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O PATRIMNIO CULTURAL DO CENTRO HISTRICO DE FLORIANPOLIS:
um estudo do papel dos Museus Histrico de Santa Catarina e Victor Meirelles na preservao e produo da cultura.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo
O Patrimnio Cultural do Centro Histrico de Florianpolis: um estudo do papel dos Museus Histrico
de Santa Catarina e Victor Meirelles na preservao e produo da cultura.
Tathianni Cristini da Silva
Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao em Engenharia de Produo da Universidade Federal de Santa Catarina para obteno do ttulo de Mestre em Engenharia de Produo.
Orientadora: Prof Sara Albieri, Dr.
FLORIANPOLIS
2004
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O Patrimnio Cultural do Centro Histrico de Florianpolis:
um estudo do papel dos Museus Histrico de Santa Catarina e Victor Meirelles
na preservao e produo da cultura.
Tathianni Cristini da Silva
Esta dissertao foi julgada e aprovada para a obteno do ttulo de Mestre em Engenharia de Produo, no Programa de Ps-Graduao em Engenharia de
Produo da Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianpolis, 02 de julho de 2004.
Prof. Edson Pacheco Paladini, Dr.
Coordenador do Curso
BANCA EXAMINADORA
_______________________
Prof Sara Albieri, Dr.
_______________________
Prof Joo Eduardo Pinto Basto Lupi, Dr.
_______________________
Prof Selvino Jos Assmann, Dr.
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As Estrelas L, nas celestes regies distantes, No fundo melanclico da Esfera, Nos caminhos da eterna Primavera Do amor, eis as estrelas palpitantes.
Quantos mistrios andaro errantes, Quantas almas em busca de Quimera L, das estrelas nessa paz austera Soluaro, nos altos cus radiantes.
Finas flores de prolas e prata, Das estrelas serenas se desata Toda a caudal das iluses insanas.
Quem sabe, pelos tempos esquecidos, Se as estrelas no so os ais perdidos Das primitivas legies humanas?!
Cruz e Sousa
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Agradecimentos A louca agitao das vsperas de partida! Com a algazarra das crianas atrapalhando tudo E a gente esquecendo o que devia trazer, Trazendo coisas que deviam ficar... Mas que as coisas tambm querem chegar A qualquer parte! desde que no seja Este eterno mesmo lugar... (...)
Mrio Quintana
Deus ...
querida professora Sara Albieri, por sua amizade nesses ltimos anos;
por sua habilidade de saber orientar de forma tranqila e carinhosa, e a
admirao por sua incrvel inteligncia e sensibilidade.
minha famlia que agentou ao meu lado todos os momentos felizes e
tristes desta empreitada, dando animo para que chegasse a seu fim.
Aos profissionais de museus e bibliotecas que tanto auxiliaram quando
foi preciso, em especial Lena Peixer, arte-educadora do Museu Victor
Meirelles por sua gentileza, presteza e bom humor.
Aos professores da banca, Dr Joo Eduardo Pinto Basto Lupi e Dr
Selvino Jos Assmann pela gentileza de colaborarem com a apreciao dessa
pesquisa.
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Entre-Sono A manh se debrua ao peitoril, No sei por que est gritando: abril, abril! H, por vezes, manhs que so sempre de abril... A manh, com todas as suas rvores ao vento, Traz-me as primeiras notcias da frota do Descobrimento, Sem reparar na presena dos arranha-cus. Mas eu nem abro os olhos: vou dormir... Creio que ainda chegarei a tempo Para a Primeira Missa no Brasil.
Mrio Quintana.
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Resumo
SILVA, Tathianni Cristini da. O Patrimnio cultural do centro histrico de
Florianpolis: um estudo do papel dos Museus Histrico de Santa
Catarina e Victor Meirelles na preservao e produo da cultura.
Florianpolis, 2004. 249 f. Dissertao (Mestrado em Engenharia de
Produo) Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo,
Universidade Federal de Santa Catarina.
Este trabalho pretende abordar as relaes entre a criao de museus
e sua utilizao como patrimnio cultural produtor de conhecimento.
Para tanto, estudamos dois museus localizados no municpio de
Florianpolis: o Museu Histrico de Santa Catarina Palcio Cruz e Sousa e o
Museu Victor Meirelles. Ambos localizam-se no centro histrico da cidade, e
apresentam variao representativa quanto a estrutura, acervo, poltica cultural
e histria.
O estudo de caso visa debater o tipo de material e adequao dos
instrumentos utilizados pelos museus para sua divulgao, dando especial
nfase mdia eletrnica.
Trata-se de uma pesquisa que pretende colaborar, dentro de suas
limitaes, para um melhor aproveitamento desses dois ambientes
privilegiados e instigantes para a divulgao da cultura e a educao pela arte.
Palavras-chave: museu, patrimnio, cultura.
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Abstract
The aim of this dissertation is to review the common conception of
museums as cultural patrimony, suggesting that they can also play a successful
role in the creation of knowledge. Two museums were selected as case studies
in Florianopolis: Museu Historico de Santa Catarina known as Palcio Cruz
e Souza, and Museu Victor Meirelles. Both are located in the towns historical
center. The study contrasted several aspects from the historical circumstances
of their implementation to their organization and patrimonial and cultural
policies. The case study aims at identifying their means of publicity, with special
focus on the electronic media. The purpose is to spot weak points and suggest
means to optimize their role in the creation of public knowledge through art
education.
Key words: museum, patrimony, culture
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Sumrio
Lista de Figuras.................................................................................. p. 09
Lista de Abreviaturas e Siglas............................................................. p.10
Lista de Tabelas.................................................................................. p. 11
1 Introduo........................................................................................ p. 13
1.1 Objetivos
1.1.1 Objetivo geral................................................................ p. 18
1.1.2 Objetivos especficos.................................................... p. 18
1.2 Estrutura do trabalho............................................................... p. 19
2 O nascimento do patrimnio cultural............................................ p. 21
2.1 A questo patrimonial no Brasil............................................... p. 33
2.2 A defesa do patrimnio com o uso de leis............................... p. 41
3 Museus no Brasil.......................................................................... p. 49
3.1 Educao em museus............................................................. p. 59
3.2 Museus em Santa Catarina..................................................... p. 62
3.2.1 Museu Histrico de Santa Catarina
Palcio Cruz e Sousa.............................................................. p. 68
3.2.1.1 O acervo............................................................. p. 73
3.3 Museu Victor Meirelles............................................................ p. 76
3.3.1 O pintor da Histria do Brasil: Victor Meirelles de Lima
3.3.1.1 Breve bibliografia................................................ p.78
3.3.1.2 O Museu............................................................. p. 84
3.3.1.3 O acervo............................................................. p.89
4 Estudo de Caso
4.1 A motivao............................................................................ p. 93
4.2 O Museu Histrico de Santa Catarina (MHSC)
Palcio Cruz e Sousa.................................................................. p. 95
4.3 O museu Victor Meirelles (MVM)......................................... p. 109
5 Consideraes finais..................................................................... p. 117
6 Glossrio....................................................................................... p. 122
7 Bibliografia
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7.1 Livros, Catlogos........................................................................ p. 124
7.2 Cartas......................................................................................... p. 129
7.3 Decretos e Leis........................................................................... p. 129
7.4 Sites de divulgao de Museus.................................................. p. 131
8 APNDICES
8.1 Apndice I - Museu Histrico de Santa Catarina
Palcio Cruz e Sousa....................................................................... p. 133
8.2 Apndice II- Museu Victor Meirelles........................................... p. 137
9 ANEXOS
9.1 Anexo I Mapas do centro histrico de Florianpolis............... p. 147
9.2 Anexo II Anteprojeto SPHAN.................................................. p. 150
9.3 Anexo III Museu Histrico de Santa Catarina
Palcio Cruz e Sousa..................................................................... p. 169
9.4 Anexo IV Museu Victor Meirelles........................................... p. 191
9.5 Anexo V Cartas do ICOMOS................................................. p. 203
9.6 Anexo VI Legislao.............................................................. p. 227
9.7 Anexo VII Documentos Minc ................................................ p. 247
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Lista de Figuras
Figura 1 - Ilustrao do sculo XIX, mostrando a Queda da Bastilha...... p. 21
Figura 2 - O local da antiga Bastilha hoje.................................................. p. 23
Figura 3 - Destruio e Pilhagem por Napoleo......................................... p. 32
Figura 4 - Mrio tomando banho no Norte do Brasil................................... p. 37
Figura 5 - Prdio da Alfndega antes do aterro.......................................... p. 69
Figura 6 - Edifcio durante o ltimo restauro............................................... p. 69
Figura 7 - Palcio Cruz e Sousa, dcada de 1910..................................... p. 71
Figura 8 Casa de Victor Meirelles em 1946............................................ p. 76
Figura 9 Retrato de Victor Meirelles, 1915.............................................. p. 78
Figura 10 Vista do Desterro de Victor Meirelles..................................... p. 79
Figura 11 Primeira Missa no Brasil de Victor Meirelles........................... p. 80
Figura 12 Estudo para Passagem do Humait de Victor Meirelles..........p. 82
Figura 13 Vista do Palcio no sculo XIX (por Fossari).......................... p. 68
Figura 14 Edifcio da Afndega (por Fossari)........................................... p. 70
Figura 15 Largo Municipal (por Fossari)................................................... p. 71
Figura 16 Casa de Victor Meirelles (por Fossari)..................................... p. 76
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Lista de Tabelas
Tabela 1 - Seces da Comisso dos Monumentos da Constituinte................
.................................................................................................. p. 28
Tabela 2 - Veculo de propaganda que influenciou na viagem a Florianpolis
................................................................................................ p. 105
Tabela 3 - Principais atrativos tursticos de Florianpolis........................ p. 106
Tabela 4 - Comparao estatstica do Museu Histrico de Santa Catarina
Palcio Cruz e Sousa ............................................................ p. 106
Tabela 5 - Demanda turstica a Florianpolis .......................................... p. 107
Tabela 6 - Ao educativa cultural desenvolvida no Museu Victor
Meirelles................................................................................. p. 112
Tabela 7 - As exposies do Museu Victor Meirelles .............................. p. 112
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Lista de Abreviaturas e Siglas
AVM - Associao dos Amigos do Museu Victor Meirelles.
EMBRATUR Instituto Brasileiro de Turismo.
ICOMOS - Conselho Internacional de Monumentos e Stios.
IHGB Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro.
IHGSC Instituto Histrico e Geogrfico de Santa Catarina.
IPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional.
GT Grupo de Trabalho.
MAM Museu de Arte Moderna.
MASC Museu de Arte de Santa Catarina.
MASP Museu de Arte de So Paulo.
MHSC Museu Histrico de Santa Catarina.
MinC Ministrio da Cultura.
MNBA Museu Nacional de Belas Artes.
MVM Museu Victor Meirelles.
PNM - Poltica Nacional de Museus.
PUC-RJ Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.
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SANTUR Santa Catarina Turismo S.A.
SEPHAN Servio do Patrimnio Histrico, Artstico e Natural do Municpio de
Florianpolis.
SPHAN Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional.
UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina.
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina.
USP Universidade de So Paulo.
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1 Introduo
1.1 A origem do trabalho Os homens fazem [suas vidas], mas no [as] fazem como desejam, no [as] fazem nas circunstncias diretamente encontradas, proporcionadas e transmitidas pelo passado e pelo mundo volta delas. Eric Hobsbawn1
Em nossos dias passamos quase que quotidianamente em frente a
museus, centros de cultura, prdios histricos tombados como patrimnio
municipal, estadual, nacional ou mesmo mundial, e eles esto l para quem
queira ou no percebe-los; existem e fazem parte da rea pblica de nossas
cidades, nos diferentes pases.
Alguns ficam indiferentes a estes bens que acabaram ganhando
espao efetivo dentro das comunidades, enquanto outros valorizam tais locais
e obras e fazem deles parte de suas vidas. Foi da observao da importncia,
para as pessoas, desses instrumentos que preservam a memria de um tempo
que no mais o presente, que nasceu esta pesquisa.
Iremos discutir a permanncia e relevncia daquilo que denominamos
patrimnio cultural, seja ele um palcio ou uma simples vista de uma ilha,
pintada por um garoto de 14 anos de idade. Trata-se de entender o papel
desse tipo de patrimnio, tanto para o rememorar da histria de uma
comunidade, como tambm a instruo daqueles que viajam para conhecer
novas localidades.
1 GEBARA, out./dez. 2003, p.55.
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Para realizar esta pesquisa preciso primeiro esclarecer o que se
entende por patrimnio, e como certos objetos foram tidos como patrimnio de
nossa cultura. Tambm preciso recuperar a criao legal do patrimnio. Para
isso buscamos as primeiras leis e decretos internacionais e nacionais,
buscando compreender como o homem desenvolveu instrumentos para possuir
por mais tempo possvel aquilo a que ele atribui valor, seja artstico ou
histrico. Utilizamos aqui tais fontes para explicar o processo de adoo de
medidas graduais para a preservao da memria material e imaterial do pas.
No decorrer do trabalho muitas referncias sero feitas a fontes obtidas
via internet2, um instrumento que ajudou a ampliar os recursos e o tempo
destinados a este trabalho. Tambm iremos evocar o mundo virtual como um
espao a ser conquistado pelos museus, para sua adaptao ao tempo em que
vivemos.
Escolhemos dois museus de Florianpolis como material para nosso
estudo de caso, o Museu Histrico de Santa Catarina (MHSC) Palcio Cruz e
Sousa, e o Museu Victor Meirelles (MVM). A escolha ocorreu a partir da
delimitao do centro histrico da ilha como espao a ser analisado, j que so
os dois museus contidos nesse permetro. no centro histrico da capital que
temos o maior volume de visitas de turistas e alunos de escolas, quando estes
no esto em frias nas praias ou em sala de aula. Ali fica a praa central do
municpio, Praa XV de Novembro, antigo centro poltico da Provncia de Santa
Catarina. De um lado da praa vemos o antigo Palcio de Despachos e
2 Um instrumento foi de grande auxlio para nosso trabalho, a internet, uma ferramenta de pesquisa e entretenimento tpica dos anos de 1990. Por exemplo, foi por meio dela que
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Residncia do Presidente da Provncia, do outro a Catedral e a frente a Casa
de Cmara e Cadeia, e a poucos metros, ao fundo da antiga rua das Pedreiras
a casa de Victor Meirelles. (Ver mapa no anexo I).
Assim, o centro histrico de Florianpolis torna-se um instigante local
para pesquisas. A escolha dos dois museus permite que possamos analisar
esses ambientes, to prximos fisicamente, embora muito distantes um do
outro quanto a sua origem e metodologia de trabalho.
Outro ponto que foi preciso estabelecer foi o perodo a ser abrangido
pela pesquisa. Para isso fomos at os museus para levantar os materiais
(estatsticas, material de divulgao, catlogos, pesquisas j realizadas) a que
poderamos ter acesso. Para nossa surpresa, descobrimos a inexistncia de
arquivos com tais materiais, ou as escassas anotaes ali reunidas de modo
precrio.
No MHSC, um breve levantamento do nmero e origem dos visitantes
estava sendo realizado por um funcionrio a partir do ano 2000 at o ano de
2003, pois at esse momento no existiam outras estatsticas de pblico nesse
museu. No havia catlogo e folder para sua divulgao, somente um folheto
que servia para a formao dos guias do espao, e estava sendo distribudo
queles que iam visit-lo. Neste momento, embora ficasse clara a boa vontade
de muitos funcionrios, tambm era evidente a falta de estrutura do museu.
Conseguimos cpias dos materiais bastante precrios de que o museu
dispunha, includos em anexo neste trabalho. Foi necessrio, para um melhor
conseguimos a primeira, a segunda e algumas das seguintes constituies do Brasil, sem precisar ir ao Rio de Janeiro consultar a Biblioteca Nacional, ou qualquer outra biblioteca.
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entendimento da estatstica fornecida, que ela fosse reestruturada, sendo
somados elementos ausentes a uma nova formatao visual, tornando-a mais
objetiva. (Ver apndices I e II).
J no Museu Victor Meirelles, descobrimos que este realizava
estatsticas anuais e as mantinha arquivadas; todas estavam manuscritas em
uma pasta e separadas por anos. Coube-nos novamente copi-las e dar-lhes o
formato de sua apresentao no apndice. O museu dispunha de um catlogo
e CD-ROOM completos de suas obras at aquele momento (2003); filmes
sobre a vida de Victor Meirelles; fichas a serem preenchidas pelos professores
aps as visitas escolares; questionrios de atividades para os alunos; cartazes
do museu e um folder bastante simples do espao. (Ver anexo IV).
Embora sendo ambos museus, havia ento diferenas significativas na
administrao e divulgao desses dois ambientes. Como todo material
disponvel necessitava ser copiado e organizado, alm de no MHSC existirem
somente pesquisas quanto s visitas a partir do ano de 2000, acabamos por
delimitar este espao de tempo como fonte para nosso trabalho. Desta forma, o
estudo de caso percorreu os anos de 2000 a 2003.
O perodo de busca por materiais para a elaborao do trabalho foi
muito interessante. Observamos que as pessoas por vezes ficavam pouco
vontade para falar ou facilitar o acesso aos materiais; foram muitas idas e
vindas at que consegussemos as estatsticas e demais materiais.
Descobrimos ainda que no existem pesquisas realizadas junto aos
museus de Florianpolis quanto ao volume de pessoas que recebem
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anualmente, ou mesmo durante a temporada de vero, em que a cidade
recebe expressivo nmero de turistas. Na verdade, no parece haver nenhum
tipo de interao entre esses dois espaos, eles tornaram-se vizinhos que no
se conhecem. O perodo de captao de instrumentos para a dissertao foi de
muitas surpresas para ns, que trabalhamos h mais de cinco anos em
museus, uma verdadeira redescoberta desses espaos.
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1.2 Objetivos
1.2.1 Objetivo Geral
Investigar a atuao do Museu Histrico de Santa Catarina (MHSC) e do
Museu Victor Meirelles (MVM) em relao a seu pblico, e analisar o potencial
de cada ambiente como fonte para produo de conhecimento.
1.2.2 Objetivos especficos
Perceber o processo de formao do conhecimento acerca do patrimnio
cultural;
Conhecer o desenvolvimento da legislao sobre patrimnio cultural;
Analisar a poltica para criao de museus no Brasil;
Compreender as circunstancias em que nasceram o MHSC e MVM;
Identificar os problemas decorrentes da ausncia de planos polticos
especficos para museus.
Realizar um estudo de caso que permita compreender o estado atual dos
dois museus pesquisados.
Debater o tipo de material e adequao dos instrumentos utilizados pelos
museus para sua divulgao, dando especial nfase mdia eletrnica.
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1.3 Estrutura do trabalho
A organizao deste trabalho segue a seguinte ordem:
Introduo: procuramos apresentar com clareza o tema e as circunstncias de
elaborao do trabalho, bem como suas limitaes enquanto pesquisa, alm de
discutir algumas questes em torno da obteno de fontes para a pesquisa.
I Captulo O nascimento do patrimnio cultural: buscamos conhecer como
ocorreu o processo de formao de um interesse legal pela questo patrimonial
no mundo ocidental aps a Revoluo Francesa, focando a questo no Brasil
com a criao do SPHAN (Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional)
em 1937, posteriormente IPHAN (Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico
Nacional). Analisamos o empenho de Mrio de Andrade para a criao desse
rgo, e as polticas pblicas criadas para a salvaguarda de todo tipo de acervo
patrimonial no pas, alm da proliferao de trabalhos com essa finalidade.
II Captulo Museus no Brasil: reconstrumos a trajetria da criao de museus
pelo Brasil e o interesse por essas instituies. Vamos a Santa Catarina e
tratamos do processo de criao dos museus em Florianpolis, em sintonia
com um movimento nacional de valorizao das artes e da histria do pas,
embora com suas particularidades regionais. Enfatizamos a criao do Museu
Histrico de Santa Catarina (MHSC) Palcio Cruz e Sousa e do Museu Victor
Meirelles (MVM), centros de anlise dessa pesquisa, explicitando as polticas
para a criao de cada um desses ambientes.
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III Captulo Estudo de caso: realizamos uma anlise das atividades
desenvolvidas pelos museus anteriormente mencionados, atravs de dados
coletados na pesquisa de campo, como o servio de guiamento (arte-educao
ou educao patrimonial) e sua qualidade e relevncia para aqueles que
visitam estes locais. Em seguida, abordamos os meios de divulgao utilizados
por esses museus, com especial ateno ao uso ou desuso da mdia eletrnica
como instrumento de divulgao e acesso aos museus.
Consideraes finais: discutimos as novas polticas pblicas para os museus
criadas no governo Lula, bem como analisamos a importncia da formao
profissional das pessoas que realizam trabalhos em museus no pas.
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2 O nascimento do patrimnio cultural
Figura 1 - Ilustrao do sculo XIX, mostrando a Queda da Bastilha.3
Frana, sculo XVIII, precisamente o ano de 1789. Revolucionrios
querem alteraes na vida poltica, econmica, social e cultural do pas. Cai a
Bastilha, priso smbolo do absolutismo monrquico4 francs. Revolucionrios
tomam-na e decretam sua destruio, assim como de inmeros outros
elementos que simbolizaram o poder dos reis durante sculos nesse pas.
Mas qual a ligao da Revoluo Francesa com a questo patrimonial?
Foi exatamente na Frana revolucionria que nasceu o interesse pela
3 Fonte: Disponvel em: Acesso em: 10/05/2004. 4 Foi provavelmente no sculo XVIII que se cunhou o termo Absolutismo para referenciar as atitudes da monarquia com seus poderes ilimitados e desmedidos. Inmeros livros comentam o
http://www.historianet.com.br/main/mostraconteudos.asp?conteudo=179
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preservao5 daquilo que constitua a histria desse povo. Enquanto de um
lado inmeros revolucionrios extremistas pregavam a total destruio de
construes, papis, obras de arte que relembrassem a monarquia, de outro
lado tnhamos tambm revolucionrios querendo preservar tais smbolos para
registrar que nem sempre o povo (em verdade, os filhos da burguesia, pois o
povo enquanto massa no teve acesso ao poder, mesmo com a revoluo)
esteve no poder e precisou sempre lutar por ele.
Neste conflito de intenes d-se o passo inicial para o registro e
preservao daquilo que denominaremos como patrimnio cultural, seja ele
histrico ou no. Como inmeros autores iro nos colocar: patrimnio o
conjunto de bens materiais e no materiais que constituem representaes do
modo de vida de um grupo de pessoas, seja este grupo uma vila ou uma
nao. Ou ainda, segundo definio do ICOMOS (Conselho Internacional de
Monumentos e Stios) de 1985:
O Patrimnio cultural de um povo compreende as obras de seus artistas, arquitetos, msicos, escritores e sbios, assim como as criaes annimas surgidas da alma popular e o conjunto de valores que do sentido vida. Ou seja, as obras materiais e no materiais que expressam a criatividade desse povo: a lngua, os ritos, as crenas, os lugares e monumentos histricos, a cultura, as obras de arte e os arquivos e bibliotecas. Qualquer povo tem o direito e o dever de defender e preservar o patrimnio cultural, j que as sociedades se reconhecem a si mesmas atravs dos valores em que se encontram fontes de inspirao criadora. (...) A preservao e o apreo do patrimnio cultural permitem, portanto, aos povos, defender a sua
assunto. Entre eles esto: A fora da tradio de Arno j. Mayer e a Histria da vida privada vol. 3 coleo dirigida por Philippe Aris e Georges Duby. 5 Existem diferenas significativas entre os termos preservao, conservao e restaurao, para melhores esclarecimentos ver o Glossrio e as cartas do ICOMOS em anexo.
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soberania e independncia e, por conseguinte, afirmar e promover sua identidade cultural.
Voltando Bastilha. Se falamos em preservar, por que ela foi
destruda? Conforme comenta Haroldo Leito Camargo, ela era um smbolo
da arbitrariedade do poder real [grifos do autor] e daquele Estado monrquico
que se confundia com a prpria pessoa do rei. (2002, p.12). Em pleno sculo
XX presenciamos a destruio de smbolos de poder, como o muro de Berlim,
que assistimos pela TV sendo retirado pedao por pedao. Tal como a Bastilha
no sculo XVIII, o Muro representou, no sculo XX, a fora totalizadora do
Estado, o poder que torna todos submissos e sem rosto, e que anula a
identidade dos grupos que vivem sob ele.
Figura 2 - O local da antiga Bastilha hoje: resta apenas o permetro da antiga fortaleza, traado no asfalto.6
Da Bastilha nada mais resta, do Muro algumas partes ainda esto de
p, enquanto alguns outros fragmentos so vendidos aos turistas como
lembranas do socialismo alemo. Sobre o terreno da primeira foi construdo
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um parque. Desse primeiro embate ideolgico vimos nascer a destruio;
todavia durante esse mesmo perodo ir ser consolidada a importncia da
preservao do patrimnio como elemento constitutivo da identidade nacional.
A mesma Frana que derruba sua priso smbolo ir fazer um
inventrio de tudo o que possu e possa ser elemento relevante para sua
histria, leia-se, identidade enquanto nao. Este inventrio teria por funo
salvar na memria a existncia de objetos diversos: desde quadros at
castelos, caso estes acabassem por ser destrudos no decorrer do tempo.
Franoise Choay nos fala do antiqurio7 naturalista Aubin-Louis Millin, que
parecia ser o inventor da palavra monumento histrico. Ele apresenta
Assemblia Nacional Constituinte o primeiro volume das suas Antiquits
nationales ou Recueil de Monuments. (...) O seu propsito o de salvar por
meio da imagem objectos votados destruio e deles oferecer uma
descrio. (1999, p. 86).
Enquanto a revoluo acontece, com todos os seus revezes,
paralelamente instrumentos so criados para o reconhecimento de tudo aquilo
que seja patrimnio e esteja sobre solo francs. Aps a iniciativa de Millin, so
criadas Comisses revolucionrias para os seguintes processos: O primeiro no
tempo a transferncia para a nao dos bens do clero, da coroa e dos
emigrantes. O segundo a destruio ideolgica de que uma parte destes
bens foi objeto, a partir de 1792, em particular sob o Terror e sob o governo de
6 Fonte: Disponvel em: Acesso em: 10/05/2004. 7 Antiqurio aqui no possu o sentido atual da palavra, comerciante de antigidades, mas o sentido do perodo de gabinete de curiosidades, onde as mais diversas peas eram misturadas e faziam parte da mesma coleo.
http://www.historianet.com.br/main/mostraconteudos.asp?conteudo=205
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Salvao pblica. (1999, p.86). Embora contraditrio, o texto acima revela
exatamente a dificuldade para a preservao diante dos ideais revolucionrios.
Um bom exemplo talvez seja a falta de munio durante as batalhas, uma das
alternativas encontradas foi a reciclagem dos objetos de metal, como castiais
de igrejas e objetos de decorao, que foram fundidos e utilizados como balas
pelos revoltosos. Ou mesmo a quebra de imagens, cabeas em especial, que
poderiam aludir a alguns antigos reis ou membros da coroa, que se
encontravam em catedrais como Chartres.
Para que tais destruies parassem de ocorrer foi necessrio um
incentivo: a criao de uma identidade nacional que ajudasse diretamente
histria e tudo que faz com que ela possa ser presente; logo, patrimnio
cultural enquanto herana e identidade cultural que no se quer perder. Ou
enquanto identidade nacional que se quer afirmar ou reafirmar, ainda que se
desloque e se descentre em nossos dias. (CAMARGO, 2002, p. 15).
Foi no sculo XIX que a criao de patrimnios nacionais se
intensificou. Estamos falando da criao dos Estados Nacionais;
O Estado uma relao de domnio de um ou de alguns homens sobre outros, baseada numa coao que sditos consideram legtima, porque os que dominam tem uma autoridade baseada na tradio, ou em caractersticas pessoais de liderana, ou ainda num contrato entre os que dominam e os que so dominados. Os Estados modernos assumiram a forma de monarquias, ou seja, unificaram-se em torno do governo de um s governante, a que se atribua poder absoluto, a fim de estabelecer o bem comum, harmonizando os conflitos entre nobres e burgueses. Atravs da conquista, do comrcio e da exogamia com populaes vizinhas, diversos territrios aceitavam um nico nome. Esse nome podia ser o de um chefe, de um dos territrios ou de um grupo dominante. Atravs
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de elementos comuns de cultura (religio, formas de ensino, linguagem) e da demarcao de barreiras geogrficas e acidentes histricos, criava-se um sentimento de solidariedade na populao, independentemente da posio social de seus membros, [grifos meus] e que permitia a atuao do Estado como corpo da nacionalidade. (LEITE, s/ano, p.92).
Estes acidentes histricos deixaram como marca de sua passagem
elementos concretos, um patrimnio cultural. Enfim, o patrimnio passou a
constituir uma coleo simblica unificadora, que procurava dar base cultural
idntica a todos, embora os grupos sociais e tnicos presentes em um mesmo
territrio fossem diversos. (RODRIGUES, 2002, p.16). Assim, o patrimnio
cultural recebeu importncia poltica ativa.
Por outro lado, vale lembrar o advento daquela que alteraria a
percepo de mundo do homem moderno, a Revoluo Industrial. Por um lado,
a fabricao massificada de muitos produtos, levava valorizao de objetos
nicos; mas tambm a vulgarizao da aquisio de materiais de construo
pela populao, possibilitava a construo de novas moradias e a destruio
de antigas casas. Qual a importncia disso para ns? As antigas cidades
europias at o Rococ (sculo XVIII), tinham por tradio a manuteno de
antigos traados junto de novas arquiteturas urbanas; assim era possvel
assistir fuso do antigo com o novo, permitindo a preservao dos
patrimnios edificados dos mais diversos perodos da histria. Contudo, as
cidades industriais e ps-industriais promoviam a retirada de traados antigos
para o crescimento dos traados modernos; com isso, construes da
antigidade clssica e medieval foram postas abaixo em nome dos novos
tempos.
-
Temos ento, em momentos paralelos, duas situaes bastante
distintas: primeiro a busca pela preservao do patrimnio nacional; e, em
segundo lugar, a modernizao das cidades industriais que culminar com a
destruio de diversos bens materiais e imateriais.
Tomamos por bens culturais toda a produo e criao humana que
podemos reconhecer. Eles podem ser divididos em dois grupos: Bens Culturais
Intangveis e Bens Culturais Tangveis, esse ltimos subdivididos em duas
categorias: Bens Imveis e Bens Mveis.
1. Bens Culturais Intangveis: no possuem forma material, fazem
parte da tradio. Ex.: costumes...
2. Bens Culturais Tangveis: possuem forma material, so
reconhecidos pelos sentidos.
3. Bens Imveis: obras fixadas terra. Ex.: casas, cidades...
4. Bens Mveis: objetos de podem ser manuseados e transportados
de um local para outro. Ex.: telas, esculturas...8
A classificao torna o trabalho de inventariar e preservar muito mais
prtico. A diviso por categorias dos objetos teve sua origem j nos primeiros
inventrios franceses, como podemos ver abaixo:
8 Esta classificao est baseada na apostila: Introduo Conservao de Obras de Arte de Susana C. Fernandes.
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Tabela 1 - Seces da Comisso dos Monumentos da Constituinte I. Livros impressos........................................................... Ameilhon, Debure, Mercier. II. Manuscritos.................................................................. Brquigny, Dacier, Poirier. III. Cartas e Selos............................................................... IV. Medalhas antigas e modernas...................................... Basthlemy, David, V. Pedras gravadas e inscries........................................ Doyen, Leblond, VI. Esttuas, bustos, baixos-relevos, vasos, pesos e Masson, Medidas antigas e da Idade Mdia, armas ofensivas, Mongez, Mausolus, tmulos e todos os objectos desse gnero, Mouchy, Pajou Relativos Antiguidade e Histria.............................. Puthod. VII. Quadros, cartes de pintores, desenhos, gravuras, Cartas, tapearias antigas ou histricas, mosaicos, David, Debure, Vitrais............................................................................. Doyen, Mouchy, Desmarest, Pajou. VIII. Mquinas e outros objectos relativos s artes Mecnicas e s cincias.................................................. Desmarest, Mongez, Vandermonde. IX. Objectos relativos histria natural e aos seus trs reinos....................................................................... Ameilhon Desmarest, Mongez. X. Objectos relativos aos costumes antigos, modernos, europeus e estrangeiros.................................................. Ameilhon, Puthod.
Fonte: (RCKER, citado por CHOAY, 1999, p. 103).9
Os nomes listados na segunda coluna da tabela so de artistas e
pessoas ligadas arte de maneira geral, que formaram cada comisso
separadamente. A diviso por diferentes categorias, conforme os tipos e
materiais dos bens. foi importante para um melhor controle do processo de
inventariar e preservar.
Esta diviso por categorias dos bens culturais foi realizada pela
Comisso dos Monumentos da Assemblia Constituinte em 1790, em Frana,
composta por especialistas nas reas definidas e por simples cidados. Tinha
-
por funo organizar de maneira clara e precisa os tipos e a quantidade de
objetos que compunham as colees nacionais. Assim, os depsitos em que
se encontravam as peas confiscadas pelos membros da Comisso seriam
reconhecidas e no poderiam sofrer outro destino.
Num primeiro momento no temos noticias da expresso museu. Eles
chamavam os locais em que guardavam o patrimnio de depsitos. Nesse
mesmo perodo, o patrimnio histrico francs dividido em mvel e imvel,
necessitando de dois tipos de tratamento para sua preservao.
Os bens mveis so transferidos para os depsitos, nos quais sero
utilizados para servir na instruo da nao; logo, tais depsitos devero existir
por todo territrio nacional. Os mais diversos bens mveis sero dispostos
nestes locais, seguindo a mentalidade enciclopedista, cuja finalidade ser de
ensinar o civismo, a histria, bem como os conhecimentos artsticos e
tcnicos. (CHOAY, 1999, p. 88). Os depsitos deveriam ser lugares
confiscados como: igrejas, abadias, mosteiros, castelos. Embora a idia de
difundir pelo pas esses primeiros museus tenha efervescncia, ela no dispe
de recursos para tanto e poucos depsitos sero abertos instruo nacional.
Contudo o Louvre aberto. Ele ser aberto e fechado inmeras vezes
em sua histria devido s crises revolucionrias, e para l que sero
enviadas muitas riquezas nacionais. Com o primeiro depsito tornando-se
realidade, cria-se a denominao museu para especificar o tipo de depsito
que ali estava nascendo.
9 A grafia das palavras seguiu sua traduo realizada em Portugal.
-
O lugar onde seria estabelecido o depsito de cada departamento seria uma cidade considervel e, de preferncia, aquela onde existiria um estabelecimento de instruo pblica, uma vez que se sabe como a instruo pblica pode socorrer-se desses museus [grifo do autor]: o nome que se poder dar a esses depsitos. (BRQUIGNY, citado por CHOAY,1999, p. 104).
Embora os museus estejam em processo de criao, um problema vai
tomando maiores propores com o passar dos tempos: o patrimnio imvel.
Sua destruio cresce e sua converso para as mais distintas funes tambm.
De um lado temos pessoas como Alexandre Lenoir que trabalha na criao do
Museu dos Monumentos Franceses, o qual recolhe objetos j danificados de
construes, como tambm recorta, descaracteriza objetos intactos, para lev-
los ao museu como meio para prevenir sua futura destruio. Do outro lado
temos Kersaint, que pretende redirecionar a funo dos prdios pblicos como
transformar igrejas em assemblias, ou conventos em prises.
Como j foi comentado anteriormente, havia duas correntes na Frana
revolucionria, uma pregando a preservao dos bens existentes, outra
pregando sua destruio. Alm delas, existia o vandalismo devido ao caos
social e, ainda pior, o vandalismo gerado pelo desejo de preservar a qualquer
custo. Cabe ressaltar aqui uma questo que ainda hoje suscita muitas
discusses: inmeras vezes preservar uma obra fora de seu contexto cultural
perde muito de seu simbolismo e funo. Um bom exemplo disso so os
frontes retirados de templos gregos antigos e dispostos em museus, sem que
muitas vezes as pessoas saibam realmente por que e para quem aquelas
imagens eram feitas.
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A pilhagem de objetos ser corriqueira a partir de ento, visando
aumentar as colees de museus, inclusive com incentivos estatais;
Esses monumentos contribuem para o esplendor de uma nao e aumentam a sua preponderncia poltica. Eis o que os estrangeiros vm admirar. (...) Se os nossos exrcitos vitoriosos penetram em Itlia, o rapto do Apolo de Belvedere e do Hrcules [grifo do autor] de Farnese seria a conquista mais brilhante. Foi a Grcia que decorou Roma, mas devem as obras-primas das repblicas gregas decorar o pas dos escravos? A Repblica Francesa deve ser o seu ltimo lar. (GRGOIRE, citado por CHOAY, 1999, p. 108).
Isso na realidade no nenhuma grande novidade para ns, pois
lembramos dos saques e destruies promovidos por Napoleo Bonaparte no
Egito, por exemplo, com a destruio parcial do rosto da esfinge por seus
soldados, que ainda hoje relembrada a cada histria contada pelos guias de
turismo. Claro que a destruio do patrimnio tambm extremamente
relevante para a histria e para a conscientizao do povo, como escreve
Franoise Choay: as destruies devem permanecer feridas que, mais tarde,
sero lidas como cicatrizes.(1999, p. 96). Ou ainda podemos relembrar do
recente caso do Iraque invadido pelos americanos e a destruio de seu
patrimnio constitudo por povos antigos, como os mesopotmicos.
No decorrer da transformao dos depsitos em museus foi-se
desenvolvendo uma legislao para proteger os bens patrimoniais franceses,
com punies e regulamentaes diversas. No entanto, havia uma revoluo
contra a ordem estabelecida nas ruas, e no devia ser tarefa fcil conter a fria
-
de uma populao habituada assistir a vida pblica de sua nao, sem dela
tomar parte.
Figura 3 - Destruio e Pilhagem por Napoleo.10
Ainda assim, podemos dizer que os pais das teorias sobre patrimnio
so os franceses, assim como vimos que os ingleses so os pais da literatura
turstica.
10 Fonte: Disponvel em: < http://educaterra.terra.com.br/voltaire/artigos/napoleao_egito.htm> Acesso em: 10/05/2004.
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/artigos/napoleao_egito.htm
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2.1 A questo patrimonial no Brasil
Enquanto na Frana barroca/neoclssica falava-se e organizava-se um
patrimnio cultural nacional, no Brasil sequer tnhamos um livro de histria
nosso. A criao de bens nacionais vai ocorrer muito aps a chegada de Dom
Joo VI ao pas em 1808, mas seu aportar em terras tupiniquins ser
fundamental para fazer nascer o interesse por uma identidade nacional.
Mas, seria injusto no olharmos um pouco mais detidamente nosso
passado e vermos os esforos de Dom Andr de Mello e Castro, Conde de
Galveias, ento Vice-Rei do Estado do Brasil de 1736 at 1750, na tentativa de
salvar da ocupao indevida e conseqente destruio o Palcio das Duas
Torres, construdo na Ilha de Santo Antnio, no estado de Pernambuco, por
Maurcio de Nassau.
Este palcio estava sendo cogitado para sediar um quartel de
soldados, bem como um depsito de materiais. Ele seria um instrumento para
minimizar custos da coroa portuguesa no pas. Logo o vice-rei viu-se obrigado
a deflagrar aes que evitassem tal situao, uma vez que percebia nessa
investida a destruio do bem, haja vista a ausncia de cuidado que os
soldados teriam com o ambiente que representava um perodo interessante da
histria nacional. Assim, escreveu ao Rei em treze de setembro de mil
setecentos e quarenta e um:
Pelo que respeita aos Quartis que se pretendem mudar para o Palcio das Duas Torres, obra do conde Maurcio de Nassau, em que os Governadores fazem a sua assistncia, me lastimo muito que se haja de entregar ao uso violento e pouco cuidadoso dos soldados, que em pouco tempo
-
reduziro aquela fbrica a uma total dissoluo, mas ainda me lastima mais que, com ela, se arruinar tambm uma memria que mudamente estava recomendada posteridade as ilustres e famosas aes que obraram os Portugueses na Restaurao dessa Capitania, de que se seguiu livrar-se do jugo forasteiro todo o mais restante da Amrica portuguesa: as fbricas em que se incluem as estimveis circunstancias (referidas) ... so livros que falam, sem que seja necessrio o l-los ...; se se necessitasse absolutamente, para defensa dessa Praa, que se demolisse o Palcio, e com ele uma memria to ilustre, pacincia, porque esta mesma desgraa tem experimentado outros edifcios igualmente famosos; mas por nos pouparmos a despensa de dez ou doze mil cruzados, cousa indigna que se saiba que, por um preo tal vil, nos exponhamos a que se sepulte, na runa dessas quatro paredes, a glria de toda uma Nao. (ANDRADE, citado por MARCILY, 1978, p. 35).
Embora o prdio no tenha sido utilizado para tal finalidade, aps esta
carta no houve um incentivo para a criao de um sistema de salvaguarda de
bens culturais.
Durante o Imprio observamos a criao de colees nacionais tanto
de arte quanto de outras categorias de bens, como os naturais (Jardim
Botnico), por incentivo de Dom Joo VI. Da mesma forma, em meados do
sculo XIX, seu neto Dom Pedro II promoveu as artes no pas visando a
criao de uma identidade nacional por meio das mais diversas manifestaes
artsticas. Atravs da literatura da carta de Caminha, Victor Meirelles em Paris
pinta a Primeira Missa no Brasil; no Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro
so escritos os primeiros tomos de nossa Histria Oficial.
Dom Pedro II incentivou a criao e a manuteno de objetos que
possibilitassem ao Brasil ser conhecido e se reconhecer internamente.
Estamos falando de um pas mpar quanto ao seu povo, sua religiosidade, sua
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cultura e at mesmo sua vegetao. Deste modo, embora no haja leis que
tornassem obrigatria a manuteno da cultura material nacional, existiu um
tmido interesse em sua sobrevivncia.
O interesse pela preservao da cultura nacional expressa em bens
materiais, ser revisto nos anos da dcada de 1920, quando Bruno Lobo,
professor e presidente da Sociedade Brasileira de Artes, delega a tarefa de
criao de um anteprojeto para a preservao dos bens nacionais ao tambm
professor e conservador de antigidades clssicas do Museu Nacional, Alberto
Childe. Entretanto, este no cria o anteprojeto, mas somente sugere algumas
medidas a serem tomadas para preservao dos bens nacionais, entre elas a
desapropriao de bens de interesse pblico, o que significaria um aumento de
custos para o incentivo a cultura nacional. De resto, nada foi feito e as idias
permaneceram somente no papel.
Ainda assim, a idia de proteo do patrimnio cultural nacional
pairava no ar e diversos estados como Minas Gerais e Bahia estavam
buscando solues para seus interesses. Neste nterim, o Museu Nacional
recebeu novas atribuies e fora, tornando-se o responsvel pelo controle de
bens artsticos e histricos existentes no Brasil; mesmo que fossem
propriedade privada, os bens deveriam ser registrados e reconhecidos pelo
museu, que teria total preferencia no caso de uma futura venda.
Surge aqui a figura de Mrio de Andrade, clebre escritor modernista.
Mrio de Andrade receber a incumbncia de criar o anteprojeto de patrimnio
para a criao do SPHAN (Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional)
das mos do ento Ministro da Educao e Sade Gustavo Capanema. O
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modernista dispunha de muitos materiais para trabalhar, desde leis e projetos
internacionais at leis nacionais que estavam nascendo nos estados da
federao, entre os anos de 1920 e 1930. Valeu tambm de sua prpria
experincia de viagem pelo Brasil em busca do conhecimento da cultura em
terras brasileiras, acompanhado de seus companheiros modernistas como
Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. (Ver anexo V).
Mrio de Andrade foi um marco para a preservao e o estudo do
patrimnio no Brasil. O modernista mostrou-se um grande estudioso da
questo, e foi o idealizador de importantes rgos que tomaram a frente da
preservao do patrimnio histrico e artstico nacional.
Tudo comeou com a organizao do Departamento Histrico da
Prefeitura de So Paulo, no ano de 1935, e posteriormente, com a elaborao
do anteprojeto do SPHAN.
No ano de 1924 aconteceu a Viagem da Redescoberta do Brasil, cujo
circuito contemplava as Minas Gerais, em especial a cidade de Ouro Preto, que
havia deixado de ser capital do estado em 1897; somava-se ainda o norte e
nordeste do Brasil. Nessa viagem, modernistas e mecenas como Paulo Prado,
querem (re)ver o pas com especial ateno s suas construes, aquilo que
constitui a cultura material brasileira. Dessa viagem que teve continuao em
1927 resultou um livro de Mrio de Andrade, O Turista Aprendiz, que conta de
suas andanas e descobertas.
- E que acha de Belm?
- Nem me fale. um dos encantos do Brasil. O Brasil possui algumas cidades bonitas: o Rio, Belo
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Horizonte, Recife, So Paulo: mas, a todas estas falta carter. Belm como Ouro Preto, como Joinville, como So Salvador; possui beleza caracterstica. Este cu de mangueiras, filtrando o sol sobre a gente, produz uma ambincia absolutamente original e lindssima. Vejo com terror que em certas ruas esto plantadas rvores estrangeiras.11
Figura 4 - Mrio de Andrade tomando banho no Norte do Brasil.12
Cabe ressalvar que, embora Mrio de Andrade tenha realizado seu
anteprojeto durante o governo de Vargas, ele no desenvolveu em seu trabalho
a idia que se queria criar naquele momento de identidade cultural nica para o
Brasil. Ao contrrio em seu estudo avalia com fervor a diversidade cultural
brasileira, ressaltando a importncia disso para o pas, conforme nos diz
Ceclia Londres:
Ao preferir noo de monumento a um conceito antropolgico de arte, Mrio de Andrade conseguiu formular uma base conceitual no anteprojeto que privilegia a diversidade cultural do pas, fugindo de critrios rgidos de atribuio de valor. Alm disso, na considerao da prtica de preservao como um servio de interesse pblico a ser prestado populao, no abstratamente nao, Mrio de Andrade se aproxima muito mais da sociedade do que dos dirigentes do SPHAN, pois consegue enxergar a dimenso pedaggica dessa tarefa, sem que isso significasse qualquer instrumentalizao do patrimnio
11 Recorte da Folha do Norte, Belm, mai. 1927. (ANDRADE, 1976, p. 333). 12 Fonte: Disponvel em: < http://www.bn.br/fbn/musica/macronol.htm> Acesso em: 10/05/2004.
http://www.bn.br/fbn/musica/macronol.htm
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para fins polticos ou demaggicos, como temia Rodrigo Melo Franco de Andrade. Como fez literalmente em Macunama, Mrio de Andrade construiu em seu anteprojeto e em suas pesquisas uma imagem de Brasil plural, fragmentada, aberta e descentralizada, compatvel com a realidade de que ele se aproximou em suas viagens etnogrficas pelo pas. (LONDRES, 2001, p. 99).
O anteprojeto (ver anexo II) ressaltava como finalidade do SPHAN ter
por objetivo determinar, organizar, conservar, defender, enriquecer e propagar
o patrimnio artstico nacional. (ANDRADE, 1936, p. 01). Assim, o SPHAN
seria o rgo que iria reconhecer e defender tudo aquilo que fosse importante
para a cultura nacional.
Em 13 de janeiro de 1937 finalmente nasce um rgo desejado por
todos os defensores de bens culturais nacionais, o SPHAN, que tornou-se
realidade pela Lei n. 378. Para a implantao do servio de patrimnio foi
nomeado Rodrigo Melo Franco de Andrade, que permaneceu como diretor da
instituio de 1938 at 1967. Parte do trabalho de Mrio de Andrade utilizado
no Decreto-Lei n. 25 de 30 de novembro de 1937 (ver anexo VI), nele est a
legislao que protege e organiza o patrimnio histrico e artstico nacional.
Artigo 46.- Fica criado o Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, com a finalidade de promover, em todo o pas e de modo permanente, o tombamento13, a conservao, o enriquecimento e o conhecimento do patrimnio histrico e artstico nacional. 1 O servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional ter, alm de outros rgos que se tornarem necessrios ao seu funcionamento, o Conselho Consultivo.
13 Inscrio do bem em livro de registro prprio para sua categoria (livro tombo arqueolgico, etnogrfico e paisagstico; livro tombo histrico; livro tombo das belas-artes; livro tombo das artes aplicadas), tornando-o patrimnio pblico.
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2 O Conselho Consultivo se constituir de diretor do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, dos diretores dos museus nacionais de coisas histricas ou artsticas, e de mais dez membros, nomeados pelo Presidente da Repblica. 3 O Museu Histrico Nacional, o Museu Nacional de Belas-Artes e outros museus nacionais de coisas histricas ou artsticas, que forem criados, cooperaro nas atividades do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, pela forma que for estabelecida em regulamento. (BRASIL c, 1937).
Com a criao do SPHAN, temos um novo tempo no Brasil no que se
refere ao patrimnio artstico e histrico, pois com este rgo instrumentos
sero desenvolvidos, bem como mecanismos para a preservao e a
conservao de tudo que hoje chamamos de objetos da nossa Histria no
sentido mais amplo do termo.
Hoje o SPHAN est vinculado ao Ministrio da Cultura e tornou-se um
instituto, criando-se o IPHAN: Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico
Nacional que cobre todo territrio nacional atuando de forma bastante ampla.
Rodrigo de Melo Franco de Andrade comandou o instituto por 30 anos -
proporcionou com a
sua luta pela proteo do patrimnio cultural, estendendo a da ao proteo dos acidentes geogrficos notveis e das paisagens agenciadas pelo homem. H mais de 60 anos, o Iphan vem realizando um trabalho permanente e dedicado de fiscalizao, proteo, identificao, restaurao, preservao e revitalizao dos monumentos, stios e bens mveis do pas. O Iphan atua junto sociedade e todo territrio nacional, por meio de 29 unidades com autonomia oramentria-financeira: Administrao Central, Braslia / DF. (IPHAN, 2004).
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A Casa Museu Victor Meirelles, pesquisada neste trabalho parte do
conjunto de entidades que ficam sob responsabilidade do IPHAN, assim como
inmeros outros edifcios e acervos por todo Brasil.
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2.2 A defesa do patrimnio com o uso de leis
Trabalhava-se aqui e ali, com pequenos recursos para evitar um ou outro desastre irreparvel. O grande acervo de preciosidades de valor histrico ou artstico ia-se perdendo, dispersando, arruinando, alterando.14
O interesse legal pela preservao de bens culturais no Brasil comea
de fato no sculo XX, embora desde o sculo dezoito, como vimos, alguns
governantes manifestassem interesse em sua manuteno.
Nossa constituio imperial de 1824, bem como a seguinte, j
republicana, de 1891, no empregam o termo patrimnio, mas, ao garantir o
direito de propriedade plena aos cidados, tinham como nica restrio a
desapropriao por meio de indenizao prvia, como podemos ler:
garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem pblico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da propriedade do cidado, ser ele previamente indenizado do valor dela. A lei marcar os casos em que ter lugar esta nica exceo e dar as regras para se determinar a indenizao. (BRASIL, 1824). O direito de propriedade mantm-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriao por necessidade ou utilidade pblica, mediante indenizao prvia. (Brasil, 1891).
A primeira constituio a citar a preservao de bens culturais foi a de
16/07/1934 em seu artigo 148. Ela introduz a prerrogativa do poder pblico
para a proteo de objetos de interesse histrico e artstico. A mesma
constituio mantm o direito propriedade privada, estendendo a
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desapropriao por meio de indenizao prvia tambm ao caso de perigo
iminente.
garantido o direito de propriedade, que no poder ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriao por necessidade ou utilidade pblica far-se- nos termos da lei, mediante prvia e justa indenizao. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoo intestina, podero as autoridades competentes usar da propriedade particular at onde o bem pblico o exija, ressalvado o direito indenizao ulterior. (BRASIL a, 1934). Cabe Unio, aos Estados e aos Municpios favorecer e animar o desenvolvimento das cincias, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histrico e o patrimnio artstico do Pas, bem como prestar assistncia ao trabalhador intelectual. (BRASIL b, 1934).
importante constatar que, no ano de 1941, o decreto-lei n. 3.365
atenua a desapropriao de bens por utilidade pblica, sem citar o uso de
indenizao. So considerados casos de utilidade pblica,
a preservao e conservao dos monumentos histricos e artsticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessrias a manter-lhes e realar-lhes os aspectos valiosos ou caractersticos e, ainda, a proteo de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza; l) a preservao e a conservao adequada de arquivos, documentos e outros bens mveis de valor histrico ou artstico. (BRASIL, 1941).
Uma nova mentalidade est sendo gestada, na qual o termo patrimnio
est surgindo e assim temos um interesse legal pela preservao de alguns
14 CAPANEMA, Gustavo. Exposio de motivos (...). Rio de Janeiro, 1937.
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bens culturais como os de interesse histrico e artstico. Nota-se que o
patrimnio paisagstico no citado neste artigo de 1934, mas aparecer na
dcada seguinte, conforme lemos acima.
No ano de 1933 ocorreu a primeira medida oficial de reconhecimento e
preservao do patrimnio nacional. No dia 12 de julho de 1933, com o Decreto
n. 22.928, a cidade de Ouro Preto tornava-se o nosso primeiro Monumento
Nacional. possvel que este ato tenha relao com aquela Viagem de
Redescoberta do Brasil realizada por alguns mecenas e modernistas com
Mrio de Andrade em 1924.
Mudanas significativas iro ocorrer no ano de 1937. O Brasil possui
uma nova constituio, e esta aborda o tema patrimnio de forma mais ampla e
com maior ateno, trazendo tona inclusive novos termos tcnicos.
Os monumentos histricos, artsticos e naturais, assim como as paisagens ou os locais particularmente dotados pela natureza, gozam da proteo e dos cuidados especiais da Nao, dos Estados e dos Municpios. Os atentados contra eles cometidos sero equiparados aos cometidos contra o patrimnio nacional. (BRASIL a, 1937).
So includos na lista de bens passveis de preservao os
monumentos naturais, alm do uso da palavra monumento no lugar de
patrimnio. Outrossim, delega poderes e responsabilidades aos estados e
municpios, dando novos horizontes cultura nacional. Outro fato de extrema
valia est na meno de penalidades em caso de destruio dos monumentos.
-
No mesmo ano sancionado o decreto-lei n. 25 que criou o SPHAN,
como vimos anteriormente. O SPHAN nasce como servio atrelado ao
Ministrio da Educao e Sade, ou seja sem verbas prprias, dependendo de
recursos que deveriam ser repassadas pelo ministrio. Isso o torna um pouco
diferente a realidade do SPHAN daquele criado por Mrio de Andrade em seu
anteprojeto. Por sinal, em muitos itens ele ir diferir do anteprojeto.
Fica o Poder Executivo autorizado a despender, no exerccio de 1937, por conta da dotao de Rs. 86.813:193$400, constante da parte III (Servios e encargos diversos), verba 23a., subconsignao n. 2, do oramento do Ministrio da Educao e sade: 1) com as despesas de material necessrio ao Instituto Nacional de Pedagogia, ao Instituto Nacional de Cinema Educativo, ao Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, ao Museu Nacional de Belas-Artes, ao Instituto Cairu e ao Servio de Radiofuso Educativa, respectivamente, as quantias de R$.250:000$000, R$ 400:000$000, R$ 300:000$000, R$ 100:000$000, R$ 50:000$000. (BRASIL c, 1937).
Em 1940 o decreto-lei n. 2.809 auxiliou os servios do SPHAN,
autorizando a arrecadao de recursos no estatais para o rgo. A iniciativa
particular poderia colaborar para a manuteno e realizao de trabalhos nas
reas de defesa, conservao e restaurao dos monumentos e obras de
valor histrico e artsticos existentes no pas. (BRASIL, 1940).
A lei n. 378 aponta diferenas quanto nomenclatura utilizada para
descrever o patrimnio. O texto argumentado com a expresso coisas
histricas ou artsticas algumas vezes, exatamente quando o anteprojeto de
Mrio de Andrade j havia sido estruturado e divulgado. Talvez o mesmo no
tenha recebido a ateno devida e merecida quando de sua apreciao.
-
O anteprojeto de Mrio de Andrade, cuja verso completa podemos ler
em anexo, est muito mais detalhado que o decreto-lei sancionado. Inmeros
critrios e formas de atuao foram suprimidos, o que fez Gustavo Capanema,
ento Ministro da Educao e Sade, preocupar-se e propor emendas no que
fosse necessrio. Assim ficou decretado que:
Artigo 1 - Constitui o patrimnio histrico e artstico nacional o conjunto dos bens mveis e imveis existentes no Pas e cuja conservao seja de interesse pblico, quer por sua vinculao a fatos memorveis da histria do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueolgico ou etnogrfico, bibliogrfico ou artstico.
1 - Os bens a que se refere o presente artigo s sero considerados parte integrante do patrimnio histrico e artstico nacional depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o Art. 4 desta lei. 2 - Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e so tambm sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os stios e paisagens que importe conservar e proteger pela feio notvel com que tenham sido dotados pela Natureza ou agenciados pela indstria humana. (BRASIL b, 1937).
Nota-se que suprimido o termo patrimnio, adotado por Mrio de
Andrade, substitudo pelas expresses bem mvel e bem imvel, alterando
a qualificao da forma de preservao. Ele previa quatro livros-tombo como
instrumentos de registro destes bens mveis e imveis que compunham o
patrimnio nacional. Estes permaneceram os mesmos no decreto-lei:
1) no Livro do Tombo Arqueolgico, Etnogrfico e Paisagstico, as coisas pertencentes s categorias de arte arqueolgica, etnogrfica, amerndia e popular, e
-
bem assim as mencionadas no 2 do citado art. 1;15 2) no Livro do Tombo Histrico, as coisas de interesse histrico e as obras de arte histrica; 3) no Livro do Tombo das Belas-Artes, as coisas de arte erudita nacional ou estrangeira; 4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se inclurem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras. (BRASIL b, 1937).
Com essa diviso adotada nos livros-tombo sero abarcadas as mais
diferentes produes humanas e naturais como patrimnio nacional, alm do
decreto-lei incluir a preservao do patrimnio natural do Brasil.
O patrimnio arqueolgico e pr-histrico brasileiro ter regimento
apropriado a partir de 1961 com a lei n. 3.924 (ver anexo VI), que descreve
passo a passo a conservao e responsabilidade desses bens. Vale lembrar
que o Brasil, e em especial Santa Catarina, possuem um acervo arqueolgico
muito grande, em especial no seu litoral, com os Sambaquis16 ou Concheiros,
que esto caracterizados como os maiores do mundo, localizados na regio de
Jaguaruna no litoral sul do estado.
Observam-se mudanas significativas no tratamento de tudo que
compe a cultura nacional. As leis passam a detalhar com maior ateno
pontos estratgicos na conservao de bens, sejam eles mveis ou imveis,
que propiciam a gerao de uma identidade comum.
15 Art. 1 2 - Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e so tambm sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os stios e paisagens que importe conservar e proteger pela feio notvel com que tenham sido dotados pela Natureza ou agenciados pela indstria humana. (BRASIL b, 1937). 16 Sambaquis, casqueiros, concheiros, birbigueiras ou serambis so caracterizados por grandes acmulos de conchas de frutos do mar ( mexilhes, mariscos, berbiges) e demais restos
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Na ltima constituio brasileira, de 1988 (ver anexo VI), mudanas
aparecem com especial nfase ha denominao e definio de patrimnio
cultural, que passa a ser mais aberta e democrtica, relembrando o anteprojeto
de Mrio de Andrade, com seu enfoque de visualizar os Brasis existentes.
Nesta constituio, bens imateriais so melhor descritos e o patrimnio natural
passa a ser denominado ambiental.
Artigo 216 - Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I as formas de expresso; II os modos de criar, fazer e viver; III as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas; IV as obras, objetos, documentos, edificaes e demais espaos destinados s manifestaes artstico-culturais; V os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientfico. (BRASIL, 1988).
Com a definio de patrimnio cultural nacional, no ano de 2000,
sancionado o decreto n. 3.551 (ver anexo VI), que institui o registro dos bens
imateriais. Estes devem ser inscritos em um dos quatro livros abertos para
registrar o patrimnio no palpvel do pas. So eles:
I - Livro de Registro dos Saberes, onde sero inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; II - Livro de Registro das Celebraes, onde sero inscritos rituais e festas que marcam a vivncia coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras prticas da vida social;
marinhos e de fauna e flora agrupados pela ao humana que apresentam vestgios humanos como sepultamentos e abrigos, formando verdadeiros morros junto a faixa litornea.
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III - Livro de Registro das Formas de Expresso, onde sero inscritas manifestaes literrias, musicais, plsticas, cnicas e ldicas; IV - Livro de Registro dos Lugares, onde sero inscritos mercados, feiras, santurios, praas e demais espaos onde se concentram e reproduzem prticas culturais coletivas. (BRASIL, 2000).
A idia dos livros como no prprio decreto est comentado, de fazer
referncia a continuidade histrica, provocar o reconhecimento entre outros
da oralidade e modos de viver dos diversos Brasis de Mrio de Andrade. O
decreto ainda deixa em aberto a possibilidade de criao de novos livros para
registro de bens imateriais que possam ser enquadrados nos quesitos dos
livros anteriormente mencionados.
Estas atividades descritas acima permanecem sob responsabilidade do
IPHAN, bem como qualquer outra interveno que se pretenda fazer em bens
materiais ou imateriais brasileiros, em especial os federais.
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3 Museus no Brasil
Para estudar o passado de um povo, no basta aceitar ao p da letra tudo quanto nos deixou a simples tradio escrita. preciso fazer falar a multido imensa dos figurantes mudos que enchem o panorama da Histria.17
A arte em sua amplitude desenvolveu-se no Brasil aps a chegada da
Famlia Real, em 1808. Junto dela vieram artistas e pesquisadores das mais
diversas reas do conhecimento. Nossos museus nascem assim sob mos
europias e refletem tal modo de pensar em grande parte de sua histria,
inclusive na composio inicial de suas colees, cujos primeiros acervos
tambm so europeus.
O Brasil, antes de tornar-se sede da Corte, havia acumulado riquezas e
desenvolvido algumas cidades, em especial na regio das Minas Gerais.
Entretanto, esse desenvolvimento econmico no teve reflexos na produo
artstica, a no ser aquela voltada para a religio, como a decorao de igrejas.
Depois de alguns anos de estada no Brasil, o imprio portugus
passou a organizar muito daquilo que havia trazido da metrpole, como
materiais da Real Biblioteca18 tida como a mais completa da Europa at
Pombal -, colees de arte, etc. Essas colees foram destinadas Real
Biblioteca (1814), ao Museu da Escola Real de Belas Artes (1816), ambos na
17 Srgio Buarque de Hollanda In: Museus Brasileiros: Histria e Arte. O passado vive nesses espaos histricos. 18 O acervo que compunha a Real Biblioteca em Portugal, chegou ao Brasil em diversas levas. A primeira data de 1810, quando instalada sobre o Hospital da Ordem do Carmo no Rio de Janeiro. A segunda parte dos documentos chega no ano seguinte junto com o bibliotecrio Lus Marrocos, e os ltimos volumes 87 caixotes - so trazidos em novembro do mesmo ano. A biblioteca organizada e aberta ao pblico em 1814. Em 1821, quando parte da Famlia Real regressa a Portugal, leva consigo cerca de 5 mil cdices dos 6 mil trazidos ao pas. 800 mil
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sede do Imprio e ao Museu Real do Rio de Janeiro (1818), Quinta da Boa
Vista.
Tanto o pblico como a administrao desses espaos so elitizados.
Os primeiros so os nobres e as famlias burguesas, e os segundos os artistas
estrangeiros renomados, como Debret. Vale lembrar que a Escola Real de
Belas Artes ser a mola propulsora que dar ao jovem Victor Meirelles uma
bolsa de estudos na Europa e ter nele uma de suas maiores expresses.
Neste perodo o imprio brasileiro passa a organizar e buscar uma
identidade, passando pelo Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (1838) com
a escrita dos primeiros livros de histria do Brasil. Vale recordarmos a presena
de Karl Friedrich Philipp von Martius, mdico e botnico bvaro que veio para o
Brasil em 1817, junto da comitiva da arquiduquesa da ustria, Dona
Leopoldina, que tornou-se a primeira esposa de Dom Pedro I. Martius foi o
primeiro cientista a propor como escrever a Histria do Brasil, aps um
concurso encomendado pelo IHGB, e a recomendar que fosse levada em conta
a contribuio das trs raas para a constituio do pas. (Carvalho, 2003, p.
96).
Dom Pedro II foi um expoente em tudo que se refere produo
cultural no Brasil no decorrer do Imprio. Basta recordarmos que foi ele quem
introduziu no pas a fotografia, ainda em seus primrdios.
(...) o Brasil conheceu muito cedo a inveno de Daguerre, poucos meses depois do anncio oficial de sua inveno, feito em Paris a 19 de agosto de 1839. Com efeito, j a 17 de janeiro de 1840 o abade
contos o valor pago pelo Brasil pela biblioteca; isso tambm representou parte da quantia paga pelo reconhecimento da independncia do pas. (SCHWARCZ, nov. 2003).
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Louis Compte, capelo da fragata LOrientale, tirou os primeiros daguerretipos em territrio brasileiro. (...).
Sensvel ao prodgio do novo meio de expresso apesar de sua pouca idade (fizera 14 anos no dia 2 de dezembro do ano anterior), um rapazola carioca tornou-se o primeiro brasileiro a adquirir e utilizar um equipamento de daguerreotipia19, em maro daquele mesmo ano de 1840: Pedro de Alcntara Joo Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocdio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragana e Habsburgo. Em virtude do absorvente ofcio de imperador, Dom Pedro II no teve a oportunidade de se dedicar intensamente prtica da fotografia, o que no o impediu, contudo, de se tornar a figura central da fotografia brasileira oitocentista, muito em virtude da constituio da primeira grande coleo de fotografia do pas, que doou Biblioteca Nacional quando de seu banimento. (VASQUEZ, 2002, p. 09).
Na segunda metade do sculo XIX, h uma proliferao de novos
museus,20 a princpio no Rio de Janeiro, como os museus do Exrcito de 1864
e da Marinha de 1868. Este ltimo nasce aps a derrocada Paraguaia na
guerra e um e outro aps inmeras batalhas internas pela quebra do poder real
em todas as suas instancias, como a Guerra dos Farrapos no sul.
Provavelmente, esses espaos museais serviriam uma exaltao do poderio
militar do Imprio.
No Par foi criado o Museu Emlio Goeldi em 1871, hoje referncia
quanto ao acervo arqueolgico marajoara. O Museu Paulista, Museu do
Ipiranga, foi criado em 1893 e inaugurado em 1895, vinculado Histria
19 Daguerreotipia: Imagem produzida pelo processo positivo criado pelo francs Louis-Jacques-Mand Daguerre (1787 1851). No daguerretipo, a imagem era formada sobre uma fina camada de prata polida, aplicada sobre uma placa de cobre e sensibilizada em vapor de iodo. Era apresentado em luxuosos estojos decorados (inicialmente de madeira revestida de couro e, posteriormente, de baquelita [frmica]) com passe-partout de metal dourado em torno da imagem e a outra face interna dotada de elegante forro de veludo. (VASQUEZ, 2002, p. 56). 20 As origens da palavra museu, para muitos autores, remontam ao sculo III a.C., quando na Grcia era utilizado o termo museion para local destinado cultura das artes e cincias.
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Natural hoje museu histrico, incorporado USP desde 1963. Em 1922 foi
criado o Museu Histrico Nacional, espao de pesquisa e catalisador de
atenes devido ao descaso sofrido com o passar dos anos pela ausncia de
investimentos significativos em sua estrutura fsica e pessoal. A maioria dos
museus nasceu da paixo pela cultura e pelos objetos que funcionam como
testemunhos de nossa histria. (Folder Museus Brasileiros, s/d.)21. Igualmente
como instrumentos para ressaltar uma determinada memria local, exaltando
feitos como a Independncia do Brasil. At o comeo do sculo XX, essas
instituies se voltavam quase que exclusivamente para a preservao
daqueles objetos. (Folder Museus Brasileiros, s/d.).
Com a criao do SPHAN - Servio do Patrimnio Histrico e Artstico
Nacional - em 1937 (de que tratamos no capitulo sobre patrimnio) h uma
dinamizao no surgimento de novos museus. Em especial os Museus
Histricos e Artsticos, que vem ao encontro das polticas sociais do perodo,
no s no Brasil como no mundo, de exaltao do nacionalismo e gerao de
identidades sociais.
Nascem, a partir de 1937, novas instituies, como o Museu Imperial
em Petrpolis de 1943, o Museu da Inconfidncia em Ouro Preto de 1946
(primeira cidade a tornar-se Monumento Nacional em 12 de julho de 1933) e
um dos museus mais famosos do pas: o Museu Nacional de Belas Artes de
1937, sediado na antiga Escola Nacional de Belas Artes (RJ), a primeira escola
21 As informaes mais atuais a respeito de museus que podemos encontrar esto expressas nos folhetos dos mais diversos tipos, confeccionados pelos prprios museus. Neste trabalho utilizamos tambm esse tipo de material como fonte de pesquisa, por acreditar que constitui o sintoma de um pensamento terico, expressando a viso que a instituio tem de si mesma e de seu papel.
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de artes do pas gestada nos primeiros anos do Imprio. Nos anos vinte
tambm criado o primeiro curso de Museologia.
Os museus, at ento, tinham por funo apenas mostrar o objeto; no
havia uma preocupao com a reflexo sobre o que estava sendo exposto,
embora na poca j existissem exposies que incentivassem uma leitura mais
crtica. Mrio de Andrade chama ateno para isso no anteprojeto do SPHAN
de 1936, quando explica a funo dos museus de Tcnica Industrial;
So museus de carter essencialmente pedaggico. Os modelos mais perfeitos geralmente citados so o Museu Tcnico de Munique e o Museu de Cincia e Indstria de Chicago. Imagine-se a Sala do Caf, contendo documentalmente desde a replanta nova, a planta em flor, a planta em gro, a apanha da fruta, lavagem, secagem; os aparelhos de beneficiamento, desmontados, com explicao de todas as suas partes e funcionamento; o saco; as diversas qualidades de caf beneficiado, os processos especiais de exportao, de torrefao e de manufatura mecnica (com mquinas igualmente desmontadas e explicadas) da bebida e enfim a xcara de caf.. Grandes lbuns fotogrficos com fazendas, cafezais, terreiros, colnias, os portos cafeeiros; grficos estatsticos, desenhos comparativos, geogrficos, etc. etc. (ANDRADE, 1936).
Embora Mrio tenha proposto uma viso inovadora sobre os objetos
museais, como era tpico seu, somente a partir da dcada de 1950 tais idias
passaram a ser postas em prtica. Assim, um novo ideal do que seria um bom
museu aparece, promovendo uma grande reviravolta nestes espaos. Houve
uma valorizao do tema em relao ao objeto exposto, foi o momento de
incentivar a interpretao das pessoas sobre aquilo que viam, e no
simplesmente uma mera observao estanque. (RIVARD, 1999).
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Atualmente, mais do que depositrios de peas inanimadas, eles [os
museus] se tornaram responsveis por uma gama complexa de atividades
como a coleta, exposio e pesquisa, verdadeiros espaos de educao e de
convivncia cultural. (Folder Museus Brasileiros, s/d.). Um novo tempo, em
que as temticas, abrangendo desde grupos tnicos, como museus Afro,
Indgena e de Imigrantes, at o contato direto com o patrimnio natural
(incorporado legislao em 1988) por meio dos ecomuseus22. Trata-se de
uma proposta contempornea com um nmero expressivo de adeptos, que
buscam a integrao da natureza elementos histricos e, inclusive, pr-
histricos ou pr-cabralinos23.
Hoje temos no Brasil mais de 1.300 museus cadastrados, que
procuram, dentro de suas possibilidades, adequar-se s propostas de uma
nova museologia. Trata-se de pensar os museus como espaos de
socializao e democratizao da cultura nacional, embora ainda convivam, em
sua grande maioria, com enormes dificuldades financeiras, que afetam
diretamente seu acervo e sua relao com o pblico visitante. Foi o caso do
Museu Nacional, que tornou-se manchete fcil dos principais jornais do Brasil
devido sua situao alarmante.
Uma instituio que perdeu a majestade. Por causa do descaso e da demora na liberao de verbas, o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, vive em crise h pelo menos 20 anos. Nem parece que ele tem
22 A criao dos ecomuseus ocorreu na dcada de 1970 por Georges Henri Rivire por meio do questionamento dos trs componentes primrios do museu: uma construo, colees e um pblico externo. A seu ver, a noo de construo devia desaparecer em prol de um determinado territrio, as colees tipolgicas deviam dar lugar ao patrimnio in situ (natural e cultural, extenso ou restrito) e o pblico devia ser constitudo pelos habitantes do territrio, ao mesmo tempo usurios e conservadores de seu patrimnio. (RIVARD, 1999, p.40-41). 23 Pr-cabralino um termo utilizado para fazer-se referncia aos grupos sociais que viviam no Brasil antes da chegada de Cabral em 1500.
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o mais importante acervo de histria natural da Amrica Latina. (...).
O mau estado do prdio, que no passa por uma grande reforma desde os anos 40, chama a ateno. Promessas de melhorias nunca faltaram. Em outubro do ano passado, cinco ministrios reunidos - da Cultura, do Meio Ambiente, da Educao, da C&T e do Turismo - prometeram uma verba de R$ 40 milhes. (...).
Em agosto de 1995, a mmia de trs mil anos do sacerdote Hori quase foi perdida. Por causa de problemas no telhado, uma forte chuva alagou a sala onde a pea estava guardada. Duas outras mmias - de uma criana e de um gato - foram atingidas, alm de papiros.
A direo do museu tem na gaveta ainda um projeto de instalao de cmeras que espera verba federal. A inteno instalar 40 aparelhos no prdio central e 16 na biblioteca. 'O projeto foi reapresentado na reunio dos ministrios em outubro do ano passado, assim como um laudo de especialistas sobre segurana contra incndio relatando que a situao do museu preocupante', disse o diretor.
O Museu Nacional precisa ainda de mais funcionrios.
'A situao ruim e os roubos acontecem desde o Imprio. A tendncia que a situao se agrave', disse Srgio [diretor da instituio]. (MENDES; FARIA, 2004).
E a problemtica pode ter maiores dimenses, como denuncia do o
jornal O Globo de 07 de maio de 2004:
Mais obras podem ter sido furtadas da
biblioteca do Museu Nacional (...), alm das 24 cujo sumio foi constatado num inventrio preliminar feito pela instituio.
Como ainda no foi feito o levantamento de todo o acervo, a direo do museu suspeita que os ladres tenham levado no s os in-flios (tipo de livro com at 70 centmetros de altura) dos sculos XVI a XIX.
A biblioteca tem 1.700 in-flios e outros 2.500 livros raros, protegidos por poucos seguranas. O
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prdio de sete mil metros quadrados no tem qualquer sistema especial de vigilncia ou de proteo contra incndio. As portas no foram arrombadas, o que leva a crer que o furto tenha sido praticado com a ajuda de algum funcionrio. (...).
A direo do museu registrou queixa na Polcia Federal na tera-feira, mas at ontem nenhum agente tinha estado na biblioteca. Por medida de segurana, as consultas na biblioteca foram suspensas e as portas, lacradas. O museu criou uma comisso que ter 30 dias para divulgar um relatrio sobre o caso. O documento ser anexado ao inqurito policial. (...).
'Quando percebemos que o in-flio tinha desaparecido, iniciamos o inventrio de todo o acervo', disse Laura. 'Foram dois dias de trabalho e descobrimos que faltavam 24 peas. Tivemos que abrir todas as caixas que guardam os in-flios. Existe o risco de terem desaparecido tambm livros raros que ainda no foram inventariados. (MENDES, 2004).
Embora hoje existam no pas rgos como o Instituto do Patrimnio
Histrico e Artstico Nacional (IPHAN) pensado desde meados da dcada de
1930 por Mrio de Andrade e criado legalmente em 1937 - para proteo de
acervos, no temos ainda a colaborao e os meios disponveis para otimizar a
proteo das colees.
Apesar da precariedade de condies do Museu Nacional e de tantos
outros Brasil afora, preciso destacar o desenvolvimento, a partir da dcada
de 1970, das mega-exposies, que utilizam a publicidade como instrumento
de atrao para a visitao de acervos pouco expostos ou raros. Tudo teve
incio com a exposio de Tutankhamon, na dcada de 1970, que teve origem
na Europa e nos Estados Unidos. Rapidamente esse tipo de exposio tornou-
se prtica no mundo. Ainda hoje, o mundo das artes comenta a exposio
Tutankhamon, como a maior e mais bela exposio j vista.
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Provavelmente nosso melhor exemplo brasileiro seja o do ano de 2000,
quando tivemos no pas o mega-evento denominado Brasil + 500, que
reverenciava o aniversrio do descobrimento por Portugal de sua maior
colnia. A exposio, que comeou em So Paulo no ms de abril, passou por
inmeros estados brasileiros e por alguns pases da Amrica, da Europa e da
sia, mostrando o Brasil pr-cabralino e sua diversificada cultura indgena, o
perodo colonial, o imprio e os povos que constituram a nao at a criao
republicana.
A exposio, dividida em mdulos, teve a colaborao de museus de
todo o territrio nacional e tambm de museus internacionais que possuem
peas referentes nossa cultura. Podemos dizer que foi um evento cultural
milionrio o investimento financeiro nesta exposio foi um dos maiores
realizados at hoje no pas, e reuniu uma massa de trabalhadores das mais
variadas reas do conhecimento em diversos estados e pases, para seleo e
captao de acervo nas inmeras entidades existentes pelo mundo que
possuem peas raras a respeito da cultura brasileira. Exemplo disso foi o
famoso e provavelmente nico mantelete emplumado tupinamb, que saiu pela
primeira vez do Nationalmuseet da Dinamarca desde sua aquisio no Brasil
colonial, e ficou sob a guarda constante de sua conservadora enquanto esteve
exposto no Pavilho de Exposies, no Parque do Ibirapuera em So Paulo.
Essa exposio j nasceu como mega-evento, pois era possvel ler
semanalmente a chamada para sua abertura nos principais peridicos do pas,
e depois a chamada para sua visitao, semana aps semana. Ela
ultrapassou, assim, os