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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo. JESUS, Paulo Isidoro de. Paulo Isidoro de Jesus (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2012. 49p. PAULO ISIDORO DE JESUS (depoimento, 2012) Rio de Janeiro 2014

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)

Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.

JESUS, Paulo Isidoro de. Paulo Isidoro de Jesus (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2012. 49p.

PAULO ISIDORO DE JESUS (depoimento, 2012)

Rio de Janeiro 2014

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Nome do entrevistado: Paulo Isidoro de Jesus

Local da entrevista: Belo Horizonte - MG

Data da entrevista: 25 de outubro de 2012

Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um acervo de

entrevistas em História Oral.

Entrevistadores: Bruna Gottardo (Museu do Futebol) e Bernardo Buarque (CPDOC/FGV)

Câmera:

Transcrição: Maria Izabel Cruz Bitar

Data da transcrição: 14 de novembro de 2012

Conferência da transcrição : Maíra Poleto Mielli

Data da conferência: 22 de novembro de 2012 ** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Paulo Isidoro de Jesus em 25/10/2012. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.

Bernardo Buarque – Bom dia. Belo Horizonte, 25 de outubro de 2012, depoimento de

Paulo Isidoro de Jesus, ex-jogador da Seleção Brasileira, do Atlético e de grandes clubes do

Brasil. Esse depoimento faz parte do projeto Futebol, Patrimônio e Memória1, que é uma

parceria entre a Fundação Getulio Vargas e o Museu do Futebol. Participam desse depoimento:

Bruna Gottardo e Bernardo Buarque. Paulo, bom dia. Queremos te agradecer imensamente por

nos receber aqui na sua escolinha, aqui em Minas Gerais. Eu gostaria de começar te

perguntando, Paulo, onde e quando você nasceu.

Paulo Isidoro – Bom dia. Muito obrigado pelo convite. Para mim é uma satisfação muito

grande estar podendo participar do Museu e poder, assim, também contar um pouco da minha

vida. Naturalmente, todo mundo sabe, a gente vem com muita dificuldade, mas a minha infância

foi uma vida boa, foi tudo maravilhoso e hoje eu quero dar continuidade àquilo que eu aprendi

na minha infância, passando para aqueles que hoje são considerados mirins e infantis.

1 O entrevistado está se referindo ao projeto Futebol, Memória e Patrimônio.

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B.B. – Em que cidade você nasceu, Paulo?

P.I. – Eu nasci em Matozinhos, que é uma cidade a 30 quilômetros de Belo Horizonte. Eu

nasci no ano de... em 3 de agosto de 1953. E vim para Belo Horizonte com 11 anos.

B.B. – Conta um pouquinho dos seus pais, dos seus avós, da sua família e que lembrança

você tem de Matozinhos.

P.I. – A minha infância... São lembranças boas. Apesar de ter nascido no interior, ser

criado no interior, mas eu posso ver que foi uma infância com muita alegria. Tive uma infância

de muito apoio dos meus pais. Com muito trabalho, sim, mas com uma certa regalia daquilo que

eles poderiam estar me oferecendo naquela época. Tivemos uma vida difícil, mas é uma vida

que, na minha infância, me ensinou muito, para que hoje eu pudesse estar transformando aquilo

que eu aprendi, hoje, naquilo que hoje eu estou mexendo, que é com a escolinha.

B.B. – Em que seu pai trabalhava, Paulo?

P.I. – Meu pai era mestre de obras. Ele foi para Matozinhos no intuito de construir uma

usina de açúcar, foi para lá para construir essa usina, e lá, então, começou e adquiriu a sua

família, onde nós fomos criados, em Matozinhos, onde passamos uma boa parte, com uma boa

orientação dele, também.

B.B. – Os seus avós, você chegou a conhecer?

P.I. – Não, não conheci. Meus avós, quando foram falecidos, pelo que minha mãe conta,

eu ainda não tinha nascido, o meu avô, mas a minha avó, eu tive o prazer de ser carregado por

ela. Mas não lembro assim da minha avó, só tenho mesmo as histórias que minha mãe conta da

minha avó.

Bruna Gottardo – E vocês eram em quantos irmãos?

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P.I. – Eu tenho oito irmãos. Então, nós fomos criados em oito. Porque o meu pai adotou

uma criança, e esse aí, então, foi para lá nos braços e nós então consideramos como irmão

mesmo, então, até hoje a gente ainda tem esse contato e é uma coisa maravilhosa. Então, foi um

exemplo de solidariedade que meus pais demonstraram: de uma família que os pais foram

falecidos, eles adotaram essa criança. E foi, também, criado com muito carinho.

B.B. – E você teve oportunidade de estudar até que série?

P.I. – Eu estudei até a quinta série. No interior, devido à dificuldade até para levar um

estudo mais longo. Porque as condições... muitas vezes, não tinha como. Mas eu estudei até a

quinta série e depois não tive mais condições e nem interesse de continuar meu estudo.

B.B. – E o futebol, como é que ele apareceu na sua vida? Seu pai gostava de futebol?

Conta um pouquinho sobre a sua relação com o futebol.

P.I. – Interior, você sabe como é que é, não é? Você vai, faz a sua parte, o seu trabalho, e

depois, na parte da tarde, naturalmente, seus pais liberam para você jogar uma peladinha. Então,

para mim, começou mesmo nas peladas. Eu me lembro que em Matozinhos, quando o gado saía

do curral, a gente limpava, e nós íamos então para jogar ali uma pelada, que era a chamada “o

empurra esterco para se jogar uma pelada”. Então, era uma coisa maravilhosa! Então, surgiu

assim. Por que isso? Porque em Matozinhos tinha um curral onde gado ficava preso para ser

embarcado no trem, e depois, à tarde, quando ele era encarrilhado nos trens, a gente ia lá,

limpava e jogava a nossa peladinha. Então, foi assim que começou minha vida. E depois... Além

de jogar nos times amadores lá da minha cidade.

B.B. – Você lembra o primeiro clube que você foi jogar? E em que idade você começou a

jogar mais, vamos dizer assim, sem ser pelada, começou a coisa a ficar séria, vamos dizer

assim?

P.I. – Eu, na verdade, gostava muito de jogar pelada, que a gente costumava falar que era

o ranca-toco [arranca toco]. Porque o ranca-toco era o seguinte: você fazia ali a pelada e depois

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começava uma coisa assim... sem ter arbitragem. Não tinha falta, não. Então, aquele que

aguentasse ia até o final, e ali era mais ou menos cada um para si. Mas eu, já com meus 11 anos,

de 8 a 11 anos, eu já comecei a jogar no Cruzeirinho de Matozinhos. Porque tinha, na época, o

petiz, e eu fazia parte dessa equipe. Então, no Cruzeiro de Matozinhos, eu jogava no petiz e

jogava um pouco no infantil. Aí, depois, quando fui crescendo, tendo mais idade, eu já fui...

Com 11 anos, eu jogava no juvenil, na época. Eu não tinha idade, mas tinha um futebol que me

qualificava para jogar no juvenil. Então, nos meus 11 anos, nós mudamos para Belo Horizonte.

Aí, sim, aí já comecei a fazer um futebol assim mais direcionado para o futebol amador, no

qual, quando vim para Belo Horizonte, joguei pelo Ideal, do Bairro da Graça, que era uma

equipe administrada... Quem era o presidente era o Carlos César Pinguim, um comentarista de

uma rádio aqui de Belo Horizonte. Aí, sim, aí nós começamos a levar o futebol do lado amador

para o lado profissional. Então, assim que começou a minha carreira.

B.B. – Esse Cruzeirinho lá de Matozinho era uma referência ao Cruzeiro? Ou não tinha

nada a ver?

P.I. – Eu acredito que até o nome pode ter surgido devido ao Cruzeiro. Porque na época,

lá, a maioria... todo mundo era cruzeirense, então, “vamos montar o Cruzeirinho”. Aí se montou

o Cruzeirinho. E se fez uma equipe muito forte – selecionou, do interior lá, muitos jogadores

bons e fez uma equipe. Então, ficou esse nome. Pode ser que esse nome tenha alguma influência

com o Cruzeiro de Belo Horizonte.

B.B. – Mas você, garoto, torcia para que time?

P.I. – Eu nasci atleticano, cara. [risos] Meu pai costumava falar que, quando eu nasci, ele

pegou no bracinho e falou: “Esse é atleticano! Esse é galo doido!” Então, aí ficou. E eu, mesmo

jogando no Cruzeirinho, com alguma resistência para mudar, “aqui ele vai jogar mais, é

cruzeirense”, mas eu tive a felicidade e não procurei trocar, não. Então, nasci atleticano e estou

até hoje aí procurando torcer e levar minha força aí para que o Atlético seja uma equipe bem

fortalecida.

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B.G. – E quando você mudou para Belo Horizonte, você mudou com a sua família ou

você veio para jogar bola?

P.I. – Não. Mudei com a minha família. Aí foi aquele negócio: caminhão aberto, joga tudo

para cima da carroceria, põe o cachorro na traseira e vamos morro acima. Então, minha família,

devido ao crescimento, porque nós já estávamos crescendo, Matozinhos começou a ficar muito

pouco... Aí já precisava de todo mundo estar trabalhando e meus pais, então, acharam melhor

nós mudarmos para Belo Horizonte. Na época que ele tomou a decisão, para nós, acostumados

ao interior, foi um susto, “ah! vamos para Belo Horizonte”. Nossa! Para nós foi o maior susto.

Viemos todo mundo retraído. Mas foi uma experiência e uma troca boa. Então, meu pai foi

muito sábio, quando ele tomou essa decisão. Viemos para Belo Horizonte. Graças a Deus, a

minha família, com compromisso com a sociedade, com o trabalho, com a dignidade. Todos nós

tivemos uma formação muito boa.

B.G. – E o Atlético? Quando você veio para cá, você já queria jogar no Atlético?

P.I. – Não, eu...

B.G. – Como que era a relação com o futebol? Quando você mudou para cá, você já

começou a jogar no juvenil, continuar?

P.I. – Eu continuei jogando no amador. Mas eu nunca tinha aquele sonho, “ah, vou jogar

num time grande”. Eu gostava de jogar bola. E o Ideal, na época, ele me proporcionou, porque

eu morava perto, de eu estar jogando lá. E como eu tinha uma qualidade, ou condições muito

boas, eu era muito requisitado. Então, eu queria jogar. Eu jogava ali no infantil, jogava no

juvenil. Então, para mim era a maior festa. Eu não pensava que um dia eu ia jogar num time

profissional. Eu queria estar jogando bola. Então, eu fazia aquilo ali com o maior prazer da

minha vida. Daí, então, começou a surgir os convites: um chamar para jogar aqui, jogar ali. Eu

não queria saber aonde, eu queria era estar jogando. Então, para mim era a maior... A maior

felicidade para mim era jogar bola.

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B.B. – Paulo, você então se muda para Belo Horizonte com 11 anos – pelas nossas contas,

então, em 1964.

P.I. – Exatamente, em 1964.

B.B. – Em 1965, é inaugurado o Mineirão. Você tem lembrança de ter ido a algum jogo

no Mineirão, de frequentar o estádio? Que lembranças você tem dessa época?

P.I. – Olha, ficou mesmo só na lembrança. Porque para a nossa família, que tinha mudado

há pouco tempo, para poder ir para o Mineirão era meio complicado, porque tinha que pagar a

entrada, e a família da gente era muito sacrifício, mas um sacrifício bom, porque a gente

buscava ali com o trabalho. Então, tinha muita dificuldade. Então, muitas vezes, você não podia

estar disponibilizando dinheiro para você ir para um estádio, para pagar um ingresso. Então, a

gente ficava mesmo era só no radinho, ouvindo, torcendo ali. Eu me lembro que a primeira vez

que eu fui no Mineirão, foi a minha irmã que falou: “Nós estamos com um ingresso aqui para

levar vocês para o Mineirão. Quem quer ir?” E eu era meio retraído. Eu sempre tive muito medo

de tumulto, muita gente, e me falavam que o Mineirão era muito grande e eu ficava meio

retraído. Aí minha irmã falou: “Não, você vai, sim. Você vai, porque você gosta muito de bola,

você tem que ir lá para você ver, para você conhecer como é.” Então, acabei indo. E na hora que

eu cheguei na roleta para entrar, aí o rapaz da roleta perguntou: “Você está acompanhado?”

Porque tinha que estar acompanhado, porque eu era ainda de menor. Aí minha irmã... “Está

acompanhado.” Aí eu entrei, meio receoso. Mas, para te falar a verdade, com toda a

honestidade, eu não fiquei à vontade dentro do Mineirão. Então, a minha família... Eles

achavam que eu ia ficar empolgado. Eu acho que, pelo contrário, de eu ver aquele mundo... Eu

nem me lembro bem, para te falar a verdade, como é que foi o jogo, qual o jogo que foi. Eu

acho que eu fiquei muito assustado, em tão pouco tempo, ter vindo no Mineirão. Daí a uns

dois... acho que um ano e meio [depois] que o Mineirão foi inaugurado, eu fui, para poder

conhecer o Mineirão, e não fiquei empolgado. Acho que eu fiquei com mais medo de estar ali...

Porque o Mineirão enchia muito – eram 90 a 100 mil pessoas ali dentro. Então, para mim não

foi uma experiência boa. Eu não tenho aquilo como uma boa lembrança. Tenho porque eu me

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lembro que fui no Mineirão, mas não tirei proveito daquilo porque eu fiquei muito assustado.

Então, acho que foi muito aquela coisa de menino ainda do interior.

B.B. – E se então a experiência de torcedor num estádio grande, com multidão, ela era

assustadora, depois, como jogador, tinha o impacto da torcida e da pressão? Isso, quando você

passou para o outro lado, ou seja, para dentro do campo, isso você sentiu também? Ou você se

acostumou, com o tempo?

P.I. – No início, você dizer que você chega dentro de um Mineirão com 90 a 100 mil

pessoas, você falar que você chega ali e já domina, com aquele barulho, aquela vibração toda?

Não. Não é fácil, não. Dá uma tremedeira, realmente. Apesar de que, antes de eu iniciar, pelo

Atlético, no Mineirão, eu fiquei um ano em Manaus. Mas mesmo em Manaus, jogando pelo

Nacional, porque o campo lá no Vivaldo Lima também ficava muito cheio, na hora que a gente

entrava e via aquele estádio lotado, aquele monte de gente, aquela gritalhada toda, te dá,

realmente, uma tremedeira no corpo todo. Mas isso aí, com o tempo é que você vai dominando

essa ansiedade e essa preocupação. Não é fácil você estar enfrentando ali 90 a 110 mil pessoas

gritando ali no seu ouvido. Então você tem que ter um controle emocional muito grande para

você realmente sobressair. Não é fácil.

B.B. – Paulo, ainda nesse tempo de garoto, de aspirante, no início da adolescência, quais

eram as suas referências de ídolos? Você torcia para o Atlético. Você tinha algum jogador em

quem você se inspirava, tinha algum modelo, seja na sua posição, ou seja, como representante

daquele clube, que você mais admirava?

P.I. – Olha, na época de eu começando e, naturalmente, acompanhando até pelo rádio, o

nome – e acho que é de todos da minha época –, o nome que mais vinha na sua cabeça era o

Pelé. Não tinha outra referência naquela época, não. Principalmente na década de 1966, por aí, e

1968, principalmente quando houve um Cruzeiro e Santos aqui no Mineirão, que foi uma coisa

maravilhosa – eu me lembro, acho que foi de seis que o Cruzeiro ganhou –, se falava muito no

Tostão, também. Então, esses nomes aí marcaram muito na minha infância: Dirceu Lopes... E

eu gostava muito de ouvir, porque eu via que eram jogadores muito técnicos na época, mas eu

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nunca pensava assim, “ah, um dia eu vou ser igualzinho a eles”. Eu tinha um futebol... uma

coisa que eu gostava. Então, um nome que me chamava a atenção realmente era o Pelé: “Ah, o

Pelé, o Pelé”, para todo lado. E a gente ouvia muito no rádio, porque naquela época, televisão, a

gente, muitas vezes, ia para a casa do vizinho para ver – e, muitas vezes, você não ia, porque

ficava com um pouco de vergonha. Mas o nome que mais chamava a atenção mesmo eram esses

nomes aí: o Pelé me chamou muito a atenção, naturalmente, e acho que como de todo brasileiro;

o Tostão; o Dirceu Lopes; Zé Carlos. Esses nomes, na época, marcaram muito. Mas o que

marcou mesmo era o Pelé.

B.B. – De que Copa você tem a primeira lembrança? Qual foi o torneio mundial que

primeiro você lembrou, das suas recordações?

P.I. – Ah, Mundial que eu me lembro, que eu posso falar que eu me lembro... Não posso

talvez te contar detalhes, mas o que eu lembro é o de 1970, porque era uma época que eu tinha

uma idade que eu estava me interessando muito mais e acompanhando mais o futebol. Então, o

ano de 1970, na minha infância, me marcou muito. Eu acho que, igual eu falei para vocês que

na época o Pelé marcou, então, nessa época aí, de jogadores e pessoas da minha idade, a Copa

de 1970 marcou demais.

B.B. – [Das Copas] de 1966 e 1962, você lembra alguma coisa?

P.I. – Não. Aí eu já não lembro muito, não. Em 1962, por exemplo – eu nasci em 1953 –,

eu ainda estava até no interior, ainda estava muito novo e ainda não estava com aquela... voltado

para acompanhar o futebol. Eu estava com o futebol a nível de pelada, de jogar pelada, ir lá para

um ranca-toco, vamos dizer assim, mas não estava envolvido, não. Mas a de 1970, eu já

comecei a me envolver mais, a me interessar mais pelo futebol profissional. Então, aí foi...

Então, a de 1970, eu posso dizer que a gente acompanhou mais.

B.G. – Quando que você se deu conta de que você queria ser jogador, mesmo? Porque

você começou com pelada, depois você passou pelas categorias de base, juniores, e quando que

você decidiu, que você falou “agora, é isso mesmo que eu vou fazer”?

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P.I. – Eu decidi, na verdade... Como é que foi? Eu jogava pelo Ideal do Bairro das Graças

e nós tínhamos um presidente que era o Carlos César Pinguim, e como eu falei para vocês, eu

gostava de ir para o amador para jogar – ali é campo de terra, poeira, era gostoso, eu me sentia...

Isso foi no ano de 1970 até 1972, eu jogando no amador, e eu jogava muito bem na época, no

amador, assim se dizia, então, começaram a dizer: “Nossa Senhora! Você tem que ir para um

profissional, você tem que jogar em um time, um clube grande. Você está jogando aqui, você

está desperdiçado.” Eu sempre ficava ouvindo isso. Então, em 1972, por aí, eu disputando, pelo

Ideal, campeonatos amadores, ouvindo isso, aí eu comecei... E eu acompanhava muito o futebol

pelo rádio e televisão, aí eu começava a ver aquilo e eu falava: “Gente, eu acho que realmente...

Eu acho que eu tenho condições.” Então... Aí já comecei a ficar naquela ansiedade: “Nossa! Se

um dia aparecesse para mim de ir num clube jogar. Já pensou se um dia aparecesse para mim eu

poder ir num time fazer um teste?” E sempre, depois dos jogos, porque [os jogos do] amador

eram sempre muito disputados... Esse Carlos César Pinguim chegou um dia para mim, que era o

nosso presidente e trabalhava numa rádio aqui em Belo Horizonte, ele falou para mim assim:

“Você não tem vontade de ir fazer um teste, não?” Mas sempre vinha aquele lado do medo. Ele

falava comigo: “Eu vou levar você aí num Atlético.” Aí eu começava a rir. “Vou te levar no

Cruzeiro.” Eu começava a rir. Eu falava: “O que é isso, você está doido, rapaz?! Vou jogar num

time desses aí? Não, não. Não quero mexer com isso, não.” E nisso, jogando e disputando o

amador, apareceu um olheiro. Eu acho que foi até por convite dele. Ele foi lá assistir a um jogo

nosso, lá no nosso campo, e eu não sabia. Ele foi lá assistir ao jogo. E eu, como sempre, nas

partidas no futebol de várzea, eu sobressaía mesmo, eu era, vamos dizer assim, aquele jogador

que todo mundo queria que ele jogasse nas equipes, ali no amador. E quando terminou uma

partida lá, chegou um senhor lá e falou assim: “Ô, meu filho, você não quer ir lá no Atlético

fazer um teste?” Aí eu abaixei a cabeça e comecei a rir. Eu falei: “Ah! Esse cara está de

sacanagem comigo!” Aí o presidente Carlos César Pinguim falou assim: “Olha, tem um olheiro

aí que veio lá do Atlético ver você jogar.” Eu falei: “Ah! Você está de sacanagem! Para com

isso! Que brincadeira boba! Vai vir aqui, numa poeira dessa aqui, uma pessoa lá do Atlético?”

Aí essa pessoa entrou, que era o Irineu, e falou: “Não, sou eu mesmo. Eu sou o Irineu, eu

trabalho lá no Atlético, sou roupeiro, e eu vim aqui e me falaram muito bem de você. Não só

você. Têm dois colegas seus aí que eu vou levar com você”, que era o Dominguinhos e o

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Rogério. “Nós vamos levar vocês três para fazer um teste no Atlético.” Eu falei: “Tudo bem. Se

o senhor quiser levar... Mas eu não sei se eu vou aguentar, não. Porque falam que o profissional,

lá, a gente tem que estar muito... porque é muito forte, e eu não sei se eu vou conseguir passar,

não.” Ele falou: “Você quer? Eu vou marcar para você.” “Ah, quero, quero ir, sim, quero ir.

Pode marcar que eu vou.” Aí, beleza, aí ele marcou esse teste lá em Lourdes, no bairro de

Lourdes, porque o Atlético tinha um campo lá de avaliação. Aí, no dia que ele marcou para nós

irmos, peguei minha chuteirinha, eu, Bel e Dominguinhos, e nós fomos. Aí falamos: “Nossa

Senhora! Nós vamos lá no Atlético?! Vocês estão... Ah, não. O que vocês acham? Vocês acham

que dá?” “Dá.” “Então vamos.” Aí fomos. Aí, chegou lá, quando nós olhamos o campo de

Lourdes, não era um campo, também, muito gramado, não. Era um campo que tinha uma

deficiência de grama – principalmente no meio, tinha terra. Aí nos animamos, batemos palma:

“Ah! Falou aí, gente! É igual ao nosso campo lá. Não tem nada de diferente, não.” [risos] Aí

nos animamos, por ver o campo. Porque quando falou o Atlético, nós falamos: “Nossa! O

negócio do gramado...” Aí nós olhamos a chuteira... “Não, não, vai dar para ir. Vamos embora.

É igual ao nosso, mesmo.” Aí nós fomos lá para trocar de roupa, ficamos lá no cantinho do

vestiário lá, e os jogadores do Atlético, poxa, era cada... O Márcio, que era um zagueiro, era

um... Os caras, tudo forte. O Antenor, um cara forte, grande. Aí nós falamos: “Nossa! Será que

nós vamos conseguir, gente? Os caras... Não, esse problema aí, para nós, não tem nada a ver,

não. Pode pesar aí que...” E a gente confiava muito em nós. Aí nós ficamos lá no cantinho

esperando o primeiro tempo, aí eu virei para o Rogério e falei assim: “Rogério, Nossa Senhora!

Não vai ser muito difícil, não. Você viu o zagueiro lá como é que ele entra na jogada?” Esse

Márcio, ele gostava muito de dar pancada. E nós estudamos ele do lado de fora. Falamos:

“Vamos estudar esse cara aí.” Porque a gente estava acostumado com o amador, e o amador é

assim, os caras... É pegado mesmo. Eu falei... “Isso aí, para nós, aí no campo...” Então, nós

ficamos muito felizes, não de estar... muito felizes de ver o campo. Aí entramos, para poder

trocar de roupa, trocamos, ficamos lá no cantinho esperando, e teve o primeiro tempo. Aí o

Crispim, na época... E tinha o Barbatana2. Era o Barbatana na época. Ele chamou: “Você vai

entrar lá no lugar do fulano; você vai entrar...” Isso já na segunda parte do treino. Aí eu entrei

todo feliz, rapaz! Mas feliz... Nossa! Vocês tinham que ver a satisfação que eu fiquei, por causa

do campo. Porque era um campo que era mais ou menos parecido... Porque tinha muita terra,

2 João Lacerda Filho.

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também, no campo, principalmente no meio. Aí eu entrei. Eu falei: “Nossa! É comigo mesmo!”

Aí nós começamos e tal. Aí, 20 minutos e o cara chamou, tirou. Eu falei: “Ô Bel, o cara tirou a

gente?! Isso é sacanagem. Não tem nem 20 minutos de treino. Não falei para você que eu não

queria vir aqui nesse lugar? Esse cara aí trata a gente com pouco caso.” Aí ele falou assim:

“Vem cá”, me chamou. Aí eu fui lá para o vestiário e ele falou: “Olha, o caso é o seguinte, você

vai voltar aqui amanhã, você passa ali para o rapaz arrumar uma chuteira para você. Eu acho

que, provavelmente, o Sinval vai querer que vocês continuem.” Puxa vida! Aí eu pulei de

alegria, falei: “Nossa Senhora! Está brincando, cara?!” Mas nós entramos... Eu acho que a

felicidade de eu ver o campo fez com que eu jogasse com alegria, despreocupado, sem medo de

errar, se estava no Atlético ou não. Então, o campo me deu essa satisfação. Então, foi

maravilhosa essa experiência para mim. Aí o Sinval me chamou lá: “Amanhã você vai vir para

treinar.” E continuei. Eu acho que praticamente com um treino eu fui aprovado para jogar no

Atlético.

B.B. – Nesse momento, a sua posição já estava definida? Você já sabia o seu lugar dentro

de campo? Ou isso mudou, quando entrou para o Atlético?

P.I. – Não, não mudou, não. A minha posição era uma: eu gostava de jogar de meia.

Minha posição era meia. Em qualquer lugar que eu fosse jogar, em qualquer time que eu fosse,

eu sempre gostava de jogar com a camisa oito. Então, se tinha a camisa oito... “Ah, você vai de

goleiro.” “Então, se eu vou de goleiro, eu vou com a camisa oito.” Na época, o oito, para mim,

era o meia-direita. Então, era a posição que eu adorava jogar. Porque na época se jogava com o

ponta-direita, jogava ali pelo lado direito, então eu fazia a minha festa ali daquele lado. Então,

eu adorava muito fazer isso. Então, quando eu cheguei lá no Atlético que eles me colocaram na

meia, então, para mim foi tudo completo.

B.B. – E quais eram as características suas e da posição que te atraíam? Você não queria

ser nem atacante nem defensor, mas uma espécie de elo de ligação?

P.I. – Exatamente isso aí. Porque era uma... Eu tinha um lado de ser muito dedicado,

principalmente com as coisas que eu fazia, e gostava muito de ser solidário, então era uma

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posição que... Uma vez um treinador do amador me perguntou, o camisa oito, o meia-direita, é

aquele homem que vem ajudar seus companheiros no meio e na defesa e é aquele homem que

tem que chegar lá na frente para estar servindo seus atacantes para fazer o gol. Quer dizer,

aquilo ali encaixou com a minha maneira de ser. Então, como eu era uma pessoa que eu gostava

sempre de ser prestativo, gostava muito de estar ajudando, gostava muito de estar servindo,

então encaixou. Então, aquilo ficou na minha mente. Então foi uma posição que eu encarei no

início que encaixou muito com o meu perfil. Então, não tive muita dificuldade nisso. Eu gostava

de estar ajudando o lateral, ajudando o zagueiro, ajudando o meia ali, com o combate, e gostava

também de ir lá na frente. Não de estar fazendo o gol. Eu gostava de estar servindo. Eu ficava

muito alegre, quando eu via ali o centroavante saindo vibrando. Então aquilo, para mim, não

tinha coisa melhor. Então encaixou legal.

B.B. – E dentro do campo, você era falador, era falante? Ou era mais quieto?

P.I. – Nossa Senhora! Dentro de campo, eu era um galo de briga. [risos] Eu não aceitava

perder de forma nenhuma. Respeitava todo adversário, mas lá dentro, aí eu cobrava do meu

companheiro, eu cobrava de mim mesmo. Então, eu sempre fui um jogador fogoso. Eu te

respeitava, mas eu cobrava de você. Nunca tratei nenhum dos meus companheiros do lado com

cobrança agressiva; sempre com aquela cobrança no intuito de empolgar e de entusiasmar meu

companheiro. Então, eu sempre fui esse cara de... sempre gostei disso, de estar participando

jogando e de estar participando ali na parte de orientação. Então, sempre fui dessa maneira.

B.B. – Quando você então se firmou no juvenil do Atlético, foi emprestado para o

Nacional de Manaus. Como é que a família viu essa sua mudança? E como é que foi a

experiência de jogar no futebol da Região Norte do Brasil?

P.I. – Mas aí, igual eu ia te falando, complementando, quando eu fui para o Atlético e fui

aprovado, eu estava com dezenove anos e seis meses. Na época, era o chamado juvenil. Então, o

juvenil se jogava com vinte anos e seis meses. O Sinval chegou para mim e falou: “Olha, você

tem seis meses para você me justificar por que é que eu te selecionei.” Eu falei: “Deixa comigo.

Se me der condições para eu jogar, vou jogar.” Então, eu disputei o campeonato juvenil de

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1973, o campeonato de 1973, e eu falei: “Se eu tiver condições, eu vou jogar.” E eu me lembro

que, na minha estreia, nós fomos jogar em João Monlevade e eu fiz cinco gols; no segundo

jogo, eu fiz quatro. Porque eu estava empolgado. Eu tinha que provar, entendeu? Então, como

eu tinha vindo de uma vida... a gente tinha sempre muita cobrança e você tinha que dar

resultado, aquilo ali não me assustou em nada, não. Eu já estava acostumado a conviver com

esse tipo de vida: você tem que fazer ali e dar o resultado aqui. Então, eu fiz um campeonato

maravilhoso, nesses seis meses. E eu então fui treinar na Vila Olímpica. Depois que eu estourei

o juvenil e que terminou o campeonato, o Telê falou: “Traz esse menino para vir treinar aqui

junto com o profissional.” Aí eu já fui treinar na Vila Olímpica. Aí eu já estava mais

acostumado com o gramado, com o campo. Aí eu fui treinar na Vila Olímpica. Eu cheguei lá,

fiz o treino... Aí eu já estava num ambiente legal, tranquilo, treinando já com os profissionais na

época, que era o Grapete3, o Lola4, tinha o Lacy5 lá treinando. Mas só que eu treinei nas

categorias de baixo. Aí o Telê viu e falou: “Olha, esse menino aí não vai me servir agora, não.

Nós temos que dar um jeito de emprestar esse jogador aí.” Não só eu como mais alguns outros

jogadores do Atlético. Aí, o Atlético tinha uma parceria com o Nacional de Manaus, e o Telê

falou com a diretoria, “vamos emprestar esse jogador”; e os diretores do Nacional, que estavam

lá assistindo, falaram: “Nós vamos levar esse menino e vamos levar o Ângelo6”, porque foi

também o Ângelo, na época, foi comigo para lá. E nós então fomos emprestados para o

Nacional de Manaus, que foi o ponto chave para o crescimento da minha carreira.

B.G. – Você jogava como titular lá? Você já foi para jogar como titular, no Nacional?

P.I. – Na verdade, eu fui como jogador emprestado do Atlético. Como titular, isso o

tempo lá é que ia dizer. Porque o Atlético emprestava esses jogadores para times de expressão

que eles tinham uma parceria, para time pequeno e médio, para exatamente adquirir uma

experiência. Mas quando eu cheguei lá, eu tive muita dificuldade. Porque, poxa, eu nunca tinha

viajado de avião, eu nunca tinha saído do estado – eu fui para Manaus –, e isso, para a minha

família, foi uma choradeira, foi um choque – e para mim também, para sair, para ficar longe de 3 José Borges de Couto. 4 Raimundo José Correia. 5 Lacy Gomes Guimarães. 6 Angélio Paulino de Souza.

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casa. Mas como eu já estava interessado nessa carreira, eu falei: “Não, eu tenho que ir. Nós

fomos emprestados, eu tenho que ir, eu tenho que fechar os olhos aqui e entrar no avião.” O

avião, para mim foi um susto. Porque a primeira vez... Você vem do interior, do Atlético, e

apesar de juvenil, já morando em Belo Horizonte, já tendo conhecimentos com avião, com

ônibus, transporte e tudo. Mas pela primeira vez eu ia entrar dentro de um avião. Na hora que eu

cheguei no aeroporto da Pampulha e que o Ângelo, que tinha mais experiência do que eu, ele

me mostrou, eu falei: “Puxa vida, cara! Eu tenho que encarar.” E eu falei: “Ângelo...” Isso já no

meio do caminho. Eu falei: “Ângelo, o que é que eu faço, cara? Eu não sei se eu vou conseguir

entrar dentro do avião.” Ele falou: “Não, não, é tranquilo. Eu já viajei, não tem problema

nenhum, não.” A minha mãe começou a chorar, as minhas irmãs começaram a chorar, também,

eu também fiquei um pouco desesperado, porque eu falei: “Minha Nossa Senhora! E agora, eu

vou buscar o meu objetivo, eu estou indo buscar a minha carreira. Eu tenho que deixar a minha

família.” Nunca tinha ficado longe. E as minhas irmãs chorando: “Não vai, não. Não vai, não.”

Eu fico até meio engasgado, quando eu lembro dessa passagem, já no aeroporto. E aquele corre-

corre. Comecei... tomei água, aí chamou para embarcar. Eu falei: “Minha Nossa Senhora! Eu

tenho que ir.” Aí... Eu sou muito devoto, sou católico, devoto de São Judas, eu peguei minha...

pus na mão e falei: “Ah, seja o que Deus quiser!” E fui. Mas foi barra, cara. Eu fico até meio

emocionado, dá vontade até de chorar, porque eu lembro que foi um desespero. Parecia que

tinha morrido gente lá no aeroporto. E o pessoal chamava lá, e minha mãe passando meio mal:

“Não deixa meu filho entrar nisso aí, não. Meu filho não pode ir. Não vai, não.” Sabe? Aí eu...

Eu fui. Eu falei: “Eu tenho que ir. Eu tenho que ir.” E o Ângelo, meu parceirão, falou: “Vamos,

Isidoro. Não tem perigo, não.” E fui. Entrei dentro do avião, mas eu vou te falar, que viagem

custosa! Nossa Senhora! Eu nunca tive uma viagem tão ruim. Não pela aviação, é porque eu não

tinha conhecimento. Então, foi longa, poxa! Eu saí de Belo Horizonte... Parece que foi 1h10...

Nem lembro. Parece que foi 1h10 até Brasília, ou 1h30, não sei, e depois pegamos mais 2h15

para Manaus. Para uma pessoa que nunca tinha entrado dentro de um avião... Nossa! Eu cheguei

lá, eu falei: “Agora eu vou ficar aqui. Agora eu não quero voltar, não, cara”, falei com o

Ângelo. “Agora eu vou ficar aqui em Manaus, porque eu não vou entrar no avião mais, não.

Deus o livre!” [risos] Ele falou comigo: “Agora, Isidoro, não tem jeito, porque na hora que nós

formos sair aqui para jogar, só se sai de avião. Você vai ter que se virar, cara.” Aí, Deus me

ajudou e tal, me pegando na fé, pedindo muito a Deus e tal, e consegui passar essa barreira. Foi

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uma barreira mais difícil para mim do que jogar bola ou ir para o profissional. Mas Deus me

abençoou, me ajudou muito e eu consegui.

B.B. – Nessa época, o Nacional já disputava o Campeonato Brasileiro?

P.I. – Disputava, o Nacional. Nós fomos. Porque a primeira temporada, disputava o

campeonato regional. E o treinador que foi para lá – na época, era um treinador que era do

Atlético –, que foi o Cento e Nove, me deu muita força, muita orientação. Porque eu tinha saído

do juvenil, a primeira vez longe de casa. E o Antenor7, o Ângelo, o Luiz Florêncio8, e não só

eles, mas o Reis e os jogadores de lá também me deram muita força. Porque, realmente, eu

cheguei lá muito baleado, por causa da viagem. Quando eu olhava para cima, assim, eu olhava

um avião, eu falava: “Gente, como é que pode um negócio desses ficar ali no alto?” E eu fiquei

ali dentro... Entendeu? Na época... Então, isso me marcou muito. Eu falei: “Nossa Senhora!”

Então, essa... Aí o Ângelo falou: “Você bateu essa barreira aí, então, para você, agora, aqui

embaixo vai ser calmo.” Aí eu fui, tive uma adaptação, porque saímos daqui de um clima

ameno, Belo Horizonte, e fomos lá para Manaus. Então, em Manaus foi uma barra, também,

porque aí começamos os treinamentos e a gente não aguentava muito, porque era muito calor.

Um calor de 42 graus lá e os caras riam da gente, “mas isso aqui está normal, é legal”. E eu

ficava muito suado, e sem camisa, desidratei um pouco, porque tinha que tomar muita água e eu

não tinha o costume. Perdi lá uns três ou quatro quilos, assim, sem... Mas aí, depois fui

recuperando e aí, graças a Deus, fui entrando no esquema e consegui... Aí, disputando posição,

comecei a ser titular. Fiz um campeonato muito bom no Nacional. Fomos campeões. Aí tive

muitos elogios. Então, isso aí me ajudou muito. Aí o Atlético já começou a olhar a gente com

outros olhos, porque vinham as informações boas, não só como jogador, mas como profissional.

Então, aquele lado que eu falei para vocês: eu gostava muito de grupo, eu gostava de chegar e

dar força. Eu me lembro, uma vez lá, um cara falou: “Puxa vida! Você, aqui no banco, rapaz,

você torce mais.” Eu falei: “É porque na hora que eu estiver lá, eu tenho certeza que você vai

me ajudar também. Então, vamos dar força para os nossos colegas lá dentro”, eu, no banco e tal.

Então, foi bacana demais, meu início lá. E aí, depois disputamos o nacional e veio o regional,

7 Antenor Machado Filho. 8 Luis Florêncio do Carmo.

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que na época era Copa do Brasil. Aí, sim, aí começou as viagens de avião. E me desgastava

muito, as viagens. Desgastava muito, muito mesmo. Teve viagem lá que, muitas vezes, eu não

viajava, porque eu ficava muito nervoso e aí falava com o treinador, “eu acho que não vou

conseguir”. Mas aí, depois, aos poucos, eu fui me adaptando com a aviação. Viajava com

receio, com medo, mas ia numa boa. E no início, antes de eu fazer a viagem de Manaus... Em

Manaus, para você sair, o lugar mais perto que tinha era Belém, mas as outras viagens era tudo

viagem longa. Então me desgastava muito. Mas aí, Deus ajudou e eu consegui bater essa

barreira. Comecei a fazer um campeonato muito bom e aí comecei a ter proposta do

Fluminense, proposta do Corinthians, querendo a minha contratação, jogando no Nacional. Mas

era um jogador emprestado, tinha que falar com o Atlético. Aí o Atlético já não tinha o

interesse, porque falava: “Não. Ele vai voltar para cá.” E o Telê foi um treinador que sempre

gostou muito de mim, e eles me falavam que o Telê estava me acompanhando, eu jogando no

Nacional. Então, aquilo sempre me dava força. Eu falava: “Na hora que eu voltar, eu vou ficar

numa boa.” Se o treinador está te olhando, naturalmente, ele vai te olhar com bons olhos, vai te

orientar bem. E eu, então, com aquele negócio de ser atleticano, também, eu tinha vontade de

sair do Nacional... Era a minha vontade. Eu falava assim: “Eu tenho que ir. É o meu time. Vou

jogar no meu time. Vou fazer muito no meu time.” Mas não deixava de ser profissional,

jogando pelo Nacional. Então, foi um início de carreira muito bom, maravilhoso mesmo.

B.B. – Então você, a partir de 1975, passa a atuar como profissional do Atlético Mineiro e

fica até 1979, na década em que o Atlético reverte um pouco aquela hegemonia que tinha do

Cruzeiro dos anos 60; Dadá Maravilha; Reinaldo desponta; o Telê como técnico. Que

lembranças você tem desse momento no Atlético Mineiro em que você se afirma como

profissional conhecido nacionalmente?

P.I. – Esse é um momento, para mim, muito maravilhoso. Foi gracioso, esse momento

para mim. Porque eu voltei de Manaus muito bem, [inaudível], dando condições boas para a

minha família, eles dando muito apoio, e eu voltando para o time que eu... Eu nasci gostando

desse time, que era o Atlético. Quando eu cheguei na Vila e me apresentei e que aí eles falaram

“você vai ficar no grupo, você não vai ser emprestado novamente”, eu falei: “Agora, Deus vai

me ajudar, só Deus para me derrubar. Eu vou dar tudo que eu posso de mim, não só em prol

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de... pensando no Atlético, mas pensando em mim também”. Com toda a honestidade, pensando

em mim: “Aqui, eu quero fazer a minha independência, e eu estou com tudo aqui para eu ser

uma pessoa que vai dar um retorno muito bom, pelo apoio que eu tenho da minha família.”

Então, voltando para o Atlético, começando os treinamentos... E eu treinava demais, eu me

cuidava muito. Pus na cabeça que eu ia ser um grande operário para o Atlético, que esse

operário ia ter um retorno muito bom. “Eu vou me dedicar, nesse tempo meu aqui no Atlético.”

Então eu me pus todo para o Atlético. Não só pensando no Atlético; pensando também em mim,

em fazer o meu patrimônio, fazer a minha família ter uma vida boa. Então, quem tem hoje, na

família, essas condições sou eu. Então eu peguei mesmo. Eu treinava de manhã, treinava à tarde

e fazia uma corridinha à noite. Eu treinava. O Cerezo9 também. Eu me lembro que o Cerezo

também. A gente trocava muita ideia: “Nós vamos treinar.” Chegava primeiro lá para treinar.

Antes de todo mundo chegar, eu já tinha treinado pelo menos 20 a 25 minutos. E eu treinava, eu

ia lá, tomava um café, voltava e treinava normal, tanta era a vontade que eu tinha de vencer. Eu

me entreguei. Eu me lembro que eu falava para a minha mãe assim: “Mãe, namorada agora, não

tenho tempo, não. Vou dar um tempo, vou me dedicar mesmo aqui à minha carreira, à minha

profissão.” Então, fui batalhando e tal e começando... Peguei meu espaço dentro do Atlético,

comecei a jogar, e eu me lembro que eu fiz a minha estreia... Depois de o Atlético ter pegado

esses jogadores que vieram para se integrar no grupo, nós fizemos uma turnê no interior de São

Paulo. Nós fomos para São Paulo fazer amistosos. Aí eu fui na reserva e aí eu ficava contando a

hora que eu ia entrar. Eu falei: “Na hora que eu entrar aqui, ninguém vai me segurar, não.” Sabe

aquela vontade que você tem de vencer? E quando eu cheguei no Atlético, eu... Contrato, eu

nem me preocupava com o contrato. “E aí, e o seu contrato?” “Ah, não, eu acho que eu já

assinei meu contrato.” Para vocês terem uma ideia, quando eu fui para Manaus, quando eu

voltei, era uma coisa que eu não entendia na época, eu tinha um contrato assinado. Eu falei:

“Mas como que eu tenho um contrato?! Não tenho contrato nada.” Era o chamado contrato de

gaveta. Eu não queria nem saber disso, não. “Ah, então está aí? Beleza!” Então eu fui. Fomos

para São Paulo, fizemos amistosos lá, fiz jogos bons lá, quando eu entrava, jogando bem

mesmo, para buscar o meu espaço. Quando eu voltei e cheguei na Vila Olímpica, eu, o Cerezo,

o Ângelo, porque a gente era considerado... A gente tinha, na época... tinha o Campos – nós

9 Antonio Carlos Cerezo.

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tínhamos jogadores bons demais –, tinha o Vanderlei10, o Grapete, o Vantuir11, tinha o Lacy...

Tinha jogadores bons. Mas eram jogadores que já tinham dado muito ao Atlético, tinham muito

a dar ainda, mas estavam já naquele tempo de estar com mais idade, já para parar ou para sair

do clube, e nós estávamos vindo com aquela juventude toda e muita vontade. E a gente

respeitava eles, mas sempre pensando: “Nós vamos buscar o nosso espaço. Aqui, agora, é uma

briga boa.” Eu me lembro do Lola, um excelente meia. A gente ficava olhando, via eles

jogarem. Então, eu sempre acreditava que eu poderia fazer aquilo ali também. Eu acreditava.

Por quê? Porque eu queria buscar o meu espaço. E busquei, dentro do Atlético. E quando eu

entrei no Mineirão que eu fui fazer a minha estreia, eu falei: “Agora ninguém me segura.” Mas

aí eu já tinha aquele domínio de Mineirão lotado, como eu ia chegar ali e enfrentar aquelas

feras. Porque eu costumava falar: “As feras estão lá em cima de olho. Então, para a gente

corresponder, nós temos que nos dedicar aqui embaixo.” Eu brincava muito, eu falava: “Senão

as feras pulam lá de cima. E a cobrança delas é muito grande.” Eu costumava muito brincar e

falar isso. Então, a gente entrava ligado. Então foi maravilhoso, o começo da minha carreira.

B.B. – Os anos 1970 foi o momento da formação dos campeonatos nacionais até com 90

times, inclusive incorporando os clubes da Amazônia. E em 1977, o Atlético Mineiro é vice-

campeão brasileiro, e você faz parte já desse time. Então, em 1977, você já começa a vislumbrar

a Seleção Brasileira, a Copa de 1978? Ou ainda não estava no horizonte, uma convocação?

P.I. – Olha, como você falou, na década... De 1975 para frente, quando nós começamos a

integrar... a ser titular mesmo no Atlético, o Cruzeiro tinha um time excelente, eram jogadores

excelentes demais, mas que estavam parando, e a gente, realmente, dentro do Mineirão, a gente

estava atropelando tudo que passava na frente. Aí você buscava mesmo. Em 1975 e 1976, eu,

com o Cerezo, porque nós conversávamos muito, o sonho era jogar na Seleção. A gente buscava

isso. A nossa equipe era muito boa. A gente respeitava os adversários que iam no Mineirão, mas

a gente sempre buscava... “Vamos passar por cima. Tem que respeitar. Então, o respeito que nós

vamos ter ao adversário é desdobrando aqui dentro.” Então o adversário passava apertado com a

gente, dentro do Mineirão. A gente ganhava de chocolate. O Campeonato Brasileiro era muito

10 Vanderlei Paiva. 11 Vantuir Galdino Ramos.

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longo, tinha muitas equipes, e muitas equipes, muitas vezes, chegavam na época, apesar de

acharem que estavam muito bem preparados... Porque o Mineirão era muito traiçoeiro para as

equipes que vinham de longe. Ele era muito grande. E a gente gostava muito quando eles, no

Mineirão, deixavam a grama um pouco mais alta. E isso dificultava para o time adversário que

vinha. E como na Vila Olímpica a grama era a mesma coisa, também lá ficava, a gente chegava

no Mineirão e corria com muito mais facilidade. A gente via que os times, no segundo tempo,

não aguentavam. Então a gente deslizava dentro de campo. Tinha o Reinaldo numa fase muito

boa, o Cerezo, o Ângelo, o Marcelo12. Então, a nossa equipe era muito dedicada e corria muito.

Tinha muitos talentos. E, naturalmente, de 1975 para frente, eu comecei a me deslumbrar com ir

à Seleção Brasileira. Eu queria ir. “Eu quero ir a essa Seleção Brasileira.” E eu me lembro que,

muitas vezes, a gente conversava com os colegas e a gente ficava trocando ideia e eu falava

mesmo: “Eu vou chegar à Seleção. Eu vou brigar por Bola de Prata.” Eu sempre pensava alto.

Mas isso tudo o que é? É devido a um início de carreira e um início também de vida que eu

sempre... Minha família sempre me ensinou a ir buscar. Você tem que ir buscar. Eu vou amanhã

almoçar... Graças a Deus, na minha casa, desde Matozinhos, nós tínhamos fartura. Meu pai

falava: “Nós não somos pobres, não. Nós temos tudo aqui. Nós temos que aprender a ir buscar.

E o buscar está ali. Então, você vai ali no rio, você vai buscar um peixe para você comer; vai ali

e cata um espeto que você vai fazer dinheiro.” Então eu tive uma infância maravilhosa. Então eu

aprendi: eu vou ali no bananal e vou buscar a banana para eu comer. Então eu aprendi a buscar.

Então, por isso que eu tive uma infância rica. “Ah, você era...” Meu pai não gostava que

falasse... “Ah, eu sou...” “Que sou pobre nada! Nós somos ricos. Somos ricos de tudo, de ir

buscar.” Então, quando eu comecei a ir no profissional, então, com esse aprendizado dos meus

pais, eu chegava nos clubes lá e eu sempre ia buscar. Você que está jogando e eu sou o reserva?

Eu vou buscar o seu espaço. Se você me der um espaço, eu vou buscar. Então eu falei: “Eu vou

buscar a Seleção Brasileira, sim. Eu vou buscar a Bola de Prata. Eu vou buscar a Bola de Ouro.”

Porque na época tinha o Placar, e na concentração tinha e a gente acompanhava, olhava. Eu

falava: “Nossa! Eu estou a tantos décimos de tal, então eu vou buscar hoje, nesse jogo aqui.” E

eu cobrava dos meus companheiros: “Não, gente, vamos lá buscar. Nós temos condição.” Então

eu sempre fui uma pessoa que eu sempre acreditei muito no meu ideal. Então, isso foi

maravilhoso. E em 1977, como você disse aí, nós tivemos uma... É uma coisa que eu não me

12 Marcelo de Oliveira Santos.

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esqueço, porque o Barbatana, na época, ele [inaudível] muito de nós perdermos o título em

1977. E que, para mim, foi um dos grandes culpados de nós perdermos, porque a nossa equipe

estava muito bem montada. Tivemos um problema, sim, porque o Reinaldo não ia poder jogar e

nem o Serginho Chulapa ia poder jogar. E era simples: tirava o Reinaldo, pegava um

centroavante e colocava. Mas só que ele quis fazer uma mudança que atrapalhou o time,

provavelmente. Então, eu lembro que na época eu até discuti com ele um pouco. Eu falei para

ele: “O título aí, você é que perdeu. Você jogou fora.” Acho que foi a única vez, que eu me

lembre, que eu desrespeitei um treinador. Talvez não foi, mas que eu senti vontade de falar com

ele naquela hora. “Você entregou o time para o São Paulo.” E eu me lembro que ele até falou:

“Olha, deixa de ser moleque! Você não fala assim comigo!” Eu abaixei a cabeça e saí. Então, o

buscar, eu acho que é importante. Então, em 1977, é essa equipe maravilhosa que nós tínhamos,

mas não conseguimos buscar esse título, que seria importante para nós.

B.B. – E aproveitando essa expressão de busca, em que momento, no Atlético, você achou

que já tinha dado e que era o momento de buscar outros horizontes, outros clubes? Como foi a

sua transferência para o Grêmio, em 1980?

P.I. – Porque quando... Em 1975 ou 1976, por aí, aí já vem a namoradinha, a noiva e tal,

aí você vai levando aquela... Aí já é uma vida... E em 1977, 1978 e 1979, eu já estava, no

Atlético, já estava... na ponta, e eu então pensei em buscar outros horizontes. Já comecei a sentir

vontade de jogar em outra equipe, sentir também como é que é jogar. Eu tive uma proposta, em

1976, de ir para o México: o América... o Monterrey fez uma proposta, na época, de US$ 6

milhões, que era muito dinheiro na época, e eu recusei. Porque eu não tinha vontade e não tinha

condições de deixar a minha família. Naquele momento, para mim, eu ficar longe da minha

família era muito desgostoso. E eu gostava de jogar ali no Atlético. Eu me sentia, dentro do

Atlético... minha sala, minha cozinha, minha cama. Eu não tinha essa vontade. Então, essa

vontade de sair veio em 1977, aí com essa perda do título por causa do treinador. Aí, em 1979,

eu falei: “Vou fazer um bom campeonato, Cerezo, porque eu acho que eu estou querendo sair

do Atlético. Mas a minha cabeça está aqui.” Aí eu ouvi noticiado que o Grêmio tinha um

interesse; o Fluminense tinha um interesse... Tinham uns três clubes, na época. E eu conversei

com o Eduardo Lage, que foi uma pessoa que me orientou muito, me ajudou bastante, depois de

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minha família, e eu falei: “Eduardo, estou com vontade de sair, e têm alguns times aí.” E eu não

gostava muito de ficar lendo o noticiário, não. Porque notícia é o seguinte, tem um lado bom,

que você... e tem um lado ruim que são as críticas, então, você tem que se prender. Então, era

melhor eu ficar [inaudível]. Ele falou: “Olha, têm três clubes aí. Vê um aí, para onde você quer

ir.” Eu falei: “Eu quero ir para o frio, quero ir lá para o Sul. Porque o Sul, o futebol é pegado, e

eu gosto desse futebol.” Ele falou: “Então está [certo]. Vou ajeitar então.” Aí, como o Grêmio

estava noticiando, surgiu então a possibilidade de o Éder vir para o Atlético e eu ir para o

Grêmio. Eu falei: “Eduardo, encaixa essa para mim aí. Pode encaixar essa aí que vai ser

maravilhoso. Eu quero ir lá para o Sul, eu quero ir lá sentir esse futebol que dizem que é

pegado, que no Sul é isso e tal.” E eu conversando com alguns colegas meus, eles falaram

assim: “Mas você vai para o Sul, rapaz?! Vai para o Sul, não. No Sul é cidade só de brancão só,

dependendo da época, um racismo danado.” E como eu falo para vocês, eu sempre gostei de ir

buscar. Eu falei: “Vou lá buscar. Esse é o desafio. Vou lá. Quero ir para o Sul.” Falei com...

Cismei. “Eu quero ir para o Sul.” “Ah, mas tem o Santos que está interessado em você.” Eu

falei: “Não. Não quero o Santos nem o Fluminense; quero ir lá para o Grêmio.” Aí liguei para o

Vantuir, que é meu compadre: “Como é aí, Vantuir?” “Nossa! Aqui é ótimo, aqui é

maravilhoso, o pessoal é bacana demais!” Eu falei: “Estou indo para aí.” Eu falei: “Eduardo,

discute o contrato lá, vê o que é que tem lá, mas eu quero ir para lá.” Aí acertei para ir para o

Sul. Aí a troca do Éder. Aí o... Ficou muito no ar. É aquele negócio: “Será que vai dar certo, o

Éder e o Paulo Isidoro, o Éder aqui?” E o Éder lá tinha um nome, Nossa Senhora! E eu também

tinha um nome aqui. “Éder, o homem bomba”, aquele negócio todo. Aí então fizeram a troca.

Eu estava viajando e o Eduardo me ligou: “Sai daí, pode ir lá para o Sul para a gente discutir o

contrato.” Eu falei: “Olha, eu não quero nem saber.” Aí eles discutiram por telefone. “Pode

fechar nisso aí.” Quando o Eduardo chegou lá no Sul, o Grêmio veio para poder fazer um

contrato de seis meses, “ah, vamos fazer um contrato de seis meses e tal”. E eu falei: “Faz de

seis meses. Maravilha. Para mim não tem problema, não. Faz de seis meses.” Aí fizeram lá um

contrato e um pré-contrato para ampliar. Aí eu falei com o Eduardo assim: “Eduardo, que

beleza, hein? É aí que nós vamos ganhar uma grana, é agora. Porque na hora que o meu contrato

vencer, hum, coitado do Grêmio. Ou então vai ter que me vender, e vender bem.” E eu falei:

“Vou buscar lá no Grêmio, Eduardo, uma situação que você vai ver agora.” Aí eu já estava bem

já experiente, bem rodado em termos de gramado, de conhecimento de torcida, aquela coisa e

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tal. Aí fui para o Sul. Aí chegou lá, se eu me lembro, o Paulo Sant’Ana, o comentarista de lá,

ele me olhou... Sabe quando a pessoa te vê assim e assusta? Porque você sabe, eu não tenho um

porte físico avantajado, e no Sul eles gostam muito de jogadores fortes. Ele olhou assim... Eu

acho que ele deu aquela respirada e falou assim: “Nossa! Acho que esse...” Não falou, mas você

vê o semblante do cara te entrevistando, “ah, esse jogador não vai aguentar aqui, não”. Ele não

falou, mas eu li na...

B.B. – Nas entrelinhas.

P.I. – ...nos repórteres, na entrevista. Aí eu comecei, eu falei: “Ô beleza! Aqui é que eu

gosto!”

B.G. – “Aqui que eu vou buscar.”

P.I. – “Aqui que eu vou buscar.” Aí fui para o Sul. E o futebol lá é pegado. Eu sempre

gostei do contato. Eu, por ser um jogador leve e rápido, isso aí, para mim, era a melhor coisa.

Porque eu gostava muito quando o jogador vinha para me bater. Sendo um jogador que vinha

para me bater. Não é que eu ia bater nele. É porque a maneira mais fácil de você driblar, livrar

seu jogador é aquela, é imaginar mais ou menos... Não estou comparando o ser humano a um

touro. É o touro e o toureiro: ele só visa ali a capa vermelha. E o cara visa ali, você tirou, tchau.

Então eu gostei muito da experiência minha no Sul, porque era um futebol de muito combate e

era muito o meu estilo. Então foi maravilhoso, os três anos que eu passei pelo Grêmio.

B.B. – Essa rivalidade que tinha...

[FINAL DO ARQUIVO I]

13P.I. – É mais ou menos isso? Está legal aí?

B.B. – Está maravilhoso! Está excelente! Puxa! A história do avião é muito boa.

13 Este trecho foi gravado durante a troca de fitas da câmera filmadora.

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P.I. – Ah! A do avião, eu não esqueço dessa. Não tem como.

B.G. – Depois passou, não é? Depois você já...

P.I. – Depois passa. Mas hoje, até hoje, eu ando de avião, mas falar para você que eu

sento e fico tranquilo, não. Eu tenho ainda receio de andar de avião. E sei, já conversei com

vários copilotos e pilotos, que é o transporte mais seguro. Realmente é muito seguro. É

maravilhoso. Mas não deixa de ter aquele calafriozinho e tal.

B.B. – Porque é aquela coisa, não vai acontecer, mas se acontece, também não tem jeito,

não tem escapatória.

P.I. – É isso aí. É por isso que eu ainda... [risos]

B.B. – Paulo, então estávamos falando da sua experiência em Porto Alegre, jogando no

Grêmio, o Grêmio campeão brasileiro em 1981, você convocado em 1982 para disputar a Copa

do Mundo. A rivalidade que havia e que há aqui entre Cruzeiro e Atlético, você sentiu lá, entre

Inter e Grêmio?

P.I. – Olha, a rivalidade entre essas quatro equipes é muito grande, é uma coisa meio

assustadora: aqui, Cruzeiro e Atlético, e lá no Sul, também, Grêmio e Internacional. Agora, eu

acho que lá, Grêmio e Internacional, é um pouquinho mais do que aqui em Minas. Porque,

quando eu cheguei lá no Sul, o pessoal que trabalhava no Grêmio lá... Eu lembro que um

funcionário chegou para mim e falou... “Tudo bem?” “Tudo bem.” Conversamos e ele falou

comigo: “Olha, uma coisa que você tem que ver aqui: na hora que você for lá no Internacional,

tem a Mosqueteiro lá, aquela churrascaria, você nem pense em ir lá. Não tem como você ir na

churrascaria do Internacional. E aqui, para você vir no Grêmio, não vem com roupa vermelha,

não.” Eu falei: “O que é isso?!” [risos] “Não vem, não. Não vem com nada vermelho.” Não

podia usar. Ele, discretamente, falou comigo e eu entendi a mensagem, então, eu procurava

evitar, não estar usando, porque a rivalidade era muito grande mesmo lá no Sul. Mas o

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tratamento, o respeito, dos torcedores, é muito bom. Mesmo lá. O gremista ou o torcedor do

Internacional nunca vem com um desrespeito por você na cidade, no dia a dia, mas a rivalidade

é muito grande.

B.B. – Então, foi no Grêmio que você foi pela primeira vez convocado para a Seleção

Brasileira?

P.I. – Não. Eu já tinha sido convocado, como eu fui convocado em 1976, com o Cláudio

Coutinho. Eu, mesmo aqui no Atlético, fui várias vezes convocado. Depois, para o Mundialito,

eu fui também convocado – aí já com o Telê Santana. Na década de 1980, aí eu já estava sendo

convocado sempre, direto. E Deus me ajudou muito, porque era o meu sonho, “quero buscar”,

que eu sempre falo. Jogando, sim, em clube grande, a chance e a possibilidade de você ir à

Seleção também é grande. Então, como eu sempre joguei em clubes grandes, o sonho de

disputar o Mundial. Eu falei: “Eu tenho toda chance de disputar uma Copa do Mundo.” Quando

eu fui, em 1982, que eu disputei o Mundial da Espanha, eu falei: “Nossa Senhora! Agora,

graças a Deus... É como prestar um vestibular e você conseguir se formar como médico ou

alguma coisa. Então, eu agora estou realizado, cheguei no ponto máximo.” Porque você ir

disputar uma Copa do Mundo é o seu Monte Everest. Então eu cheguei lá. E cheguei, assim,

num estágio muito bom e numa seleção muito boa. Então, naturalmente, o respeito e o

conhecimento, aí se dobrou muito mais.

B.B. – Paulo, passaram-se 30 anos da Copa de 1982. Até hoje é uma das Copas mais

lamentáveis, porque se fala da equipe de excelência que se criou, que encantou o mundo, mas

que não conseguiu o objetivo final ali, talvez pelas contingências daquela partida fatídica contra

a Itália. Que lembranças você tem do grupo, da experiência do grupo, do relacionamento

interno, de reencontrar o técnico que havia te formado no Atlético Mineiro? Conta um

pouquinho das suas lembranças da Copa de 1982.

P.I. – A Copa de 1982, para mim... Eu procurei absolver aqueles lados que se podem dizer

negativos e absorver o lado positivo daquela seleção. Aquela seleção me marcou tanto que eu

não quero ficar tendo lembrança, se é que teve, de coisas ruins. Eu quero lembrar que eu fui

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numa seleção, numa das melhores seleções já feitas no futebol brasileiro, com um

companheirismo maravilhoso, com jogadores ali como Sócrates, como Zico, como Falcão,

Cerezo, Éder, Batista, Edevaldo, Leandro... Entendeu? Então, essas lembranças dessas pessoas é

que me fazem fortalecer que o futebol é viável para você ter amizades. Se perdeu para a Itália...

Porque quem acredita que o seu Universo te mostra as coisas e te dá as coisas que você merece,

então, em 1982, nós merecemos ser vice. Então, hoje, nós merecemos ser lembrados como uma

seleção boa. Para que ficar falando das coisas ruins? Se é que teve. Se aquela seleção mostrou

aquele futebol que encantou a todos é porque o ambiente era maravilhoso, e só num ambiente

maravilhoso você consegue proporcionar um bom trabalho. E aquela seleção, para mim, não

teve pontos negativos. Tudo que eu vivi naquela seleção foi só coisas maravilhosas: boa

amizade; comissão técnica maravilhosa; um treinador que eu comecei com ele e cheguei com

ele à seleção. Então, eu não tenho por que... Eu acho que não tenho o direito de querer forçar a

minha mente com coisas negativas, que eu acho, no meu ver, que não houve. Foi maravilhosa,

essa seleção. Então, é esse momento que eu quero estar passando para todos, da minha ida nessa

seleção. Foi bom. Tivemos, realmente, lá, um jogador que foi feliz, como o Paolo Rossi, de

fazer três gols. É mérito deles. Não foi falha nossa, não. Ele teve mérito. Se conseguiu fazer três

gols em um jogo de Copa do Mundo, um jogador como o Paolo Rossi, é porque ele mereceu.

Foi o destino, foi o caminho dele, foi traçado por ele. Então, eu acho que a seleção... acho não,

tenho certeza, foi só momentos maravilhosos. E com isso ela me engrandeceu muito, porque fez

com que... Porque o meu buscar foi chegar a uma seleção, então, estou muito satisfeito comigo

e com a colocação que nós ficamos.

B.G. – E como é a sensação de jogar lá na Copa? Quando você entrou a primeira vez...

Porque você entrou... Você entrava meio que no lugar... como o décimo segundo titular.

P.I. – Exatamente isso.

B.G. – Como é a sensação de entrar representando a Nação? Como que é isso?

P.I. – Eu acho que é muito difícil a pessoa te passar com as palavras certas o que

representa para você, o que representa você estar defendendo o seu país, você que gosta

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realmente do seu país. Então, com que amor você vai para lá, não tem explicação. É aquele

amor de prestação de serviço, feita com a melhor maneira possível, dedicando tudo de você.

Porque você, com aquele pensamento que você tinha, “tenho que chegar a uma seleção”, então,

se você chega ali, você quer mostrar com o maior brilho possível. Então, não tem como você

explicar em expressão. Vamos dizer assim, exagerando muito, é aquela felicidade de uma mãe

ter um filho. Pode-se dizer que seja isso, eu doando uma vida para o mundo. Então, eu me

doando para aquilo que é o que eu mais gosto, que é a minha seleção, que é o meu país. Eu não

vou dizer para você que, dentro do futebol, eu morro por meu país, mas vou dizer para você, se

eu tiver que defender o meu país, eu vou com armas em punho e vou morrer pelo meu país. É

essa satisfação de estar servindo àquilo que você gosta demais. Então, o que eu posso dizer para

você é mais ou menos... é isso aí. Então, acho que não tem a palavra certa. Porque você chegar a

disputar uma Copa do Mundo, você ver aquele... Para o jogador, isso é gratificante demais.

Então, é um trabalho seu realizado, fortalecido, é um trabalho seu compreendido pelo país, de

que você realmente está fazendo aquilo para o país, que, realmente, merece o seu trabalho.

B.B. – Paulo, na primeira fase, o Brasil joga contra a União Soviética, contra a Escócia e

contra a Nova Zelândia. Você entra nas três, no segundo tempo. Ali você já sabia que ia entrar?

Como é que você ficava ali, para esse momento de entrar em campo?

P.I. – Olha, o meu saber que ia entrar seria sempre na próxima partida. Eu, quando... Você

citou, “você entrava sempre no decorrer da partida”. Quando eu terminava, eu pensava que no

outro jogo eu ia entrar, naquela partida.

B.B. – Como titular?

P.I. – Exatamente. Não que eu chegava e obrigava o treinador, “você não vai me escalar,

não?”, porque eu tinha o pensamento que eu sempre quero ir ali buscar. E eu sempre queria, eu

sempre pensava em ir buscar ser o titular. Mas eu não ficava magoado, triste, contra a minha

equipe ou minha seleção, se eu não entrasse. Mas eu queria sempre. Terminava aquele primeiro

jogo, eu entrei faltando dez ou cinco minutos que fosse, aí eu pensava: “No outro jogo eu vou

entrar, eu vou entrar, eu vou ser titular.” Aí eu não entrava. Você acha que eu ficava

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decepcionado? Não. Eu ficava fortalecido: “Eu vou buscar. No outro jogo eu vou entrar.” Eu

sempre tinha esse pensamento. Eu sou sempre assim. Sempre fui assim. Essa maneira minha do

buscar, na minha vida toda, até hoje, eu sempre aprendi que o amanhã, você vai buscar. Então,

amanhã, para mim... “Ah, amanhã, no próximo jogo, eu vou ser o titular.” Mas ele não vinha, e

eu não abaixava a cabeça e não me entregava e não me decepcionava. Mas sempre me dava uma

esperança, sabe?

B.B. – Aí, na sequência, na segunda fase, contra a Argentina, você... Esse jogo você não

participa, mas contra a Itália, sim. Vocês tinham confiança de que seriam campeões? Foi muito

frustrante, essa derrota? Você até já falou um pouquinho sobre isso, mas como é que estava o

grupo, jogo a jogo, e em específico, nesse jogo contra a Itália?

P.I. – Esse jogo contra a Itália, eu vou falar até muito por mim, porque eu vou te falar, eu

cheguei, troquei de roupa falando que nós íamos passar. Eu sempre achava que os jogos sempre

eram difíceis, mas, devido a comparações que eu fazia entre o Brasil e a Itália, eu pensava

comigo... Na hora que eu cheguei e comecei a trocar de roupa, eu falei: “Nós vamos passar.”

Não só pelo fato de eu sempre ter esse pensamento de ir buscar, “vai passar”, é porque eu

acreditava que o Brasil tinha muito mais qualidade, muito mais condições de passar pela Itália

do que a Itália passar por nós. Em momento nenhum eu pensava que a gente ia perder ou ia até

empatar com a Itália. E eu via, talvez por eu acreditar muito, eu via no semblante dos nossos

jogadores que eles também acreditavam. Nós estávamos muito felizes dentro do vestiário e eu

pensava comigo... Felizes, todo mundo muito alegre, como sempre. Mas naquele dia a gente

estava até um pouco mais. E eu estava ansioso? Estava. Porque eu estava... Eu pensava: “Ah,

vem logo o final do jogo, porque a gente vai passar. Vamos ver quem nós vamos pegar.” Então

eu acreditei. Então eu realmente... Depois, na hora que terminou e que nós não conseguimos, eu

confesso a você que eu fiquei frustrado, decepcionado, sim. Fiquei. Mas sempre acreditei que

nós íamos passar. Então, se foi um excesso de confiança, se foi máscara, ou se nós

desmerecemos o adversário, que as pessoas pensem da maneira que quiserem, mas que eu falei

e acreditava que nós íamos passar, nós íamos passar da Itália. Eu acreditava no Brasil, mesmo.

Acreditava mesmo. Como até hoje eu não sei te explicar por que aconteceu. Então, se há a coisa

do destino, se é coisa elaborada por Deus, aquilo ali foi uma coisa que não estava escrita. Mas

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eu vou te falar que a todo momento... Até hoje eu ainda falo, se nós formos jogar com a Itália

amanhã ali, nós vamos passar pela Itália. Porque eu achava e acho, analisando, que a nossa

seleção era bem superior à Itália. Não tinha como, não.

B.B. – Vocês e a comissão técnica... Havia sido feito algum estudo sobre a Itália? Vocês

chegaram a ver VTs com as partidas do selecionado italiano? Ou vocês foram para o jogo sem

esse estudo prévio?

P.I. – Não, não. A seleção agiu da mesma forma, como se fosse outro jogo. Porque nós já

tínhamos uma maneira de jogar. Nós já tínhamos uma maneira de nos comportarmos dentro de

campo. Nossos jogadores já sabiam o que cada um iria fazer. Nós já sabíamos que o Paulo

Isidoro só ia entrar no segundo tempo. [risos] Era tudo já... Então, isso tudo já estava ali

predestinado, já estava tudo escrito. Por isso que eu falo, se nós voltarmos... eu vou estar com a

cabeça pensando que nós vamos passar pela Itália, porque a nossa seleção é melhor. E quem é

que vai me mostrar e falar que o meu pensamento hoje vai mudar, falar que a nossa seleção não

era melhor que a Itália? Era sim, em todos os setores de todas as posições. Mas era uma coisa

que estava ali predestinada. Mas no meu subconsciente, e acho que no da maioria de nós,

jogadores, a gente estava muito confiante, muito confiante. Pode até ter algum jogador que não,

que achava... Ele pode até falar hoje, mas lá no momento, eu tenho certeza absoluta que nossa

equipe estava muito confiante. Se a confiança foi excesso de prepotência... “Ah! Nós vamos

chegar...” Não. Porque nós entramos e deu para sentir que estava todo mundo muito confiante.

A gente confiava na nossa seleção, mesmo. A nossa seleção era muito boa, mesmo. Nos

amistosos, na preparação... Ah, brincadeira! A gente ia jogar lá em Fortaleza contra uma

Escócia, fazer jogo treino, a gente entrava lá, trocava de roupa e... Eram três, quatro [gols]. Nós

fomos disputar o Mundialito lá, nós chegamos lá sabendo que nós tínhamos uma seleção boa,

mesmo. Era uma seleção maravilhosa. E eu não... Até hoje eu não acredito. E fica aquele

negócio: “É a Itália, nós vamos jogar...” Fica todo... Não. Não teve isso, não. Não teve. A

seleção estava muito confiante, muito confiante.

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B.G. – E no vestiário, depois do jogo, o grupo continuou unido também, para superar isso,

ou vocês ficaram tentando entender o que tinha acontecido? Porque antes estavam super

confiantes, realmente.

P.I. – Nós estávamos super confiantes, mas a desolação depois... Porque a gente só

acredita na coisa, que vai acontecer com a gente, depois que ela acontece. Aí, depois que

aconteceu, naturalmente, se murchou, falou: “Não é que nós perdemos para a Itália?!” Então,

cada um se isolou um pouco. Conversava ali, mas é claro que com tristeza. Por que era tristeza?

Porque a gente não acreditava que ia perder. Porque se a gente acreditasse que ia perder para a

Itália, nós perdemos, então todo mundo tinha saído conformado: “É, nós íamos perder mesmo;

nosso time é...” E por que nós saímos decepcionados, de cabeça baixa? Porque nós não

acreditávamos que íamos perder para a Itália. Não acreditávamos, não. Eu fui fazer o exame

antidoping. Eu fui sorteado. Depois eu fui lá fazer o antidoping. A vibração, naturalmente, que

estavam os jogadores italianos... E eu, lá no cantinho. Eu não me conformava. Não me

conformava e não acreditava. Eu me lembro que eu acho que ainda comentei com um repórter

lá, falei: “Nossa Senhora! Nós perdemos para a Itália?!” Você entendeu? Aquela... Eu estou te

confessando o que realmente aconteceu comigo lá. Eu falei: “Mas nós perdemos para a Itália?!”

Como quem diz: “Perdemos...” Então, até hoje eu... A minha maneira, a minha reação lá foi

essa: “Mas nós perdemos para a Itália?!” Eu não acreditava. Porque eu sempre achei, antes, lá,

durante e depois e hoje ainda acho, a nossa seleção era melhor do que a da Itália. Isso aí

ninguém me muda o pensamento. Se for analisar friamente, era sim. Agora, é claro, você... De

repente, você está tão confiante de fazer uma coisa, aí aquela coisa dá errado, é claro que você

se decepciona e abaixa a cabeça, se murcha, porque você vê que as coisas acontecem com a

gente. Agora, eu esperar que a gente ia perder para a Itália? Nunca! Mil vezes nunca! Então, até

hoje eu tenho a mesma reação que eu tive lá: não acredito, não. A Itália era muito boa, mas

melhor que a nossa seleção não era. “Ah, mas ela ganhou de vocês.” Ganhou. Mas no meu

pensamento, na minha maneira, ainda acho que não era uma seleção para ganhar da nossa. Só

que naquele dia você tinha um jogador que, num jogo de Copa do Mundo, faz três gols. “Ah, é

sorte dele.” Não. Não vamos dizer... É mérito dele. Vou dar o mérito para ele.

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B.B. – O Cláudio Coutinho chegou a criar a expressão, em 1978, do campeão moral. Quer

dizer, a qualidade do time acabou não se convertendo na vitória, na superioridade, na conquista

do título, ainda que, do ponto de vista moral, a equipe saiu vitoriosa e até hoje é reconhecida

como uma grande seleção. Por onde quer que a gente vá, isso é reconhecido. Pensando nos

fatores extracampo, na semana passada nós estivemos gravando o depoimento do Juninho

Fonseca e ele lembrou um fato curioso: ele disse que, naquele jogo contra a Itália, o trajeto de

ônibus... a ida para o estádio foi muito precária. Você tem alguma lembrança ou tem algum

fator que você poderia também pensar, além do que aconteceu em jogo, que tenha... a

concentração... que tenha contribuído para a derrota do time? Tem algum fator ali na véspera do

jogo? Teve algum outro elemento que você recordaria, como esse, por exemplo, que o Juninho

Fonseca trouxe no depoimento dele?

P.I. – Talvez, foi uma maneira de ele, no momento lá, ele visualizar isso. Mas eu ainda

continuo te afirmando que a nossa seleção agiu da mesma maneira que nos outros jogos. Se

você falar comigo “então foi excesso de confiança”, mas, poxa, nós tínhamos que confiar no

nosso futebol. A nossa seleção era boa, então a gente tinha que ter confiança. Eu olhava para um

Zico, eu olhava para um Sócrates, eu olhava para um Falcão, um Cerezo, um Batista, eu não

vou confiar nesses caras, que são monstros da bola? A minha equipe é boa, a minha seleção é

boa, por que não confiar? Então, acho que ali dentro daquele ônibus, quando fomos para lá, se

[alguém] pensou errado fui eu. Porque eu, em todo momento, quando eu fui para a Copa do

Mundo, eu acreditava que a nossa seleção ia ser campeã, devido aos valores que eu via em volta

de mim. E até o meu buscar. Eu acreditava que ia ser campeão do mundo. Não aconteceu

comigo, não aconteceu para mim, tudo bem, mas eu falar para você que fulano discutiu com

outro, que outro agiu mal dentro do ônibus? Nada. “Ah, foi excesso então de confiança.” Claro!

Eu tenho que confiar em mim, cara. Se é excesso, se você pensa assim, tudo bem, cara. Poxa, eu

não vou olhar para uma seleção, uma equipe daquelas e não vou confiar? Eu, realmente, eu te

falo de todo coração: eu confiava e confio naquele grupo que foi com a seleção de 1982. Falar

que eu estou decepcionado em não ser campeão do mundo? Não. Não estou, não. É porque o

que tinha que acontecer para nós era isso. Agora, você falar que aquela seleção não podia jogar

dessa maneira, foi fulano que ligou, fulano disse... Nada. Nada. A nossa seleção estava bem

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postada. Então, ali dentro do ônibus, se não tinha ninguém... Eu acho que então não tinha

ninguém que acreditava e confiava mais do que eu. Eu confiava demais, eu acreditava.

B.B. – Você falou da forma de jogar. Na época, o grande debate foi, em relação à

escalação do Telê, se deveria ou não haver ponta. Você acredita que teve alguma questão da

disposição dos jogadores que influenciou? Ou isso também não é o ponto decisivo para a gente

pensar essa Copa?

P.I. – Você lembra que legal que era, não é? Quando o Telê fez a convocação, ele adotou

por não pôr um ponta fixo. “Eu vou colocar um ponta falso, vamos dizer assim, que seja ponta e

não seja, mas que dê liberdade para o lateral ter uma qualidade monstruosa para jogar. Eu vou

entrar.” E eu me lembro que ele chegou para mim e falou: “Você tem as condições técnicas,

condições físicas e condições para poder fazer o que eu quero, não utilizando o ponta fixo.” Eu

falei: “Pode falar. Estou aqui para servir.” “Você vai ser...” Na época até, quando ele me

explicou, eu fiquei meio indeciso. “Ponta falso? O que é ponta falso?” [risos] Eu sou forte, mas

falso... Mas aí ele me explicou com poucas palavras o que é o ponta falso: “Você, quando nós

estivermos sem a bola, você vai voltar para ajudar a fechar o meio. Nós vamos deixar aquele

espaço para o Leandro ir, porque tem uma qualidade ofensiva maravilhosa. Naturalmente,

quando ele for à frente para fazer o cruzamento, se porventura der um contra-ataque, ao invés de

eu deslocar um volante, você pode muito bem fazer o lateral, e se sair um volante, você vem e

fecha o meio.” Eu falei: “Ah, deixa comigo. Isso é mamão com açúcar. Isso é fácil. Meu

condicionamento físico é ótimo, é invejável, então eu vou fazer isso com facilidade. Agora, o

senhor tem que ter um pouco de paciência porque eu vou ter um... para a adaptação.” Ele falou:

“Não, não, sem problema.” “Então está bom.” Aí, não sei se vocês lembram, na época, o Jô

Soares começou com uma brincadeira até... No início, até eu fiquei um pouco chateado, porque

eu pensava que ele estava pegando no meu pé, “Telê, põe um ponta, Telê!”. Então, eu achava

que aquilo era direcionado para mim. Então, no início, eu... “Nossa! Esse gordão aí está me

enchendo a paciência, mandando pôr ponta. Devia me dar força.” [risos] Eu pensava e

comentava com alguns colegas meus. E quando eu ligava para cá... “O Zé da Galera está aí,

Paulo, ‘põe ponta, Telê!’.” Aí, depois, com o passar do tempo, eu comecei a levar aquilo para o

lado do humorismo, da brincadeira. E aí o Brasil, todo mundo começou a acostumar a ver a

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seleção com esse tipo de jogada: sem um ponta. Então, o Brasil acostumou. Então, foi aonde

que ele começou a parar, a diminuir. Aí, depois, também, eu já entendi que aquilo era uma

brincadeira que ele estava fazendo com a gente. Mas o Telê me deu muita força, para eu poder...

e muita liberdade, para poder estar jogando dessa maneira. Então, depois que todo mundo

aceitou, a imprensa também aceitou. Só que aí, depois, na hora que eu falei “agora, legal, já está

legal aqui”, nas preparações... Então, na estreia, quando eu achei que eu ia jogar, aí ele me tirou.

Mas eu entendi que ele queria mudar. E um repórter, eu me lembro que ele me falou: “Mas você

não vai questionar nada, não?” Eu falei: “Não. Quando ele me pôs aí dessa maneira, eu não

perguntei para ele por que ele estava me colocando no time. Agora que ele me tirou, eu vou

perguntar? Não. Ele tem todo o direito, ele é o treinador.” Aí não deu muita polêmica, não. Mas

você sabe que a imprensa, parte dela gosta de brigar para dar um tumultozinho. Então aceitei

numa boa.

B.B. – Ainda pensando nos aspectos extracampo, em 1982, nós já tínhamos a CBF – não

mais a CBD, mas a CBF, comandada pelo Giulite Coutinho. Em termos de organização, como é

que você se recorda da organização dos dirigentes da CBF na Copa de 1982?

P.I. – Olha, eu fui o tipo do jogador que eu nunca me preocupei em entrar com a política

extracampo. Então, meu negócio... Eu sempre gostei de jogar bola. Eu gosto de jogar futebol.

Eu não me preocupava com coisas fora do campo, com federação, com o juiz... Você pode

perguntar à maioria dos árbitros se dentro de campo eu era um jogador polêmico. Eu não! Deixa

ele apitar lá. Meu negócio é entrar aqui e jogar bola. Então, com a CBD, com a CBF, com

federação, eu nunca me envolvi, e com o...

B.B. – Giulite Coutinho.

P.I. – ...o Giulite Coutinho, se ele era um bom presidente ou não. Eu não me envolvia com

essa parte política, não. Eu sempre fui muito voltado para jogar bola. Eu sempre falava muito...

“Ah, mas a gente tem que se preocupar com a coisa extracampo, se eles vão administrar bem.”

Mas quem sou eu para poder mudar?! Eu não vou conseguir mudar. Eu vou ficar antipatizado aí

com os outros. Aí vai começar a falar de um, falar mal do outro... Às vezes, você fala de uma

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maneira, a pessoa interpreta de outra. E há muita maldade, muita malícia no meio do futebol.

Então, é aquilo que eu falei para vocês, eu sempre buscava o quê? Na minha carreira, eu sempre

buscava em jogar futebol, em levar ali para dentro o melhor. Então, eu sempre me dedicava em

passar o melhor ali, principalmente para o torcedor, o qual eu respeitava muito. Porque o

torcedor, ele vai ali, ele vai com o time dele, ele vai para torcer. Então eu falava: “Puxa vida,

deixa eu jogar minha bola aqui porque o cara vem aqui para poder me ver jogar. Então, deixa eu

passar para ele uma coisa boa, para ele ir para casa leve.” Eu não me lembro de ser vaiado, ou

de um torcedor me xingar, me agredir. Nunca me aconteceu. Por quê? Porque eu entrava ali

pensando em agradar ele de alguma maneira, dar a ele uma recompensa. Então, por isso que eu

falo para você, CBF, CBD, eu não me preocupava, não. Eu me preocupava um pouquinho era

com quê? Com a tabela, com o campeonato, com o time que eu vou jogar. Isso aí eu me

preocupava, sim. Mas coisas extracampo, não me envolvi. Com diretor, presidente, não me

envolvi.

B.B. – Mas na Copa de 1982, as condições de treinamento, de concentração, vocês

tiveram uma infraestrutura adequada para os jogos?

P.I. – Nossa Senhora!

B.B. – Desse ponto de vista da organização, funcionou.

P.I. – Funcionou maravilhosamente. Nossa Senhora! Nós tínhamos todo o apoio do

mundo, todas as condições para poder estar jogando. Até, muitas vezes, eu me perguntava...

Nossa Senhora! É aquilo que eu falo para você, muitas vezes, a gente... tem que se valorizar

muita coisa, se você vier fazendo a escada de sua infância. Então, você tem que valorizar. O que

a gente tinha de mordomia! Não só na seleção como nos clubes. Muitas vezes, hoje, a gente vê

que muitos jogadores não valorizam isso. Mas muitos valorizam, sim. Então, a seleção, em

1982, nós tínhamos tudo. Eu me lembro, lá, a gente ia para um lado ali, tinha segurança ali te

olhando, para ver se estava tudo bem. Aí você dava uma... sentava um pouquinho de mau jeito,

vinha um homem... [risos] “Não. Senta assim, por causa da sua coluna.” Eu pelo menos, você

volta um pouquinho lá na sua infância, puxa vida, quando é que eu pensava que ia ter tudo isso?

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Então, nós tínhamos tudo: alimentação... Então é maravilhoso. Eu acho que o jogador, o atleta

de futebol, ele tem que valorizar, sim, porque ele tem tudo do melhor. Então, ele tem que se

dedicar, realmente. Hoje, muitas vezes, a gente vê aí jogadores se envolvendo com coisas que

não devem, muitas vezes, e não dá valor para isso que ele tem. Hoje, tem meu filho que está

começando a ingressar na carreira aí, eu dou muito conselho para ele, para poder estar

valorizando. Porque a gente tem tudo. Então, seleção, principalmente você em uma Copa do

Mundo, Nossa Senhora! Tinha hora que eu ficava impressionado. Eu falava com o Luisinho14,

porque a gente era de andar muito junto, eu falava: “Nossa! Luisinho, pode olhar aí que não tem

um pernilongo, não tem uma barata incomodando a gente. Se tiver, já tem dois, três olhando

para tirar.” [risos] É verdade. Então era bacana. Nossa Senhora! Porque eu sempre valorizei...

Eu sempre valorizo as coisas. Eu brincava muito com o Serginho Chulapa lá na concentração,

eu falava: “Pô, negão, nós estamos bem demais!” Então tem tudo. Não tenho porque... Não me

falta nada. Não só na de 1982, mas, numa seleção, num clube, não falta nada, os caras te dão

tudo. Então, você tem que se preocupar é de entrar dentro de campo... não é brigar nem é querer

machucar o adversário; é mostrar o que você sabe fazer.

B.B. – Paulo, e o retorno para o Brasil dessa Copa, o País foi... Como já havia uma

tradição de se preparar, havia a expectativa, bandeirinhas eram penduradas nas ruas, as ruas

eram pintadas, enfim, uma mobilização muito grande e uma frustração, realmente, com a

derrota. Você tem uma lembrança de como foi esse retorno, a chegada no aeroporto?

P.I. – Essa lembrança aí foi dolorosa. Aí é que eu vi o quanto o torcedor sofre, o quanto

ele se entrega e busca. Aí é que você vê que há realmente a decepção. Você olhava o torcedor,

você via que decepção. Aí tem o momento de você falar assim: “Ah! Vou parar.” Por quê?

Porque parece que você fala assim: “Não consegui dar para essa pessoa o que mais ela queria.”

Aí é que você vê o tamanho da coisa. Eu, quando terminou o jogo e que eu fui fazer o exame, eu

não acreditava, não dei... Você se encolhe, você fica triste e coisa e tal, mas na hora que eu

cheguei no Brasil, me deu vontade de parar. Eu pensei o quanto que eu decepcionei as pessoas.

Aí eu fiquei magoado comigo mesmo. Aí eu cobrei de mim. Mas aí, no mesmo momento você

pensa: “Mas eu tentei. Eu fiz tudo.” Aí você conversa com você mesmo, “mas eu não fiz tudo,

14 Luis Carlos Ferreira.

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faltou mais alguma coisa”. Me deu... Na hora que eu cheguei... Porque eu vi... Eu falei: “Não,

gente, não vou mexer com bola mais, não. Vou parar de jogar.” Aí realmente me deu vontade de

parar. Acho que foi a única vez na minha carreira que me deu vontade de parar de jogar bola e

mexer só com os meus negócios, me dedicar à família. E foi na época que eu tive meu primeiro

filho, em 1982, e até juntou um pouco disso. Aí me deu vontade. Aí eu vi realmente o que é

uma decepção. Até então eu não tinha o conhecimento que realmente as pessoas tivessem

decepção.

B.B. – E esse retorno foi direto para Porto Alegre ou você volta para Belo Horizonte?

P.I. – Eu volto para Belo Horizonte. Vim em Belo Horizonte, com minha... Não. Fui em

Porto Alegre. Fui para Porto Alegre. E aí você sente... Eu não sei se é porque... Aí é um

momento que você tem um contato muito pessoal com o torcedor. Lá, você não estava com

aquele contato. Você estava sentido. Não vem falar que nós não ficamos sentidos porque aí é...

Ficamos sentidos, sim. Mas na hora que você tem esse contato de pertinho ali, esse calor ali,

você fala: “Puxa vida, como essas pessoas estavam confiando loucamente.” Quando a gente

anda na rua, vê ainda a marca de lugares pintados, bandeira, você vê em casa, com sua família.

Foi um ano que eu tive vontade de parar, sabe?

B.G. – As pessoas falavam o quê, os torcedores? Eles eram solidários? Como que era?

P.I. – Primeiro eles me faziam a pergunta “por que vocês perderam?”. Não perguntavam

“mas como vocês perderam?”, mas “por que”. O “por que”, está parecendo que você entregou.

Não é isso. Por quê? Uai! Não tem... Você não quer perder o jogo. Você não quer... Igual eu

explicava, conversando com um amigo, em casa, amigo dos meus irmãos, eu falava: “Eu estava

tão confiando em vencer que na hora que eu estava trocando de roupa eu estava imaginando

passando da Itália, de tanto que eu estava acreditando.” Eu fui um cara que eu acreditei muito,

mesmo. Trocando de roupa lá, normal como nos outros jogos, acreditando que ia passar. Agora,

como você vai colocar isso dentro da cabeça do torcedor? Como você vai passar isso para ele

em palavras para ele acreditar? Então é difícil, essa explicação. Então você fala: “Puxa vida,

olha como ele...” Você via, mesmo depois, conversando com as pessoas, a pessoa abaixa a

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cabeça, assim. Parece que ele voltava lá atrás. Aí eu falava com eles: “Olha, eu agora não tenho

nem como explicar; agora não tem nem como se fazer nada; não adianta derramar.” Porque meu

pai sempre me falava: “Faz aquilo ali bem-feito, porque, na hora que você voltar, não tem como

você voltar lá e tentar fazer, não. Então, se você já vai ali, faz bem-feito.” Não é que nós não

fizemos bem-feito. Tentamos fazer bem-feito, sim, tanto é que a gente estava confiante. Mas

não fizemos. É isso.

B.B. – Você disse que chegou a pensar em parar. Acabou não parando, mas não ficou no

Grêmio; foi para o Santos, em 1983, o ano em que foi vice-campeão brasileiro, contra o

Flamengo, correto?

P.I. – Correto.

B.B. – Fala um pouquinho da sua experiência do Santos, nessa volta pós Copa do Mundo.

P.I. – Essa volta minha, eu estava tão... Eu falava: “Puxa vida, como é que pode uma

seleção dessa minha perder?” Então, é onde que veio aquele desânimo, aquela vontade de você

até parar. Tanto é que naquela época o Grêmio ia disputar o Mundial e eu estava tão para baixo

que não me deu ânimo para ir disputar o Mundial. Eu poderia ter forçado e ficado no Grêmio

para disputar até aquele Mundial. Eu pensei comigo: “Ah, não quero mexer com Mundial nada,

não.” De tão para baixo que você fica. Então, aonde que houve muito uma motivação para mim

foi nessa mudança de eu sair do Grêmio. Acho que aí mudou um pouco o ar, também, o time.

Aí tinha o Fluminense, o Vasco na época, aí eu preferi o Grêmio [confundindo-se], por ser uma

cidade pequena. Não que eu não goste do Rio de Janeiro, mas eu pensava: “Ir para o Rio de

Janeiro, é muito tumulto; eu quero ir lá para Santos”, que eu imaginava ser uma cidade pequena.

Aí eu falei: “Vou para o Santos.” Apareceu a oportunidade de eu ir para lá e eu fui para o

Santos. E lá, então, começando. Me deu uma motivação muito grande de ir para o Santos

porque eu sempre tive uma simpatia pelo Santos, sempre me imaginava jogando no time do

meu ídolo maior, que era o Pelé. Aí veio uma motivação novamente. Essa mudança, para mim,

foi ótima, para o meu futebol. Eu acho que talvez, se eu ficasse no Grêmio, eu ia ficar muito

para baixo. Não por não gostar do Grêmio, mas pela situação, porque eu vim de um título que

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eu perdi. Então, eu indo para o Santos, veio essa motivação. Eu me lembro que o seu Milton15,

quando ele me contratou, ele falou: “Olha, me falaram muito bem de você, que você é um

jogador vencedor, você é muito agregador de grupo, você é de grupo, e eu estou precisando,

aqui no Santos, porque nós não ganhamos títulos há muito tempo.” Aí é aonde que sempre entra

aquilo meu do buscar. Aí me animou, porque era um desafio. Eu ia buscar. Então eu falei:

“Opa! Deixa eu ir lá buscar.” Aí eu fui para o Santos.

B.B. – Nessa época, você já estava casado?

P.I. – Já estava casado. Em 1982 veio o meu primeiro filho. Eu casei no final de 1979. Foi

quando eu casei... Porque eu namorava, casei... Eu falei: “Vou casar.” E fui para o Grêmio.

Vida nova lá, tudo motivação. Então, minha vida foi muito gostosa, por isso. Aí eu vim para o

Santos. Aí o Milton Teixeira conversou comigo e eu falei: “Vamos sim. Eu estou vindo para

cá.” E me deu uma força, me deu moral, “você é de grupo, você gosta...”. Eu falei: “Beleza!

Vamos conversar com o pessoal, vamos fechar aí com um grupo legal e vamos buscar esse

título lá que o senhor está querendo. Dá umas condições para a gente para trabalhar e nós vamos

fechar um grupo aqui.” E, realmente, fechamos um grupo. E na época, quando contrataram o

Serginho Chulapa, porque o Serginho tinha aquele lado dele de... eu falei: “Deixa o homem aí

com a camisa nove. Pode trazer ele. Vamos conversar com ele. Ele vai nos ajudar. É artilheiro.”

Aí o Milton... Aí fechamos. Fechamos um grupo bacana. Aí começamos. Aí veio o título, veio o

título paulista; veio aquele vice lá contra o Flamengo. Então o Santos teve uma campanha

maravilhosa, nessa época que eu fui para lá, de 1983...

B.B. – Vocês conquistaram o objetivo de reerguer o Santos.

P.I. – De reerguer o Santos. Então, aí me deu uma motivação boa para eu ir,

entusiasmado, bacana e tal. É claro que a gente, na casa da gente, a gente vê, pesa muito o lado

financeiro, mas eu, muitas vezes, eu gostava de ver o lado também de que eu vou ganhar,

naturalmente, mas você tem que ir para um lugar que você vai se sentir bem, também. Porque a

sua marca... Você é a sua marca. Eu sou o Paulo Isidoro, eu tenho que ir bem. Se eu for bem,

15 Milton Teixeira, foi presidente do Santos F. C.

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seu nome expande e você ganha. Então, a sua marca, você tem que estar sempre... Então você

tem que estar motivado para estar jogando. E eu fui para lá muito motivado, nessa época, para o

Santos. Fizemos um campeonato bom, fomos vice – perdemos aquele título lá para o Flamengo.

Porque na época a gente tinha um time muito bom, mas o Flamengo dentro do Maracanã era

imbatível. Era muito bom, o Flamengo.

B.B. – Adílio fez dois gols.

P.I. – Adílio fez dois gols. Nossa Senhora! Um time maravilhoso! Mas foi muito bom ali.

B.B. – E o retorno para o Atlético, voltar para Minas, para Belo Horizonte, para o clube

que te formou?

P.I. – Isso. Aí eu rodei...

B.B. – Foi uma proposta do Atlético para você? Você já tinha vontade de voltar para Belo

Horizonte?

B.G. – Foi um apelo familiar?

P.I. – É isso. [risos] Ali foi outra vontade de parar. Porque quando eu... Essa final que nós

tivemos em 1984, Santos e Corinthians... Nós fomos para a final, aí era o título, empolgação e

tal. Mas eu tinha meu pai que era diabético, era muito doente e tal. E na final, na véspera, eu

liguei: “E papai? Como é que está o velho aí?” “Ah, está todo mesmo jeito, Paulinho, está...” Aí

deu aquele... Eu falei: “Nossa Senhora! O pai está bem, mas depois do jogo eu vou para Belo

Horizonte.” Só que aí meu pai veio a falecer na tarde de domingo, não sei precisar o horário. Aí

nós fomos... Eu estava jogando, Santos e Corinthians, aquele jogo, a final, e nós, naquela

pressão, que tinha que ser campeão, e o jogo comendo. E quando terminou, no intervalo, aí eu

fui para o vestiário, aí eu vi o diretor e o Milton Teixeira, eles estavam meio assim comigo, aí

eu ouvi lá: “Tira ou não tira? Deixa ou não deixa? Fala ou não fala?” Aí eu vi que estava um

zunzunzum. Aí eu falei: “O que está acontecendo aí?” Aí chamei o presidente e ele falou:

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“Olha, aconteceu uma coisa desagradável com o seu pai.” Eu falei: “Mais ou menos eu já estava

esperando. Não tem problema, não. Já deve ter falecido, não é? Então, não tem como eu voltar,

eu vou voltar para o jogo, vou voltar normal. A vida que segue. Vou lá buscar. Nós temos que

buscar esse título.” Aí fomos para o jogo, para o segundo tempo, e com aquele negócio, com

aquela agonia toda, querendo desligar ao máximo lá do falecimento, e correndo, “e vamos lá,

porque eu estou indo buscar”. Aí fizemos um a zero. No lance, até vê que eu até me ajoelhei,

assim. Naquele momento, até dediquei para ele o título. Terminou o jogo, aí eu desci... Aí eu já

tinha pedido para eles para arrumar um voo para mim, aí arrumaram... Eu fui até metidão nesse

dia. Arrumaram um jatinho lá, para me levar rapidinho. Aí eu falei: “Arruma um voo para mim

lá que eu vou tomar um banho rápido aqui.” E os caras ficaram até meio surpresos, porque... Era

uma coisa que eu já estava esperando. Não é que eu não gostava do meu pai. Não era nada

disso. Mas foi uma coisa que aconteceu. Na sua vida tem as coisas. Tem que se conformar. E aí

fui. Pegaram um carro, me levaram para o aeroporto, peguei o jatinho e fui para casa. Aí a

minha família estava lá me esperando, fui para casa. Aí, na hora que chega lá, aí desaba tudo,

não é? Aí, você com a família... Nossa! Aí pedi para adiar lá o enterro mais algumas horas, aí o

pessoal lá no cemitério me atendeu e tal. Aí então, fizemos a reunião, enterramos o velho e tal.

Aí, minha esposa já estava em Belo Horizonte, eu falei para ela: “Agora, acho que não tem

jeito, não. Agora eu vou parar mesmo.” Aí liguei para o Milton Teixeira: “Milton, infelizmente,

eu não sei... Se quiser, eu devolvo o que eu peguei de luvas no contrato, mas eu não vou jogar

bola mais, não. Vou parar. Já está o momento de eu parar, porque já aconteceu isso aí, e minha

mãe aqui.” Eu sou muito apegado à família, à minha mãe e tal. Aí fiquei em Belo Horizonte lá

uns dias. Aí surgiu a possibilidade... O diretor do Atlético, até o Marcelo Guzella, ele falou:

“Você está com esse problema todo aí, quem sabe, você vindo para Belo Horizonte, fica perto

da sua família, você volta para o Atlético.” Eu falei: “Ah! É o velhinho lá em cima que está

traçando o caminho.” Aí não deu outra. Aí uniu o útil ao agradável. Aí foi onde que eu voltei

para o Atlético. Graças a Deus, por sempre deixar as portas abertas, fiquei mais dois anos ou

dois anos e pouco.

B.B. – E entre a Copa de 1982 e a de 1986, você continuou sendo convocado para a

Seleção Brasileira?

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P.I. – Não, não. Aí não fui convocado mais, não. Aí já aquele vínculo meu com a seleção

já tinha passado.

B.B. – Você não tinha a expectativa de jogar a Copa de 1986?

P.I. – Eu, para te falar a verdade, eu já não me empolgava mais com seleção, não. Você

sabe, quando você pensa uma coisa, “ah, meu sonho é um dia jogar em clube grande; é ir à

seleção, disputar uma Copa do Mundo”... Então, quando eu cheguei ali e eu disputei uma Copa

do Mundo, eu já me dei ali como uma coisa... Estava satisfeito. Mas aí já não surgiu mais a

oportunidade. Já não me importava mais, já não era mais a minha praia, não. Aí já não tive mais

convocação. Aí eu pensava: “Agora vou jogar nos times de ponta, para estar ainda ali buscando

as coisas boas.”

B.B. – Porque o Telê foi confirmado novamente técnico de 1986 e alguns jogadores

participaram novamente, como o próprio Zico, que acabou tendo também um desfecho

lamentável, também, nas circunstâncias de jogo ali, nos pênaltis, e o Brasil foi eliminado pela

França. Então, não tinha expectativa, mesmo sendo o Telê, mesmo sendo ainda a geração que

tinha participado em 1982? A Copa de 1986, no México, você não aspirava?

P.I. – Não. É aquele negócio, eu não aspirava voltar e via também que estava tendo uma

mudança, também. Então, devido àquele fato, também, no Mundial, eu não estar vindo jogando

direto, entrava e não jogava, isso também pode ter contribuído para, de alguma forma, você

também não voltar. E depois que eu vim da seleção e que eu tive as propostas, também, que eu

recusei. Porque era para eu ter ido para a Itália, como foram muitos outros jogadores. Então, eu

já pensava em buscar aqui dentro do Brasil mesmo, fora de seleção, mas buscar times de ponta.

Eu sempre pensava: “Eu quero jogar sempre em time de ponta, Atlético, Santos e tal.” Mas aí,

depois, com o tempo, fui me desmotivando um pouco, falei assim: “Não. Acho que está na hora

de eu parar.” Então, aí eu... Quando eu voltei para o Atlético, aí depois surgiu a possibilidade de

mais um clube, e foi onde que eu fui para o Guarani. Aí, no Guarani, eu cheguei lá, eles me

deram uma injeção. O Carbone16 falou: “Você vai ser meu meia, para poder orientar e

16 José Luis Carbone, técnico.

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movimentar esse time meu.” Eu falei: “Nossa! Vem mais um aí.” Eu falei para a minha esposa

assim: “Vamos lá para Campinas? Vamos ficar dois anos lá?” Ela falou: “Mas você não falou

que nós íamos parar agora?” “Preta, olha aqui, a proposta é boa demais. Não dá para recusar,

não, pretinha. Vamos embora, vamos?” Ela falou: “Então está bom.” Porque eu gostava sempre

que a minha família [fosse]. Aí fui, conversei com eles, “arruma um apartamento”, arrumaram

para mim tudo direitinho, aí fui para o Guarani. Aí, lá, com o Carbone. O Carbone é um cara

muito boleirão, no jeito de falar, brincalhão, e a coisa é muito descontraída, é legal demais,

então fizemos lá um ambiente bom também. Aí fiquei no Guarani. Fiz um campeonato

maravilhoso também, no Guarani. O Guarani há muitos anos, também, não chegava a uma final.

Aí nós perdemos a final para o Corinthians. Eu falei: “Carbone, eu quero parar. Porque esse

negócio de ficar só vice, vice, eu não quero, não. Vou parar. Vou embora.” [risos] Foi legal. Eu

fiquei lá mais um ano e pouco...

B.B. – Foi um jogo dramático.

P.I. – Dramático.

B.B. – O Viola, no final, fazendo um gol...

P.I. – O Viola vai lá e me faz um gol de carrinho. E eu ainda falei para ele: “Ah, Viola,

pelo amor de Deus, rapaz! Você vem aqui fazer gol de carrinho e tirar o título?!” [risos] Eu sei

que ficou também em boas mãos, ficou na mão do Corinthians, esse título. Mas a nossa equipe

era uma equipe boa também. Então é o que eu falo para vocês, nos clubes que eu passei, nos

times que eu passei, só trabalhei com bons profissionais e só consegui montar ambiente bom,

grupos bons, grupo que chegava sempre às finais. Então foi muito bom. Então eu não posso

reclamar em nada, só agradecer mesmo a Deus, por ter uma carreira brilhante igual eu tive.

B.B. – E teve alguns clubes do interior de São Paulo, o XV de Jaú e o Inter de Limeira. E

a curiosidade maior: como é que foi voltar para Minas e jogar contra... no rival do Atlético

Mineiro, o arquirrival, o Cruzeiro. Em que circunstâncias se deu a sua participação?

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P.I. – Quando eu vim para o Cruzeiro, você fala?

B.B. – Isso.

P.I. – Em 1988 e 1989, não é?

B.B. – Foi em 1989 e 1990.

P.I. – Em 1989 e 1990. Mas é aquele negócio meu, é desafio, sempre estar buscando e tal.

Aí foi quando o Cruzeiro me abriu as portas. E eu tinha um sonho, eu tinha uma vontade, de

jogar no América, jogar no Cruzeiro, e tinha iniciado no Atlético. Porque eu pensava: “Já

pensou se eu jogar nesses três clubes aqui?” E quando o Cruzeiro me fez o convite, eu aceitei na

hora. Mas aí depois veio o lado que eu fiquei preocupado. Eu falei: “Nossa Senhora! A torcida

do Cruzeiro não vai me aceitar e a torcida do Atlético vai ficar revoltada.” Eu falei: “Será que

vai dar certo isso?” Aí o Salvador17 falou: “Você foi sempre muito profissional. Pode vir que dá

certo, sim. A torcida... Nós já olhamos aí os chefes de torcida, todo mundo foi unânime de você

vir para cá.” Eu falei: “Ah, então, beleza, eu vou.” Aí foi aonde que eu fiz o contrato com o

Cruzeiro. E fui. E aquela sensação de você jogar contra o clube que te lançou, te revelou, ela é

gostosa, porque é aquela vontade de você jogar muito mais, contra ele, para mostrar para o rival

que você não está entregando o jogo, não está fazendo corpo mole. Então, veio aquela vontade

de querer jogar bem contra o Atlético Mineiro, ganhar do Atlético mesmo. Não por vingança ou

por... É por querer mostrar, para não deixar nenhum furo de maldade de um torcedor achar que

você está ali... que está fazendo corpo mole. Então foi o jogo da minha vida. E o jogo da final,

que eu fiz o gol e ganhamos do Atlético, que o Rômulo18 era o goleiro, ganhamos de um a zero,

eu fazendo o gol. Então, quer dizer, foi uma sensação maravilhosa, uma sensação não de querer

vingar do Atlético, de mostrar para o torcedor, para as pessoas, para a imprensa que você, acima

de tudo, é profissional, sem... se você é atleticano, americano, nada, não. Você tem que mostrar

que você é profissional. E eu consegui transferir isso. Depois disso, então, a torcida do Cruzeiro

ficou muito dedicada comigo. Nossa Senhora! Fiz uma amizade maravilhosa dentro do

17 Salvador Masci, ex-presidente do Cruzeiro. 18 Rômulo Traugott Binder, ex-goleiro do Atlético Mineiro.

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Cruzeiro. E não tive aquela revolta do torcedor do Atlético de me chamar de traidor, “ah, você é

traidor, foi jogar no Atlético”. Até hoje, graças a Deus, o torcedor do Atlético e do Cruzeiro me

têm com muito respeito, por ser esse profissional que respeitou aonde jogou.

B.B. – E já tinha havido experiências antes – por exemplo, o Nelinho, que jogou no

Atlético, também jogou no Cruzeiro. Quer dizer, não era uma coisa inteiramente nova.

P.I. – Não era.

B.B. – Apesar da rivalidade, os jogadores passam pelos clubes, e porque têm que passar,

porque são profissionais, eles estão sujeitos a isso, ainda que às vezes tenham casos que,

realmente, a torcida se revolta.

P.I. – Exatamente.

B.B. – Paulo, você pensou, ou já tinha pensado em alguns momentos, parar, encerrar a

carreira de jogador. Quando esse momento ficou mais forte, mais claro para você, que você

deveria parar? E nesse momento de parar, o que você vislumbrava para frente?

P.I. – Eu pensei... Eu tomei a iniciativa duas vezes e recuei. Mas aí, na hora que chegou o

momento de eu parar... eu fiquei no Cruzeiro um bom tempo, até tive um convite ali do

Salvador Masci, que era o diretor do Cruzeiro, para eu continuar, ficar no Cruzeiro, até trabalhar

dentro do Cruzeiro, e eu pensei: “Não. Eu estou pensando em fazer outra coisa da minha vida.

Vou agora, aqui, igual eu fui na Inter de Limeira, fiquei lá seis meses, só para não parar de uma

vez.” E quando eu tomei a iniciativa é que eu pensei... Eu sempre tive aquele medo de o

torcedor começar... querer te parar. Eu pensava comigo: “Eu não quero que ninguém me pare.

Eu vou parar. Na hora que eu quiser, eu vou parar, eu vou tomar a iniciativa.” Então, eu tomei a

iniciativa. Não precisou o torcedor... “Ah, você já está velho.” Eu tinha muito medo disso. “Ah,

você já está velho.” E quando eu voltei da Internacional – eu fiquei lá seis meses –, o pessoal do

Valério falou: “Paulo, você podia vir para cá no Valério fazer quatro jogos aqui só, só para dar

uma força para o time, dar uma moral.” Eu falei: “Beleza!” Olha só! Aí fui para o Valério e fiz

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quatro [jogos]. Aí eu falei com o Maluf, que estava no Cruzeiro: “Não. Agora eu vou parar

mesmo. Vou fazer esses quatro jogos e quero parar.” Mas nesse tempo que eu vim pensando, eu

comecei a elaborar o que eu ia fazer. Eu sempre tive vontade de montar um projeto para estar

podendo... um projeto social que eu pudesse montar um centro de formação, que eu pudesse dar

aula para garotos, meninos de rua. Montar, dentro de uma entidade igual a que eu tenho hoje,

academia, escolinha, para aprendizado de criança. Eu sempre pensava em fazer isso, sabe?

Então eu fui elaborando isso. Então, quando eu falei... Já estou agora com o meu sítio, porque

eu tenho um sítio, eu falei: “Vou fazer aqui no sítio. Vou reservar essa parte aqui, vou deixar

para eu montar isso”, para trazer menino de fora, jogador de fora que quer fazer uma

experiência em um clube. Muitas vezes, ele vem para Belo Horizonte e não tem onde ficar, você

dá um amparo ali para ele. Coisas desse gênero. E eu então já vinha bolando isso. Aí, quando eu

parei, aí eu comecei a montar um Centro de Formação de Atletas. Mas o primeiro pensamento

meu é a formação do homem: formando um homem, buscando o atleta, ou um formador ali de

uma aula de computação, ou informática. É um negócio desses. Então, em cima do slogan... O

slogan é: formando um homem, formando um cidadão. Em cima disso eu montei esse Centro de

Formação de Atletas, o qual, devagarzinho, a gente vai colocando as coisas no lugar. Então foi o

que eu pensei em fazer. E quero continuar isso aí por muito, muito tempo, se Deus quiser.

B.B. – Muitos jogadores acabam optando por continuar como treinador. Essa foi, em

algum momento, uma hipótese que você colocou?

[FINAL DO ARQUIVO II]

B.B. – Então, eu tinha feito a pergunta se você chegou a pensar na possibilidade de ser

treinador de equipes profissionais.

P.I. – Fazer o curso, fazer o treinamento para ser técnico de futebol – tanto que eu sou

ingressado ao CREF19 e fiz o aprendizado –, sim, para ser treinador de futebol, mas exercer a

profissão em um clube grande, não. Como a minha intenção é ser formador de atletas no Centro

de Formação de Atletas, eu acho que a minha obrigação é fazer o curso e me inteirar do que é

19 Conselho Regional de Educação Física.

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ser um treinador, ser um técnico de futebol. Então, por isso que eu me formei. Agora, eu querer

integrar numa equipe grande, eu nunca... por enquanto, ainda não pensei, não. Por quê? Eu acho

que é muita cobrança. Então, como a minha vida foi em cima de muita cobrança e a gente na

vida tem muita cobrança, eu não tenho ainda a intenção de ser um técnico de futebol, não. Então

eu preciso e prefiro dar segmento ao meu projeto. Eu acho que assim eu posso estar

contribuindo de uma maneira mais direta para essa formação de atletas que eu tenho.

B.B. – E você, hoje, você acompanha o futebol? Você vê os jogos? Você segue o

campeonato? Você se interessa ainda pelo futebol profissional? Ou isso você deixou um pouco

de lado, cansou? Como é que você se relaciona com o futebol?

P.I. – Com o futebol? Noventa e nove por cento inteirado. [risos] Não tem como desligar,

cara, não tem como. Aí você passa... Você volta no tempo, você passa a ser torcedor. Aí você

passa a ser aquele torcedor participativo, participando, vendo, acompanhando. Eu assisto. Eu

gosto de assistir aos jogos, sim. Não só aos jogos aqui dos times de Minas. Porque hoje eu sou

um... Eu sou um atleticano, mas, acima de tudo, eu sou mineiro. Eu torço muito para o futebol

mineiro, para que a gente seja um futebol bem fortalecido, como os outros estados, então eu

acompanho o América; acompanho o Atlético; acompanho o Boa, que está lá disputando a

segunda; acompanhei o Tupi, lamentando lá. Outro dia eu falei para o meu filho assim: “Nossa!

O Tupi caiu para a Série D!” Ele falou assim: “Ah, pai, pelo amor de Deus, se preocupar com o

Tupi?!” [risos] Mas você se preocupa. Você não quer... Então, eu sou inteirado mesmo ao

futebol, eu gosto, eu acompanho.

B.G. – E você vai ao estádio, tem o hábito de ir ao estádio?

P.I. – Olha, eu vou pouco. Ir ao estádio lá, ter aquele contato, eu não gosto muito de ir,

não, te confesso, porque, muitas vezes, você escuta muita coisa do torcedor que hoje eu gostaria

de não ouvir. Por quê? Por analisar, naquele momento lá, ele deveria estar lá dentro. E se eu for

lá, vou bater boca com o torcedor. Eu não vou. Porque – eu falei para o meu menino outro dia –,

quando o Atlético estava para cair, naquele último jogo que o Atlético fez no Mineirão para não

cair, eu estava lá no estádio... Eu estava lá assistindo e acompanhando aquele jogo por medo do

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Atlético ir para a segunda... Então eu estava lá. Quando um torcedor gritou lá, pela emoção dele,

que podia fazer isso, eu falei com ele: você já esteve lá em baixo algum dia pra você falar isso?

Olha só, pra você ver. Aí meu amigo que estava comigo falou: calma, deixa pra lá. Entendeu?

Então você tem uma reação de ficar com raiva, porque o torcedor gritou aquilo lá. Aí eu falei

com eles: o cara acha que é muito fácil lá, com esse calor, esse clima, essa adrenalina, ligado? O

cara erra um chute lá, ele não vai querer errar porque é ruim não. Mas o torcedor não quer saber

disso, ele quer que o cara acerte. Então eu perguntei pra ele: se coloca lá embaixo pra saber se é

tão fácil. Mas não é por aí. Então muitas vezes eu evito, porque entro muito dentro. Então com

isso você entra do lado de defender o jogador lá embaixo, por saber que lá embaixo as coisas

não rolam tão fácil quanto pra quem tá aqui em cima. Então eu evito, um jogo ou outro é que eu

vou e, principalmente, aquele em que o campo não enche muito. E aí se eu fico num lado mais

isolado, realmente dá pra assistir, analisar e tá aprendendo até alguma coisa.

B.B. – Paulo, nós costumamos terminar o depoimento perguntando sobre a Copa de 2014,

que o Brasil vai sediar daqui a dois anos. Quais são suas impressões, como você vê a Seleção

Brasileira? E como você entende essa perspectiva do Brasil dentro de campo, e, como nação,

sediando um evento que hoje é considerado megaevento, e que, de certo modo, vai colocar o

Brasil novamente no centro das atenções daqui a dois anos.

P.I. – Olha, eu vejo com muita naturalidade e com muita esperança. Como é bom a gente

ver o país da gente estar promovendo uma festa como essa. Como é bom poder ser capaz de

acreditar que no Brasil é possível de fazer uma festa. O brasileiro sabe fazer sim. Nós temos

condições de fazer. E eu estou apostando que vai ser uma das Copas do Mundo mais

movimentadas, mais bonita. Preocupação eu tenho, sim, com o nosso selecionado. Nós ainda

não temos uma seleção que está inspirando a gente com uma possibilidade, uma esperança de

ganhar um título. Mas como eu acredito que o buscar, ele existe, nós vamos buscar formar uma

seleção maravilhosa, uma seleção a nível do futebol brasileiro, e com esse povo maravilhoso

que sabe fazer a festa, nós vamos fazer. E o Brasil vai calar a boca de muitos e vai fazer com

que muitos que não estão acreditando passem a acreditar e dar aquele apoio, para que a gente

não seja aquele país criticado somente pela violência, mas sim pela beleza que nós sabemos

fazer. Um país, assim, com esperança, que busca a coisa positiva, busca o bem. Nós somos o

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país do carnaval e o carnaval é festa. Se é festa, o brasileiro sabe fazer e vai fazer com o futebol.

Eu estou com muita esperança nessa Copa do Mundo. E não vai ser uma Copa do país da

bagunça, não; vai ser um país que vai dar exemplo pra muita gente, pra muitos países aí fora.

Então estou com muita esperança. Vamos trabalhar e montar uma seleção bem competitiva, nós

temos elementos para isso. E, se Deus quiser, não vamos deixar esse mundial sair aqui do Brasil

não, vai ficar aqui dentro mesmo.

B.B. – Na sua posição, tem alguém que você esteja vislumbrando, que possa representar à

altura? Da nova geração, da nova garotada que está aí tem algum?

P.I. – Temos, temos muita gente sim. E a gente não pode deixar de citar o Neymar, que

hoje encanta. Muita gente está falando que na seleção ele vai amarelar, na Copa do Mundo.

Nada, ele tem mais um ano e meio, dois anos aí para adquirir mais experiência. A gente tem que

acreditar nesse talento do futebol brasileiro, nós temos que acreditar no Lucas que está muito

bem no São Paulo. Eu não quero ficar citando nomes aqui pra não ficar falando: ai que você tá...

Eu quero acreditar que é possível fazer uma seleção competitiva e talentosa, entendeu? Porque

nós temos elementos para isso. Temos que ter a cabeça fria na hora de fazer as convocações, de

estar escolhendo os jogadores certos. Não buscar lá pelo favorecimento de um outro. Então eu

acredito que vai ser maravilhoso. O Cacá hoje jogando. Que saudade que me deu, matou a

minha saudade quando eu vi o Cacá na seleção. Porque que um jogador como o Cacá não só

pelo futebol, mas pela pessoa que é. Foi bom eu ver o Cacá voltando. Então é com esse olhar

que eu vejo, com muita esperança, que o Brasil vai fazer uma seleção muito fortalecida. Se falar

em nomes do futebol brasileiro e italiano, a gente erra muito, porque são muitos. Então dá pra

se fazer uma seleção. Agora, se fazer igual o Mano, coitado, vai ali e convoca, faz um jogo ali,

aí a seleção não está bem. Mas a hora que parou, nós vamos estar preparando a seleção para ir

ao Mundial, o trabalho ali focado vai ser outro. Então, com o talento que tem, com a capacidade

que os nossos dirigentes, nossa comissão técnica tem para montar uma seleção com trabalho,

vamos arrebentar. Com toda certeza. A mesma confiança que eu tive em 1982 com aquela

seleção maravilhosa, eu vou ter na formação agora, pode acreditar. Estou acreditando muito,

pode ter certeza. Nós vamos para 2014 com a cidade muito bonita, com o país cheio de festa,

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com o país alegre. Vamos aí diminuir essa violência que está tendo. Eu tenho certeza que não

vai ter não. Nós vamos dar a volta por cima e vamos fazer a festa, se Deus quiser.

B.B. – Chegamos ao fim do depoimento de Paulo Isidoro de Jesus, que nos recebeu aqui

em sua escolinha de futebol tão gentilmente. Paulo, muito obrigado. Em nome da Fundação

Getulio Vargas e do Museu do Futebol. E esse seu depoimento vai ficar como um documento

para que as novas gerações conheçam a sua história, através das suas próprias lembranças.

Então, muito obrigado por esse depoimento.

P.I. – É, eu que agradeço vocês pela oportunidade. Fiquei muito orgulhoso de estar

participando e deixar aqui uma mensagem. É que nesse país a gente dá pra fazer a formação do

homem e nós precisamos muito disso. É o trabalho no qual eu estou fazendo e me orgulho

muito desse projeto. Tenho certeza que daqui têm saído muitos bons elementos. E que Deus nos

abençoe, um abraço a todos

[FINAL DO DEPOIMENTO]