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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo. NUNES, Gérson. Gérson Nunes (depoimento, 2011). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2011. 48 p. GÉRSON NUNES (depoimento, 2011) Rio de Janeiro 2012

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)

Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.

NUNES, Gérson. Gérson Nunes (depoimento, 2011). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2011. 48 p.

GÉRSON NUNES (depoimento, 2011)

Rio de Janeiro 2012

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Nome do entrevistado: Gérson Nunes

Local da entrevista: TV Bandeirantes - Botafogo, Rio de Janeiro - RJ

Data da entrevista: 16 de setembro 2011

Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um acervo

de entrevistas em História Oral.

Entrevistadores: Carlos Eduardo Sarmento (CPDOC/FGV) e Daniela Alfonsi (Museu do

Futebol)

Câmera: Bernardo Bortolotti

Transcrição: Fernanda de Souza Antunes

Data da transcrição: 12 de novembro de 2011

Conferência de Fidelidade: Fernando Herculiani

** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Gérson Nunes em 16/09/2011. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.

Carlos Sarmento – Gérson, inicialmente a gente gostaria de agradecer muitíssimo a tua

disponibilidade para este depoimento. Você é um referencial na história do futebol

brasileiro, um dos ídolos muito identificado com Seleção Brasileira, e este projeto, como

ele tem esse viés de Seleção Brasileira, era imprescindível ter o seu depoimento, portanto

mais uma vez eu gostaria de deixar registrado nosso agradecimento pela... Por você ter nos

recebido. Nosso objetivo nessa conversa é um pouco recuperar sua trajetória. Sua trajetória

do futebol, a origem da sua trajetória, seu pai que foi jogador de futebol um pouco.

Começar essa nossa conversa por esse campo. Você nasce em Niterói, sua família era

baseada em Niterói?

Gérson Nunes – É, minha família toda é de Niterói e eu sou filho de parteira, eu nasci em

casa, naquela época.

C. S. – Qual bairro em Niterói?

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G. N. – Icaraí. Então, nasci em casa, portanto, de uma família de classe média, antigamente

ainda tinha isso, hoje está meio complicado a classe média. Meu pai, jogador de futebol,

jogou no América, meu tio, jogador de futebol também, jogou no Fluminense, e esse DNA

passou né. Então eu desde menino jogando futebol no Canto do Rio.

C. S. – Você já começou, a sua prática foi no Canto do Rio?

G. N. – É, no Canto do Rio.

C. S. – Jogava pelada de rua, de várzea?

G. N. – É, jogava pelada, mas oficialmente joguei futebol de salão no Canto do Rio, e o

outro time era de campo, que eu também jogava no campo.

C. S. – Você começou a praticar futebol no Canto do Rio com que idade?

G. N. – Ah, com cinco anos, seis anos.

C. S. – Já bem novo mesmo, seus pais levaram lá?

G. N. – Isso, futebol de salão, e depois futebol de campo. E aí jogos é... jogos oficiais que

a gente fazia lá em Niterói de futebol de salão e futebol de campo, e assim mesmo futebol

do Canto do Rio era jogado em São Domingos, que é um bairro que tem, que era do lado do

Canto do Rio. Tinha um campo, e ali a gente jogava futebol de campo do Canto do Rio.

Então era a vida, era toda ali dentro do Canto do Rio mesmo.

C. S. – E toda em Niterói?

G. N. – Toda em Niterói.

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C. S. – O que eu acho importante, eu gostaria de aproveitar esse teu depoimento para a

gente falar sobre isso, porque muitas vezes a gente só olha o futebol da cidade do Rio de

Janeiro. O Canto do Rio é um clube que tem uma trajetória muito peculiar, foi o primeiro

clube do estado do Rio que teve profissionalização.

G. N. – Isso.

C. S. – Por conta disso ele disputou o campeonato da cidade do Rio de Janeiro.

G. N. – É, ele era. Porque, antigamente, Niterói era a capital do estado.

C. S. – Do estado do Rio.

G. N. – Está certo? É... Então o Canto do Rio, futebol aqui da Guanabara, o Canto do Rio

era convidado a jogar aqui na Guanabara. Então, é... Tinha o campeonato de Niterói e tinha

o campeonato do Rio, onde os grandes clubes estavam aqui. E em um treinamento desse,

em um jogo desse, o Canto do Rio jogava como convidado, e jogou Canto do Rio contra o

Flamengo, e aqui no Maracanã. E nós perdemos de cinco a dois, e eu fiz os dois gols do

Canto do Rio.

C. S. – No time profissional ou no aspirante?

G. N. – Não, no juvenil.

C. S. – Juvenil.

G. N. – Isso é juvenil. E eu fui convidado para vir jogar no Flamengo pelo Bria1, que era o

treinador, antigo meia do campo do Flamengo, que era treinador das bases, do time de

bases do Flamengo. E eu já jogava lá em Niterói, infantil, juvenil, futebol de salão, futebol 1 Modesto Bria

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de campo, e tal, e aí em um jogo desses eu vim, eu fui convidado. Porque eu já tinha vindo

com a turma lá de Niterói para treinar aqui no Rio, que a gente fazia, juntava aquele grupo

todo e “hoje, aonde nós vamos? Vamos no Flamengo”. A gente vinha no Flamengo, jogava,

treinava e tal, mas sem maiores interesses. E treinamos no Flamengo, treinamos no

Fluminense, treinamos no Botafogo, e sempre a gente voltava para Niterói, porque lá era

muito mais fácil, e menos concorrido, não tinha muita briga, era tudo com a gente mesmo.

A gente era dono, éramos os melhores.

C. S. – Eram os reis do pedaço?

G. N. – É, do time, dono da bola, da camisa, e aquele negócio todo. E eu tinha um time.

Tinha um time de garotos de rua, lá no campo do São Bento, perto da minha casa, tinha um,

como o Ibirapuera em São Paulo, nós temos lá em Niterói. Então a molecada toda ia para

lá, e eu tinha um jogo de camisa que não tinha nada comigo, porque eu sempre fui tricolor,

sempre fui Fluminense, e tricolor em todo Brasil, aonde tem um tricolor eu estou torcendo.

Então, eu tinha uma camisa que eu achava bonita, a camisa e o escudo do Bangu, que não

tinha nada comigo, mas tinha o time do Bangu. Então alí era...

C. S. – Você que era o Náutico? [riso]

G. N. – É, eu era o dono das camisas, da bola, o melhor do time. E...

C. S. – O fato do seu pai ser jogador de futebol facilitou algum contato?

G. N. – É tinha, tinha... Contato não, mas tinha influência do DNA, naturalmente.

Influência sobre isso não, porque meu pai nunca se meteu, quer dizer, em pedir para isso,

nunca, “quer, vai lá e faz a sua parte, não vou pedir nada”. Porque ele dizia: “nunca

pediram por mim, porque que eu vou pedir por você? Se você tem alguma coisa de bom

quem vai ver é quem está te chamando para jogar, os treinadores e tudo”. Mas nunca teve

influência na minha participação em futebol.

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Daniela Alfonsi – Mas quando você era menino, ele ia jogar com você, te ensinava?

G. N. – É... Ele ia comigo, me levava para tudo quanto é lado, jogava futebol comigo,

quando eu era molequinho na praia, no campo, batia uma bola, mas ensinar é muito difícil.

Você não ensina ninguém a jogar futebol, você vai aperfeiçoar o que ele já sabe. Eu, por

exemplo, gostaria de ser pintor, vou fazer o que, não tenho talento nenhum para isso. É

talento, é carimbado, ou você sabe, ou não sabe, está certo? Ninguém! Ninguém ensina

ninguém a fazer nada, você... A verdade é essa, você nasce sabendo e vai aperfeiçoar aquilo

que você sabe. Agora, você é jogador de futebol, não vai. Você vai correr, chutar bola e tal,

jogar futebol é outra coisa. Você artista, não vai, você tem que ter a veia artística, talento.

Não adianta, então você vai aperfeiçoar, e foi o que aconteceu comigo, e com tantos outros,

naturalmente. Aí, no caso do Pelé, do Garrincha, eles pediram e abusaram do pedido.

D. A. – Você desde pequeno queria ser jogador?

G. N. – Eu queria ser jogador.

D. A. – Você se lembra de querer ter sido outra coisa se não jogador, ou não?

G. N. – Não, para outra coisa eu tinha que fazer muitas coisas, e eu acho que futebol era a

coisa mais fácil, aí eu acho que, por esse lado, eu acho que a própria formação, natureza,

não sei explicar, me levou para esse lado.

C. S. – E tem o exemplo do pai, que era um profissional do futebol.

G. N. – É, me levou para esse lado, que é um lado também muito difícil, tão difícil quanto

qualquer um outro se eu pudesse buscar, porque não é um lado fácil você ser profissional,

ao pé da letra né, profissional e se destacar nesse... Nessa profissão, é muito difícil. E em

uma época, porque hoje é fácil, entre aspas, você ser profissional, antigamente era difícil,

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não tinha essas regalias todas, não tinha essa facilidade toda, eu, por exemplo, tinha que

ajudar também, depois de um certo tempo, a família, porque a família não tinha muitas

posses, então isso tudo era... Foi com o futebol que eu consegui isso tudo. Que eu não sei se

eu conseguiria com tanta tranqüilidade o que eu consegui com o futebol.

C. S. – Você falou sobre dificuldade, etc, ser filho de uma família de jogador de futebol, na

década de 1940, 1950, tinha um estigma.

G. N. – Era.

C. S. – O jogador de futebol tinha um estigma, como é que era na sociedade...

G. N. – Era complicado, complicado porque o jogador de futebol, anterior à minha geração,

e anterior à minha geração de criança, lá para Zizinho2, e antes da geração...

C. S. – Domingos...

G. N. – Domingos da Guia3, que é praticamente a mesma geração. O meu pai jogou com o

pai do Zizinho, digo essa geração aí, que o Zizinho era garoto. O jogador de futebol era

vagabundo, era um desclassificado, isso não era profissão. E nessa época não tinha “Maria

chuteira” naturalmente, a “Maria chuteira” é de um tempo bom para cá, e então era

complicado. Então, eu ainda peguei esse pedaço.

C. S. – Seu pai já se favoreceu da profissionalização, não é? Seu pai já...

G. N. – Não, ainda não tinha a profissão regulamentada, não tinha. Isso é, eu, por exemplo,

parei de jogar em 1900 e..., Quer dizer, eu estou falando nisso em 1930, 1940, 1941 que eu

nasci. Agora eu vou falar em 1973, 1974 que eu parei, 1973 para 1974. A profissão não era.

2 Tomás Soares da Silva 3 Domingos Antônio da Guia

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Não era regulamentada, não tinha nada, não tinha associação, sindicato, não tinha nada, e

isso veio de um tempo para cá, tanto é que nós pedimos ao governo isso, e que o governo

ajudasse quando viemos a Copa do Mundo de 70. Nós sentamos com o presidente da

República e discutimos isso com ele. Eu trouxe uma papelada da Argentina, que o Rattín4

que era presidente lá da Associação trouxe, a papelada sumiu. E nós pedimos isso ao

governo, que formasse um meio, para que você pudesse pagar os profissionais

sindicalizados. E que isso virasse uma profissão como outra qualquer, digna, como outra

qualquer. E que nós pagássemos isso até depois da aposentadoria. Porque eu sou

aposentado e pago um tanto para o sindicato, para os que vem, normalmente, está certo. E

isso até hoje tem aí uma associação, não são todos sindicalizados, o que é uma vergonha.

Os contratos deveriam passar pelo sindicato e não pela Federação, ou Confederação, o

sindicato levaria à Federação, e os dois, a Federação, e os dois à CBF5, que é o órgão

máximo daqui. Mas não é, não acontece isso, então o sindicato hoje não diz nada. Culpa de

quem? Dos próprios jogadores, e principalmente dos que estão por cima, porque a maioria,

eu diria até absoluta, ganha...

C. S. – Salários irrisórios.

G. N. – De salário mínimo a um bom salário, agora e os principais, que ganham fortunas?

Que não se preocupam com esses que estão aqui embaixo. É um outro erro, deveriam pagar

a mesma coisa. Agora se esse que está, que tem um grande percentual ganhando salário

mínimo, que esse pagasse menos, mas pagasse, e o que ganha mais, pagasse mais, que é até

o natural. E ele iria se aposentar até com um pouco mais. Estou dizendo isso a grosso

modo, mas sentar em uma mesa, como nós estamos aqui, para discutir isso, porque no meio

futebolístico tem advogados, tem contadores, tem tudo isso, que podem participar

perfeitamente, e recebendo pelo trabalho que vão exercer, está certo? É o que eu acho, eu

sou um pouco revoltado com isso, e sobre isso.

4 Antonio Rattín, ex-jogador argentino da década de 1950 e 1960. 5 Confederação Brasileira de Futebol

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D. A. – Gérson, voltando um pouco na história do seu pai: seu pai, além de jogar bola,

então, ele tinha uma outra profissão?

G. N. – Papai... É, papai depois, quer dizer, não depois, mas durante, ele era fiscal da

prefeitura. Então, mas fiscal da prefeitura, naquela época, não ganhava o suficiente. E

naquela época, depois que ele parou de jogar, e até jogando, abriu os cassinos, tá certo? E

ele era funcionário do Cassino Icaraí. Então, e tinha um time do...

C. S. – Dos empregados do cassino?

G. N. – Dos empregados do cassino, exatamente, e ele jogava por aí. Então aí a vida

melhorou um pouco, e tal, aí os cassinos fecharam, a vida piorou de novo. Aí era fiscal da

prefeitura e tal...

D. A. – E na sua casa só o seu pai trabalhava?

G. N. – É, eu sou filho único. Não sei por quê, mas eu sou filho único [risos]. Gostaria de

ter um monte de irmãos, para dividir uma série de coisas e tal, mas sou filho único. Então, o

que acontece, a minha infância foi uma infância boa, não foi uma infância ruim, exatamente

por causa disso, dos cassinos. Aí passei a infância estudando, e depois comecei a jogar com

13, 14 anos, o futebol já levando mais a sério, e com 17 anos...

C. S. – O Bria te chamou?

G. N. – Exatamente, aí mudou a minha vida.

D. A. – Aí você passou a receber?

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G. N. – Aí eu passei a receber, passei a ajudar mais em casa, e passei a ser praticamente

profissional, porque eu com 17 anos, jogamos o Campeonato de 1958, e 1959 eu já entrei

no profissional do Flamengo.

C. S. – 18 anos?

G. N. – Com 18 anos. Aí já não podia assinar o contrato. Eu tinha um contrato, que naquela

época era de gaveta, eu tinha um contrato, mas não podia ter um contrato de profissionais.

De profissional, porque tinha o Panamericano em 59, e eu entrei no Panamericano, Seleção

Brasileira, e não podia assinar o contrato porque em 1960 tinha a Olimpíada de Roma, e

naquela época...

C. S. – Não podia profissional, só amador.

G. N. – Não podia profissional, os profissionais só os da “Cortina de Ferro”, os Leste

Europeu, aquela história toda lá. Eles podiam porque não eram profissionais, e nós também

não podíamos porque éramos amadores. Então eu só vim assinar contrato profissional

registrado em praticamente 1961, final de 1960 para início de 1961, depois que acabou a

Olimpíada, e aí eu iniciei o profissional.

C. S. – Esse é um dado bastante interessante da sua trajetória, porque, assim, com um ano

no Flamengo, em menos de um ano no Flamengo você já é cogitado para o selecionado

para o Pan-Americano.

G. N. – Exatamente, e já jogava no profissional do Flamengo.

C. S. – Como é que foi essa emoção de ser visto como jogador que pudesse integrar um

selecionado? O que isso representava para você que era jovem?

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G. N. – Era a meta da gente, e é a meta de qualquer garoto, é entrar na Seleção Brasileira,

ser cogitado para a Seleção Brasileira, então para mim foi um passo muito... Muito grande e

muito curto ao mesmo tempo, porque eu em 1958 sou campeão, sou do ano do

tricampeonato do Flamengo, juvenil, e no ano seguinte, jogando parte no juvenil e galgado

ao profissional, ao time principal do Flamengo. Que eu quando entrei no Flamengo, mesmo

jogando com eles, com os profissionais, eu concentrava no andar de cima. Eu só podia,

quer dizer, nós garotos, mas já jogando no profissional, nós só podíamos comer depois que

eles comiam.

D. A. – Eles quem?

G. N. – Os profissionais, naturalmente.

D. A. – Você lembra quem eram esses?

G. N. – Ah, Jadir6, Dequinha7, Jordan8, Pavão9, essa turma toda, os meus ídolos! E aí

chamávamos de senhor [risos]. É, eles puxavam a orelha da gente: “oh, moleque, o que está

fazendo aí tal?”. E no campo isso era um negócio marcante, porque se eu, por exemplo,

jogando o juvenil, eu tinha voz ativa, naturalmente. Campeão, e tal, já cogitado para a

Seleção, da categoria, aí ia lá, chegava lá: “Ei, moleque, está pensando que isso aqui é o

quê? Se der um chute para cima vai sair, vai voltar para onde você veio. Aqui tem que botar

a bola no chão, olhar para frente. Você é bom lá para os teus garotos, aqui não!”. Era isso:

“Sim, senhor”. Então a gente já ia aprendendo o caminho do profissionalismo, que é outro

caminho, que não tem nada a ver com a base. A base é mais de conversa, de “paizão”. Os

treinadores Bria, Jaime, Newton Canegal, Freitas Solich, isso tudo foi fera no Flamengo, tá

certo? E seleção do país deles, então a gente... Eles falavam, aquilo era lei. Então, mas

sentavam com a gente, sabiam que a gente vinha de uma base complicada, muita gente sem

6 Jadyr Egídio de Souza. 7 Ademir Nunes Ribeiro. 8 Jordan da Costa. 9 Marcos Cortez.

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base nenhuma, e ali era a doutrina, ali era o fazer a cabeça, “Olha aí, não faz isso, você tem

exemplo tal”. A minha base foi...

C. S. – Você morava na concentração, ou ficava de Niterói para cá?

G. N. – Não, morava em casa, ficava na lancha. Antigamente não tinha ponte, não tinha

nada, ponte é de outra geração. Então era isso, a gente atravessava aquilo ali dia a dia,

conhecia tudo, e garoto. Não tinha carro, não tinha nada, andando de lotação, era isso, foi a

minha infância.

C. S. – E esse garoto que sai do Canto do Rio e entra no Maracanã lotado, como é que é a

sensação?

G. N. – É complicado, complicado... Até para você entrar no Maracanã sem jogar. Você

como profissional entrar no Maracanã, quando eu ia. Eu fui com o meu pai, eu tinha oito

para nove anos, Copa do Mundo de 1950, vi o jogo lá de Brasil e Espanha, onde o Ademir

arrebentou com o jogo, fez um monte de gols e tal. O Maracanã em construção, e eu me

lembro. Passei de um lado para o outro por uma tábua, que um cara me segurou lá, um

molequinho! O cara me segurou, passei, depois meu pai passou e tal, de um lado para o

outro, Maracanã ainda em construção, é uma coisa. Mas hoje, por exemplo, cinquenta anos

depois, sessenta anos depois, que essa é a conta, eu tinha nove para dez anos, hoje eu tenho

setenta. Então sessenta anos atrás, você via o Maracanã com 120, 130, 150 mil pessoas

como eu vi, em criança. E hoje você entra no Maracanã, primeiro que você não entra, está

tudo quebrado, e segundo, 20 mil pessoas, 30 mil pessoas, em qualquer estádio, você bota a

mão para o alto. Você entrava no Pacaembu, porque não existia Morumbi, você entrava no

Pacaembu, eu menino, dezessete anos, dezoito anos, para ver os grandes jogadores. E aí,

lotadinho! Hoje você vai no Pacaembu, nem o tobogã enche. Hoje o futebol é outro, o

futebol é outro, a técnica é outra, o povo é outro, o medo é outro, é tudo diferente. E daqui

para frente, quando meus netos estiverem aí, não sei o que vai ser.

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D. A. – Gerson, então você acompanhou a Copa de 1950, e você começou a jogar em 1958,

que é um ano emblemático, você se profissionaliza no ano que o Brasil também ganha sua

primeira Copa, não é? Como é que era acompanhar a Seleção Brasileira para você?

G. N. – Bom, acompanhar a Seleção Brasileira era, a gente fazia tudo o que essa molecada

de hoje faz na rua. Eu fiz bandeira, pintei tudo, aquelas coisas todas de garoto de dezessete

anos, moleque, torcendo, só que, o rádio, não tinha televisão, o rádio era até complicado,

que as ondas, eu diminuía e você: “aumenta aí!”, e aumentava, aí aumentava demais:

“diminui!”, e tal. Então era muito bom acompanhar isso, os grandes ídolos, e depois a

chegada deles aqui, essas coisas todas que um garoto acompanha hoje. E eu fiz isso tudo,

tudo normal que um jovem faz, tudo, estripulia, besteira, fiz tudo isso. Metido a corredor

quando ganhei um carro, comprei um carro. Aí fui me ensaiar a querer ser um, na época era

Fittipaldi, aí meu pai me tomou o carro: “Você é o quê, você é corredor de carro ou você é

jogador de futebol? Então está começando a profissão errado, me dá o carro aqui”, fiquei

um mês sem pegar o carro, e o carro era meu, mas respeito é tudo. Então eu tive essa

infância, boa, mas dentro do futebol acompanhando os ídolos todos, vendo os jogos, indo

aos estádios, e naturalmente, quando não jogava, eu acompanhava o profissional do

Flamengo, naturalmente, os grandes jogadores, o Joel, Henrique, que era já iniciando

propriamente a minha geração, Joel, Henrique, Dida, Babá, Zagallo. Quando eu cheguei no

Flamengo, Zagallo saía para o Botafogo, em 1958. Não peguei Evaristo, peguei Evaristo

como torcedor, naturalmente, como ídolo. Aí depois vim jogar, vim ver o Evaristo jogar,

joguei contra ele lá na Espanha, ele já era contratado pelo time espanhol. Então, Índio, vi

jogar Índio, joguei contra ele também, mas tudo como menino, com dezessete anos, dezoito

anos.

C. S. – Essa sua convocação para a Seleção Pan-Americana quem era o técnico na época?

G. N. – Pan-Americano era...

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C. S. – 1959.

G. N. – Era, não vou me lembrar [silêncio]. O pai dele era treinador também, foi meu

treinador no...

C. S. – Foi sua primeira experiência fora do país também, não é? Estados Unidos?

G. N. – É, o Pan-Americano foi em Chicago.

C. S. – Chicago?

G. N. – É, foi a primeira viagem, essa coisa toda, e mil recomendações, tanto da família

quanto dos responsáveis pela Seleção.

C. S. – Recomendações de que tipo?

G. N. – De todos os tipos. É Nilton..., treinador, não é? Nilton [pausa], não sei o

sobrenome. Recomendação, cuidado, é isso, terra estranha, então a gente andava junto,

tinha sempre um preparador, um treinador com a gente, porque moleque sabe como é que é.

Desarvorado, pensando que é o dono do mundo, então sempre cabresto curto, tem que

segurar. E nós passamos bem, fizemos um bom Panamericano.

C. S. – A preparação foi como, foi aqui?

G. N. – Parte aqui e parte lá nos Estados Unidos. Nós ficamos concentrados na

Universidade de Chicago, tinha campo, tinha tudo. Foi uma experiência boa, depois,

quando saí, voltei, joguei ainda um pedaço no juvenil depois entrei direto no profissional

em 1959, e ai veio convocação para Olimpíada. E aí foi mais complicado porque nós já

pegamos profissionais né.

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C. S. – É, os países do Leste Europeu.

G. N. – Já vinham com, os caras já tinham feito Copa do Mundo, já tinham feito, já velhos,

já veteranos e nós garotos, ainda fizemos uma boa Copa do Mundo.

C. S. – Vocês ganharam da Inglaterra.

G. N. – O treinador era o Feola10.

C. S. – Vocês ganharam da Inglaterra, ganharam da China, e só perderam para a dona da

casa.

G. N. – É, perdemos para a Itália, que assim mesmo foi uma perda que nós podíamos ter

ganho, que nosso time era... Nosso time era melhor.

C. S. – Era a base de 1959? Tinha muitos jogadores que tinham jogado Pan-Americano?

G. N. – Alguns, alguns. Pan-Americano, é. Outros não, outros já jogavam também, como

eu, em profissionais. Quem jogava na Seleção de Roma, Seleção Italiana, era esse

“Bambino de Ouro”.

C. S. – Paolo Rossi?

G. N. – Não, Paolo Rossi não era nem nascido [silêncio]. Não era nem nascido. Ele foi

presidente do Milan, não lembro o nome dele. A memória já é ruim [risos], isso é a idade.

Eu vou lembrar o nome dele. Bom aí passamos por isso aí, voltamos de, eu voltei antes para

jogar o “Fla-Flu”. Aí entrei no “Fla-Flu”...

C. S. – Antes, quer dizer, você jogou contra a Itália... 10 Vicente Feola, treinador da seleção brasileira nas Copas de 1958 e 1966.

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G. N. – É, acabou, fomos desclassificados.

C. S. – Não ficou lá, voltou rápido?

G. N. – Voltei, peguei o avião, vim embora, e naquela época não tinha jato, era

Constelation, quatro motores só para atravessar o Atlântico levava oito horas, era brabo.

Cheguei aqui, fui para a concentração para jogar o “Fla-Flu” no domingo. Cheguei em uma

sexta-feira, aí para jogar o “Fla-Flu”. Entrei na ponta de lança, no time do Flamengo, vinte

minutos de jogo um cruzamento, eu entrei na área, o Castilho me deu uma joelhada aqui,

quase me arrebentou todo, saí do jogo, eu fiquei quinze dias parado, problema aqui, uma

joelhada que me deu. Voltei com tanto entusiasmo, não adiantou de nada, quinze minutos

de jogo só. E, mas foi isso, aí começou minha vida profissional, ao pé da letra. No

Flamengo, seis anos no Flamengo, depois em 1962, final de 1962 para 1963, fui para o

Botafogo, jogando com os melhores jogadores da época.

C. S. – Gérson, nós temos uma informação aqui, queria confirmar contigo. Que na época

que você esteve jogando na Olimpíada, você recebeu uma sondagem de um clube italiano,

o Bologna, interessado em te contratar.

G. N. – Não, já jogando aqui. Eu já estava no Flamengo.

C. S. – Ah, não foi lá não?

G. N. – Não, foi depois disso aí. Nós jogamos lá e tal, quando eu vim embora, aí o Milan

veio me contratar. Aí ofereceram um dinheiro que dava para pegar Niterói e botar no fundo

do quintal da minha casa [risos]. Era um fundo de quintal pequeno, mas... Eu não fui por

várias razões: primeiro, eu era filho único, tinha que levar a família toda, para tirar a família

toda daqui era complicado para caramba. Eu tinha tudo aqui, já uma vida bem melhor do

que aquela do inicio. Com casa melhor, carro melhor, família toda, que a minha família

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sempre foi bem estruturada, eu sempre tive uma base boa, então, na parte educacional.

Resultado: tinha tudo aqui, eu vou me meter lá para quê? Não vou. Aí o Flamengo: “Olha,

mas é isso, é aquilo”, - “É, mas eu não vou não, não quero ir”. E não fui. E o Milan foi

campeão lá. Dessa época era o Feola o treinador do Milan, como foi do Boca. Boca Juniors

me fez uma proposta também que era o Feola, Dino Sani que jogava no meio do campo do

Feola. Esse foi um meio do campo extraordinário, esse sabia tudo. Esse nasceu carimbado,

só careca. Ele dizia que era de tanto pensar, é o que eu digo também [risos]. É, você

também! De tanto a gente pensar esquenta a cabeça. E por sinal, o Pelé, por exemplo, não é

careca, mas a gente pensa por ele, não é?! [gargalhada] Por isso que ele era o grande aí, ele

devia pensar também, mas nós pensávamos por ele. O Garrincha também não era, nós

pensávamos também por ele. Tem sempre alguém para pensar por esses caras, esses gênios

todos aí. Então, o que acontece, eles foram para o...

C. S. – Para o Boca?

G. N. – Para o Boca, aí me chamaram. Eu até que ia, mas aí deu uma complicação no

Flamengo, não deu para ir. Eles foram para o Milan, e eu ia, e eu não fui. E eles foram

campeões no Boca e campeões lá no Milan. No ano seguinte veio o Bologna, ofereceram

muito mais, e eu também não fui, mas aí eu já estava namorando, eu ainda não estava

namorando minha mulher. Quer dizer, se eu fosse, estaria perdido, porque não conheceria a

minha mulher que sou casado hoje há 45 anos. São 47 anos hoje, vividos. Duas filhas, uma

falecida, infelizmente, mas não ia conhecer a minha mulher. E eu seria o que hoje? Nada. É

isso.

D. A. – Gerson, você acha também que teve parte de influência nessa sua decisão de não

sair do Brasil, o fato da seleção brasileira, de o futebol brasileiro estar vivendo um

momento muito bom. Campeão do mundo, bicampeão em 1962, e você com chances,

grandes chances de fazer parte dessa...

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G. N. – Também, parte disso também, porque o Brasil começava a surgir com uma força

que eles não conheciam, e nem nós aqui. Conheciam os nossos jogadores, mas não com

essa força de campeão do mundo, então o Brasil deu um salto muito grande. Então, sair já

não era até grande coisa, alguns saíram, pouquíssimos. Hoje é diferente, e vai ser diferente

daqui para frente sempre. Que os principais jogadores, os caras vem aqui com qualquer dez

dólares e leva todo mundo, né? E eu não sou contra quem sai, nem velho, nem

prematuramente, eu não sou contra não. Eu acho que cada um sabe aonde aperta o sapato,

cada um sabe aquilo que tem que fazer, a família, ou sem família, eu não sou contra. Eu

acho que cada um tem que pensar por si, para exatamente amanhã não culpar ninguém “que

eu não saí, ou eu saí, e não saí bem”, entendeu? Eu tomei essa atitude na época, com a

família toda, e não me arrependo de nada, e a família também não se arrepende de nada. Fiz

minha vida aqui, graças a Deus, muito bem feita e casei com a mulher que tinha que casar,

que não podia casar com outra, tá certo? E tive os filhos que tinha que ter, e sou muito feliz

com isso, e pronto.

C. S. – O assédio desses clubes italianos e até do Boca, fez com que a sua situação

contratual no Flamengo fosse alterada, ou não?

G. N. – É, alterou, alterou... Renovaram meu contrato, e pude colocar cláusulas no contrato

que não tinha, e pronto. Vivi minha vida que tinha que viver no Flamengo, saí do

Flamengo, vim para o Botafogo, fiquei seis anos no Botafogo. Várias e várias vezes

campeão, tanto no Flamengo quanto no Botafogo, acabou meu tempo de Botafogo, fui para

o São Paulo, fiquei três anos no São Paulo e conheci vários e vários grandes amigos, entre

eles o presidente do São Paulo, doutor Henri Aidar, e doutor Laudo Natel primeiro, depois

doutor Henri Aidar, pessoas maravilhosas que eu não vou encontrar mais por aí,

excepcionais. E quando saí do São Paulo, saí por força de problemas com a minha menina,

de clima, que já não dava mais para agüentar. Vim embora, mas as portas ficaram abertas,

graças a Deus, que poderia voltar a qualquer momento. Tive proposta para voltar, e para

não sair, mas tive que sair, proposta... Excepcional para eu ficar lá! Mas como é que eu vou

fazer isso? Optei pela família, naturalmente. Vim embora, eles me facilitaram tudo, e eu

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vim para o Fluminense, que eu iria encerrar a carreira no São Paulo, mas vim encerrar no

Fluminense, por força desse problema com a minha menina, então, o que acontece, encerrei

no Fluminense, um ano e pouco, dois anos depois. E já entrei para o rádio, que eu sou no

rádio.

C. S. – A gente queria recuperar essa sua, como eu falei essa nossa ênfase é a Seleção

Brasileira, você volta de 1960 já então cotado para a Seleção principal?

G. N. – Isso.

C. S. – Em 1961, você é convocado para a Seleção principal.

G. N. – Principal.

C. S. – Para jogar com o Chile.

G.N. – Isso.

C.S. – Como é que é jogar com aqueles craques?

G. N. – É complicado, eu acho que essa taça foi Oswaldo Cruz e O'Higgins, Chile e

Paraguai. Inclusive no Chile eu fiz o gol, um a zero. Eu entrei na ponta de lança, porque

Pelé estava machucado, Coutinho era o centroavante. E eu era armador, e eu estava como

reserva do Didi11. Eu não sei por que cargas d´água me botaram na ponta de lança, que era

o Amarildo que já estava lá, e eu entrei na ponta de lança, eu e Coutinho. Era Garrincha,

Didi, Coutinho, eu e Zagallo, e o armador..., porque antigamente era quatro -dois –quatro, o

único que jogava quatro- três- três era o Botafogo, porque o Zagallo fechava.

C. S. – Recuava... 11 Valdir Pereira

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G. N. – É, fazia o terceiro homem, como na Seleção também, era o Zito12, era Zito e Didi o

meio do campo. E eu entrei aí, mas não entrei na minha posição, entrei de ponta de lança,

mas eu já estava no ambiente, já conhecia todo mundo, já jogava profissional no Flamengo,

já encontrava com todo mundo né.

C. S. – Só 20 anos, não é?

G. N. – É. Excursão, essas coisas todas, eu entrei nessa Seleção. Depois, terminada a

seleção, veio a convocação para a Seleção Brasileira, e eu fui convocado.

C. S. – Para 1962?

G. N. – Para 1962, e estourei a perna, estourei o menisco, tive que operar o menisco, já

estava jogando no Flamengo, aí em um treino eu arrebentei o menisco. Aí fui à convocação,

doutor Heitor Góes constatou que eu estava com o joelho arrebentado, com o menisco, aí

me operei. E aí...

C. S. – Faltava quanto tempo para a Copa?

G. N. – Não, eu fui convocado, pra Copa nada. Eu me apresentei, 1962 fui convocado, nos

treinamentos, eu fui lá, nos exames, fui lá e constatou que eu estava arrebentado. Eu ia lá

para a briga com eles, ia ser complicado, ia ser difícil, mas eu acho que eu tinha chance,

pelo menos de ser o segundo, de brigar com o Mengálvio eu tinha condição. Com o Didi

não tinha, naturalmente, porque ele era o meu mestre. A gente fala mestre, a gente levanta

[risos]. Eu tive três mestres: Didi, Zizinho, que era o mais velho, e Jair da Rosa Pinto. São

meus três mestres, me ensinaram dentro e fora de campo. “É isso, é aquilo. Não faz isso,

não faz aquilo”, aí fazia um negócio, puxavam orelha, “você não sabe que não pode fazer

isso”, e tal. Então, feliz daquele [riso] que teve mestres como esses.

12 José Ely de Miranda

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C. S. – Esses professores.

G. N. – Esses professores.

D. A. – Dentro de campo é fácil imaginar o que era esse momento, e fora de campo?

G. N. – Fora de campo também, eu perguntava. Encontrava com eles, eles já não jogavam

mais, perguntava. “E aí, está errado, moleque! Está indo por aqui, não é por aqui, é por ali.

E para que vai lá, não bota a perna, se botar a perna o cara vai te arrebentar. Presta

atenção!”. Aí eu já prestava atenção, não ia botar a perna lá. Eles diziam: “bola dividida é

terra de ninguém, é quem chegar primeiro. Então se você chegar atrasado, não vai. Ou

então chegou atrasado, não bota a perna, porque vai chegar um mais esperto, e ela quebra”,

então... Eram os ensinamentos, e eu ia aprendendo isso tudo, ia pegando. “Para que você

vai buscar o cara lá no campo dele? Ele não tem que passar por aqui? Ele tem que fazer gol

aqui, olha! Aí você vai lá, é driblado, você tem que correr atrás dele. É muito mais fácil

você esperar ele aqui, você corre menos. Quem tem que correr é a bola, não é você”. Isso

tudo a gente aprende. Esses moleques de hoje sabem isso? Não sabem, não tiveram

professores pra isso.

C. S. – É... A lógica do futebol mudou, não é?

G. N. – Hoje é mais correria. Na minha época, era 80% de condição técnica, e 20 de física.

Hoje é o contrário, por isso esse futebol que a gente vê aí de técnica fraca, não é isso? Agora,

também tem um detalhe: você pega técnica do passado e bota no condicionamento físico de

hoje. Porque, na minha época, você tirava sangue para ver se você tinha qualquer infecção,

sífilis, esse troços aí. Hoje você tira uma gota do glóbulo, você sabe para frente e para trás da

tua geração, porque o DNA é de ontem, é de anteontem. Então, esse que é o grande

problema. Então, você pega aquela geração toda lá de trás, e bota com o condicionamento

físico de hoje. Porque a tecnologia, esses caras de hoje não vão carregar a mala de material

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sujo de treino dessa galera lá de trás, ou não é? Sem ser saudosista, mas é. Eles brigam muito

pela condição física e não é, a gente tem que brigar pela condição técnica, porque física você

bota em qualquer um, técnica você não bota, é isso.

C. S. – A sua geração viveu muito isso, esse embate de modelos de preparação que

passaram a privilegiar velocidade, marcação etc. Ela viu muito esse embate entre uma

escola de futebol, com mais posse, cadenciada etc, e uma escola de futebol que começou a

privilegiar marcação e velocidade.

G. N. – Isso, essa geração que começou a privilegiar condicionamento físico, veio no

término da minha geração, tá certo? Minha geração já pegou pouco isso aí, que eu já peguei

isso aí com 28, 29, que é a final da Copa do Mundo de 1970, que o Coutinho13 foi lá, nos

Estados Unidos, para trazer o teste de Cooper, que era uma novidade, era o teste que só os

astronautas faziam. Ele trouxe para cá filmes e nós víamos isso, e íamos para o campo para

fazer aquilo, em dose menor, naturalmente, mas começava ai. E depois de 1970, 1974, o

método já era outro. Já quase superado o teste Cooper, 1974. Setenta e oito acabou tudo, é

outra idéia, outras coisa, outras novidades, outros testes, tudo isso. Porque você vê, em

1970, com esse teste de Cooper, o Brito, foi pego pelos médicos um jogador de cada

equipe, o Brito foi pego para fazer esses testes, aí botaram umas máquinas lá, botaram um

monte de coisa nele de fio, ele quase quebrou a máquina. Primeiro que ele tinha um físico

privilegiado, né? Ele era um privilegiado, e depois muito bem preparado, ele quase

explodiu a máquina, foi considerado...

C. S. – O melhor preparo físico.

G. N. – O melhor preparo físico, foi a Seleção Brasileira, e ele principalmente, dos que

fizeram o teste, ele foi considerado melhor de todos. Então isso...

13 Capitão Claúdio Coutinho, membro da Escola Militar fez parte da comissão técnica brasileira na Copa de 1970 e foi treinador na Copa de 1978.

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C. S. – Já tinha essa preocupação?

G. N. – Já tinha essa preocupação. Aí quatro anos depois está obsoleto, oito anos depois

nem se discute mais, a máquina já não era aquela e tal.

C. S. – Foi aposentada.

G. N. – É, tudo, tudo, tudo. Para outros modelos e hoje nós não vamos nem falar, porque

daqui a 30 anos, 10 anos, 20 anos, você não sabe o que vai acontecer.

C. S. – Gérson, a sua saída do Flamengo foi polêmica, não é? Você teve alguns atritos lá?

G. N. – É, eu tive um atrito porque..., a história foi essa: eu tava, eu era titular do meio do

campo, e o Dida era titular da ponta de lança, inclusive campeão do mundo. E ele não ia

jogar. Aí ele me pediu: "Gérson, eu estou com um problema lá para renovar o contrato”, e

vinha o jogo do Botafogo - domingo era o Botafogo, Flamengo e Botafogo – “eles vão

pedir para você jogar a ponta de lança” - que eu comecei no Flamengo na ponta de lança,

porque ele estava machucado, e o Moacir de armador. Depois o Moacir saiu, foi para a

Argentina, e eu fiquei como titular do meio do campo. Bom, aí eu falei: “bom, então tudo

bem, não tem problema nenhum”, ele não pode jogar, quer dizer, ele não ia poder jogar,

treinar, e pediram para treinar. Falei: “posso treinar, mas jogar não vou, porque tá indo...”.

Bom, resultado, eu não joguei, ele renovou contrato, entrou, e o Flamengo ganhou, e eu

fiquei numa situação complicada [riso], mas tudo bem. Terça- feira, aquele disse me disse

todo lá e tal, e aí me chamaram, o presidente me chamou, tal, eu falei: “não, eu fiz o que eu

achei que eu deveria fazer”. “Mas você ficou numa situação muito ruim”. Paciência, o que

é que eu vou fazer? Mas eu não estou preocupado com isso, estou preocupado é com os

amigos, eu vivo com meus amigos, eu não sou jogador de presidente, nem de diretoria, eu

sou jogador de um clube, e tem mais a ver com os amigos, com meus companheiros, do que

propriamente com a direção do clube, não tenho nada com a direção do clube. Mas ficou

um ambiente horrível . Aí veio outro problema e tal, mesma coisa de contrato, e eu vim

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jogar no meio do campo. Estávamos treinando no campo do Vasco, e eu no time reserva,

aí... Eu no time titular, mas não iria jogar o jogo, pelo mesmo problema de contrato. Aí o

Flávio Costa chamou e disse: “oh, quero que você jogue”, falei: “Flávio eu não vou jogar”.

“Mas você vai, você treina aí, depois resolve”. Treinei. Contra uma zaga, dois garotos, um

era o Lumumba 14 e o outro Mauro, se não me engano.

C. S. – Mauro?

G. N. – Isso. E eu estava treinando normal, sem caneleira, sem nada, estava treinando, eu

não estava jogando ou treinando para jogar.

C. S. – Preparando?

G. N. – É, estava lá porque tinha que estar. Aí começaram, o jogo começou a ficar mais

violento, mais duro e numa bola esse Mauro me deu uma pancada, falei: “cara, você está

vendo a situação”, “não quero saber disso, jogo é para homem”. Aí entrou para outro lado.

O Lumumba falou: “olha, eu não tenho nada com isso aí”. Eu falei: “então você sai, que se

o jogo é para homem vou me preparar para isso”. Fui lá peguei minha caneleira, botei

minha caneleira e vim para o jogo, e a primeira bola ele dividiu eu entrei nele e quebrei a

perna dele. Foi um clima ruim, veio remorso, essas coisas todas, que ele era um menino. Eu

fui acompanhando ele para o hospital, um drama danado, complicação. Bom, resultado,

peguei minha mala e vim embora. Não sei se vou jogar se não vou jogar, também não me

interessa mais, fui embora. E ele infelizmente não pode mais jogar. Voltei para o clube no

dia seguinte, terça-feira, um mal estar danado tal, aí tinha uma... Jogamos a final do

Campeonato, já tudo embaralhado, teve...

C. S. – Você foi a campo?

14 Paulo Lumumba.

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G. N. – Eu joguei o último jogo, depois houve isso, essas conseqüências todas ai. Aí já

estava com um clima ruim, e quando eu cheguei no clube o Flávio falou: “olha, tem uma

situação aí para você resolver, você não pode treinar, você tem que falar com o Fadel Fadel,

o presidente”. “Tá bom”. Fui eu falar lá, cheguei lá, ele estava nervoso também, eu nervoso

também, ele falou lá uma porção de coisa e eu não gostei das coisas que ele falou, eu disse

também um monte de desaforo para ele, ele deu um soco lá na mesa, e eu, moleque, já

perturbado, aí chamei ele lá para fora. Falei: “olha, o senhor está aqui como presidente,

dentro da sua sala eu respeito, mas lá fora eu vou conversar com o senhor de outra

maneira”. Ficou um clima, e ele falou: “você não entra mais no clube, você não joga mais

no Flamengo”. “Tá bom”. “Se você trouxer aqui 150 - eu não sei que dinheiro que era, mas

150 mil, milhões, não sei o dinheiro que era – você está negociado”. Está bem, saí dali, fui

embora, atravessei a rua para pegar o lotação para ir embora para Niterói, para a praça XV

para pegar, para pegar a lancha...

C. S. – Isso na Gávea?

G. N. – Isso na Gávea. Quando vou atravessando a rua, está o Quarentinha, ex-jogador do

Botafogo, hoje não está mais entre nós infelizmente - destes que eu estou citando, vários, já

não existem mais, infelizmente já não estão entre nós – passei e ele: “oh, e aí, tudo bem?”.

“Oh, ‘Quarenta’ tudo bem e tal...”. “O que está havendo aí, estou vendo aí confusão com

você?”. “Pois é cara, e agora já não posso mais jogar aí, o cara me deu o bilhete azul”. Ele

falou: “pô, então peraí, deixa eu consertar meu carro aqui e nós vamos lá no Botafogo”.

Falei: “está bom, não estou fazendo nada mesmo”. Esperei ali ele consertar o carro dele,

entrei no carro dele, fomos no Botafogo, eu falei: “Quarentinha, fica ruim eu entrar aí não,

eu ainda tenho um vínculo lá com Flamengo e tal”. Botafogo estava lotado, que ia ter treino

à tarde, que era o Quarentinha, Didi...

C. S. – Zagallo.

G. N. – Zagallo, Garrincha.

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C. S. – Amarildo.

G. N. – Amarildo não, Amarildo...

C. S. – Ah, já tinha...

G. N. – Já tinha sido vendido. Aquela confusão toda, falei: “olha, não vou”, ele falou:

“então você espera aí”. Eu fiquei naquela pracinha, nos fundos do Botafogo tem uma praça,

ali entrava os jogadores. Fiquei ali esperando na pracinha, ele foi lá, entrou e voltou com o

diretor - não lembro o nome dele – aí ele veio: “e aí, o que é que está havendo essa

confusão toda e tal?”. Falei: “olha” - Renato Estelita, esse era o diretor, foi o maior diretor

que teve nisso tudo aí. Ele falou: “o que está havendo aí?”. Eu falei: “está havendo isso,

isso”. Ele falou: “está tudo certo, é isso?”. “É”.

[FINAL DO ARQUIVO I]

G.N. – Aí conversando, falei: “olha, eu não vou lá, amanhã você vai dar para o meu pai, ele

vai resolver. Estou esperando uma ligação”, aí contei o que tinha acontecido e tal, tudo

bem. Onze horas da noite ligou, Renato disse assim: “Gérson, sou eu e tal”, “tudo bem

Renato?”, “tudo bem, olha aqui, amanhã de manhã vem treinar aqui, tudo resolvido, ele não

aceitou não, mas eu depositei o dinheiro, quando ele viu que tinha o dinheiro depositado na

Federação ele não aceitou, que eu já liguei pra ele. Quer vir para cá?”, eu falei: “claro que

eu vou”. No dia seguinte de manhã, Botafogo, gente para caramba, a imprensa toda lá,

estádio lotado. Já lotava pelos caras que tinham lá, ainda mais por causa dessa confusão...

C.S. – [inaudível]

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G.N. – É, porque ele deu a notícia para todo mundo, aí cheguei, troquei de roupa, botei a

roupa para jogar e entrei no campo, fui treinar e pronto, e aí ele teve que aceitar o dinheiro,

parte desse dinheiro da venda do Amarildo, pronto e aí iniciei a minha vida no Botafogo,

essa é a história.

C.S. – E ali você estava na base da Seleção?

G.N. – Base da Seleção, Nilton Santos, Garrincha, Didi, Manga, nós fomos juntos para a

Seleção, Zagallo, fomos juntos para a Seleção. E 1966, porque não deu nada certo, porque

nós tínhamos quatro seleções e não formamos...

C.S. – Essa é uma conversa interessante...

G.N. – Não formamos uma, entramos naquela de viajar pelo Brasil todo por causa da

política.

C.S. – Mas por falar em política, eu queria voltar aqui, desculpa te interromper, falando em

Seleção, falando em política, em 1964 o governo realizou um Mundialito aqui. Lembra

disso? Jogo com Argentina, Inglaterra e Portugal.

G.N. – É, eu perdi um pênalti pra Argentina, lá em São Paulo, era o Carrizo15, o goleiro era

o Carrizo, perdi um pênalti lá, e nós perdemos, aí viemos jogar aqui contra Portugal,

Maracanã, teve pênalti, eu bati o pênalti, fiz o pênalti, mas, o que contou [riso], foi lá em

Pacaembu né.

C.S. – Pois é você já jogava com Portugal e Portugal já com o Otto Glória?

G.N. – É, já com o Otto Glória.

15 Amadeo Carrizo.

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Transcrição

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C.S. – E vocês deram quatro a um nele?

G.N. – É, e nós tivemos com o mesmo Otto, no Botafogo, uma excursão, um torneio na

Venezuela. Jogava Benfica, o Otto Glória, ele, Botafogo, Barcelona.

C.S. – O Evaristo estava no Barcelona nessa época?

G.N. – Não, no Barcelona estava, depois saíram do Flamengo, era [pausa], jogou no

Barcelona ele, estou com o apelido dele na cabeça aqui, Silva, Silva Batuta, estava com

Batuta, Silva Batuta, jogou no Flamengo, depois estava no Barcelona, e um time italiano,

mas da Venezuela. Então nós jogamos lá, e metemos três a zero neles, nesse mesmo time

aí.

C.S. – No Benfica?

G.N – Que era a base da Seleção Brasileira...

C.S. – Seleção Portuguesa.

G.N. – Seleção Portuguesa, Benfica e Sport era a base da Seleção, era Iaúca...

C.S. – Eusébio...

G.N. – Eusébio, Coluna, Torres, Simões, Zé Henrique, essa corriola toda, nós vencemos

deles também e aqui teve isso, nessa Seleção aí, 1964, que foi a base de 1966, que os de

1958 e 1962 já não podiam ir a 1966, já estavam passados, que eles já eram veteranos em

1962, que dirá em 1966, e em 1966... E em 1966 tinham cinco de 1970 que já deveriam ter

entrado em 1966 e não entraram pela força deles, bicampeões, tinha sempre uma pressão de

todo mundo, não era só deles, da imprensa também tal e deu no que deu.

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C.S. – É, você tinha começado a falar, desculpa eu te interromper, porque é um episódio

que eu acho que é muito bom a gente registrar, que é essa preparação de 1966, essa

preparação de 1966 foi uma série de equívocos, não é?

G.N. – Uma série de equívocos, e isso dito por nós jogadores, a gente sabia.

C.S. – Durante a preparação vocês...

G.N. – É, a gente sabia, então, vai lá, sai de lá, entra aqui, viaja para não sei onde.

C.S. – Foram quatro seleções simultâneas?

G.N. – Quatro seleções. Então, você vê uma coisa, essas quatro seleções sabiam quem era

no dia do treino a titular pelo Pelé, pelo Servílio, Servilhão, e por mim, nós três, os

titulares, nós jogamos nas quatro seleções. Nós jogamos nas quatros seleções e não

formamos uma, quando nós chegamos na Inglaterra, antes de irmos para a Suécia, não, na

Suécia antes de irmos para a Inglaterra, cortaram o Servílio e botaram o Amarildo. E o

Servílio jogou nas quatro seleções como titular, quer dizer, então, era uma Seleção meio

complicada. Bom, se você... Aí você pode perguntar, e se formasse das quatro uma,

juntando um pedaço de cada uma. Formaria uma boa Seleção? Sim. Daria para ganhar a

Copa do Mundo? Não sei, mas daria para disputar. Isso a gente sabia, a gente sabia como

nós sabíamos em 1970 que ninguém ganhava da gente, nós jogaríamos dez Copas do

Mundo daquela, ganharíamos nove, empataríamos uma e ganharíamos no pênalti [risos].

Não adianta cara, como não ganharíamos de 1958 e 1962. A melhor Seleção, tecnicamente

falando, tecnicamente falando até hoje... Estamos em 2011, até hoje, foi a de 1958,

tecnicamente falando, que eu reputo, tecnicamente falando. E a de maior conjunto foi a de

1970, que foi montada em 1968, dois anos de preparação, excursão à Europa, excursão à

América, a base estava ali, eliminatórias, a base estava ali, com Saldanha e depois com o

Zagallo, troca de esquema, Saldanha era um, Zagallo era outro, só que praticamente os

mesmos jogadores. Você trocava de esquema, você tinha um esquema e variações dentro

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desse esquema, você tinha variações dentro do esquema com uma troca de um jogador ou

de dois jogadores, você não mexia na estrutura, mas para isso você precisa ter...

C.S. – Conjunto.

G.N. – E uma base. Não é de orelhada que você faz isso, não é da noite para o dia, e não é

de um ano para o outro.

C.S. – Mas 1966 viveu mesmo essa mudança de geração.

G.N. – Exatamente... Exatamente, que eles não souberam mudar, 1958 para 1962 não

precisava mudar, porque eram os mesmos bons, e ainda na idade...

C.S. – Jovens.

G. N. – Ainda na idade. Em 1970, Pelé, que é um ano mais velho do que eu, tinha 29 para

30, eu tinha 28 para 29, e Félix tinha 30 para 31, Félix era o mais velho, era Félix, o Pelé e

eu, eram os três mais velhos, mas no auge. O Pelé, com o peso menor do que de 1962, de

1958, e com a vontade, pode perguntar a ele, e com a vontade, ele mesmo dizia, triplicada.

Por quê? Porque era a última Copa dele, ele sabia, e ele queria deixar por cima.

C.S. – Ele teve duas experiências traumáticas em 1962 e 1966.

G.N. – Exatamente, entendeu? Dito pelo próprio Pelé em várias e várias entrevistas e lá na

roda da gente, ele dizia: “olha aqui, eu tenho que ganhar isso cara, não é por nada, mas eu

tenho que ganhar, e eu tenho que jogar mais do que eu joguei lá, porque é hoje que nós

estamos discutindo, não estamos discutindo ontem, o ontem passou, é hoje, por isso que eu

quero essa Copa”, e esse cara com esse entusiasmo todo arrastava todo mundo, ou não? É

isso.

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D.A. – Gérson, você que passou por 1966 e 1970, como foi? Essa falta de conjunto de

1966, como isso se refletia nos treinos, nas concentrações?

G. N. – Era...

D.A. – O que era, comparando...

G.N. – Não era, não era... A gente sabia disso, como é que você vai ter conjunto se você

cada dia está com uma coisa? Tá certo? Cada dia você tem um time, embora três ou quatro

atuem nessa Seleção, nessa, nessa e nessa, bom e os outros? Aí eu tenho um entrosamento

com vocês três, ótimo! Aí amanhã já não são vocês três, são dois, tudo bem, amanhã é um

só, bom, um só, mas com esses dois que eu não conheço. Bom, aí quando eu conheço todo

mundo, muda tudo. Não dá cara.

C.S. – E é muito desgastante o período muito longo de discussões internas.

G.N. – Muito desgastante, discussão, uma complicação danada, não dava cara, a gente

sabia que não dava.

C.S. – Era influência política?

G.N – Não, não tinha... Tinha, claro! Influência política, por isso que nós andávamos por

tudo quanto era terra, ué, influência política.

D.A. – Os jogadores, tinha a possibilidade de ter um porta-voz de vocês para falar isso?

G.N. – Não, nós falávamos...

D.A. – Tinha diálogo?

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G.N. – Mas o que é que adianta, nós não mandamos. Quem manda são os dirigentes, então

não adiantava, nós tínhamos isso aí, treinar, jogar, e a gente sentia que não ia dar bom

resultado, e não deu.

C.S. – Você na Copa já percebia?

G.N. – Já percebia, tanto é que não deu, que acabou 1966 mudou tudo, não mudou? Mudou

o preparo físico, mudou tudo. 1967 teve uma excursão, teve uma Seleção, 1968 teve uma

Seleção, 1969 eliminatória, 1970 Seleção, tudo mudado, mudou tudo, físico, técnico, tático,

mudou tudo, e deu no que deu. Não adianta, pode botar aí, pode escrever aí, aqui no Brasil

você pegou o jogador certo e treinou com tranqüilidade, vai disputar o título mundial, seja

Seleção que for, se você juntar como tem que ser, corretamente, vai disputar o título, se vai

ser campeão ou não, é outro detalhe, mas disputa o título, qualquer Seleção, qualquer uma,

de hoje até daqui a 500 mil anos, ou para trás. Por que não ganhou os outros anos antes de

1958? Antes de 1958, sempre existiram excelentes jogadores, não foi? Só pegar a história.

Era organização, faltava sempre uma coisa, um bom preparo, um bom conjunto, um bom

entrosamento de todo mundo, uma boa concentração, não adianta.

C.S. – Cinqüenta e oito é lido, quer dizer alguns autores interpretam 1958 da seguinte

maneira. 1950 e 1954 foram dois exemplos de falta de organização. Em 1958 houve um

investimento para isso...

G.N. – Exatamente.

C.S. – A direção da CBD16 de 1958 é a mesma de 1966, tem o Havelange, Antônio dos

Passos, é a mesma direção. Porque que houve essa mudança de um eixo, que em 1958 era

organização, e 1966 isso...

16 Confederação Brasileira de Desportos.

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G.N. – Sessenta e seis era mais político do que outra coisa. Antes era jogo, Seleção e

política, 1966 era política e Seleção, diferente. O Heleno Nunes entrava aí, nós fomos a

Teresópolis, pelada, jogamos um monte de coisa, já com influência política, já política

militar, aí já começava a história toda, e não adianta, aonde entra a política antes de tudo,

não dá certo, não dá certo... Que você tenha a política, tem que ter, ninguém vive sem

política, você não é apolítico, né? Você pode não se meter ali, mas você é político, você é

político em casa, não é assim que dizem aí, que até em casa...

C.S. – A única forma de se conviver com mulher, não é? [risos]

G.N. – Não é isso? Até em casa você faz política, então agora, quando a política assume

tudo, pode parar que não vai dar certo, e nunca deu e nunca vai dar, e foi isso que

aconteceu, pronto. Aí deu aquele desastre que deu, se fizesse uma Seleção disputaria o

título.

C.S. – O primeiro jogo foi dois a zero. Garrincha e Pelé jogam juntos, faziam um jogo

marcante, foi a última vez que Garrincha e Pelé jogaram uma partida oficial juntos, ali não

sentiu que poderia engrenar? Vocês não...

G.N. – Não, porque depois veio outra Seleção, e no terceiro jogo teve outra Seleção.

C.S. – Mudou nove.

G.N – Mudou tudo, então não adianta...

C.S. – E Portugal...

G.N. – E Portugal vinha com o mesmo time, disputando um monte de títulos, vinha com a

base...

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C.S. – Do Benfica... Campeão do mundo...

G.N. – Do meio campo para frente era tudo Benfica. Se você fizesse aqui nessa época, uma

Seleção de dois clubes talvez desse mais certo. Isso foi até falado entre os jogadores, mas

não era assim que funcionava.

C.S. – Tem também uma interpretação que o Feola era muito omisso.

G.N. – Não era, eu não acho não, ele era bom treinador, ele era um sujeito decente, da

melhor qualidade, estou dizendo isso porque foi meu treinador, conheci ele muito bem, foi

meu amigo particular, e meu treinador desde lá da infância, desde 1960, sujeito da melhor

qualidade, conhecedor profundo do futebol, honesto, correto, falava cara-a-cara, olho-a-

olho, tá certo? Mas foi envolvido como todo mundo. O que ele ia dizer? O que ele ia dizer?

Como é que no São Paulo, como treinador do São Paulo, ele não foi envolvido? Por quê?

Foi campeão em São Paulo. Por que na Seleção de amadores ele não foi envolvido? Não

tinha política ali, era uma outra política, não essa política que a gente pode conversar, essa

política é boa, aquela que você não pode conversar, essa arruína tudo. Os exemplos estão

aí...

C.S. – É uma derrota muito traumática, não é? Perder para Portugal da maneira como

perdeu. Como é que vocês voltam?

G.N. – Não é só, nem para Portugal, porque a gente podia perder para Portugal que era a

melhor Seleção europeia, ou não? Era campeã europeia.

C.S. – Vocês tinham goleado, hein, quatro a um, vocês tinham goleado aqui no Brasil.

G.N. – Então, isso não quer dizer nada, não era por aí, a preocupação nossa não era

Portugal, não era Holanda, Itália, França, não era, a preocupação nossa era com a Seleção

Brasileira, é o que eu estou dizendo para você, se formasse uma Seleção daqueles 44 ali, se

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você pegasse 22, não interessa quem, ia disputar o título, disputava o título tranqüilamente,

disputava o título e, no entanto, fizemos aquele fiasco.

C.S. – O retorno foi difícil?

G.N. – Foi, foi complicado, foi difícil,

C.S. – Muita cobrança?

G.N – Foi difícil, muita cobrança, cobrança para mudar tudo, jogadores, e comissão

técnica, e preparo físico, essas coisas todas aí, essas andanças pelo país afora, acabou tudo,

acabou tudo... Vê se teve em 1970 isso? Em 1970 tinha o problema da ditadura, e teve, nós

sabíamos o que estava acontecendo aqui, mas ninguém apertou, ninguém foi pé firme lá

com a gente, trombada, nós éramos... Nós tínhamos uma Seleção, nós tínhamos que treinar,

jogar, com todas as garantias, com tudo, sem problema nenhum, não tivemos problema

nenhum em termos de esporte, naturalmente, sabíamos o que estava acontecendo, aí você

pergunta, mas por que vocês não largam tudo? Nós não largamos tudo porque nós

estávamos representando o país numa competição que exigia isso. Se não fosse para uma

Copa do Mundo talvez largássemos, talvez não estivéssemos alí, mas fomos cumprir a

nossa obrigação, fomos lá, ganhamos e acabou o problema. Nós não tivemos problema

nenhum em matéria dessas pressões, essas coisas todas, não tivemos problema nenhum,

tivemos todas as garantias, sabíamos o que estava acontecendo, éramos contra a uma série

de coisas, né? Mas nós estávamos dentro do contexto, nós tínhamos que fazer a nossa parte,

a parte de esporte, era isso.

D.A. – Esssa... Tem uma história, a famosa história que vocês teriam amarelado contra

Portugal, ingerido pasta de dente, isso é contado às vezes?

G.N. – Disso eu não sei.

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D.A. – Que no jogo antes de Portugal os jogadores estariam com um certo receio de jogar e

tal, alguns teriam ingerido pasta de dente para provocar a condição física que não

permitisse ser escalado.

G.N. – Que eu saiba isso não. Eu, por exemplo, eu tive uma contusão, num treinamento

contra os ingleses, levei uma pancada na perna, não pude jogar o primeiro jogo, entrei no

segundo e não jogamos o terceiro, porque ele mudou nove lá. Agora eu, tem essa contusão,

que isso tenha acontecido, e que alguém queira ter saído também não sei dessa história.

Essa história de pasta de dente, isso é de... Isso é de gerações atrás que dizem que

aconteceu, eu não sei dessa história, eu sei que nós éramos contra esse treinamento contra

adversários. Se nós tínhamos gente para treinar contra a gente, nós tínhamos 22, 23

jogadores, porque não treinar contra a gente? Aí tiraram alguns e botaram os garotos lá

ingleses, os jogadores lá, e nesse treinamento me deram uma pancada...

C.S. – Que tradicionalmente entram duro...

G.N. – Me deram uma pancada e quase me quebraram a perna, e eu não pude jogar o

primeiro jogo, fiquei em tratamento, aí entrei no segundo jogo, e aí no terceiro jogo

perdemos, no terceiro jogo mudou tudo, e aí foi isso que aconteceu.

D.A. – Mas é que são essas histórias que surgem visivelmente nos momentos

emblemáticos, de derrota ou de...

G.N. – É tem.

D.A. – Como é que vocês lidavam com esse tipo de...

G.N. – É, mas isso sempre acontece, é um vai dizer que o outro amarelou, que o outro não

entrou numa bola dividida...

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C.S. – Teve uma convulsão na véspera da final.

G.N. – Tem que criar alguma coisa para dizer da derrota, não aconteceu nada. É igual a

esse negócio do Ronaldo, pega o Ronaldo e bota no campo ele ia jogar. Foram falar,

perguntar para o doutor “Doutor o que aconteceu?” O doutor falou: “é ele teve um mal

súbito, foi para o hospital, voltou do hospital com um laudo, não tem nada, bota ele no

jogo”. Tem alguma coisa? Se tem alguma coisa no laudo o médico não vai botar. Não

tinha, botaram ele, e se não bota ele?

C.S. – Vai ser crucificado.

G.N – “Pô, não botou o cara, botou o outro, aí perdeu. Cadê o laudo? Olha o laudo, ele tem

alguma coisa?” “Não, não tem nada”. “Então por que é que não botou?” É o que o Zagallo

diz, tinha que botar? Tinha que botar. O médico é quem responde, o médico liberou,

liberou. Todo jogo tem sempre uma coisa, uma história.

C.S. – Busca uma explicação.

G.N. – Uma explicação, aí inventam uma porção de coisas, não existe isso.

D.A. – E isso afeta o grupo de alguma forma?

G.N. – Não.

D.A. – Como é que vocês lidam com isso?

G.N – Não, a gente lida normalmente, porque a gente já é acostumado a isso desde o

infantil, se você for... É o que a gente sempre diz, os mais velhos, a gente é forjado num

ferro em brasa, aço em brasa. Se você pegar lá do dente de leite, do fraldinha, que é o

menor, os pais já estão gritando lá na cerca, “ah, meu filho, faz isso, dá nele”, não é isso?

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Aí perdeu o jogo, vem chorando, “não chora, você não fez isso”, fraldinha, que ele está de

fralda toda borrada [risos], você imagina o profissional que vive disso, que ganha milhões,

a cobrança é muito maior, mas tem cobrança, porque você ganha um milhão, você tem que

fazer mais do que os outros, não é assim? Queriam ver o Ronaldo jogar, vai jogar.

C.S. – E os contratos de publicidade.

G.N. – Publicidade tal, com duzentos quilos, ele não quer mais nada com nada [risos]. Ele

quer viver a vida dele, deixa o cara viver a vida dele, ele está todo estropiado, já saiu de

duas operações, que não era nem para ele ter voltado a jogar, sacrifício do caramba, família,

filho já querendo jogar com ele, daí os caras em cima dele, e aí quando acabou trepou no

alambrado, peso, derrubou o alambrado [risos], e os caras querem que ele jogue.

D.A. – Quiseram tomar um pedaço do alambrado dele.

G.N – Isso cobra dele, você tem que jogar, tinha que fazer aquele gol, aquele drible, pô mas

o cara não dá mais para esticar a perna, porque arrebenta todo, por causa da idade, por

causa do sacrifício que ele já está fazendo. O Rivaldo está aí, Rivaldo que está o que,

quarenta e dois anos, quarenta e cinco anos, sei lá quantos quarenta ele tem. Deu dois

passes que os caras meteram dois golaços, um passe que ele deu errado, e o cara “pô, deu o

passe errado, velho”. Não adianta, isso é a rotina do atleta.

C.S. – Envolve muito mais paixão do que racionalidade.

G.N. – Muito mais, muito mais. e então, a própria família cobra, porque que não fez,

porque que não fez, meu pai dizia: “você treina para isso cara? E errou o lançamento, o cara

sozinho lá”. Falei: “pai, eu dei cinquenta lançamentos certos, ao pé da letra, o cara fez 50

gols, você está me cobrando um”. O que eu vou dizer, esse é o problema, eu botava uma

baliza de salto em altura na meia lua da grande área, dentro da meia lua, e ficava na outra

meia lua, eu tinha que meter a bola ali dentro, ficava depois do treino...

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C.S. – Sozinho?

G.N. – Sozinho, perfeito, queria a perfeição, não vou chegar nunca, não sou Deus, queria a

perfeição. Chegava no jogo, a bola ia um metro para cá, um metro para lá, que aquilo não é

um fixo, aqui é móvel, um metro para cá, um metro para lá, eu estou dentro do contexto,

mas eu treinava para fazer aquilo, então eu tinha que fazer certo, não precisava ninguém me

cobrar, eu me cobrava, tanto é que quando eu fazia o primeiro lançamento, errei, fazia o

segundo lançamento, errei, “parou hein, acabou o lançamento, vamos jogar”, e joga e tal,

vou para outro jogo, aí de novo, acertei, vamos lá, “voltou hein, estou dentro!”. Eu me

cobrava, não precisava ninguém me cobrar, mas aí eu tinha torcida que me cobrava, tinha a

galera que me cobrava, os companheiros, a imprensa, eu era isso, eu era aquilo, eu era o

melhor. É isso, então tem sempre uma história em cima disso. Eu em um jogo do São

Paulo, eu dei uma sola no cara, me arrebentou o pé todo em baixo, tive que fazer pulsão e

tal, e não pude jogar um jogo no interior. Aí me levaram para o interior, de bengala, me

sentaram no banco, tem que ficar aí, jogo encrencado e a galera em cima, eu estava vendo,

eu fazia parte de uma engrenagem, eu não era o melhor, fazia parte de uma engrenagem.

Estava vendo a hora que eu ia botar o, e fui no vestiário para pedir para entrar, estava na

luta, estava na briga, claro que não ia entrar, estava todo arrebentado. Viemos para o

Morumbi, foi contra o Corinthians, estava lá fuçando, querendo jogar, e o Nenê que era o

meu reserva, extraordinário jogador, “o cara está aí, o cara é o cara, é um grande jogador tá

aí, profissional da melhor qualidade companheiro nosso, não, ele é quem vai jogar cara,

estou estropiado não posso”, mas tava lá, tem que ir, eu tava, tenho que ir, tem que ir, tava

lá, fiquei no banco, torcendo, ganhamos de um a zero, gol do Paraná, se não me engano, de

falta, sei lá. Os caras cobram, todo mundo cobra, e eu cobrava do médico para eu jogar, eu

queria jogar, e o médico dizia que não podia, porque tinha alguém cobrando dele, alguém

cobrando para eu jogar e alguém cobrando para eu não jogar, essa é a luta constante da

gente, como vocês são cobrados, não é?

[pausa]

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C.S. – Bom você já falou, e eu acho que, algo que a gente observa muito claramente, que

você já mencionou e que eu gostaria que você falasse melhor disso, você é um protagonista

dessa história, e como você mesmo se caracterizou na sua trajetória profissional, você é um

cara que pensa o jogo, que entende a dinâmica do jogo, principalmente o que está em torno

do campo. O que realmente mudou para que 1970 houvesse essa maior estabilidade, para

que 1970 tivesse programação, para que 1970 tivesse um planejamento, para que tivesse

todo aquele processo de preparação para jogar na altitude, etc, como é que tão

abruptamente o caos de 1966 se transforma na ordem de 1970?

G.N. – A palavra é essa, tudo, ponto. Mudou tudo, apaga, passa a borracha em tudo, o que

ficou para trás ficou, de glória e de derrota, serve, tudo serve para quê? E aí sentaram e

planejaram tudo, o que é bom de lá, traz, o que é ruim de lá, traz, bota aqui. Está tudo aqui?

Está. Então e agora, isso aqui foi bom? Preparo físico foi bom? Não, não foi, então bota

para cá. As andanças todas, foi bom? Não, bota para cá. E os jogadores estavam bons? E o

ruim? Bota para cá. Em idade, não ruim tecnicamente, mas de idade. E os bons? Bota aqui.

Excursão mal planejada, bota para cá. Isso tudo teve aqui, aonde planejou não, aonde não

planejou teve, então nós estamos tirando tudo. O que sobrou? Sobrou isso aqui, do ruim e

do bom, sobrou isso aqui. Bom, é isso? É. Agora nós vamos entrar com o nosso, com o de

hoje, as pessoas de hoje, os pensamentos de hoje e a formação de hoje, como é que é? É

assim, assim, assim. Vamos lá, dá para encaixar aqui? Dá. Então encolhe, encolheu, sobrou

ele. Sobrou? Sobrou. Bota para lá. Pronto, isso aqui, bem planejado. Coutinho foi lá pegar o

melhor preparo para trazer, botou na tela, fez o trabalho, as regras todas aqui, quem tem que

correr vai correr, quem tem mais fôlego, eu, por exemplo, eu corria - que eu não corria

nada, de velocidade - como é que eu vou correr com Brito...

C.S. – Jairzinho.

G.N. – Jairzinho, com o Dirceu Lopes, não posso correr, com o Rogério, os caras que 100

metros eles faziam em 15 segundos, “nego” faz hoje 9, faziam em 15 e se apertasse fazia

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em 12, teoricamente. Eu não, por mim era resistência, eu tinha que ficar ali, porque eu ia lá,

pega a bola bota para lá, eu tinha isso, então era resistência, treinava com resistência com

os caras, correndo, devagar, mas... Então, o goleiro, qual era o treinamento do goleiro? Ele

precisa velocidade? Não precisa, ele é reflexo, bem fisicamente, mas reflexo, uma série de

coisas, então foram dividindo tudo, coisa que antes não tinha, antes era todo mundo a

mesma coisa, teste de Cooper, depois de 15 dias de treinamento vamos fazer o teste, corre

até aqui, faz não sei o que, levanta não sei o que, então teste, então fizemos esse teste todo,

vamos para campo, treino de campo é diferente, campo é o preparo físico e tal, técnico,

como é que é, como é que não é, vamos fazer assim, vamos fazer assado, quem é de corrida

vai correr com a bola, quem é de lançar, vai lançar. Treino tático, defesa e meio do campo

contra o ataque da gente, contra defesa e ataque contra ataque de meio de campo, titular e o

que está esperando, porque ali não tinha nem titular nem reserva, ao bel prazer do Zagallo.

Zagallo é que tinha essa incumbência, tá certo? De botar esse, aquele ou aquele outro, então

treina todo mundo igual, vamos fazer. Então isso tudo te dava um posicionamento dentro

do campo que, por exemplo, quando a gente estava no meio do campo, três jogadores, eu

sabia como me posicionar para pegar vocês três por causa do meu treinamento e da minha

orientação daqui de trás, “sai mais Gérson” e eu saía, “aí está bom, vamos parar aí, todo

mundo aqui, mais para a direita Gérson, mais para a esquerda”, entendeu? Estou aqui, até

chegar ajuda, se tivesse que acontecer isso, “fulano estou saindo, alguém vai entrar aqui,

que alguém?” Está pré-determinado. “Entra você”. “Bom, e quem ocupa o lugar dele?” “É

ele”. “E quem ocupa o dele?”. Você vê na Copa do Mundo tem jogada que o Pelé vem

correndo atrás de um cara, atrás do Everaldo, lá, não tem nada haver uma coisa com a

outra, lá... Por que? Está dentro do contexto.

C.S. - Estava ensaiado isso?

G.N. - Estava tudo montado aqui, tudo montado, então, sai o lateral? Sai. “Quem cobre?”

“Cobre o Brito”. “Quem fica no lugar do Brito?” Abriu aqui. Para o Brito não sair, sai

Clodoaldo. Ótimo. “Quem é no lugar do Clodoaldo?” “Gérson”. “Quem é no lugar do

Gerson?” ‘Rivelino’. “Quem é no lugar do Rivelino?”. Então você tem que... Então, a gente

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girava isso pelo treinamento, pelo tempo que nós tivemos, pela excursão que fizemos à

Europa e à América, isso tudo está dentro desse contexto. Por isso que ela foi montada dois

anos antes, independentemente do treinador, porque a base estava aqui. E você vê, o

Saldanha não gostava de ponta atrás, jogava o Edu, e jogava o Jairzinho ou o Rogério,

quem fazia os homens de meio de campo eram Pelé e Tostão, um ou outro, ou os dois, tá

certo? Muito bem, aí entrou o Zagallo, que não gosta de ponta na frente, então nós

tínhamos aqui...

C.S. – Rivelino?

G.N. – Edu, Rivelino era aqui, meio de campo comigo, Edu, Paulo César, tinham dois,

certo? Aqui, Jairzinho e Rogério. Muito bem, aí o que é que acontece? Entrou o Zagallo.

Zagallo não dispensou os dois. Adaptou o Rivelino ali, não na ponta, mas aqui. Aí o que

acontece, se você precisasse de um ponta rápido, você botava o Edu, se precisasse de um

ponta rápido que fechasse o meio, punha Paulo César ou o Rivelino. Se o Rivelino

machucasse, entraria o Paulo César. E se você não precisasse? Tinha o Rivelino, que tinha

um chute forte daqui para lá, da intermediária para lá. Nós preferíamos o Everaldo, o titular

era o Marco Antônio, porque tecnicamente era melhor, mas tinha o Marco Antônio, o

Everaldo, por quê? Porque o Everaldo não apoiava muito, ele parava no meio do campo.

Por quê? Porque Carlos Alberto já apoiava demais.

C.S. – Avançava mais né...

G.N. – Se você tivesse os dois apoiando, quem ia marcar aqui? Então quando esse ia, esse

ficava, girava a marcação toda para cá, estava tudo coberto, tudo coberto aqui, pronto,

então isso tudo...

C.S. – Dois anos de convivência...

G.N. – Treinado, adaptado, conversado.

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D.A. – E além da convivência, vocês estudavam também as outras seleções?

G.N. – Também.

D.A. – Vocês acompanhavam?

G.N. – Também.

D.A. – Isso era fundamental para vocês...

G.N. – Mas isso dentro da Copa.

D.A. – Dentro já da Copa?

G.N. – Para você ver, então nós treinamos isso, vamos treinar? Vamos, senta aqui, está

bem? Está bem. Então vamos para o campo. Vamos botar lá no campo. Espera aí, não foi

isso que nós combinamos, cara. Nós combinamos você plantar aqui, você está indo, então

de que adiantou a conversa? Então a gente conversava e ia para o campo e nós discutíamos,

entre aspas, com o Zagallo, o que acontecia dentro do campo, e o que nós sentíamos dentro

do campo, e o que ele via fora do campo, com o Saldanha também, fora do campo. E aí

juntava uma coisa na outra, as seleções outras já, a gente sabia como jogar. Vamos para a

Copa do Mundo, chegamos na Copa do Mundo, o Rogério, que não pode jogar, porque

machucou, com o Parreira, ele ia, por exemplo, para ver a Inglaterra jogar, que era da nossa

chave, então fotografava, um fotografava ataque e defesa e outro ataque e defesa, quem

ganhasse daí ia jogar com a gente, dentro da chave. Quando a gente jogava, quando a gente

ia para o treinamento, a gente sabia como é que você jogava, como é que você defendia,

porque nós tínhamos visto os slides e treinado, e treinado para isso, porque você dentro de

uma Copa tu não muda de um jogo para outro, ninguém é maluco.

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C.S. – Quem fazia isso era o Parreira? Esse observador?

G.N. – E o Rogério. Então a gente já sabia, todos os jogos, naturalmente. Quando veio, por

exemplo, contra o Uruguai, eu escutava o cara gritar “pega o Gérson, pega - o Montero

Castilho - pega ele”, chegava [inaudível] estava jogando. “Clodoaldo, estou gritando cara,

faz a minha que eu faço a sua, vai embora, quando ele sentir que ele está parado aqui

comigo, ele vai pegar você, traz ele, eu vou, está bem?”. “Está bem”. Mas isso era coisa

nossa lá de dentro.

C.S. – Sensibilidade...

G.N. – “Carlos Alberto, nós vamos trocar aqui hein, por isso e por isso, está bem?”. “Está

bem”. Tanto é que ele fez o gol de empate, tá certo? Quando o cara percebeu, “ah não é ele,

é ele”, aí volta tudo, estamos de novo no jogo. Contra a Itália, a gente sabia que a Itália já

marcava homem a homem, a defesa dela, vamos ver se contra a gente é assim, então olha

aqui, “Rivelino e Jairzinho, vamos jogar uns dez, quinze minutos assim, depois você troca e

vê se eles estão acompanhando”, aí trocaram. O Facchetti17 saiu daqui do lateral esquerdo e

foi para lateral direito, lateral direito veio para cá, “olha eles estão trocando”. “Beleza,

então de novo, Jairzinho e Rivelino. Rivelino, entra um pouquinho, vai ficar um buraco

aqui, Everaldo não vem, quem arma é o Tostão. Para quê? Para levar o central para lá, abrir

aqui e o Rivelino vai entrar aqui, tá certo? Aí o que é que acontece, Pelé vem aqui, traz ele,

traz o outro. Jairzinho, entra”.

C.S. – Carlos Alberto Torres.

G.N. – Avenida que fez gol toda vida, trazia ele para cá e levava ele para lá, ao bel prazer

da gente. Por quê? Porque isso estava treinado, se ele vai fazer isso, eu tenho isso, bom e se

ele não fizer? Eu tenho isso, isso e isso. Acabou, aonde você marca? Eu marco aqui. E se

ele sair daqui? Vai para onde? Para aqui? Não é problema meu. Quem vai entrar aqui? Eu 17 Giacinto Facchetti

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marco por zona, eu não vou acompanhar, porque vai ficar buraco, eu fico aqui, alguém vai

pegar ali, o meu está aqui, alguém pegar aqui é meu, é dez contra dez, o goleiro não... É

dez contra dez, ninguém vai ficar com dois, porque vai ficar um espaço aqui. Se ele for para

lá e não ficar ninguém, eu vou deitar e rolar aqui, acabou. E nós tínhamos um negócio

interessante, nós tínhamos o Pelé, que a preocupação era constante com ele, dois, três

sempre sobrava um da gente livre. Quando eles descobriram que o Tostão era bom para

caramba, tá certo? Mais um ali. Pô, tem gente sobrando aqui para caramba, para gente jogar

à vontade, esse é o problema, isso foi 1970, simples, mas super organizada.

C.S. – É muito importante esse teu depoimento, porque se pensa muito em 1970 na

qualidade individual do jogador não é? E você está falando também da consciência tática

da...

G.N. – Exatamente, porque a qualidade você não tira do jogador, e Seleção Brasileira a

gente chega ao ápice, há de convir que tem de ser os melhores, e você imprimir um bom

condicionamento físico em cima desses caras e uma técnica e um trabalho bom, sério, a

tendência é você disputar o título, cara, a tendência é disputar o título, sem sombra de

dúvida, não adianta, você disputa o título. E foi o que aconteceu, simples, não tinha

estardalhaço, concentramos aqui, fomos para Guanajuato, que é mais alto, Irapuato,

voltamos para Guadalajara, e jogamos. Não teve disse me disse, não teve não sei o que, não

teve nada, teve lá um problema com a imprensa, que um cara da imprensa que quis criar um

problema lá, de meter o pau no Zagallo, a pergunta dele: “vocês ganharam o primeiro jogo,

ganharam o segundo, vão ganhar o terceiro?”. Zagallo falou: “Claro!”. “Bom, eu não sei se

é claro, seu time não está jogando nada”. Poxa, aí é brincadeira, aí o Zagallo se estressou

com ele, mas é isso, é sempre estressante, quer dizer, já é estressante, e você ainda pega

umas perguntas dessas. “Tostão, você acha que esse problema do teu olho” - que ele teve

um problema sério no olho, que inclusive foi a Houston, do México, lá pros Estados Unidos

para encontrar com o médico dele e tal. Era perguntar para o Tostão, como perguntaram

“você vai dar, não vai dar? Seu olho?”. O cara não quer nem saber disso, isso já é um

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trauma na vida do cara, ele está traumatizado que ele não sabe se ele vai jogar, se não vai,

se aquilo vai explodir lá dentro do campo, pô!

C.S. – Posteriormente é visível que no jogo com o Peru, ele bota a mão, ele faz um gol e

bota a mão...

G.N. – Ele deu uma cabeçada lá na, não o cara deu uma cotovelada nele, qualquer

problema. Para você ver, ele está ligado naquilo, o subconsciente dele está ligado ali, aí ele

vai, pergunta para arrebentar ele. Tem sempre um cara para fazer isso, sempre aquele que

não gosta, que torce contra, tem uma série de coisas aí ué...

C.S. – A mudança do Saldanha para o Zagallo não abalou o grupo não?

G.N. – Não, não abalou porque o Saldanha era uma pessoa da melhor qualidade, gente

amiga, gente da melhor qualidade, sempre direito, correto, honesto para caramba, olho no

olho também, é isso é isso, não é não é. Ele teve uma fase que ele tinha que falar isso, falar

o que ele falou, trombar todo mundo, porque o problema dele era também político, porque

os caras corriam atrás dele, várias coisas do passado que a gente não interessava, pra gente

não interessava aquilo, interessava a amizade que ele tinha por nós e nós por ele. Aí é... Ele

já tarimbado, porque ele já tinha sido treinador do Botafogo profissional, treinador da praia,

time de praia, ele era vivido, ele era escolado, e inteligente para caramba, poliglota, bon

vivant, tudo isso, e outra coisa, magro para caramba, mas valente toda vida, enfrentava

qualquer coisa, sem susto, sem assombração. Então eu acho que ele teve o momento dele, a

Seleção teve um momento muito bom nas eliminatórias, saímos invictos nas eliminatórias,

teve até uma passagem interessante lá no Paraguai, a maior confusão lá na rua, de noite,

madrugada, os caras buzinando, ele partiu para a briga com os caras, na rua, e nós saímos

atrás dele, confusão, chamar a polícia e tal, dia seguinte no campo, campo lotado, aquele...

C.S. – Defensores?

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G.N. – Defensores Del Charco. É charco, porque no lado esquerdo, lá no fundo era um

charco mesmo, se atolava.

C.S. – Onde tinha vaca?

G.N. – É, você atolava o pé, e era verdade. Bom, aí aqui chegamos no campo, gritaria,

foguete, e diz ele assim, “olha, é melhor a gente botar uma roupinha mais simples e entrar

em campo para eles jogarem todo, garrafa de xixi em cima da gente, porque vai ter. É

melhor agora do que com o uniforme bonito, vamos lá cara. Aí saímos, jogaram tudo em

cima da gente dentro do campo e voltamos, quando nós entramos bonitinhos não tinha mais

nada para jogar, jogar mais o que? Que eles pensaram que nós íamos entrar naquele

momento, entramos e tal, fomos lá e metemos três neles, tranqüilamente, e não metemos

mais aqui porque eles ficaram trinta e dois dentro do gol, aí metemos um a zero só aqui

neles, mas ficaram lá encurralados lá dentro do gol, e nós só jogando, e lá nesse jogo, o Edu

arrebentou com o jogo, matou a pau o jogo, fez tudo o que tinha que fazer e o que não

tinha, ele fez.

C.S. – O Saldanha teve um problema com o Pelé, não é?

G;N. – Não, não teve, aquilo ali foi uma válvula de escape dele, a gente sabia porque ele

estava saindo, ele disse para a gente, olha estão me chamando lá na CBF18, é para eu, CBD,

não é?

C.S. – É, CBD.

G.N. – É para eu sair, eu sei que é para eu sair, porque eu não vou dar explicação para os

caras de nada. “Muito obrigado por tudo o que vocês fizeram, precisar de mim estou aqui,

vou estar lá torcendo, e quem falar mal eu estou com vocês”. E foi embora, já sabia que ia

sair, pelo envolvimento todo, o que ele disse, que o cara perguntou para ele, isso é bem 18 Confederação Brasileira de Futebol.

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verdade , o presidente quer que o Dario, que você ponha o Dario. Ele falou: “tudo bem, sem

problema”. E o Dario tinha que estar ali, porque o Dario era um grande jogador, era um

grande jogador e goleador por onde passou, tinha que estar ali, agora se jogando ou não, aí

não era problema nosso, era problema do treinador, falou: “Tudo bem, desde que ele deixe

eu escalar os ministros dele”. Isso já foi uma paulada lá, já outra paulada aqui, porque ele

virava e mexia, ele esquentava o governo, e estava naquela situação toda, aí foi embora, aí

entrou o Zagallo, que era outro tipo, conhecedor, porque jogou, e... Talento, inteligente para

caramba, é... Diálogo fácil, e com o esquema dele lá, e com a organização que vem por trás

dele, e é isso aí, ganhamos e ganharíamos tudo, tranqüilamente. É isso.

[FINAL DO DEPOIMENTO]