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O bicho-pau na sala de aula: construindo uma prática investigativa no ensino de ciências com crianças de 6 anos Kely Cristina Nogueira Souto – Professora da Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG - Centro Pedagógico. Tatiana Cristina Cândido Camargos – Mestranda do Programa de pós-graduação da Faculdade de Educação/UFMG. Danusa Munford – Professora da Faculdade de Educação/UFMG Samantha Maia – Graduanda do curso de Ciências Biológicas – Instituto de Ciências Biológicas/UFMG. Resumo Este trabalho, desenvolvido com crianças de 06 anos do ensino fundamental, teve como objetivo compreender as relações entre os seres vivos e o meio ambiente por meio de uma prática investigativa que priorizou o contato sistemático com o Bicho-Pau, no ambiente “terrário”, em sala de aula. Ao longo de um mês, os estudantes investigaram questões levantadas pela professora ou por eles mesmos, interagindo com diversas fontes de evidências, elaborando explicações e discutindo e avaliando conclusões. O processo ocorreu, em alguns casos de forma mais estruturada e planejada pela professora, em outros casos, de forma mais espontânea. Dessa maneira ao valorizar a participação dos estudantes, o debate, a argumentação e múltiplas interpretações tornaram-se parte essencial das práticas da sala de aula. e, com a mediação da professora, foi possível sistematizar alguns conceitos científicos de forma mais interativa. Palavras-chave: 1 o ciclo do Ensino Fundamental, ensino de ciências da natureza, ensino de ciências por investigação, seres vivos 1 - Introdução Na visão de alguns educadores e pesquisadores, nos anos iniciais do Ensino Fundamental a Ciência é trabalhada como algo totalmente “novo”, algo ainda não vivenciado por aquele grupo. Mais explicitamente, é construída uma visão de que práticas e conhecimentos científicos têm de ser introduzidos sem a possibilidade de se estabelecerem relações com o que já se faz e já se sabe na escola naquele ciclo (MUNFORD et al, 2011). Problematizando essa perspectiva, argumentamos que a aprendizagem em Ciências deve promover o engajamento dos estudantes em práticas científicas de uma forma mais ampla e integrada, rompendo com a fragmentação entre conceitos e habilidades e ocorrer a partir da interação entre diversos profissionais. Assim devem-se propiciar aos alunos nos anos iniciais vivências como pequenos cientistas (“escolares”) que por meio de práticas investigativas possam apresentar resultados baseados em evidências ou discutirem encaminhamentos para as investigações. Consideramos que a sala de aula de ciências é um espaço privilegiado de investigação em que as diferentes explicações sobre o mundo e os fenômenos podem ser elaboradas, comparadas e confrontadas. É também um local privilegiado em que os conceitos científicos podem ser construídos, reconstruídos e problematizados pelas crianças. Nesse contexto, contudo, atividades pautadas nessa vertente do ensino de ciências por investigação devem dialogar com práticas já instauradas nas séries iniciais, como por exemplo, a leitura em roda de um livro de literatura rico em ilustrações, a utilização de desenhos. 2 – A prática investigativa – o bicho-pau na sala de aula A prática investigativa analisada faz parte de um projeto longitudinal, ainda em desenvolvimento, que acontece em uma turma de vinte e cinco crianças com idade de 06 anos à época da realização do projeto, matriculadas no 1º ano do ensino fundamental, em uma escola

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O bicho-pau na sala de aula: construindo uma prática investigativa no ensino de ciências com crianças de 6 anos

Kely Cristina Nogueira Souto – Professora da Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG - Centro Pedagógico. Tatiana Cristina Cândido Camargos – Mestranda do Programa de pós-graduação da Faculdade de Educação/UFMG. Danusa Munford – Professora da Faculdade de Educação/UFMG Samantha Maia – Graduanda do curso de Ciências Biológicas – Instituto de Ciências Biológicas/UFMG.

Resumo

Este trabalho, desenvolvido com crianças de 06 anos do ensino fundamental, teve como objetivo compreender as relações entre os seres vivos e o meio ambiente por meio de uma prática investigativa que priorizou o contato sistemático com o Bicho-Pau, no ambiente “terrário”, em sala de aula. Ao longo de um mês, os estudantes investigaram questões levantadas pela professora ou por eles mesmos, interagindo com diversas fontes de evidências, elaborando explicações e discutindo e avaliando conclusões. O processo ocorreu, em alguns casos de forma mais estruturada e planejada pela professora, em outros casos, de forma mais espontânea. Dessa maneira ao valorizar a participação dos estudantes, o debate, a argumentação e múltiplas interpretações tornaram-se parte essencial das práticas da sala de aula. e, com a mediação da professora, foi possível sistematizar alguns conceitos científicos de forma mais interativa. Palavras-chave: 1o ciclo do Ensino Fundamental, ensino de ciências da natureza, ensino de ciências por investigação, seres vivos

1 - Introdução

Na visão de alguns educadores e pesquisadores, nos anos iniciais do Ensino Fundamental a Ciência é trabalhada como algo totalmente “novo”, algo ainda não vivenciado por aquele grupo. Mais explicitamente, é construída uma visão de que práticas e conhecimentos científicos têm de ser introduzidos sem a possibilidade de se estabelecerem relações com o que já se faz e já se sabe na escola naquele ciclo (MUNFORD et al, 2011). Problematizando essa perspectiva, argumentamos que a aprendizagem em Ciências deve promover o engajamento dos estudantes em práticas científicas de uma forma mais ampla e integrada, rompendo com a fragmentação entre conceitos e habilidades e ocorrer a partir da interação entre diversos profissionais. Assim devem-se propiciar aos alunos nos anos iniciais vivências como pequenos cientistas (“escolares”) que por meio de práticas investigativas possam apresentar resultados baseados em evidências ou discutirem encaminhamentos para as investigações. Consideramos que a sala de aula de ciências é um espaço privilegiado de investigação em que as diferentes explicações sobre o mundo e os fenômenos podem ser elaboradas, comparadas e confrontadas. É também um local privilegiado em que os conceitos científicos podem ser construídos, reconstruídos e problematizados pelas crianças.

Nesse contexto, contudo, atividades pautadas nessa vertente do ensino de ciências por investigação devem dialogar com práticas já instauradas nas séries iniciais, como por exemplo, a leitura em roda de um livro de literatura rico em ilustrações, a utilização de desenhos.

2 – A prática investigativa – o bicho-pau na sala de aula

A prática investigativa analisada faz parte de um projeto longitudinal, ainda em desenvolvimento, que acontece em uma turma de vinte e cinco crianças com idade de 06 anos à época da realização do projeto, matriculadas no 1º ano do ensino fundamental, em uma escola

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pública federal, sob a coordenação de uma professora, pedagoga, referência da turma e em parceria com outros professores - pesquisadores em educação e estudantes de graduação e pós-graduação. As atividades de ensino de Ciências são desenvolvidas no contexto da disciplina Tópicos Integrados (TI) que inclui em seu programa conteúdos das Ciências da Natureza, de Geografia e da História, mas sem articulação entre as áreas.

Nosso objetivo foi compreender as relações entre os seres vivos e o meio ambiente por meio de uma prática investigativa que priorizou o contato sistemático das crianças com o Bicho-Pau, no ambiente “terrário”, em sala de aula.

Destacamos que em nossa pesquisa procuramos nos orientar por alguns elementos da perspectiva etnográfica em educação (Green et al., 2005), adotando ferramentas da etnografia: observação participante, filmagens do cotidiano da sala de aula, entrevista e coleta de artefatos produzidos na sala de aula. O estudo tem como referência pesquisadores das áreas de ensino de ciências (Munford & Lima, 2005) e da etnografia em educação (Castanheira, 2002; Castanheira et al. 2001). No presente trabalho, apresentamos aspectos mais descritivos da pesquisa, tendo como foco a caracterização do trabalho desenvolvido com essa turma.

O mapeamento geral do projeto é apresentado na figura 01.

Figura 01: Cronograma geral da realização do Projeto Bicho – Pau.

A estratégia investigativa na turma analisada foi trabalhada anteriormente em outras atividades, como por exemplo, por uma professora universitária trabalhando com a temática de desenvolvimento e diversidade das plantas e sua relação com fatores do ambiente (figura 01). Dessa maneira, a partir da proposição de perguntas por meio de situações-problema, um movimento de despertar a curiosidade dos alunos já fora iniciado.

Buscando integrar o estudo do bicho pau à temáticas as relações entre os seres vivos e o meio ambiente, o primeiro passo foi a realização de uma visita orientada à uma pequena mata, localizada nas proximidades da escola federal. Os alunos foram divididos pela professora em grupos e cada grupo recebeu um saco plástico para coleta de vestígios. As crianças pelo

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caminho, na matinha, coletaram os mais diversos vestígios (restos de frutos, penas, pedras, folhas). Os vestígios foram trazidos para a sala de aula para análise posterior. Em aula posterior a visita à matinha, a professora iniciou uma problematização com as seguintes questões: o que os animais precisam para viver? Como vivem os animais da matinha? Pensar sobre o entorno da nossa escola e sobre a vida dos animais foi uma primeira estratégia para focalizar o assunto: o bicho-pau.

Todas as atividades realizadas na turma seguiram uma sequência com algumas similaridades. Inicialmente a professora sempre organizava a sala, solicitava que os alunos arrumassem seus materiais, anotava a rotina do dia no quadro. Porém, ao longo do mês ocorre variação significativa no tipo de atividades desenvolvidas e, bem como, muitas transformações no tipo de participação dos estudantes.

O foco no bicho-pau começa a ser construído na aula do dia 29 de outubro de 2012 (figura 01) quando iniciou-se a leitura do livro “O dilema do bicho-pau” do Ângelo Machado. Essa leitura envolverá um total de três aula. Na primeira aula já fica evidente que a concepção de leitura com a qual a professora trabalha vai além de mera codificação do código escrito. Além disso, a atividade é desenvolvida levando em consideração características próprias da faixa etária. A professora começa a atividade mostrando uma caixa verde, dizendo aos alunos que havia algo dentro dela. Ela busca contextualizar a atividade lembrando da leitura, no semestre anterior, do livro “Que bicho será que fez a coisa?”. Além disso, recorda a conversa, há poucos dias, sobre os animais da matinha, e a confecção de um mural sobre esses animais. A expectativa dos alunos foi enorme para responder ao questionamento da professora sobre o que havia dentro da caixa verde. A professora revela que trouxe um livro dentro da caixa e que é do mesmo autor do outro livro – Ângelo Machado. Ela falou um pouco sobre o autor, que ele gosta de estudar os animais, que é biólogo. Fez suspense mostrando primeiramente o verso do livro. Quando finalmente ela virou o livro e os alunos viram sua capa, a alegria foi grande, pois puderam ler o título e ver a imagem. “O dilema do bicho pau”.

O título do livro funcionou como um gatilho para as problematizações: “o que é dilema?” “É poema?” Um aluno disse que leu que o bicho-pau se protege fingindo que é um pau. A professora

perguntou o que os alunos sabiam sobre o bicho-pau. Vários alunos contribuem: “já que ele parece um pau ele usa isso para se esconder do humano”, “camuflagem porque na minha outra escola estava todo mundo andando aí a professora

chamou todo mundo lá para ver levou para a sala de aula colocou dentro de um pote e levou para a sala de aula para a gente ver direito”

A professora diz que cada aluno vai propor um pergunta sobre o que quer saber sobre o bicho-pau. “O que ele come?”, “O que ele bebe?” “Por que ele come folha?” “O que ele faz pra se camuflar?” “Por que ele é marrom?” “Por que ele gosta de se esconder dos outros?”, “O que ele faz da vida?”, “Como é que ele toma banho?” “Por que ele parece um palito?” “Como ele caça?” “Como ele dorme?” “Qual o tamanho dele?”, “Ele tem casa?” “Ele tem família?” “Ele já nasce grande?” “Por que ele tem tantas pernas?”, “Ele tem amigos?”. A professora elogia as perguntas colocadas.

A interação entre professora e alunos nesse momento inicial indica que, antes mesmo da leitura do texto do livro na íntegra, os estudantes engajam-se com o conteúdo do livro. Esse engajamento passa principalmente por trazer questões para aquele texto e mobilizar os conhecimentos que já temos sobre o tema trabalhado. Ao nosso ver a professora estaria construindo aspectos de uma prática de leitura com a turma que tem desdobramentos importantes para o ensino de ciências nos anos iniciais.

Após os alunos colocarem suas perguntas, a professora explicou que a leitura do livro seria realizada fora da sala, debaixo de um quiosque. Antes de saírem, ela os orienta quanto ao comportamento retomando algumas normas já estabelecidas, como sair em silêncio, fazer fila, sentarem-se em roda no chão. Ao iniciar a leitura a professora explica que o livro será lido em três aulas pois é grande. A professora indica alguns elementos importantes da estrutura do texto, ao identificarem juntos o ilustrador, autor, a dedicatória. A professora faz a leitura pausadamente, sempre mostrando os desenhos e atenta às reações dos alunos que trazem sempre novas questões.

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A professora encerra a leitura da primeira parte do livro anotando no quadro uma nova situação-problema: “Por que o autor disse que o bicho-pau é um inseto?”.

Na aula do dia 31 de outubro de 2012 a professora realizou a leitura da segunda parte do livro utilizando novamente uma roda de leitura, só que dessa vez dentro da sala de aula. A primeira parte do livro é retomada, solicitando-se a três alunos que façam o comentário sobre o que lembram. A professora retoma a pergunta: “Por que o bicho pau estava com medo do passarinho?” “Passarinho come inseto e bicho pau é inseto, diz uma aluna”. Após a leitura, a professora solicita que os alunos desenhem o bicho pau: “Eu penso que o bicho pau é assim... (desenhar do jeito que vocês pensam que ele é)”. Alguns desenhos produzidos são apresentados na Figura 2, enquanto textos elaborados por alunos são apresentados na Figura 3.

Figura 02: Desenho inicial (frente) realizado por três alunos após a leitura do livro: “Eu penso que o bicho-pau é assim”.

Na aula do dia 01 de novembro de 2012 a leitura do livro foi finalizada, novamente em roda na sala de aula. Uma das alunas ficou responsável por contar o que lembrava sobre a história. A leitura da terceira parte do livro é iniciada pela professora e os alunos ouvem atentos, observando cada uma das imagens. Após a leitura da última página do livro os alunos retornam para suas carteiras.

A professora problematiza: Depois que eu li este livro vocês imaginam se eu trouxesse para nossa sala um bicho-pau? Imaginem que eu trouxe um bicho-pau O que eu preciso fazer para que o bicho-pau possa viver bem na nossa sala?”. Os alunos apresentam algumas soluções imediatas: vou ter que plantar árvores a gente tem que dar folhas para ele comer precisa de carinho precisa de trazer a mãe pegar a árvore da matinha precisa de pai precisa de água, ar precisa de casa precisa de tomar banho e dormir As propostas são discutidas. Onde colocar o bicho-pau na sala? Onde vai ser a “casa”

dele? Surgem preocupações: se fecharem a janela ele vai morrer, ele tem que ter água e comida, ele precisa de um lugar para fazer cocô e xixi.

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Figura 03: Escrita inicial (verso) realizado por três alunos após a leitura do livro: “Eu penso que o bicho-pau é assim”.

Na aula seguinte, planejou-se uma aula com um professor de Ciências que atua no 3o ciclo da mesma escola. Acreditamos que essa teve um papel importante em ajudar os alunos a participarem de práticas de observação. Além disso, o uso de instrumentos que ampliam objetos Antes da atividade, a professora, ainda em sala, retomou as regras da escola e como eles deveriam se comportar no laboratório. Também em sala, organizaram-se os vestígios a serem observados no laboratório, incluindo aqueles coletados na visita a matinha. Ao chegarem ao laboratório há uma discussão sobre de onde surgiu a ideia de desenvolver a atividade. O professor diz que eles estão lá, pois eles disseram que para observar os ovos da aranha era preciso usar instrumentos. Trabalhando em grupos, os estudantes utilizarão uma folha (figura 04) para que eles acompanhem a aula e façam suas anotações de forma orientada. O professor destaca que cientista tem que registrar tudo que ele fizer. Pede para eles desenharem o que pode ser visto.

Ao longo da aula as crianças têm a oportunidade de observar uma formiga e também um esfregaço de mucosa bucal. O professor faz comparações entre instrumentos (lupa e microscópio) detacando que dependendo do que quero observar utilizo um tipo de instrumento. Em sala, a professora orienta os alunos para que façam um registro do que no laboratório.

Figura 04: Registro realizado por um aluno no laboratório de Ciências sobre os instrumentos ópticos utilizados em ciências.

A aula do dia 08 de novembro de 2012 demarca o início de observação do bicho-pau, é a aula em que o bicho-pau chega à sala de aula da escola federal. Os alunos estão um pouco agitados. A professora retoma o início do projeto onde cada aluno tinha que ter uma pergunta sobre o que eles queriam saber sobre o bicho pau, pega seu caderno de anotações e lê as questões feitas quando foi realizada a leitura do livro “O dilema do bicho-pau”. Um dos aspectos que é discutido é se “História é uma verdade ou é uma mentira?” Um dos alunos diz que o bicho-pau

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não é uma mentira. A professora chama uma aluna a frente e pergunta: “o que é uma verdade no livro?” “que o bicho pau come folha de goiabeira” Outro tipo de questão que é retomada, pela professora envolve a definição de inseto e se o

bicho pau seria um inseto. Várias contribuições aparecem: é inseto por que ele é pequeno É inseto porque tem antenas Formiga é inseto? inseto tem 06 pernas louva a deus tem antenas barata é inseto Após a discussão, a professora pega os desenhos de bicho-pau feitos anteriormente,

comentando que, por exemplo, em um desenho que o bicho-pau tinha 20 pernas de cada lado. Propõe que quando o bicho-pau chegar dever-se-ia tentar identificar diferenças entre o que desenharam e o que conseguem observar no bicho-pau da sala de aula, registrando através de desenho em uma folha intitulada: “O bicho-pau é assim...”

A partir dessa intervenção, a professora, direcionou o olhar das crianças para o animal, agregando um aspecto essencial da prática de observação científica, ao distinguir a representação de “como eu penso/imagino que o animal é” da representação que deriva de uma observação de um espécime para descrever como “ele é”. Nesse sentido, a professora fornece alguns elementos para subsidiar essa transição para uma prática de observação, ao distribuir imagens de um bicho-pau para que eles analisem como ele é. A professora orienta que os alunos troquem as imagens entre os grupos para que eles encontrem os animais entre as folhas, ou entre gravetos. As imagens têm tamanhos e cores diferentes. A professora diz para que cada grupo faça uma pergunta, mas os alunos fazem descobertas em relação as imagens:

Tem diferentes bichos-pau. Eu descobri que o bicho-pau tem 06 pernas. Ele tem antenas. Ele não tem asas Assim, ao mesmo tempo que o grupo avança na apropriação de práticas científicas,

sugem novos questionamentos. Além da questão da observação, as atividades dessa aula envolveram uma discussão sobre

as necessidades de um ser vivo, como água e alimento. A professora vai montando o terrário, cada uma das etapas com a participação dos alunos: uma dupla de alunos prepara a água no copo onde vai colocar o galho da goiabeira, outra dupla de alunos confere se o papel está branco. A professora fotografa “a casa” vazia. Todos esperam ansiosos o bicho-pau chegar. Ao longo desse processo, são levantadas questões e possíveis soluções são compartilhadas. É nesse contexto que criam-se condições para que a professora introduza uma questão que será investigada de forma mais estruturada pela turma, seguindo mais estritamente as orientações do ensino de ciências por investigação: O que o bicho pau come? Se o livro estivesse “dizendo a verdade” o bicho pau comeria folhas de goiabeira. Mas será que ele só come folha de goiabeira?

Paralelamente a esses dois aspectos surgem elementos interessantes do trabalho com essa

faixa etária. Por exemplo, uma aluna pergunta: “Como o bicho pau chama?” A professora distribui uma folha de goiabeira em cada um dos grupos para que os alunos

possam ver como ela é. Ao chegar na sala com os insetos, a professora convida alunos em grupo para virem

observar em grupo. São três indivíduos – a maior; a fêmea, um de tamanho médio, o macho e um filhote bem pequeno. Os alunos comentam sobre a quantidade de patas, as fezes e como os bichos se movimentam. Os alunos continuam tentando contar as patas do bicho-pau. Um dos alunos consegue contar no menor bicho pau 06 patas, e a professora confirma que todos têm 06 patas. Os bichos-pau são transferidos para um terrário maior. Nesse contato inicial e breve, as crianças já

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tem a oportunidade de observar os animais se movimentando, se alimentando e também fazem medidas do tamanho de cada um deles. A atividade possibilita um movimento em direção a compreensões mais científicas do bicho-pau e a apropriação das formas de representar da ciência. Uma aluna pega o seu registro (desenho) e coloca no aquário e diz para a professora que o seu desenho está igual ao do bicho pau do terrário. Um dos alunos vai a frente e imita para os colegas a maneira como o bicho pau se alimenta.

Diante da diferença entre os três indivíduos no terrário, a professora questionou os alunos sobre qual é macho e qual é fêmea. Um dos alunos diz que o maior é macho pois na história (se refere ao livro: O dilema do bicho pau) o pai morre e só fica a mãe. Tal aluno relaciona o tamanho à idade, ou seja, sendo maior, ele é o mais velho. Nesse caso, com sua pergunta, a professora não enfatiza mais apenas conhecimentos relacionados à observação direta. Mobiliza conhecimentos/hipóteses que os alunos trazem para explicar a variabilidade dentro daquela espécie. Essa questão também será explorada pela professora ao longo das aulas. Porém, nesse caso, agrega outras estratégias e fontes, além da observação (pesquisa de materiais escritos em casa, discussões em sala de aula).

O segundo dia de observação da “família” de bichos-pau pelas crianças, trouxe acontecimentos inesperados, relacionados à muda do bicho-pau menor. A professora coloca o terrário sobre sua mesa que fica no centro da sala. Os alunos se aproximam curiosos para observá-lo e levantam algumas perguntas. A professora diz: “por que vocês estão achando que ele está morto? O que vocês viram”? “Olha o osso dele!” – diz um aluno. Os alunos se aproximam do terrário. A professora pergunta o que eles estão observando. Um aluno responde que o bicho-pau está parado, se referindo ao bicho-pau menor. “O que vocês acharam disso aí?” - pergunta a professora se referindo a uma casca marrom que está no terrário. Um aluno diz que ele foi morto e a professora é uma “assassina”. Um aluno diz que tem dois filhos no terrário – um vivo e um morto (se refere a casca marrom). A professora pergunta:

"como é que é isso? um está morto?". Um aluno diz que descobriu que quando morre um (se refere a casca); nasce outro. A professora pergunta: “pois é; mas nasceu de onde esse outro aí”? Os alunos respondem que da mãe. “Pois é, mas nasceu um bicho grande desse tamanho”? – pergunta a professora. Um aluno pergunta: “então cadê o outro? Aquele que vocês tão falando que morreu e nasceu outro?”. Algumas alunas permanecem observando o terrário tentando achar os dois filhotes. Uma diz que não vê dois e polêmica em torno do nascimento e morte de filhotes permanece.

A professora diz que dentro do terrário ela colocou três bichos e que os alunos disseram que um é a mãe, outro é o pai e outro é o filho. “Vocês viram hoje se os três estão ali”? Os alunos se revezam para realizar a observação. Os alunos respondem que têm três. A professora pergunta então de onde teria saído um morto. Um aluno diz que o morto era um filhotinho. “Eu não coloquei quatro bichos aqui dentro, como que apareceu quatro?” “De onde apareceu este outro bicho?” – pergunta novamente a professora. Os alunos dizem que nasceu. “Como nasce um bicho-pau?” – pergunta a professora. “Ué... a mãe engravidou e o filho nasceu” – respondem alguns alunos. “Eu acho que ela bota ovo” – diz um aluno. “Se fosse ovo tinha que ter ali uma casca” – contrapõe outro aluno. “E como é que ele nasceu e já ficou desse tamanho? Já que ele só teve dois dias para ficar desse tamanho” – diz outro aluno.

Essa questão também será explorada e sistematizada de forma que um pouco diferenciada da questão da alimentação. Nesse caso, surge uma “evidência” chave surpreendente. O acontecimento não foi produzido nem controlado pelo grupo e “replicar” a “muda” não é possível. Assim, o foco de discussão da turma volta-se principalmente para buscar uma explicação baseando-se em outras explicações científicas disponíveis para consulta.

A professora retoma a atividade da folha de observação (figura 05) “o que eu penso que o bicho-pau poderia comer?”:

O que seria uma coisa diferente sem ser a folha de goiabeira que a gente poderia colocar dentro da casa dele e que ele iria comer? Oh gente, se fosse paro bicho-pau comer folha de outras árvores, qual árvore vocês acham que ele iria comer?

Algumas sugestões são propostas pelos alunos: folha de maçã folha de mangueira

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folha de jabuticabeira folha de angá folha de pitangueira A professora diz que trouxe folha de pitangueira e que vai colocar para os bichos-pau e

observar se eles vão comer ou não. A professora diz que trouxe uma folha que ninguém falou, a de alface e que vai colocar junto com as folhas de goiabeira e de pitangueira no terrário. A professora com a ajuda de alguns estagiários passou os bichos-pau para um terrário maior, junto com todas as folhas. Os alunos registraram todas as observações (figura 05).

Figura 05: Registros realizado por um aluno durante as observações do bicho-pau.

Na aula seguinte, os alunos e a professora dão sequência às observações sobre o bicho-pau. Novamente, várias questões são exploradas paralelamente. Porém, mantém-se um registro sistematizado das observações, com anotações diárias sobre o comportamento bichos que são afixadas no mural da sala.

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A professora chama a atenção dos alunos para o fato de que a folha de alface não foi comida pelos bichos-pau. Ao se aproximarem do terrário as crianças comprovam que as folhas de pitangueira e as de goiabeira foram comidas e as de alface não. Após o registro, decide-se quais serão as novas folhas a serem oferecidas ao bicho-pau. Assim, professora passa em cada grupo a folha da jabuticabeira e de mangueira para que os alunos conheçam.

Paralelamente, tem continuidade a discussão sobre as diferenças de tamanho entre os dois animais maiores. “Ser mais velho significa ser maior?”. Alguns alunos dizem que o menor é o macho e que a mãe é a maior, citando fontes de pesquisa. Outros alunos argumentam que nem sempre os livros são verdadeiros e que o macho é o maior e a fêmea é a menor, da mesma forma que o seu pai é maior que sua mãe..

eu acho que o grande é o pai, porque sempre todos os pais são grandes, que nem os pais que vem aqui na escola, dá perceber, sempre os pais são grandes e as mães são pequenas. o pai é o grande porque é igual os humanos, minha mãe tem trinta e oito anos e o meu pai tem quarenta e quatro, meu pai é o mais velho e ele é mais forte do que minha mãe o maior é a mãe, porque ela tem que botar os ovos. A professora entrega uma folha de atividade (figura 06) que solicita que as crianças

opinem a esse respeito.

Figura 06: Registros realizado por um aluno durante as observações do bicho-pau. Na aula do dia 22 de novembro de 2012 a professora realiza com a turma um debate,

simulando um programa de televisão em que ela é a apresentadora. As crianças puderam expor questões sobre a biologia do bicho-pau, o que resultou na produção de um DVD gravado artesanalmente em sala de aula. Após o retorno do intervalo do recreio, a professora solicitou que os alunos procurem informações e fotos sobre animais em que podemos encontrar fêmeas maiores que os machos. Como podemos saber quem são os machos e quem são as fêmeas? As informações devem ser anotadas para serem afixadas no painel da sala.

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Figura 07: Registro de um aluno realizado sobre o bicho-pau durante as observações da aula do dia 22/11/12.

Na aula do dia 26 de novembro, discute-se inicialmente a pesquisa sobre animais em que as fêmeas são maiores que os machos. Alguns alunos identificam animais entre os quais isso acontece, como hienas, orangotangos, baratas e bicho-pau. A professora pergunta se saberiam de uma explicação para orangotango fêmea ser maior. Um dos estudantes argumenta que deve ser porque é ela é quem busca comida. Buscando sistematizar a discussão, solicita-se que os alunos façam um registro escrito (figura 08).

Além disso, nessa aula são introduzidas folha de eucalipto no terrário.

Figura 08: Registros de um aluno realizado sobre o bicho-pau durante as observações da aula do dia 26/11/12.

A aula do dia 29 de novembro de 2012 demarca o encerramento do projeto Bicho-Pau na sala de aula analisada. Os alunos observaram se a folha de eucalipto foi comida. A professora sistematizou no quadro as conclusões sobre o projeto Bicho-Pau diante das observações realizadas pela turma:

A casa dos bichos-pau adultos - os bichos comeram folha de goiabeira e de pitangueira. Nós encontramos mais sete ovos no total a fêmea botou 11 ovos, o filhote saiu da muda mais uma vez. A segunda muda é maior que a primeira e é marrom claro. Nós colocamos os quatro bichos para devolvermos a estação ecológica da UFMG. Os ovos serão devolvidos separadamente.

3 – Considerações Finais

Nesta proposta, em que o bicho-pau foi o foco, as primeiras discussões ocorreram por meio da literatura., a partir da leitura. A partir da leitura da obra de Ângelo Machado, “O dilema

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do bicho-pau”, iniciaram-se atividades investigativas relacionadas ao inseto. O trabalho com o livro proporcionou aos alunos a construção de hipóteses sobre o bicho-pau, o que comiam e como viviam. Na interação entre alunos e professora criou três indivíduos. O contato sistemático com o bicho-pau em um ambiente “terrário”, montado em sala de aula em colaboração com as crianças possibilitou pela interação entre alunos e professora o estímulo a novas perguntas e oportunidades de aprendizagem.

O planejamento do trabalho foi elaborado de modo a implementar várias estratégias de ensino, envolvendo a investigação de várias perguntas. Essas investigações aparecem em sala de aula de forma bastante “entrelaçada”. Em alguns casos ocorreram de forma mais planejada e estruturada, envolvendo o foco principalmente no registro e interpretação de evidências. Foi o caso da investigação sobre a alimentação desse inseto. Os animais foram expostos a uma diversidade de espécies vegetais para que os alunos observassem suas preferências. A presença da goiabeira, jabuticabeira, mangueira, pitangueira e alface envolveu a variação de condições, apresentando similaridades com um experimento. A partir da observação, os alunos puderam obter evidências para caracterizar o hábito alimentar desse inseto. Outras atividades foram mais espontâneas e abertas, envolvendo o uso de fontes de consulta, ou seja, o trabalho com explicações alternativas já construídas. Afinal, o cuidado diário demandado pelos insetos e a observação promoveu oportunidades para se conhecer a biologia do bicho-pau. Nas ocasiões de limpeza de aquário, onde os animais tinham sido alocados, foi possível encontrar, entre outras coisas, uma "muda" que gerou surpresa e dúvidas em todos os participantes. Além disso, diferenças entre os indivíduos trouxeram outras questões: Quem é fêmea e quem é macho?

Os resultados apontam que a atividade investigativa realizada configurou-se como uma estratégia de ensino/aprendizagem por meio da qual os estudantes elaboraram questões, levantaram hipóteses, analisaram evidências e, com a mediação da professora, puderam sistematizar alguns conceitos científicos de forma mais interativa. Ao longo do conjunto de atividades, os estudantes investigaram questões levantadas pela professora ou por eles mesmos, interagindo com diversas fontes de evidências, elaborando explicações e discutindo e avaliando conclusões. Dessa maneira ao valorizar a participação dos estudantes, o debate, a argumentação e múltiplas interpretações tornaram-se parte essencial das práticas da sala de aula. Assim, com a mediação da professora, foi possível sistematizar alguns conceitos científicos de forma mais interativa.

4 – Referências bibliográficas

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GREEN, J.; DIXON, C. & ZAHARLICK, A.. A etnografia como uma lógica de investigação. Educação em Revista, Belo Horizonte. Tradução de Adail Sebastião Rodrigues Júnior e Maria Lúcia Castanheira. v. 42. p. 13-79, 2005.

MUNFORD, D. & LIMA, M. E. C. Ensinar ciências por investigação: em quê estamos de acordo? Revista Ensaio. v. 1, 2008

MUNFORD, D.; SOUTO, K.C.; NEVES, V.; BOSCO, C.S. A disciplina escolar ciências nas séries iniciais do ensino fundamental: reflexões a partir de uma experiência de colaboração entre educadores e pesquisadores, 2011