pde 2013 escola ativa - orientações pedagógicas para formação de educadoras e educadores

Upload: morenarizo

Post on 02-Mar-2016

36 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 1Unidade I

    Orientaespedaggicas para

    formao deeducadoras

    e educadores

  • 2 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    E Q U I P E E D I TO R I A LArmnio Bello SchmidtBernard Herman HessEliete vila WolffGraciete Maria Nascimento BarrosSara de Oliveira Silva LimaSisley Cintia Lopes RochaViviane Costa Moreira

    A S S E S S O R I A P E D A G G I C ACacilda R. CavalcanteCllia Adriana Matos dos SantosDbora Amorim Gomes da Costa MacielElaine Maria Augusto de AzevedoEliane Alves de MeloGlauciane Pinheiro Andrade CoutoGildete Dutra EmerickIvanilde Oliveira de CastroJos Edson de Oliveira LimaJos Roberto Rodrigues de OliveiraLenira Silveira BarbosaMaria de Ftima da Costa SaraivaMarize Souza CarvalhoOlgalice dos Santos Suzarte de JesusOscar Ferreira BarrosMaria Izabel Brunacci Ferreira dos SantosAna Paula Lima Figueiredo

    P R O J E TO G R F I C O E I L U S T R A OAndr Carvalho Iluminura Design

    R E V I S OBernard Herman Hess

    BRASLIA, Outubro de 2008

    Brasil. Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade. Programa Escola Ativa - Orientaes Pedaggicas para a formao de educadoras e educadores. Braslia : SECAD/MEC, 2009. 80 p. : il. 1. Programa Escola Ativa. 2. Educao do campo. I. Brasil. Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade. II. Ttulo. isbn: 978-85-60731-72-5 cdu 371.3

    MINISTRIO DA EDUCAOSECRETARIA DE EDUCAO CONTINUADA, ALFABETIZAO E DIVERSIDADE

    Coordenao Geral de Educao do Campo CGEC/SECAD/MECSGAS Quadra 607, Lote 50, sala 104CEP: 70.200-670 Braslia - DF(61) [email protected]

    Orientaespedaggicas para

    formao deeducadoras

    e educadores

  • 3Unidade I

    Orientaespedaggicas para

    formao deeducadoras

    e educadores

  • 4 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    E Q U I P E E D I TO R I A LArmnio Bello SchmidtBernard Herman HessEliete vila WolffGraciete Maria Nascimento BarrosSara de Oliveira Silva LimaSisley Cintia Lopes RochaViviane Costa Moreira

    A S S E S S O R I A P E D A G G I C ACacilda R. CavalcanteCllia Adriana Matos dos SantosDbora Amorim Gomes da Costa MacielElaine Maria Augusto de AzevedoEliane Alves de MeloGlauciane Pinheiro Andrade CoutoGildete Dutra EmerickIvanilde Oliveira de CastroJos Edson de Oliveira LimaJos Roberto Rodrigues de OliveiraLenira Silveira BarbosaMaria de Ftima da Costa SaraivaMarize Souza CarvalhoOlgalice dos Santos Suzarte de JesusOscar Ferreira BarrosMaria Izabel Brunacci Ferreira dos SantosAna Paula Lima Figueiredo

    P R O J E TO G R F I C O E I L U S T R A OAndr Carvalho Iluminura Design

    R E V I S OBernard Herman Hess

    BRASLIA, Outubro de 2008

    Brasil. Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade. Programa Escola Ativa - Orientaes Pedaggicas para a formao de educadoras e educadores. Braslia : SECAD/MEC, 2009. 80 p. : il. 1. Programa Escola Ativa. 2. Educao do campo. I. Brasil. Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade. II. Ttulo. isbn: 978-85-60731-72-5 cdu 371.3

    MINISTRIO DA EDUCAOSECRETARIA DE EDUCAO CONTINUADA, ALFABETIZAO E DIVERSIDADE

    Coordenao Geral de Educao do Campo CGEC/SECAD/MECSGAS Quadra 607, Lote 50, sala 104CEP: 70.200-670 Braslia - DF(61) [email protected]

  • 5Unidade 1

    Prezadas educadoras e educadores,

    o Ministrio da Educao, por meio da Coordenao Geral de Educao do Campo/secad , apresenta o Caderno de Orientaes Pedaggicas para a formao de educadoras(es) que atuam em classes multisseriadas por meio do Programa Escola Ativa. O objetivo desse material fornecer subsdios tericos e metodolgicos para a organizao do trabalho pedaggico nas classes multisseriadas, preparando educadoras(es) e gestores para atuar na realidade da Educao do Campo.

    Esse caderno constitudo pelos seguintes mdulos: Fundamentos da Educao do Campo; Escola Ativa: um programa para classes multisseriadas; Metodologia do Programa Escola Ativa; Organizao do trabalho pedaggico em turmas multisseriadas que adotam o Programa Escola Ativa; Gesto democrtica; Relao escola-comunidade; Cantinhos de aprendizagem: espaos interdisciplinares de pesquisa; Metodologia dos cadernos de ensino e aprendizagem; A importncia do ato de planejar; A prtica da avaliao da aprendizagem escolar. Cada Mdulo composto de atividades, princpios poltico-pedaggicos e orientaes metodolgicas destinadas a estimular os debates e as reflexes em grupo e/ou individualmente, para a consolidao de uma poltica pblica de educao para as classes multisseriadas.

    A presente verso do Caderno de Ensino e Aprendizagem resultado do processo de reviso, realizado aps 10 anos contnuos de experincia. A partir desta, a reformulao foi concebida com a finalidade de atualizar os contedos e de aperfeioar a metodologia utilizada pelos educadores que atuam em classes multisseriadas presentes, em sua maioria, nas escolas do campo brasileiro. Para conhecer essa experincia foi solicitada uma pesquisa, com educadores e tcnicos dos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, realizada pela Universidade Federal do Par. Ao inserir-se na Educao do Campo, esse Programa tambm foi repensado e suas concepes reformuladas, atendendo s orientaes das Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo - Resoluo cne/ceb n 1 de 03 de abril de 2002 e as Diretrizes complementares, normas e princpios para o desenvolvimento de polticas pblicas de atendimento da Educao Bsica do Campo, Resoluo n 2, de 28 de abril de 2008

    Ministrio da EducaoCoordenao-Geral de Educao do Campo

  • 6 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    Sumrio

  • 7Unidade 1

    m d u l o i

    m d u l o i i

    m d u l o i

    m d u l o i i

    m d u l o i i i

    m d u l o i v

    m d u l o v

    m d u l o v i

    m d u l o v i i

    m d u l o v i i i

    Apresentao 5

    Acerca das temticas de estudo deste caderno 8

    U N I D A D E 1

    Fundamentos da educao do campo 13

    Escola Ativa: um programa para classes multisseriadas 23

    U N I D A D E 2

    Metodologia do Programa Escola Ativa 37

    Organizao do trabalho pedaggico em turmas multisseriadas que adotam o Programa Escola Ativa 40

    Gesto Democrtica 42

    Relao Escola-Comunidade 50

    Cantinhos de Aprendizagem: Espaos Interdisciplinares de Pesquisa 54

    Metodologia dos Cadernos de Ensino e Aprendizagem 57

    A Importncia do Ato de Planejar 61

    A Prtica da Avaliao da Aprendizagem Escolar 66

    Referncias bibliogrficas 73

  • 8 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    Acerca das temticas de estudo deste caderno

    Educador(a), bom t-lo(a) conosco no Programa Escola Ativa! Estamos numa nova fase de atuao com as escolas do campo, organizadas em classes multisseriadas. Vivemos o momento de pensar essa escola vinculada construo de um projeto de educao do campo para o Brasil, assumindo-a como um espao de vida e de fortalecimento das identidades sociais.

    A escola do campo, includa cada vez mais na agenda das polticas pblicas, tem como desafio oferecer educao de qualidade social para todos os povos que vivem nesse e desse espao. Se a escola do campo mudou porque o prprio campo est em movimento e do campo que resultam as reivindicaes histricas mais acentuadas pela garantia do direito vida com dignidade e valorizao humana.

    O Programa Escola Ativa procura acompanhar o avano desse direito junto s classes multisseriadas. Isso significa tratar a educao escolar como instrumento pedaggico para construir um projeto de desenvolvimento que garanta a igualdade de direitos, a justia social e a solidariedade entre os sujeitos do campo.

    Por outro lado, este Caderno Pedaggico oferece uma metodologia de formao baseada na inter-relao entre ensino, estudo e pesquisa pedaggica, no mbito da realidade da escola com classes multisseriadas e da prpria realidade

  • 9Unidade 1

    da educao do campo; lana mo de outros acervos bibliogrficos, de recursos metodolgicos e de tecnologias existentes; procura contribuir com o processo de formao docente investigativo, didtico e propositor da construo de um projeto de educao para o campo.

    Na concepo de ensino e aprendizagem do Programa Escola Ativa isso significa o fortalecimento do processo educativo baseado na apropriao, na reelaborao e na assimilao de saberes e de conhecimentos, alm de suas respectivas implicaes prticas para a vida do povo campons, assim como para sua leitura de mundo. Para realizar essa metodologia de formao propomos que o estudo acontea com base no seguinte percurso formativo:

    A Atividade Bsica; B Atividade Prtica e C Atividade de Aplicao e Compromisso Social.

    A Atividade Bsica inicia o processo pedaggico do Programa Escola Ativa por meio de problematizaes. Problematizar significa trazer um tema ou uma questo para o debate e para o estudo, tornando-o objeto de conhecimento e aprendizagem. Aqui se busca conhecer a experincia, os conceitos j formulados anteriormente e sua relao com a realidade. Por meio dos Cadernos de Ensino-Aprendizagem estimula-se a descoberta da vida cotidiana dos sujeitos e as mltiplas relaes de aprendizagens que so estabelecidas na escola e na comunidade.

    A Atividade Bsica objetiva levantar os conhecimentos acerca das experincias acumuladas. Essa seo constituda de perguntas que estimulem a reflexo e a curiosidade sobre a realidade, transformando-se num alicerce para a aquisio de novos conhecimentos. Pode ser feita por meio de atividades individuais e/ou grupais, realizando debates registrados em relatrios individuais e/ou coletivos. Este tambm o momento em que a(o) educadora(o) introduzir novos conceitos e conhecimentos, aprofundando o estudo das temticas em questo.

    O estudo das temticas deve ser compreendido tambm como um momento de aproximao dos diferentes conhecimentos acumulados pela humanidade. Trata-se do confronto para o estabelecimento de comparaes e superaes, alm da apropriao de novas interpretaes do real. importante atentar para que no acontea a desvalorizao dos saberes identificados com a comunidade, pois desse estudo derivar uma viso de mundo mais elaborada. Neste momento j podem ser pensadas aes que articulem com o momento que se segue, atravs da formulao de perguntas a respeito do tema em estudo e sua relao com a sociedade e a vida da comunidade.

  • 10 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    A Atividade Prtica consiste na consolidao e ampliao do contedo, incluindo a pesquisa em acervos bibliogrficos, documentais, oficiais, jornalsticos, buscando a relao com as cincias sociais, naturais e humanas, para que se possa levantar um conjunto de conhecimentos cientficos e tecnolgicos que possibilitem maior compreenso do objeto em estudo.

    O objetivo dessa seo oferecer (ao) educadora(or) e ao() educando(a) o estmulo para explorar, analisar, expor, discutir, rever e ampliar suas idias, compartilhando diferentes pontos de vista; contextualizar e problematizar sua vida, fazer previses que superem as limitaes detectadas no debate, possibilitando o desenvolvimento de novas aprendizagens.

    Durante o estudo e o debate das temticas, os diferentes saberes podem ser registrados constantemente para que se possa construir um memorial pedaggico. O dilogo pode acontecer auxiliado por um processo de sistematizao desses diferentes saberes, levantando temticas de pesquisa que podero servir como indicadores de anlise e de investigao da sua realidade. Essa atividade pode ser feita por meio de anlises, observaes, reflexes e interaes com outros docentes, discentes e com a comunidade.

    O passo seguinte realizar a Atividade de Aplicao e Compromisso Social. Essa atividade fundamental para o desenvolvimento de aes polticas, didticas e operativas voltadas para a realidade da educao do campo e para o processo de ensino-aprendizagem na escola multisseriada.

    Tendo como base as atividades anteriores, a Atividade de Aplicao e Compromisso Social possibilita ao() educando(a) a aplicao do conhecimento adquirido, concretizada em uma situao real seja na escola, na famlia ou na comunidade. Ela tem por objetivo construir condies de mudanas pedaggicas, curriculares e metodolgicas na escola do campo, instigar tanto o docente quanto o discente a reafirmar na prtica escolar o conhecimento, aproximando-se ainda mais da realidade que se pretende mudar.

    Nessa atividade, deve-se elaborar e concretizar projetos, espaos de aprendizagem, aes sociais e um conjunto de atividades que tratem das necessidades de educadoras(es), educandos(as), j problematizadas e dialogadas, valorizando o trabalho pedaggico e sua relao com os saberes e com os conhecimentos apropriados, reelaborados e assimilados anteriormente. Este um importante momento de consolidao da aprendizagem.

    Neste momento de concretizao de propostas e aes pedaggicas da escola, a Atividade de Aplicao e Compromisso Social conclui o percurso de formao pedaggica do Programa Escola Ativa, conduzindo os(as) educandos(as) para uma

  • 11Unidade 1

    nova jornada de estudos. Ento, uma nova fase de estudos possibilita a introduo de um novo contedo.

    Essa metodologia conduz a novas aprendizagens por meio do processo de anlise, reelaborao, apropriao e ressignficao de novos conhecimentos, pois cada etapa do estudo leva a realizao de um trabalho de sntese (investigao, dilogo e aplicao) do conhecimento anterior.

    Assim, educadora(or), faa deste Programa um alicerce para as suas prticas educativas e atue no sentido de mudar a realidade educacional do campo, e a sua formao terica e metodolgica para atuar com as escolas do campo. Mas no esquea que esse caderno pedaggico apenas um dos instrumentos da sua formao, a qual deve ser acrescida de outros estudos e pesquisas.

    Programa Escola Ativa

  • 12 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    Unidade

  • 13Unidade 1

    Mdulo I Fundamentos da Educao do Campo

    1 Descreva sua experincia com a educao do campo em seu municpio.2 O que voc compreende sobre Educao do Campo?3 Agora, leia e reflita sobre o texto a seguir:

    I contexto histrico-poltico da educao do campoMovimentos e articulaes em defesa de um projeto educativo adequado

    s caractersticas do meio rural vm se desenvolvendo desde a dcada de 1930, no contexto dos debates sobre a universalizao da escola pblica. No entanto, foi a partir da Primeira Conferncia Nacional Por uma Educao Bsica do Campo, realizada em Luzinia (go), em 1998, que esse movimento incorporou o conceito de Educao do Campo. Esse encontro defendeu o direito dos povos do campo s polticas pblicas de educao com respeito s especificidades, em contraposio s polticas compensatrias da educao rural.

    Essa Conferncia foi o resultado de um longo processo de luta dos povos organizados do campo e trouxe a especificidade da Educao do Campo associada produo da vida, do conhecimento e da cultura do campo, apontando aes para a escola e para a formao de educadores.

    A Educao do Campo, defendida pela Conferncia, tratou da luta popular pela ampliao do acesso, permanncia e direito escola pblica de qualidade no campo as pessoas tm o direito de estudar no lugar onde vivem (espao de produo e de cultura), e do campo as pessoas tm o direito de estudar o lugar onde

    ATIVIDADE BSICA

  • 14 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    vivem (dos agricultores, extrativistas, ribeirinhos, caiaras, quilombolas, pescadores, seringueiros etc.), incorporando distintos processos educativos no seu Projeto Poltico Pedaggico.

    Essa concepo de Educao do Campo foi incorporada ao documento das Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo1 , oriundas dos debates acumulados historicamente pelos movimentos sociais, pelas universidades, pelo governo e pelas ong , entre outros grupos organizados que formaram a Articulao Nacional Por uma Educao do Campo.

    Nas Diretrizes, a identidade das escolas do campo definida:

    (...) pela sua vinculao s questes inerentes sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes prprios dos estudantes, na memria coletiva que sinaliza futuros, na rede de cincia e tecnologia disponvel na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as solues exigidas por essas questes qualidade social da vida coletiva no pas. (art. 2, pargrafo nico cne/ceb , 2002).

    Na II Conferncia Nacional Por uma Educao do Campo, ocorrida em agosto de 2004, em Luzinia/go, definiu-se a ampliao de novos campos de luta para a Educao do Campo, sinalizando a consolidao de um projeto histrico de educao, conduzido e organizado pelos sujeitos sociais do campo. Recolocou-se o campo e a educao na agenda poltica do pas, impulsionada pela luta pela democratizao do acesso terra e educao escolar, como direito de todos e dever do Estado. Com isso, firma-se uma nova agenda poltica definida na Carta de Luzinia: Defesa de um projeto de sociedade justa, democrtica e igualitria; que contemple

    um projeto de desenvolvimento sustentvel do campo, que se contraponha ao latifndio e ao agronegcio.

    Defesa de uma educao que ajude a fortalecer um projeto popular de agricultura, que valorize e transforme a agricultura familiar/camponesa e se integre na construo social de um outro projeto de desenvolvimento sustentvel de campo e de pas.

    Defesa de uma educao para superar a oposio entre campo e cidade e a viso predominante de que o moderno e mais avanado sempre o urbano, e que o progresso de um pas se mede pela diminuio da sua populao rural.

    Defesa da mudana da forma arbitrria atual de classificao da populao e dos municpios como urbanos ou rurais. Essa classificao transmite uma falsa viso do significado da populao do campo em nosso pas, e tem servido como justificativa para a ausncia de polticas pblicas destinadas a ela.

    Defesa do campo como um lugar de vida, cultura, produo, moradia, educao, lazer,

    1CNE. Resoluo CNE/CEB 1/2002.

    Dirio Oficial da Unio,

    Braslia, 9 de abril de

    2002. Seo 1, p. 32.

  • 15Unidade 1

    cuidado com o conjunto da natureza, e de novas relaes solidrias que respeitem as especificidades sociais, tnicas, culturais e ambientais dos seus sujeitos.

    Defesa de polticas pblicas de educao articuladas ao conjunto de polticas que visem garantia do conjunto dos direitos sociais e humanos do povo brasileiro que vive no e do campo. Polticas que efetivem o direito educao para todos e todas e que este direito seja dever do Estado.

    Construo de uma poltica especfica para a formao dos profissionais da Educao do Campo.

    Ainda na II Conferncia, a Educao do Campo foi tratada como uma questo nacional que necessita de polticas pblicas a fim de elevar a escolarizao dos povos do campo, a partir do dilogo entre os movimentos e as organizaes sociais e sindicais, e as esferas federal, estadual e municipal.

    Signatrio da II Conferncia o Ministrio da Educao criou, em 2004, a Coordenao-Geral de Educao do Campo com a responsabilidade de elaborar e conduzir uma Poltica Pblica Nacional de Educao do Campo; institucionalizou o gpt Grupo Permanente de Trabalho da Educao do Campo2 e incentivou a criao de Comits/Fruns e Coordenaes Municipais e Estaduais de Educao do Campo.

    Entre 2004 e 2005 foram realizados 25 Seminrios Estaduais de Educao do Campo incentivados e apoiados pela secad/mec. O principal objetivo foi a divulgao das Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo. Participaram desse momento histrico representantes dos sistemas municipais e estaduais, do mec e de universidades.

    Ao final de cada Seminrio foram firmados compromissos por meio das Cartas dos Estados, entre esses, a indicao da criao de Comits de Educao do Campo e de Coordenaes de Educao do Campo nas Secretarias Estaduais de Educao.

    Um dos principais objetivos dos Comits discutir a realidade (os problemas, as solues, as experincias e as especificidades) e propor alternativas para a educao do campo, no sentido de promover a construo de uma poltica pblica de educao do campo pautada nas Diretrizes Operacionais para Educao Bsica nas Escolas do Campo.

    II concepo e fundamentos da educao do campo

    A concepo de uma educao a partir do campo e no campo foi formulada em um contexto de problematizao de conceitos e idias at ento arraigados na sociedade brasileira, como tem sido o de educao rural. A concepo de Educao do Campo, em substituio Educao Rural, entende campo e cidade enquanto duas partes de uma nica sociedade, que dependem uma da outra e no podem ser

    2 Mediante Portaria

    Ministerial n 1.258

    de 2007, o GPT do

    Campo se transforma

    na Comisso

    Nacional de Educao

    do Campo.

  • 16 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    tratadas de forma desigual. A concepo de educao que historicamente pautou as iniciativas educacionais

    para o meio rural fundamenta-se, principalmente, na categorizao urbano/rural, na qual o espao rural definido, de acordo com critrios do ibge, pela sua localizao geogrfica e a baixa densidade populacional; por um projeto de desenvolvimento centrado nas atividades urbano-industriais, segundo o qual o campo tenderia ao desaparecimento, no sendo pertinente, portanto, o investimento em polticas estruturantes nesse espao; pela concepo de rural enquanto espao tipicamente de atividades agrcolas, priorizando o latifndio.

    Desse projeto social, resulta um modelo educacional pautado na oferta de educao mnima, restrita s primeiras sries do Ensino Fundamental; escolas em condies precrias; educadores com pouca formao e baixos salrios; incorporao de conceitos urbanos que desconsideram a realidade e a vida camponesa, que alimentam a competitividade, o individualismo e desprezam as diferenas.

    Por sua vez, a Educao do Campo compreendida, ao mesmo tempo, como conceito em movimento, enquanto unidade poltico-epistemolgica, que se estrutura e ganha contedo no contexto histrico, que se forma e se firma no conjunto das lutas de movimentos sociais camponeses; que se manifesta e transforma nas relaes sociais, reivindicando e abrindo espao para a efetivao do direito educao, dentro e fora do Estado.

    Nessa perspectiva, a Educao do Campo se diferencia da educao rural, pois construda por e para os diferentes sujeitos, territrios, prticas sociais e identidades culturais que compem a diversidade do campo. Ela se apresenta como uma garantia de ampliao das possibilidades de homens e mulheres camponeses criarem e recriarem as condies de existncia no campo. Portanto, a educao uma estratgia importante para a transformao da realidade dos homens e das mulheres do campo, em todas as suas dimenses.

    O campo, compreendido a partir do conceito de territorialidade3 , o lugar marcado pela diversidade econmica, cultural e tnico-racial. espao emancipatrio quando associado construo da democracia e de solidariedade de lutas pelo direito terra, educao, sade, organizao da produo e pela preservao da vida. Mais do que um permetro no-urbano, o campo possibilita a relao dos seres humanos com sua prpria produo, com os resultados de seu trabalho, com a natureza de onde tira o seu sustento. Se comprometida com a diversidade do trabalho e sua cultura, a educao ter tambm especificidades que precisam ser incorporadas nos projetos poltico-pedaggicos. Entendemos, no entanto, que o campo e a cidade so dois plos de um continuum, duas partes de um todo, que no podem se isolar, mas, antes de tudo, articulam-se, completam-se e se alimentam mutuamente.

    3A Secretaria de Desenvolvimento

    Territorial/MDA

    define territrio como

    um espao fsico,

    geograficamente definido,

    geralmente contnuo,

    compreendendo a cidade

    e o campo, caracterizado

    por critrios

    multidimensionais tais

    como o ambiente, a

    economia, a sociedade,

    a cultura, a poltica e

    as instituies e uma

    populao com grupos

    sociais relativamente

    distintos, que se

    relacionam interna e

    externamente por meio

    de processos especficos,

    onde se pode distinguir

    um ou mais elementos

    que indicam identidade

    e coeso social, cultural

    e territorial (SDT/MDA.

    Territrios Rurais.

    www.mda.gov.br ).

  • 17Unidade 1

    A Educao do Campo, ento, se afirma na defesa de um pas soberano e independente, vinculado construo de um projeto de desenvolvimento, no qual a educao uma das dimenses necessrias para a transformao da sociedade, que se ope ao modelo de educao rural vigente. Nessa perspectiva, a escola torna-se um espao de anlise crtica para que se levantem as bases para a elaborao de uma outra proposta de educao e de desenvolvimento. Nesse sentido, busca-se desenvolver uma proposta de educao voltada para as necessidades das populaes do campo e para a garantia de escolarizao de qualidade, tornando-se o centro aglutinador e divulgador da cultura da comunidade e da humanidade.

    Para Caldart (2002), a associao da Educao do Campo com lutas por polticas pblicas e por reforma agrria o fundamento educativo desse novo Projeto Poltico de Desenvolvimento. No se educa verdadeiramente o sujeito do campo sem transformar as condies de desumanizao. A conquista da humanizao se d na prpria luta contra a desumanizao. Caldart compreende que o desafio para as escolas do campo a formao para recuperar as condies humanas dos povos do campo. Por isso to central a definio do tipo de escola que se quer e do projeto educativo que ali se desenvolve. Para tanto se resgata a experincia histrica da educao popular e das prticas educativas que supriram o histrico vazio deixado pelo poder pblico nas regies rurais.

    Cada povo do campo tem sua forma de viver. Ribeirinhos, caiaras, quilombolas, seringueiros, agricultores familiares, indgenas se diferenciam entre si devido ao trabalho que realizam e cultura gerada por suas formas de trabalho. Do mesmo modo se assemelham entre si, pois possuem as mesmas carncias, as mesmas limitaes econmicas, materiais, humanas e de acesso cultura. A conquista do acesso universal a todo o conhecimento produzido pela humanidade e a garantia de uma formao que busque novas estratgias educativas e promova o desenvolvimento humano integral outro dos desafios da Educao do Campo.

    III princpios filosficos e pedaggicos da educao do campoAo resgatar a dimenso scio-poltica da Educao do Campo se exige dos

    sujeitos educativos distintas formas de organizao do trabalho pedaggico e do trato com o conhecimento, apontando tanto para a busca de processos participativos de ensino e aprendizagem, quanto de ao social para a transformao. Dessa maneira a Educao do Campo evidenciar o respeito diversidade cultural e s realidades que fazem parte das comunidades.

    A Educao do Campo advoga princpios filosficos4 que dialogam com concepes de sociedade, de desenvolvimento e de educao:

    a) Educao para a transformao social Na Educao do Campo o processo

    4 Os princpios defendidos nesse texto

    se fundamentam, em

    grande parte, nos

    princpios contidos nas

    Referncias para uma

    Poltica Nacional de

    Educao do Campo.

  • 18 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    educativo compreendido como uma prtica de liberdade, vinculado dinmica social e poder contribuir com os processos de transformaes sociais, visando justia e humanizao da sociedade. Poder possibilitar a interveno consciente no processo histrico, o que implica a defesa do vnculo orgnico entre os processos educativos e os processos polticos, econmicos e culturais.

    b) Educao para o trabalho e a cooperao O entendimento do trabalho fundamental para a compreenso das relaes sociais e do processo de formao e desenvolvimento do ser humano e da sociedade. O trabalho, visto como base para a sociedade, transforma a natureza e produz os bens materiais e no-materiais como o saber, a tecnologia, o alimento, o abrigo, a arte, necessrios para a vida humana. O Programa Escola Ativa tem como um de seus pilares a compreenso de que trabalho e educao no so opositores, mas se integram, dando significado ao ato de trabalhar e de estudar. Sem trabalho no h vida e no h cultura, o trabalho concebido como condio para a autonomia (econmica e intelectual).

    c) Educao voltada para as vrias dimenses da pessoa humana A educao abrange vrias dimenses da pessoa humana as quais constituem o processo formativo. Compreende que os sujeitos possuem histria, participam de lutas sociais, produzem arte, fazem parte de grupos, de gneros, de raas, de etnias e de classes sociais diferenciadas. Portanto, o currculo se desenvolve das formas mais variadas de construo e reconstruo do espao fsico e simblico, do territrio e do meio ambiente buscando a integrao do trabalho pedaggico.

    d) Educao com/para valores humanistas A formao humana todo o processo educativo que possibilita ao sujeito constituir-se enquanto ser social responsvel e livre, capaz de refletir sobre sua atividade, capaz de ver e corrigir os erros, capaz de cooperar e de relacionar-se eticamente, capaz de defender a igualdade e a justia. Esse processo engloba conhecimentos, atitudes, valores e comportamentos construdos no processo educativo.

    e) Valorizao dos diferentes saberes no processo educativo O Programa Escola Ativa busca resgatar, dentro da sala de aula, os saberes comunitrios e relacion-los com as diferentes reas de conhecimento. Os que vivem no campo podem e tm condies de pensar uma educao que traga como

  • 19Unidade 1

    referncia as suas especificidades para inclu-los na sociedade como sujeitos de transformao.

    f) A diversidade de espaos e tempos educativos A Educao do Campo ocorre tanto em espaos escolares quanto fora deles. Envolve saberes, mtodos, tempos e espaos fsicos diferenciados, pois so frutos da produo, da famlia, da convivncia social, da organizao comunitria, da cultura e do lazer. A sala de aula, por sua vez, um espao especfico de sistematizao, de anlise e de sntese das aprendizagens se constituindo, assim, num local de encontro das diferenas, pois nelas que se produzem novas formas de ver, estar e se relacionar com o mundo.

    g) Educao como estratgia para o desenvolvimento sustentvel O desenvolvimento sustentvel pode ser pensado a partir do estudo da relao do ser humano com a natureza, da situao histrica particular de cada comunidade, e da anlise dos recursos disponveis, das expectativas, dos anseios e das necessidades dos que vivem no campo. O currculo do Programa Escola Ativa procura estimular a criao de novas relaes entre pessoas e natureza, entre os seres humanos e os demais seres dos ecossistemas, valorizando a vida, a sade e a sustentabilidade.

    h) Vivncia de processos democrticos e participativos A Escola do Campo deve permitir a educadoras(es), gestores e famlia a vivncia de processos democrticos em estruturas participativas. Esses processos devem contribuir para o desenvolvimento da capacidade de agir por iniciativa prpria, respeitar as decises tomadas no coletivo, buscar a soluo de problemas, exercitar a crtica e a autocrtica, ter compromisso pessoal com as aes coletivas e o compromisso coletivo com as aes individuais. Esses princpios, por sua vez, subsidiam o trabalho pedaggico, o jeito de fazer e de pensar a educao e a escola do campo, tal como possvel observar nos princpios organizativos abaixo:

    a) Na abordagem do conhecimento 1 A aprendizagem ocorre por meio da ao humana e mediante a apropriao

    (ativa e criativa) de conceitos que possibilitam o desenvolvimento de estgios mais elevados de raciocnio e, conseqentemente, novas formas de atuao e compreenso de mundo;

    2 O conhecimento e os saberes so instrumentos de mediao

  • 20 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    disponveis para que a(o) educadora(or) promova aprendizagens, devendo ser traduzido e adequado s possibilidades scio-cognitivas dos(as) educandos(as).

    3 Uma das mais importantes tarefas do educador(a) aprofundar seu conhecimento sobre as teorias pedaggicas que possibilitam a compreenso do fenmeno educativo;

    4 Os temas mais necessrios so aqueles que tratam das grandes problemticas que afetam a vida dos(as) educandos(as), da comunidade e da escola.

    5 A realidade interdisciplinar. Assim, o Programa Escola Ativa procura integrar-se realidade considerando como uma de suas metas a interdisciplinaridade. Esta mais vinculada postura do educador(a) frente ao objeto do conhecimento do que estrutura curricular.

    6 A qualidade do trabalho docente depende da articulao contnua entre ensino e pesquisa.

    b) Na abordagem metodolgica 1 O processo de ensino e aprendizagem articula a organizao do

    trabalho pedaggico, a forma de tratar o conhecimento e a construo coletiva do Projeto Poltico Pedaggico da escola;

    2 Os objetivos, os contedos e os processos avaliativos so articulados

    no planejamento e envolvem a participao dos diversos segmentos da comunidade escolar, materializando-se em situaes concretas de aprendizagem em sala de aula;

    3 O processo de ensino e aprendizagem potencializado pela metodologia problematizadora, que localiza a(o) educadora(o) como condutor(a) do estudo da realidade, percorrendo as seguintes etapas: I) Levantamento de elementos da realidade; II) Problematizao em sala de aula da realidade apresentada e dos contedos trabalhados; III) Teorizao (estudos que possibilitem auxiliar a busca de repostas junto ao conhecimento cientfico); IV) Definio de hipteses para soluo das problemticas estudadas; V) Proposies de aes de interveno junto comunidade;

  • 21Unidade 1

    c) Na organizao da gesto da escola 1 A gesto escolar democrtica e participativa, abrange a escola e a

    comunidade. 2 A gesto democrtica e participativa se contextualiza nos processos

    sociais, polticos e econmicos que delimitam/influenciam a ao educativa da instituio escolar.

    3 A constituio e/ou o fortalecimento de coletivos formados por educadoras(es), educandos(as), pais, comunidade organizada e demais trabalhadores, a exemplo do Conselho Escolar, ajudam a empreender, na prtica, pressupostos amplos de gesto democrtica.

    4 O estmulo auto-organizao dos(as) educandos(as) mediante a

    insero, no currculo escolar, de contedos sobre liderana, grupos e equipe e a adoo de vivncia de prticas auto-organizativas e participativas no espao intra e extra-escolar possibilitam tanto a formao de lderes como o desenvolvimento da autonomia.

    A Educao do Campo se apresenta, portanto, como estratgia educacional que se integra ao projeto de emancipao poltica, cultural, econmica e social dos povos do campo. Na Educao do Campo educar tambm ensinar a importncia de participar e de pensar o campo como parte da unidade que o pas, em que campo e cidade se complementam sem se exclurem.

  • 22 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    ATIVIDADE PRTICA

    ATIVIDADE DE APLICAO E COMPROMISSO SOCIAL

    Algo mudou em sua concepo inicial de Educao do Campo? Relate para o grupo. Qual a relao entre a escola do campo presente no seu municpio (currculo,

    gesto, prticas, avaliao, relaes) e as questes sociais?

    Aponte aes polticas e pedaggicas para a interveno na realidade da educao das reas rurais de seu municpio, na perspectiva da Educao do Campo.

  • 23Unidade 1

    Mdulo II Escola Ativa: um programa de apoio poltico e pedaggico para as classes multisseriadas

    I Quais so as necessidades e desafios enfrentados no cotidiano da escola em que voc trabalha?

    2 Quais so as estratgias criadas para enfrentar esses desafios?3 A partir da constatao dos desafios e das estratgias da sua realidade educacional,

    como voc define a escola organizada em classes multisseriadas?4 Que concepo de aprendizagem considera mais enriquecedora para a realizao

    de seu trabalho?5 Leia e reflita sobre o texto seguinte:

    I a escola conhecida como classe multisseriada importante iniciarmos esse dilogo definindo a concepo criada sobre a

    identidade da escola organizada em turmas multisseriadas. Essa escola passou a ser conhecida como multisseriada para caracterizar um modelo de escola do campo que rene num nico espao um conjunto de sries do Ensino Fundamental.

    Sabe-se que a compactao de sries na mesma sala de aula define tambm a forma de organizao da escola mais tpica do campo no Brasil e na Amrica Latina. Essa forma de organizao precisa ser discutida e encarada com muita seriedade, pois supe a anlise da existncia das classes multisseriadas e das condies necessrias para o trabalho educativo no campo, inserindo-o na construo de um novo projeto popular da escola do campo.

    A escola do campo, onde se faz viva a classe multisseriada, historicamente

    ATIVIDADE BSICA

  • 24 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    foi sustentada por polticas compensatrias garantindo, quando muito, uma manuteno mnima de incentivos e recursos, oferecendo somente as primeiras letras. O sistema educacional sustentou uma escola, muitas vezes sem paredes e sem tetos, ocupando as residncias das(os) educadoras(es), os sales paroquiais, os centros comunitrios ou os prdios pblicos degradados com o tempo e a falta de cuidados. Esse tipo de tratamento, destinado s escolas com turmas multisseriadas, favoreceu a noo de que o campo um lugar atrasado, onde vivem pessoas conservadoras e tradicionais, que pouco necessitam de direitos pblicos garantidos. Soma-se a essa prerrogativa o discurso de que no campo h uma m distribuio da densidade populacional por localidade, principalmente quando se trata de crianas e jovens, justificando a construo de uma escola que possa atender diversidade de idades, reunidas sob a compactao de um conjunto de sries.

    No bojo da construo desse sistema educacional do campo, as classes multisseriadas tornaram-se historicamente uma estratgia para solucionar o acesso escolarizao de um nmero reduzido de crianas e jovens presentes no campo. A baixa densidade populacional, as grandes distncias e tambm a constante expulso dos trabalhadores do campo tornaram as classes multisseriadas quase a nica possibilidade de estudo nas comunidades mais afastadas. Em conseqncia da ausncia de recursos humanos e materiais adequados ao atendimento desse tipo de escola, encontra-se salas de aula empobrecidas, reforando a idia de que para estudar melhor ir para a cidade.

    Uma pesquisa recente sobre a realidade das escolas com classes multisseriadas (hage et al, 2008) destaca que os desafios mais prementes que as(os) educadoras(es) enfrentam em sua atuao nessas escolas o isolamento (situao muito parecida com a realidade de vrios municpios no Brasil). Essas escolas so em grande parte unidocentes, impondo aos docentes uma sobrecarga de trabalho. Somam-se, ainda, s condies adversas do trabalho da(o) educadora(or) o fato de realizar tarefas de merendeiro, de diretor, de servente, de psiclogo, de enfermeiro e de vigia escolar. Ou seja, alm de ser necessrio um outro profissional que auxilie ou divida o trabalho desse educador(a) preciso valoriz-lo(a) no plano de carreira, cargos e salrios, reconhecendo a diversidade de tarefas que deve desempenhar para garantir o funcionamento da escola.

    Essa realidade revela que nas escolas do campo no aparece uma cultura docente, h uma solido da(o) educadora(or) na realizao de seu trabalho. Arroyo (2006), no entanto, em suas reflexes sobre essa situao destaca que, tanto nas pequenas escolas localizadas no meio rural quanto nas escolas da cidade, a cultura docente que aparece solitria, individualizada ou mesmo monodocente, expressa

  • 25Unidade 1

    em discursos e atitudes que afirmam: eu e minhas turmas, eu e minha disciplina.Outra realidade que enfraquece a afirmao da cultura docente nas escolas

    com classes multisseriadas, segundo a pesquisa apresentada acima, so os fracos vnculos que as(os) educadoras(es) possuem com essas escolas, resultante do fato de que a maioria das(os) educadoras(es) que nelas atuam no do campo, est de passagem e grande parte deles(as) busca se liberar para sair do campo. Essa situao tem um forte impacto na continuidade do trabalho pedaggico devido rotatividade das(os) educadoras(es) que atuam nessas escola, revelando o nvel elevado de educadores(as) temporrios entre os profissionais que atuam no meio rural, culminando por agravar ainda mais a precariedade da atuao docente nas escolas do campo e em especial nas classes multisseriadas (hage, et al. 2008).

    Recentemente, uma pesquisa realizada entre os coordenadores e as(os) educadoras(es) do Programa Escola Ativa (ufpa, 2008) revela que um dos grandes desejos a serem alcanados pelas(os) educadoras(es) das classes multisseriadas a criao de polticas pblicas que garantam a qualidade do trabalho docente e de gesto, de maneira que favorea a coletividade e a interao entre esses sujeitos.

    Destaca-se, ainda, outra situao conseqente desse tratamento destinado s escolas do campo. a forte poltica de nucleao e de transporte escolar. Geralmente, encontra-se no discurso que defende a poltica de nucleao uma alternativa para acabar com as escolas unidocentes e multisseriadas, congregando num nico complexo escolar um conjunto de crianas e de jovens que vivem nas comunidades adjacentes. Nesse caso, a nica escola da comunidade, que a prpria escola com classes multisseriadas, fechada e transportam-se os(as) educandos(as) para um local ncleo, no atentando para os impactos sociais, educacionais, econmicos e culturais causados pelo fechamento da escola e pelo translado dos(as) educandos(as) para outras localidades.

    No obstante, a materializao dessa poltica no interior do Brasil, a Resoluo5 que estabelece diretrizes complementares, normas e princpios para o desenvolvimento de polticas pblicas de atendimento da Educao Bsica do Campo (2008), em seu Artigo 3, defende que a Educao Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental sero sempre oferecidos nas prprias comunidades rurais, evitando-se os processos de nucleao de escolas e de deslocamento das crianas. Est presente nessa poltica pblica de Educao do Campo a garantia de que os cincos anos iniciais do Ensino Fundamental, excepcionalmente, podero ser oferecidos em escolas nucleadas, com deslocamento intracampo de educandos(as), cabendo aos sistemas estaduais e municipais estabelecer o tempo mximo em deslocamento a partir de suas realidades.

    Alm dos desafios estruturais que caracterizam a realidade da escola com

    5 resoluo n 2, de 28 de abril de 2008, que

    estabelece diretrizes

    complementares,

    normas e princpios

    para o desenvolvimento

    de polticas pblicas

    de atendimento da

    Educao Bsica do

    Campo. Art. 3 A

    Educao Infantil e os

    anos iniciais do Ensino

    Fundamental sero

    sempre oferecidos nas

    prprias comunidades

    rurais, evitando-se

    os processos de

    nucleao de escolas

    e de deslocamento

    das crianas. 1 Os

    cincos anos iniciais do

    Ensino Fundamental,

    excepcionalmente,

    podero ser oferecidos

    em escolas nucleadas,

    com deslocamento

    intracampo dos

    educandos, cabendo

    aos sistemas estaduais e

    municipais estabelecer

    o tempo mximo

    dos educandos em

    deslocamento a partir

    de suas realidades.

  • 26 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    turmas multisseriadas no Brasil, h outra questo intimamente ligada concentrao de vrias sries num nico espao educativo. Trata-se da organizao do trabalho pedaggico, envolvendo o planejamento curricular e suas implicaes didticas quanto ao aproveitamento escolar dos(as) educandos(as) dessas escolas. As vrias sries juntas demandam um modelo de organizao escolar materializado na forma comprimida entre quatro ou mais sries, na qual o tempo, o espao e os contedos vo impondo formas de trabalhar em coletividade no mesmo espao educativo, fator que dificulta o trabalho pedaggico.

    Entre as estratgias mais freqentes para enfrentar essa situao est a organizao de vrias fileiras ou cantos seriados, com os quais a(o) educadora(or) trabalha separadamente. Para tanto necessrio fazer vrios planejamentos, fragmentar a aplicao dos conhecimentos por srie e reduzir o tempo na escola de horas presenciais com os(as) educandos(as). Nessa estratgia fragmentada necessrio manter crianas pequenas, que necessitam de atividades e recursos pedaggicos especficos para sua idade, sentadas durante um tempo demasiado extenso.

    Numa pesquisa realizada pelo Geperuaz (2004), muitas(os) educadoras(es) expressavam insatisfao com relao existncia das classes multisseriadas pelo fato de no possurem formao especfica para trabalhar com uma turma diversificada em termos de idades e de aprendizagens, estabelecendo muitas comparaes com as turmas seriadas, manifestando a expectativa que essas turmas se transformem em seriadas como alternativa para que o sucesso na aprendizagem se efetive.

    As reflexes realizadas por Arroyo (2001), ao se referir a essa problemtica do modelo seriado, partem dos seguintes questionamentos: O que so as sries? Que concepo de educao elas carregam? E que processos formativos elas provocam? Na viso desse autor, a seriao um tipo de organizao do sistema escolar que est centrada num conjunto de conhecimentos supostamente hierarquizados, no qual a pressupe b e b pressupe c como se fosse a construo de um prdio por lajes, onde uma sustenta a outra. Esse carter hierrquico de contedos ms aps ms, ano aps ano, est baseado em um conjunto de provas e testes, em que somente os bons estudantes tm sucesso na escola, atravs da capacidade de adquirir e de memorizar contedos.

    No obstante, no entendimento de que a mudana do currculo est associada ao fim da seriao na escola do campo, h uma expectativa com relao ao benefcio de trabalhar com uma turma com idades e aprendizagens variadas. Isso pelo fato de que nesses espaos educativos os(as) educandos(as) podem trocar saberes e conhecimentos, ter acesso a contedos de variadas disciplinas e orientar seu colega numa atividade escolar. Nesse caso, o livro didtico tem sido um apoio para o trabalho educativo, apesar de, muitas vezes, os profissionais das turmas multisseriadas consider-

  • 27Unidade 1

    lo inadequado por no trabalhar com a realidade do campo.Os dilemas que as(os) educadoras(es) das classes multisseriadas enfrentam no

    cotidiano escolar so muitos: Como planejar para diferentes idades e aprendizagens em uma mesma sala de aula? Que modelo de organizao escolar pode conformar um projeto pedaggico que atenda a essa diversidade de crianas e jovens do campo numa mesma escola? Como o livro didtico pode acompanhar e apoiar este trabalho? Como lidar sozinho com toda essa diversidade? Como organizar o espao escolar? Como envolver estudantes e comunidade na gesto escolar?

    Ao procurar respostas para essas questes, mesmo no pretendendo esgot-las, o Programa Escola Ativa entende que preciso pensar, pesquisar e registrar a diversidade de tempos de vida e de aprendizagens com que a escola de campo trabalha; quem so essas crianas do campo; como elas aprendem e como se socializam. A partir da definio da identidade dos sujeitos que freqentam as classes multisseriadas e da prpria dinmica do campo, inicia-se um novo modo de pensar um projeto poltico-pedaggico da escola do campo, tomando-se como base as condies reveladas. No obstante, a realizao desta tarefa poltica e pedaggica soma-se a necessidade de enfrentar as marcas das desigualdades do sistema escolar do campo as quais exigem estudos e pesquisas articuladas com outras reas de conhecimento.

    Considera-se que se deve trabalhar com as escolas multisseriadas pensando na construo de uma outra identidade da escola do campo, que no seja vista apenas e resumidamente como multi e ou seriada. Alis, esse caminho para entender e definir se a escola do campo a escola multisseriada no suficiente para garantir uma nova estratgia de interveno. Deve-se, ademais, alargar os horizontes da nossa inveno pedaggica para que seja possvel investigar e expressar as potencialidades de todos os sujeitos que freqentam a escola do campo, definindo assim um tipo de identidade da escola do campo de acordo com as condies regionais e locais dos sujeitos que a freqentam. Por essa razo, o sentido da pesquisa to importante. Cada educador pode fazer de sua experincia pedaggica com as classes multisseriadas e com o Programa Escola Ativa uma fonte de anlise e de reflexo, para que se possa, o mais breve possvel, dar outros passos em direo escola que se quer para o campo brasileiro.

    II o programa escola ativaAs classes multisseriadas constituem uma especificidade da diversa realidade

    educacional do campo. Nesse sentido, o Programa Escola Ativa, enquanto estratgia de organizao do trabalho da(o) educadora(or) e da escola com classes multisseriadas, incorpora os fundamentos e os princpios da Educao do Campo. Seu objetivo criar condies para a aprendizagem voltada para a compreenso da

  • 28 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    realidade social na qual a criana est inserida. Para isto, busca estimular vivncias que objetivam a aprendizagem, a participao, a colaborao, o companheirismo e a solidariedade, envolvendo, reconhecendo e valorizando todas as formas de organizao social.

    O Programa Escola Ativa prope o reconhecimento das diferenas e das diversidades tnicas, cultural, poltica, religiosa e ambiental. Busca, por outro lado, condies para a efetivao do princpio fundamental de igualdade no acesso e na permanncia na escola. Uma vez garantido o lugar e a permanncia, preciso garantir o acesso cultura atravs dos livros, dos materiais didticos, da ampliao dos recursos pedaggicos, do teatro, da msica e da arte em geral.

    O Programa Escola Ativa voltado para a valorizao do profissional da educao escolar. A Educao do Campo busca a garantia de condies adequadas de formao em carter inicial e continuado , de remunerao, de acompanhamento pedaggico e de possibilidades de intercmbio, alm de formas de aprendizagem em servio. A valorizao dos profissionais da educao supe oportunidades de estudo da diversidade e dos processos de interao e de transformao do campo. Cabe a esse profissional destacado protagonismo uma vez que sua participao no processo de ensino e de aprendizagem, no se resume a um mero observador ou provocador de conflitos cognitivos, tendo papel decisivo na organizao de situaes de aprendizagem.

    de fundamental importncia a considerao da comunidade em que a escola se encontra inserida. O princpio da gesto democrtica do ensino pblico corresponde participao da comunidade na elaborao do Projeto Pedaggico da escola, na definio de prioridades e na organizao de tarefas administrativas e de gesto dos recursos da prpria unidade escolar, bem como ao cuidado com o patrimnio da escola. Para o Programa Escola Ativa, a gesto democrtica encontra-se concretizada no elemento curricular Colegiado Estudantil e nos outros instrumentos de participao que chamam os(as) educandos(as) para assumir responsabilidades ante a escola e a comunidade.

    Cabe ressaltar que o princpio de valorizao da experincia extra-escolar e de vinculao entre educao, comunidade e meio ambiente, que esto inseridos nos processos histricos da sociedade, no Programa Escola Ativa se faz na busca da organizao interdisciplinar dos contedos e da relao que se estabelece entre o conhecimento que os(as) educandos(as) trazem de suas experincias de vida e dos contedos escolares.

    O Programa Escola Ativa baseia-se na compreenso de que, para auxiliar a prtica das(os) educadoras(es), visando aprendizagem dos(as) educandos(as), deve-se levar em conta que: O estudante sujeito histrico marcado pelo processo social que vivencia e se

  • 29Unidade 1

    constri nas relaes com o meio social e natural; As(os) educadoras(es) e educandos(as) so protagonistas do processo de ensino e

    aprendizagem, sendo que o papel da(o) educadora(or) o de planej-lo e coorden-lo, introduzir novos conhecimentos, diversificar as possibilidades de acesso;

    A realidade do estudante o ponto de partida do processo de ensino e aprendizagem que l a realidade em patamares cada vez mais elevados de compreenso e interveno social;

    A aprendizagem supe o estudo da realidade e de conceitos para melhor analis-la, e a proposio de aes para transform-la. Esse processo, proposto para estender e tornar viva a relao com o conhecimento, parte da problematizao da vida social, passa por sua interpretao segundo os conhecimentos tericos e posterior interveno.

    A aprendizagem deve estar relacionada com a vida social em todos os seus nveis de organizao atravs do trabalho cooperativo, dentro e fora do espao escolar.

    A escola o lugar especfico onde a criana tem acesso a novos conhecimentos que so instrumentos mediadores que promovem o desenvolvimento humano.

    A escola o espao de encontro entre os conceitos ligados ao senso comum, aos saberes individuais e comunitrios e os conceitos cientficos (saber sistematizado, conhecimento socialmente produzido pela humanidade)6.

    A escola est inserida em um contexto social, poltico, econmico e cultural, e faz parte de sua tarefa pensar sua importncia tanto na preparao para o trabalho quanto na formao do ser humano;

    A(o) educadora(or) no pode e no deve atuar solitariamente7.

    III concepo de ensino e aprendizagem do programa escola ativaOs princpios que fundamentam o Programa Escola Ativa esto relacionados s

    teorias e concepes de ensino e aprendizagem que orientam o trabalho em uma classe multisseriada. Toda ao educativa se baseia, inicialmente, na compreenso alcanada pela(o) educada(or), a respeito de qual ser sua tarefa na formao dos seres humanos que estiverem sob sua responsabilidade. Cada educadora(or) se posiciona em funo de sua experincia e seu domnio terico e metodolgico. Seus conhecimentos se transformam ao longo do tempo. O estudo contnuo faz parte do trabalho da(o) educadora(or) e sua atuao em sala de aula deve manter relao com a concepo presente no projeto Poltico Pedaggico da escola e depende dos materiais didticos de que se dispe para realizar o trabalho. preciso tambm que haja relao entre o papel atribudo escola, as concepes e as atividades de ensino e aprendizagem.

    6 VygotskI se refere aos conceitos

    espontneos que

    a criana aprende

    atravs da relao

    informal com o

    outro (comunidade,

    famlia) que atribuem

    significado s

    experincias vividas.

    7 O Programa Escola Ativa no resolve ou

    substitui a necessidade

    de um educador

    auxiliar na sala de

    aula, a necessidade

    de melhoria das

    condies da

    escola, o acesso a

    livros e materiais

    didticos, assim

    como a formao

    e a valorizao do

    educador.

  • 30 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    Ao direcionar a reflexo para a Educao do Campo, o Programa Escola Ativa busca sintonizar a ao educativa com uma distinta compreenso da escola, da relao educadora(or)-educando(a), da relao escola-comunidade e do sentido que pode adquirir a formao oferecida pela escola, na vida da comunidade e no futuro do pas, atravs de um projeto distinto daquele que hoje dita os rumos do pas. No se compreende a escola como o nico caminho para a transformao da sociedade, mas sabe-se que sem o acesso educao qualquer tentativa de mudana social ser limitada.

    A concepo que fundamenta a proposta educativa defendida pela Educao do Campo busca superar qualquer viso de que o ser humano regido unicamente por leis naturais. Trabalha-se com um ser histrico e, portanto, social, que no nasce pronto. Ele se forma como ser humano enquanto se relaciona com os outros e com as criaes humanas. medida que produz sua vida socialmente, em determinado contexto, modifica-se. atravs da ao sobre o mundo que habita que o ser humano se transforma, se desenvolve e aprende.

    O mundo sempre mais do que a comunidade local, o espao reduzido que circunda a escola. A comunidade est inserida em uma totalidade maior da qual faz parte e pela qual atingida, transformada. Basta observar como as mudanas econmicas ou tecnolgicas atingem cada recanto do pas, por mais remoto que seja. O domnio das questes que a afetam a comunidade tarefa da escola. Por exemplo, temas como a sade, a gua, o ambiente, os meios de comunicao, a produo de alimentos, etc so questes que afetam e interessam a toda a humanidade e delas podem derivar inmeros subtemas de aprendizagem para as crianas. Nesse sentido, os Cadernos de Ensino e Aprendizagem do Programa Escola Ativa fundamentam-se na compreenso de que o ser humano e sua mente se formam e se constituem no ambiente social em que vivem.

    A escola , assim, para as novas geraes, e em particular para a Educao do Campo, o principal lugar de acesso ao conhecimento sistematizado, riqueza cultural, s conquistas cientficas. atravs da apropriao da cultura geral, do domnio das teorias e de sua funo social que se desenvolve a mente e as funes intelectuais superirores. Se, por um lado, as relaes humanas possibilitam a aprendizagem da linguagem falada, tornando-se um elemento central no desenvolvimento, por outro lado a escola propicia o acesso e o domnio da linguagem escrita geradora de importante salto qualitativo na formao da mente humana. Segundo Vygotski (1995), a linguagem arbitrria, ou seja, criada como meio para a relao do ser humano com a natureza. Ela possibilita o entendimento do mundo, de si mesmo e o domnio sobre as aes. O ser humano introduz, para a criana, signos criados arbitrariamente que

  • 31Unidade 1

    conferem significado a sua ao. A educao cumpre, assim, uma dupla tarefa: permitir a apropriao8

    dos conhecimentos sobre o mundo fsico e social, e estimular, por essa razo, o desenvolvimento da mente9. Para Vygotski e seus companheiros de pesquisa, Luria e Leontiev (1978), preciso superar as noes inatista10, ambientalista e interacionista11 do desenvolvimento que reforam a idia de determinismo (inato ou do ambiente). A linguagem aparece na criana a partir de sua necessidade de sobrevivncia e de comunicao (interpenetrao do biolgico, do psicolgico e do cultural) e tem a funo de organizar o pensamento e sua ao. Sendo assim, h que se considerar que a linguagem, em toda sua amplitude, um instrumento de mediao com o mundo e constituidora da mente. Sem a linguagem o ser humano no d significado ao mundo, no lhe d nome, no elabora conceitos nem teorias, logo, no organiza sua ao.

    Quando uma me ensina ao filho palavras como mesa, cachorro, rvore, rio, mato, peixe, ela est dando nome s coisas. Mas no o faz assim de forma mecnica e isolada. Insere cada conceito em seu contexto, oferecendo criana o significado individual. E mais, a criana vive o conceito. E quanto mais esse contexto estiver prximo e relacionado com a vida da criana, mais ela o compreender e melhor se apropriar dele. A mesma coisa ocorrer no contexto da escola. Como afirma Zanella (2001, p. 82), para Vygotski, os signos constituem-se como categoria de mediao na transformao das funes psicolgicas elementares12 em funes psicolgicas superiores13, medida que esto incorporados atividade prtica. Assim, a linguagem e seu significado se constituem a partir da prtica e da vida real. A criana compreender melhor o significado da palavra cozinhar se observar sua me cozinhando; da palavra moer, se observar o trabalho do moedor. Com o tempo, sua capacidade de abstrao aumenta e o acesso ao conhecimento passa a depender menos da experincia. Assim, ela ser capaz de conhecer o mundo tambm atravs dos livros.

    A linguagem o meio, assim como os objetos materiais, atravs do qual o ser humano se relaciona com a natureza e com a sociedade. O conhecimento sobre a natureza e a sobre a sociedade se concretizam, se objetivam atravs dos objetos e da linguagem. A apropriao desses e dos conceitos auxiliam a organizao da mente, do significado, sentido e lgica ao mundo. Porm, este processo no ocorre conforme a viso ambientalista que afirma que o ser humano o resultado da soma de tudo o

    8 O conceito de objetivao e apropriao representa para Vygotski o mecanismo atravs dos quais o ser humano conhece o mundo. Todos os objetos criados, so objetivaes, sejam materiais ou simblicos, transformam o ser humano medida que este os conhece, domina. Este domnio a apropriao dos objetos, que so internalizados atravs da ao.

    9 A aprendizagem promove o desenvolvimento daquilo que Vygotski chamou de funes psicolgicas superiores, que consiste nas atividades voluntrias da mente como a ateno voluntria, a memria voluntria, planejamento, e outras que somente aparecem nos seres humanos a partir do domnio da fala.

    10 A viso inatatista parte do pressuposto que os eventos que ocorrem aps o nascimento no so essenciais e/ou importantes para o desenvolvimento. As capacidades esto prontas. Sofrem poucas mudanas qualitativas ao longo da vida. O papel da educao tentar interferir o mnimo possvel no desenvolvimento espontneo. A concepo ambientalista atribui um imenso poder ao ambiente no desenvolvimento humano. O homem concebido como um ser extremamente plstico, moldvel. (DAVIS E OLIVERIA, 1998).

    11 Em seu estudo crtico sobre as pedagogias atuais, Duarte (2000) considera que o conceito de interao limitado para compreender Vygotski. Afirma, portanto, que Vygotski no interacionista nem construtivista, pois estes so conceitos associados a Piaget, que entende a relao aprendizagem e desenvolvimento de forma inversa de Vygotski.

    12 Exemplo: ateno e memria involuntria.

    13 Exemplo: ateno e memria voluntria, criao, planejamento, imaginao.

  • 32 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    que aprende. O caminho para compreender, assimilar e apropriar-se do conhecimento passa por debruar-se sobre o mundo vivo, em ao, pois o ser humano se constitui na vida. O conhecimento, por sua vez, o domnio da realidade pelo pensamento. A capacidade explicativa do conhecimento cientfico sobre o mundo infinitamente maior que o conhecimento obtido atravs da experincia de cada um. A aquisio de conceitos permite organizar a realidade e o prprio pensamento e, portanto, o comportamento e a ao sobre o mundo. Segundo Vygotski:

    O pensamento em conceitos o meio mais adequado para conhecer a realidade porque penetra na essncia interna dos objetos, j que a natureza dos mesmos no se revela na contemplao direta de um ou outro objeto isolado, seno por meio dos nexos e relaes que se manifestam na dinmica do objeto, em seu desenvolvimento vinculado a todo o resto da realidade (vygotski, 1995, p.79).

    Nesta citao pode-se observar que o autor entende que preciso conhecer a realidade, mas preciso tambm penetr-la, estudar as diversas caractersticas e qualidades que a definem. Assim, a(o) educadora(or) pode levar a criana a observar, por exemplo, o trabalho que o agricultor faz no campo, seus mtodos e suas particularidades. Pode, tambm, lev-lo a conhecer, partindo deste trabalho, muito dos processos atravs dos quais as plantas nascem, crescem e se desenvolvem. Pode, ainda, estudar algo sobre os produtos usados na plantao, seu impacto sobre a natureza e sobre a sade, aprofundando conceitos.

    Para Leontiev (1978, p. 44), em suas atividades os seres humanos no se adaptam simplesmente natureza, modificam-na de forma cada vez mais elaborada, buscando superar novas e crescentes dificuldades, criam objetos que satisfazem as suas necessidades e os meios para a produo desses objetos. Portanto, ao mesmo tempo em que atuam para garantir sua prpria vida, atravs da produo de bens materiais, tambm investigam, descobrem, inventam e conhecem o mundo e a natureza. As novas geraes sempre se formam em um novo ambiente, em meio a novos conhecimentos, a novas tecnologias. Desse modo o ser humano desenvolve-se culturalmente.

    Cada nova gerao deveria poder apropriar-se dos progressos j alcanados pela atividade cognoscitiva das geraes anteriores, atravs do trabalho e das diferentes formas de sua atividade social. Porm, isso no acontece. O acesso a novos conhecimentos no igualitrio em nossa sociedade. Nesse caso, faz parte da luta da escola do campo buscar garantir esse acesso. por essa razo que a teoria histrico-cultural tem adquirido cada vez maior importncia. Est baseada na tese de que o ser humano tem infinitas capacidades, entre elas a de se transformar, transformando o mundo. A aprendizagem do conceito cientfico transforma a mente

  • 33Unidade 1

    da criana. A interveno da(o) educadora(or) necessria para que a aprendizagem ocorra. Sobre isso Vygotski afirma:

    O desenvolvimento do conceito cientfico de carter social se produz nas condies do processo de ensino, que constitui uma forma singular de cooperao sistemtica entre o pedagogo e a criana. Durante o desenvolvimento desta cooperao amadurecem as funes psquicas superiores da criana com a ajuda e participao do adulto. [...] A singular cooperao entre a criana e o adulto um aspecto crucial do processo de ensino, juntamente com os conhecimentos que so transmitidos criana [...]. (vygotski , 1993, p. 183).

    Dessa forma, a educao escolar se constitui numa atividade mediadora entre o saber cotidiano e o saber no-cotidiano (cientfico). O conceito cientfico difere do conceito espontneo. O primeiro se desenvolve a partir do segundo e deve encontrar referncia na vida da criana. O segundo adquirido de forma espontnea, a partir da experincia e de atividades cotidianas.

    A boa aprendizagem aquela que se adianta ao desenvolvimento. Assim, a idia de estimular intensamente a criana torna-se centro da prtica pedaggica. O desenvolvimento inicia-se na criana, desde que ela nasce, apesar de que suas funes, nesse momento, ainda serem instintivas. Posteriormente o mundo externo, e todas as suas condies, vo modificando a mente da criana, sua relao com o mundo, sua forma de comunicao. Gradativamente ela deixa de ser um processo natural para converter-se em um processo cultural, aprendendo novas formas de comportamento com a ajuda das pessoas ao seu redor. O desenvolvimento chega a um ponto em que os processos externos auxiliares so abandonados, pois o ser humano passa a possuir e a dominar novas tcnicas, afirma Vygotski (1996, p. 215).

    Portanto, a criana, medida que assimila, internaliza ou se apropria do mundo de forma integral, adquire tambm autonomia e autocontrole do comportamento e da mente. o domnio do conhecimento, afirma Duarte (2001)14, que ir possibilitar, em grande medida, alcanar, a evoluo. Fora da escola a aprendizagem conceitual considerada espontnea porque no ocorre de forma sistematizada. No entanto, na escola o processo educativo no pode ser deixado nas mos das foras espontneas. Isto seria to insensato quanto se lanar ao oceano e entregar-se ao livre jogo das ondas para chegar Amrica, afirma Vygotski, (2003, p. 77). Segundo Lima (2007)15, a psicologia, rea de conhecimento de maior influncia na educao durante grande parte do sculo xx, trouxe a idia, bastante difundida nas ltimas dcadas, segundo a qual a criana constri seu prprio conhecimento. Embora a criana desempenhe um papel importante em seus processos de aprendizagem ela no os realiza sozinha:

    14 Trabalho apresentado na

    Sesso Especial

    intitulada Habilidades

    e Competncias: a

    Educao e as Iluses

    da Sociedade do

    Conhecimento, durante

    a XXIV Reunio Anual

    da ANPED, 8 a 11

    de outubro de 2001,

    Caxambu, MG.

    15 LIMA, Elvira de Souza, Currculo e

    desenvolvimento

    humano. In: Indagaes

    sobre o currculo do

    Ensino Fundamental.

    Salto para o futuro,

    boletim 17, 2007

  • 34 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    esses processos se do atravs da ao do adulto, afirma a autora.Assim, o papel da(o) educadora(or) no o de um mero observador ou provocador

    de conflitos cognitivos, sua participao ativa e dirige o processo colocando disposio do estudante os recursos necessrios para a aprendizagem. O propsito da educao, nesse sentido, no a mera adaptao do estudante ao seu ambiente, ou s condies de vida existente. A educao escolar transmite intencionalmente os conceitos cientficos, sua tarefa favorecer os processos de humanizao.

    Como j afirmamos anteriormente, e tomando como base os fundamentos acima apresentados, a organizao por srie pode ser substituda, em muitas ocasies, por trabalhos em grande grupo, que envolvam a abordagem de um tema para todos, com diferentes nveis de envolvimento por etapa de desenvolvimento das crianas. As crianas tambm so estimuladas pelo trabalho coletivo, exercitando diferentes possibilidades de cooperao, de comparao e de troca de experincias e conhecimentos. A presena de uma criana mais experiente em contato com crianas menores pode se tornar fonte de aprendizagens. Esta uma dimenso da aprendizagem proposta por Vygotsky (1995). A criana aprende com a(o) educadora(or) e com seus colegas de classe multisseriada.

    Os Cadernos de Ensino e Aprendizagem articulam conhecimentos prvios, viso de mundo dos(as) educandos(as), seu ambiente vivencial, suas possibilidades interativas e o saber socialmente construdo, a partir dos quais so introduzidos novos conhecimento. Os conceitos cientficos devem ser traduzidos e adaptados ao nvel da criana atravs de atividades adequadas.

    O trabalho pedaggico no consiste apenas na reiterao daquilo que a criana j sabe, mas na introduo de novos conceitos e a ampliao do universo do conhecimento e isto pode ser feito de formas diversificadas. A classe multisseriada pode ser uma importante fonte de novas experincias neste sentido. Isto implica uma sria responsabilidade para a escola. No trabalho para apenas um profissional solitrio, mas para um sistema educacional. Oferecer recursos materiais e condies de formao, assim como possibilitar que o trabalho no seja isolado condio para alcanar a escola de alto nvel que se deseja para o Campo.

    importante destacar que todos os elementos e instrumentos da metodologia do Programa Escola Ativa esto alicerados nesse conjunto de conceitos e fundamentos. O Caderno busca integrar todos eles e promover o dilogo de saberes: saber local e conhecimentos cientficos, contedos de ensino e tecnologias educacionais no desenvolvimento do currculo.

  • 35Unidade 1

    1 Como devemos organizar estratgias de ensino a partir dos princpios que fundamentam o Programa Escola Ativa?

    2 Como as idias de Vygotski podem contribuir para a promoo da aprendizagem nas classes multisseriadas?

    ATIVIDADE PRTICA

    ATIVIDADE DE APLICAO E COMPROMISSO SOCIAL

    Apresente para seu grupo.

  • 36 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    Unidade

  • 37Unidade 2

    1 Quais as dificuldades enfrentadas para trabalhar com classes multisseriadas?2 Quais as estratgias que conhece para realizar este trabalho pedaggico? 3 Leia e reflita sobre o texto a seguir:

    1 elementos estruturantes da metodologia do programa escola ativaO Programa busca auxiliar o trabalho do educador em sala de aula. Para isto, propem-

    se a implementao e o uso de diferentes elementos que, quando relacionados entre si, do vida ao currculo. So elementos da Metodologia do Programa Escola Ativa: a) Cadernos de Ensino e Aprendizagem

    Os Cadernos de Ensino e Aprendizagem so livros especficos por disciplinas (Portugus, Matemtica, Histria, Geografia16, Cincias e Alfabetizao), desenvolvidos para utilizao nas classes multisseriadas, elaborados de forma que o estudante possa desenvolver parte de suas atividades em sala de aula, seguindo suas orientaes. Isso permite ao() educando(a) desenvolver um conjunto de atividades escolares sem o acompanhamento direto da(o) educadora(or), podendo avanar em seus estudos, atravs do trabalho individual e/ou coletivo. Tal procedimento no minimiza o papel da(o) educadora(or) no processo.

    O livro do(a) educando(a) auxilia principalmente o trabalho simultneo com as vrias sries. Seu papel sempre introduzir novos contedos, estabelecendo relaes com o que a criana j sabe, ampliando as atividades escolares de ensino e aprendizagem para alm do livro do estudante. Considera-se que a prpria

    Mdulo I Metodologia do Programa Escola Ativa

    16 No modelo antigo histria e

    geografia eram

    substitudos

    por Cincias

    Sociais. Aps a

    reformulao

    os livros de

    nmero 2 a 5

    tero histria e

    geografia (para

    2010). O livro de

    alfabetizao j

    contempla esta

    mudana.

    ATIVIDADE BSICA

  • 38 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    realidade uma totalidade com mltiplas relaes, nela que se encontra a interdisciplinaridade disposio do trabalho escolar.

    necessrio esclarecer que no se pretende que o livro do estudante seja um tpico livro didtico, mas um roteiro de aprendizagem que pode ser complementado e at modificado pela dinmica da sala da aula. possvel, inclusive, que a seqncia dos contedos seja modificada. A estrutura do Caderno ser mais detalhada posteriormente.

    b) Cantinhos de Aprendizagem: espaos interdisciplinares de pesquisa. Os Cantinhos de Aprendizagem renem materiais de pesquisa, subsdios

    para as aulas, onde acontece a experimentao, a comparao e a socializao de conhecimento. bom que sua montagem seja feita por educandos(as), educadoras(es) e comunidade com acervo de livros, plantas, informaes sobre animais, objetos scio-culturais relacionados cultura local e s reas de conhecimento. Assim pode se tornar um espao vivo de fonte de recursos pedaggicos.

    Como foi dito anteriormente, a realidade uma totalidade interdisciplinar. Nela pode-se encontrar relaes entre o Portugus, a Matemtica, a Geografia, a Histria e as Cincias. Com o apoio dos Cantinhos de Aprendizagem possvel buscar as conexes entre a histria local e a geral, percorrendo os espaos geogrficos e territoriais, as literaturas, a matemtica, a histria, etc, que fazem parte de todo o ambiente que envolve e toca a criana. A arte tambm importante instrumento de compreenso da articulao entre as disciplinas. no campo que a criana vive de forma mais intensa e clara a relao do ser humano com a natureza e compreender as conseqncias de suas aes sobre ela.

    Portanto, recomenda-se que esses espaos de pesquisa sejam utilizados e montados, preferencialmente, de forma interdisciplinar. Neles devem ser sempre introduzidos novos textos, materiais didticos e resultados de pesquisas realizadas pela escola e pela comunidade. Poder inclusive haver um comit responsvel por cuidar, preservar e criar situaes de renovao desses espaos.

    c) Colegiado EstudantilO Colegiado Estudantil17 um elemento do Programa Escola Ativa que atua

    como co-gestor da escola ao integrar o Conselho Escolar. Sua funo estimular a auto-organizao. A partir da vivncia democrtica os(as) educandos(as) participam ativamente da construo de sua histria, da histria de sua escola e de sua comunidade. Ao mesmo tempo em que transformam sua realidade, transformam a si mesmos.

    17 Que substitui o Governo Estudantil

    do modelo

    anterior, pois um

    colegiado uma

    representao

    mais democrtica,

    horizontal e

    coletiva, evitando

    personalismos.

  • 39Unidade 2

    d) Escola e ComunidadeComo parte da comunidade, a escola deve desenvolver atividades educativas e

    culturais relacionadas vida poltica, s condies materiais dos(as) educandos(as) e da comunidade, vida diria, ao ambiente organizativo e natural.

    Nesse sentido, destaca-se a necessidade de estratgias educativas que tratem a formao humana como um todo, estabelecendo uma relao dialgica e de interdependncia entre os conhecimentos sistematizados e as vivncias do estudante e da comunidade.

    Trabalhar sistematicamente novos conhecimentos, incorporando situaes-problema sociais s atividades de sala de aula e ao processo de ensino e aprendizagem possibilita a relao entre as vrias disciplinas, abrindo caminhos para a formulao de uma concepo educativa capaz de avanar em relao mera classificao disciplinar e seriada.

    Ao adotar uma organizao diferenciada do trabalho pedaggico, explorando o coletivo multisseriado, em que a relao com a comunidade rica e consistente, busca-se uma experincia escolar menos fragmentada, aponta-se para uma matriz formadora e para uma compreenso mais ampliada, integral do desenvolvimento da criana. Este caminho ainda est em construo e contar com a contribuio resultante da experincia de educadoras(es) e da pesquisa sobre o tema.

    1 Em sua percepo, quais seriam as mudanas promovidas a partir da implantao do Programa Escola Ativa nas classes multisseriadas? Justifique.

    ATIVIDADE PRTICA

    1 Construa um roteiro para a implantao da Metodologia do Programa Escola Ativa na sua escola/sala de aula a partir: das demandas dos sujeitos do campo; da realidade social, econmica e

    poltica e das Diretrizes Operacionais da Educao do Campo.2 Apresente o roteiro em plenria.

    ATIVIDADE DE APLICAO E COMPROMISSO SOCIAL

  • 40 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    1 Que contribuies do Programa Escola Ativa so apropriadas para o trabalho com as classes multisseriadas?

    2 Agora, leia o texto que se segue:

    O Programa Escola Ativa prope formas alternativas de organizao e de funcionamento de turmas multisseriadas. No se pode trabalhar numa classe multisseriada dando a ela o mesmo tratamento de uma turma seriada. Para atender s necessidades dessas classes o Programa Escola Ativa prope: Que, mesmo que os(as) educandos(as) sejam organizados por srie para melhor

    circulao de informaes, se trabalhe alternadamente com grupos, com todas as sries e entre sries, para que as crianas possam exercitar diferentes possibilidades de cooperao, de comparao e de troca de experincias e conhecimentos. A presena de uma criana mais experiente em contato com crianas menores pode se tornar fonte de aprendizagens.

    Que em cada grupo haja um monitor, escolhido pelos(as) educandos(as), que auxiliar o trabalho da(o) educadora(or) quando estiver em outro grupo coordenando o desenvolvimento das atividades.

    Que a(o) educadora(or) ressignifique sua prtica pedaggica, deixando a prtica centrada basicamente em aulas expositivas e no quadro de giz, para coordenar, orientar, expor, propor, dirigir e acompanhar as atividades dos(as) educandos(as) nos prprios grupos, intervindo em tempo hbil, observando suas necessidades

    Mdulo II Organizao do trabalho pedaggico em turmas multisseriadas que adotam o Programa Escola Ativa

    ATIVIDADE BSICA

    ATIVIDADE DE APLICAO E COMPROMISSO SOCIAL

  • 41Unidade 2

    Crie uma forma de articular todos os elementos da Metodologia do Programa Escola Ativa em uma sala de aula multisseriada.

    e levando em considerao os diferentes ritmos de aprendizagem. Que a(o) educadora(or) estimule os(as) educandos(as) para o desenvolvimento

    da responsabilidade e da autonomia. seu papel, mesmo assim, observar de perto o caminho seguido por cada estudante, estimul-lo a dar passos e auxili-lo na busca de respostas ou na soluo de problemas com seu prprio grupo. O desenvolvimento da autonomia ocorre tanto na realizao de tarefas individuais, quanto coletivas, pois nos dois casos necessrio que o estudante assuma a responsabilidade de planejar, desenvolver e executar tarefas.

    Que educandos(as), educadoras(es) articulem todos os elementos da metodologia (Cadernos de Ensino e Aprendizagem, Colegiado Estudantil, Cantinhos de Aprendizagem e Comunidade) a fim de viabilizar o desenvolvimento das atividades de forma significativa e, conseqentemente, uma aprendizagem satisfatria. Essa articulao dever ser garantida a partir do planejamento dirio das atividades de cada srie.

    ATIVIDADE PRTICA

    ATIVIDADE DE APLICAO E COMPROMISSO SOCIAL

    Apresente para o grupo.

  • 42 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    Mdulo III Gesto Democrtica

    Vamos fazer uma pequena reflexo em grupo:1 Como voc imagina a atuao do Conselho Escolar em uma escola com

    classes multisseriadas?2 Como poderia ser a composio do Conselho Escolar em uma escola

    do campo?3 Como relacionar o papel do Conselho Escolar ao Projeto Poltico-Pedaggico

    da escola?4 Leia, agora, o seguinte texto:

    A gesto democrtica constitui-se um dos princpios da educao. Ela pode ser considerada como um meio pelo qual todos os segmentos que compem o processo educativo participam da definio dos rumos da educao, num processo contnuo de avaliao de suas aes, envolvendo permanente dilogo para germinar novas decises. Este princpio est presente na ldb n. 9.394/96 que destaca em seu Artigo 3, inciso VIII gesto democrtica do ensino pblico, na forma desta lei e da legislao dos sistemas de ensino. Nesse sentido, a gesto democrtica participativa fundamental para o estabelecimento de novas relaes na organizao escolar, principalmente no que se refere efetividade do ensino.

    A existncia de instncias de reflexo e de deciso entre gestores, educadoras(es), funcionrios, educandos(as), pais, mes e comunidade organizada, promove o empoderamento dos diversos segmentos da comunidade escolar, a aprendizagem

    ATIVIDADE BSICA

  • 43Unidade 2

    do compromisso com o social, do respeito s regras, da criao coletiva de solues dos problemas, do respeito ao outro, enfim, do papel social e poltico da escola.

    Portanto, a escola que participa do Programa Escola Ativa organiza duas instncias de Gesto Democrtica:

    a) O Conselho Escolarb) O Colegiado Estudantil

    Nesse processo de organizao de fundamental importncia a relao EscolaComunidade para a qualificao do Projeto Poltico-Pedaggico e do acompanhamento da aprendizagem escolar.a) Conselho Escolar O conselho ser a voz e o voto dos diferentes atores da

    escola, internos e externos, desde os diferentes pontos de vista, deliberando sobre a construo e a gesto de seu projeto poltico-pedaggico18. Os segmentos indicaro seus representantes para os Conselhos Escolares. Esse colegiado tem como atribuio deliberar sobre questes poltico-pedaggicas, administrativas e financeiras. Ele constitui-se num espao vital para a formao participativa de todos os sujeitos do processo de ensino-aprendizagem.

    Se a escola ainda no organizou o Conselho Escolar deve criar uma comisso pr-conselho, que constituda por um representante de cada segmento da comunidade escolar com os seguintes objetivos: (a) tomar as primeiras iniciativas para a sensibilizao das pessoas envolvidas com a escola; (b) organizar o processo de escolha dos representantes; (c) elaborar a proposta de regimento, entre outras atividades. Aps a indicao ou a eleio de todos os representantes dos diversos segmentos, essa comisso se dissolve, o Conselho Escolar empossado e inicia suas atividades. Para o desenvolvimento desse trabalho, essa comisso poder obter subsdios do Caderno n 9 Conselho e Educao do Campo do Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, do mec/seb.

    A escolha dos representantes dos pais dever ser feita em reunio envolvendo o maior nmero possvel de participantes. Os representantes das(os) educadoras(es), dos funcionrios e dos(as) educandos(aos) so eleitos por seus pares em reunio ou assemblia realizada especificamente com essa finalidade.

    b) O Colegiado Estudantil O Colegiado Estudantil um coletivo de representantes dos comits, proposto pelo Programa Escola Ativa como forma de favorecer a implantao da gesto democrtica e fortalecer a participao dos(as) educandos(as) e da comunidade. Sua funo estimular a auto-organizao por meio de decises coletivas, do planejamento e da execuo

    18 Caderno: Conselhos

    Escolares:

    uma estratgia

    de Gesto

    Democrtica de

    Educao Pblica,

    p. 34. Programa

    nacional de

    fortalecimento

    dos Conselhos

    Escolares, MEC/

    SEB, 2004 .

  • 44 Programa Escola Ativa Orientaes Pedaggicas

    de tarefas, assim como da coordenao de assemblias. O Colegiado Estudantil ter sua representao no Conselho Escolar, estrutura prevista na ldb /96, que rene tambm os educadores e a comunidade.

    A vivncia coletiva estimula os(as) educandos(as) a uma maior organicidade. A experincia demonstra que essa participao contribui para que os(as) educandos(as) compreendam as diversas formas existentes de compromisso com a sociedade, os mecanismos de participao e de gesto, promovendo, assim, a aprendizagem cooperativa. O Colegiado deve constituir-se em um espao de formao poltica e de aprendizagem do compromisso da escola com a comunidade.

    Nessa perspectiva, o Colegiado Estudantil propicia a construo da autonomia19. Segundo Barroso (1998, p. 16):

    o conceito de autonomia est etimologicamente ligado idia de autogoverno, isto , faculdade que os indivduos (ou as organizaes) tm de se regerem por regras prprias [e de que] a autonomia pressupe a liberdade (e capacidade) de decidir, ela no se confunde com a independncia [na medida em que a ] autonomia um conceito relacional [...] sua ao sempre exerce sempre num contexto de interdependncias e num sistema de relaes.

    Portanto, a autonomia vem acompanhada por responsabilidade. Ambas so dimenses indissociveis, medida que uma a prtica concreta da outra, favorecendo os desenvolvimentos social, cognitivo, afetivo, moral e cvico dos(as) educandos(as), permitindo que as crianas exercitem suas capacidades, elevem a auto-estima, desenvolvam o esprito cooperativo e o sentimento de pertena ao grupo. Esse Colegiado representa, na gesto escolar e pedaggica, o desenvolvimento de uma viso integral dos processos que envolvem a comunidade escolar e promove, ainda, a compreenso de que, a partir da escola, podem-se efetivar mudanas na vida comunitria.

    A organizao do Colegiado Estudantil deve envolver toda a comunidade na qual a escola est inserida e todas as suas fases devero ser compreendidas e vivenciadas definindo as responsabilidades e funes dos(as) educandos(as). Sua organizao compreende as seguintes fases:

    sensibilizao

    Perodo em que a(o) educadora(or) orientar os(as) educandos(as) sobre a importncia, a funo, a finalidade e a organizao do Colegiado, sensibilizando-os a participarem ativamente de todo o processo. A comunidade poder ser envolvida atravs do relato de experincias vividas e de outras atividades. Em seu planejamento

    19 Capacidade de se governar

    por si mesmo;

    emancipao;

    autodeterminao.

    Implica tambm o

    reconhecimento da

    interdependncia

    e a necessidade

    de cooperao e

    trabalho coletivo.

  • 45Unidade 2

    a(o) educadora(or) poder realizar atividades que permitam tratar do tema, tais como: teatro, filmes, jogos, debates etc.

    organizao e implantao Planejamento e realizao da primeira Reunio Geral, presidida pelo educador(a)

    e representante do Conselho Escolar (se j estiver organizado). Nessa reunio sero definidos os Comits de Trabalho levando em conta as necessidades da escola. Esse planejamento tem carter social, pedaggico e administrativo, deve estabelecer as funes dos membros dos Comits de Trabalho de acordo com as aes planejadas pelo coletivo escolar. Os planos de ao dos comits devem ser exeqveis pelos(as) educandos(as) em parceria com a comunidade, com as instituies e as organizaes sociais. Podero ser criados diversos tipos de Comits, por exemplo:1 Comit de Atividades Culturais Responsvel pela organizao de eventos

    culturais na escola, pelo resgate da cultura e pela preparao de atividades que envolvam toda a comunidade escolar e local. Ser responsvel por estimular o gosto pela cultura, incentivando a criao de grupos de teatro e de pequenos projetos de resgate cultural (ex: resgate das brincadeiras de roda da regio) e articulao com os(as) educandos(as) para elaborao da monografia da comunidade.

    2 Comit do Meio Ambiente Responsvel por promover campanhas, elaborar projetos e sensibilizar a comunidade escolar e local sobre a importncia da preservao do meio ambiente.

    3 Comit de Recreao Grupo responsvel por planejar atividades recreativas a serem desenvolvidas no horrio do recreio/intervalo e nas atividades conjuntas com a comunidade escolar e local, e promover momentos de integrao.

    Outros Comits podem ser definidos pelo educador(a) em parceria com os(as) educandos(as) e com a comunidade,