paulo s. hrobel a questÃo nuclear nas relaÇÕes brasil
TRANSCRIPT
PAULO S. HROBEL
A QUESTÃO NUCLEAR NAS RELAÇÕES BRASIL-ESTADOS UNIDOS
Tese de Mestrado apresentada ao IUPERJ
como requisito parci-1 para a obtenção
- — do grau de Mestre em Ciência Política
ero maio de 1986
Biblioteca IUPERJ
Data
J 3.ZLi ir.-A
Banca Examinadora
•Eli Diniz (Orientadora)
José Murilo de Carvalhoit .A
Gerson Moura
VA.HW
Rio de Janeiro1986
Í N D I C E
Agradecimentos l ü
INTRODUÇÃO 2
CAPITULO 1: Brasil-Estados Unidos no Contexto do
Segrego Atômico
- Introdução 18
- A Montagem do Segredo Atômico 20
- Os Primeiros Acordos Atômicos entre o Bra
sil e os Estados Unidos 31
- A Tese das Compensações Especificas * :• 37
- Guerra-Fria na America Latina 43
- Os Novos Acordos Atômicos 50
- Café Filho e Kubitschek 58
CAPtTÜLO 2: A Busca de Autonomia: Os Percalços
da Política Nuclear Brasileira
- "Átomos para a Paz" ( 63
.- A Posição dos Cientistas 71
- Energia Nuclear para os Países Subdesemrol
vidos 82
- Novo Acordo e a Decisão de Angra 86
CAPÍTULO 3: Brasil-Estados Unidos nos Quadros da
Não-Proliferação e da Concorrência
Comercial
- Introdução 94
- As Mudanças uo Mercado Internacional * 96
- A Não-Proliferaç5o Nuclear ' 106
— As Atitudes Norte-Americanas Face à Não-Pro
liferação . - 114
— Brasil-Estados Unidos sob o Governo Ford 124
— O Governo Carter e o Brasil . 133
CONCLUSÃO . 143
BIBLIOGRAFIA * 150
IIl
AGRADECIMENTOS
Ao Programa de Dotações para Pesquisa da ANPOCS (cora
recursos da Fundação Ford) e ao convênio CNPq/Fundação Alexan
dre Gusmão do Itamarati pelo auxilio financeiro concedido.
 Comissão Fulbright e à Universidade do Texas-Austin,
pela oportunidade de uma viagem aos EUA que possibilitou o le
vantamento de fontes, essencial para a realização deste traba
lho. :
I
 Ana Caillaux pelo auxílio na preparação dá biblio
grafia; ã Tema Pechman pelo interesse demonstrado por este trai
balho e ã Yedda Ennes pelo trabalho de datilografia.
Aos colegas ide turma do IUPERJ pelo dialogo e compeii
lnheirismo.
Aos professores do IUPERJ, José Murilo de Carvalho e
Eli Diniz, pelo apoio recebido.
Aos colegas do Instituto de Relações Internacionais
— IRI/PUC/RJ — pelo incentivo ã realização deste trabalho.
à Monica Hirst, Gerson Moura, Roberto Boüzas, Paulo
Kramer e Sérgio Lipkin pelas discussões travadas durante a xea
lização do "Programa de Estudos Americanos", no IRI.
A Maria Regina Soares de Lima que, mesmo de longe,
contribuiu muito mais do que supõe.
Ao colega e amigo. Gerson Moura pela leitura atenta
e conselhos de mestre na•preparação deste trabalho.
A Ronaldo Gomes e ao grupo, que contribuíram para a
maturidade pessoal exigida para o trabalho ir*-.electual.
|
A meus tios, Moisés e Samuel, que talvez mais do que
quaisquer outros, me âespertaram para o espinhoso e apaixonai)
te mundo da política.
Apesar do esforço de inúmeros pesquisadores, brasi
leiros e estrangeiros, que têm procurado ampliar o conhecimen
to e a interpretação das relações internacionais do Brasil e,
em especial, das suas relações com os Estados Unidos — pais
com o qual o Brasil, possui, historicamente, o padrão de rela
ções mais complexo — é ainda pequeno este conhecimento acuou
lado e grande o número de questões a serem exploradas.
O propósito deste trabalho de pesquisa é contribuir
para este proceso de conhecimento que se encontra ainda em cons
tração, na busca de paradigmas mais sólidos para o entendimen
to das relações internacionais do Brasil.
Após o sucesso experimentado entre o pensamento so
ciai latino-americano e internacional, na década de setenta,
pela teoria da dependência — denominação para um guarda-chuva
de noções que abrange uma ampla gama de idéias (») — ela foi
alvo de inúmeras críticas contundentes tanto de latino-america
nos quanto de pensadores fora do subcontinents e não pode raais
ser considerada como paradigma consensual desta reflexão sobre
as relações entre o Brasil e os Estados Unidos (*)..
C1) Mais do que quaisquer outros autores, a teoria da depende jncia está intelectualmente associada ao livro de FernandoHenrique Cardoso e Enzo Falctto, Dependência e Desenvolvi,mento na America Latina, Zahar Editores, RJ, 1969. Veja--se, também, Fernando Henrique Cardoso, "Notas sobre o Estado atual dos Estudos sobre Dependência" em Cadernos Ce.brap n° 11, SP 1973; Hélio Ja&uaribe, Aldo Ferrer» MiguelWionczek e Theotonio dos Santos, La Dependência político-e.conôroica de América Latina, Sigo XXI editores, Mexico, 1970
: e Claire Savit Bacha, A Dependência nas Relações Internj.1 cionais, tese de Mestrado, 1UPERJ, RJ, 1971»
(2) Veja-se as críticas de Albert Hirshman, Essays In Trespassing, Economics to Politics and beyond, Cambridge UtiiversT
Continua.,,
Este trabalho, entretanto, se propõe a ser muito mais
•odesto âo que esta difícil e árdua tarefa de construção de no
vos conceitos e noções. Ele intenta, muito mais simplesmente,
destacar, dentre as inúmeras questões onde concretamente se
realizam as relações entre dois estados soberanos, uma questão
específica e entendê-la de uma perspectiva histórica —> a quês
tão nuclear. Por questão nuclear, entendo o complexo de situa
ções que envolvem o domínio do ciclo do combustível nuclear,
seja no intuito de produzir energia através de nücleo-elétricas,
seja para construir artefatos bélicos utilizando materiais fis_
seis, como o urânio ou o plutônto.
Com efeito, diferentemente de estudiosos (*) que, ao
analisarem as relações Brasil-Estados Unidos, concentraram-se
apenas na dinâmica interna brasileira, este texto procurara
descrever simultaneamente as dinâmicas internas dos dois pai:
ceiros e as inter-relações delas decorrentes. Obviamente, o
plano de generalização em que são tratadas estas duas cntid<»
des •—-.--como nações — não significa que as entendamos como re
presentantes de seus diversos setores como um todo — classes,
grupos, segmentos. Quando estiver me referindo a decisões bra
fileiras ou norte-americanas deve-se entendê-las como um cem
junto de medidas tomadas pelas elites especializadas respecti
(*) Continuaçãoty Press, 1981; Bruce E. Moon, "Consensus or Compliance?Foreign policy change and external depedence", International Organization. Spring, 1985 e James Caparaso, "Dependeice, Dependency and Power in the Global System: A Structural amiBehavioral Analysis", International Organization, Winter, 1978.
(*) Por exemplo, Carlos Estevara Martins, Brasil-Estados Unidosdos 60 aos 70. Cadernos Cebrap n° 9, SP 1972.
vas, seja através das agências estatais específicos ou . das
instituições responsáveis. Ê importante que isto fique claro»
dado as polêmicas e criticas discutidas no corpo do trabalho»
especialmente devido ao caráter particularmente complexo e es
pecializado do tema.
t Certos autores, ao tratarem da política externa bra
sileira e, mais especificamente, de suas relações com os; Esta
dos Unidos, apontam a Ilegitimidade das medidas/ tomadas frente
â representação da nação como um todo, dado o caráter "classis
ta" das agências estatais ou instituições especializadas (*) .
Este é um tipo de critica que não estou levando em considera
ção devido, principalmente,' ao beco sem saída que este tipo de
discussão produz, polarizando a discussão sempre era função do
estado e das classes sociais.
A constatação de que estou trabalhando com agências
especializadas, logo com elites tomadoras de decisão, poderia
levar-me à opção de apreender o processo de tentativa de cria
ção de ruma política nuclear para o Brasil e a influência sofri
da nesta busca pelas ações e reações norte-americanas ao pa
drão de análise conhecida como política burocrática (*). Esta
abordagem teórica critica os conceitos tradicionais do campo
das relações internacionais devido ao seu excessivo generally
(*•) Lembro a polêmica dos anos setenta sobre o subimperialismobrasileiro na America Latina, envolvendo, entre outros.Rui Mauro Mariní c Theoconio dos Santos. Veja taobem at abordagem de Otávio Ianni era Diplomacia e Imperialismo na AmerT. ca Latina, Cadernos Cebrap n9 12, 1973. ~"
(*) Orna boa analise e defesa desta teoria encontra-se eu Cr a,ham Allison, Essence of Decision Understanding the CubanMissile Crisis, Little, Brown I Company, Boston, 1971.
no e tenta demonstrar que ê somente pela apreensão da lógica
interna das burocracias especializadas — suas motivações, a
ções, comportamentos e decisões — que se entendem as medidas
de políticas externa de uma nação.
:: Em Bedley Bull.(') encontra-se uma consistente defe
sa do método clássico de abordagem das relações internacionais
e a importância da historia nesse processo. " Ele demonstra co
mo a maioria dos temas mais relevantes da disciplina não são
tratados pela teoria "científica" das relações internacionais
— nas quais se inclui a política burocrática — que se atem
predominantemente apenas aos temas periféricos ou de métodos de
pesquisa, sem avançar a disciplina em direção âs respostas que
estas grandes questões colocam. Creio, e nisto-mais do que
Buli, que a contribuição da teoria "científica*, através da
formalização por modelos, teoria dos jogos, simulações e todas
as novas tentativas metodológicas, acrescentam â disciplina,eni
riquecendo-a e abrindo novos horizontes de pesquisa.
^ A defesa que faço da abordagem histórica por mim es_
colhida prende-se, em primeiro lugar, ã natureza do tema. O
segmento do pensamento econômico interessado en estudar os pa_í
ses pobres que surge ..--depois da Segunda Guerra Mundial — o
desenvolvimento econômico — sempre contou como um de seus fo
cos privilegiados o problema do desenvolvimento e da autonomia
científica e tecnológica. A questão nuclear, que possui essa
dimensão científico-tecnológica, além da dimensão político-es_
(*) "Teoria Internacional: Em defesa da Escola Clássica", tesetos de aula, Universidade de Brasília, s/d. "~
tratêgica, é aqui apreendida dentro desse contexto mundial pôs
-1945. Nesse momento, em que o estado brasileiro inicia o pro
cesso de sua institucionalização como catalizador do esforço
de desenvolvimento tecnológico e cientifico, consubstanciado na
criação d<x .Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) em 1951, ele
se depara com a supremacia absoluta'norte-americana no campo
então, considerado como de excelência para o avanço tecnolõgi
co-industrial — o campo atômico.
O Brasil, que havia despertado para este campo devi
do à influência das demandas- norte-americanas por suas mat£
rias-primas radioativas^, se vê limitado nessa parceria a exer
cer o papel de supridor das necessidades de materiais estrate
gicos para os Estados Unidos. Ao tentar apreender os momento:*
mais marcantes dessa relação, só poderia fazê-lo reconstituin
do a gênese do mundo atômico — este complexo de relações cati
sado pelo impacto da descoberta e das possíveis aplicações da
fissão do átomo — e captando suas etapas principais. Não se
trata,^ntretanto, de descrever uma história cronológica com
pleta desse mundo e dessa relação, mas sim de localizar os pon
tos de inflexão que permitem estabelecer um padrão inteligívelir. '•
de relações entre o Brasil e os Estados Unidos.
Em função dessa tarefa, ê tão redundante quanto inü
til considerar ambos os países como dois estados soberanos. Na
dimensão cientifico-tecnológica da questão nuclear, sem menclo
nar a dimensão polítíco-estratégica, é impossível tratá-los co
mo dois estados igualmente soberanos no sentido de autônomo»
em seu processo de opções e tomada de decisões (7). Na -verda
(') En essência, e assim que entendo a noção de recursos tfe p<»Continua..T
de, são duas nações que possuem recursos de poder diferencia ;
dos e que se relacionam, neste campo, assimetricamente. Os
meios, instrumentos e recursos necessários para a implementa
çao de uma efetiva política nuclear nacional encontravam-se de
sigualmente distribuídos, concentrados em um dos parrsiros —
os Estados Unidos. "
Se consideramos a questão nuclear como um tema funda
mental nas relações internacionais do pós-guerra, seria empo
brecer a análise isolá-lo como tema macrohistõrico e concer
trar os esforços apenas no processo de tomada de decisões das
instituições especializadas brasileiras. A tentativa de re
construção dos condicionamentos internacionais, da moldura his
tôrica concreta em que se deram estas opções (ou sua • falta) e ,
essencial para a correta apreensão desse processo.
Mesmo na década de setenta, guando os estudiosos in
ternacionais e especialmente os brasilianistas norte-americanos
começaram a perceber o Brasil como uma potência emergente, co
mo. um poder intermediário na hierarquia do sistema internacio
nal (•), chamando a atenção para o aspecto de maior autonomia
das decisões brasileiras internas ou de política externa — e
a política nuclear de então servindo de exemplo — creio que
(7) Continuaçãoder: a capacidade de um.país de dispor autonoraamentc demeios para atingir seus fins propostos. Veja David Bald,win, "Power Analysis and World Politics: New Trends Versus"Old Tendencies" in World Politics n9 31, janeiro de 1979.
(•) HÍ uma seriü de livros e artigos de brasiliar.iatas a recpeito. Veja especialmente Wayne Schelccr, ed. Brasil inthe International Sysium: The Rise of a Middle Power. Wesjtfview Press, Colorado, 1981. ""
devemos encarar cora grande cuidado essas interpretações. Este
trabalho parte do pressuposto de que é incorreto generalizar,
baseado em estudos de caso e na noção de recursos de poder de
sigualmente distribuídos, o comportamento ou a ação mais ou me
nos autônoma de uma política nacional do país menos "poderoso"
em relação ao país mais "poderoso".* A autonomia não se trans
fere automaticamente de um setor a outro, de uma política loca
lizada â outra, nem se espalha para a nação como um todo. O
. tratamento de um estudo de caso, em que podemos perceber os li
mites da autonomia nacional em termos de recursos materiais e
capacidade de afirmar, interesses próprios contra interesses dei
terceiros no processo de implantação de uma política definida, •
pode ter apenas a intenção, de compreender este caso. Torno a
frisar aqui que é pelo ?cúmulo de estudos de casos específicos
que podemos partir para algum tipo de apreensão mais sistema ti
ca das relações gerais e para uma formulação teórica mais a
brangente, que possa romper com as concepções abstratas presen
tes nas "análises apontadas.
A abordagem teórica mais consistente para um estudo
de.caso encontra-se em Emanuel Adler (•). Em seu estuâo sobre
as políticas nuclear e de informática no Brasil e na Argentina,
Adler nos mostra como, para vencer a barreira da dependência
tecnológica — dependência entendida aí como uma denominação
concreta e não uma teoria — hã que se criar um conjunto de
(•) "The Pover of Ideology: Computer and Nuclear Energy develo£nent in Argentina and Brasil", paper apresentado no "lnter_national Seminar on Development and Scientific and Technological Research Effectiveness", RJ, 1984. ~
instituições e pessoas com mentalidade disposta a romper a bar
reira material e psicológica dessa dependência (l0). Em qua
tro estudos de caso — a política nuclear e de informática,bra
sileiras e argentinas — Adler demonstra como aqueles que obtd
veram êxito nesse processo — a política nuclear argentina e a
política de informática brasileira -^ deveram-no ã criação âes
sa mentalidade independente e â possibilidade de instrumental^
zã-la em uma política de estado consistente e duradoura. Nesse
sentido, a caracterização da política nuclear brasileira como
um fracasso, em decorrência do insucesso no processo de cria
ção das instituições e mentalidade necessárias, não pode ser
generalizada para a política tecnológica da nação como um todo,
como parece demonstrar o segmento da informática, fi esta for
ma de encarar a política nuclear brasileira que considero a
mais frutífera, tentando entendê-la no contexto de sua relação
com os Estados Unidos sob a forma de uma dependência — no sen
tido de Adler — setorial. '
*** Encaradas dessa perspectiva, as divisões internas
aos setores responsáveis pela elaboração de uma política nude
ar para o país e as indefinições quanto aos melhores instruraen
tos e meios para tal fim, nao permitiram a consolidação de uma
política clara, de propósitos definidos e com continuidade açt
ministrativa. o processo histórico da constituição e permanên
cia dessas hesitações será aqui interpretado, privilegiando o
papel exercido pelos Estados Unidos enquanto barreira ou esti
mulante na busca dessa autonomia. A noção de dependência assu
(*») Adler os denomina de "pragmatic anti-dependency guerrillas"
Be aqui uma perspectiva empírica, deixando o plano das formula
ções abstratos. • .
Em um post-scriptura as edições inglesa e alemã de
seu trabalho clássico, Dependência e Desenvolvimento na Amerl.
ca Latina, Cardoso e Faletto í11) reafirmam o caráter depender*
te do desenvolvimento capitalista recente da América Latina, em
sua etapa internacionalizada, assumindo a forma do desenvolvi
nento associado. Os autores explicam as transformações por que
passou o sistema internacional na primeira metade da década de
setenta, enfocando principalmente, como pontos de ruptura, a
detente Leste-Oe^te e o aparecimento de outros pólos importai)
tes de poder econômico no mundo capitalista — Europa' Ociden
tal (especialmente Alemanha e França) e Japão. Esse abranda,
mento do clima de guerra-fria e a multilaterização econômi
ca possibilitariam a criação de novas alternativas aos países
latino-americanos, no sentido de poderem diferenciar seus par
ceiros comerciais e alianças políticas, fugindo ao quase mono
põlio norte-americano. O fundamental para os autores, dentro
desse novo quadro, seria a dinâmica política interna dos pajt
ses latino-americanos que, apesar de viverem, em sua maioria,
processos autoritários, desenvolviam uma consciência no senti
do de superar o mecanismo histórico da dependência pela rejei^
ção do capitalismo.
Em um sentido inteiramente inverso, apostando na via
bilidade do capitalismo industrial brasileiro, porém utilizan
(U) America Latina; Processo Interno Y Orden Mundial, Flacso,Santiago, 1976.
do um diagnóstico semelhante da situação internacional de nea
dos dos anos setenta —- detente e multilaterização do podert e>
conômico mundial —- os tecnocratas e fovmuladores da política
nuclear brasileira a justificam como um ato de independência
nacional (12). A opção alemã que então se abriu para um «cor.
do de cooperação e transferência tecnológica de equipamentos mi
cleares ao Brasil, ultrapassando a tradicional e até então prá
ticamente exclusiva parceria com os Estados Unidos, é defendi
da e justificada como exemplo de maturidade política e da auto.1
nomia nacional. Esse clima de defesa da soberania nacional;i
contra as pressões e interferências norte-americanas contami/
nou virtualmente todo o espectro político nacional, forjando u ;
ma unanimidade artificial, a favor do acordo coro a Alemanha,
tão circunstancial quanto inverídica.
O clima deteriorado das relações entre o Brasil e os
Estados Unidos do período Geisel/Carter — o período considera
do mais problemático das relações recentes entre os dois paí^
ses —ttero na questão nuclear um de seus eixos principais (>*)•
Ao examinar, porém, o longo livro de memórias do ex-presidente
Jimmy Carter, Keeping Faith (>*), em seu capítulo sobre a ques_
t'ao nuclear não há uma só referência ao problema com o Brasil
ou ao acordo teuto-brasileiro. Diga-se de passagem que não bá
(12) "0 Programa Nuclear Brasileiro", Diário do Congresso Nacional Seção II n9 9, 12/3/77.
<»») Veja Robert Wesson, The United States and Brazil, limitsof Influence. Praeger, NY, 1981, especialmente Capitulo k,"The Carter Controversies", pp. 75/103.
(l%) Jimmy Carter, Keeping Faith, Banton Books, NY, 1982.
12
menção alguma ac Brasil em todo o livro. Não quero tirar dis
to nenhuma conclusão raivosa no sentido de. defender os brios
nacionais atingidos ou certezas precipitadas sobre a desimpor
tância do país no sistema internacional. Em todo o capítulo
sobre a questão nuclear, .Carter descreve as relações norte-ame
ricano-soviéticas, priorizando a dimensão político-estratégica
do problema nuclear. Em um artigo para o Foreign Affairs (»*)#
Warren Christopher, o segundo homem do Departamento de Estado
do período Carter, faz um balanço do problema da não-prolifera
ção nuclear e também não menciona, entre as questões relevai»
tes, o conflito com o Brasil.- Foi .Christopher o negociador di-
reto com o governo brasileiro no momento mais dramático das djl ;
vergências.
Apoiando-rae nas idéias de Hirshman, tiraria desses
fatos uma conclusão evidente e outra especulativa (>'). A pri^
meira é que certamente Brasil e Estados Unidos sentiram e vives
raro de forma diferenciada esse conjunto de episódios. E o Bra
sil o viveu muito mais intensa e apaixonadamente, elevando os
decibeis de seu tradicionalmente moderado discurso diplomático
quando a questão nuclear foi agravada com a denúncia sobre vio
lações dos direitos humanos (17). Para os Estados Unidos, co
mo parecem demonstrar as citações acima, os episódios foram vi
(15) Warren Christopher, "Ceaseline Between the Branches: aCompact in Foreign Affairs" ir Foreign Affair», Summer1982.
(is) Albert 0. Hirshman, Essays in Trespassing, Economics toPolitics and Beyond, Cambridge University Press, 1981, e£pecialmente pp. 1/33. *~
(17) Wesson, ob.cit. pp. 89/99.
13
vidos como naturais ao jogo diplomático, como mais uma dentre
as inúmeras questões de política externa de uma imensa e cora
plexa agenda. A conclusão especulativa que eu tiraria decorre
ria dessa diferença de importância atribuída a um issue especX
fico pelos dois países. -Se para o país A o problema ê fundj»
mental e'ele investe esforços, meios e instrumentos adequados
para sua realização e se para o país B a questão e secundaria,
ocupando um lugar não prioritário na hierarquia de prioridades
de sua'política externa, é mais provável que o país A tenha su
cesso em seü intento. Se ainda relativizamos o conflito e não
o consideramos como um jogo de soma zero, soluções conciliatõ
rias a favor de A serão muito prováveis de acontecer. Não se
trata, evidentemente, de menosprezar a diferença de visões e
práticas sobre a questão nuclear entre os dois países ou de ne
gar a importância da não-proliferação nuclear na política extexr
na do governo Carter, como veremos no Capítulo III. Trata-sei
apenas que, para os Estados Unidos, esta era uma das questões
vividas"" com um dos países entre os quais buscava-se influencia
ar.ou pressionar no sentido de uma alteração de política. Para
o Brasil, era o país-chave no domínio econômico e tecnológico
— apesar da percepção de abertura de alternativas oferecidas
na década de setenta — e qualquer conflito surgido era particu
lamente relevante.
Embora não apreendida com a mesma dramaticiclade e
carga explícita de pressões, a política nacional recente da re
serva de mercado da informática, a medida que se tornou um su
cesso financeiro e ainda uma incognita tecnológica, é hoje uma
fonte de atritos e sujeita a constantes pressões norte-amerjl
canas. Certamente não podemos comparar os dois segmentos in
dustriais — informática e nuclear — que apresentam perfis
de investimento completamente diferenciados. Mas podemos en
tendê-los sob a denominação geral de high-tech e, assim, - com
preender o porque da resistência norte-americana. t. «o preten
do embrenhar-me pelo caminho das discussões de opcc.es tecnolõ
gicas mas contextualizã-las enquanto constituintes de proble
mas centrais de relação entre dois países de recursos de poder
desigualmente distribuídos. É ainda uma questão aberta o pá
pel atribuído, no processo de reconquista da hegemonia econômi
ca norte-americana, aos setores de alta tecnologia, embora jã
se possa prever que estas pressões contra a reserva de mercado
da informática, por exemplo, não serão facilmente contornadas.
A tendência que se observa ê de que, á medida em que a econo
mia norte-americana se reorganiza, se desindustria11zando em
relação as atividades econômicas tradicionais, será essencial
o controle dos mercados dos-novos setores dinâmicos. Isto,por
enquanto, não passa de uma especulação e é apenas uma tentati-
va de se pensar o futuro plausível para as relações entre os
dois países.
' Creio que há um desafio colocado ao pensamento so
ciai por este processo que se inicia na década de oitenta,quan
do o aprofundamento das relações entre o Brasil e o capitalist
mo internacional caminha para uma direção ainda em aberto, po
rém já deixando para trás as polêmicas sobre a viabilidade ou
não da industrialização capitalista periférica. Há hoje um
consenso a respeito do patamar industrial alcançado pelo pais,
diferente das outras nações latino-americanas. Este fato pro
15
te, para a agenda de negociações internacionais do Brasil «um
grau de complexidade muito maior, exigindo.também um muito
maior discernimento das questões.
No primeiro capítulo do trabalho, apresentarei o qua
dro do pós-guerra, onde foi concebida a estratégia norte-ame
ricana para lidar com o monopólio do saber atômico. Seguem-se
os primeiros acordos entre o Brasil e os Estados Unidos sobre
a exportaçãV brasileira dos materiais radioativos, relação es.
ta aprofundada com a entrada ec cena da guerra fria.
O segundo capitulo inicia-se com o ponto de inf lje
xão mais importante desse período, que foi o programa "norte-«a
mericano conhecido como "Átomos para a Paz". Essa mudança da
política' mundial dos Estados Unidos em relação ã questão mi
clear tem como conseqüência principal para o Brasil o primeiro
contato com a tecnologia nuclear pela importação de reatores
de pesquisa. A polêmica entre os cientistas brasileiros, ini_
ciada com essas importações, só terã uma solução mais definida
em finsrxla década de sessenta, com a opção de se importar o
primeiro reator de potência junto â empresa norte-americana
Westinghouse.
' O terceiro capítulo abordará as transformações por
que passou o mercado internacional de reatores de potência no
inicio dos anos setenta, possibilitando o aparecimento de em
presas e países concorrentes aos Estados Unidos como vendedo
res de equipamentos nucleares, dos quais o Brasil se utilizou
para conseguir a transferência de tecnologia que passou a fa
zer parte de sua política nuclear desde o final da década de
sessenta. O acordo nuclear com a Alemanha, de 1975, é então
examinado dentro desse contexto. Desse acordo advirá uma rea
ção norte-americana, com diversas fases e diferentes significa
dos, que serão pormenorizadamente analisados. Em fins de 1978,
apôs o período mais tenso e desgastado das relações entre os
dois países, hã uma virtual aceitação do acordo com a Alemanha
como um fato consumado, roergulhando-ôs em uma relação, no cam
po nuclear, praticamente formal.
/ • . •
INTRODUÇÃO /
\
\Com o fim da II Guerra Mundial, em 1945, emerge ao
lado das imensas transformações econômicas, sociais e politi
cas trazidas pela guerra, uma onda de euforia, entusiasmo e es
perança quanto ao futuro. Junto com *o alivio pelo término dos
confrontos e a lenta tomada de consciência das terríveis per
das humanas, materiais e morais, propaga-se internacionalmente
a maré de mudanças e progresso sociais. Obviamente nos países
vencedores, a combinação entre a vitoria e o clamor transforma
dor que se seguiu era mais nítido e compreensível (*). "
O fato polltico-militar que apressou o fim da guerra
no Pacifico com a rendição total japonesa — as bombas atômi
cas de Hiroshima e Nagasaki — teve pelo menos dois aspectos
percebidos contraditoriamente pala opinião mundial. De um In
do, a repulsa humanista ao espetáculo de terror e destruição
causado pelas mais mortíferas bombas jamais vistas. De outro
lado, a^percepção de que se abria para a humanidade com este
invento as portas de um infinito conhecimento e domínio sobre
a natureza, que poderia conduzir o homem um futuro de bem-e£
tar e progresso até então inimagináveis.
Ê deste segundo aspecto que trataremos aqui. O extra
(') A literatura que trata dos efeitos sociais da guerra sobreos costumes, hábitos e vida social dos povos 2 imensa. Go£taria aqui apenas de ressaltar o clima de demanda por r<T, formas sociais que atinge grande parte dos principais paTses envolvidos no conflito, logo apôs o seu termino. Estamaré transformadora será importante dentro do estudo aquiapresentado, pois a tecnologia nuclear e um produto da prõpria guerra e reflete as expectativas de paz e desenvolvTmento que então se iniciavam. ~*
19
ordinário volume de recursos e pesquisas concentrados no Proje
to Manhattan (*) não criou apenas as bombas atômicas, mas uma
nova possibilidade para a tecnologia moderna. A partir dal,
as relações entre comunidade científica, estado, saber, segre
do e liberdade de pesquisa, entravam em um novo patamar. Pela
primeira.vez podia-se falar em uma política cientifica nacio
nal, centralmente organizada e abundante em recursos.
B dentro deste quadro mundial de criarão e transfor
nação do saber atômico em política cientifica que deve ser en
tendida a primeira etapa das relações entre o Brasil e os Esta
dos Unidos quanto à questão nuclear. Esta primeira fase &tr<a
vessa a criação das agências governamentais norte-americanas
e internacionais que tratam exclusivamente da matéria até o
estabelecimento da primeira agência governamental brasileira
nos moldes norte-americanos — a Comissão Nacional de Energia
Nuclear (CNEN), em 1956. ]
O objetivo de reconstituir o quadro . histõrico-ins_
titucional em que ocorreram as primeiras relações bilaterais
brasíleiros-norte-americanas não tem a intenção de esgotar epi
sõdios históricos complexos e ricos cm nuances. A abundante
literatura internacional sobre o pós-guerra e a riqueza dos f«a
(*) "The Manhattan Engineer District" era o none em código d©que passou a ser conhecido como projeto Manhattan, a somade esforços de pesquisa e industriais conduzidos no maisabsoluto sigilo por estrategistas militares e cientistas
! canadenses, ingleses, norte-americanos e europeus exiladosque culminou na explosão do primeiro artefato atômico nodeserto do Novo Mexico, no Trimity Site cm 16 de julho de1945, Malcolm W. Browne, "In AO years of Nuclear Peace LosAlamos lives with bomb", The New York Times. July 14, 1985,pp. 1 e 16.
tos levaram-me a ser extremamente modesto nesta pesquisa histõ
rica. A descrição dos elementos essenciais que permitem - com
preender o pano de fundo das relações assimétricas entre Bra
sil e os Estados Unidos se concentrará na trama fundamental:
do lado norte-americano,.o monopólio do saber, o segredo, «
consciência do trunfo; do lado brasileiro, a quase total igno
rância cientifica, a barganha como política de estado, as ri
quezas naturais como matéria-prima. O aspecto fundamental dcs
tas relações, como veremos, .dava-se no âmbito de um pais que
partia para a industrialização e produção em grande escala do
complexo nuclear, mas era carente de matérias-primas fundamen
tais como o urânio e o tÔriò; e de outro pais, que era poten
cialmente abundante destas matérias-primas mas achava-se na es
taça zero em termos de conhecimento cientifico e equipamentos
industriais.
i
A Montagem do Segredo Atômico . -
Em 30 de..junho e em 25 de julho de 1946, 42.000 e£
pfèctadores, incluindo militares, políticos, cientistas e diplo
matas assistiram a um curioso espetáculo de operações da Hari^
nha de Guerra norte-americana nas Ilhas Marshall, no atol de
Bikini no Pacifico: a explosão de novos artefatos atômicos, fa
to que alguns autores consideram o verdadeiro inicio da corri
da arroamentista (J). Menos de um ano depois das primeiras bom
(») Dentre os vãrios autores, especialmente Walter rC. *TattejrjContinua..T
21
bas lançadas sobre vidas humanas no Japão, o que mais chama a
atenção ê que este espetáculo representou a continuidade " dos
Investimentos em pesquisas em armamentos após o término de sua
alegada principal razão de ser: a Guerra Mundial (*).
A insistência em investir em pesquisas atômicas apôs
o fim do confronto remete-sc 1 sensação, ou mais corretamente,
â certeza de força que a nova descoberta produziu no pensamen
to das elites norte-americanas. Talvez mais do que .nunca na
historia recente, o conhecimento e a informação foram claramen
te utilizados como recursos de poder.
A estruturação da, equipe de cientistas e técnicos en
volvidos no projeto Manhattan e bem ilustrativo das intenções
(•) Continua ••.;•.son, La Energia Nuclear, H- BIune Ediciones, Madri, 1982(edição originai xnglesa 1976) pp. 132/133, descreve comriqueza de detalhes os problemas posteriores de radiaçãocausados por estas'explosões experimentais nas populaçõesdo atol. Os problemas de contaminação ambientais e humanos da nova e fantástica descoberta ficavam neste primeiromomento ofuscados por seus êxitos científicos.
p-
(*>) A polemica historiograf ica sobre a decisão norte-americanade lançar as bombas sobre as cidades japonesas de Hiroshj_ma e Nagasaki e muito grande nos EUA e polariza todas asdiscussões sobre o início da guerra-fria e a nova ordem do
j.*-* pos-guerra. Este debate, de múltiplos aspectos, pode serreduzido a duas posições principais. A primeira, de autores que aceitam a versão oficial do governo norte-americã"no, difundida especialmente pelo Secretário de Guerra Hen"ry-L. Stimson em fevereiro de 1947 na revista Harper's,de que o objetivo principal do "to dropp the bomb1' era ode evitar uma invasão norte-americana do arquipélago japo_nes, salvando milhares de vidas de soldados norte-america_nos. A principal posição oposta discorda desta versão eprocura interpretar a decisão como um ato político relacÍ£nado ao poderio soviético na Europa e sua eminente invasãodo Japão. Os principais autores envolvidos nesta polemicasão: Herbert Feis, Barton J. Bernstein, Gar. Alperovitz,Martin J. Shervin, John Lewis Gaddis, Daniel Yergin e recentemente Rufus E..Miles Jr. Veja o numero de dezembro"de 1985 do Bulletin of the Atomic Scientists.
zz
norte-americanas. Mem as primeiras descobertas cientificas so
bre o átomo, datadas do inicio do século, nem os maiores e mais
ilustres cérebros estavam inicialmente concentrados nos EDA.
Os grandes trunfos que o pais utilizou para atrair o esforço
dos aliados na competição pela primeira bomba atômica contra
uma pretensa similar, nazista, foram'sua extraordinária âotação
de recursos, a acolhida a eminentes cientistas fugidos das per
seguições européias e a colaboração internacional, especialmen
te inglesa e canadense (').II
A mentalidade vigente, entre todos os setores que
participaram da fantástica descoberta da energia atômica, do
seu potencial construtivo ou destrutivo — pelo menos como era
então percebido — foi responsável pelo surgimento de confljL
tos internos nos EUA, especialmente entre a comunidade cientâi
fica e os meios militares aos quais ela se encontrava subordi_
nada (*). Para o que aqui rios interessa, importa ressaltar de
_ _ j
(s) Este ponto esta bem tratado em Patterson., ob.cit., p. 137,• em diante e em James L. Cormly, "The Washington Declarationand the 'Poor Relation1: Anglo-American Atomic Diplomacy".
. Diplomatic History vol. 8 n9 2 Spring 1984» pp. 125/143.
(s) Neste tempo, ainda analisava-se a questão atômica de um'r":' ponto de vista "neutro", procurando-se separar o julgamen
to moral sobre as bombas do potencial científico, quer dTzer, para o bem da descoberta. A difícil e penosa relaçãoentre a comunidade científica norte-americana e o poder doestado e um dos mais interessantes casos de cooperação eresistência entre saber e poder que a história contemporitnea forneceu. Os dramáticos casos de Oppeinheimer e dosRosemberg são apenas os mais visíveis desta tumultuada his_tória. A revista da comunidade científica dissidente deChicago, Bulletin of the Atomic Scientists existente desde1945 é um formidável exemplo de persistência e lucidez coiitra o* aspectos "destrutivos" do saber atômico, advogando"durante todo este tempo as < «usas da paz e da colabora_ção científica internacional. Veja um amplo balanço de£tas relações no numero de agosto de 1985 do Bulletin of the"Atomic Scientists. — — — — — — — .
23
que forma o conhecimento e a informação tornaram-se um segredo
guardado a sete chaves pelo estado norte-americano, que o ve
dou mesmo aos seus aliados mais próximos como a Inglaterra e o
Canada. Ê importante entendermos como se deu o processo inter
no de constituição do segredo nos EUA, para compreendermos seus
desdobramentos diplomáticos internacionais.
fi importante neste ponto explicitar o que se entende
por uso do saber atômico neste momento histórico. Ê inegável
á estreita relação entre fins pacíficos e bélicos da tecnolo
gia nuclear. E a primeira aplicação concreta da nova descober
ta foi a construção de artefatos bélicos, no contexto da gucr
ra mundial (7). O que significava então partilhar o segredo?
Seria somente permitir que os países aliados tivessem acesso
também a construção de bombas?
O domínio do átomo não implicava apenas na constrit
ção de poderosas bombas. Os integrantes desta comunidade, ljL
gada â defesa, que incluía militares de todas as patentes, ci
entistás de várias especialidades, políticos dos dois partidos
e diplomatas envolvidos, sabiam por conhecimento genuíno (aJL
guns) ou por divulgação e publicidade (muitos), que o novo do_
mínio envolvia uma enorme potencialidade de aplicações após o
conflito. A complexidade dos fatores envolvidos, aprofundada
pela irrupção da guerra-fria, condicionou os desdobramentos
(7) Certos cientistas, favoráveis a energia nuclear, comparambem-humoradamente a energia nuclear c a energia elétricacom a seguinte imagem: imaginemos qual seria o conceitomundial da energia elétrica se a primeira vez que se Hgasse um interruptor fosse para acionarmos uma cadeira ele*
. trica? . """
futuros desta história. A partir de então, há uma ligação ime
diata entre saber atômico e armamentismo. *
Faremos então uma rápida descrição dos condicionan
tes políticos internos, nos Estados Unidos, envolvendo Executi
vo, Legislativo e os militares que trabalhavam na "Segurança
do Estado" sobre como se montou o arcabouço institucional de
proteção ao segredo atômico e as tentativas de transcendê-lo
para o plano internacional. Em 3 de outubro de 1945, o Presi
dente Truman, em um discurso no Congresso norte-americano, 1
dentificou o controle da energia atômica como "number one pro
blem in the world" (•)• Nos meios políticos, científicos e na
"opiniçao publica" em geral havia divisões quanto ao melhor ca
ninho a seguir como política de estado: partilhar as informa
çoes atômicas com os países alinhados incluindo aí a URSS, ou
manter o monopólio do conhecimento. Nas palavras de Gormly:
i
"He [Trwnanj also* revealed his willingness todiscuss the problem with America's nuclear partners,the United Kingdom and Canada, and implied that such
• * talks would be the first step toward international^* zing the control of atomic energy." (») ""*
x; Quatro dias depois, em uma conferência de imprensa
no Tennesse, Truman esvaeceu as ilusões dos partidários da
partilha de informações com os aliados. : A pai:
tir de então, são cada vez mais fortes os indícios de que o se
<•) John Lewis Gaddis, The United States and the Origins ofthe Cold Var, 1941-1947, Columbia University Press, N.Y.1972, p. 247 e Gormly art.cit. p. 125.
(») Goroly, art.cit. p. 125.
gredo passaria a ser a prioridade na política nuclear nortè-a
nericana e qualquer iniciativa de procurar os aliados para ^ a
discussão do assunto passava a ser de única responsabilidade do '
governo norte-americano que não aceitaria mais qualquer deroan
da de seus aliados por cooperação.
A primeira iniciativa norte-americana de procurá-los
ocorreu por meio de uma conferência em Washington em novembro
de 45 entre EUA, Inglaterra e Canadá. O plano oferecido pelos
EDA, elaborado por Vannevar Bush, diretor do "Office of Scien
tific Research and Development" admitia a cooperação e o contro»
le internacional na órbita da recém criada ONU, . através da •
formação de uma agência especializada. Não estava ainda resoJL
vida a profunda discussão interna no governo dos Estados Uni.
dos sobre convidar ou não a URSS, então ainda um aliado, a com
partilhar as informações disponíveis (10).
Uma conferência em Moscou em dezembro de 1945, reuni
da não exclusivamente mas também para se discutir temas nuclea
res, estabeleceu um consenso entre os.três principais aliados vitorio
sos (URSS, EUA, Inglaterra), de que deveria haver uma ação coor-
denada ao nível do Conselho de Segurança da ONU no sentido de
centralizar e repartir as informações e a tecnologia que os
EUA monopolizavam. Nesta conferência, a URSS pareceu não se
impressionar muito com a posse da bomba pelos EUA e do poderio
dela decorrente. A insistência dos norte-americanos, porém,
em demonstrar que possuíam esta força única e que jã ocorrera
(10) Esta discussão acha-se bem desenvolvida em Gaddis, ob,cit. pp. 283 e seguintes.
desde a conferência de Postdam em julho do mesmo ano, mostra
cono, em relação a URSS, já se efetivava uma real "diplomacia
atômica". A rápida sucessão de acontecimentos políticos, prin
cipalmente na Europa.e a deterioração do"relacionamento entre
os dois aliados, subordinavam a busca de um entendimento inter
nacional do "number one problem of the World" às vicissitudes
da política norte-americana. \ * •
Em março de 1946, o Congresso norte-americano apro
vou o que viria a ser a pá de cal nas pretensões daqueles —-
especialmente os britânicos — que lutavam pela -disseminaçãoi
das informações cientificas sobre a nova descoberta: o McMahoni
Act. O Act criava a "Atomic Energy Commission" (AEC), estab£
lecia o segredo absoluto sobre todos os assuntos que envolves
sem o saber atômico, sendo passível de pena de morte quem o
rompesse e centralizava todas as pesquisas nas agências goveir
namentais, proibindo quaisquer iniciativas privadas, fossem pes_
soais ou empresariais (**)•'• • •
^ O Congresso norte-americano, com a criação do Special
Senate Committee on Atomic Energy em outubro de 1945, entrava
em cena como um ator importante apôs ficar relativamente margi
nálizado durante os anos da guerra. Os parlamentares critica
vara o altíssimo custo das bombas — US$ 2,5 bilhões — e eram
em sua maioria contrários â partilha de informações .com os a
(J1) Veja Peter Pringle e James Spigelman, The Nuclear Barons,Avon Books, N.Y. 1981, pp. 75/77: "When senator McMahondrew up the legislation, he did not know the extent ofthe wartime cooperation, between Britain, Canada,.and the.United States; if he had known, he said latter, he vou Idnot have pushed for such tough restrictions on theof information".
27
liados, sob o argumento de que o monopólio era um recurso de
poder inigualável (55 representantes em 61 de uma pesquisa fei.
ta opunham-se resolutamente a partilhar o segredo da bomba com
qualquer pais) O 2 ) . Os legisladores eram também contra o con
trole internacional da energia atômica, através da ONU, refle
fcindo uma tendência da população em geral. Desde a conferên
d a de Washington entre Truman-Atlee-King, -tentando estabele
cer as bases para um acordo entre EUA/Inglaterra/Canadã, o Con
gresso se sentia marginalizado das decisões, tomadas, diga-se
de passagem, em um clima de confusão e incertezas quanto ao me
lhor caminho a seguir. j
Parecia haver um descompasso entre a-avaliação do po
derio assegurado pelo monopólio e as formas institucionais de
expressar este poder. As contradições e. dubiedades de posjl
ções que expressam o período se prendem a estas indefinições.
A diplomacia atômica encontrava-se na encruzilhada, para a qual
convergiam todos os problemas de criação da nova ordem do pós-
—guerra"; e especialmente em como se relacionar com os aliados,
vencedores, em particular a URSS. O governo do EUA, entretan
to, prosseguia suas diligências para formar uma Agência Inteir
nacional.
Em Moscou, o secretario de Estado James Byrnes havia
conseguido a concordância soviética para um plano de criação
de uma Comissão de Energia Atômica na órbita da ONU. O plano
(12) parlamentares com intensa atuação em política externa cono o Senador Arthur Wanderberg e o assessor republicanopara questões internacionais John Foster Dulles foram de_cisivos para o endurecimento da posição norte-americana,conforme Caddis, ob.cit. pp. 228/229 e 251/292. .
encontrava porém fortíssima oposição entre republicanos proemi
nentes e mesmo entre colaboradores do governo Truman.
Sob a responsabilidade de Dean Acheson, subsecretã
rio de Estado, forma-se um comitê para estudar a viabilidade do
estabelecimento de uma política exeqüível para o controle in
ternacional da energia atômica, soba responsabilidade das Na
ções Unidas. O Acheson-Lilienthal Report é o resultado deste
plano.
"Although developing an American plan for thepostwar control of atomic energy was proposed by individuals both inside and outside of the governmentlong before the first atomic bomb was successfullytested in July 194S, it was not until January 1946that the first major step in -.the development ofspecific proposals took place. At that time Secre_tary of State James Byrnes appointed a committeebreaded by Undersecretary Dean Acheson to formulatean American plan that could be presented to theUNAENj which was about to be created. Acheson 'scommittee was assisted by a board of consultants thatincluded David Lilienthal and J. Robert Oppenheimer."
**" O Report aconselha como recomendações principais o
estabelecimento de uma "Autoridade de Desenvolvimento Atômico"
("Atomic Development Authority") com as atribuições de reali
zar urn survey das reservas mundiais de materiais estratégicos
(raw materials), no intuito de assumir o controle dos depõsjL
tos mundiais de urânio e tôrio. Estes recursos minerais fica
riam disponíveis somente para aplicações pacíficas, controlados
pela Agência. Além disso, os EUA se reservavam o direito de
'(»») Larry 6. Gerber, "The Baruch Plan and the Origins of theCold War", Diplomatic History vol. 6 n9 1, Winter 1982p. 71.
ter sozinhos a decisão de interromper ou não a fabricação de
bombas atômicas. Tal plano tornou-se público em 28 de março
de 1946. i
Bernard M. - Baruch foi designado por Truman para a ta
refá de apresenta-lo como proposta norte-americana às Nações U
nidas. Já idoso, e cora muito prestígio, Baruch cercou-se de
um grupo de assessores de Wall Street, ao invés de cientistas
especializados, que não entendiam muito bem o intrincado mun
do atômico. Com algumas modificações do plano original Ache
son-Lilienthal, Baruch apresenta-o, na ONU a 14 de junho de
1946, utilizando uma linguagem apocalíptica e com recursos de •
dramartugia. A pronta recusa do representante soviético, An
drei Gromyko, que* propôs a imediata destruição de todos os ar
tefatos atônicos existentes estabeleceu um impasse. A discus
são arrastou-se até dezembro de 1946, sem um consenso/ quando
então houve a votação entre os membros da Comissão Atômica, em
que a proposta de Baruch ê aprovada por 1 0 - 0 , com a URSS e a
Polônia^abstendo-se. Transferindo o for o de debates para o Con» • •
selho de Segurança da ONU, a URSS usa seu poder de veto pára
rejeitar a proposta ils),
£ interessante lançarmos uma olhada para a posição
(1%) Sobre esse assunto ver Gerber, art.cit. pp.. 74/75 e 90/92. A avaliação de Gerber das intenções do plano Baruch c, en resumo, a seguíjate: "This study of the Baruch plan indicates that a newconcept of national security, with its global dimensions,combined with an older tradition of Wilsonian internacionalism to create an American plan for the control of atc[mic energy that, if adopte, vould have had the. effectof preserving the position of dominance that the UnitedStates had achieved at the end of the Second World War".(p. 95).
brasileira, membro original da Comissão de Energia Atômica, pe
Ias suas presumíveis grandes reservas de materiais fisseis. tO
representante brasileiro era o almirante Álvaro Alberto, figu
ra de proa em todo o debate que envolveu a criação de uma poli
tica nuclear brasileira ate a década de cinqüenta. Pelas info£
inações disponíveis, sabe-se que Alváro Alberto era simpático à
proposta soviética, mas a época era de aliança fiel com os EUA
e sob a orientação do Ministério das Relações Exteriores, mani
festou-se favorável ao plano Baruch, com reservas, consciente
das dificuldades de sua implementação. Alberto apoiaria o pia :
no, desde que ele permitisse o acesso dos países que assim o '
desejassem à tencologia norte-americana (15). A correspondên ••
cia pessoal entre* Baruch e Alberto a que tive acesso (»«) dei
xa entrever uma relação de extremo afeto e admiração pessoal
mútua, sobressaindo o constante elogio de Alberto a "grande na
ção amiga", o que complica o quadro posterior de constantes a
cusações de atitudes anti-americanas em que Alberto :viria a
ser envolvido.
(ls) Telegrama do MRE a delegação brasileira, 20 de junho de1946 na tese de Gerson Moura, 0 Aliado Fiel: A naturezado alinhamento brasileiro aos Estados Unidos durante e apos a Segunda Guerra Mundial no contexto das relações xnternacionais, PhD, Londres 1984, p. 225. ~
(lê) Arquivo de Bernard Baruch, universidade de Princenton-USA.Cartas de Baruch para Alberto e dè Alberto pára Baruch.Esta correspondência se encontra no arquivo do CPDOC.
31
Os Primeiros Acordos Atômicos entre o Brasil
e os Estados Unidos
De posse destas informações sobre a moldura histôri
co-institucional com que.se montou o segredo e o monopólio da
energia atômica por parte dos EUA/ vejamos como se desenvolve
ram as relações com o Brasil e como se deram os primeiros açor
dos atômicos entre as duas nações.
. . A descoberta de areias monazíticas no Brasil, conten
do alto teor de tório e sais importantes colocou o país na poi
sJLçao de fornecedor de uma das matérias-primas indispensáveisi
para a indústria atômica. Mas há tipos distintos de : fornece
dores. Os dois principais fornecedores de urânio para os EUA
até então, eram o Canada e o Congo Belga. Obviamente havia u
ma diferença nas relações destes países com os EUA. Já vimos
como, apesar de sua importante participação na criação e nas
pesquisas do projeto Manhattan, o Canadá viu-se marginalizado
das informações técnicas indispensáveis, ocorrida com a monta
gem institucional do segredo que culminou na Lei HcMahon. O
Canada porém, assim como a Grã-Bretanha, apôs as primeiras rea
ções de protesto pela exclusão, não permaneceram de mãos com
pletamente atadas, partindo para pesquisas próprias, o que os
levou em pouco tempo a uma situação de enorme prestigio cientí
fico internacional, capacidade técnico-industrial (no caso do
Canadá) e bélica (no caso inglês).
0 Brasil não pode ser entendido nem numa situação de
sólida base industrial e tecnológica que permitisse um vôo au
tonomo no âmbito das pesquisas e nem estava inserido nuraa sL
tuação colonial como a do Congo Belga.. Em meados da década de
40, apesar de. jâ relativamente industrializado, assistia-se ain
da no pais a debates como de Roberto Simonsen/Eugênio Gudin,
discutindo a viabilidade da industrialização do pais e a supe
ração de sua pretensa "vocação agrícola" (17). Existia ainda
toda uma mentalidade interna que entendia o país de um ponto
de vista de exportador de matérias-primas, fornecedor das na
ções Industrializadas, sem capacidade de dar o salto industri
ai. Os argumentos dos defensores da relação com os Estados U
nidos nestas bases são fortalecidos por dois principais raoti
vos: j *
1) a força com que os EUA saem da IIa Guerra Mundial, ali
ando sua força moral como potência vencedora à indiscu
tível supremacia econômica que a guerra aprofundou, com
a destruição da base econômica dos seus possíveis corape
tidores; ! ,
2) a ignorância interna1, era relação aos assuntos atômicos,
«vistos ainda sob a aura do mistério e do inatingível (**).
Com efeito, realmente a empreitada de construção de
artefatos atômicos implica uma base industrial moderna c desen
volvida mas, como veremos, o próprio EUA careciam naquele momen
to de uma clareza maior quanto as aplicações econômico-Indus
trials da nova descoberta, perceptível nas dificuldades de iro
(l7) Heitor Ferreira Lima, Historia do Pensamento Econômico no• Brasil, Cia. Editora Nacional, SP 1976, cap. XI1I, pp.
170/193.
(it) Sobre a ausência de qualquer avaliação «ais objetiva^ eprofunda da posição brasileira nos debates da Comissão daONU, veja nota 15.
33
piemen tar uma po l í t i ca de construção de usinas atômicas com o
intui to de produzir energia. Este é um processo que demora
mais de uma década até se dispor de tecnologia para uma produ
ção comercialmente v iável .
O que podemos caracterizar coro diferença fundamental
quanto à percepção da importância do saber atcmico entre as duas nações
e que mesmo ainda não inteiramente esclarecido <fo«r prwriHt i iffaA*g eco
nômicas de aplicações da fissão atômica, os EUA pressentiam que
encontravara-se diante de uma nova etapa c ient í f i ca revoluciona
r i a . 6 óbvio que não se trata de comparar una potência mundial,com
interesses intercontinentais e que fazia uso neste momento das
armas atômicas cano reforço de sua supremacia mundial, cem uma nação po
bre sem maior relevância internacional como o Bras i l . Os Esta
dos Unidos em 1946, de uma forma confusa e ainda sem claros instrumentos
para atingir seu intento, pressentem que há um lonçp candnho a pejr
correr no demínio da nova técnica. O Brasil, apesar de certos homens
que compartilhavam esta visão, carecia ainda ds instrumentos mínimos de
incentiVo ao desenvolvimento têcnico-c ient í f ico .
Este sentimento de inferioridade aliado à ignorância
c ient í f i ca ,â penúria material e aos interesses norte-americanos
fazem com que propostas autonomistas esbarrassem em invencí^
veis obstáculos internos e externos.
A distância histórica permite-nos fazer um parale lo
com outras bem-sucedidas pol í t icas nacionais, que buscavam au
tonomia setorial como a do petróleo e a da recente reserva de
mercado da informática. É muito d i f í c i l reduzir um conjunto
de fatores responsáveis pelo sucesso ou fracasso de uma p o l í t i
ca de estado, a apenas um fator. Mas sem dúvida as verdadej.
ras campanhas nacionais que contaram com o apoio de diversos
segmentos da sociedade, especialmente militares e técnicos* com
poder decisõrio, presentes nos dois casos citados, é um compo
nente importantíssimo (»•).
O que quero ressaltar ê que tal componente, aliado
a uma clareza de propósitos esteve ausente da política nuclear
em todo o período inicial, dividindo internamente os policy-
-makers brasileiros em dois grupos muito claros. Um grupo, li
derado pelo almirante Álvaro Alberto, ausente durante dois a_
nos como representante brasileiro na Comissão de Energia Atômi
ca da ONU, volta e começa aj lutar pela necessidade de es tabele
cer uma política científica nacional, então internacionalmente
percebida como intrinsicamente ligada aos caminhos da energia
atômica. O outro grupo, liderado pelo Itamarati, que não via
condições de, em curto prazo, o país poder desenvolver-se auto
nomamente em termos científicos e tecnológicos. O caminho quei
restava 'a curto prazo era o de participar do projeto norte-ame
ricano,r*bar ganhando sua condição de exportador de matérias-pri^
mas estratégicas e retirando os dividendos desta política.
O resumo dos principais fatos apresentados a seguir
tem o objetivo de demonstrar a polarização criada entre estes
dois principais grupos que, no interior do estado brasileiro,
lutavam por seus pontos de vista e interesses conflitantes. A
(•») Sobre petróleo, Gabriel Cohn, Petróleo e Nacionalismo, Difel, SP 1968, e Cerson Moura, A Campanha do Petróleo, Brasilicnse, SP 1986. Sobre informática, Paulo S. Wrobel"7"Política Nacional de Informática: o desafio esta lançaáon9 Brasil. Perspectivas Internacionais. IRI/PUC-RJ nov7
35
polêmica levantada sobre os primeiros acordos com os í EUA de
1945, que marcaram o inicio das relações nucleares entre os
dois países, perdurou durante os governos Café Filho, Dutra,
o segundo governo Vargas e o início do governo Kubitschek. Nes_
te ultimo governo, através de uma CPI no Congresso e de uma
Comissão especializada, nomeada pelo executivo, são analisadas
e prescritas soluções administrativas mais claras para uma po
lítica nuclear nacional. Esta CPI — a primeira na historia
brasileira sobre a questão nuclear — esclareceu algumas destas
principais indefinições ocorridas nestes anos, principalmente
pelo depoimento do general Juarez Távora (2o).
O primeiro acordo atômico entre o Brasil, e os Esta
dos Unidos e assinado a 6 de julho de 1945 (ratificado dois ddl
as depois pelo governo brasileiro) 7 no período da decisão so
bre o lançamento das bombas atômicas no território japonês- ga
rantindo a venda pelo Brasil, com exclusividade, de 300 tone Ia
das anuais de monazita aos EUA, ao preço de 31 a 40 dólares a
tonelada., pelo prazo de 3 anos, prorrogável por até dez vezes,
dentro do espírito da Ata de Chapultepec.
Internamente o país achava-se em grande instabilid£
de devido â luta pelo fim do regime autoritário vargista, que*
viria a acontecer com sua deposição aproximadamente três meses
depois. Em agosto do ano seguinte, jã no governo Dutra, o Cor»
(2°) Sobre a CPI e suas principais conclusões, veja principal1 mente o depoimento do general Juarez Távora cm teu livroXtomos para o Brasil, José Olympio Editora, RJ 1958; a teise de Maria Cristina Leal Caminhos e Descaminhos do BrjL«il Nuclear; 1945-1958, IUPERJ, RJ 1982 e o depoimento deRenato Archer, CPDOC - Hiwtõria Oral, FGV, Rio 1979; exi£te cm bom resumo da CPI no Jornal do Brasil de 17/4/77.
selho de Segurança Nacional denuncia o Acordo através de um'me
morando secreto enviado â Presidência, propondo o seu cumpri
rcento apenas no primeiro triênio. A denúncia devia-se, espe
cialmente, à consciência dos militares nacionalistas de que «a
traves dele entregavam-se as riquezas minerais do pais sem
maior beneficiamento e exploração interna. Resultado disto é
a criação da Comissão de Estudos e Fiscalização de Minerais Es
tratêgicos (CEFME), incumbida d' centralizar as*decisões sobre
estes minerais, que passa a funciono: na Secretaria Geral do CSN
a partir de janeiro de 1947, pouco depois, portanto, da denunciai
Em 1948, findo o período de três anos de vigência do-
primeiro acordo atômico, apesar das tentativas norte-america_ •
nas de prorrogá-lo, o acordo foi denunciado pelo governo brasi^
leiro, interrompendo-se o fornecimento da monazita brasileira.
No período compreendido entre a denuncia do acordo, até a assi
natura do segundo acordo atômico em 1952, ocorrem quatro anos
Je infrutíferas tentativas norte-americanas de novos acordos.
A intenção erá a de manter o mesmo espírito do acordo de 45,
de importar matérias-primas consideradas como indispensáveis
para a segurança nacional dos EUA sem nenhuma contrapartida em
equipamentos ou tecnologia. Do lado brasileiro exigiam-se mu
danças no teor e na estrutura da relação que até então prevale
cia entre os dois países, buscando-se romper com a exportação
das matérias-primas em estado bruto, percebidas então como con
trãrias aos interesses nacionais. Estes quatro anos, entretan
to, foram anos de indefinições, onde nenhum dos dois (grupos
nacionalistas ou prÕ-norte-americanos conseguiu estabelecer »
ma clara supremacia de suas posições. Uma das teses básicas
37
do grupo nacionalista, a tese das compensações específicas, en
contra um canal institucional onde se expressar, o Conselho Na
cional de Pesquisas.
A Tese das Compensações Especificas' *
As mudanças de visão do lado brasileiro localizavam-
-se principalmente na criação e na tentativa de consolidação
de uma das vertentes em que se dividia o espectro de opiniões
nacionais quanto a viabilidade de implantação de uma política
científica nacional. A identificação feita pelos dentistas,
e governo entre o apoio decidido do estado às pesquisas cientí
ficas e o desenvolvimento da energia atômica ocorreu, corao vi_
mos, no decorrer da guerra e foi subseqüentemente estimulado
pelo sucesso tecnológico norte-americano.
A participação de uma delegação brasileira nos pri.
m6râios_jda Agencia de Energia Atômica da ONU, devido ao reco
nhecimento do país como fornecedor de matérias-primas estraté
gicas e potencialmente possuidor de grandes reservas, possib^
látou aos representantes nacionais um estreito contato com a
vanguarda das discussões publicas sobre o assunto. Não enten
deremos corretamente a importância desta arena internacional
se não tivermos bem claro o impacto causado pelas descobertas
científicas nucleares. Nunca é demais lembrar a atmosfera de
dor, sofrimento e desesperança causadas pelos anos de guerra e
a esperança que se abriu com o seu final. Pois ê exatamente
em cima deste contexto que a criação atômica foi pensada, pe
las elites, como panacéia universal que abriria um futuro ra
diante para a humanidade como um todo, ou pelo menos para a
parcela da humanidade localizada nos centros mais atingidos pe
Ia guerra, a dos países industrializados.
O chefe da representação brasileira na Agência, o ai
mirante Álvaro Alberto (*»), por ser um homem de ciência e ao
mesmo tempo por seu passado militar, percebe claramente a nova
era que se abre e o novo papel do estado como agencia de incre
mento científico e procura estimular a discussão interna sobre
a necessidade de criação de um organismo dedicado a estabele
cer uma política científica no país.
Como presidente da Agência e cultivando uma repute
ção internacional, o almirante Álvaro Alberto envia ao presjL
dente Dutra, em fins de 46, um memorando contendo uma serie de
recomendações visando à criação de uma política nuclear para o
Brasil, abordando principalmente os seguintes pontos:
1) Criação de um organismo de estudo e controle da energia
• fyiclear.
2)' Nacionalização das reservas brasileiras de urânio e tõ
rio. '
' - 3) Revisão das concessões jã efetuadas para a mineração des
tas riquezas.•
4) Controle das exportações destes minérios, impedindo a
saída bruta deles do país, sem antes passar por algum
(21) Informações sobre a vida do almirante Xlvaro Alberto p' dem ser encontradas no Dicionãrio Historico-Biograf ico Brsileiro, 1930-1983, Coord, de Israel Beloch e Alzira Aves. de Abreu, FGV, Rio, Ed. Forense, 1984, pp. 38/39.
processo de beneficiamento, que seria estimulado pelo
governo às firmas nacionais interessadas.
5) Incentivo as pesquisas e atividades científicas sobre e
nergia atômica.*
O impacto imediato deste programa pode ser sentido no
projeto de criação da CEFME e na posição que passa a ser defl
nida pelo CSN a favor do rompimento do acordo de 1945 com os
Estados Unidos.
/ Na sua volta ao país, o almirante Álvaro Alberto é
nomeado chefe de um grupo de estudos responsável pela criação
de um organismo de apoio à .ciência e tecnologia no país, era
brião do futuro CNPq. Em janeiro de 1951 é aprovado o projeto
de lei — Lei nÇ 1310 — criando o Conselho Nacional de PesqujT
sas, tendo Álvaro Alberto como seu primeiro presidente.
£ indiscutível que a criação do Conselho reflete a
incorporação de idéias modernizantes ao estado brasileiro e a
vitória-dos setores que apostavam na industrialização do país.
O fato,-por em, de o almirante Álvaro Alberto ser guindado ã posjL
ção máxima e o próprio termo dos estatutos do Conselho ref le
tem o papel essencial atribuído a uma política nuclear para o
país. Sendo um órgão para as pesquisas científicas em geral,
ele i especialmente destinado, por seus programas, para as pes,
quisas que possam desenvolver a capacitação nacional do domjt
nio do que na época era considerado a ciência per si, o conhe
cimento atômico (22).
(22) Para a formação do Conselho Nacional de Pesquisas e o pjapel de una política nuclear neste processo» veja a tese"
Continua.».
A partir de então, o CNPq passa a ser um intransigen
te defensor das propostas contidas no memorando acima descrito,
lutando por todos os meios possíveis para a vitória de soas te
ses. Quanto ao sensível ponto das diferenças de concepção dos
papéis respectivos do Brasil e dos Estados Unidos em seu comer
cio particular, entrou em cena uma concepção formulada pelo
presidente do CNPq, que servirá de discórdia durante um bom;
tempo entre os dois países, dificultando a renovação automãti
ca do primeiro acordo atômico — a tese das compensações espe
cíficas. l
A tese das compensações específicas foi desenvolvida .
pelos setores comprometidos com uma visão do país que procura '
va romper com o tradicional sistema de trocas prevalecente en
tre um país industrializado — os EUA — e um país exportador
de matérias-primas — o Brasil. O pressuposto em que se basea
varo os formuladores da tese era de que as reservas conhecidas
de monazita, de onde se extraia o tõrio e demais materiais ra
dioatiyos, e ás reservas estipuladas de urânio eram um mate
rial'precioso demais, e ainda por cima escasso, para ser livre
mente exportado em bruto, pouco contribuindo para a riqueza do
país.
Os mecanismos de proteção e defesa das reservas «de
matérias-primas deveriam ser estimulados, permitindo a exportei
Continuação^de Regina Lúcia de Moraes Morei, Considerações sobre a ^lítica Científica do Brasil, Universidade de Brasllia71975, especialmente pp. 104/106 e Simon Schvartzman Fojrmação da Comunidade Científica no Brasil, FINEP/Ci** *EdTtora Nacional, RJ e SP 1979, pp. 289/290. *
ção de uma pequena parcela das reservas, por força das alian
ças internacionais, porém, sofrendo obrigatoriamente um proces
so de beneficiamento. E, ainda mais importante, qualquer açor
do com o país importador, exigiria uma compensação, ou seja,
uma troca por materiais de pesquisa e equipamentos que permi
tissem aos cientistas e técnicos nacionais desenvolverem inter
naroente os conhecimentos indispensáveis no sentido de capaci
tar intelectualmente o pais a aproveitar seu potencial natural.
A tese das compensações especificas exigia «ma reversão do a
cordo de 45, que estabelecia a compra e, não a troca, das mate
rias-primas brasileiras.
Uma outra tese defendida pelo almirante Álvaro Albejri
to e seus aliados no CNPq era a de que não havia razão para a
exclusividade no relacionamento com apenas um pais — no caso
os EUA — em um comércio tão relevante como o de materiais ato
micos. Se o Brasil havia despertado para.a importância de aç3
quirir capacitação tecnológica e industrial, não haveria moti
vo para permanecer atrelado a apenas um único parceiro. Mesmo
que a este interessasse assegurar o monopólio das fontes supri
doras de materiais radioativos, como era a intenção norte-ame
ricana, uma posição nacional independente exigiria, segundo ÂJL
varo .Alberto, a autonomia de relacionar-se com quaisquer ou
trás nações que pudessem proporcionar o que o pais necessitas^
se. Foi baseado nesta argumentação, que o CNPq estabeleceu
contatos e intercâmbios científicos e comerciais com a França
e a Alemanha..
Como veremos, o principal argumento dos setores de
fensores da aliança exclusiva com os EUA, baseava-se na exi£
tenda da Lei McMahon que proibia aos EUA. a exportação ..
quaisquer equipamentos ou técnicas que ferissem o monopólio ex
presso em lei. E ainda mais: a Atomic Energy Comlssion nòrtes-
-americana teria poder de veto em relação a negócios com eqüi
pamentos atômicos na Alemanha, cujo governo encontrava—se ain
da sob a administração dos aliados vencedores. MO depoimento
do general Juarez Tãvora â CPI, isto fica muito claro quando
ele defende como objetivamente correta* a relação especial com
os EUA, por ser*a nação mais interessada em nossas reservas. Ê
interessante observar que mesmo o general Tãvora defende, pelo
menos teoricamente, a tese das compensações específicas:
"De qualquer forma, quero deixar bem claro quenunca passou pelo meu espirito eliminar ou enfraquecera exigência de fornecimento jie equipamentos tecnicos especiais^ como compensações específicas asnossas exportações de minerais radioativos.
Sempre considerei isso o elemento fundamentalda linha de ação de nossa política atômica, Pj** *£véssemos que modificar esta linha de ação eu nao pt±deria faze-lo sob a exclusiva responsabilidade da Secretaria Geral do Conselho de Segurança." (2J) °~r- .
Ê neste período indefinido que ocorre a interrupção
do acordo de exportação de 1945 explicitando mais nitidamente
as duas visões em choque: os setores que propunham uma diversjL
ficação das fontes de intercâmbio e a favor da tese das competi
sações específicas e os setores que apoiavam a continuação de
relações exclusivas com os EUA. Estes lutavam por um novo a
cordo nos mesmos termos do anterior, de 1945, não levando em
(2») Tãvora, ob.cit., p. 44. 0 general defende-se d* acusaçãode que suas diretrizes contrariavam a tese das compensa^ções específicas*
conta, por considerá-la irrealizãvel e impossível, a tese das
compensações especificas. * .
Guerra-Fria na América Latina
A importância de tratarmos mais cuidadosamente as re
lações que se estabeleceram entre o Brasil — compreendido no
contexto latino-americano — e os Estados Unidos no período da
guerra fria, explica-se pela singularidade do padrão de rela
ção que o período implica (**) e pela sua influência nesta par '
cela das elites que lutavam pela exclusividade da aliança com
os Estados Unidos*.
O que marcou fundamentalmente a década de SO e boa
parte da década de 60, foi a forma explícita dos EUA de enca
rar a América Latina como fornecedora de matérias-primas estra
tégicas para sua segurança. Independente da tomada de conis
ciência~-de certos atores latino-americanos da urgência do de
senvolvimento econômico e técnico-científico, a questão chave
é que em um tema como o da energia atômica, em que as cartas
estavam todas concentradas nas mãos de um sõ jogador, a assinus
tria das trocas se mantinha.
No contexto do imediato pós-guerra e, sem dúvida ajL
(2*) Sobre a guerra-fria como uma relação singular entre asgrandes potências veja principalmente Raymond Aron, Repjjbl ica Imperial, Zahar Editores, RJ, 1975, pp. 45/78 e WUl R K l Th T i h C t W l d I ?liam R. Keylor, The Twentieth-Century World; an Interntional History, Oxford University Press, 1984, pp. 2687?rr:
?/
guma, en toda a década de 50, a América Latina é orna região de
baixa prioridade para os E0A (2*). A estratégia internacional
norte-americana, apôs a Doutrina Truman de 47, baseada no con
talnment do suposto expansionismo soviético, privilegia as re
giões do mundo onde os analistas norte-americanos percebiam co
mo mais vulneráveis â penetração inimiga (*«). E nesta priori
dade não está incluída, por enquanto, a América Latina. A aju
da econômica direta da potência norte-americana/ que possui
neste momento uma enorme capacidade financeira e comercial, co
mo demonstra a reconstrução européia pelo Plano Marshall, ai
cança então todas as regiões do planeta, menos a sua vizinha '
região do Sul. \
Esta dramática, e porque não dizer quase .inverossí
mel situação e nitidamente percebida pelas elites . latino-ame
ricanas. Desde a Ata de Chapultepec (27), que mencionava os
(25) 0 artigo de Stephen G. Rabe, "The Elusive Conference: United State.s Economic Relations with Latin American, 1945~-1.9.52", Diplomatic History vol. 2 n9 3, Summer 1978, pp.279/294 e esclarecedor a esse respeito.
(2*) A analise clássica sobre o containment e ã de John LewisGadáis, Strategies of Containment, Oxford University Press,
.,.. N.Y., 1982. K muito útil também a coletânea Containment.*'•- Documents on American Policy and Strategy, ~1943-1950,
editada por Thomas Hertzold and John Lewis Caddxs, Columbia University Press, N.Y. 1978. Ver também Robert AT
. Pollard, "Economic Security and the Origins of theCold War: Bretton Woods, the Marshall Plan, and AmericanRearmament, 1944-50", Diplomatic History vol 9 s9 3 Summer 1985, pp. 271/289. ~
(27) Segundo David Green, "The Cold War Comes to Latin Atneri_. c«" en B.J. Bernstein(ed,), Politics & Policies of the TrumanAdministration, Quadrangle Books, Chicago, 1970, p. 159:"US policy strategists felt that the open world approach,upon which the Roosevelt administration's position atChapultepec was based, provided the most effective leverfor exercising US influence in Latin America?.
graves problemas econômicos da região, mas priorizava a coope
ração politico-estratégica, os diplomatas latino-americanos .vii ^ > * •t
nham insistindo na necessidade de um encontro multilateral que
se detivesse especialmente nas questões econômicas. Os sucej*
sivos adiamentos de tal encontro por parte dos EUA eram justi
ficados pela existência de problemas concretos na região, mas
devem ser na verdade creditados ao desinteresse norte-americja
no em estabelecer um claro programa de ajuda econômica direta
â América Latina COFIO um todo, dada a sua baixa prioridade po
lítico-estratigica í.2*).
Inicialmente o primeiro motivo apresentado como com'
plicador para uma reunião multilateral americana era o problem '
ma da Argentina. • C conflito EUA/Argentina arrastava-se desde
a negativa argentina de rompimento de relações com os países
do Eixo em 1942, exigida pelos EUA, até o não-reconhecimento pe
los EUA do governo surgido pelo golpe militar do Grupo de Ofi
ciales Unidos (GOU) em 1943 e as sucessivas acusações de pró-
-nazistas aos dirigentes argentinos. Em 1946, o famoso Blue
Book'do governo norte-americano apontava as íntimas conexões
do governo militar argentino com a Alemanha nazista, tumultuan
do ainda mais estas jã difíceis relações. Estes dois anos de
tensas relações argentino-norte-americanas serviram de motivo
(*•) Segundo Rabc, na verdade,_ desde a Terceira Cemferencia de Ministros de Relações Exteriores no Rio de Jji
. neiro em janeiro de 1942 a agenda econômica tenta se impor, sem sucesso, sobre a agenda ' polxtico-estrategícaMAt the Third Meeting . of Foreign Ministers heldin Rio de Janeiro in January 1942, Under Secretary of
'; State Summer Welles committed the United States to suppojrting the economic development of Latin America". Rabe, ob.cit. p. 279,
para o adiamento da nova conferência interamericana que vinha
sendo requerida pelos latino-americanos desde Chapultepec - sob
a alegação.dos norte-americanos de que não fazia sentido um en
contro desta magnitude sem a presença de uma nação da importãn
cia da Argentina, sob o risco do esfacelamento da unidade in
teramericana (*»).
Apôs a sua difícil assimilação â comunidade interame
ricana rendida às pressões, dos EUA e também da complicadissima
aceitação pela comunidade das nações — a ONU — devido à con
tinuada oposição soviética,.' a Argentina normaliza seu quadroí
de relações com os EUA. Estes só haviam reconhecido o governo
militar argentino em 45, dois anos apôs o golpe e as relações
de fato sõ se normalizaram em 47.
Com isto, o principal motivo alegado para os constar»
tes adiamentos de uma nova conferência desapareceu. Era agosto
de 47, a "Inter-American Conference for the Maintenance of the
Continental Peace and Security" se reuniu no Rio de- Janeiro,
contando com a presença de todas as repúblicas americanas, in
elusive a Argentina. Nesta conferência, mais uma vez os pro
blemas econômicos foram deixados de lado e a ênfase foi colo
dada nas questões de segurança continental. *
(?») Pode-se consultar dois trabalhos de Roger R. Trask, "TheImpact of the Cold War on United States - Latin AmericanRelations, 1945-1949", Diplomatic History vol. 1 n? 3 Sunmer 1977 pp. 271/284 e especialmente, "Spruille BradcnVersus George Messersmith: World War II, the Cold War,
\ and Argentine Policy, 1945-1947", Journal of Interamerican Studies and World Affairs, vol.26 n9 1, Feb. 1984, pp. 69/79TI P. 69: "Between 1945 and 1947, Argentina posed acomplex and exasperating problem for the United States asit endeavored to develop policy to guide its relationswith Latin America".
47
Com o TIAR, "The first of the *cold war pacts* and
the forerunner of the Nato and others" (Gordon' Connel-Snith),
criou-se um pacto de segurança coletiva para os paises america
nos, já no espirito do containment de Trüman.
O presidente norte-americano, presente à Conferência,
acentuava em seu discurso as diferenças existentes entre a pre
nente necessidade de reconstrução da Europa e a colaboração e
coaômica privada e de longo prazo entre os EUA e a América La
tina./ Mais uma vez patenteava-se o desejo norte-americano de
mantsr os países latino-americanos como mercados cativos dos
produtos industrializados do Morte e, no que'aqui mais nos in
ter ess a, exportadores de matérias-primas. Especialmente as na
térias-primas estratégicas e escissas essenciais para a "segu
rança" norte-americana onde sobressaíam-se os minerais atôrci
cos. Dois anos depois, o ponto IV de Truman reforçaria esta
concepção ('•).
- Menos de um ano depois, em março/maio de 48, em Bogo
tá, a Npjia Conferência Internacional dos Estados Ameri
canosr, cria a Organização dos Estados Americanos (OEA). Em uma
tumultuada Conferência, acompanhada por distúrbios e manifesta^
çoes anti-norte-americanos pela população colombiana, discutem
-se as propostas da Carta da OEA que, "provided an ins ti tu ti o
nal framework for the inter-american system and machinery for
(»o) Sobre o desejo dos países latino-americanos de criar «2.gum plano semelhante ao Plano Marshall, veja Rabe, art.cit. p. 286: "Whatever President Truman and SecretaryMarshall's intentions at Rio, States and Treasury depar£sent officials never seriously considered a Marshall Planfor Latin America".
implementation of the Rio pact" (S1). . " • "
A fundação da OEA, na verdade, deve ser entendida
dentro de uma discussão, que jã ocorria desde os foros em que
se debateu a Carta da ONU em São Francisco, sobre a possibili
dade ou não de alianças regionais e seu relacionamento com a*
nova comunidade das nações. O peso'relativo das republicas a
mericanas na época da criação da ONU era muito grande: 20 em.
48 votos em São Francisco. "The dispute over regional securi
ty at the San Francisco Conference trapped the United States
between the Soviet Union and the American Republics and nearly
defeated efforts to found the United Nations Organization in
the spring of 1945" (»*).
' O famoso artigo 51 da Carta da ONU, permitiu concjL
liar os interesses locais e preservar a autoridade da organizei
ção. A criação da OEA então pode ser realizada, sem chocar-se
frontalmente com a supremacia internacional da Carta das Na
ções Unidas. Certamente, porém, a OEA cristalizou a formação
de um bloco regional alinhado aos interesses norte-americanos.
Mais uma vez, desde 1945, a agenda econômica é adiada era um fo
rum continental, concentrando-se a reunião de Bogotá mais uma
vez nas questões de segurança coletiva.
(»») Trask, art.cit. p. 281.
(32) j. Tillapaugh, "Closed Hemisphere and Open World TheDispute over Regional Security and the U.N. Conference,1945", Diplomatic History vol. 2 n? 1 Winter 1978, pp.
; 25/A2. Sobre a origem das discussões: "Ho satij»factory planning occurred before the San Francisco Con£e_rence to relate the region to the world in a way accept?ble to both the great powers and the American rep"ublics", oc.cit. p. 26. ~"
Em um estudo sobre as votações nominais (roll-call
votes) nos encontros da OEA de 1948 a 1974, George Meek -tenta
demonstrar como a autonomia de votos das nações americanas em
relação aos EUA é maior-do que se supõe, contrariando a visão
paradigmática de um alinhamento automático das republicas ame
ricanas dos EUA (33). Em um ponto,*entretanto, fica nítido e
claro este alinhamento: nas votações sobre os problemas chama
dos genericamente de questões da guerra fria. Analisando as
votações de 1948 a 1974, Meek mostra como nos assuntos referen
tes â guerra-fria, os votos nominais dos países americanos são
coincidentes com o voto norte-americano. De 65 votações sobrei
o tema, em apenas uma os EUA não estavam do lado vencedor ("•)•
Em 23 votações propostas pelos EUA, 16 foram vitoriosas, obter)
do um índice de aprovação muito acima da media geral. (As ou
trás questões em que se dividem a amostra das roll-call votes
são: outras questões políticas, jurídicas e de segurança; eco
nômicos e sociais; processuais, institucionais e gerais).
^ A importância maior de se situar a formação de pa£
tos é organizações regionais no contexto da guerra-fria em re
lação â América Latina é ressaltar como se refletiu no Brasil,
no'início da década de cinqüenta o impacto da criação desta
mentalidade aliancista. £ entendendo esta moldura internacio
nal, que podemos captar mais profundamente de que maneira a di
(19) George Meek, "US Influence in the Organization of Aroerican States", Journal of Interatnerican Studies and World"Affairs vol. 17 n9 3 August 1975, pp. 311/325.
"On issues related to Communism and the Cold War, theUnited States has been quite influential in the OAS". Meekart.cit. p. 320.
visão interna das posições no estado brasileiro relacionava-se
âs necessidades de segurança e gestão do estado norte—america
no. Q discurso e as práticas do. containment, aprofundados pe
Ia Guerra da Coréia é pela percepção de. recrudescimento dos con
flitos mundiais que os anos cinqüenta trazem, fazia com que
países como o Brasil, longes ainda dos principais focos de lu
ta, fossem enquadrados pela política externa norte-americana
como .zonas resguardadas das disputas internacionais, e ainda
com funções preclpuas de fornecerem ajuda para a defesa e segu
rança do "Hemisfério Ocidental". . '
Ê desta consciência de estar participando de "um ess
forço comum — no caso como exportador de matérias-primas es_
tratégicas — que o pensamento da guerra-fria penetrava parce_
Ias das elites brasileiras e latino-americanas, realizando-se
plenamente através das organizações regionais. As idéias que
sempre atormentaram as.elites de nosso subcontinente, de infe
rioridacte em relação â cultura anglo-saxônica e de apatia e im
potência quanto às .grandes questões mundiais, puderam ser pelo
menos parcialmente mitigadas através do esforço comum com a na
ção mais poderosa, engajando-se no verdadeiro espírito de cru
zada representado pelo containment.
Os Novos Acordos Atômicos
O início da década de 50 fornece então o pano de fun.
'do ideal para a reafirmação dos valores de integração da .íincjL
piente política nuclear brasileira ãs necessidades e vicissitu
des norte-americanas. O argumento principal com que venho ba
seando a minha análise constitui-se na idéia de recursos de po
der desigualmente distribuídos entre duas nações e como elas
interagem em cima deste.quadro. Até agora o que procurei mos
trar foi como o monopólio e o segredo atômico foram utilizados
pelos EUA como recursos de poder, impedindo o acesso de outros
países interessados em desenvolver sua tecnologia no campo,
independente da natureza das relações que estes países tinham
com os EUA. A década de 50 assiste a uma transformação radi
cal neste quadro (3S).
Em relação a uma tecnologia tão sensível quanto a ai
tômica, foco privilegiado de tensões, e como vimos, um tema
ainda rodeado de segredo por todos os lados, o aguçamento das
tensões internacionais não deixou intocáveis as principais po
lxticas que o guardaram.
A Guerra da Coréia, conflito que passa a ser inter
nacionalizado pela intervenção norte-americana respaldada pela
ONU, acirrou e'aprofundou a lógica da contenção, com os EUA e
xigindo a colaboração direta das nações latino-americanas, me
diante o envio de tropas. Tal exigência foi formulada, concre
tamènte, na IV Reunião de Consulta dos Chanceleres Latino-Anre
ricrnos, realizada em Washington era 1951. Com exceção da Co
lômbia, que enviou tropas, os demais países da região prometes
(**) A noção de recursos de poder como uma noção concreta, v£lida apenas se contextualizada em cada "policy continge_ncy framework" acha-se desenvolvida era Pavid Baldwin, "Pc[ver Analysis and World Politics: Mew Trends Versus Old"
. Tendencies", World Politics 31, janeiro de 1979, p. 165.Veja também a introdução deste trabalho.
ram colaborar no esforço de guerra, na aliança anticomunista,
com outra forma de comprometimento que não o envio direto de
homens.
Para agravar este contexto, I importante . ressaltar
o sentimento de frustração com que as nações latino-americanas
viveram o período, ao serem alijadas 'do esforço de reconstru
ção econômica da pós-guerra patrocinado pelo plano Marshall.
Para os países subdesenvolvidos, o Ponto IV de Tru
man, de 1949, éra o principal instrumento de política economy
ca dos EUA, que dava prioridade ao controle das matérias-pri
mas estratégicas em escala mundial e a integração econômica
destes países ao capital norte-americano (3*).
• Assim, tornaram-se mais compreensíveis as pressões
efetuadas pelos EUA contra o rompimento do acordo atômico de
1945 pelo Brasil e seu esforço no sentido de se restabelecer o
fluxo de matérias-primas estratégicas. Com o acirramento dasi
tensões internacionais ha Coréia, usou-se novamente o argunen
to do esforço de guerra, clamando as nações aliadas ã colabore»
rem com seus recursos disponíveis. O acordo atômico de 15 de
janeiro de 1952 deve ser visto neste contexto «•
Nos debates travados por ocasião da CPI de 1956, sur
(»*) "Celui-ci (Ponto IV) va etre le principal instrument dela politique economique nord-americaine pour les pays•ous-développcs dans cette phase. Les objectifs de cettepolitique transparaissent dans le fait que, entre 1945 et
<: 1951, le pourcentage des credits de 1'Eximbank destinestu development de nouvelles sources etrangeres de_ matx£res premieres, notamment netalliques, passe de 6Z a 30Z"TLuciano Martins, Pouvoii et développetnent economique edJLtions Anthropos, Paris, 1976, pp. 368/369.
ge uma versão do acordo de 1952, levantada pelo embaixador Ed
mundo Barbosa da Silva, chefe do Departamento Econômico do Ita
marati, de que o Brasil teria trocado sua participação direta
no conflito da Coréia ao. lado das forças norte-americanas, pe
Io restabelecimento de exportação de matérias-primas estratêgi
cas (37). . . • •
Internamente, tenta-se negar esta- versão, que demons
tra tão explicitamente o atrelamento nacional a uma decisão ex
terna, com o argumento do acerto da medida e da defesa dos ge
nulnos interesses nacionais. Afinal, estamos em uma época em
que afloram sentimentos nacionalistas e industrializantes e oni • •
de nenhum setor político quer ser identificado como contrario
aos legítimos interesses nacionais.
Como resultado da Conferência de Washington de 51, e
em virtude das demandas de maior cooperação econômica entre as
partes, estabeleceu-se uma agenda muito maior de cooperação bi
lateral entre os países da América Latina e os EUA. O Brasil,
que liderava o bloco de nações desejosas de recursos financei_
ros, -cria uma Comissão Mista Brasil-EUA com o intuito de incre
mentar a cooperação econômica e o fluxo de empréstimos norte-ct
mericanos.
Sem entrar diretamente no mérito da coooperação eco
nôraica e atendo-nos aos assuntos nucleares, o fato é que em fe
(>7) Sobre as negociações de Washington, Martins, ob.cit. pp.369/377; verbetes do Dicionário cit. sobre Comissão MistaBrasil-Estados Unidos, pp. 8527853 de Vera Calicchío/DoraFlaksman e Acordo Militar Brasil-EUA (1952) pp. 23/24 deMaria Celina d'Araujo; Leal, ob.cit. pp. 4/45 e Archer,depoimento cit. p. 104.
vereiro e março de 1952, o Brasil e os EUA assinam dois polémi
cos acordos, forjados na ótica da cooperação bilateral: o 29
Acordo Atômico e o Acordo de Assistência Militar.
Os dois acordos — o atômico e o militar — estão a_
qui associados pelo fato.de fazerem parte da mesma lógica de
cooperação bilateral cora os Estados Unidos. A busca -de um
maior auxílio norte-americano para a industrialização brasilei^
ra neste momento, estava inteiramente conectada com as pres_
soes dos EUA a favor de um alinhamento brasileiro às suas posjL
ções internacionais.. A velha demanda de parcela das Forças Ar
madas brasileiras de modernização de seus equipamentos^ encon
tra, assim, ressonância da parte de quem poderia ajudá-la — os
EUA — em troca de um engajamento mais efetivo a seu lado no
quadro das tensões Leste-Oeste.
O acordo atômico deve também assim ser entendido. O
Ministro das Relações Exteriores de então, João Neves da Fon
tour a, o maior defensor deste alinhamento com os EUA, . afirma
em seu rlivro de depoimentos (3*) que os dois acordos per ten
ciam ao mesmo processo de negociação e defende-os com o *rgts
mento de que ambos foram aprovados em uma mesma e única reunião
do Conselho de Segurança Nacional, onde estavam presentes to
dos os Ministros de Estado e o representante do EMFA:
"Acerca do assunto relativo às monazitas, pronunciouse também o CNPq, cujas recomendações, de ~Sde julho e 3 de dezembro de 1951, foram levadas em
%(»•) João Neves da Fontoura, Depoimento» de um ex-Mínístro r(Peronismo -— minerais atômicos — política externa) Org. STaões, RJ 1957. ""
eonta pelos negociadores." (Fontoura* 155?, p.
\\
Fontoura lembra ainda a visita ao Brasil, em novem
bro de 1951, do Presidente da Atomic Energy Comission (AEC)nor
te-americana, Gordon Dean com a missão de comprar toda a mate \
ria-priraa radioativa disponível. O'Brasil não pode resistir,
então a esse apelo de seu principal aliado: * * jt
* i
' . "Os EUA vinham pleiteando a venda de avultadasquantidades de monazita, como contribuição â obra de \segurança mútua." (Fontoura, 19S7, p. 29) \
Internamente, uma decisão de fevereiro de 52, colo
ecu ainda um novo elemento no plano do quadro decisorio da polity
ca nuclear: a criação da Comissão de Exportação de Minerais Ex
tratêgicos (CEME) (3>) vinculada ao Ministério das Relações Ex• -
teriores, que diga-se de passagem, era quem estava longamente
habituado a negociar com os EUA, a CEME absorveu do CNPq as &
tribuiçoes quanto ã venda de urânio, tório e seus componentes
minerais. A Comissão atribuiu-se a competência para aprovar
quaisquer exportações destes minerais, resguardados os esto
quês exigidos pelo CSN. Embora não se possa afirmar que este
('*) Fontoura, ob.cit. p. 120: "Quando sugeri ao Presidente daRepública a criação da Comissão (CEME), ao contrario dedestinã-la a favorecer o interesse norte-americano na compra de materiais estratégicos, meu intuito foi o de poder_nos deter a exportação, mesmo do que jã houvéssemos prone_
, tido vender aos Estados Unidos, acertando o ritmo das no£sas remessas com os financiamentos dos projetos da Comís_são Mista Brasil-Estados Unidos para o desenvolvimento e_
. conomico".Sobre a CEME ver também Dicionário cit. pp. 848/849,
verbete de Alzira Alves de Abreu/Dora Flafcsnan.
segundo acordo atômico já reflita a atuação da CEME, pois ela
sô passou efetivamente a funcionar a partir de narço dé 1952,
sen dúvida já reflete a marginalização do CNPq e dos grupos na
cionalistas em seu interior. Ainda em setembro de 52, o CHPq
envia uma exposição de motivos — de n9 51 — criticando os
termos do segundo acordo atômico pela ausência de compensações
especificas.
Este acordo é novamente apenas um acordo de venda de
15 toneladas de monazita, sais de cério e terras raras pelo pe
rxodo de três anos. Os sais de cério e as terras raras cons
titulam-se em uma novidade,'por serem materiais que já sofriam
algum beneficiamento, efetuados pela empresa nacional Orquima
S.A. Em agosto de 52, apôs terem importado a quantidade de mo
nazita correspondente a todo o período do acordo, ou seja os
três anos, os EUA denunciam o acordo, desobrigando-se assim de
comprar a parte dos materiais beneficiados, sais de cério e asi
terras raras. í• • " • i -
Este fato agravou ainda mais o período de aberto con** "~
flito quanto às diretrizes da política nuclear brasileira, eis
pecialmente no tocante as exportações, entre as forças alinha
d.a's em torno do CNPq e da CEME. O acordo de 52 refletiu a vi
tôria da CEME, assim como a exposição de motivos n9 51 do CNPq,
aprovada pela Presidência da República refletiu a vitoria do
CNPq. Em 1953 e 54, até o período final do governo Vargas, im
plantou-se uma firme política de busca a todo custo de tecnolo
gia para implantação de usinas nucleares no país., que levou ã
-secreta encomenda das ultracentrífugas à Alemanha pelo «almiran
te Álvaro Alberto. Apôs serem produzidas e pagas foram proibi
57
ocdasode embarcarem para o Brasil pelo Comando Militar Aliado,
qupietáté .néritão governava a Alemanha. A ordem partiu da Cómis
sãsãcüsde Energia Atômica dos EUA, baseada na proibição à • Alentai
nlahatirâe produzir qualquer material atômico (*«).
ReKéfletindo o equil íbrio de forças do f inal do ultimo
ccgxaverno Vargas, a CEME consegue, dias antes do seu s u i c í d i o , a
piprovar urtxterceiro acordo atômico, trocando desta vez 5 mil t o
Jicneiadas âecmonazita e 5 mil toneladas de sais de cério e t er
rcrasreraras vpor -10 mil toneladas de trigo norte-americano "Hard
VMWinter n$!2f. Tal acordo contou com a óbvia oposição do CNPq.
• • .. Este. terceiro acordo de 1954 deve ser entendido como*
: parte da mesma estratégia de pressão dos EUA utilizada no açor
:\ do de 1952, tal .como narrada por João Neves da Fontoura. Someii
te a perplexidade e o estado caótico dos últimos momentos var
gistas explica este acordo. Ele foi celebrado a 20 de agosto
de 1954, quatro dias,portanto,do suicídio de Vargas. Archer,
em sua entrevista ao CPDOC afirma:
"A carta-teBtamento de Getúlio, que pareceu tãohorrendamente demagógica, referia-se ao problema daenergia nuclear. Schmidt Joi recebido por ^ Ce túliono dia 23 de agocto, na véspera de seu suicídio,
i\ Na realidade, vocês vao encontrar no Diário Oficiai-do dia seguinte, uma autorização^dada por Cetu^ 'lio para a exportação de areias monaziticas, porque
t ele estava convencido de que se autorizasse esta exportaçao — que seria a segunda — talvez a pressãoamericana contra ele diminuísse." (**)
(*Oc)íTãvor«t ob.cit. pp. 48/50.
> (•»!) Archer, depoimento cit. p. 102
Café Filho e Kubitschek .
\Este precário equilíbrio entre os dois grupos se r«s
solve, politicamente, com o suicídio de Vargas e a subida de
Café Filho ao poder. Para isso foi decisiva a nomeação do- ge
neral Juarez Távora para a Chefia dà Casa Militar e o Comando
do Conselho de Segurança Nacional. Embora ocupando durante
poucos meses o cargo, de onde se exonerou para concorrer às c*
leiçoes presidenciais, Juarez, um militar tradicionalmente vojL
tado para as grandes questões nacionais, propôs através de um
oficio uma mudança profunda na política nuclear seguida nos úl
timos anos, sugerindo.o abandono definitivo da tese das compen
sações especificas e um alinhamento exclusivo aos EUA.
Entre novembro de 1954 e janeiro de 1955, o antigo e
quillbrio de forças rompeu-se definitivamente. Em um período
de três meses os seguintes acontecimentos indicam o predomínio
dos setores ligados a uma colaboração mais estreita com os EUA:
o Conselho de Segurança Nacional envia exposição de motivos a
Café Filho — n9 1012 — para novas orientações da política nu
clear brasileira, consolidando o Ministério das Relações Exte
riòres cano o único órgão responsável pelas negociações com o
exterior em matéria nuclear. Em janeiro de 55, o CNPq é ofi
cialmente alijado em sua capacidade de lidar com o exterior era
assuntos nucleares, delegando-se as responsabilidades exclusjL
vãmente à CEME. Em dezembro, Raul Fernandes, Ministro das Re
lações Exteriores, contacta os EUA para um grande acordo sobre
.os minerais radioativos brasileiros. Em janeiro, o almirante
Álvaro Alberto demite-se do CNPq, sob o suposto de uma alegada
ineficiência administrativa C>2). Em agosto de 55, culminando
esta série rápida de transformações, são assinados dois açor
dos gerais entre o Brasil e os EUA: o "Programa de Cooperação
para o Reconhecimento e a Investigação do Urânio no Brasil" e
o "Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento da Energia Ato
mica com Finalidades Pacificas". Estes programas fazem parte,
alem da referida mudança de ênfase da política nuclear brasjL
leira, da virada fundamental da política nuclear norte-araeric<*
na ocorrida com Eisenhower, o "Átomos para a Paz", que veremos
no próximo capítulo.
Todos estes acontecimentos internos de consolidação
temporária de uma das posições em conflito e que não ficaram
restritos a providências administrativas, virão â tona no inx
cio da administração Kubitschek, com a instalação de uma CPI na
Câmara sobre a política nuclear brasileira. Pela primeira
vez, um dos assuntos tabus do governo, pela carga de interes_
ses investidos, pode desvendar-se mais claramente para a socie
dade. Não sé trata aqui de fazer uma descrição minuciosa da
historia e influência da Comissão de Inquérito (*')» mas somen
0 episódio sobre-a exoneração de Alberto do CNPq e um dosmais discutidos na CPI de 1956 e um dos quais o generalJuarez Tãvora mais se defende. Veja Tãvora, ob.cit. pp.50/62, 112, 130/140, 198/212; Leal, ob.cit. pp. 94/97 edepoimento de Archer ao CPDOC p. 103, "... quando encojntrei na calçada, o almirante Xlvaro Alberto que passava.Ele jã não era o Presidente da Comissão. Foi demitido noGoverno Cafe Filho, em função da pressão americana, fatoque foi confirmado por ele em carta e num inquérito quelevou o general Juarez Tãvora a se transferir para a r£•erva",
(*•') A descrição acha-se desenvolvida por Leal, ob.cit. pp.127/143.
te de chamar a atenção para os aspectos de interesse, quais se
jam, os que detectam uma influência norte-americana nas mudan
ças de orientação ocorridas na política nuclear brasileira.
Os dois protagonistas principais da Comissão, respon
sãveis pelos debates mais candentes, foram o general Juarez Tji
vora e o jovem deputado do PSD do Maranhão Renato Archer (**»).
O primeiro como acusado de ter ordenado as mudanças da politi
ca nuclear em um sentido antinacional e o segundo como o mais
atuante e inquisidor deputado, trazendo as provas coraproraetedo
ras da posição do general Tãvora. A argumentação de Archer
fundamentou-se na apresentação de quatro documentos secretos
nos quais teria se baseado o general Tãvora para as novas dire
trizes propostas no CSN, documentos estes que, segundo Archer,
foram originados da Embaixada norte-americana (*5). Os docu
mentos secretos n?s 1, 2, 3 e 4 propunham em sua essência no
vas negociações atômicas diretas entre o Brasil e os EUA, CXÍL
ticavam a atuação do almirante Álvaro Alberto â frente do CNPq
como elemento àntinorte-americano e acentuava a relação de ex
clusividade que o pais deveria manter com os EUA, evitando bus
car cooperação com os países europeus, incluindo-se ai espe
ciãímente a compra das ultracentrífugas alemães.
Esta polêmica, que motivou o pedido de passagem para
a reserva do general Tãvora e tornou Archer um especialista em
C**) Dicionário cit., verbetes sobre Renato Archer» pp. 199/1202 e sobre Juarez Tavora, pp. 3311/3325, este um verbjete de Sílvia Pantoja/Daniel Camarinha.
(**) Archer, depoimento cit., pp. 107/111. A íntegra dos docaBentos secretos acha-se no livro de Tãvora, ob.cit. pp7336/346.
questões nucleares, gerando a sua posterior indicação como re
presentante brasileiro na Agência Internacional de Energia Ato
mica (AIEA) de Viena, mais uma vez colocou nitidamente na are
na as duas visões em choque que antagonizavam os setores res.
ponsáveis nacionais. Aceitando-se ou não as evidências dos do
cumentos secretos, o fato é que no governo Café Filho a tendên
cia foi a do alinhamento exclusivo â vontade norte-americana, £
xemplificados nos acordos de 1955 e ã submissão aquele padrão
por nos jã apresentado, exportador de matérias-primas es trate
gicas e sujeição às regras internacionais de distribuição desi_t
gual de poder. !
Paralelamente â constituição da CPI, o governo no
meia uma Comissão de especialistas com o intuito de propor uma
nova política nuclear para o país. Ambas as Comissões, a do
Legislativo e a do Executivo, recomendaram a criação de uma a_
gência especializada, que centralizasse todo o trabalho de pes
quisa, negociação e execução1 de uma política nuclear, nos mol
des da AEC norte-americana. Foi criada então a Comissão Nacio
nal dé Energia Nuclear (CNEN), para substituir tanto as atri_
buições do CNPq quanto da CEME, centralizando a partir de en_
tão" a política nuclear brasileira e vinculando-se diretamente
â Presidência da Republica (*•*)*
(**) Leal, ob.cit. pp. 141/143 e Morel, ob.cit. pp. 99/115.
\
\
CAPÍTULO 2:
( A BUSCA DE AUTONOMIA: OS PERCALÇOS
( DA POLÍTICA NUCLEAR BRASILEIRA
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* • •
"ÁTOMOS PARA A PAZ"
Com a assinatura do acordo de 1955, o primeiro que
compreende a exportação de tecnologia para o país — reatores
de pesquisa para os. laboratórios científicos do Rio de Janeiro,
São Paulo e Belo Horizonte — inicia-se uma nova etapa no pro
cesso de implantação de uma efetiva polxtica nuclear br asilei^
ra. As principais questões nucleares entre o Brasil e os Es£a
dos Unidos, nação líder no.desenvolvimento nuclear e a qual a
política, nuclear brasileira ate então atrelava-se, tornam-se
mais complexas. Ãs antigas polêmicas sobre a pesquisa de mine
rais atômicos no Brasil por parte de equipes norte-americanas
junta-se, agora um novo elemento: a tecnologia norte-americana
advinda coro estes primeiros reatores de pesquisa.
No quadro norte-americano, a eleição do presidente
Eisenhower pareceu representar a culminação da lógica militar
da guerra-fria. A década de cinqüenta, aliás, mais do que
qualquer outra; ficou historicamente associada com a fase por
excelência da luta ideológica entre "paz e socialismo1* de um
lado e o "mundo livre" e os "valores democrãtico-cristãos" do
outro. A presença de John Foster Dulles como Secretário de Es
tado durante boa parte da década pode ser considerada como seu
símbolo mais bem acabado.
Há hoje em dia uma polêmica n& historiografia norte-
-americana a respeito do verdadeiro papel representado pelo
presiâente Eisenhower no contexto da guerra-fria de então. Uma
das correntes interpretativas quer apresentã-lo como um poli ti
co. moderado que, apesar de cercado por assessores que preconi.
zavam um endurecimento com a URSS até a guerra se fosse preci
so, esforçava-se seriamente em buscar uma política de entendi
mento e relacionamento menos belicoso com a URSS (*).
Quanto aos armamentos nucleares, uma das questões
centrais da guerra-fria,.o impacto causado pelo fim do monopõ
lio norte-americano em 1949 — guando a URSS explodiu sua pri
meira bomba atômica — acelerou as pesquisas .norte-americanas
para produzir a bomba.de hidrogênio, mil vezes mais poderosa
que a primeira bomba atômica, e recolocou para os EUA novas
questões estratégicas. Pela primeira vez, apesar das Inúmeras
questões técnicas ainda irrespondíveis, os EUA tornavam-se um
alvo possível de armas nucleares, criando dentro de uma parce
Ia do estado norte-americano um grupo favorável à busca de su
perioridade bélica, custasse o que custasse. O grupo contra
rio, embora contasse com figuras notáveis como Kennan, Lilien
thai e Oppenheimer, não podia deter a nascente lógica da cor
rida armamentista. A cristalização desta posição encontra-se
no documento conhecido como NSC-68, aprovado por Truman em se
tembro de 1950 (2).
(}) Tomas F. Soapcs "A Cold Warrior seeks Peace: Eisenhower**Strategy for Nuclear Disarmament", Diplomatic History Vol.4 n9 1 Winter 1980 aborda esta polemica, favorecendo a visao do Eisenhower moderado. Sobre a estratégia nuclear nortjs-americana do período veja especialmente Michael Mandelbaun,The Nuclear Question, the United States and Nuclear Weapons1946-1976, Cambridge University Press 1979, pp. 41/68 e «extraordinária obra de Lawrence Freedoan, The Evolution ofNuclear Strategy, The Macmillan Press, London 1981, pp.63/96.
(2) "NSC-68 offered a prospect of persistent East-West hostjLlity, with a danger of war not only from miscalculations'in the midst of a crisis, but as a consequence of premeditated Soviet aggression. The Soviet Union, or wore precTsely "the Kremlin", was identified as an ideal-type agre?sor". Preedman, ob.cit. p. 70. "*
Ê com diretrizes firmemente encaminhadas para a con
. . frontação e o investimento militar que o presidente Eisenhower
assume em 1953. Em dezembro deste mesmo ano, em uma decisão
que não contou com a. unanimidade de seus principais assessores,
veio a publico, em uma arena privilegiada para a propagação nun
dial como a Assembléia Geral da ONU; uma proposta apresenta
.da sob a denominação de "Átomos para a Paz". A intenção era
de, mais uma vez, lidar com a complicada trama internacional
da energia atômica, apelando para os propósitos pacíficos nor
te-americanos, utilizando uma linguagem internacionalista e
contundente. :i
Não entrarei aqui em detalhes sobre á grande polêmjL
ca que sempre permeou a política externa norte-americana, colo
cando de um lado os isolacionistas e do outro os internaciona
listas. De uma certa maneira, matizados por problemas estraté
gicos que a nova ordem internacional do pós-guerra inexoraveJL
mente colocou, estas duas visões históricas encontravam-se pre
sentes nas discussões quanto as formulações políticas do pro
blema' atômico, de uma maneira mais ou menos coincidente. Certa
mente podemos perceber a questão como apenas uma discussão de
método sobre a melhor estratégia de domínio daquilo que era
consensualmente percebido como sinônimo do status de uma graji
de potência: as armas atômicas. Desde o fracassado plano Ba_
ruch até a formulação de uma política que assegurasse o monopó
lio nuclear, pode-se perceber uma linha de continuidade na pç>
lítica atômica norte-americana, unindo ás duas principais cor
rentes acima de suas divergências. Tratava-se afinal de asse
gurar um conhecimento único e do transcendente valor histórico.
O fim do monopólio das armas atômicas, a partir da
conquista soviética da bomba atômica e da muito mais poderosa
bomba de hidrogênio que se seguiu, colocou então os EUA frente
a uma nova realidade, exigindo novas políticas. No plano es
tratégico, sem dúvida, o.acirramento da guerra-fria refletia*
esta nova paridade de poder. Porém,' 'surge também para a nova
administração republicana a oportunidade de. retomar o velho so
nho do imediata pôs-guerra: fazer do uso. civil da descoberta a
tômica uma panacéia para os grandes, problemas mundiais, assu
mindo para o seu país uma posição de liderança moral mundial ei
luta contra o subdesenvolvimento. Agora não mais apenas como
possuidor de armas ameaçadoras e mortíferas, mas também como
aquele que quer socializar o.progresso, repartindo com as na
çôes da comunidade internacional o novo conhecimento. Este é
o tora com que Eisenhower apresenta seu programa:
"I feel impelled to speak today in a languagethai in a sense ia new-one which I, who have spentso much of my life in the military profession, would
• have prefered never to use. That new language isthe language of atomic warfare. The atomic age has
• moved forward at such a pace that every citizen ofthe world should have some comprehension, at leastin comparative terms, of the extent of this develop
i'j- ment, of the utmost significance to every one of us.Clearly, if the people of the world are to conductan intelligent search por peace, they must be armedwith the significant facts of today's existence."{*)
Segue-se então uma descrição pormenorizada do enfo
que norte-americano das armas nucleares, atômicas e de hidrogê
(*) 0 Programa encontra-se em Henry Steele Commager, ed., DoCMments of American History, 9? cd. Prentice Hall. NY p. 586/555
nio ("••• are in the ranges of millions of TNT equivalent") e
da capacidade que a aviação norte-americana teria de bambar
dear qualquer alvo com um poder de fogo superior ao da recente
IIa Guerra Mundial.
Utilizando uma. linguagem que ao mesmo tempo tenta
harmonizar ameaça militar e preceitos morais, acentuando os
riscos que estes estoques de armas coloca para a humanidade,Ei
senhower desenvolve os argumentos da dissuasâo e da retaliação
como elementos da estratégia contra o fim do monopólio norte—a_Í
mericano e o desenvolvimento de armas semelhantes pela URSS.
Sua proposta, entretanto, enfatiza um outro lado, como repreI
sentante de uma nação que "sempre quis a paz e esteve ao lado
do progresso", no sentido de utilizar o poder construtivo. e
não o destrutivo da nova tecnologia.
"So. my country '8 purpose is to help us move outof the dark chamber of horrors into the light> tofind a way by which the minds of men, th*>. hopes ofmen, the souls of men everywhere, can move forwardtoward peace and happiness and well being.
r- The United State» would seek more than the merereduction or elimination of atomic materials for m£litary purposes. It is not enough to take thisweapon out of the hands of those who will know howto strip its military casing and adapt it to the arts of
}/.; peace.' • . The United States knows that peaceful power
from atomic energy is no dreau of the future» Thatcapability, already proved, is here-now-today. Whocan doubt, if the entire body of the world's seien^
- tists and engineers had adequate airounts of fissionable material with which to test and develop the-Crideas, that this capability would rapidly be transformed into universal, efficient, and economic usage,7
(%) Conmagcr ob.cit. p. 587
Estas longas passagens refletem melhor do que minhas
palavras poderiam dizer, a dupla mensagem contida no famoso
programa "Atoms for Peace". -
\Há uma tendência muito arraigada no pensamento sobre
política internacional e, especialmente nas questões que envoi
vem armamentos, de perceber as atitudes das nações em termos
de ação e reação. Toda a idéia de corrida armamentista, por <*
xemplo, parte deste princípio. Um mundo bipolar, presta-se mui
to mais ainda a este tipo de raciocínio, embora ele esteja pre
sente também em um universo multipolarizado. O discurso do :
presidente republicano, embora não explicite esta lógica de a_ ;
ção e reação, ê claramente uma tentativa de colocar seu país .\
em uma posição internacional de autoridade moral, utilizando o
imenso prestígio material e cientifico (os cientistas e enge
nheiros citados) norte-americano .em uma ousada, para a época,
cooperação internacional.
A primeira proposta concreta ao programa é a favor
da criação de uma "International Atomic Energy Agency", respon
sãvel,pelos estoques mundiais de urânio e demais materiais fxs
seis. Tal agência ficaria sob os auspícios da ONU. A explora^
ção. destes materiais nos países possuidores de reservas come£
cialmente significativas contariam com a colaboração norte-a
mericana e ... "will find the United States a not unreasonable
or ungenerous associate" (5). A responsabilidade principal da
Agência seria a de desenvolver métodos para alocar o material
fissil no intuito de servir as atividades pacificas, especiaJL
(s) Commager, ob.cit. p. 587.
mente agricultura e medicina, além de proporcionar abundante e
nergia elétrica para as ãreas carentes do mundo.
Em resumo o plano apresentado na ONU pelo presidente
Eisenhower continha o seguinte:
1) Encorajar uma investigação a nível mundial do uso pacx
fico dos materiais físseis, assegurando todos os instru
mentos necessários para a condução das experiências «t
propriadas.
2), Começar a diminuir o potencial destrutivo dos -estoques
atômicos mundiais.
3) Assegurar aos. povos de todas as nações que as grandes
potências da terra, a leste ou a oeste, estão mais ir»
téressados. nas aspirações humanas do que na construção
de armamentos para a guerra.
4) Abrir um novo canal para discussões sobre a paz, por
meio de uma nova abordagem dos muitos e difíceis proble^
mas que necessitam de resolução, através de conversa
jÇÕes públicas e privadas que possam sacudir o mundo da
inércia imposta pelo medo.
Este ambicioso programa, que sem dúvida fracassou
nos seus aspectos em que propunha o fim da corrida armament is
ta a nível mundial, pois o mundo assistiu desde então â proli
feração atômica horizontal e vertical — quer dizer, novas nj»
çoes possuidoras de armas atômicas como a Inglaterra, França e
China e armas cada vez mais destruidoras nos estoques dos dois
grandes — este programa foi um relativo sucesso, encarado da
lógica norte-americana, em difundir por diversas nações a sua
tecnologia.
Para melhor entender este quadro, duas outras medi.
das que ocorreram na política atômica norte-americana no mesmo
período, colaboraram para uma mudança de rota no até então su
per-secreto programa atômico. A primeira delas é a revisão do
McHahon Act em 1954, modificando-o em duas principais âire
çoes: o fim do monopólio atômico por parte do governo norte-ai
mericano, abrindo às empresas privadas a capacidade de invés
tir e pesquisar por seus próprios meios; o fim. do segredo cien
tífico, permitindo o acesso de outros países a informações até
então resguardadas, especialmente a reatores de pesquisa que
possibilitassem aos cientistas fora dos EUA familiarizarem-se
com a nova tecnologia. A física nuclear, para evoluir teórica
mente depende do campo experimental, onde a presença de um rest
tor de pesquisas é fundamental. A segunda transformação dos
anos 50 que nos ajuda a entender o porque do relativo sucesso
do "Átomos para a Paz", está conectado com o velho problema
já levantado sobre a ligação inexorável entre fins pacíficos
e bélicos da energia nuclear. A existência de reatores de pes_
quisa'nos laboratórios norte-americanos nos anos 40, possibiljl
tando o acumulo de urânio ou plutonio que criaram os primeiros
artefatos atômicos, apontavam para a eventualidade de que rea
tores de muito mais capacidade, reatores de potência, transfor
massem os materiais flsseis em energia elétrica. Este passo,
porém, foi um longo processo. Na verdade, o desenvolvimento
dos reatores de potência nos Estadoi Unidos ocorreu também co
mo um subproduto da indústria militar.
Foram os laboratórios de pesquisa da marinha norte-a
mericana visando a construção de um submarino movido a energia
nuclear, com maior autonomia de mergulho — contribuindo assim
para diversificar os veículos lançadores de bombas atômicas >a
lim dos grandes aviões — os responsáveis pela construção dos
primeiros protótipos de reatores de potência, que serão poste
riormente aperfeiçoados pelas empresas privadas norte-america
nas. Para se ter uma idéia, ê somente em 1956, que o primeiro
reator de potência começa a funcionar no Ocidente para a produ
ção de energia elétrica. Isto acontece não nos EUA e sim na
Inglaterra, país muito mais carente de energia por meio de re.
cursos renováveis (').
A Posição dos Cientistas
Voltando às relações brasileiro-norte-americanas da
década de 50, vemos que o acordo assinado em 1955, permitiu pe
Ia primeira vez a recepção pelo Brasil de um reator de pesqujL
saj antes, portanto, da unificação de toda a política nuclear
brasileira na CNEN, ocorrida em 1956. 0 período era ainda "de
muitas hesitações, marcado pelas indefinições quanto a uma cia
(') A primeira usina no mundo a produzir energia elétrica porneios nucleares foi a Central de Obninsk, na URSS era 1954.Fora da URSS, a Inglaterra foi o primeiro pais, com a Ceiitrai de Calder Hall em 1956. Nos EUA a primeira foi a Cej»trai de Dresden-1 em 1960. Veja Patterson, ob.cit. pp.324/332.
Segundo Pringle e Spigelman, ob.cit. p. 222: "Thefanfare that accompanied the Queen's opening of the Britishpower reactor at Calder Hall in 1956 placed great.emphasison the triumphant arrival of the peaceful «ton and maskedthe equally important use of the reactor: to provide pltitonium for Britain's bomb project". "~
ra política a seguir. Ausência, diga-se de passagem, que mais
de um físico assinalou como sendo a marca registrada da poljí
tica nuclear brasileira em toda a sua história (7).
O primeiro reator de pesquisa, do tipo "piscina", de
5 MW de potência, foi para São Paulo, jã marcado pelo signo da
polêmica entre os principais físicos brasileiros. A polêmica
colocava de um lado principalmente José Leite Lopes e de outro
Marcelo Damy (•).
, Damy, um dos discípulos brasileiros de Gleb Hataghin
(o responsável pela introdução da física moderna no Brasil na
USP), sempre estimulou e defendeu a física experimentai. Sob
sua supervisão, já se havia instalado um acelerador de partícu
Ias na USP em 1949, o Betraton, importado também dos Estados
Unidos. Em 1957, chegou a São Paulo este primeiro reator de
pesquisa norte-americano, produto da política de exportação do
"Átomos para a Paz". Foi criado para abrigá-lo o Instituto de
Energia Atômica (IEA) de São Paulo, e organizou-se um núcleo
de pesquisadores em torno dele.
' A discussão principal que polarizou os cientistas em
dois grupos distintos devia-se ao modelo de ciência que se ob
jfetivava produzir e a relação deste modelo com o saber e os e
quipamentos importados. A corrente de opinião defendida por
(') Conforme as entrevistas de Marcelo Dany de Souza Santos,José Goldemberg e José Israel Vargas. A primeira ao Est^,do de S. Paulo, 2/9/1979; as seguintes ao projeto. Historia da Ciência no Brasil, acervo de depoimentos, PINEP//CPDOC, F.G.V., RJ. GÕTdemberg, 29/12/1976 « Vargas,1/7//1977.
(•) Goldemberg, depoimento cit.
Damy era favorável a aproveitar a oportunidade de acesso a te£
nologia estrangeira pelo programa, que possibilitava a vinda
de reatores de pesquisa,, estabelecendo um corpo de pesquisado
res que fossem aprendendo experimentalmente com ele. Toda a
atuação de Damy, primeiro como dirigente do IEA e depois como
presidente da CNEN no período Jânio Quadros, pautava-se pelo
maior contato possível com os centros mais avançados de tecno
logia, como por exemplo os íntimos contatos estabelecidos com
a França durante sua gestão na CNEN (').
Não podemos nos esquecer que as descobertas de Cesar
Lattes, de repercussão mundial, foram fundamentais para estinm
lar no Brasil a curiosidade que envolvia a física nuclear e fo
ram importantíssimos para acelerar as decisões governamentais
de estímulo â pesquisa básica. A criação por exemplo, do Cen
tro Brasileiro de Pesquisas Tísicas (CBPF) no T'.o em 1949, ter»
do a frente Leite Lopes e Lattes, deve ser entendi>lr neste coin
texto. Damy, contrariando uma boa parcela dos físicos de en
tão,, resolveu seguir com o núcleo de pesquisa baseado no rect
tor norte-americano, enquanto aqueles fxsicos liderados por
Leite.Lopes, achava mais importante utilizar o capital acu
mulado da física teórica brasileira e ir construindo um prot£
tipo de reator de pesquisas no Brasil adaptando a tecnologia £
xistente (").
Minha intenção não é fazer uma história das princi
(') Vargas, depoimento cít.
(J0) J. Leite Lopes: "A Física Nuclear no Brasil: Os PrimeirosVinte Anos" em Ciência e Libertação, Paz e Terra» RJ 1969,pp.133/146.
pais controvérsias da física nuclear brasileira. A criação de
instituições no eixo Rio-São Paulo-Belo Horizonte, as polêmir
cas entre a ênfase na física teórica ou experimental, as diver
sas vinculações internacionais dos centros de pesquisa e as
idiossincrasias pessoais-dos envolvidos exigiria uma historia
bem mais ampla e completa. Meu objetivo é apenas o de retra
tar a polêmica entre os físicos neste momento, enquanto refle
xo das posições políticas que venho assinalando a nível do es
tado.
Como vimos, até meados da década de 50, a polêmica
envolvia basicamente a prospecção e a exportação dos minerais
atômicos. Após as mudanças de substância representada pelo "&
tomos para a Paz" .e pela revisão do McMahon Act, passaram a
integrar este quadro as questões tecnológicas, no sentido do a_
cesso brasileiro aos equipamentos norte-americanos, no caso
reatores de pesquisa.
Apesar da clareza do almirante Álvaro Alberto, que
percebia a energia atômica enquanto fonte de uma matriz energé
tica do qual o país tinha que desenvolver, por não ter aprovei
tado devidamente as matrizes energéticas do carvão e, era parte,
do'petróleo, não se percebe ainda uma clareza em todas estas
polêmicas quanto â prioridade energética das pesquisas atômi
cas no Brasil. Para dar uma idéia, é só em 1967 que a CNEN
passa a ser vinculada definitivamente ao Ministério das Minas
e Energia, após um curto período no início da década de sessen
ta, subordinando sua política a um programa energético nacio
nal. Esta subordinação é decorrente, no plano organizacional,
de uma reforma administrativa mais ampla, e especialmente no
que se refere a ciência e teconologia, é resultado do aspecto
modernizador que assume o estado brasileiro pôs-64. ' Porém,
a desvinculação da CNEN ao programa energético até 1967 refle
tiu a descontinuidade dos programas e a ausência de propostas
claras para uma política, nuclear brasileira. A assimetria das
relações com os países tecnologicamente mais avançados no cam
po, e em especial os Estados Unidos ré um dos componentes es_
senciais destas indefinições, pois uma política nuclear clara
exigiria em primeiro lugar uma política tecnológica definida. 1i l
A corrente de pensamento aqui representada por José j
Leite Lopes, mas que inclui muitos outros que tiveram uma atu<* l
ção destacada como Jacques Danon, Roberto Salmeron, etc... ba
tia-se especialmente pela crítica â importação de um reator de
pesquisa, que viria do exterior como uma autêntica caixa-preta.
Não só um reator deste tipo não permitiria acesso a conhecimen
tos e tecnologia, como inibiria a pesquisa nacional, de um Ia
do por concentrar recursos em algo infrutífero, e por outro
por vincular a pesquisa científica nacional a padrões tecnolõ
gicos estrangeiros.
O verdadeiro nó gõrdio da questão referia-se ao com
biístível destes reatores que utilizavam a tecnologia norte-ame
ricana do urânio enriquecido, que dependia para a sua produção
de imensos recursos financeiros que só os Estados Unidos, en
tre as nações ocidentais, era capaz de dispender. O complexo
norte-americano de Oak Ridge no Tennessee, uma imensa sucessão
de centros de pesquisa, fábricas, depósitos, sistemas de comu
nicação realmente inimagináveis/ garantia a produção e o mono
pólio de urânio enriquecido. Todos os reatores de pesquisa esc
portados pelos EUA, utilizavam o urânio enriquecido como çòm
bustível, sujeitando os compradores à dependência norte-ameti
cana, implicando em aceitar suas regras de controle e vistor
rias periódicas. Os reatores de pesquisa importados pelo Bra
sil, por exemplo, sofriam obrigatoriamente vistorias de «eis
em seis meses pela Agência de Energia Atônica dos EOA, para se
certificarem de que seu funcionamento era somente para fins de
pesquisa e não militares.
Aprofundando esta linha de raciocínio, estes físicos
consideravam que as exportações de reatores de pesquisas, . no
programa criado por Eisenhower, era uma forma deliberada de •
criação de um mercado externo para colocar os inúmeros rea '
tores que começavam a ser produzidos pelas empresas privadas
norte-americanas, permitidas de entrarem no ramo até então mo
nopolizado pelo governo norte-americano.
Nas palavras de Leite Lopes:
n(~,.) ao contrario, o padrão escolhido foi o de compràr pequenos reatores de pesquisa e colocá-los emalgumas Universidades — primeiro em São Paulo 3 depois em Belo Horizonte e no Fio de Janeiro. (Se ospaíses industrialmente desenvolvidos deveriam amorti_zar seu capital investido, era necessário que outrospaíses fossem persuadidos a comprar seus produtos)."(ii)
(ll) José Leite Lopes, "Atoms in the developing nations*', Bui,letin of the Atomic Scientists Abril 1978, p. 32. Este *rtigo, publicado no auge das agudas divergências sobre ã"não-proliferaçao nuclear, que veremos no próximo capito
. Io, mereceu o seguinte comentário do editor da revista nXp. 31: "This article exhibits an ambivalence common amongLatin American scholars. Being unable to decide.which isgreater evil — Yankee imperialism or the military dictator ships with which their countries are currently aff icted"
Continua»••
Ou segundo José {?-"*• mberg:
"0 Átomos pai-w z fo»air .* forma hábil dos americanos controlarem a expansão mundial dos reatõ_res de pesquisa. Estes tipos de reatores .acostumariam os usuários com a tecnologia norte-americana, ~e~a medida que os reatores são construídos de uma maneira tal que há uma garantia intrínseca de que vocênão consegue o domínio da tecnologia nuclear* o atra_so científico e a dependência tecnológica tornam-sê•inevitáveis." (»*)
O segundo reator de pesquisas do programa "Átomos pa
ra a Paz" adquirido pelo Brasil foi um reator de tipo Triga,
instalado no Instituto de Pesquisas Radioativas (IPR) em Belot
Horizonte, sob a responsabilidade de Francisco Magalhães Gomes.
Com o apoio de Álvaro Alberto, montou-se um laboratório de aJL
to gabarito financiado pelo governo do Estado de Minas Gerais.
"Era só nos EUA que era possível naquele tempoobter-um reator^ de pesquisa. Com a Rússia nós naotínhamos relações para fazer lã. A França e a Ingla^terra podiam fazer, mas elas ainda não estavam no co_méycio internacional de reatores. Elas também depen_diam muito dos EUA para o urânio enriquecido." (n)
(íl) Continuação— they tend to lump the two evils together. It's a vicvrthat is especially difficult to maintain in the case ofthe subject under discussion: the virtues or dangers ofU.S. opposition to the aquisition by Brazil of a nuclearweapons capability via the "peaceful"_njclear energy rottte". Para melhor se entender a posição de Jose Leite L£pes sobre ciência e política científica e tecnológica vc~ja-se J. Leite Lopes, ob.cit. . "~
(>2) Coldemberg, depoimento cit.
(i») Francisco Magalhães Gomes, projeto Historia da Ciência noBrasil, acervo de depoimentos, FINEP/CPDOC, F.G.V. ST,"27/12/1976.
O reator de pesquisa do tipo Triga, bastante moderno
na época, foi comprado a empresa norte-americana General Ato
mie por 140 mil dólares e mais 60 mil de equipamentos e peças
de reposição. Sendo o primeiro Triga exportado para o exte_
rior, contou com todo o apoio técnico dos cientistas da empre
sa norte-americana, que tinha todo ò empenho em valorizar seu
novo produto em um mercado em expansão.
Ê interessante observar este aspecto comercial que
atinge inicialmente os reatores de pesquisa e em seguida os
reatores de potência» Certamente os altíssimos custos finai)
ceiros exigidos pelos investimentos privados' que a mudança le_
gislativa norte-americana possibilitou, só poderiam ser conce
bidos levando-se em conta o mercado internacional. Este é um
aspecto de competição comercial que vai ser extremamente impor
tante nos muito mais complexos e caros reatores de potência, ã
medida em que sua demanda internacional vai crescendo a partir
dos anos 60 e especialmente'do início dos anos 70, com o pril
me4.ro choque do petróleo. No próximo capitulo este assunto sçst
rã tratado pormenorizadamente.
O fato é que nas décadas de 50 e 60, os Estados Uni_
cfos possuíam o monopólio da fabricação de reatores de pesquisa,
vendidos às dezenas pelos quatro cantos do mundo. A tecnolo-
gia do urânio enriquecido utilizada por estes reatores obrigou
os países do mundo que os adquiriram a moldar seu desenvolvi
mento científico em cima deste combustível. Porém, houve ejç
ceções vitoriosas, como por exemplo, a Índia e a Argentina. Es_
ttes países, por caminhos diversos, conseguiram fugir ao monopó
lio norte-americano, estabelecendo uma política nuclear com ob
jetivos claros e com continuidade desde a década de 50. Ao in
vês de vincularem-se somente a uma tecnologia importada', suas
políticas foram de pequenos acordos de transferência tecnolõ
gica que possibilitassem a formação de massa crítica capaz de
desenvolver gradativamente um projeto tecnológico próprio. Ca
nada e França foram os principais países que auxiliaram tecnl
camente Índia e Argentina a investirem em reatores de pesqui
sa utilizando urânio natural e água pesada, independendo por
tanto, do monopólio norte-americano do urânio enriquecido (**).í
.Ambos os programas, por motivos diferentes, são con
siderados internacionalmente um sucesso. A índia concentrou
inicialmente seus esforços de pesquisa em desenvolver um arte
fato bélico, explodido em 1974, fugindo ao controle das salva
guardas internacionais. Apesar de não ter conseguido furar o
bloqueio imposto pelas grandes potências, e ascender a um stj»
tus político internacional maior, com que a energia atômica
sempre esteve associada, a Índia não restringiu seu programa
nuclear a este'episódio, investindo sempre mais e mais em tcc
nologia nuclear ate a recente produção do moderníssimo reator
tipo fast-breeder.
r";' Já a Argentina, escolhendo um caminho mais modesto,
manteve a sua autonomia tecnológica e chegou a anunciar o do
mínio completo âo ciclo âo átomo em fins de 1983. Isto signi
fica a posse dos conhecimentos científicos e dos meios técni
(1%) Sobre o programa argentino veja Daniel Poneman, NuclearPower in the Developing World, George Allen & Unvin, Lotidreg, 1982 pp. 68/83. Sobre a India, Pringle e Spigelaan,ob.cít. especialmente pp. 374/388.
cos que torneariam possível a produção de um artefato bélico,
bastando uma decisão política de fazê-lo a um custo financeiro
determinado.
Não quero aqui afirmar que a medida de êxito de um
programa nuclear seja a produção de um artefato bélico. Muito
embora, como veremos no capitulo seguinte, as discussões da dé_
cada de 70 girem principalmente em torno desta problemática,
contida nas políticas de antiproliferação nuclear, não creio
que se possa fazer uma identificação inequívoca entre produção
de artefatos bélicos é progresso científico e tecnológico. As
especulações que a literatura e a imprensa internacional fazem
quanto â virtual produção de armas nucleares por países como
Israel, Africa do Sul, Paquistão e Argentina, por exemplo, ob
viamente reflete a situação destas nações, que se encontram em
um patamar tecnológico .desenvolvido, a. meio termo entre
os países avançados e os muitos atrasados. Mas tal situaçãoi
reflete em primeiro lugar problemas político-estratégicos, que
os impeliram, cada um com seu. discurso próprio, a tomar a deci
são política de construir suas bombas. Em um mundo de extrema
e rápida comunicação, em que, apesar de controlada, é possível
aióirculação de idéias para nações "problemáticas" no cenário
internacional, como a Africa do Sul e Israel, a decisão de se
investir na construção de uma pequena força nuclear independei!
te, é hoje acima de tudo uma questão financeira. Neste contex
to inclui-se também o hoje indistuível "programa nuclear pari»
leio" brasileiro.
O Brasil também possuiu a sua tentativa de elaborar
um programa nuclear tecnologicamente autônomo, que evoluiu do
núcleo que se formou em torno do reator de pesquisa tipo Triga
no IPR em Belo Horizonte. Com uma firme política dè formação
de pessoal, o XPR contou com apoio financeiro do governo de Mi
nas Gerais e do CNPq e enviou mais de setenta cientistas para
se formarem no exterior, -procurando, absorvê-los na volta me
diante a criação de um sólido grupo*de pesquisas. Este núcleo
que ficou conhecido» como "grupo do tório", pelas pesquisas de
senvolvidas com esta matéria-prima, abundante no pais, como ai
ternativa frente* ao urânio enriquecido importado, morreu vlti
ma de uma peculiar.mistura de-morte natural por inanição e as
sassinato premeditado. Na verdade mais uma vítima da indefini
ção que atravessou a política nuclear brasileira.
Nas palavras de Francisco Magalhães Gomes, criador
do IPR:
"... o principal ê que os técnicos e cientistas doIPR conceberam um programa nacional que tornaria facilmente o Brasil independente em programa atômicoT"... o de fazer um reator de potência de urânio natu^rat., que jã tornava o Brasil independente, usando oreator canadense, chamado CANDU, que é de urânio nabural e água pesada. Fui membro da CHEN e apoiei es_te programa que foi muito estudado aqui por nós, e~que tinha apoio do professor Marcelo Damy, então pre^sidente da CNEN. Mas o medo le nós fazermos a bombaatômica impeditu Deu muita confusão. Isso é muitocomplicado. Esse negócio de programa de energia atô_mica c muito complexo e envolve muita discussão intemacional," (IS) ' *""
(1$) Além da entrevista de Comes, sobre o grupo do tÕrío, p<>de-se consultar José Murilo de Carvalho, A Política Çiefttífica e Tecnológica do Brasilf Relatório de Pesquisa,
. 1976, pp. 84/86, onde^a extinção do grupo_do torio é explicada pela "inexistência de uma definição sobre a P°lj[tica nacional de energia nuclear". ""
Pelas observações de Francisco .Gomes podemos sentir
que "esse negocio muito complexo" não teve a continuidade e o
apoio decidido do governo nacional. As indefinições da década
de 60, guando inicialmente a prioridade dada à energia nuclear
era baixa, foi resolvida no governo Costa e Silva, quando se
vinculos a política atômica â política energética e optou-se,
numa decisão centralizada na CNEN, pelo acordo com a Westing
house para a construção do primeiro reator de potência no Bra
sil. O grupo do tório, que durante a década de 60 vinha con
seguindo algumas conquistas independentemente, deixou de ter
razão de existir ao se escolher um reator a urânio enriqueci
do. O IPR foi absorvido pela Companhia Brasileira de Tecnolo
gia Nuclear criada em 1972, transformada depois em Nuclebrás.
Energia Nuclear para os Países Subdesenvolvidos
Os dois últimos pontos que gostaria de analisar me
lhor,'diz respeito a dois tópicos que atravessam a década de
60: o primeiro refere-se a concepção de ciência e tecnologia
associada a Leite Lopes, priorizando a autonomia tecnológica e
a relação ciência-sociedade e que possui na América Latina um
representante que vale a pena destacar: o físico argentino Jor
ge Sãbato P*)« 0 segundo ponto relaciona-se cora a diplomacia
(>*) Sãbato alem de um técnico importantíssimo do programa nuclear argentino, foi difusor e propagandist» da energianuclear para os países subdesenvolvidos e defensor, frente as pressões norte-americanas, do programa nuclear br]»
Continua. »T
seguida pelo Itamarati, contraria ao Tratado de Não-Prolifera
ção. de Armas Nucleares, que caracterizou uma posição de inde
pendência frente âs pressões das grandes potências. Esta re
sistência, substanciada na identificação entre o Tratado e a
feliz expressão de Araújo Castro, "congelamento do poder mun
dial" representou uma realização importante da diplomacia bra
sileira (»*).
Jorge Sãbato, certamente ura dos maiores responsáveis
pela continuidade do programa nuclear argentino, em um impor
tanté artigo em co-autoria com Jairman Ramesh, "Programas de
Energia Nuclear en ei mundo en desarrollo: su fundamento e im
pacto" (*•) , defende a necessidade dos países subdesenvolvidos
terem acesso.ao desafio nuclear e aponta para seis respostas
que uma política nuclear séria precisaria e deveria conter da
parte destes países:
1) a defesa de suas matérias-primas nucleares;
2) um desenvolvimento —'tônomo da tecnologia nuclear.i .
3) enfrentar com decisão a busca de prestígio e poder asso
: biados com a energia atômica;
-4) necessidade de entender o processo nuclear completo pa
r..(**) Continuação
sileiro. Veja-se por exemplo, Jorge Sãbato, "El plan nuclear brasileno y Ia bomba atônica". Estúdios Internacio.pales Ano XI n9 Al, janciro-março de 1978, pp. 73/82 e~Adler, art.cit. pp. 22/27.
(>7) Sobre a posição de Araújo Castro veja a coletânea de seusescritos, Araújo Castro, org. e notas de Rodrigo Amado,editora Universidade de Brasília, 1982, pp. 51/118 e 197//212.
(••) Estúdios Internacionales Ano XIII n9 49, janeiro-warço deT58ÕT '
ra conhecer suas principais dificuldades e poder supera-
-Ias .tecnicamente, levando em conta problemas tais como o
de radiação, de segurança das usinas, e t c ;
5) concentrar o programa na produção de reatores nücleo-e
létricos visando a independência energética do país,• -
ponto de partida para qualquer política conseqüente de
desenvolvimento industrial;
6) difusão dos conhecimentos atômicos para a industria, ca
pacitando as empresas nacionais a fornecerem os equipa
. mentos para o ciclo nuclear e aplicarem os subprodutos
das pesquisas para o avanço industrial do país como um.;
todo. \
Os autores dividem em três etapas o desenvolvimento
nuclear â nível internacional, sendo a primeira a "política ne
gativa" do monopólio nuclear norte-americano que se segue ao
projeto Manhattan; a segunda a "política do Átomos para a Paz",
que tem o objetivo de controlar os planos de desenvolvimento
nuclear de países que já possuíam um programa razoavelmente a_
diantadó, como a Argentina, Brasil e Índia; o terceiro perío
do é o que se segue às "Conferências de Genebra sobre os usos
pacíficos da Energia Atômica" em 1955 e 1958 e a criação da A
gência Internacional de Energia Atômica (IAEA) em 1957.
Ê exatamente em cima das possibilidades abertas por .
esta terceira etapa, que Sábato prega a necessidade de uma de
cisão política por parte dos países em desenvolvimento de par
tir para uma política nuclear ousada e independente. Países de
.relativo desenvolvimento tecnológico como os citados Argentina,
Brasil e Índia deveriam lutar contra o status quo internado
nal, buscando a independência tecnológica. O Tratado de Não-
--Proliferação de Armas Nucleares (TNP), assinado por Londres,
Washington e Moscou e mais 59 países em 19 de julho de 1968
teria a finalidade de retardar este avanço.
Com este mesmo - sentido a diplomacia brasileira perce*
be o tratado no final dos anos 60. *Apõs o curto período de a
linhamento automático com a política externa norte-americana
que se segue ao golpe de 64, a diplomacia brasileira retoma ajL
guns temas e vias que lhe eram caras no inicio dos anos 60, sem
contudo retomar completamente sua "política externa independen
te" <»»).-
A postura de maior equilíbrio entre os dois blocos
foi retomada nos últimos anos da década de sessenta, especiajLi
mente na ação diplomática de critica ao TNP e a recusa em assjl
nã-lo, apesar das pressões internacionais. A identificação do
Tratado com a tentativa das grandes potências de congelar as
relações de poder internacionais ocorreu no bojo das discuss
soes, que então se iniciavam, sobre a nova ordem econômica Inr- . •
ternacional, que domina a agenda internacional da primeira me
tadè dos anos setenta e é conhecida como o diálogo Norte-Sul.
Embora sempre de uma forma moderada e recusando qualquer papel
de liderança.terceiro-mundista, a diplomacia brasileira conde
nou claramente o TNP.
Postura semelhante assumiu diante do Tratado de Tia
telolco, em relação ao qual, apesar de ter sido um de seus J
(>»)MA trajetória do Pragmatismo", Dado» 25» n9.3f 1982, pp.349/363. .
dealizadores e de tê-lo assinado e ratificado, o Brasil junta
«ente com o Chile não aceitou sua plena vigência, em virtude
da não-ratificaçlo do Tratado por parte de todos os países a
tingidos pelo Protocolo I do acordo. Tal Protocolo afirma que
todas as nações que possuem possessões na região devem aceitar
seus termos. A França, como um destes países, assinou mas não
ratificou sua. assinatura, constituindo-se assim no motivo ale
gado pelo Brasil e pelo Chile para protelarem sua total aceita
ção (20).
' A relutância da diplomacia brasileira em relação aos
dois tratados não significou a negação do pais de submeter-se
as salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica
(AIEA) de Viena. Como veremos a seguir, desde 1965, data de
um novo acordo atômico coro os EUA, o Brasil submeteu-se alem
das salvaguardas bilaterais Brasil-Estados Unidos, às salva
guardas trilaterais Brasil-Estados Unidos-AIEA.
Novo Acordo e a Decisão de Angra
Em 1967, o presidente Costa e Silva ratificou e torif'-
nou publico um novo acordo atômico com os EUA elaborado era 1965
que, nas palavras dos observadores da época, apenas prosseguia
(20) Uma descrição completa do ambiente histórico dos dois tratados, seu texto completo e a relação dos países signat?rios encontra-se em Arms Control and Disarmament Agreements.Texts and Histories of Hegociations, 1982 Edition, United/State Arms Control and Disarmament Agency, WashingtonD.C. 1982 pp. 59/88. V
87
o acordo anterior de 1955 e referia-se somente a reatores 'de
pesquisa. Pela quantidade máxima de importação de. urânio en
riquecido aos EUA estabelecido no acordo (15 quilos por ano) e5
pelas referências ao tipo de salvaguarda incluído, parece não
haver dúvida de que não havia nenhuma novidade quanto a uma
maior cooperação cientifica ou ao desenvolvimento de um progra
ma de reatores de potência. A cautela que estes observadores
utilizaram para externar suas opiniões sobre este acordo, ex
plica-se pelo baixíssimo grau de informações publicas a : seu
respeito. O inicio das conversações realizadas em Washington
em 1965 foi mantido em sigilo, só se tornando conhecido o seu
teor após a ratificação brasileira em 1967. Ê natural então
que fosse difícil para a época ter um julgamento mais informa
do (2i).
Em 1967 ainda, visitou o Brasil o presidente da AEC,
Glen Seaborg, para cumprir uma extensa agenda de encontros cjl
entlficos, reuniões de cúpula na CNEN e entrevistas â impren
sa. Sua visita transmitiu uma sensação geral de desapontamein
to ã quantos esperavam um aprofundamento da cooperação cientí
fica nuclear entre o Brasil e os EUA. Atendo-se somente a va
gas. promessas na esteira de um programa extenso de colaboração
nuclear alardeado pelo Presidente Johnson em Punta dei Este,
Seaborg apenas tratou de vagas promessas, sem abordar nenhum
aspecto mais especifico de transferência de tecnologia ou ex
portação de reatores de potência para o Brasil. Comentando as
(2i) Jorge Gurgel do Amaral, "Este é o novo acordo nuclear Brasil-EUA", Folha de S, Paulo, 29/10/67. Neste artigo hi.um bom resumo do acordo e de sua repercussão na época.
. propostas de Seaborg, o embaixador Sérgio Corrêa da Costa afirv
( . mou que as perspectivas de colaboração e cooperação com a Fran
ça pareciam, naquele momento, muito mais auspiciosas ( 2 2). \
( . O acordo de 1965, que vem a publico neste contexto,
foi percebido como desimportante, reafirmando o desinteresse
( norte-americano em aceitar uma cooperação nuclear mais acentua
( da com o Brasil (2S). Se o entendermos dentro do período de
/ . reorganização por que passava o estado e a economia brasilei
( ros, preparando-se para um novo patamar de acumulação capita
lista, verificamos que a questão nuclear detinha, neste montei)
( to, uma posição ainda marginal nas novas prioridades dò cresci
mento industrial brasileiro. . ' .
( Desde 1956, quando a American Foreign Power Company,
1 uma antiga holding norte-americana que controlava uma série de
. empresas brasileiras de eletricidade depois nacionalizadas pe
< (22) "Posição- dos EUA no setor nuclear decepciona brasileiros**.( Jornal do Brasil, 4/7/67. Sérgio Corrêa da Costa». Secr«s* taçio-Geral de Política Externa do Itamarati, no discurso
que proferiu em homenagem a Seaborg afirmou que: "a inte( gração latino-americana iniciada na era nuclear deveria( ' ter sido desde o início concebida em termos nucleares. Ha
da mais eficaz poderia os Estados Unidos fazer para a ijt' ,. tegração latino-americana do-que se pretendei uma extei»
1 sao do Programa Plowshare à América Latina". *~
(23) A opinião de José Coldembcrg sobre o acordo é a seguinte:< . "Este é um Acordo que se refere a reatores de pesquisa e( que exclui cuidadosamente reatores de potência. Isto se. ve em vários artigos. Em primeiro lugar, no artigo I,que* diz explicitamente que *sao trocadas informações sobre( projeto, construção e funcionamento de reatores de pesqu^, sa e 'sua utilização como instrumentos de pesquisa, de de[
senvolvimento de engenharia e de terapia médica*. 0 me:»* mo espírito se ve novamente no artigo III - A, que diz ele( plicitamente que em caso algum a quantidade de materiais
nucleares devera em tempo algum ultrapassar 250 graaas de'• plutonio." Jorge Curgel do Amaral, art.cie.
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la Eletrobrás, cogitou de instalar uma usina nuclear de peque
no porte para a geração de energia no Brasil, existia o desejo
de se construir no sudeste brasileiro reatores de potência pa
ra integrarem o carente sistema de produção energética da re
gião. A CNEN, apôs a sua criação em 1956, desenvolveu a "Supe
rintendência do projeto Mambucaba" com a incumbência de estu
dar a viabilidade de se construir uma usina nuclear na margem
do rio Mambucaba no estado do Rio de Janeiro. Este projeto
foi posteriormente abandonado (2 M .
• '.. • Estes primeiros ensaios tinham todos a caracterlsti
ca de serem iniciativas isoladas, não integradas em uma políti
ca nacional de produção energética como ura todo. Em 1967, pe
Ia primeira vez foi constituído um grupo de trabalho envolven
do representantes do Conselho de Segurança Nacional, Minis té
rio das Minas e Energia, CNEN e Eletrobrás, com o intuito de
examinar a viabilidade de utilização de energia nuclear na re
gião sudeste, já integrado a um programa nacional de energia
elétrica. Em 1969, incentivados por um relatório de técnicos
da AI EA recomendando a instalação de uma primeira usina nuclear
comercial, o governo brasileiro decide partir para sua constru
ção.
Neste mesmo ano, técnicos foram enviados aos EUA, Ca
nada e Europa para observarem os progressos mais recentes • no
campo da energia nuclear. 0 objetivo era de escolher o modelo
Veja Renato de Biasi, a Energia Nuclear no Brasil, Biblioteca do Exército Editora, RJ, 1979, pp. 47/50 e Luiz Pii»guelli Rosa, "Evolução da Política Nuclear Brasileira"contros com a Civilização Brasileira n9 7, janeiro1979.
de reator a ser utilizado, com base nos então existentes no
mercado internacional. De posse destas informações foi estabe
lecida uma concorrência publica em 1970, fixado o prazo de 3a
neiro de 1971 para a apresentação das propostas pelas empresas,
conectadas. A escolha de um reator que utilizasse como combus
tível o urânio enriquecido baseou-se/ segundo a CNEN, em cri ti
rios técnicos tais como o de sua experiência-comprovada em inu
meras usinas em funcionamento no mundo todo e em sua moderniza
çao tecnológica (2$).
Das seis empresas inicialmente contactadas a apreseri
tarem proposta, a escolhida em 1 de maio de 1971 foi a 'norte-at
mericana Westinghouse Electric Corporation. Os acordos de saJL
vaguardas quanto à utilização do combustível urânio enriqueci^
do, foi' celebrado em Washington em julho de 1972, tendo como re
presentante brasileiro o Ministério das Relações Exteriores com
o apoio técnico da CNEN.
r- ... „ " ••-
(25) A avaliação de Pinguelli desta opção é a seguinte: "Tran8_ferindo a Furnas a responsabilidade da compra do reator,
' dentro de uma perspectiva de empresa de energia elétrica,sem uma clara orientação política para o setor nuclear,
.r-.• o governo criou todas as condições para a compra do rea_1'' í,or a urânio enriquecido norte-americano.
Dentro dessa diretriz, cabendo a Furnas o encargo deconstruir o primeiro reator no país, procuravam seus *nge_nheiros a solução mais cômoda e confiável, minimizando õ"transtorno provocado por aquele corpo estranho a ser insjerido em um sistema predominantemente hidroelétrico.. Con opreço do urânio enriquecido artificialmente baixo, comseu suprimento supostamente garantido, fomos levados f£talmente a comprar um reator PWR norte-americano. As ojutrás alternativar, a fabricação no país ou a compra dê"reator a urânio natural e ãgua pesada, possivelmente dotipo CANDU, implicavam na^aceitação de condições técnicasmenos garantidas naquela época." Pinguelli, art.cit. p.33.
"Este acordo, de sentido geral, constitui a base para um contrato comercial que posteriormente foTfirmado entre Furnas e a antiga AEC9 estabelecendoas condições especificas para enriquecimento nos Es^tados Unidos do urânio que Furnas adquiriu na Africado Sul." (**)
Ainda em julho de 1972, estabeleceu-se um acordo de
- salvaguardas trilateral com a AIEA, 'através do qual ambos os
países comprometeram-se a cumprir o sistema de salvaguardas es
tabelecido pela Agência de Viena.
Com estes passos, inaugurou-se no Brasil a produção
de energia por meios nucleares (27). A intenção dos . planeja
(2*) Renato de Biasi, ob.cit. p. 73. As outras empresas queforam convidadas a apresentarem propostas, todas tendo coao combustível o urânio enriquecido» foram as seguintes,p. 56.1. •' ASEA - ATOM - Suécia - reator tipo BWR2. The Nuclear Power Group - Inglaterra - reator tipo SGHWR3. Combustion Eng. - EUA - reator tipo PWR4. General Electric - EUA - reator tipo BUR5. Vestinghouse - EUA - reator tipo PKR6. Kraftverk Union - Alemanha - reator tipo PWR e BWR.Nem todas as empresas ofereceram propostas na concorrência,
(27) Em um informativo artigo, "A encruzilhada atômica", Veja20/9/72, a polemica que divide a comunidade científica C£tre os defensores do urânio natural c do enriquecido como;COmbustxvel para o primeiro reator de potência brasileiroe comparada "a mesma paixão que Marilyn Monroe e Gina Lo^lobrigida dividiram a juventude na decada de 50. Quem d£fende o urânio natural diz que o enriquecimento tem pre
.-.- ços artificialmente baixos, onde não estão computadas as'"'' inversões para a montagem das usinas de beneficiamento,
realizadas no esforço econômico da Segunda Guerra. Alemdisso, acenam com a catástrofe de um corte de fornecimento do urânio capaz de levar as usinas ao colapso. Os advogados do urânio enriquecido empunham a bandeira da qualTficação tecnológica". A opção brasileira pelo urânio eríriquecido e justificada, no artigo, com base na afirmaçãode Abraham Friedman, diretor da divisão de programas iiiternacionais da Comissão de Energia Atômica dos Estados U_nidos: "Durante os últimos anos foram vendidos no cornercio internacional cerca de trinta reatores de potenciaTDestes, sõ cinco funcionam com urânio natural. A «xp£riência tem mostrado que^ se o objetivo_e produzir enejrgia elétrica, o caminho c o reator a urânio enriquccido"T
dores deste primeiro acordo com a firma norte-americana era de
ampliá-lo com um segundo e terceiro reator de potência * utili^
zando o mesmo esquema comercial. As iniciais indefinições dà
política nuclear norte-americana entretanto, seguiram-se pro
fundas modificações, tornando inviável o negocio entre Furnas
e Westinghouse, restringindo-o então a um único reator — An
gral. A ironicamente nomeada "Central Nuclear Almirante Alva
xo Alberto" vai, de uma certa maneira, cumprir o destino dese
jado pelo pioneiro da energia nuclear no país, que era o d e am
pliar as relações nucleares do Brasil para outros países alem
do tradicional aliado norte-americano. Mas isto já . é outra
história, que veremos no proximo capítulo.
INTRODUÇÃO
Este terceiro capitulo tratara, de uma certa maneira,
do ponto de partida de onde minhas pesquisas começaram: das
transformações da política nuclear internacional da década de
setenta e, no que se refere ao Brasil, das repercussões do am
pio e complexo "negócio do século", como ficou conhecido o a
cordo nuclear Brasil-Alemanha de 1975. A necessidade de um re_
trospecto histórico, de um balanço abrangente do período, de
ve-se a dois motivos. Em primeiro lugar, pela consideração de
que, apesar do grande impacto causado pelo acordo nas relações
Brasil-Estados Unidos, ele deve ser entendido no contexto da
longa e acirrada polêmica entre os formuladores da política i»
tômica brasileira. Em segundo lugar, as transformações ocorri,
das na conjuntura internacional, nos anos setenta, cspecialmeii
te quanto a política nuclear foram definidoras de um novo per
fil de relações nucleares entre o Brasil e'os EUA.
v. o esforço de não isolar as decisões internas brasjL
leiras quarto à política nuclear do contexto internacional e
principalmente das relações com os Estados Unidos, torna-se ain
da-roais necessário no quadro internacional muito mais complexo
dos anos setenta. Ao optar pela importação do primeiro reator
de potência que utilizava urânio enriquecido, o Brasil parecia
ter aceito definitivamente a tecnologia norte-americana. O ti
po de reator comprado ã Westinghouse parecia consolidar um pa
drão de relação sempre sonhado por importantes parcelas da eli
te brasileira: a parceria privilegiada com os EUA.
A impressão de que esta opção do final dos anos see
95
senta expressava a crescente e desejada cooperação sofreu um
abalo considerável. As mudanças no mercado .internacional de
reatores de potência, com a entrada competitiva de novos forrie
cedores internacionais concorrendo através de empresas que pas
saram a utilizar a própria tecnologia norte-americana — que
conseguiram dominar graças a acordos com a empresas norte-ame
ricanas — serã o primeiro ponto abordado neste capítulo. A ca
pacitação, principalmente da Alemanha e da França., como cone x
rentes ao quase-monopólio das empresas dos. Estados Unidos foi
um dado decisivo do jogo da política internacional da energia
nuclear a partir de então; sem ele, é impossível entendermos
a nova conjuntura.
Outro ponto fundamental foram as transformações da
política nuclear norte-americana que atravessaram os governos
Nixos, Ford e Carter. Desde o início da década de setenta, os
norte-americanos sentiram o impacto da entrada de novas nações
nucleares e reagiram, diante da nova tendência internacional.E£
ta tendência significava o domínio da produção nuclear pararv
fins energéticos, expandindo enormemente o mercado mundial de
equipamentos nucleares até então restrito a poucos países. O
primeiro choque com o aumento dos preços do petróleo foi deci
sivo ao estimular os países ainda recalcitrantes a desenvolve
rem uma política nuclear mais agressiva.
É nesse quadro de expansão do mercado internacional
de reatores de potência e equipamentos e da inesperada expio
são da bomba indiana que devemos entender as inúmeras pressões
decorridas pela assinatura do acordo entre Brasil e Alemanha
e o impacto então ocorrido nos EUA. 0 aprofundamento da poli
tica norte-americana de não-proliferação nuclear, jã presente
no governo Ford, tornou-se, um dós eixos da disputa eleitoralv
de 1976, principalmente pela repercussão dos acordos de trans
ferência de tecnologia aos países do Terceiro-Mundo. \
As Mudanças no Mercado Internacional
O país pioneiro na exportação de reatores de potêri
cia nio foram os Estados Unidos e sim a Inglaterra, com seu mo
delo de reator Magnox, utilizando urânio natural, ainda na dê
cada de cinqüenta. Sendo um dos primeiros países a investir
firmemente na. capacitação tecnológica de transformação do co
nhecimento nuclear em produção energética, a Inglaterra partiu
logo para a imediata comercialização de seu investimento (»).
A medida, porém, que o mercado internacional se expandia e se
tornava mais competitivo e que a tecnologia norte-americana se
desenvolvia principalmente pelas mudanças efetuadas em 1954, o
modelo norte-americano de reator de potência, o LWR (light~wa
(*) Este modelo inglês de reator, -apesar de ser o primeiro ai entrar em operação comercial foi um fracasso de vendas no
mercado mundial, apesar de seu sucesso interno na Inglatejrra. Veja, Patterson, ob.cit. p. 227 e Ralph T; Mabry, Jr7"The Export Policies of the Major Suppliers",apendix B dolivro de Joseph A. Yager (with the assistance of Ralph T.Mabry., Jr.) International Cooperation in Nuclear Energy,The Brooking* Institution, Washington, D.C. 1981, p. 181:"Despite intensive efforts by the British nuclear powerindustry to increase its share in international nucleartrade, Britain has not fared well in foreign reactor sales.Only two reactors have been marketed overseas, one Co It£ly and one to Japan. No sales of reactor components have*been made since 1970, and the last export of « completeBritish reactor took place in 1957".
ter reactor) tornou-se um padrão tecnológico indisputado (2).
Apenas o modelo canadense CANDU — à água pesada e urânio na
tural — conseguia competir em alguns lugares com ò modelo nor
te-americano — à água leve e urânio enriquecido. Não podemos
nos esquecer que estamos - falando não sõ de tecnologia nas tam
bem de competição comercial, e isto * significa a presença de
componentes de marketing, crédito e financiamentos, prazos, a£
sistência técnica, etc... A superioridade adquirida pelos
LHR está diretamente relacionada â pujança industrial norte-a
nericana e à sua alta capacidade de investimentos em tecnolo
gia e pesquisa. Os países que optaram pelo modelo canadense
CANDU, o fizeram motivados pela busca de opções tecnológicas
mais autônomas — possibilitados pelo urânio natural — como
os exemplos já apontados da Argentina e da índia, nos quais a
importação de reatores de potência era um dos elementos de uma
estratégia de absorção tecnológica mais ampla (')•
A medida em que o mercado de reatores começava a se
desenvolver na-década de sessenta, principalmente através dos
países europeus e do Japão que, dependentes do petróleo impor;
tado, passaram a investir maciçamente em um programa nuclear co
/ • . . •
(2) Mabry, Jr. ob.cit. p. 173: "The United States has beenand remains today the world's foremost supplier of nuclearmaterials and equipment. It leads all other countries inboth power reactor exports and enrichment services supplied".
(') Daniel Poneman, Nuclear Power in the Developing World,Ceorge Alles L. Unwin, London, 1982, estuda os casos da Argeíãtina, Irã e Indonésia. Para a Argentina pp. 68/83. A A7gentina representa para Poneman o modelo de desenvolvimejnto de uma política nuclear independente. Ver também, D 7niel Poneman, "Nuclear Proliferation Prospects for ArgentTna" Orbis, Winter 1984, pp. 853/880. ""
ao alternativa à produção de energia para suas economias em
franco processo de expansão, o modelo de reator norte-america
no LWR assume quase o monopólio mundial das encomendas. Para
termos uma idéia, em 1973, dos 382 reatores em funcionamente ou
em construção, 307 eram LHR (*).
A aceitação internacional*do reator de potência que
tem como combustível o urânio enriquecido, acarretou um serio
problema, o da obtenção deste combustível. Já vimos que as
caríssimas e complexas instalações necessárias para o enrique
cimento do urânio estavam todas localizadas, praticamente, nos
Estados Unidos (5). Havia uma cláusula embutida nos contratos
de exportação dos reatores norte-americanos — tanto os de pes»
quisa quanto os de potência — de fornecimento de urânio enri
quecido pelo prazo de vida útil das usinas ou dos reatores de
laboratório . (em geral 30 anos), desde que cumpridas as exigen
cias e salvaguardas requeridas pela AÉC. Um dos motivos priri
cipais alegados pelos países1, que procuravam fugir — ou pelos
cientistas que.propunham alternativas mais autônomas — aos
(••) Joseph A. Yager e Eleanor B. Steinberg, Energy and DS,_.. reign Policy, Ballinger Publishing, Cambridge 1974, cap.
^ XVI pp. 331/359. Para termos uma idéia da dimensão destemercado, p. 354: "Despite US dominance in the comae»ciainuclear field during the 1950s and 1960s, US nuclcar-ie_lated exports were rather limited because world demand wasmodest. From 1959 through 1970, US exports on nuclear p£ver equipment, goods, and services totaled approximately$1.5 billion. Between 1971 and 1973, the value of US rct£tor exports increased by about 40 percent; and in fiscalyear 1973 the total value of nuclear exports was almost »Blarge as the cumulative value of nuclear exports for theentire 1959-70 period".
4.*) As eres usinas são: Oak Ridge no Tennessee; PortsmouthOhio e Paducah no Kentucky.
reatores de urânio enriquecido era a sua dependência a um úni
co fornecedor, os EUA. A supremacia comercial deste reator de
via-se, além dos motivos apontados, à sua comprovada tecnolo-
gia. Os países europeus, por exemplo, que já possuíam seus
próprios modelos de reator a urânio natural, acabaram optando
pela tecnologia do urânio enriquecido; por meio de acordos en
tre empresas européias em formação e empresas norte-americanas
que consentiram em transferir tecnologia em troca de pagamen
tos de royalties e patentes ou através de associações de empre
sas européias com as norte-americanas. Oeste modo, países co
mo a França e a Alemanha, que possuíam programas nucleares am
biciosos, criaram grandes estruturas empresariais e tecnolõg L
cas que, a partir dos anos setenta, começaram a desafiar a in
conteste supremacia mundial norte-americana.
O caso da Alemanha, por exemplo, além de ser o que
nos interessa diretamente, ê bem ilustrativo do desenvoivimeni
to da indústria nuclear européia. Em 1954, a Alemanha, visari\ •
do a sua reintegração européia como país membro da OTAN e a re
tomada de sua capacidade de se armar convencionalmente, renun
ciou ã produção de armamento nuclear. Como condição, entretan
to, a Alemanha exigiu a permissão de desenvolver uma industriaV'' ' ~nuclear com fins pacíficos para a produção de energia.
"When the Federal Government eet up its firstprogram of nuclear research and development in themid-19SOs, it was supported by virtually all segmentsof the political spectrum: parties of the right andleft, public opinion, the scientific community, labor unions and business associations." (') ""
(*) Erwin Hackel, "The Politic» of Nuclear Exports in WestContinua..
Este amplo espectro de apoio a um programa nuclear,
apesar da resistência das industrias competitivas de produtos
energéticos — carvão e hidrocarburaiites — contribuiu decisi
vãmente para tornar realidade a produção comercial desta tec
nologia. Com o sucesso alcançado pelos LHR no mercado Inter
no norte-americano e seu prestigio internacional, os alemães
procuraram desenvolver este tipo de reator através de uma es
tratégia empresarial — principalmente a gigante do ramo ele
trico-eletrônico Siemens — de produzir tais reatores, uób ÍJL
cença da Westinghouse. A Krafterwerk Union (KWU), subsidia
ria da Siemens em associação com a AEG Telefunken, tornou-se
uma fornecedora quase monopolista de todo o equipamento nu
clear para o mercado interno alemão.
"The first and most dramatic step towards foreignindependence in the light water reactor field earns. in 2969 with the formation of the KWU organization— a company that, operates without importing US equipment and with no apparent dependence on the originalGeneral Electric or Westinghouse licensing arrangement8." (?) ~
Como conseqüência, houve uma enorme expansão do pro
grama nuclear alemão, tornando, em meados da década de setenta,
o segundo mercado mundial de reatores, atras somente dos EUA.
Com a constituição da empresa estatal Pr ema tone, a
(O Continuaçãomany" capítulo 4 do livro Nuclear Exports and World ^tics; Policy and Regime, editado por Robert Boardaan e Janes F. Keeley, St. Martins Press, NY 1983, p. 62.
(7) Yager e Steinbcrger, ob.cit. p. 338.
101
França também surgiu como uni concorrente importante no mercado
internacional, como atestam seus contratos com a Coréia do Sul
e o Paquistão, na mesma época do acordo Brasil-Alemanha. Sõ
que, diferentemente da Alemanha, por possuir armamentos nuclea
res, o que implica o domínio de certas tecnologias específicas,
a França passou a. investir mais no "ciclo do plutônio", o que
foi motivo de grande polêmica com o governo Carter, a respeito
dos super-reatores conhecidos como super-regeneradores (fast-
-breeder) como veremos adiante.
Ficava claro naquele momento que o desenvolvimento
da capacidade de competição internacional de' reatores de potên
cia por parte da Alemanha, França, Canada e outros países que
brando o quase-monopôlio das empresas norte-americanas, constjL
tuiu uma pré-condiçlo necessária para a abertura de novas ajL
ter nativas aos países do Terceiro-Munâo que almejavam um pro
grama nuclear mais ambicioso. A competição comercial dos anos
setenta colocava um elemento, alternativo antes não existente,
impedindo que as empresas e o governo, norte-americano conti
nuassero a ser as únicas fornecedoras mundiais. Abri a-se uma
possibilidade de barganha para os países que desejassem ingres_
sar; no seleto clube de compradores do mercado internacional de
reatores, superpondo agora a dimensão política da opção à diL
roensão comercial da concorrência.
Escrevendo em 1973, Yager e Steinberger, já aponta
vara que "while no foreign company has to date won a light wa
ter reactor competition against US firms in any area outside
Western Europe and Japan, it is only a matter of time before
this OS export monopoly will be broken" (•). Contrariando s. a
visão otimista da AEC, que previa que o mercado do Terceiro-
-Mundo se manteria totalmente em mãos de empresas norte-america
nas, estes autores afirmavam qre esta previsão seria certamen
te ultrapassada pelos fatos.
Outro aspecto que caracterizou o fim do monopólio nor
te-americano tal como foi conhecido nas décadas de cinqüenta e
sessenta foram os investimentos europeus em consórcios para a
produção de urânio enriquecido: primeiro o EURATOM em 1968, en
globando Alemanha, Inglaterra e Holanda e depois o EURODIF, li
derado pela França em 1973. Com a entrada da URSS no mercado;
como fornecedora de urânio enriquecido no início dos «nos se '
tenta, estes países europeus, jã com grande quantidade de rea
tores a urânio enriquecido em funcionamento ou em construção,
achavam-se suficientemente maduros tecnologicamente para en
frentar os altos custos de um projeto deste tipo. As rápidas
e decisivas mudanças porque passou a política norte-americana
em relação ao .urânio enriquecido, a partir dos anos setenta,
corroborou os sentimentos autonomistas europeus.
Um outro elemento que acentuou a competição entre os
países desenvolvidos nuclearmente' diz respeito aos ataques que
a alternativa nuclear passou a sofrer internamente nos países
com programa nuclear avançado. Muito embora não haja hoje a
menor duvida de que o fator impulsionador primordial para um
pesado investimento em energia nuclear foi a crise do petróleo,
que colocou a nu a vulnerabilidade dos países excessivamente de
(») Yager e Steinberger, ob.cit. p. 335,
103
pendentes do petróleo importado, também não há a menor duvida
de que a maioria destes programas foi inadequadamente dimensio
nada e, alguns deles foram claramente desastrosos (•). A asso
ciação que então se estabeleceu mundialmente entre energia e
poder, energia e recursos estratégicos, ao mesmo tempo que ser
viu de alerta em relação ao modelo perdulário de estilo ociden
tal de consumo das fontes não renováveis de energia t teve tam
bem como conseqüência a transformação de soluções até então <i
penas experimentais em soluções de caráter definitivo. Por e
xemplo, a superestimação da demanda energética por parte dos
países que em breve mergulhariam em depressão econômica profun
da —— a mais seria do põs-guerra — garou o açodamento das die
cisões que, pela magnitude financeira envolvida, deveriam no
mínimo serem mais conseqüentemente avaliadas.
Foi então, no mesmo momento histórico em que países
como o Brasil e outros dependentes do petróleo importado — e
não apenas eles—lançavam-se a ambiciosos programas nucleares,
que começaram a surgir nitidamente nos paíse*- nuclearmente £
variçados, sérias restrições econômico-sõcio-polício-ambientais
â sua disseminação, que parecia então irreversível. Devemos
ter- as coisas muito claras: o consumo de energia nuclear emj '.'•
(') Embora outros elementos também estejam presentes, como abusca de prestígio e status internacional, a luta por aut<>nomia tecnológica, a ausência de fontes convencionais dê"energia, etc... a crise de energia que ocorreu nos paísesdependentes de petróleo importado pelo estrangulamento dobalanço de pagamentos foi decisiva para o estabelecimentode certos programas nucleares, como é certamente o caso doBrasil. Ja a presença de países como o Irã e o Iraque entre os de um programa nuclear mais ambicioso não pode ser"entendida neste sentido.
1973 representava apenas 2% de todo o consumo energético nun
dial. Estamos na verdade, falando mais de uma tendência do
que de uma realidade já estabelecida. O que ocorria é que to
das as previsões apontavam, no início da .década, para um futu
ro rõseo que aguardava a.indústria nuclear no mundo. £ bem
verdade que o tempo de maturação do*investimento em usinas nu
cleares ê muito longo, e os 2% não refletiam o número de reato
res em construção, que superava de muito o número de reatores
em funcionamento (»•)..* " #Era contra.esta tendência e seu incontrolãvel cresci
imento que começaram a lutar segmentos da sociedade na * Europa
Ocidental e EUA principalmente, mobilizando a sociedade no in
tuito de formar movimentos sociais organizados de resistência.
As principais críticas destes setores referiam-se ao aspecto
autoritário do processo de tomada de decisão em favor de uma
solução nuclear; o favorecimento financeiro de grandes corpora
çoes, questões de segurança è ambientais; o "fetiche tecnológjL
co"; o abandono do financiamento às pesquisas energéticas ai
ternativas entre outras (>»).
('.*.) Segundo uma tabela da US Atomic Energy Commission, e a s£r- guinte a situação em 1973 para os países do mundo capita
lista: _ ~*reatores em operação^ - 87
. reatores em construção - 98
. reatores encomendados - 100
. reatores em estudo - 99Total: 384
Yager e Steinberger, ob.cit. p. 336.
O O Já existe uma longa e rica bibliografia sobre os tnovimejitos sociais anti-energia nuclear em seus aspectos civis ê"sobre o fenômeno político do pacifismo moderno como for_ça política nas sociedades industrializadas. Entre ©7
Continua. ••
105
A inserção destas questões na agenda pública daque
Ias sociedades durante os anos setenta, politizando-as, ger£
ram um curioso fenômeno de reflexos muito importantes: o iní
cio da decadência da solução nuclear para aquelas sociedades
começa a se dar no momento mesmo de sáu auge industrial e co
mercial. Quer dizer, tão logo as principais e colossais empr£
sas terminaram de equipar-se convenientemente para abastecer
um sorridente e próspero mercado, este passou a sofrer golpes
de todos os lados. Seja pela estratégia de resistência a nl
vel municipal com apoio de frações do movimento operário como
na França, seja em discussões parlamentares como na Holanda e
na Alemanha, seja na recusa de alguns estados de aceitarem "u
tilities" equipados nuclearmente, como nos Estados Unidos, o
fato é que os grandes mercados mundiais começam a retrair-se.
Outra vez o caso KWU, na Alemanha, serve de paradig
ma. .A empresa havia se preparado e investido maciçamente vi
sando principalmente o mercado interno alemão. Com a brusca
queda da demanda interna, a empresa necessitou desesperadameii
te de;exportações para sua sobrevivência. Este caso certamen
te não é único na economia alemã, a economia que mais exporta
no mundo ocidental, quer dizer, o modelo mesmo de reconstrução
(1J) Continuaçãoprincipais trabalhos recomendo a coletânea Pacifisme etDissuation, La contestation pacifiste et 3'avenir de Iosecurité de 1'Europe" editada por Pierre Lc)louche, Ins titute Français de Relations Internacionalcs, Paris v 1983*fFernando Perez-Diaz, "La Controverse nucleaire au £tats~-Unis", Anexo do livro Nuclcopolis, Presses Universitairede Grenoble, 1979, pp. 485/517 e Paulo Wrobel, A Esquerdae a bomba: Notas «obre o movimento pacifista europeu, IRITextos n9 6, 1985. \
econômica da Republica Federal obedeceu a um esquema âe compe
titiviâaâe internacional, do qual a Ostpolitik de Brandt foi
sua contrapartida política. Porém o caso dramático da KWO é
que ela se equipou no intuito de produzir um volume anuf.l de
reatores incompatível com um mercado ainda em formação e logo
retraído, obrigando-a a uma agressiva política de exportação
cujas conseqüências nos, mais do que qualquer outro país, co
nhecemos de perto í12)..
Quando o Brasil, com seu projeto de industrialização
acelerada e sua retórica de grande potência, decidiu partir pa
ra um volumoso projeto nuclear, com a esperança de resolver ou
reduzir sua dependência energética, encontrou no mercado inter
nacional, um substituto alternativo aos recorrentes impasses
gerados pela sua relação com os Estados Unidos, até recentemen
te monopolista no mercado internacional.
Não-Proliferação.Nuclear
De uma certa maneira, o que tratamos até agora no
primeiro e segundo capítulos — a tentativa norte-americana de
manter o segredo atômico em suas mãos ou de controlar sua dlfu
' são — pode ser entendido sob o termo não-proliferação. Ha, po
rém, certas mudanças fundamentais nas duas décadas que se se
(12) Uma boa analise das questões politico-estratigicas envolvidas na recuperação econômica e política alemão do põs-"-guerra e desenvolvida em Catherine Hcardle Kelleher, Cermany & the politics of nuclear weapons, Columbia Uni ver'•ity Press, NY 1975, especialmente pp. 293/315. "*
IO 7
guiram à IIa Grande Guerra, que transformaram a percepção mun
dial desta noção. Inicialmente, as maiores fontes de preocupa
ção para. os SUA, eram a URSS, os paxses europeus ocidentais
e o Japão, pela sua capacidade tecnolõgico-industrial de nucle
arizar-se. Ê interessante lembrar que os cinco países que pos
suem armamentos nucleares (ls), sem'exceção, criaram programas
militares explícitos como meio de desenvolver sua capacidade
nuclear. O que se constituiu em novidade, tornando-se o foco
novo da agenda política internacional dos nos setenta e uro.das.
seus mais discutidos temast foi a proliferação horizontal, ou
seja, para o Sul, para os países do Terceiro-Mundo (»*).i
Um dos principais meios, da ótica dos países nuclei»
res, de deter a nuclearização dos armamentos para outros pajt
ses além dos cinco que já os possuíam foi o Tratado de Não-Pro
liferação Nuclear (TNP). O TNP, patrocinado conjuntamente pe
Ia URSS, USA e Inglaterra, surgiu de longas negociações dei
mais de uma década, visando p controle da tecnologia nuclear,r
(13) EUA, URSS, Inglaterra» França e China. A India mesno explodindo um artefato bélico, não e considerada uma potcmcia nuclear.
(V**) Dois estudos fundamentais sobre a importância do apare_". cimento dos paxses do Sul na política nuclear internacío^
nal sao: Assofc Kapur, "Nuclear energy, nuclear proliferation and national security: views from the South", capitulo 8 do livro de Boardman e Keeley, ob.cit. pp. 163/193 eBertrand Goldschmith and Myron B. Kratzer, "Peaceful Nuclear Relations: A Study of the Creation and the Erosion*of Confidence", capitulo 2 do livro World Nuclear Energyeditado por Ian Smart, Johns Hopkins University Press, Lon_don, 1978. Segundo Kapur, p. 180: "The decisions ofsouthern states to move along various nuclear paths — interns of their development of nuclear science and indus_try as well as of nuclear weapons potential — paralleled"American efforts to formulate an international nuclearcontrol regime in the period from 1946 to the present".
impedindo a produção ou a transferência de armamentos nuclea
res para os países até então não nucleares. 0 Tratado foi con
cretizado no âmbito do Comitê de Desarmamento da ONU e submeti
do a aprovação na.Assembléia Geral de maio de 1968.
O TNP, instrumento das principais potências nuclea
res, para conter a proliferação de armamentos permitiu em sua
redação a exportação de tecnologia nuclear para fins pacíficos
(artigo IV) e passou, a partir dos anos setenta, a sofrer una
-série de abalos. Ha verdade, ò uso da expressão proliferação
nuclear na linguagem político-diplomãtica, ê uma criação dos
anos sessenta, quando a atuação da AIEA passou a ser técnica
mente mais consistente. O acordo Brasil-EÜA de 1965, por e_
xemplo, transferiu a aplicação de salvaguardas da AEC para a
órbita da Agência.de Viena.
Três fatores principais, entre outros ocorridos na
primeira metade dos anos setenta, tornaram a questão da não-
-proliferação um tema tao relevante das relações ' internado
nais. Em primeiro lugar, o aumento repentino e de grande ma<£
nitude no preço do petróleo e derivados, estimulando uma corri^
da â fontes alternativas de energia. Hoje, passados quase quin
ze.anos deste primeiro choque e da crise de matérias-primas
dos anos setenta, sabemos que a economia do petróleo envolve
tantos fatores político-estratégicos que a política de preços
que fortaleceu a OPEP entrou em colapso, mas naqueles anos a
valorização da tão preciosa mercadoria parecia um fato da vida.
Os países então mais vulneráveis ao petróleo importado, agrava
do ainda mais pelo fantasma das ameaças de embargo pelos pa£
*es árabes produtores, partiram para a tentativa de. contraba
109
lançar esta fonte de suprimento de energia através do investi
men to nuclear. O primeiro choque petrolífero tornou clara '• a
relação entre autonomia nacional e autonomia energética vividai
neste momento preciso pelos estados nacionais. Tornava-se uma
questão de honra para a retórica da independência nacional uma
política energética abrangente e com forte componente autono
mista. Em países como o Brasil, onde a questão energética sem
pre esteve associada à independência nacional e foi fonte de
choque entre visões diferenciadas de um projeto nacional, o ní
vel de politização da questão foi sempre,intenso (**). Mesmo
as medidas autoritárias tomadas para o acordo com a Alemanha,
em um período político sem participação democrática e de deci^
soes tecnocráticas, não conseguiu escapar inteiramente do deba
te publico (*«).
O segundo fator que desestabilizou o novo e já ultr«i
passado regime de nio-proliferação nuclear ('7) na primeira me
tade dos anos setenta foi a explosão subterrânea de um artefa
to pela Índia -— oficialmente uma explosão pacífica mas tecnor- *~
(l5) É sõ lembrarmos a campanha do "petróleo é nosso".
O*) A primeira reunião um mês depois do acordo da SociedadeBrasileira de Física, em Belo Horizonte cm 1975, ainda emum período de arrocho político, manifestou-se contráriaao acordo recém assinado com a Alemanha e repudiou o carãter excessivamente centralizado e autoritário da decTsão. Veja A SBPC e a energia nuclear, Suplemento de Ciei»cia e Cultura, volume 33, 1981 e Pingelli, art.cit. p. 37.
(17) Regime de não-pruliferação e como se designa na literatura corrente internacional o conjunto de medidas que engljõba o estabelecimento da Agência de Viena, 0 TNP, o Trata*do de Tlatelolco e todas as ações visando deter a prolTferação vertical e horizontal — principalmente esta —^de armamentos nucleares.
logicamente igual a um teste militar — em maio de 1974. Apon
tado. por alguns autores («•) como o principal motivo de crise- " li
do regime de não-proliferação, a explosão indiana afetou de moi
do decisivo o sistema internacional de salvaguardas e dramati
2ou violentamente a percepção de perigo do Sul. Não podemos
nos esquecer que a nova ordem internacional do pós-guerra,esta
bilizando as relações entre as grandes potências» seja através
da guerra-fria ou da detente» deslocou os conflitos internado
nais para os países do Terceiro-Hundo, fruto principalmente do
processo de descolonização e do ressurgimento de velhas polêrai
cas territoriais abafadas pela ordem anterior. Esta rápida e
insatisfatória visão da origem dos conflitos na periferia da
ordem internacional tem apenas o objetivo de mostrar alguma ba
se de fundamento real para uma tendência dos anos setenta de
se ver a decisão de "go nuclear" por um viés essencialmente re
gional. A proliferação de trabalhos que tentavam dar conta da
gravidade da proliferação de armamentos nucleares no Terce ir o-
-Mundo enfocavam prioritariamente a eclosão de conflitos loca
lizados como o principal motivo da corrida armamentista entre
os países periféricos (>»). Não só os casos óbvios de Israel
e* África do Sul, mas Índia e Paquistão, Brasil e Argentina, Co
réia do Sul e do Norte, Irã e Iraque, são interpretados em fun
(*•) Kapur, ob.cit. e Goldsmith c Kratzer, ob.cit.
(l9) Entre outros, William C. Potter, Nuclear Power and Nonpro.liferation, O.C. and H. Publishers, Cambridge, 1982 especialmente pp. 131/196; William Courtney, "Brazil and ATgentina: Strategies for American Diplomacy", capitulo \T>de Nonproliferation and US Foreign Policy editado porJoseph Yager, The Brooking» Institution, Washington, iI>C,1980.
çao da busca de supremacia em seus subcontinentes respectivos
ou como motivo de autodefesa contra a ameaça potencial de seus
vizinhos. O componente estratégico aqui sobressai-se de quajL
quer .outro, restringindo a ordem mundial à constante busca de
supremacia em subsistemas com lógica própria.j
A abundante literatura que trata da explosão Indiana
analisa o fato de vários ângulos possíveis, alguns enfocando a |
independência tecnológica, outros acentuando a decisão politi [
ca. Kapur (20), por exemplo, enfatiza a frustração e o senti !
mento de abandono vivido pela índia em relação às duas grandes
potências, em virtude da crise de 1971, como o motivo princfc.
pai para a sua decisão de estarrecer o mundo com um gesto de
independência, como foi a detonação. Apesar de não ter rigoso
samente burlado nenhum sistema de salvaguardas da AIAE, a ín
dia contou com a cooperação canadense como fundamental para a
explosão. O reator experimental CIRUS, que produziu o plutó
nio armazenado para a detonação, foi um dos primeiros reatores
exportados pelo Canadá, entrando em funcionamento em 1960, com
assistência técnica dos EUA. A explosão caiu como uma bomba
nos meios políticos e diplomáticos canadenses, tornando-o o
primeiro pais a propor revisões profundas no sistema de salv<a
guardas e levando-o a tomar decisões unilaterais cm tratados
já concluídos. Em virtude das pressões canadense-norte-anerica
nas, o TNP passou a considerar o processo de reprocessamento
(20) Kapur, ob.cit. p. 172: "... and India's 1974 test was apolitical demonstration to friends and enemies alike thatnuclearisation of the regional environment would occur ifexternal powers did not exercise restraint in tbeirtegic behaviour".
do combustível utilizado nos reatores com o fim de obter plutô
nio como instrumento bélico e portanto passível de sofrer res
trições comerciais. . \
O terceiro fator que sacudiu o regime de não-prolife
ração, foram os contratos de exportação de tecnologia nuclear
que, pela primeira vez, contemplavam*a possibilidade de trans_
ferência do ciclo completo de combustível, incluindo os proces_
sos de enriquecimento de urânio e o processo de reprocessamen
to deste, estabelecidos entre países industrializados e países
do Tefceiro-Mundo. 0 caso mais visível foi o acordo Brasil-A
lemanha, porém não o único. Na mesma época, a França assinou
um acordo com o Paquistão e outro com a Coréia do Sul, incluin
do a transferência de tecnologias sensíveis. Pêlo seu custo,
proporção e complexidade, o acordo com a Alemanha tornou o Brai
sil o maior alvo da ação antiproliferadora, até porque, dadas
as inúmeras pressões norte-americanas, a Coréia do Sul recuou
de suas pretensões e a França acabou modificando o acordo com
o Paquistão.
r" A participação do Irã no consórcio europeu liderado
pela França para a produção do urânio enriquecido — EURODIF
— e o ambicioso programa nuclear do Iraque, também em colaboi
ração com França — as instalações iraquianas sofreram um bom
bardeio israelense em junho de 1981 — contribuíram para drama
tizar ainda mais o novo quadro internacional.
Além dos três principais fatores apontados, outras
causas ainda vêm se somar, agravando o que ficou conhecido co
roo a crise do regime de não-proliferação. São elas:
1) «A decisão do Presidente Hixon de oferecer reatores nu
113
cleares para Israel e Egito em 1972, que, embora sob
salvaguardas, estavam sendo oferecidos a países local!
zados em uma zona mundial no mínimo turbulenta, alên de
ambos não serem signatários do TNP. No debate interno
dos EUA sobre proliferação esta medida foi. alvo de cri
ticas contundentes.
2) O medo de que grupos que lutam por autonomia regional
ou países em guerra civil, tivessem acesso a materiais
/ radioativos como o plutõnio, permitindo-lhes a fabrica
çao de bombas .nucleares para efeito de chantagem polítjL
ca.
3) A formação, já apontada, de grupos preocupados com o
meio-ambience nos países nuclearmente desenvolvidos,quss
tvtionando a pertinência desse tipo de fonte energética.
4) A consciência entre os experts em salvaguardar da preca
riedade de seu sistema operacional, especialmente a faJL
ta de homens e recursos da AIEA. Eles apontava» para a
{necessidade de se prevenir a disseminação Je equipamen
tos e tecnologias sensíveis pelo controle comercial des»
se material, impondo-se salvaguardas mais estritas e ri
''-' gidas.
5) A emergência de novos produtores de urânio enriquecido,
como os consórcios europeus URENCO e EURODIF e a URSS,
quebrando o monopólio norte-americano de 25 anos e, con
seqüentemente, sua capacidade de controlar o mercado e
a disseminação dos reatores de potência.
A reação canadense, que se seguiu ao anuncio da ex
plosão indiana, teve um impacto simbólico importante mas limi,
taâo dado o pequeno peso de seus reatores no mercado interna
cional. Muito mais importante e decisiva seria a reação nor
te-americana, que contava com a possibilidade de desestabili
zar o mercado. Estas reações serão exploradas aqui em dois n£
veis. Em primeiro lugar; as medidas gerais propostas visando
o. fortalecimento dos mecanismos de controle sobre o mercado in
ternacional, concebidas inicialmente no governo Ford e aprofun
dadas pelo governo Carter. Em segundo lugar,, examinaremos a
reação norte-americana no que toca especialmente ao acordo nu
clear Brasil-Alemanha, reação esta que inicialmente foi mais
poderosa na imprensa e no Congresso e, posteriormente, com Car
ter, atinge o auge pelas medidas do Executivo norte-americano.
Atitudes Norte-Americanas Face â Nao-Proliferacão
No princípio da década de setenta, sob o governo NjL
xon, iniciaram-se mudanças profundas na política nuclear nor
te-americana. A primeira medida de impacto executada foi a
tentativa de privatização das atividades de enriquecimento de
urânio, até então concentradas nas mãos da AEC, com suas três
usinas de enriquecimento, sendo a mais recente construída em
1956 (2O. Ò motivo alegado foi a iminência de saturamento da
capacidade destas usinas, que abasteciam não apenas as necessjL
(21) para todo o complexo problema do enriquecimento do urânio,uma boa fonte de informação e Edward Wonder, Nuclear Fueland American Foreign Policy, Hultilarization for UraniumEnrichment, Wettviev Press, Colorado, 1977.
115
dades internas norte-americanas mas os reatores LWR espalhados
pelo mundo. A exportação do urânio enriquecido era uma impor
tante componente da estratégia de venda de reatores pelas em
presas norte-americanas. Em julho de 1974 os EUA , ainda sob
o impacto do teste indiano, suspenderam o fornecimento do ora
nio enriquecido até segunda ordem, alegando que a sua demanda
comercial, já teria ultrapassado, de longe, a capacidade de pro
dução .das usinas. Além disso, a AEC tomou medidas retroativas,
colocando sob ressalva os contratos de enriquecimento já acer
tados para J15 reatores estrangeiros programados para entrarem
em atividade nos primeiros anos da década de 80, incluindo 2
no Brasil e 10 na Alemanha (22).
A possibilidade de privatização da produção de ura
nio enriquecido nos EUA está relacionada à privatização geral
do complexo nuclear advinda da Emenda de 1964 do Atomic Energy
Act, permitindo a propriedade privada de materiais nucleares es_
peciais, dado o caráter comercial da energia ruclear. O enri^
quecimento era a ultima atividade ainda em mãos inteiramente do
estado. Apôs duas décadas de dsencorajamento da criação de tt
(**) Wonder, ob.cit. p. 60: NThe inconsistencies of the Amer£can policy and the bureaucratic difficulties were bornTout in two episodes that had serious international repcj^cussions. Both of these, ironically, occurred while dis_cussions within the framework of the 1974 initiative verebeing held. Faced with a June 30, 1974, deadline forsigning contracts requiring delivery before June 30, 1983,foreign utilities made a last minute contracting rush.The unprepared AEC assigned forty-live contidional cot*tacts (these assumed plutonium recycle, stretching enrichment capacity) to foreign customers. Since the lTcensing decision permitting recycling might not be handedfdown for several years, the conditional contractsred rather speculative".
sinas de enriquecimento fora de suas fronteiras, os EUA deram
o primeiro passo no sentido de encorajar o enriquecimento na
Europa através do Tratado de Almelo em março de 1970. Em 1971,
paralelo ao esforço intenso de privatização, houve um primeiro
encontro multilateral em-Washington visando a troca de informa
ções técnicas sobre o enriquecimento entre europeus e norte-a
mericanos. Os europeus saem frustrados desse encontro pela
sistemática negativa norte-americana em fornece informações re
levantes, especialmente sobre o método de centrifugação (*»).
Esse fracasso estimulou ainda mais a independência européia,
encerrando as ainda existentes expectativas internacionalistas
e gerou um clima de quase confronto nos anos seguintes. Em
1973, novos termos de contratos restritivos foram anunciados pei
Ia AEC, angariando ainda maiores antipatias européias e 3apo
nesas, pois o objetivo era assegurar para os EUA os mercados
de urânio enriquecido da Europa e do Japão para a década de oi
tenta. A Alemanha, por exemplo, estimulou a sua maior empresa
fornecedora de energia nuclear a assinar um acordo de compra
de urânio enriquecido com a URSS e o Japão garantiu futuras
compras de urânio enriquecido da recém-criada EURODIF.
Foi somente em 1974, no contexto de um novo programa
energético norte-americano que visava reduzir a dependência ao
petróleo importado e estabelecer ligações mais sólidas com os
parceiros do Primeiro-Mundo, que Xissinger retomou as propojs
tas de multilaterização do enriquecimento, agora com a EURATOM
(*•) 0 método de centrifugação era um dos três métodos jcidos de enriquecimento e o utilizado comercialmente nalTusinas norte-americanas.
e a EURODIF em pleno crescimento (**)• O fracasso da proposta
de privatização, após a. formação de dois grandes consórcios in
ternos que não chegaram a deslanchar ficou evidente e, em ouiu
bro de 1976, os EUA desistiram oficialmente de estimula-Ia. '
A outra grande.iniciativa norte-americana, que terá
efeitos mais concretos, foi a formação de um fórum de vendedo
res de equipamentos nucleares, conhecido como o "London Suj>
plierr Group", organizado em fins de 1974. - O grupo original
contou com a presença da URSS, França, Alemanha Ocidental, Ca
nada,. Inglaterra, Japão e EUA.- Este grupo expandiu-se poste
riormente, agregando mais países exportadores de equipamentos
nucleares, a Leste e a Oeste, com a intenção de se criar ua»
guideline que ordenasse o competitivo mercado internacional.Se
gundo Ebinger:
"The formation of the London Suppliers Croup added a complicating element to the international poTX^tics of nuclear supply. Because the London SuppliersCroup remained outside the IAEA system and %ta nego^tiations tt?e kept secret, it became suspect in theeyes of Third World states who interpreted it an ano_ther attempt by the development world to perpetuate'its economic and technological dominance." (**)
,. A cooperação e internacionalização então em curso nosi.'
anos se tenta levou os EUA a, através deste f or ura, t e n t a r contro
lar uma situação internacional tão zelosamente guardada desde o põs-
(2%) Wonder, ob.cit . p. 42: "The oil embargo pol i t ic izes intejrnational energy cooperation, placing i t at the top of thepolicy-making agenda".
(2 S) Charles K. Ebinger, International Politics off Huclear 1nergy. The Washington Papers, p. 53.
-guerra. Em 1978, o primeiro guia de regras comuns aos países
exportadores viria à luz, fruto de três anos de discussões no
fórum de Londres.
Com Jimmy Carter estas medidas são aprofundadas. Des
de sua campanha como candidato à eleição presidencial. Carter
adotava uma perspectiva reformistas para a política externa
norte-americana, abordando especialmente a questão da não-pro
liferação nuclear. No âmbito da imprensa e do Congresso nor
te-araericanos, a repercussão de episódios como o acordo nuclear
Brasil-Aleraanha, era bem maior do que no Executivo, que tratou
de minimizá-lo. Carter propunha uma revisão completa do regi
me mundial da não-proliferação e da legislação norte-americana,
que continuava indefinida.* * •
Em maio de 76, em um discurso na sede da ONU em Nova
Yorque, falando como candidato democrata à presidência na con
ferência sobre "Energia Nuclear e Ordem Mundial", Carter delJL
neou as principais linhas que viria a adotar na Presidência
(2 6): "I have a deep personal concern with nuclear energy and
world order. I had training as a nuclear engineer, working in
the United States Navy on our country's early nuclear submari,
ne,program. I learned how nuclear power can be used for pea
ceful purposes — for propelling ships, for generating electric
power-and for scientific and medical research. I am acutely
aware of its potential — and it's dangers".
Depois dessas credenciais, Carter faz um balanço das
(**) Discurso reproduzido no Bulletin of the Atomic Scientists,October 1976, sob o título "Three steps towards nuclearresponsabi.lities", PP« 8/4
reservas mundiais de energia e apela para uma tomada de corns
ciência mundial contra os riscos do desenvolvimento da energia
nuclear que "... gives any country possessing a reprocessing
plant a nuclear weapons option. Furthermore, with the maturing
of nuclear power in the advanced countries, intense conpetition
has developed in the sale of power reactor, which has also in
eluded the sale of the most highly sensitive technologies, in
eluding reprocessing plants" (27).
O crescimento de uma poderosa e complexa indústria
nuclear, levou Carter a propor ainda neste discurso uma conf£
rência internacional sob os auspícios das Nações Unidas, com o
objetivo de fazer um grande balanço dos recursos energéticos
mundiais e um planejamento mais racional para o futuro. A ener
gia era assim entendida como um dos grandes temas internado
nais do fim do século XX, que requeria uma cooperação interna
cional mais ampla e menos conflituosa (2$). Em seu discurso
propõe ainda uma moratória nos negócios de exportação de reato
res comerciais até se conseguir um consenso maior quanto aos
problemas de segurança envolvidos nos equipamentos nucleares.
Assumindo seu mandato em uma situação de indefinição
da política cnergéticr norte-americana e especialmente sua po
lítica nuclear — as polêmicas sobre o urânio enriquecido e as
tecnologias sensíveis — Carter começou a implementar seu plé»
(>7) Carter, art.cit. p. 9.
(2*) Carter, art.cit. p. IA: "We want to cooperate ~ not simply debate. A point program — weather on nuclear energyor other global problems — is infinitely preferable tosustained and destructive polemics".
no anunciado em campanha, levando um observador a comparar seu
primeiro discurso'depois de eleito sobre energia de abril de
1977 ao discurso de Eisenhower em 1953 sobre os "Átomos para a
paz", pela sua grande abrangência e mudança de rota na poli ti
ca dos EüA (23). . .
O ano de 1977 foi marcado por intensas gestões diplo
mãticas, envolvendo uma ofensiva contra os governos da Alemã
nha e do Brasil no sentido de reverter o "acordo, do século",es
pecialmente no tocante â transferência das tecnologias sensí
veis. As pressões sobre a Alemanha, refletiram-se até em uma
guerra particular entre a imprensa dos dois países, na qual fo
ram feitas até mesmo acusações de ressurgimento do perigo na
zista e respondiam sem dúvida à nova força comercial competi
tiva exibida pelas robustas empresas alemãs. Mas acusações inú
tuas, a guerra comercial também ficou explícita, como por exem
pio no ataque alemão ao uso pelas empresas norte-americanas do
poderoso mecanismo financeiro do EXIMBAKK para vencer as con
corrências internacionais.
; As pressões dos EUA ocorreram em duas frentes princi
pais. A primeira, diplomática, que se iniciou com a viagem do
vice-presidente Mondale a Alemanha, logo apôs sua posse, para
tratar de uma extensa agenda bilateral, onde aparecia em prjL
meiro plano ò acordo nuclear (*«). Ainda na gestão Ford, quan
(2>) Go 1 d s chiai d t and Kratzer, ob.cit. p. 19: "Two major speechesby American presidents twenty-three years apart have uarked this history: the Eisenhower Atoms for Peace declaraition of December 1953 and the April 1977 Carter pronouiicement".
(»•) Folha de São Paulo, 25/1/77, e Jornal do Brasil, 26/1/77,
121
do as principais vozes anti-acordo encontravam-se no. Congresso,
o próprio Ministro das Relações Exteriores alemão, Gensher, so
freu uma sabatina na Comissão de Relações Exteriores do Senado
dos EUA (3i). As gestões diplomáticas prosseguiram com a ida
de funcionários graduados a Alemanha para discutir detalhes
técnicos da questão e especialmente a viagem de Warren Chris to
phen, o subsecretário do Departamento de Estado, cora o intuito
declarado de dissuadir:o governo alemão a interromper o nego
cio com o Brasil.
O outro locus de luta contra a exportação da tecnolo
gia sensível foi o "London Suppliers Group". Reunido inici
almente como um grupo secreto, a partir de 1977 passou a atuar
mais publicamente, como um verdadeiro fórum de acertos das dis
sensões entre os países exportadores. As suspeitas com que es_
tas ações foram encaradas pelos países não nucleares aumentou
em vista das propostas de setores norte-americanos de se criar
um cartel de exportadores nucleares, uma clara política de djL
visão de mercado entre as principais nações industrializadas,
como meio de diminuir a competição proliferadora e resguardar
seus interesses. Alguns analistas apontam que foi nas discus
soes do London Group, em 1977 que a França e a Alemanha passa
ram a aceitarem as medidas contra a venda de tecnologias
sensíveis para os países do Sul, rendendo-se, afinal, as pre£
soes norte-americanas (í2).
A França, por exemplo, sempre zeloza de sua indepen
(»J) Estado de São Paulo. 19/6/75.
O 2 ) For exemplo, Ebinger» ob.cit. p. 73.
dência e autonomia nacional vis-a-vis os EUA, certamente foi
convencida, no âmbito do encontro de Londres, da necessidade
de se engajar em novas medidas antiproliferaçao. Muito embora
seus. dois principais negócios envolvendo -tecnologias sensíveis,
com a Coréia do Sul e o Paquistão, não tivessem a mesma reper
cussâo internacional que o acordo teuto-brasileiro, as pressões
contra as exportações francesas foram também muito intensas.
O primeiro negócio desfeito, com a Coréia do Sul, contou com a
aquiescência desta, rendida à argumentação norte-americana- o
segundo e maior negocio, com o Paquistão foi revertido por des
cisão unilateral francesa, alegando mudanças políticas inter
nas nesta nação que tornavam o negócio muito inseguro. Quanto
â decisão alemã de não mais exportar tecnologias sensíveis, to
mada em junho.de 1977, motivada pelas pressões norte-america
nas e aquiescência européia, não teve caráter retroativo, dei_
xando intocado o acordo assinado com o Brasil (33).
— ' i
Das ações prometidas por Carter em campanha, uma das
primeiras a ser tomada foi a formação de um novo fórum de ava
liação da energia nuclear, o "International Nuclear Fuel Cycle
Evaluation" (INFCE), a partir de outubro óe 1977, coro duração
prevista até fevereiro de 1980. Reunindo mais de SOO experts
de 46 países, objetivava estudar detalhadamente os aspectos
técnicos, econômicos e institucionais do desenvolvimento da c
nergia nuclear no mundo, com o objetivo de reconciliar a neces^
sidade da energia nuclear e o impedimento de armas ato
('*) Pierre Lellouche, "Breaking the rules without quite *toj>ping the bomb: European views" in International Organirj^tion 31, 1, Winter 1981, pp. 39/58.
123
Micas (an). O segundo objetivo principal da reunião — que se
propunha a ser mais ampla e representativa do que o semi-secre
to London Group — foi de avaliar a chamada "economia do plu
tônio". Desde o governo Ford que os EUA. jã haviam paralisado
suas pesquisas sobre o plutônio e os reatores conhecidos como
os fast-breeder, entrando em serio choque com os países euro
peus que consideravam esta geração mais moderna de reatores
fundamental para sua política energética. A França, por exem
pio, que ê até hoje o pais mais avançado neste tipo de tecnolo
giaf recusou-se terminantemente a interromper suas pesquisas.
O que se encontrava embutida na proposta feita por Carter, de
colocar o plutônio em discussão no fórum internacional, era
sua intenção de criar um consenso técnico internacional contra
o seu uso ('*)•
A outra decisão fundamental da primeira fase do go
verno Carter foi o "Nuclear Nonproliferation Act (NNPA7* do Con
gresso, de março de 1978, um conjunto de decisões com o objeti^
vo de colocar rígidos entraves â exportação norte-americana de
material'nuclear, especialmente impedindo a difusão das tecno
logias sensíveis. Esta legislação que era, nas palavras de um
autor europeu (*O , uma tentativa de legislar para o mundo, rei .
fletiu as atitudes do Congresso como o mais ardente defensor
de uma estratégia antiproliferação, tornando lei várias das
('*) Pierre Lellouche, "International Nuclear Politic*" in Fç>reign Affairs vol. 58 n9 2, Winter 1979/80, pp. 336/350.
(»*) Lcllouchc, art.cit. p. 337.
(»*) Lellouche, art.cit. p. 345.
propostas de "full scope safeguards" no objetivo de reassumir
para os EDA a liderança indisputada do ciclo de energia nuclear.
Brasil-EUA Sob o Governo.Ford
Voltando às relações nucleares entre o Brasil e os
EUA apôs esta contextual!zação histórica das transformações da
década de setenta, destaca-se era primeiro plano o grande marco
no que se refere â. questão nuclear no Brasil — e porque não
dizer, um dos grandes fatos na conjuntura da política 'nuclear*
internacional — ponto de ruptura da política nuclear brasilei^
ra: o famoso acordo nuclear Brasil-Alemanha de junho de 1975
(3S). Não farei aqui uma descrição minuciosa do acordo, levari
do em conta todos os seus aspectos sõcio-econômicosf políticos
e estratégicos.
Tendo passado hoje tempo suficiente para uma avali£
ção mais cuidadosa das reais dimensões do acordo, consensual
mente, considerado como superdimensionado e excessivamente con
creto para as possibilidades e necessidades imediatas do país
(3?)t podemos tentar uma explicação coerente, levando em consi/ • . ' . " • " " "
deração as interpretações mais abalizadas (especialmente dos
(37) A íntegra do acordo acha-se no "0 Programa Nuclear Brasileiro", Diário do Congresso Nacional Seção II ní 9, 12*7/3/1977.
(»•) Lourcnço Dantas Mota (coord.) "Entrevista com Marcelo Damy", Estado de Soo Paulo, 2/9/1979 e José Colderaberg, "DejTvenda-se o Mistério do Acordo Nuclear", Estado de Sao Pai»Io, 22/4/1979.
125
físicos). O autoritarismo e o fechamento do circulo de deci
soes, que excluía os físicos mais importantes do pais, incluía
os burocratas do Itamarati e das agências especializadas (CNEN
e Ministério das Minas e Energia) assessorados por cientistas
menos expressivos ê ura dos argumentos críticos constantemente
levantados. Norman Gall (»»), por exemplo, faz uma interessan
te correlação entre regimes autoritários nos países do Tercei
ro Mundo como sendo aqueles onde se desenvolveram os maiores
planos e/ou implementações de programas nucleares complexos.
Esta crítica tem que ser ponderada, porém, cora o argumento de
que, dada a magnitude dos problemas técnicos e financeiros er»
volvidos, a maioria das decisões envolvendo política nuclear
padece do mesmo mal, inclusive nos países de instituições demo
crãticas. As pressões de setores organizados acontecem sempre
como uma reação às medidas tomadas pelos governos* era círculos
fechados. Pode-se constatar isto no enorme número de projes
tos iniciados e posteriormente abandonados por pressão publica
em diversos estados norte-americanos e países europeus.
; Um outro fator considerado como decisivo para a injl
ciativa brasileira, e certamente o de maior impacto imediato,
foi a crise do petróleo, que colocou a nu a vulnerabilidade da
economia brasileira. Os grandes projetos de criação de infra-
-estrutura e substituição de importações de bens de capital
que foram a tônica do governo Gelsei, com a intenção de se com
pletar a construção de uma moderna economia industrial para o
('») "0 que dará ao Brasil o acordo nuclear". Estado de SaoPaulo. 13/6/1976.
Brasil, foram percebidos como inviáveis diante da verdadeira re
viravolta representada pela decisão árabe. Isto explica, em
grande parte, a rapidez das decisões.
Um outro argumento muito levantado por alguns auto
res (•»») diz respeito ao aspecto estratégico-militar e geopolí
tico que o domínio nuclear traria para o pais, possibilitando a
construção de bombas nucleares. As explicações remetera-se ao
caráter militar do regime; a competição armamentista com a Ar
gentina; â consciência do status mundial associado com a posse
da bomba; â recusa de se assinar o TNP; â insistência de se do
minar o ciclo completo de produção do átomo, incluindo o plutô
nio; ao desenvolvimento da indústria nacional de armamentos con
vencionais e, mais recentemente, às noticias sobre o programa
nuclear paralelo, desenvolvido principalmente era instituições
ligadas às Forças Armadas. As evidências recentes (*i) são
mais fortes do que os sistemáticos desmentidos do governo,mas,
como já está suficientemente demonstrado (**), se a intenção
brasileira fosse predominantemente militar, o meio escolhido
para isto seria absolutamente incompreensível. Soluções taais
simples e baratas, inclusive evitando as salvaguardas interna
cionais, seriam mais lógicas.
Não se trata, de maneira alguma, de não levar em con
(H0) Pinguelli, art.cit. c Courtney, art.cit.
(•»!) Folha de São Paulo, 28/4/85, "Brasil devera ter tuameíra bomba atômica cm 1990".
(*•*) Jorge SHbato, "El plan nuclear brasileno y Ia bomba ^ca". Estúdio» Internationales n9 41, jan/raar.1978, ppT74/82. I
sideração a validade deste argumento, principalmente tendo em
vista a incontestável imagem do "Brasil potência" do período. A
sistemática recusa em assinar o TNP, além da motivação critica
da diplomacia brasileira anticongelamento do poder mundial,sem
dúvida deixava aberta ao-país a porta "da proliferação. Princl
palmente depois do anúncio argentino de domínio do ciclo com
pleto do átomo em fins de 1983, a possibilidade de o estamento
militar brasileiro lançar-se â produção de armamento nuclear ê
uma hipótese viável, embora,para efeito interpretativo, nâo ha
ver ainda provas conclusivas a respeito.
Uma sucinta descrição dos episódios mais importantes
pré-acordo podem esclarecer, entre esta série de motivos apon
tados,. os mais importantes passos dados. Após a decisão da
CNEN de se construir ura reator utilizando urânio enriquecido,
vencida a concorrência pela Wéstinghouse, a confusa conjuntura
que envolveu a política nuclear norte-americana, especialmen
te em relação ao combustível — urânio enriquecido — conveii
ceu a alta cúpula da CNEN, Furnas e dos envolvidos no planejaT-
mento;energético nacional de que se deveria partir para os no
vos contratos dos reatores planejados quando da concorrência
de Angra I, buscando a transferência da tecnologia que permii —
tisse ao país enriquecer urânio, para não trocar a dependência
do petróleo pela do urânio enriquecido f*')» A Wéstinghouse, a
primeira contactada para novos negócios manifestou interesse
(H3) "o Programa Nuclear Brasileiro", Diário do Congresso N&cional p. 281: "A fim de evitar o que ocorrera com o p£trõleo, era imperativo que, no caso da energia nuclear, asolução fosse suscetível de dar ao país, ao nedio prazo,a indispensável autonomia".
nas foi imediatamente demovida pelo governo norte-americano,em
nome das transformações por que passava sua política nuclear.
A França, contactada em seguida, recusou-se também, alegando
motivos técnicos.e políticos pois seu consórcio EURODIF apenas
• se firmava.
. A próxima negociação, com'a Alemanha, teve outro des
fecho. Desde 1968, com a visita do então Chanceler Willy Brandt
ao Brasil e como conseqüência de uma oferta sua, a Alemanha e
o Brasil assinaram um tratado de cooperação técnica e científi
ca no campo nuclear, o que levou especialistas brasileiros a
estudarem no mais importante centro de pesquisas alemães em e
nergia nuclear entre os oito. existentes, o de Juelich, em Colo
nia (%*). Quando se iniciaram as conversações, era 1974, sobre
a possibilidade de uma grande cooperação bilateral, ja havia
11 cientistas e técnicos brasileiros na Alemanha. O principal
negociador brasileiro, o diplomata Paulo Nogueira Batista, d es
locado para Bonn para prosseguir nas negociações, tornou-ce u
ma peça-chave do acordo, como atesta sua nomeação para a presi
dência da Nuclebrãs. As negociações acançaram em 74 e 75, até
se desenhar o primeiro esboço do acordo que atingiu, aparente
mente as necessidades brasileiras, e igualmente os objetivos a
lemães. O programa nuclear alemão encontrava-se com uma série
de pontos de estrangulamento, necessitando urgentemente de no
vas encomendas exteriores para não entrar em colapso.
Marcelo Damy (**), por exemplo, desenvolveu seu ra
<**> Estado de são Paulo. 28/6/75.
O») Entrevista cit. ao Estado de Sao Paulo. 2/9/1979.
129
ciocínio neste sentido ao afirmar que, através do acordo, to
programa nuclear brasileiro tornou-se apenas um apêndice dot
programa nuclear alemão. E mais ainda, que todo o acordo te
ria sido imaginado e desenvolvido pelos cientistas alemães ten
do em vista suas necessidades e só pode ser aceito pela incore
petência ou má-fé dos negociadores brasileiros.
Para a KNU o negócio foi excelente. Em um mercado
extremamente competitivo, tendendo à depressão, cercado de re
ceios, criticas e ameaças de paralisação, a empresa assegurou
a encomenda de oito. reatores, o que era uma garantia de estaLi
lidade financeira e emprego aos trabalhadores alemães. A trans
ferência tecnológica embutida no processo, só se daria com a
exportação completa dos oito reatores, quantidade mínima que
capacitaria o país a dominar o "know-how" de se construir com
plexas usinas e montar um sofisticado parque industrial. A e
xigência brasileira de não mais importar reatores "turn-key"
ou caixa-preta, seria satisfeita por este longo processo de
transferência tecnológica e formação de mão-de-obra especial^
zada.
A necessidade alemã, de urânio natural foi resolvida
no acordo através da formação de uma empresa conjunta para ai .'
prospecção de urânio no Brasil — a Nuclan (%*) — onde rezava
o contrato que 70% de todo o urânio encontrado no país seria
obrigatoriamente exportado para a Alemanha. As reservas conhe
cidas de urânio no país não eram grandes, mas havia grandes cs_
peranças de que rapidamente se iria descobrir grandes reservas
(") Bia»i, ob.cit. p. 88.
e ufanistamente comentava-se a eventualidade do Brasil fazer
parte da nova OPEP do final do século XX — a dos produtores
de urânio.
As duas usinas tecnicamente necessárias para o dona
nio do ciclo completo de produção e güe se tornaram o nõ gôr
dio da discórdia com os EUA, foram as usinas de enriquecimento
de urânio e de reprocessamento do combustível utilizado. B
nestas também as vantagens alemães eram evidentes. Em primei^
ro lugar, a tecnologia de enriquecimento de urânio contemplada
no acordo, a do "jet-nozzle", era ainda experimental na Alemã
nha e teria a primeira aplicação comercial no Brasil. O meto
do,• desenvolvido pelo professor Becker, era antigo e experiment
talmente correto, demandando proém ura imenso consumo de ener
gia. O acordo possibilitaria, então, a comercialização do pro
cesso,, sõ possível em um país de abundante e barata energia hi.
droelétrica como o Brasil. A segunda e mais "perigosa" trans
ferência das tecnologias sensitivas seria a* de uma usina de re
processamento capaz de gerar plutônio. Essa usina seria uma
usina-piíoto, nâo comercial, que capacitasse o país a con£
truir futuramente, quando completasse a construção de um nünus
ro de reatores que o requeresse, uma usina comercial de reproi
cessamento.
Alinhavados estes pontos controversos do acordo —
enriquecimento e reprocessamento de urânio —- veremos quais fo
ram as principais reações do princxpal e tradicional parceiro
nacional, os EUA. Desde maio de 1975, antes mesmo da pomposa
assinatura oficial do acordo, o assunto veio a publico, despe£
tando iradas reações de dois dos principais segmentos da vida
131
publica norte-americana: a imprensa e o Congresso. Na impren
sa, capitaneada pelos dois principais jornais nacionais* New
York Times e Washington Post, abundaram reportagens e edito'
riais contra o acordo, enfocando o aspecto da nio-proliferação
e da ameaça de se ter uma nova India no continente americano
(*7). No Congresso, principalmente no Senado, ouviram-se as
vozes de vãrios senadores, republicanos e democratas, chegando
até ao nível de ameaças de sanções econômicas ao j._isil e Ale
manha. Senadores como John Pastore e sua conhecida frase: "Se
esse acordo for assinado dessa forma, farã da doutrina Monroe
«ma palhaçada" (*•); Abraham Ribicoff, partidário da carteliza
ção dos países produtores de equipamentos nucleares; John Glenn
e,. mais importante de todos, o futuro vice-presidente Walter
Hondale, acusaram o acordo até de solapar o sistema norte-ame
ricano de defesa.
Nesta etapa, entretanto, a atitude do Executivo repu_
blicano norte-americano foi de, após um primeiro momento de a
preensoes, aceitar o acordo como um fato consumado, insistin
do apenas na questão do cumprimento das salvaguardas. A prin
cipal figura da administração republicana, Kissinger, havia hã
pouco firmado um memorando de entendimentos com o chanceler
Azeredo da Silveira, tratando o Brasil com um status diplomat^
C*7) 0 New York Times publicou editoriais sobre o acordo eo9, 13, 24 e 29 de junho de 1975. Conforme New York Tíwes,7/7/1975.
<*f0 Jornal do Brasil, 8/6/75 e Margarette K. Luddeman, Kuclear Technology from West Germany: A case of Disharmonyin US-Brazilian Relations, Georgetown University, 1978,—TI
co especial de nação, líder da América Latina. O Departamento
de Estado publicamente se diz satisfeito com as garantias e
salvaguardas contidas .no acordo como elementos antiprolifera
ção suficientes. A prova mais concreta desta aceitação neste
momento é a concordância, junto com a URSS e os outros - países
membros da AIEA, do sistema tripartite de salvaguardas assina
das pelo Brasil, a Alemanha e a. agência de Viena, em fevereiro
de 1976. Este sistema de salvaguardas chegou a ser considera
do um modelo para futuros acordos e o mais avançado até então
existente. •
A avaliação da imprensa, cientistas, políticos e di_
plomatas brasileiros e alemães, foi de que por- trás da violén :
ta reação do Congresso e da imprensa norte-americana, escondi
am-se os interesses comerciais de suas empresas lesados pela
concorrência alemã C 1 9 ) . Este será um argumento que retomara
sua força posteriormente, na nova investida do governo do EUA
como um todo, a partir de janeiro de 1977. Estas acusações fo
ram reforçadas por um episódio que tornou-se motivo de ácidos co
mentãrios: a oferta de uma grande empresa norte-americana —
a Betchel Corporation — de vender para o Brasil a tecnologia
sensível proibida pelo seu governo (50). A oferta da Betchel
visava convencer o governo brasileiro a não fechar negócios
com a Alemanha antes de saber todas as condições oferecidas pe
(*') Norman Gall» "Xtomos para o Brasil" in Gctulio Carvalho(coord.) As Multinacionais: Os Limites da Soberania, FCVRJ, 1980.
Este episódio encontra-se bem explicado em Edward Wonderf"Nuclear Commerce and Nuclear Proliferation: Germany andBrasil, 1975" in Orbis, Summer 1977.
133
Io concorrente norte-americano. 0 episódio foi contornado por
uma segunda comunicação da empresa ao governo brasileiro, seraa
nas após a primeira, tornando sem efeito a oferta, por determi-
nação superior. A história foi explicada, como sendo um excesso
de um executivo mais afoito, que teria interpretado mal a ain
da confusa política de privatização do enriquecimento. Seja
como for, o episódio da Betchel muniu de mais argumentos ague
les que viram na reação da imprensa e do Congresso dos EUA
principalmente uma represália comercial .ou, no máximo, uma me£
cia de motivos ideológicos e comerciais, de qualquer forma nun
ca uma motivação meramente altruísta. Já do lado alemão, além
da imprensa, as empresas alemãs contavam com um poderoso dos
fensor de seus interesses — a diplomacia alemã — que agiu o
tempo todo como intransigente defensora de seus negócios.
O Governo Carter e o Brasil' . •
. Com a chegada de Carter ao poder, em janeiro de 77,
deu-se inicio imediatamente a um processo de reavaliação do a
cordo nuclear Brasil-Alemanha dentro da lógica de não-prolife
ração como um dos pilares de sua política externa. Como vimos,
desde sua campanha eleitoral, a proposta reformista de Carter
para a política externa norte-americana, partiu do principio
de revisão global da estratégia nuclear ác seu pais c centrou-
~se inicialmente nos riscos de proliferação para os países do
Sul. Embora as pressões anti-acordo continuassem a ser perce
bidas e denunciadas por parcelas ponderáveis da sociedade, tan
to no Brasil quanto na Alemanha, como uma estratégia comercial,
hã elementos que fazem contrabalançar estes argumentos. Não se
trata aqui de fazer um balanço do governo Carter ou da "since
ridade" de seus propósitos reformistas; hã, hoje em dia, aya
liações de seu governo, para todos os gostos e opiniões (S1).
Gostaria de frisar que sua política antiproliferaçao, incoereii
te e desigual, mal-formulada e mal-implantada, era uma poli ti
ca — uma policy — que transcendia os aspectos comerciais
da questão, apesar da evidente presença desses espectros. Os
melhores argumentos para sustentar esta interpretação são a o
posição da própria industria nuclear norte-americana à pollti
ca de Carter agravada pela rigidez do "Nuclear Non Prolifera
tion Act". Podemos afirmar com certeza que a segunda metade
do governo Carter assitiu a um nítido refluxo desta política
reformista, a nível de discurso e de praticas, e uma acomoda
ção as grandes linhas tradicionais da política externa dos BOA.
Analistas europeus e norte-americanos não comprometi
dos com a política de Carter, tendem a enfatizar o aspecto de
tentativa de retomada da hegemonia recém-perdida do mercado in
ternacional de reatores de potência, através da sua retórica
antiproliferaçao (S2). Eles apontam, apoiados em solida eyi
dência histórica, que o regime de não-proliferação, considera
do ultrapassado pelos democratas, não foi visto assim
(si) Veja-se Stanley Hoffman, "The Hell of Good Intentions" inForeign Policy n9 29, Winter 1977/78, pp. 3/26.
(52) Lellouchc, arts.cits, e Karl Kaiser, "The Great NuclearDebate: Cernian-American Disagreements" in Foreign Policyn9 30, Spring 1978.
enquanto a supremacia norte-americana era inconteste. As trans
formações requeridas pelos democratas eram ao mesmo tempo con
tra os paxses emergentes e contra os europeus recém-chegados
ao jogo. Isto explica, por exemplo, o porque de governos con
servadores europeus se tornarem retoricamente defensores da au
tonomia tecnológica do Terceiro-Mundo. Razões polxtico-estraté
gicas e comerciais mesclaram-se de um e de outro lado do Atlân
tico.
A viagem do ex-senador Walter Mondale, opositor fer
renho e notõrido do acordo, agora vice-presidente, à Alemanha
poucos dias após a sua posse é o primeiro gesto nítido de pres
são do novo governo a favor da revisão do acordo que, diga-se
de passagem, encontrava-se ainda em fase de implantação, por
tanto passível de modificações no tocante às tecnologias sensí
veis — enriquecimento e reprocessamento. Na Alemanha, que
reaparecia como peça-chave no cenário europeu, vozes oficiais
e oficiosas recorreram a uma expressão popular ("vertragsten"),
algo como "cumpridor de compromissos", para reagir às pressões
dos EUA e assegurar o caráter irrevogável de seus compromissos
comerciais (53).
Do lado brasileiro, o Itaraarati aguardou com apreen
são a viagem de Mondale â Alemanha pois sentiu-se ultrapassado
por não ter sido comunicado do teor das conversações, que envoi
Viam um assunto tão importante para o país (**). O espírito
(sí) Folha de São Paulo, 25/1/1967 e Jornal do Brasil, 26/1//1977.
(*••) Jornal do Brasil, 26/1/1977 e Folha de São Paulo. 27/1//1977.
do memorando de entendimentos pregava a consulta em tal situa
ção. Iniciaram-se aí seis meses de Intensas pressões norte-a
meriçanas sobre o Brasil e uma vigorosa oposição brasileira
— que chegou a incluir a oposição política e os cientistas
contrários ao acordo — calcada na soberania.e autodeterminação,
período considerado como o mais problemático entre os dois pai
ses na história recente. Agravada pelas denúncias sobre a vio
lação dos direitos humanos no Brasil, que passaram a fazer par
te do discurso do governo. Carter, a polêmica nuclear gerou res
sentimentos e conflitos abertos entre os dois países (**).
No início de janeiro, antes da visita de Mondale a
Bonn, o futuro principal assessor do Secretário de Estado Çj£
rus Vance, para questões nucleares, Joseph Nye, Jr., propôs que
ò Brasil abandonasse o desejo de possuir uma usina de enrique
cimento de urânio em troca do compromisso norte-americano de
abastecer os reatores brasileiros (**). Esta oferta foi rece
bida com ceticismo pelo Itamarati, setores oficiais, parlaroen
tares de oposição e cientistas renomados, que defenderam esto
aspecto do acordo contra a ingerência dos EUA. Durante os me
ses de maior virulência nas relações, apareceu nitidamente a
formação de um consensointerno prõ-acordo, em nome da sobera
nia nacional. A. situação chegou a um ponto emocional tal «a
(ss) Uma excelente abordagem das disputas brasileiro-norte-am£ricana* sobre o problema nuclear encontra-se no capxtulcTI da tese de Doutoramento de Maria Regina Soares de Lima,intitulado: "The Nuclear Agreement: 'Breaking the RulesWithout Quite Getting the Bomb", Vanderbilt University,Nashville, 1985 (mimeo).
<**) Jornal do Brasil, 25/1/1977.
13?
que se refere criticamente Ennio Candotti (S7) , que identifi
cou-se os críticos do acordo como partidários da interferência
norte-americana nos destinos pátrios. Esta proposta de Nye,
embora oficialmente desmentida pelo Departamento de Estado, na
verdade esteve sempre presente como elemento de barganha nas
negociações que se seguiram, nas quais o próprio Nye, confirma
do no cargo, foi um dos elementos de destaque.
As negociações diplomáticas entre o Brasil e os EUA,
se seguiram com o envio de uma carta de Vance a Azeredo da SiX
veira. Ministro das Relações Exteriores, através do. embaixador
Grinmins, assegurando a validade do mecanismo de consulta bila
•teral e propondo um futuro encontro para resolver as questões
nucleares pendentes. A resposta do Itamarati a Vance, alguns
dias depois, ocorreu em um clima carregado, devido â primeira
entrevista coletiva do Secretário Vance, três dias depois da
carta entregue a Azeredo da Silveira. Nesta entrevista, Vance
propunha um congelamento do acordo até que se desenvolvessem ne
gociações, proposta recebida com muito mal-estar pelo Itamara
ti, gerando um clima de comoção ainda maior nos meios oficiais
brasileiro. O não brasileiro a esta proposta recebeu unânime
apoio interno. O teor da resposta oficial brasileira a Vance,
alguns dias depois, reafirmou claramente a posição do governo
' quanto à intocabilidade do acordo e convida o Secretário de Es
tado a vir a Brasília, pois o memorando de entendimento ainda
estava de pé. O convite foi aceito por Vance, que enviou a
Brasília a 19 de março uma pequena delegação de oito pessoas,
(*»> Jornal do Brasil, 28/1/1977.
chefiadas por Warren Christopher, Secretario-Adjunto do Depar
tamento de Estado (se). Christopher já havia, durante o mês
de fevereiro, iniciado negociações com a Alemanha, recebendo
Peter Hernes do Ministério de Pesquisa e Tecnologia alemão, em
Washington, aparentemente negociando de uma maneira dura. A
vinda de Christopher a Brasilia, precedida de muita expectatjl
va pelo Itamarati, que se cercou de competentes e hábeis diplo
matas e experts para a negociação, deu-se em um.clima muito
ruim. O encontro durou mais de quatro horas e terminou com po
sições irredutíveis dos dois lados (SÍ). Nenhuma declaração ã
imprensa foi formulada apôs a reunião, oficialmente apresenta .
da como uma conversa franca para tomar posição, mais do que u
ma negociação propriamente dita.
O comunicado conjunto do dia seguinte foi extremamen
te S3CO e apontou apenas para a possibilidade de futuras nego
ciações. Do Brasil, Christopher e sua comitiva seguiram para
Bonn, onde se centralizaram efetivamente as negociações a par
tir de.então. • Os posteriores encontros com Gensher, Ministro
alemão das Relações Exteriores nos EUA, com Vance na Alemanha
e o encontro de cúpula em Londres entre Carter e Schmidt em
maio de 1977, parecem indicar que, apôs a fracassada visita de
Christopher ao Brasil e o clima de comoção nacional então cria
do, as negociações ficaram todas concentradas entre os dois
parceiros mais iguais — EUA e Alemanha — que, além disso, ti
nham outras diferenças comerciais a acertar. Mesmo assim,'
(»•) Estado de Sao Paulo, 1/3/1977.
(*») Estado de Sao Paulo. 2/3/1977.
desapareceram as opiniões, publicamente expressas por represei»
tantes do governo norte-americano, no sentido de não aceitar
as usinas em questão, insatisfeitos com as salvaguardas e com
a sistemática recusa do Brasil em aderir ao TNP.
Nesses meses em que as negociações pareciam distar»
tes do Brasil, desenvolveu-se uma discussão interna sobre a
viabilidade do país vir a construir sozinho as usinas nuclei*
res, no caso de uma reviravolta no acordo. Pela primeira ve&
desde o início do processo de negociação,: velhas polêmicas fo
ram reabertas, envolvendo a participação de figuras de proa da
física nuclear brasileira. ' A hipótese, levantada pelo chance
ler Azeredo da Silveira, da possível autonomia brasileira, ti
nha a intenção de demonstrar o amadurecimento político e tecno
lógico nacional e seu status de nação responsável. Disto apro
veitaram-se diversos cientistas para manifestar-se mais livre
mente sobre a opção do tipo de reator encomendado â Alemanha c
a autonomia tecnológica. Este teor de criticas se aprofundou
no ano seguinte, quando se começou a divulgar as primeiras in
formações sobre corrupção, atraso e erros de projetos nas o
bras recém iniciadas. Tornaram-se patentes,então, as falhas
quanto â formação de pessoal especializado e o pouco aprovei^
tamento dos cientistas nacionais, crítica unânime e constante
entre' os principais físicos nacionais.
Em abril.de 1977, sob o aplauso dos quatro partidos
alemães representados no Bundestag, o governo alemão liberou
as licenças de exportação das usinas de tecnologia sensível, a.
pos examinar as questões pendentes. Este gesto foi considera^
do como de reafirmação da independência alemã frente as
soes norte-americanas. Dois dias antes, em um discurso. Car
ter havia novamente pedido o adiamento destas exportações. Em
meados de maio, pela primeira vez, uma alta autoridade do go
verno Carter em uma entrevista (so) admitiu que os EUA não ti
nham condições de deter os aspectos imediatos jâ em andamento
do acordo Brasil-Alemanha. Afirmava ainda que por ser o açor
do de longo prazo, e por ainda não desistirem de suas ôbjeçoes,
os EUA continuariam insistindo em futuras modificações a médio
c longo prazos. Admitiu que houve um consenso an «.prolifera
çao no recém-encerrado encontro de cúpula em Londres e que os
paises presentes se comprometeram a não mais exportar tecnolo
gias sensíveis. •
' Esta entrevista foi entendida como um primeiro sinal
de aceitação do acordo pelos EUA corroborada pela manifestação
de alivio e contentamento expressas por Azeredo da Silveira era
um encontro com Vance dias depois eiç Paris (61). O chanceler
brasileiro afirmou que se acabavam as pressões norte-americanas
sobre o:acordo, enquanto o Secretário de Estado reafirmou a va
lidade do memorando de entendimento dos anos Kissinger. No raes
roo dia, em um encontro Silveira-Gensher, ambos.afirmaram que o
acordo seria integralmente cumprido.
As viagens posteriores de personalidades norte-ameri
canas ao Brasil como a de Rosalyn Carter, de Vance em novembro
e de Carter em março de 1978, embora envolvendo ainda o assun
(*•) Entrevista com Zbigníew Brzezinski reproduzida no Estado. de São Paulo, 13/5/1977.
t<«) Estado de São Paulo, 1/6/1977.
to nuclear na sua agenda de conversações, não fizeram dele o
elemento central da pauta bilateral. Na viagem de Rosalyn,pòr
exemplo, os direitos humanos e as liberâaâes políticas foram
os focos principais, publicamente reconhecidos. A de Carter,
já passada a fase mais turbulenta, teve o objetivo de normali
zar as abaladas relações recentes, retornando-as em um patamar
menos conturbado que do ano anterior. Até o final de seu go
ver no, à medida, que a questão da não-proliferação foi dando l\i
gar, na hierarquia de sua política externa, a outros pontos, o
acordo nuclear teuto-brasileiro passou a assumir plenamente sua
dimensão comercial que, em breve começaria a sofrer os primei,
ros abalos decorrentes da difícil situação cambial brasileira
e da recessão econômica.
Apôs o ref luxo das pressões ostensivas dos Estados
Unidos sobre o acordo nuclear com a Alemanha, com o objetivo
de deter a transferência de tecnologia sensível para o Brasil,
parecia enfim desobstruído o caminho para a realização de mais
um dos grandes projetos do "Brasil Potência", autônomo e se
nhor de seu destino. A resistência diante da interferência nor
te-americana, apregoada como sinal de independência de um pais
politicamente maduro, logo demonstrou ser pouco para garantir
um programa do porte do nuclear, que necessitava de ura aporte
financeiro acima da capacidade do país.
Em 1979, o fim da aparente e irreal sustentação do
acordo, somado ao abrandamento da censura à imprensa, permitiu
que aparecessem publicamente as críticas, especialmente da co
munidade científica, ao caráter megalômano e autoritário do
programa nuclear. Em setembro de 1978 já havia sido instalada
uma CPI no Senado sob a iniciativa do Senador Paulo Brossard
O ) para investigar o programa nuclear brasileiro após o "açor
do do século". - Começava a vir à luz o que até então era mantir."' —
do como segredo de estado. A imprensa já apontava inúmeros
problemas técnicos, especialmente de engenharia nas fundações
dos reatores no terreno arenoso de Angra dos Reis e o atraso
no cronograroa original das obras, sistematicamente negados pe
Ia direção da Nuclebrás. Depoimentos à CPI como dos engenhei
ros John Cotrin, ex-presidente de FURNAS e Joaquim de Carvalho,
ex-diretor da NUCLEN, esclareceram pontos obscuros, como a ne
(») Em Carlos A. Girotti, Estado Nuclear no Brasil, editora Brasiliense, SP 1984, encontra-se um bom resumo das princTpais críticas levantadas pela CPI. ' ~~
cessidade ou não da instalação de todos os reatores especifi
cados no contrato e quanto ao custo por KW da eletricidade nu
clear, que poderia elevar o volume de recursos dos oito reato
res programados a cifras incalculáveis.
Além destes problemas técnicos e financeiros levanta
dos na CPI, começavam a despontar no horizonte da realidade
brasileira dois fenômenos incompatíveis com a mentalidade dos
grandes projetos governamentais: a recessão econômica e a cri
se cambial. Ainda em 1979 jã se anunciavam os primeiros si
nais de queda no ritmo das obras dos dois. primeiros reatores ±
niciadas.
Em relação aos Estados Unidos, a presidência de Rea
gan iniciada em 1981, parecia indicar um retorno àqueles pa
drões de íntima ou privilegiada parceria do período pré-Carter.
As mudanças de ênfase no discurso de Reagan sobre política ex
terna, com o abandono da política dos direitos humanos e um a
brandamento do programa de não-proliferaçlo nuclear, eram s_i
nais de que os motivos principais para a deterioração das re
lações recentes pareciam superados. Reagan e seu Secretário
de Estado George Schultz, visitaram o Brasil, o primeiro em
1982 e o segundo em 1984. Durante a visita de Reagan foram
criados Grupos de Trabalho visando a cooperação bilateral cm
cinco áreas consideradas fundamentais. Uma delas foi a coope
ração nuclear. Na visita de Schultz, dois anos depois, a djL
vulgação dos resultados destes Grupos de Trabalho foram deceg
cionantes, por aterem-se apenas a intenções e não a propostas
de cooperação concretas. 0 rompimento do Acordo Militar entre
o Brasil e os Estados Unidos em 1977. no bojo da crise envoJL
venâo o problema nuclear e os direitos humanos, havia criado
uma situação de distanciamento entre os estamentos militares,
que os Grupos de Trabalho não conseguiram reverter (2).
- Mais importante, talvez, para o entendimento do pro
cesso de não retomada do-diálogo ao nível do Memorando de En
tendimentos da era Kissinger foi o aprofundamento do contendo
so comercial entre as duas nações dos anos oitenta. Do lado
norte-americano, a retomada da hegemonia econômico-financeira
sobre o mundo capitalista associado ao recrudescimento das prá
ticas protecionistas entrou em colisão com a tentativa bras_i
leira de aprofundar a conquista de mercados externos. O novo
patamar de modernização econômica brasileira criou, talvez, um
problema estrutural para as relações Brasil-EUA, pela nova com
petitividade do perfil de exportações do Brasil na década de
oitenta: agricultura de exportação, produtos manufaturados,ser
viços. A velha complementaridade entre as duas economias, s£
nhada por parcelas da elite brasileira, foi rompida.
r* Este processo se encontra ainda em construção e que
permite, portanto, varias leituras dificulta qualquer interpr£ -
taçâo unívoca das tendências da competição comercial mundial.
*'' . O setor nuclear expressa uma realidade diversa. Nos
Estados Unidos t nos países industrializados a Leste e a Oeste,
este setor vem mantendo uma certa continuidade de invéstimen
tos, sem entretanto ostentar mais a aura de modernidade tecn£
(?) Para um balanço das relações Brasil-Estados Unidos nos £aos oitenta, veja G. Moura» P. Kramer e P. Wrobel, "Os c£ninhos (difíceis) da autonomia: As relações Brasll-EUA" inContexto Internacional n9 2, julho/dezembro de 1985..
lógica e relevância científica que representou até muito recen
temente. Os laboratórios científicos e as empresas espalhadas
pelo mundo vêm se dedicando prioritariamente a resolver os inu
meros problemas que a utilização comercial dos reatores de po
tência apresentam. O abandono deste segmento industrial por
algumas gra.ides empresas e a ostensiva pressão da "opinião pü
blica" são elementos que pesam na avaliação do futuro incerto
desta fonte de energia que sabidamente desperta forças — natu
rais e sociais — incontroláveis.
No Brasil, o processo de reavaliação da indústria nu
clear começou quando dois dos oito reatores planejados*— An
gra II e Angra III — jã encontravam-se em construção {*). Era
1981 os projetos que se iniciavam para mais dois reatores fo
raio adiados até futuras deliberações. Durante o governo Fi
gueiredo, as mudanças administrativas nos órgãos responsáveis
pela política nuclear brasileira - CNEN e Nuclebrás -. conduzira»
a avaliações mais realistas.das possibilidades e conveniências
era prosseguir .o programa original, mas adiaram qualquer décjL
são definitiva em relação ao acordo cora a Alemanha.
Foi a Nova Republica a encarregada de tomar estas de
cjLsões .(*) . Uma Comissão foi fornada, presidida pelo prof. Jo
sé Israel Vargas, encarregada de fazer um balanço global do es
tado do programa nuclear brasileiro c elaborar soluções exeqíií
(') Veja Rex Nazareth Alves, "Política Nacional de Energia Nju•clear", Conferência na Escola Superior de Guerra, 29 dejulho de 1983.
(*) Paulo S. Wrobel, "A Política Nuclear da Nova Republica" inBrasil, perspectivas internacionais n9 5, jan/fev de 1985.
veis. Apôs meio ano de estudos, a Comissão entregou um docu
mento ao governo contendo propostas de autonomia e independên
cia no campo nuclear (5). A reflexão sobre a utilização des
tes termos — autonomia e independência — mais do que quais_
quer outras questões constituíram o pano de fundo desta tese.
Se de um lado as recomendações desta Comissão parecem indicar
a conquista no campo nuclear daquela mentalidade "guerrilhei
raN desenvolvida por Adler, por outro lado a natureza do tema
coloca questões -que só uma ampla participação da sociedade po
de resolver. Se temos hoje um consenso de que a energia é um
bem da vida moderna que não podemos prescindir e para isto te
mos que incorrer em custos sócio-ambientais — presentes tam
bem na exploração.do petróleo, das hidroelétricas e da agri
cultura extensiva — isto não deve ser motivo para raciona li za_
ções e decisões tenocrãticas. A sociedade tem o direito e o
dever de se fazer ouvir, seja por que meio for e influir nas
decisões.
_ Os complexos e caros equipamentos para a construção
de centrais nucleares, demandam recursos financeiros altos que
podem ser usados alternativamente para outras carências e d£
mandas sociais. Portanto, a associação feita no período dos
grandes projetos nacionais — amparada pela auto-suficiência do
discurso do Brasil potência — entre autonomia, independência,
soberania, resistência às pressões externas e uma política
centralizadora de decisões não pode ser aceita. Não se trata
(»') William Waak, "0 sonho da autonomia nuclear"* Jornal doBrasil, 27/4/1986.
de termos ilusões sobre a natureza do regime polxtico e da
participação de amplos setores em seu processo decisôrio, pois
o estado moderno ê, por definição, centralizador. Isto não ira
pede que lutemos pela democratização e discussão pública do te
ma nuclear de forma a contribuir para a perda da camada de s«s
gredo que sempre o envolveu. Torná-lo uma fonte e um resulte*
do da autonomia nacional exige primeiro um consenso a favor de
sua aceitação como legxtimo meio de produção energética ou a
bandonã-lo em favor de outras soluções. Neste caso, o debate
publico assume seu lugar como um passo concreto na direção da
independência e da autonomia nacional.
Documentos
Brasil, Congresso Nacional. Diário do Congresso Nacional -14/09/1972: projeto de Decreto Legislativo n9 18 de1972 - Aprova o texto do Acordo de Cooperação Referente aos Usos Civis da Energia Atômica, celebradoentre os Governos da República Federativa do Brasile dos Estados Unidos da América.
Brasil, Congresso Nacional. Diário do Congresso Nacional -12/03/1977: O Programa Nuclear Brasileiro.
Bresil, Escola Superior de Guerra. • Conferência . de Alves,Rex. N. *- "Política Nacional de Energia Nuclear". Conferência na Escola Superior de Guerra,29/7/1983.
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