemplo, apenas

    2% de todo nosso DNA serve para produzir protenas, enquanto 45%

    do DNA total composto de transposons que, quase sempre, no tm

    nenhuma funo para o organismo (voc leu sobre transposons no curso

    de Gentica). No entanto, apesar de praticamente no terem funo, a

    posio de vrios transposons nos cromossomos humanos praticamente

    idntica quela encontrada nos outros primatas. O mesmo se observa

    nos ntrons (voc viu ntrons no curso de Gentica) que, em geral, no

    tm funo especfi ca e apresentam altas taxas de mutao. A posio

    dos ntrons bastante conservada evolutivamente, e quase todos os

    ntrons dos mamferos encontram-se nas mesmas posies dos genes. Ter

    coisas em comum com outros organismos, quando elas servem para algo,

    poderia ser visto como uma evidncia no da evoluo, mas do encontro

    de solues comuns na criao desses organismos. Assim, o fato de ns

    termos, em comum com os macacos, sangue quente e plos, poderia ser

    visto no como evidncia de que somos parentes, mas sim como evidncia

    de que essas caractersticas so as melhores para o tipo de vida que ns

    e os macacos levamos. No entanto, ter em comum coisas que no tm

    funo, que sequer so expressas durante nosso desenvolvimento, uma

    evidncia clara de nosso parentesco.

  • C E D E R J 35

    AU

    LA 2

    EVIDNCIA 7 A HERANA COMUM DO TIL

    Quando espcies semelhantes tm estruturas ou molculas

    semelhantes, uma explicao alternativa ancestralidade em comum a

    convergncia evolutiva. Assim, pode ser que o fato de termos cinco dedos nas

    mos, como os macacos, no esteja ligado ao fato de sermos descendentes da

    mesma espcie, mas a alguma vantagem de ter cinco, em vez de quatro ou

    seis dedos na mo. No entanto, se fosse demonstrado que o nmero de dedos

    no era importante para sua funo (digamos que, por exemplo, qualquer

    nmero entre quatro e dez fosse igualmente til), ento, ter o mesmo nmero

    de dedos poderia ser interpretado mais facilmente como evidncia de origem

    comum. No caso dos dedos, no temos essa evidncia; no entanto, em alguns

    caracteres moleculares amplamente estudados, como o gene do citocromo c

    (que faz parte da cadeia de transporte de eltrons), isso j foi demonstrado.

    Essa protena existe em todos os seres vivos que usam oxignio como aceptor

    fi nal de eltrons na respirao. Curiosamente, apesar de fundamental, essa

    protena aceita ampla variao em sua seqncia, desde que respeitada sua

    estrutura tridimensional. Assim, foi demonstrado que leveduras nas quais

    o gene do citocromo c foi retirado conseguem sobreviver usando citocromo

    c humano, apesar de as duas protenas terem mais de 40% de diferenas

    (TANAKA et al., 1989).

    Estudos de modelagem em computador e confirmaes

    experimentais mostraram que o nmero de seqncias de aminocidos,

    que so igualmente efi cazes em manter a funo do citocromo c,

    superior ao nmero de tomos no universo. Assim, no existiria nenhuma

    vantagem adaptativa que pudesse explicar uma semelhana entre o

    citocromo c de espcies prximas, de modo que seqncias semelhantes

    seriam mais bem explicadas pela existncia de um ancestral comum.

    Portanto, se encontrssemos espcies consideradas muito prximas, mas

    que tivessem seqncias de aminocidos do citocromo c muito diferentes,

    teramos um falseamento da hiptese evolutiva. Quando comparamos

    as seqncias de aminocidos do citocromo c de humanos e as dos

    chimpanzs, no entanto, verifi camos que elas so idnticas.

  • 36 C E D E R J

    Evoluo | Evidncias da Evoluo

    EVIDNCIAS 8, 9, 10

    Ao longo do curso, novas evidncias lhe sero apresentadas.

    Voc tambm pode encontrar as suas, a partir da observao da Natureza

    e da releitura do que j aprendeu, por exemplo, em Zoologia ou em

    Bioqumica. Algumas das evidncias que foram apresentadas aqui

    s puderam ser percebidas a partir do desenvolvimento de tcnicas

    moleculares sofi sticadas, como o seqenciamento de DNA. Outras

    evidncias, como o registro fssil e o estudo de estruturas vestigiais,

    j eram conhecidas no sculo XIX. Na prxima aula, voc aprender

    como essas evidncias foram interpretadas historicamente por vrios

    pensadores e bilogos, e como Darwin as usou, meticulosamente, para

    apresentar sua Teoria da Evoluo.

    A partir de ancestrais comuns, vrios fatos da Natureza podem ser explicados,

    de maneira simples, pela evoluo. Existem evidncias de vrios tipos, como: a) a

    estratigrafi a dos fsseis; b) a existncia de fsseis de formas intermedirias entre

    organismos; c) a presena dos mesmos tipos de estruturas moleculares em todos os

    seres vivos; d) a corroborao das rvores fi logenticas com evidncias moleculares

    e paleontolgicas; e) os experimentos de evoluo acelerada em laboratrio com

    vrus; f) as maneiras com que as espcies se adaptam ao meio, levando em conta,

    cada vez, as estruturas preexistentes (e sendo contingenciadas por elas); g) as

    formas vestigiais morfolgicas e moleculares; h) as heranas comuns do que

    til e do que intil. Essas evidncias so indicaes fortes, mesmo consideradas

    individualmente, do padro de ancestralidade comum dos seres vivos. Tomadas

    em conjunto, elas constituem prova clara do fato da evoluo biolgica.

    R E S U M O

  • C E D E R J 37

    AU

    LA 2

    ATIVIDADES FINAIS

    1. Qual seria o impacto, para a teoria evolutiva, se fossem encontrados, em todos

    os estratos geolgicos, fsseis idnticos de todos os tipos de animais e plantas?

    2. A gliclise uma via metablica importante para a gerao de energia. Existem

    vrias maneiras de se gerar energia a partir da degradao da glicose. No entanto, a

    maior parte dos animais usam as mesmas enzimas, na mesma ordem, para produzir

    piruvato a partir da glicose. Por qu?

    3. Por que o compartilhamento de caractersticas inteis pode ser uma evidncia

    mais forte do que o de caractersticas teis para inferir relaes evolutivas entre

    os organismos?

    RESPOSTA

    Seria muito difcil sustentar a teoria evolutiva se no existisse diferenciao

    estratigrfi ca entre os vrios fsseis. Se encontrssemos fsseis de seres humanos

    junto a fsseis de dinossauros, por exemplo, teramos de rediscutir o conhecimento

    atual da evoluo dos vertebrados.

    RESPOSTA

    Porque essas vias metablicas foram estabelecidas no incio da evoluo da

    vida e foram mantidas com poucas alteraes pela seleo natural nos vrios

    organismos.

    RESPOSTA

    Porque o compartilhamento de caractersticas teis pode ser o resultado de

    convergncia evolutiva. Assim, o fato de morcegos e pardais terem asas ocorreu

    porque, em suas evolues, houve a convergncia para uma estrutura (a asa)

    que era extremamente til na sua biologia (uma maneira mais correta de

    descrever essa convergncia dizer que, dentro das linhagens das aves e dos

    morcegos, organismos que tinham capacidade de vo foram selecionados).

  • 38 C E D E R J

    Evoluo | Evidncias da Evoluo

    4. Cite uma evidncia morfolgica, uma evidncia bioqumica e uma evidncia

    gentica da Evoluo.

    5. Em 1999, um professor dinamarqus, de Educao Fsica, foi acusado de ter

    abusado sexualmente de alguns de seus alunos. Alm dessa acusao, tambm

    foi incriminado por tentativa de homicdio, pois sabia que era portador do vrus

    da AIDS e nada fez para proteger suas vtimas da contaminao. Ele negou as

    acusaes, argumentando que uma de suas possveis vtimas, um garoto de 15

    anos, que tambm apresentava o vrus, havia sido contaminado por alguma outra

    pessoa. Como a contaminao do garoto teria ocorrido trs anos antes de o caso

    ter vindo ao conhecimento da Justia (quando o garoto tinha 12 anos), e como

    o vrus HIV tem uma taxa de mutao muito elevada, de modo que a populao

    viral de cada pessoa diferente, o tradicional argumento forense de encontrar

    uma identidade total entre criminoso e vtima no podia ser usado. No entanto,

    a acusao pde, ainda assim, usar evidncias moleculares nas seqncias de

    dois genes do vrus, e isso foi decisivo na condenao do acusado (MACHUCA et

    al., 2001). Eles determinaram as seqncias desses genes nos vrus do acusado,

    da criana e de 16 outras pessoas infectadas residentes na mesma cidade, e as

    compararam, tambm, com seqncias de bancos de dados. Que tipo de resultado

    eles devem ter tido que tenha servido para convencer o jri de que o acusado

    era, de fato, culpado?

    RESPOSTA

    Evidncias morfolgicas: estruturas vestigiais, evoluo de caractersticas

    como modifi cao de outras preexistentes (asas do morcego); evidncias

    bioqumicas: vias metablicas comuns, uso do ATP como fonte de energia;

    evidncias genticas: padres fi logenticos concordantes com o uso de genes

    diferentes, posio igual de ntrons e pseudogenes.

    RESPOSTA

    Se o acusado fosse inocente, seria esperado que, ao se fazer uma rvore

    fi logentica com as seqncias dos vrus, as seqncias do rapaz de 15 anos

    se juntariam com as das outras 16 pessoas, em alguma posio aleatria na

    rvore. No entanto, as seqncias do vrus do rapaz e do acusado fi caram

    mais prximas umas das outras do que daquelas dos vrus de 16 pessoas da

    populao local. Isso demonstrou que o vrus do rapaz e o vrus do acusado

    tinham origem comum.

  • C E D E R J 39

    AU

    LA 2

    AUTO-AVALIAO

    Existe uma quantidade enorme de evidncias na Natureza para o fato da Evoluo.

    No entanto, freqentemente essas evidncias so negadas ou confundidas, como voc

    ver na aula sobre creacionismo (Aula 29 de nosso curso). Esperamos que voc, nesta

    aula, tenha concludo que a quantidade enorme de evidncias pode ser explicada,

    de maneira simples e lgica, pela evoluo da vida na Terra. Se voc entendeu bem

    essas evidncias, e capaz de us-las at em um bate-papo informal sobre evoluo,

    parabns! Algumas das evidncias apresentadas so mais simples de entender, como

    o registro fssil ou as restries evolutivas evoluo da forma. Outras so um

    pouco mais difceis, pois exigem conhecimentos prvios sobre fi logenia ou biologia

    molecular, como as evidncias na evoluo dos pseudogenes e dos ntrons. Talvez seja

    interessante voc dar uma revisada nessas partes, se tiver difi culdade em entender

    essas evidncias. O exerccio 5 importante, pois mostra como o conhecimento

    de Evoluo pode ter aplicaes nas reas mais improvveis, como numa Corte de

    Justia. Mas ele tambm difcil de responder. Se voc no conseguiu respond-lo

    na primeira tentativa, leia-o agora que voc j viu a resposta e procure seguir a

    explicao dada.

  • Histrico do estudo da Evoluo

    Ao fi nal desta aula, o aluno dever ser capaz de:

    Descrever algumas das idias evolutivas pr e ps-darwinistas.

    Explicar a novidade da Teoria Evolutiva darwiniana.

    objetivos3AULA

  • C E D E R J42

    Evoluo | Histrico do estudo da Evoluo

    Como voc estudou na aula anterior, a diversidade de seres vivos que

    observamos hoje nossa volta, em todo o mundo, no esteve sempre aqui

    e, mais do que isto, as espcies esto mudando ao longo do tempo. Contudo,

    como essa mudana muito lenta e o tempo de que falamos est numa escala

    muito maior do que a que somos capazes de perceber na nossa vida diria (ver

    Aula 14 do curso Diversidade dos Seres Vivos: Tempo geolgico e fsseis), s

    vezes difcil imaginar como esse processo de mudana das espcies se d

    (algumas excees so os vrus, como voc estudou na aula passada).

    Essa difi culdade no s sua e, durante muito tempo, antes que pudssemos

    entender de maneira adequada esse processo de mudana, era comum

    pensarmos que as espcies que vemos hoje sempre estiveram aqui, com

    a mesma forma e quantidade. Esse era o tempo da pr-histria das idias

    evolutivas, perodo em que a idia de que as espcies no mudavam (conhecido

    como fixismo) era dominante. Antes de comearmos a entender como possvel

    as espcies mudarem ao longo do tempo e, mais que isto, como esse processo

    de mudana, ao longo do tempo, foi capaz de produzir todos os seres vivos

    que conhecemos hoje, mesmo aqueles j extintos, vamos estudar um pouco

    a pr-histria das idias evolucionistas.

    PR-HISTRIA: DO FIXISMO AO LAMARCKISMO

    Antes que as idias evolutivas estivessem presentes nas explicaes

    a respeito da origem das espcies, a idia hegemnica era o fi xismo.

    Segundo essa concepo, que dominou quase toda a histria do

    pensamento ocidental, os seres vivos pertenceriam a grupos fi xos, os

    quais teriam sido criados por um ou mais deuses e por ele(s) ordenados

    em uma escala hierrquica imvel, na qual a espcie humana representaria

    seu ponto mais elevado.

    Segundo PLATO (428/7-348/7 a.C.), por exemplo, a categoria

    espcie estava ligada essncia das coisas, idia, criao. Isto

    signifi cava dizer que toda espcie viva no mundo seria uma cpia da

    espcie perfeita, que existiria no mundo das idias. Para ele, o homem

    era a expresso mxima da idia, ou seja, aquele ser, no mundo, que mais

    se aproximava da perfeio. Contudo, o homem, sob o efeito de estar

    no mundo (o que Plato chamava de ao do devir), teria sofrido um

    processo de corrupo, de degenerao. Esse processo de degenerao

    do homem no mundo, no tempo da Criao, teria sido responsvel pela

    PLATO Nasceu em Atenas, em 428 ou 427 a.C., de pais aristocrticos e abastados. Foi discpulo de Scratese uma das referncias fundamentais do pensamento ocidental.

    INTRODUO

  • C E D E R J 43

    AU

    LA 3

    produo de todos os outros seres menos perfeitos, como as mulheres, as aves, os escravos, os animais terrestres etc. assim, tomando o homem como

    a expresso mais perfeita da idia, todos os outros seres seriam estgios

    degenerativos dessa idia perfeita. Por isto mesmo, o homem seria o senhor

    de todos os outros seres vivos. Essa concepo platnica de Criao foi

    reformulada por ARISTTELES (384-322 a.C.), que foi seu aluno.

    Tendo escrito h quatro sculos da Era Crist, Aristteles via

    a Natureza organizada gradualmente, da matria inanimada at os

    seres vivos. Contudo, ao contrrio do seu mestre Plato, Aristteles

    no aceitava idias transformistas nem mesmo na Criao; para ele, toda

    variao era esttica desde o comeo. Os indivduos eram a diferente

    expresso do mesmo tipo e as variaes observadas entre eles eram

    consideradas imperfeies na expresso da Idia. As espcies vivas,

    portanto, eram fi xas desde sempre e a biodiversidade representava

    apenas a expresso de uma ordem maior que existe por trs de todo o

    Universo. A Natureza, e nela todos os seres vivos, era apenas uma parte

    dessa grande ordem universal que Aristteles buscava entender.

    De maneira muito semelhante s idias de Plato e Aristteles,

    o Livro do Gnesis ocupa-se com a explicao das origens. A Bblia

    estabelece a existncia do Universo e de sua ordem por obra da Criao

    Divina. O Jardim do den o centro de criao de todas as espcies

    animais e vegetais, e a espcie humana tem a prerrogativa de dominar

    a Terra e todos os seus animais e plantas.

    Esse conjunto de idias, que engloba o pensamento de Plato,

    Aristteles e a Bblia, o que temos chamado aqui genericamente de

    fi xismo, e que pode ser denominado, no campo fi losfi co, fi xismo

    platnico-aristotlico e, no da religio, criacionismo judaico-cristo.

    Tal conjunto parte fundamental da nossa cultura, a cultura ocidental,

    e fortemente marcado pela noo de perfeio. Vem da a crena de

    que a Natureza uma total harmonia, de que todos os seres vivos foram

    desenhados, de que todos os rgos e sistemas funcionam da melhor

    maneira possvel, etc.

    As idias do criacionismo e da imutabilidade das espcies

    perduraram at o Renascimento, no sculo XVI, quando comearam

    a ser postas em questo. No sculo XVIII, por exemplo, ERASMUS DARWIN

    (1731-1802), av de Charles Darwin, publica um livro intitulado

    Zoonomia, no qual defende a idia de que as espcies poderiam sofrer

    ARISTTELES

    Filho de Nicmaco, um mdico, nasceu em

    Estagira, Macednia, em 384 a.C. Foi

    discpulo de Plato, juntamente com quem representa

    uma das referncias mais importantes do

    pensamento ocidental.

    ERASMUS DARWIN

    Naturalista ingls e av de

    Charles Darwin. Contribuiu para o

    desenvolvimento do pensamento

    evolucionista.

  • C E D E R J44

    Evoluo | Histrico do estudo da Evoluo

    evoluo. Contudo, somente no sculo XIX que as idias evolutivas

    passaram a integrar defi nitivamente as concepes a respeito das espcies,

    fundamentalmente, com as idias de Lamarck.

    JEAN BAPTISTE LAMARCK (1744-1829) foi o primeiro a apresentar

    uma teoria elaborada a respeito da evoluo das espcies. No seu livro

    intitulado Philosophie Zoologique, publicado em 1809, Lamarck

    defendeu que mudanas no ambiente provocariam nos seres vivos a

    necessidade de modifi cao, o que induziria um processo de evoluo

    das espcies no sentido de se adequarem ao meio ambiente. Segundo essa

    teoria, partes do corpo que fossem muito usadas se desenvolveriam. Por

    outro lado, partes que no fossem usadas sofreriam atrofi a, que poderia

    inclusive levar ao desaparecimento, nas geraes seguintes (Lei do uso e

    desuso). O desaparecimento das partes atrofi adas e/ou o desenvolvimento

    de partes muito usadas, nas geraes seguintes, o que se chama de Lei

    da herana dos caracteres adquiridos.

    Em sntese, esta concepo de que os seres vivos, por fora da

    necessidade gerada neles pelas mudanas ocorridas no ambiente, iriam

    progressivamente adequando-se ao ambiente, o que chamamos teoria

    da melhoria interna intrnseca lamarckista. Essa teoria, como voc pode

    notar, fortemente marcada pela noo de progresso, ou seja, sai de cena

    a idia de perfeio, muito presente em todas as concepes fi xistas,

    e entra em cena a idia de progresso, que estar muito presente nas

    primeiras idias evolutivas.

    HISTRIA: A TEORIA EVOLUTIVA DE DARWIN

    Voc, certamente, j ouviu falar de CHARLES ROBERT DARWIN (1809-

    1882), naturalista ingls que deu a volta ao mundo (1832-1837) em

    um navio, o HMS Beagle, e que, por conta das suas muitas observaes

    nessa viagem, produziu a mais importante teoria da evoluo de que

    temos notcia. Mais do que essa imagem popular da mdia, com artigos

    de revistas, jornais, fi lmes de cinema, documentrios e especiais de TV,

    voc j estudou um pouco da histria e das idias de Darwin nas suas

    aulas dos Grandes Temas em Biologia, Diversidade dos Seres Vivos e

    tambm nas aulas de Gentica.

    JEAN BAPTISTE LAMARCK

    Nasceu na Frana, foi militar, mdico e naturalista. Foi o primeiro pesquisador a oferecer um mecanismo para explicar como a evoluo ocorre.

    CHARLES ROBERT DARWIN

    Nasceu na Inglaterra em 1809, tendo sido o mais importante naturalista de todos os tempos, devido sua teoria de evoluo, publicada em 1859, no seu livro On the origin of species.

  • C E D E R J 45

    AU

    LA 3

    A teoria evolutiva darwiniana est entre as idias mais importantes de toda a Biologia, fundamentalmente por dois motivos: primeiro, porque

    ela tem um carter unifi cador, ou seja, ela, assim como a teoria celular,

    o conceito de gene e a prpria defi nio da vida e sua origem, integra

    todos os seres vivos como objeto de estudo nico que a Biologia se prope

    a entender; segundo, porque a teoria evolutiva darwiniana ainda est na

    base de todas as teorias evolutivas modernas. por isto que dizemos que

    a histria da teoria evolutiva comea com Darwin. Antes dele, como j

    vimos, tivemos aquilo que chamamos, numa metfora, de pr-histria

    da evoluo. Mas o que, de to importante, Darwin escreveu no seu

    livro A origem das espcies; o que nele ainda se mantm atual; qual

    a novidade da teoria evolucionista darwiniana em relao a outras que

    foram produzidas antes, como a de Lamarck?

    QUAL A NOVIDADE?

    Geralmente afi rma-se que Darwin criou a idia de evoluo, mas,

    certamente, isto no foi criao de Darwin. Como j foi visto, essas idias

    existiam desde o sculo XVII, sendo a teoria lamarckista um belo exemplo.

    Outra afi rmao comum, a respeito da teoria darwinista, a de

    que a proposio do Mecanismo de Seleo Natural seria sua grande

    novidade. Contudo, a tese da Seleo Natural, como mecanismo para

    evoluo, j tinha encontrado outros defensores, como o prprio av

    de Charles Darwin, Erasmus Darwin. Embora seja verdade que, nos

    trabalhos de Darwin, o mecanismo de Seleo Natural aparea com maior

    importncia e numa estrutura lgica nova, ainda assim o argumento

    no era novo.

    A viagem no Beagle e o conseqente acmulo de dados, para

    corroborar suas afi rmaes, outra novidade que aponta para os

    trabalhos de Darwin, mas isto tambm no era novidade. O escocs

    ROBERT CHAMBERS (1802-1871), contemporneo de Darwin, j havia

    publicado o livro Vestgios da histria natural da criao, em 1844,

    que tambm reunia uma compilao imensa de dados para corroborar

    suas idias evolutivas. Embora os dados de Chambers fossem de origem

    secundria, ou seja, compilados da literatura cientfi ca da poca, a leitura

    do seu livro no deve nada, em termos de exemplos, queles presentes

    nA origem das espcies. Qual seria a novidade, ento?

    ROBERT CHAMBERS

    Nasceu na pequena cidade de Peebles,

    na Esccia, em 1802, tendo sido,

    na sua poca, jornalista famoso

    em Edimburgo, editor, autor de livros

    populares e fi lsofo natural.

  • C E D E R J46

    Evoluo | Histrico do estudo da Evoluo

    Uma grande revoluo da teoria darwiniana foi a mudana na

    forma de encarar a variao presente entre indivduos da mesma espcie.

    At Darwin, as variaes individuais eram encaradas como desvios,

    como erros do tipo de cada espcie. Como j foi dito aqui, a espcie era

    concebida como expresso da idia, continha uma essncia, entendida

    como a chave da criao. Esta perspectiva tipolgica era marcada

    pela noo de perfeio. Darwin, por outro lado, encarava a variao

    individual sob a perspectiva populacional. Para ele, a espcie no era mais

    a expresso de um tipo perfeito, mas um grupo (ou grupos) de indivduos

    que partilhavam caracteres e tinham continuidade histrica atravs da

    reproduo. Essa revoluo baseada numa perspectiva materialista

    da variao individual, que deixou de ser tida como esttica, resultado da

    expresso imperfeita da idia, ou um rudo a ser evitado na atividade de

    ordenao (classifi cao) do mundo vivo, e passou a ser entendida como a

    realidade do mundo biolgico e o material da evoluo.

    A partir dessa perspectiva materialista, Darwin pde entender o processo

    de especiao como processo de converso da variao entre indivduos, dentro

    de determinada populao, em variao entre populaes diferentes, no tempo e

    no espao. Esta a segunda novidade da teoria darwinista: entender o processo

    de especiao como processo de transformao de variao intrapopulacional

    em variao interpopulacional.

    Essas duas novidades presentes no livro A origem das espcies

    tm conseqncias importantes, que foram percebidas imediatamente

    e causaram muita controvrsia. Primeiro, fi cava estabelecido que a

    natureza das diferenas entre as espcies era a mesma das diferenas

    entre os indivduos da mesma espcie. Essa interpretao era radicalmente

    contrria ao ponto de vista tipolgico que encarava as diferenas entre

    as espcies como produto de variaes em torno de uma essncia de

    origem na Criao. Segundo, se o processo de formao de novas espcies

    dava-se pelo fracionamento da variao intrapopulacional em variao

    interpopulacional, a regresso desse processo nos levaria a conceber uma

    origem comum a todos os seres vivos que conhecemos, o que tambm se

    contrapunha violentamente idia de uma criao especial.

    Mais que isto, uma terceira concluso: a evoluo aconteceria

    sem um propsito, seria um processo de leis simples, para o qual no

    existia espao para uma idia de progresso. Essas concluses eram to

    revolucionrias e ameaadoras que, segundo relatos da poca, ao ver

  • C E D E R J 47

    AU

    LA 3

    uma exposio de Darwin sobre sua teoria, uma dama da aristocracia inglesa teria dito a seu marido: Espero que a teoria do Sr. Darwin no

    seja verdadeira, e se for, que no se torne muito conhecida.

    Ainda era necessrio, porm, explicar que foras determinariam o

    processo de diviso da variao; ou seja, qual o mecanismo da evoluo.

    QUAL O MECANISMO?

    No Captulo 3 de A origem das espcies, denominado Luta pela

    existncia, Darwin apresentou trs observaes e duas dedues, que

    constituem uma nova roupagem para a velha idia de Seleo Natural.

    Segundo ele, na Natureza, encontramos um nmero de parentais muito

    menor que o de descendentes (primeira observao). Seno, vejamos:

    Considera-se o elefante como animal de multiplicao mais lenta.

    Dei-me ao trabalho de calcular sua provvel velocidade mnima

    de crescimento natural. Calculando, por baixo, sua capacidade de

    procriao e sua fase de fecundidade, parti do princpio de que cada

    fmea poderia dar luz trs casais de fi lhotes, iniciando sua vida

    frtil aos 30 anos e encerrando-a aos 90. Assim sendo, ao fi nal de

    cinco sculos, haveria, vivos, 15 milhes de elefantes, descendentes

    de um nico casal primitivo.

    No entanto, continua Darwin, fcil constatar que essa situao

    no ocorre de fato; na realidade, o tamanho da populao de elefantes

    e de outras populaes naturais tm-se mantido mais ou menos constante

    ao longo do tempo (segunda observao). A deduo bvia extrada

    dessas duas observaes a de que existe mortalidade de descendentes

    (primeira deduo).

    Nesse ponto, Darwin nos fornece sua terceira observao, que

    , de fato, a grande novidade da sua teoria: existem diferenas entre os

    indivduos de uma populao, diferenas estas que podem aumentar

    ou diminuir as chances de o indivduo ser bem sucedido no ambiente

    (terceira observao). Diante dessas trs observaes e de posse da

    primeira deduo, possvel entender que a mortalidade no ocorre

    ao acaso, mas em funo das diferenas individuais (segunda deduo);

    ou seja, a mortalidade dos descendentes ocorre segundo um processo de

    seleo que a Natureza opera, uma Seleo Natural.

  • C E D E R J48

    Evoluo | Histrico do estudo da Evoluo

    Figura 3.1: Resumo esquemtico das trs observaes e duas dedues de Darwin,

    expostas no Captulo 3 de A origem das espcies.

    Assim, a perspectiva materialista da variao se impunha,

    possibilitando uma interpretao extremamente elegante do mecanismo

    de Seleo Natural. A conseqncia de assumir um mecanismo como

    este, guiando a evoluo, era estrondosa: um processo acfalo, uma

    evoluo sem desenho. Desse modo, tinha-se, naquele momento,

    uma defi nio do processo evolutivo que poderia ser resumida da seguinte

    forma: descendncia com modifi cao guiada por fora de seleo natural.

    Na seta do tempo, se se