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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE PEDAGOGIA PATRÍCIA GONÇALVES DA SILVA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS- A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS PARA UMA NOVA LEITURA DE MUNDO FORTALEZA 2013

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE PEDAGOGIA

PATRÍCIA GONÇALVES DA SILVA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS- A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS PARA UMA

NOVA LEITURA DE MUNDO

FORTALEZA

2013

PATRÍCIA GONÇALVES DA SILVA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS- A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS PARA UMA

NOVA LEITURA DE MUNDO

Monografia submetida à aprovação

Coordenação do Curso de Pedagogia da

Faculdade Cearense, como requisito

parcial para a obtenção do título de

licenciatura em Pedagogia.

FORTALEZA

2013

PATRÍCIA GONÇALVES DA SILVA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS- A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS PARA UMA

NOVA LEITURA DE MUNDO

Monografia como pré-requisito para

obtenção do título de Licenciatura em

Pedagogia, outorgado pela Faculdade

Cearense – FAC, tendo sido aprovada

pela banca examinadora composta

pelosprofessores.

Data de aprovação:12/12/2013.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Profª. Ms. Patrícia Campêlo do Amaral

Presidente

_________________________________________________

Profª.Ms. Maria Elia Dos Santos Vieira

Membro

_________________________________________________

Prof.Ms. Jefferson Falcão Sales

Membro

Dedico esta monografia a Deus, e a minha família.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus, por conseguir chegar até aqui, pois não foi uma

caminhada fácil, conciliar estudo e trabalho é uma tarefa árdua, e só quem luta muito

é quem consegue.

A minha família que acredita no meu potencial, aos meus amigos de faculdade,

principalmente a duas pessoas em especial: Maria do Socorro Lira Chaves, ou

Socorro, que é um exemplo de ser humano: batalhadora, guerreira, uma vencedora,

com quem aprendi muito, e com quem posso contar sempre, e a também a Marta

Maria Batista, ou Martinha como a chamo, outra amizade que levarei para fora dos

muros da faculdade.

Agradeço também a minha amiga e chefe Maria Antônia Urbano, pela diversas

vezes em que me liberou para os estágios sem nenhuma cobrança por aquelas

tardes ausentes, sem o seu consentimento não conseguiria concluir meu curso.

Ao meu amor Nonato Mesquita, que sempre me apoiou e me ajudou infinitas vezes

para subida desce degrau na escada da minha vida, fazendo-se presente em todos

os momentos bons ou ruins.

A minha professora e orientadora Patrícia Campelo pela paciência, dedicação e

ajuda, pois não foi fácil chegar ate aqui, tendo mudado de tema em cima da hora,

por acreditar em mim e no meu trabalho.

A todos os meus professores que de uma forma ou de outra sempre me ensinaram a

teoria como também a prática que relatam de suas vivências, sempre aconselhando,

mostrando o caminho certo a ser seguido, e a FAC pelo excelente quadro de

profissionais que só acrescentou em minha aprendizagem e crescimento.

Nunca pare de aprender, a vida nunca para de ensinar.

(Autor Desconhecido)

RESUMO

Este trabalho objetiva analisar a história da educação de jovens e adultos no

Brasil, como ela foi sendo construída a partir dos anos, as transformações

sofridas, a importância das Conferências Internacionais de Educação de Jovens e

Adultos (CONFITEAS), o papel das políticas públicas, o desempenho para formar

adultos conscientes e a importância da educação, na qual todos independente de

raça, gênero, condição social, possam ter acesso ao conhecimento

desenvolvendo habilidades e competências. A partir de um breve histórico da EJA

no Brasil, será possível compreender um pouco da realidade de milhares de

brasileiros, que ingressam no mercado de trabalho cedo para poder ajudar suas

famílias a sobreviverem, não podendo seguir com seus estudos, tornando-se

analfabetos funcionais, apenas sabendo escrever seu nome e fazendo operações

fundamentais praticadas no dia-a-dia. Busca-se também compreender as ideias

sob o olhar de Paulo Freire, que acreditava que a educação podia libertar o

homem, construindo um mundo em que todos os indivíduos fossem iguais. A

construção desse trabalho, fundamentado em pesquisas bibliográficas, busca

compreender melhor o surgimento da EJA, que aspectos deverão ser

contemplados pelas políticas públicas e quais as contribuições dessa modalidade

de ensino para a sociedade e para aquelas pessoas que procuram uma condição

de vida mais digna que só pode ser alcançada com a educação.

Palavras-chave: Educação de jovens e adultos. História da educação. Políticas

públicas.

ABSTRACT

This work aims to analyze the history of the education of youth and adults in

Brazil, as it was being built from the years. The transformations realized, the

importance of the International Conference of Education, Youth and Adults

(CONFITEAS), the role of public policies and the performance to conscious adults

and the importance of education, where everyone irrespective of race, gender,

social status, have access to knowledge developing skills and competencies.

From a brief history of education of the education of young and adults in Brazil, it‟s

possible to understand a little of the reality of thousands of Brazilians start to work

early to help their families survive, unable to continue with their studies, becoming

functional illiterates just knowing how to write their name and making fundamental

operations practiced in day-to-day. This work search also understand the ideas of

Paulo Freire, he believed that education could liberate man, building a world in

which all individuals were equal. This research is based on library research,

seeking to better understand the creation of the EJA, and the aspects could be

modified in society and their contributions to our society and for those people

searching a better life condition that can only be arrived through education.

Keywords: Youth and adults education. Education history. Public policy.

LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – Evasão da EJA ................................................................................. 22

Tabela 02 – Evolução do analfabetismo no Brasil entre pessoas de 15 anos ou mais - 1920/2000 ................................................................................................. 39

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

(EJA) – Educação de Jovens e Adultos

(FHC) – Fernando Henrique Cardoso

(CNE) – Conselho Nacional de Educação

(LDB) - Lei de Bases e Diretrizes da Educação

(INEP) - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

(FUNDEF) - Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do

Magistério

(FUNDEB) – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e

Valorização dos Profissionais da Educação

(PNE) – Plano Nacional de Educação

(MEC) - Ministério da Educação

(MOBRAL) - Movimento Brasileiro de alfabetização

(UNESCO) - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura

5

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 6

2 METODOLOGIA ................................................................................................ 8

3 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NO BRASIL ...................... 10

3.1 UM BREVE HISTÓRICO DA EJA NO BRASIL ........................................................ 10

3.2 CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE .................................................................. 15

3.2.1 A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE .................................................................. 15

3.2.1.1 CARACTERIZAÇÃO DA DIALÉTICA DE PAULO FREIRE .................................... 16

3.2.1.2 METODOLOGIA DE ENSINO ......................................................................... 17

3.3 A IMPORTÂNCIA DA ESCRITA E DA LEITURA ........................................................ 19

3.4 A EJA E A PROBLEMÁTICA DA EVASÃO ESCOLAR ............................................... 21

3.5 EDUCAÇÃO E EXCLUSÃO .................................................................................. 23

3.5.1 EXCLUSÃO X INSUCESSO ESCOLAR ............................................................... 25

4 FORMAÇÃO DOCENTE NA EJA .................................................................... 27

4.1 FORMAÇÃO CONTINUADA ................................................................................. 31

5 AS POLITÍCAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO

BRASIL ............................................................................................................... 34

5.1 A EJA E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 .................................................................. 34

5.2 A EJA E A LEI DE BASES E DIRETRIZES DA EDUCAÇÃO NACIONAL (LDB 9.394/96)

............................................................................................................................. 35

5.3 DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EJA (2000) ............................ 37

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 40

REFERÊNCIAS ...................................................................................................47

6

1 INTRODUÇÃO

A partir de pesquisas bibliográficas, este estudo vem explorar a história da

educação de jovens e adultos no Brasil, e como esse sistema se encontra na

atualidade.

Segundo o artigo 3 da Declaração de Hamburgo, entende-se por

educação de adultos: “O conjunto de processos de aprendizagem formais ou não-

formais, graças aos quais as pessoas cujo entorno social considera que os adultos

desenvolvem suas capacidades, enriquecem seus conhecimentos e melhoram suas

competências técnicas e profissionais ou as reorientam a fim de atender às suas

próprias necessidades e as da sociedade.”

A educação de jovens e adultos (EJA), que sempre foi direcionada

infelizmente para as classes mais pobres e os excluídos, é uma questão que por

mais debatida, analisada, questionada, ainda deixa muito a desejar visto que é

direito de todos uma educação de qualidade, desde a infância até a formação

acadêmica. O que infelizmente no Brasil só começou a ser reconhecido a partir de

1940, com iniciativas mais concretas nesse sentido. Essa tendência se expressou

em várias ações e programas governamentais entre os anos 1940 e 50, além de

iniciativas nos níveis estadual e local que merecem ser citadas, devido a sua

amplitude nacional como: a Criação do Fundo Nacional de Ensino Primário em 1942;

do Serviço de Educação de Adultos e da Campanha de Educação de Adultos,

ambos em 1947; da Campanha de Educação Rural iniciada em 1952 e da

Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo em 1958.

A partir da II Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos

em Montreal, no ano de 1963, a Educação de Adultos passou a ser vista por dois

enfoques distintos: como uma continuação da educação formal, permanente ou

como uma educação de base e comunitária.

No entanto, a efetivação dos direitos da EJA ainda esta longe de se tornar

uma realidade, diante de tal fato surgiram alguns questionamentos: por que o

sistema educacional e as ações governamentais, não conseguem mudar a realidade

da educação de jovens e adultos? Será falta de interesse por parte do sistema

social? Será que se deve a uma necessidade de perpetuar a alienação e a

inconsciência?

7

O motivo da escolha do tema EJA, ocorreu depois de testemunhar

algumas situações de pessoas mais velhas que não sabiam ler e escrever, e

precisavam da ajuda de terceiros para determinadas atividades do seu dia a dia.

Perceber que algumas se envergonhavam por serem analfabetas, devido à

necessidade de trabalharem para ajudar suas famílias incentivou a promoção da

pesquisa voltada para um modelo de ensino educacional que abordasse os jovens e

adultos, partindo de uma realidade inclusiva, crítica e formadora de cidadãos

conscientes do seu papel social.

Portanto o objetivo geral deste trabalho é abordar a história da EJA no

Brasil e como esse sistema se encontra na atualidade.

Os objetivos específicos são:

Descrever a História da Educação de Jovens e Adultos ao longo

dos anos;

Analisar seus fundamentos e os fatores que levam a evasão e

exclusão da mesma;

Conhecer as contribuições dessa educação para o

desenvolvimento de jovens e adultos.

Investigar como deve se dar a formação de professores para a

EJA;

Pesquisar sobre as políticas públicas que regulamentam essa

modalidade de ensino.

Os principais teóricos que embasaram esse trabalho foram: Paulo Freire

(2001), Arroyo (2003), Paiva (2007), Cunha (1999), dentre outros.

8

2 METODOLOGIA

A pesquisa realizada neste estudo visou contribuir com informações

conceituais e com o desenvolvimento de práticas educativas entre professores,

alunos, e instituição escolar a fim de possibilitar ferramentas que desenvolvam uma

prática pedagógica significativa na educação de jovens e adultos baseada nos

valores humanos e sociais.

Para a fundamentação teórica dos elementos dissertados ao longo desta

pesquisa, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, com o objetivo de explorar

conceitos e questionamentos sobre a problemática analisada partindo da análise

interpretativa de textos de diversos autores (livros, artigos, etc.), dentre os quais

podem se destacar: Tardif (2000), Bobbio (2000), Gadotti (2000), Brandão (2003),

Arroyo (2007), Morin (2002), Almeida (2002) e Brasil (2001).

Segundo Gil (2007), a análise bibliográfica de um trabalho é caracterizada

pela realização de uma coleta de dados obtidos principalmente de livros e artigos

científicos.

Ao longo do processo de revisão bibliográfica o pesquisador identifica

uma problemática, faz uma definição de um tema e organiza suas fontes de

pesquisas, para só então iniciar a produção efetiva do trabalho. (GIL, 2007).

A análise dessa pesquisa é caracterizada também por ser uma

abordagem qualitativa das informações obtidas através do referencial teórico, Castro

(2006, p.15) afirma que: “Na pesquisa qualitativa, por sua natureza, o processo é

bem mais indutivo. Há uma exploração do tema de forma mais leve e aberta.”

A pesquisa qualitativa enfatiza a subjetividade da pesquisa, e recusa a

legitimação de um conceito de análise adquirido através de um processo

quantificável, que pode ser definido de maneira universal e técnica.

O processo da coleta de dados, análise, interpretação e transcrição desta

pesquisa teve duração de cinco meses, tendo inicio no mês de agosto e se

estendendo até o fim do mês de novembro, sistemática que resultou na produção de

três capítulos, dispostos de acordo com a seguinte sequência explicativa:

No primeiro capitulo é realizada uma abordagem referente à historicidade

da educação de jovens e adultos no Brasil, analisa também as contribuições

pedagógicas de Paulo Freire para a melhoria qualitativa do EJA, bem como a

9

problemática da evasão e da exclusão educacional que assola esta modalidade de

ensino.

O segundo capítulo caracteriza a formação do profissional da educação

da EJA, explicitando os aspectos necessários, bem como a importância da

qualificação baseada num modelo pedagógico significativo.

O terceiro capítulo expõe as políticas públicas referentes a educação de

jovens e adultos, relacionando seus objetivos com a repercussão da ampliação e

valorização e seus reais efeitos na EJA.

Ao final foram realizadas considerações acerca da problemática abordada

visando identificar se a análise atendeu a todos os objetivos propostos.

10

3 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NO BRASIL

3.1 Um Breve histórico da EJA no Brasil

A Educação de Jovens e Adultos no Brasil começa com a chegada dos

Jesuítas ao nosso território, com uma educação voltada mais para o caráter religioso

do que educacional. Grande parte das ações era destinada a índios e negros

adultos. (CUNHA, 1999 p.41). A EJA é um processo que decorre desde o Brasil

colônia.

Com a expulsão dos Jesuítas pelo Marques de Pombal em 1760, o

Estado passou a controlar financeira e ideologicamente a Educação, esta foi

praticamente reduzida a nada. Durante o período Pombalino não há registros de

experiências significativas em relação à alfabetização de adultos. (CUNHA, 1999 p.

41).

Em 1808 com a chegada da corte ao Brasil o panorama educacional sofre

modificações positivas, porém destinadas apenas às elites.

Tornou-se necessária a organização de um sistema de ensino para

atender à demanda educacional da aristocracia portuguesa e preparar quadros para

as novas ocupações técnico-burocráticas. Desta forma, foram criados cursos de

caráter marcadamente utilitário, em nível superior, como o de Medicina, Agricultura,

Economia Política, Química e Botânica, além das Academias Militares; para

favorecer a vida cultural criaram-se as Academias de Ensino Artístico, o Museu Real,

a Biblioteca Pública, a Imprensa Régia, entre outras iniciativas. Entretanto, em

relação à educação elementar não houve grande progresso; as elites a recebiam em

suas casas como ensino privado. (PAIVA, 1987, apud GADOTTI, 2006, p. 35).

A constituição de 1824 em seu tópico específico para a Educação

inspirava um sistema nacional de educação que na prática não se efetivou. Contudo

a titularidade de cidadania era restrita as pessoas livres, saídas das elites que

poderiam ocupar funções na burocracia imperial ou no exercício de funções ligadas

à política e ao trabalho imperial. (MENEZES, 2003, p. 802).

Dom Pedro I em 1827 cria a lei de 15 de outubro, que mudou a maneira

de ensinar, transformando a escola na época com a adoção do método mútuo para

11

ensinar rapidamente um grande número de pessoas. (RIBEIRO, 1993, apud

MIALHE, 2010, p.5).

De acordo com Sucupira (2001, p. 59), a aplicação desta lei foi falha

devido à inexistência de profissionais da educação qualificados, que não se sentiam

estimulados pela remuneração oferecida, bem como o poder e a falta do

acompanhamento do sistema proposto por parte do poder público.

Em 1881, a Lei Saraiva que determinava eleições diretas, foi a primeira a

colocar impedimentos ao voto dos analfabetos. (RODRIGUES, 1982, apud BRANDI

e KRAMMER, 2010, p. 68). Dando inicio nesse momento a concepção do analfabeto

como ignorante e incapaz.

Em 1885, o Regime de escolas de instrução primária em Pernambuco

trouxe com detalhes a prescrição para o funcionamento das aulas destinadas a

receber alunos maiores de 15 anos. (SACRAMENTO, 2009, p. 4).

Porém essas aulas ocorriam apenas como um simples exercício de

caridade, oferecida por entidades da elite com o objetivo de promover uma

regeneração popular. (SACRAMENTO, 2009, p. 4).

No ano de 1890, o índice de analfabetismo no Brasil caracterizava mais

de 80% da população. Durante as primeiras décadas do século XX as mobilizações

em torno da alfabetização se tornaram abundantes, devido à vergonha provocada

pela publicação da taxa de analfabetos. (SOUZA e FARIA, 2003, p. 47).

No ano de 1915 surgiram no Rio de Janeiro “as ligas”, o método de

desanalfabetização de Abner Brito – Alfabetização em sete lições, que buscou

mudar o quadro vergonhoso de analfabetos, mas alguns criticaram esse empenho

como Carneiro de Leão, pois considerava a alfabetização uma arma perigosa, que

poderia aumentar a anarquia social. Em 1921, a Conferência Interestadual no Rio de

Janeiro cria escolas noturnas para adultos com duração de um ano. (BRASIL, 1999).

A partir da década de 30 a educação de adultos no país inicia sua historia

de fato, com a Constituição da Nova República, quando finalmente começou a se

consolidar um sistema público de educação elementar no País. Na constituição de

1934 surgiu a proposta de criação de um Plano Nacional de Educação e inclusão, e

em suas normas o ensino primário integral gratuito e de freqüência obrigatória, e

pela primeira vez foi viabilizado um ensino que se estendia aos adultos. A ampliação

da educação elementar foi impulsionada pelo governo federal, que traçava diretrizes

12

educacionais para todo o país, determinando as responsabilidades dos estados e

municípios. (BRASIL, 1999, p.17).

Segundo Freire (2005, p.55) comenta, a educação passou por momentos

de grandes reflexões, no qual vemos que cada período é caracterizado por um

sonho em fazer do ensino um direito de todos, para que o individuo possa gozar dos

mesmos.

Na década de 40 houve grandes iniciativas políticas e pedagógicas de

peso, tais como: A Regulamentação do Fundo Nacional do Ensino (FNEP) e o do

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), que incentivavam e

realizavam pesquisas na área da educação de jovens e adultos, bem como a

promoção de projetos, campanhas e seminários, com intuito de fazer com que a

educação abrisse a possibilidade de um ensino melhor para o EJA. (DI PIERRO,

2000, p.111).

Em 1945, com o final da ditadura Vargas iniciou-se um movimento de

fortalecimento dos princípios democráticos no país, nesse momento a sociedade

passou por momentos de grandes crises. Com a criação da Organização das

Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), ocorreu então por

parte desta, a solicitação aos países integrantes (dentre eles o Brasil) de se educar

os adultos analfabetos. (EVANGELISTA, 1999, p.11).

Em 1947, o governo lança a primeira campanha de Educação de adultos

que tinha como meta prioritária promover uma ação extensa prévia da alfabetização

em três meses, com a oferta de um curso primário em dois períodos de sete meses.

A etapa seguinte do projeto enfatizaria um ensino voltado para a qualificação

profissional e o desenvolvimento da comunidade local. Nessa época o analfabetismo

era visto como causa (e não como efeito) do escasso desenvolvimento brasileiro,

além disso, o adulto analfabeto era identificado como elemento incapaz e marginal

psicológica e socialmente submetido à menoridade econômica, psicológica e

jurídica, não podendo, então, votar ou ser votado. (BEISEGEL, 2004, p.15).

Por volta do fim da década de 50 deu-se inicio a uma grande

intensificação social que ansiava reformas de base, fato que acabou proporcionando

algumas relativas mudanças nas políticas públicas da educação de jovens e adultos.

O analfabetismo adquiriu uma nova visão, juntamente à consolidação de uma nova

pedagogia de alfabetização de adultos, que tinha como principal referência Paulo

Freire. O analfabetismo, que antes era apontado como causa da pobreza e da

13

marginalização, passou a ser então interpretado, como efeito da pobreza gerada por

uma estrutura social não igualitária. (FREIRE, 1983 apud OLIVEIRA, 2013, p.45).

Em janeiro de 1964, foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização, que

previa a disseminação por todo Brasil de programas de alfabetização orientados

pela proposta de Paulo Freire. Só que neste mesmo ano ocorre o golpe militar, um

dos momentos mais negros da História do nosso país. Com o militarismo, os

programas que visavam à constituição de uma transformação social foram

interrompidos, com a apreensão de materiais, detenção e exílio de seus dirigentes, o

governo militar cria então o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) em

1967 com o objetivo de alfabetizar funcionalmente e promover uma educação

continuada, mas o sentido político do Mobral era procurar responsabilizar o individuo

por sua situação desconsiderando-o do seu papel de sujeito produtor de cultura,

sendo o sujeito identificado como uma pessoa vazia, sem conhecimento a ser

socializado pelos programas do “MOBRAL”. (MEDEIROS, 1999, p.189).

O MOBRAL procurou restabelecer a ideia de que as pessoas que não

eram alfabetizadas eram responsáveis por sua situação de analfabetismo e pela

situação de desenvolvimento do Brasil. Um dos slogans do MOBRAL era: “você

também é responsável, então me ensine a escrever, eu tenho a minha mão

domável”. (STHEPANOU e BASTOS, 2005, p.270). Por fim esse movimento foi

extinto em 1985, com a chegada da Nova República, e seu final foi marcado por

denúncias sobre desvios de recursos financeiros, culminando em uma Comissão

Parlamentar de Investigação (CPI).

Com a República Nova houve a primeira explicitação legal dos direitos

dos cidadãos que não foram escolarizados na idade ideal, como destaca Oliveira

(2007, p.4):

O inciso I do artigo 208 indica que o ensino fundamental passa a ser obrigatório e gratuito, “assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria”. Em seu artigo 214, a Carta Magna indica também a que legislação „‟estabelecerá o Plano Nacional de Educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do poder público que conduziam à I- Erradicação do analfabetismo, II – Universalização do atendimento na escola.

14

Com a nova constituição de 1988, prevê-se que todas as pessoas tenham

acesso à educação, sendo reforçada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB) 9394/96, de 20 de Dezembro de 1996.

De acordo com a LDB, foi determinado que o Plano Nacional de

Educação fosse elaborado em concordância com a elaboração da Declaração

Mundial de Educação para Todos, e com base na mesma lei, em que foi constituída

a Educação de Jovens e Adultos ao poder público ficando o dever de oferecê-la de

forma gratuita a partir de cursos e exames supletivos.

Em 1990, com a realização da Conferência Mundial sobre Educação para

Todos, realizada em Jomtiem, na Tailândia, entendeu-se a Alfabetização de Jovens

e Adultos como a 1º etapa da Educação Básica, consagrando a ideia de que a

alfabetização não pode ser separada da pós-alfabetização. No Brasil com a extinção

da fundação Educar, o seu papel de supervisionar e acompanhar junto às

instituições e secretarias, o investimento dos recursos transferidos para a execução

de seus programas. Com o governo Collor a Fundação Educar foi extinta sem ser

criado nenhum outro projeto em seu lugar. (BRASIL, 2000, p.19).

Por volta da década de 90 surge o Movimento de Alfabetização (MOVA),

que procurava trabalhar o programa de alfabetização enfatizando a condição social

econômica dos alunos participantes. Em 1996, surgiu novamente um programa

nacional de alfabetização promovido pelo governo federal, Programa de

Alfabetização Solidária (PAS). (STEPHANOU e BASTOS, 2005, p. 272).

Em 1998, surgiu o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

(PRONERA) com o objetivo de atender às populações situadas na área de

assentamento, enfatizando o uso de metodologias específicas para a comunidade.

Este programa estava vinculado essencialmente ao INCRA (Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária), Universidades e movimentos sociais. (MOLINA,

2003, p. 66; STEPHANOU e BASTOS, 2005, p. 273).

Em 2003, o governo federal lançou o Programa Brasil Alfabetizado, com

ênfase no trabalho voluntário, prevendo erradicar o analfabetismo em 04 anos, no

entanto, em 2004, com a mudança do Ministro da Educação o programa foi

reformulado e a duração dos projetos de alfabetização foi ampliada de 04 meses

para 08 meses. (STEPHANOU e BASTOS, 2005, p. 273).

Pode-se compreender que mesmo através de políticas que visavam

amenizar as desigualdades referentes à educação de jovens e adultos é possível

15

presenciar que ainda existem muitos caminhos a se trilhar na busca da efetivação de

um sistema efetivo e igualitário, é preciso a elaboração de projetos que abordem a

especificidade de cada grupo social e não apenas medidas de caráter emergencial e

assistencialista.

3.2 Contribuições de Paulo Freire

3.2.1 A Pedagogia de Paulo Freire

Natural de Pernambuco, em 1921, Paulo Reglus Neves Freire, cresceu no

berço de uma família sem muitos provimentos financeiros, foi alfabetizado pela mãe

no quintal de casa debaixo de um pé de mangueira, no qual os gravetos dos galhos

eram utilizados para a escrita e o chão do ambiente como lousa. Aos 22 anos

ingressa na faculdade de direito e casa-se com a professora Elza Maia Costa

Oliveira, depois de formado continuou como professor de Português no Colégio

Oswaldo Cruz e de Filosofia da Educação na escola de Belas Artes da Universidade

Federal de Pernambuco. (FREIRE, 2001, p. 15).

Em 1947 torna-se diretor do Departamento de Educação e Cultura do

Sesi (Serviço Social da Indústria) onde entra em contato com a alfabetização de

jovens e adultos. Participou do movimento de cultura popular, organizado por

Germano Coelho, Norma Coelho e Anita Paes Barreto. De acordo com suas ideias,

a alfabetização de adultos deve estar diretamente relacionada ao cotidiano do

trabalhador, suas primeiras experiências são desenvolvidas em Angicos, no Rio

Grande do Norte, onde 300 trabalhadores da área rural foram alfabetizados em 45

dias. Com o sucesso alcançado, Paulo Freire foi convidado para trabalhar no

Ministério da Educação, no Governo de João Goulart. (PAIVA, 1987 apud

OLIVEIRA, 2001, p.25).

Suas ideias educacionais foram conhecidas internacionalmente, após a

divulgação de sua obra a Pedagogia do Oprimido, que explicita seu método de

alfabetização. Tal obra precisou ser lida no Brasil em sigilo, durante o governo pós

os 64 dias, devido a ditadura militar que impedia a promoção de ideias educacionais

revolucionários. (CASALI, 2001, p.21).

16

Permanece um livro histórico, não apenas por seu vigor de época, mas também e sobre tudo por seu vigor que ultrapassa fronteiras culturais, locais, nacionais, regionais. Ele alcançou uma universalidade (...).

A alfabetização proposta por Paulo Freire é referência em todo o país há

30 anos, utiliza como metodologia base a integração da leitura da palavra com a

intepretação do conhecimento de mundo. A aquisição da linguagem proposta pelo

autor proporciona a conscientização e criticidade possibilitando ao indivíduo

subsídios para a transformação da sua realidade.

O analfabeto apreende criticamente a necessidade de aprender a ler e escrever. Prepara-se para ser o agente desta aprendizagem. E consegue fazê-lo na medida em que a alfabetização é mais que o simples domínio mecânico de técnicas para escrever e ler. (FREIRE, 2000, p. 118-119).

Entende-se através da pedagogia de Freire que o processo de

alfabetização precisa ocorrer de maneira ativa e consciente, no qual o analfabeto

constrói de maneira participativa o conhecimento.

3.2.1.1 Caracterização da dialética de Paulo Freire

Freire desenvolveu sua dialética a partir da visão de mundo do ser

humano, como ser atuante nas transformações sociais, consciente do seu papel

como cidadão. O autor era um praticante comprometido com a prática da instrução

popular que via na educação uma ferramenta capaz de promover o pensamento

reflexivo, capaz de despertar no individuo a motivação de sair da passividade e

assumir a sua posição como sujeito ativo na transformação da sua realidade.

(FREIRE, 2001).

Paulo Freire (2004) lutava constantemente contra a classe dominante da

sociedade, assumindo uma posição extremamente radical defendendo um modelo

social igualitário em todos os níveis. O autor afirmava que o termo conscientização

era a chave para o desenvolvimento do processo educativo, pois através da

percepção da sua condição social, o ser humano seria capaz de adquirir a

compreensão da injustiça social em que vive e não como um fato de normalidade

dentro dessa dinâmica.

17

Defensor da educação libertadora, Freire afirmava que o ensino deve

ultrapassar as barreiras pedagógicas, deve ser um ato social, idealizador e político,

que seja capaz de promover o pensamento democrático e análise crítica constante

das problemáticas. Configurado como um educador a frente do seu tempo, Paulo

Freire, buscava medidas que trouxessem soluções não apenas para os problemas

atuais que afligem a sociedade, como o analfabetismo, mas sim superar o histórico

de desigualdade social do país. (FREIRE, 1999, p.435).

O modelo de ensino ideal dissertado pelo autor era o do aprendizado

mútuo, no qual o professor e aluno ensinavam e adquiriam conhecimento de

maneira recíproca cotidianamente. Ainda de acordo com a teoria de Freire, o

educador era responsável pela utilização da educação como ferramenta para

transformações sociais, devendo promover a perpetuação de uma pedagogia

baseada nos valores, democracia, criticidade e liberdade, na qual o educando tinha

a obrigação de lutar pelo ideal de uma educação justa, social e consciente.

(FREIRE, 2001, p. 27).

O modelo de educação ideal relacionado por Freire deveria explicitar uma

pedagogia baseada na liberdade de pensamento no educando, estimulando através

da conscientização e da criticidade a sua atuação direta no processo de

transformação da realidade.

3.2.1.2 Metodologia de Ensino

Para a efetivação de uma educação libertadora e crítica, Paulo Freire

estipula como metodologia de ensino uma pedagogia ativa, participativa e

transformadora, fundamentada na reestruturação dos conteúdos programáticos

repassados nas salas de aula. (FREIRE, 1999, p. 87 e 88).

Freire estipula a inserção de conteúdos baseados em valores culturais

que promovessem a estimulação da conscientização populacional acerca de si

mesma e da realidade social. (FREIRE, 1999, p. 102).

Com relação ao ato de alfabetizar, o referido autor afirmava ser um

processo que ocorre através da incorporação do aluno, passa a ser integrante do

seu organismo, não sendo apenas um simples ato de absorção de informações, é

18

um fenômeno de criação própria e afirmação pessoal, a qual o homem passa a

interagir sobre o contexto e não o contrário.

Paulo Freire (1999) idealiza os círculos de debates para planejamento e

aplicação prática do seu método de ensino, no qual aconteciam debates e diálogos

com temáticas de escolha do próprio grupo. O processo possuía as seguintes

características:

Palavras geradoras: visando familiarizar os alunos ao processo de ensino, o

educador utilizava como cartilha de alfabetização as palavras que estavam

presentes no próprio vocabulário regional da cidade.

Seleção das palavras: a tarefa da escolha das palavras alfabetizadoras é de

suma importância e precisa atentar para alguns critérios:

1 – Teor de sensibilização: as palavras selecionadas devem ter caráter

emocional, ou seja, devem abordar características do cotidiano do educando

a fim de estimulá-lo ao aprendizado. A desmotivação sempre gerou evasão

nas aulas de alfabetização, para isso Freire busca atrelar significado ao

conhecimento repassado pelo educador.

2 – Abordagem geral da problemática: preferencialmente as palavras

elencadas devem conter o maior número de fonemas da linguagem, visando

abordar com mais eficácia as problemáticas relacionadas às dificuldades de

leitura.

Situações - Problema: o educador deverá promover um debate no grupo,

através de uma situação geradora. O ambiente deve proporcionar confiança

e motivação, para que todos os participantes estejam à vontade de expressar

suas ideias, dúvidas, críticas, garantindo desta maneira a interação e a

dinamização do aluno no processo de ensino.

Nortear de diálogos: Freire disserta que o processo de alfabetização ocorre

através da interação na coletividade, afirmando que o educador sozinho não

promove a assimilação, mas sim pela dialética do grupo, no qual os debates

e diálogos eram a principal ferramenta de aquisição da linguagem.

Ficha de Palavras: visando uma assimilação mais concreta e fixada do

conteúdo, o educador por fim deveria escrever em fichas as letras expostas

em sala, para que cada aluno levasse consigo o material para casa a fim de

tentar construir novas palavras. Freire não proporcionava um material pronto

19

e acabado apenas para a leitura, ele estimulava a descoberta e a construção

do aprendizado pelo próprio educando. (p. 106, 107, 108).

Este método alfabetizador tem por finalidade a conscientização do

aprendiz, ativando a noção da necessidade de obter o conhecimento para elevar seu

patamar social. O autor desenvolveu uma metodologia que trabalha primeiro o

estado situacional do educando, fazendo com que a motivação o impulsionasse ao

aprendizado, gerando um sentimento de igualdade e democracia.

(...) não só se fixam os vocábulos mais carregados de sentido existencial e, por isso, de maior conteúdo emocional, mas também os falares típicos do povo. Suas expressões particulares, vocábulos ligados à experiência dos grupos, de que o profissional é parte. (FREIRE, 1999, p.120).

O autor disserta um modelo de alfabetização pautado na problematização

e na proximidade com a realidade do aluno, enfatizando que apenas com a

significação do conteúdo estudado o público alvo despertará para a importância e

necessidade do aprendizado.

3.3 A importância da escrita e da leitura

Vive-se atualmente na era da informação, com o avanço da tecnologia a

sociedade foi bombardeada com imagens e textos informativos por todos os lugares,

no qual nunca foi tão importante saber compreender e decodificar os signos contidos

na comunicação social. (RIBEIRO, 1999, p. 36).

Sabe-se que uma alfabetização plena abrange muito mais do que a

escrita e a leitura das palavras. O ato de alfabetizar envolve a compreensão de

situações cotidianas, bem como a interpretação da linguagem comunicativa e

gráfica, o que possibilita a inserção do indivíduo no convívio social. (RIBEIRO,

1999).

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (2001, p. 53):

A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de contribuição do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, não é somente decodificar a uma informação escrita através de letra por letra. Mas um processo que implica a compreensão mais detalhada, exigindo maior competência por parte do leitor.

20

Antes de obter a condição de alfabetizado, o ser é capaz de realizar

leituras próprias do mundo que o cerca, no qual Freire (1999, p. 25) disserta:

Se antes os textos geralmente oferecidos como leitura aos alunos escondiam muito mais do que desvelavam a realidade, agora, pelo contrário, a alfabetização como ato de conhecimento, como ato criador e como ato político é um esforço de leitura do mundo e da palavra.

De acordo com Rösing (1999, p.166), a leitura tem a capacidade de

nortear o indivíduo da era moderna, o ato de ler envolve a prática do exercício

político e social, atuando como gatilho gerador do sentimento de liberdade e

autoestima por parte do leitor.

O autor também enfatiza que a prática da alfabetização em especial para

jovens e adultos, proporciona ao ser a efetivação do exercício da cidadania, no qual

é necessário que o educador utilize ferramentas que despertem o interesse dos

alunos pela leitura, aplicando um ensino significativo baseado na construção

interativa e prazerosa do conhecimento.

Os atos da leitura e da escrita por diversas vezes são utilizados como

ferramentas de domínio de algumas classes sociais sobre outras. Freire (2000)

afirma que somente através da apropriação do conhecimento adquirido através da

leitura e da escrita, poderá se obter um modelo de sociedade mais justo e

democrático.

Os programas de alfabetização realizados no EJA têm como função

principal reestruturar a vida social e emocional dos alunos, reintegrando sua

autoestima proporcionando sua participação no convívio da sociedade letrada.

(FREIRE, 1999, p. 30).

Na maioria dos casos os jovens e adultos que retornam as salas de aulas

são motivados pelo sentimento de elevar seu patamar social, recorrendo geralmente

aos estudos por se sentirem excluídos e inferiores aos demais. Os grupos de alunos

que compõem as salas do EJA quase sempre são:

Migrantes ou moradores de zonas rurais, trabalhadores em ocupações braçais pouco qualificadas e com uma história descontínua e mal sucedida de passagem pela escola, seus pais também eram trabalhadores em ocupações braçais não qualificadas (principalmente na lavoura) e com nível instrucional muito baixo (geralmente também analfabetos). (RÖSING, 1999, p.66).

21

O gosto pela leitura precisa ser motivado, principalmente nas salas de

EJA, devendo a instituição escolar assumir o seu papel de formar cidadãos

fornecendo um ensino significativo, possibilitando ao individuo utilizar a linguagem

de maneira consciente. (BRASIL, 1997).

Somente através da apropriação do conhecimento da leitura e da escrita

consciente dos diversos tipos de signos e imagens, o individuo terá oportunidade de

assumir o seu papel como cidadão, capaz de lutar pelos seus direitos e deveres,

atuando ativamente na transformação da sua condição social.

3.4 A EJA e a problemática da evasão escolar

A era moderna trouxe diversas mudanças sociais que acarretaram novas

exigências à formação do indivíduo, resultando no aumento da demanda de alunos

jovens e adultos aos programas educacionais da EJA. Apesar da demanda há

muitos casos de evasão nas salas desses cursos.

O fenômeno da evasão escolar ocorre quando o aluno deixa de

frequentar as aulas no meio do período letivo, a maioria dos indivíduos que

regressam às salas de aula evidenciando um atraso escolar (idade/série), tal fator

pode ocasionar futuramente diversas problemáticas que resultarão novamente na

evasão escolar. (BOBBIO, 2000, p.43).

Vive-se atualmente na era da informação, e com o avanço da tecnologia a

sociedade foi bombardeada com imagens e textos informativos por todos os lugares,

por isso nunca foi tão importante saber compreender e decodificar os signos

contidos na comunicação social. (RIBEIRO, 1999, p. 36).

Gadotti (2000) afirma que um dos maiores desafios encontrados pela

instituição escolar atualmente de jovens e adultos no sistema educacional formal é a

conclusão da educação básica. De acordo com os dados coletados na Pesquisa

Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), foi explicitado que cerca de 42% dos alunos matriculados na EJA

desistiram de frequentar as aulas em todo o Brasil no ano de 2007, a tabela a seguir

expõe os principais motivos que acarretaram essa evasão:

22

Tabela 01 – Evasão na EJA

Motivos %

Horário das aulas incompatível com o do trabalho ou de busca de

trabalho

27,9

Desinteresse pelo curso 15,6

Horário das aulas incompatível com as atividades domésticas 13,6

Dificuldades para acompanhar o curso 13,6

Outros motivos 29,3

Fonte: IBGE/PNAD 2007.

De acordo com os dados expostos na tabela, compreende-se que uma

das grandes causa da evasão escolar é a questão da falta de significação dos

conteúdos repassados em sala, muitos professores utilizam o mesmo material

didático dos alunos do ensino regular, conflitando desta maneira com a realidade e o

interesse dos alunos da EJA.

Na tentativa de diminuir os índices de evasão escolar dos alunos da EJA,

Cavalcante (2005, p. 54) aponta algumas medidas que podem ser tomadas pelo

educador:

Orientar o educando para a conscientização que o ato da volta aos

estudos não é sinônimo de inferioridade, mas sim de mérito;

Nortear o aluno na identificação da importância da educação para

sua vida, atrelando o repasse do conhecimento com situações que

lembrem seu cotidiano;

Promover um ensino dinâmico e significativo visando estimular o

aluno para o aprendizado;

Gerar um sentimento de coletividade entre os educandos, visando

o estabelecimento de vínculos durante a interação nas

aprendizagens.

Diante da problemática citada pelo autor, cabe à instituição de ensino,

desenvolver práticas que abordem o repasse de conhecimento de maneira crítica e

reflexiva, na tentativa de transformar o ensino num processo significativo e

motivador para um aluno e não uma mera transmissão técnica de conteúdo,

23

promovendo a participação do aluno no processo, para que ele se sinta parte

integrante do sistema.

3.5 Educação e Exclusão

Entende-se por educação como um direito social coletivo, que tem por

finalidade desenvolver de maneira adequada as habilidades cognitivas, sociais e

pessoais do indivíduo, através de recursos e conhecimentos que possam subsidiar

no processo. (SUELY e BRABRO, 2012).

No entanto, a educação se transformou em um sistema dual de ensino,

que beneficia apenas um grupo seleto de pessoas favorecidas pelo seu poder

econômico e social, fazendo com que as taxas de analfabetismo, sejam funcionais

(possuem limitações parciais ou quase totais, durante o ato de ler e escrever) ou

totais (não possuem habilidade, nem compreensão da leitura e da escrita) cresçam

gradativamente devido a evasão escolar provocada pela falta de oportunidades no

ensino. (GOLÇALVEZ, 2005, p. 72).

Segundo Bordieu (1989 apud NOGUEIRA, 2004, p. 69) o sistema impõe

de maneira consciente ou inconsciente sobre os indivíduos uma prática de

reprodução social, na tentativa de manter as posições econômicas de dominação

das massas. A desigualdade social tenderá a atingir a população originaria da

camada mais desfavorecida financeiramente da sociedade, que acabará por

reproduzir o fracasso escolar e profissional dos seus familiares.

De acordo com Arroyo (2007), a Educação de Jovens e Adultos (EJA), é

uma modalidade de ensino que mesmo após anos de discussões e pesquisas sobre

a mesma ainda contextualiza um cenário marcado pela desigualdade e exclusão

educacional.

A EJA teve sua legitimação como nível de ensino componente da

Educação Básica com a Lei de Bases e Diretrizes da Educação Nacional de 20 de

dezembro de 1996, o que, porém não serviu para garantir aos alunos participantes

da EJA uma educação significativa e de qualidade.

De acordo com Paiva (2007), para que os alunos da EJA obtenham o

direito de educação plena, se faz necessário mais do que um documento legal para

24

legitimar sua prática. A autora ainda expõe dados coletados pela pesquisa do Censo

2000, na qual enfatiza a gritante realidade da desigualdade educacional:

Vários estudos, como o Mapa do analfabetismo realizado pelo INEP, revelam com clareza o quanto a sociedade brasileira tem sido vítima das políticas e conduções de sequentes governantes imóveis ao problema do analfabetismo e da interdição histórica de brasileiros e brasileiras aos instrumentos da leitura e da escrita. A grave situação educacional que os números desse Mapa revelam exige refletir o quanto têm estado equivocadas as políticas públicas para a EJA, restritas, no mais das vezes, à questão do analfabetismo, sem articulação com a educação básica como um todo, nem com a formação para o trabalho, assim como com as especificidades setoriais, traduzido pelas questões de saúde, gênero, raça, rurais, geracionais etc. (PAIVA, 2007, p. 60).

Arroyo (2007, p. 29) afirma que proporcionar espaços para a perpetuação

da educação de jovens e adultos de maneira aleatória pouco contribui com o

desenvolvimento da aprendizagem qualitativa e significativa dos alunos. A EJA é

mais que uma simples modalidade de ensino, é uma prática educativa que necessita

ser contextualizada com as especificidades do seu público.

O referido autor ainda afirma que o sistema de educação da EJA precisa

estabelecer uma formação que seja capaz de reestabelecer os valores sociais e

emocionais do individuo, não reduzindo a prática educativa ao serviço de

assistencialismo. O ensino fornecido para o grupo desta modalidade precisa adquirir

suas características próprias, e não perpetuar em suas cartilhas as mesmas lições

que levaram a sociedade à condição da submissão e da alienação.

Arroyo (2007) ressalta que é necessário atentar para a tomada de

medidas que proporcionem a efetivação de uma educação concreta, capaz de

garantir os reais direitos dos alunos componentes do EJA dizendo que:

Trata-se de trajetórias coletivas de negações de direitos, de exclusão, de marginalização; consequentemente a EJA tem de se caracterizar como uma política afirmativa de direitos coletivos, sociais, historicamente negados. Afirmações genéricas ocultam e ignoram que a EJA é, de fato, uma política afirmativa e, como tal, tem de ser equacionada. (p.29).

O autor enfatiza que as buscas ideológicas desta modalidade de ensino

ultrapassa a simples aquisição da garantia de direitos igualitários, pois a

perpetuação da exclusão educacional e social se arrasta desde a educação infantil,

sendo preciso a aplicação de um trabalho coletivo entre todos os níveis

25

educacionais a fim de proporcionar um sistema de educação verdadeiramente ativo,

consciente, capaz de transformar o ser de maneira universal.

3.5.1 Exclusão x Insucesso Escolar

Meira (2002) define o fenômeno do fracasso escolar como uma condição

estabelecida pela instituição de ensino de insucesso acadêmico, ou seja, quando o

aluno não consegue atingir as metas escolares propostas como ideais aos bons

níveis de aprendizado.

A referida autora ainda disserta sobre a seleção dos padrões de sucesso

escolar, no qual questiona em quais quesitos a instituição se baseia no ato de

elencar os alunos que obtiveram insucesso e quais os verdadeiros culpados para a

ocorrência desta problemática.

Queiroz (2013, p.2) disserta sobre a temática do fracasso escolar,

afirmando que esta possui fatores de contribuição tanto externos quanto internos na

instituição escolar e cita:

Não existe o fracasso escolar, ou seja, não existe o objeto fracasso escolar, mas sim, alunos em situações de fracasso, alunos que não conseguem aprender o que se quer que eles aprendam, que não constroem certos conhecimentos ou competências, que naufragam e reagem com condutas de retração, desordem e agressão, enfim histórias escolares não bem sucedidas, e são essas situações e essas histórias denominadas pelos educadores e pela mídia de fracasso escolar é que devem ser estudadas, analisadas, e não algum objeto misterioso, ou algum vírus resistente, chamado “fracasso escolar”. (QUEIROZ, 2013, p. 6).

É bastante visível na abordagem da temática do insucesso escolar que o

aluno na maioria das vezes receba toda a culpa pelo seu baixo rendimento. Nesse

contexto Arroyo (2003, p. 25) afirma que atrelar a culpa dos baixos resultados

acadêmicos aos alunos seria o mesmo que transferir para a população a

responsabilidade pela sua situação de fome, miséria e desemprego e não ao poder

público.

Uma educação baseada em práticas de exclusão acaba por romper a

complexidade e unicidade das situações de aprendizagens, propagando cada vez

mais um repasse de conhecimento alienado, destruindo a capacidade de reflexão e

pensamento crítico no indivíduo. (MORIN, 2002, p. 29).

26

É preciso atribuir novos conceitos e significados a educação atual, em

específico a EJA, proporcionando a esta modalidade de ensino a capacidade de

garantir aos alunos a atuação ativa na construção do conhecimento, valorizando as

características próprias da sua faixa etária. (ARROYO, 1996 apud LUFT, 2000, p.

123).

Atenta-se para a necessidade de uma mudança de postura educacional

tanto por parte dos professores, como da instituição escolar, que precisam

compreender os valores e as especificidades que integram a EJA, a fim de aplicar

métodos que visem alavancar a qualidade e o acesso a esta modalidade de ensino.

27

4 FORMAÇÃO DOCENTE NA EJA

Diante das diversas tentativas de mudanças no sistema educacional

vigente, o professor é o principal protagonista na busca pela obtenção dos inúmeros

direitos negados a sociedade. A atuação do educador no processo de ensino e

aprendizagem é de suma importância para a construção do pensamento crítico e

reflexivo especialmente nas salas de EJA, devendo proporcionar a conscientização

no indivíduo quanto ao seu papel social ativo na transformação da realidade.

(TARDIF, 2000, p. 114).

A educação de jovens e adultos possui características específicas que

necessitam de intervenções educacionais diferenciadas, no entanto os métodos de

ensino utilizados no EJA são os mesmos desenvolvidos na prática do ensino regular.

Desta forma, ocorre uma descontextualização nesta modalidade de ensino, que

promove um ensino baseado em referenciais construídos diante de outras

abordagens de necessidades e de público alvo.

Sobre a problemática das práticas educativas Arroyo (2005, p. 44) afirma

que:

Superação de estruturas e lógicas seletivas, hierárquicas, rígidas, gradeadas e disciplinares de organizar e gerir os direitos ao conhecimento e à cultura é uma das áreas de inovações tidas como inadiáveis. Nesse quadro de revisão institucional dos sistemas escolares, torna-se uma exigência buscar outros parâmetros para reconstruir a história da EJA. Se a organização dos sistemas de educação formal está sendo revista e redefinida a partir dos avanços da consciência dos direitos, a educação dos jovens-adultos tem de ser avaliada na perspectiva desses avanços.

Nesse contexto vale relatar como Paulo Freire vê a formação do docente

que trabalhará com a EJA já que este autor foi quem primeiro vislumbrou essa

modalidade de ensino.

Diante desta afirmação em “A pedagogia do oprimido” a perspectiva

freireana defende uma educação em prol da autonomia do individuo, que seja capaz

de despertar o pensamento reflexivo e crítico no ser.

Para tanto, Freire estipula que o processo de formação deve conter:

(1) a formação, seja ela inicial ou continuada, solicita um contexto de

problematização da realidade;

(2) a escuta como fundamento do diálogo é uma prática e também um

conteúdo indispensável no processo de formação;

28

(3) o tempo é uma dimensão fundamental para a materialidade das

políticas e da intencionalidade educativa;

(4) a relação dialógica é expressão da relação teoria-prática que traduz a

concretude de uma concepção formadora. (FREIRE, 2000, p.72).

a) Problematização da Realidade:

O ato de problematizar é realizado através da configuração da dinâmica

educativa como um projeto social e cultural em constante mudança, no qual deve o

educador atuar de maneira consciente e eficaz aplicando uma abordagem

significativa, despertando no aluno o sentimento de participação ativa no processo

de aprendizagem.

Problematizar também é desenvolver medidas que gerem a familiarização

dos alunos com o contexto explanado, abordando o mesmo conteúdo por diversos

ângulos (fotos, vídeos, passeios de campo). Pois conforme Freire há necessidade

de se construir um “repertório dos anseios, dos sonhos, dos desejos...” que constitui

“uma das vantagens de um trabalho assim está em que a própria metodologia da

pesquisa a faz pedagógica e conscientizante.” (FREIRE, 2000, p. 32).

Em suma, pode-se compreender que a formação de educadores baseada

na construção crítica e social do conhecimento, não se traduz a um simples repasse

de conteúdos técnicos, ela contextualiza as situações de aprendizagens com a

intepretação subjetiva de cada aluno. A valorização do conhecimento prévio é de

suma importância para o norteamento das práticas metodológicas do professor bem

como a valorização das vivencias, cultura e crenças dos alunos.

Partir dos saberes, conhecimentos, interrogações e significados que aprenderam em suas trajetórias de vida será um ponto de partida para uma pedagogia que se paute pelo diálogo entre os saberes escolares e sociais. Esse diálogo exigirá um trato sistemático desses saberes e significados, alargando-os e propiciando o acesso aos saberes, conhecimentos, significados e a cultura acumulada pela sociedade. (ARROYO, 2005, p.35).

b) O processo da escuta no diálogo

O exercício da prática pedagógica não ocorre sem o ato da escuta, a

dialogicidade nos processos de repasse de conteúdos ocorre através da troca mútua

29

na qual um escuta atentamente o que o outro fala. Freire (2000, p. 135) identifica o

processo de escuta como uma atitude inerente da prática do educador, enfatizando

a importância do caráter social e pedagógico de “escutar o educando em suas

dúvidas, em seus receios, em sua incompetência provisória” e afirma que “ao

escutá-lo, aprendo a falar com ele”.

A prática de escutar é tratada como um componente essencial dos

projetos formativos dos professores, que devem se apropriar deste hábito em prol de

se qualificar como um profissional democrático que valoriza a informação que pode

ser adquirida através da disponibilização da atenção ao outro.

Escutar é obviamente algo que vai mais além da possibilidade auditiva de cada um. Escutar, no sentido aqui discutido, significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro. Isto não quer dizer, evidentemente, que escutar exija de quem realmente escuta sua redução ao outro que fala. (FREIRE, 2000 p. 135).

De acordo com a perspectiva freiriana a escuta precisa ser um ato

evidenciado durante o processo de formação e exercício profissional, no qual cabe

às instituições escolares promoverem a integração de projetos que visem priorizar a

prática da escuta do educador para com o aluno, a fim de compreender o espaço de

convívio social no qual os mesmos encontram-se inseridos, buscando conhecer sua

maneira de pensar, agir e entender o mundo, visando com esta ação desenvolver

uma abordagem pedagógica voltada para a realidade social desses alunos.

c) A configuração do tempo

Uma temática bastante atípica na discussão relacionada à formação de

professores é o tempo, embora não seja especificado nos projetos formativos, é na

dinâmica do tempo e do espaço que o profissional se constitui, bem como os

processos e situações de aprendizagens.

A instituição escolar se constitui no tempo através do currículo,

ferramenta que propicia a produção e socialização do conteúdo através do

intermédio pedagógico, é no tempo e com ele que a escola exerce seu papel social.

(FALSSARELA, 2004).

30

Freire afirma que o processo formativo dos educadores, bem como seu

exercício profissional e a intencionalidade da escola estão dinamizados e

configurados no tempo e no espaço com a função de evidenciar uma educação

crítica e reflexiva.

Impossível pensar a prática educativa, portanto a escola, sem pensar a questão do tempo, de como usar o tempo para a aquisição do conhecimento, não apenas na relação educador-educando, mas na experiência inteira, diária, da criança na escola. (FREIRE, 2000, p. 46).

Nesta lógica, o tempo caracteriza-se como um contexto e como prática

responsável pela reflexão das intenções educativas, enfatizando que a

concretização da escola se dá na efetivação de uma prática pedagógica realizada

através da temporalidade.

d) Dialógica x teoria-prática

A dinâmica da dialógica expõe uma nova caracterização ao

relacionamento entre professor e aluno, enfatizando a importância de ambos na

construção do processo de aprendizagem, promovendo o fazer pedagógico através

da coletividade e do multiculturalismo, na construção de uma educação efetiva e

crítica.

Freire afirma que a referida prática deve ser um componente prioritário

nas intervenções pedagógicas, estabelecendo coerência em suas atitudes na

tentativa de efetivar a relação teoria-prática, diante da necessidade de “(...) diminuir

a distância entre o que dizemos e o que fazemos através da procura constante,

crítica, para compatibilizar o dito com o feito. Redizer o dito quando o que fazer

exija.” (FREIRE, 2000 p. 28).

Os conteúdos que integram a prática pedagógica na visão de Freire

devem caracterizar uma sala de aula como um espaço de intencionalidade

educacional, de vivência problematizadora e contextualizada de uma pedagogia que

enfatiza a transformação do indivíduo para além do espaço escolar.

Esta visão sobre a formação profissional é considerada a base das obras

de Paulo Freire, que buscava inovar as relações pedagógicas existentes, a partir da

democracia e da ética universal, problematizando as situações de aprendizagem

31

aplicada em função de uma educação libertadora, no qual o indivíduo deveria buscar

os seus direitos e poderes sociais. (FREIRE, 2000, p. 47).

As salas de aula da EJA são compostas por sujeitos que tiveram acesso

ao ensino sistematizado nas escolas, mas que por intervenções diversas não

puderam dar continuidade aos seus estudos. Diante de tal fato, a atuação do

educador no processo de formação da educação de jovens e adultos, exerce

influencia direta no desempenho dos alunos durante as aprendizagens.

A análise referente à formação do educador para a EJA, não deve deixar

de abordar o contexto dos alunos inseridos nesta modalidade de ensino, muito antes

de visionar métodos inovadores de ensino é necessário implementar políticas

públicas que estacionem a perpetuação das desigualdades educacionais e sociais,

assim como também desenvolvam um projeto de qualificação profissional lhe

proporcionando subsídios de abordagens contextualizadas com a realidade do

público alvo.

De acordo com Brandão (2003, p. 223) a sociedade atual é composta

pelo fenômeno do multiculturalismo, no qual a existência de um ensino pautado em

métodos ditatoriais já não representa sinônimo de uma educação eficaz. O educador

deve assumir o papel de mediador entre o conhecimento e o aluno, construindo de

maneira coletiva um aprendizado contextualizado, significativo e por consequência

de qualidade.

Entende-se que a cada dia os grupos sociais se diversificam,

necessitando que o sistema de ensino adapte suas metodologias e didáticas a fim

de abranger as especificidades e os desejos dos educandos, transformando a

educação num processo crítico, significativo e consciente.

4.1 Formação Continuada

Sabe-se que a qualificação do profissional da educação deve ser um ato

realizado de maneira periódica, ocorrendo durante toda a carreira profissional. Com

o educador do EJA não é diferente, diante das mudanças que o mundo

contemporâneo sofre constantemente, o professor necessita de uma preparação

cotidiana, que proporcione ferramentas metodológicas eficazes no processo de

ensino e aprendizagem.

32

Sobre a temática, Haddad ressalta que:

Educação continuada é aquela que se realiza ao longo da vida, continuamente, é inerente ao desenvolvimento da pessoa humana e relaciona-se com a ideia de construção do ser. Abarca, por um lado, a aquisição de conhecimentos e aptidões e, de outro, atitudes e valores, implicando no aumento na capacidade de discernir e agir. Educação continuada implica repetição e imitação, mas também apropriação, ressignificação e criação. Enfim, a ideia de uma educação continuada associa-se a própria característica distintiva dos seres humanos, a capacidade de conhecer e querer saber mais, ultrapassando o plano puramente instintivo de sua relação com o mundo e com a natureza. (2005, p. 191 e 192).

De acordo com o pensamento freireano, a ideia da educação continuada

no cenário educacional visa proporcionar ao professor a aquisição de

conhecimentos que lhe capacitem o desenvolvimento de práticas pedagógicas

críticas, reflexivas e autônomas, abordando o cotidiano escolar e os conhecimentos

gerados da vivência educativa. (SEF/MEC, 1999).

Para tanto, a formação continuada deve integrar os seguintes aspectos:

(1) a socialização do conhecimento produzido pela humanidade; (2) as diferentes áreas de atuação; (3) a relação ação-reflexão-ação; (4) o envolvimento do professor em planos sistemáticos de estudo individual ou coletivo; (5) as necessidades concretas da escola e dos seus profissionais; (6) a valorização da experiência do profissional. Mas também: (7) a continuidade e a amplitude das ações empreendidas; (8) a explicitação das diferentes políticas para a educação pública; (9) o compromisso com a mudança; (10) o trabalho coletivo; (11) a associação com a pesquisa científica desenvolvida em diferentes campos do saber.” (CARVALHO e SIMÕES, 1999, APUD SILVA e ARAÚJO, 2005, p.5).

A partir desta lógica, o espaço para qualificação do profissional da

educação será a própria instituição escolar, e o conhecimento concedido nas

situações de aprendizagens durante a prática educativa do educador. A formação de

professores deverá ser pautada na construção e idealização de um profissional

reflexivo, configurado como um pesquisador constante de suas práticas e

metodologias em sala de aula. (ALMEIDA, 2002, p. 28).

A maior problemática que atinge a efetivação de um projeto de formação

continuada é a dinâmica de propor situações de aprendizagens que promovam

trocas mútuas de saberes entre professores e alunos, numa constante

conscientização de papéis e valores.

33

A prática da formação continuada é bastante necessária, especificamente

na modalidade de ensino da EJA, pois esta especialização na maioria das vezes não

ocorre durante a formação acadêmica regular de professores.

Porém, a oferta da prática continuada para educadores da EJA, ainda é

uma realidade distante no sistema educacional do país, de acordo com o boletim da

Ação Educativa (2004), dos 1306 cursos de formação de professores existentes no

Brasil, apenas 16 oferecem a especialização em Educação de Jovens e Adultos

(EJA), dos quais sete são mantidos pelo Estado. (MEC e UNICEF, 2007 p. 61).

As Diretrizes Curriculares Nacionais referentes à EJA (BRASIL, 2000),

enfatizam a importância da existência de grupos de estudos voltados para a

abordagem da temática dentro das próprias instituições de formação de professores

e cita:

As instituições que se ocupam da formação de professores são instadas a oferecer habilitação em seus processos seletivos. Para atender essa finalidade elas deverão buscar os melhores meios para satisfazer os estudantes matriculados. As licenciaturas e outras habilitações ligadas aos profissionais do ensino não podem deixar de considerar, em seus cursos, a realidade da EJA. Se muitas universidades, ao lado de Secretarias de Educação e outras instituições privadas sem fins lucrativos, já propõem programas de formação docente para a EJA, é preciso notar que se trata de um processo em vias de consolidação e depende de uma ação integrada de oferta dessa modalidade nos sistemas. (p. 37).

Compreende-se então, que é de fundamental importância, abordar as

especificidades da formação para o exercício da prática nos cursos de EJA dentro

das instituições educacionais, nas quais os métodos curriculares devem ser

reestruturados e moldados de acordo com a realidade da educação de jovens e

adultos.

34

5 AS POLITÍCAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO

BRASIL

A historicidade legislativa da Educação de Jovens e Adultos no Brasil é

marcada por diversos avanços e retrocessos, diante de tal fato, se faz necessário

uma análise histórica dos documentos públicos relacionados ao EJA, visando expor

em discurso suas conquistas e problemáticas atuais.

5.1 A EJA e a Constituição de 1988

As políticas educacionais relacionadas à EJA tiveram inicio de fato com a

Constituição de 1988, pois foi através deste documento que foi garantido o direito de

todos os brasileiro à educação, portanto o artigo 208 desse documento ressalta:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria. (BRASIL, 1988, p.2).

É notória a intenção no discurso constitucional de efetivar a educação de

jovens e adultos em parâmetros legais, referenciando diretamente a obrigatoriedade

do ensino para todos que não obtiveram acesso à educação na idade apropriada.

A iniciativa da constituição aponta o primeiro passo para o

reconhecimento do direito deste grupo, que é composto por jovens com mais de 15

anos de idade que não finalizaram o ensino fundamental em período mínimo de oito

anos e os adultos que não possuem qualquer escolaridade formal, incluindo os não

alfabetizados funcionais e os linguísticos que ao longo dos anos vêm sendo

marginalizados socialmente, sofrendo exclusão do sistema regular de educação.

Na prática, isto significa que o titular de um direito público subjetivo tem asseguradas a defesa, a proteção e a efetivação imediata desse direito quando negado. Qualquer criança ou adulto que não tenha se beneficiado do ensino fundamental pode exigi-lo e o juiz pode deferir imediatamente, obrigando a autoridade a cumprir a decisão sem demora. (CURY, 2000, p. 18).

A educação encontrou na constituição de 1988 um documento ideal para

sua efetivação, pois possui o maior capítulo referente a educação brasileira (do

35

artigo nº 205 ao 214), o que no entanto não funcionou ainda como garantia

educacional para abranger os direitos da demanda populacional.

De fato esse documento garante à população acesso ao ensino

fundamental gratuito para todos sem distinção, trazendo um grande avanço no

patamar educacional, porém a partir deste fato a Educação de Jovens e Adultos

encontra dificuldades de efetivação devido ao dualismo existente na dinâmica entre

a promoção de direitos legislativos e a exclusão por parte das políticas públicas.

(BEISEGEL, 2004, p. 28).

O paradoxo se faz diante da valorização legal da EJA na constituição de

1988, sendo que no mesmo instante é marginalizada quando o Estado de maneira

sútil se isenta das suas obrigações para com seus deveres educacionais com os

jovens e adultos. No governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), foi aprovado

em 12 de setembro de 1996, uma Emenda Constitucional que estabelece a

modificação de alguns artigos constituição de 1988, atribuindo a União a

competência de intervir na erradicação do analfabetismo no país bem como a

manutenção do ensino fundamental, atribuições que antes eram responsabilidade do

Estado.

Pode-se compreender através dos documentos legislativos, que o modelo

educacional da EJA, não ocupou em nenhum momento na historia da educação do

país um lugar de destaque significativo, e quando isto ocorreu logo em seguida se

utilizaram de medidas para a contenção de seu avanço, deixando a problemática do

analfabetismo em segundo plano.

5.2 A EJA e a Lei de Bases e Diretrizes da Educação Nacional (LDB 9.394/96)

A LDB 9394/96 surgiu dos anseios dos educadores e dos interessados na

melhoria do patamar educacional do país. A legitimação deste dispositivo legal foi

resultado da interação de inúmeras correntes ideológicas e políticas, todos com

interesses específicos, formando uma lei estruturada numa mescla de ideais

educacionais.

Com relação à EJA, a LDB (9394/96) disponibiliza apenas dois dos seus

92 artigos a esta modalidade de ensino que passa agora a ser definida como

componente da Educação Básica na seção V. Este documento legal também

36

estabelece na EJA a especificidade de atendimento à camada social que não teve

acesso à educação por diversos motivos na idade adequada, é o que o artigo 37 e

38 afirmam:

Art. 37: Parágrafo 1º: Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. Parágrafo 2º: O poder público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si. Art.38: Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. (BRASIL, 1996).

Soares (2002, p. 12), afirma que mesmo referenciando apenas dois

artigos à EJA, a reforma da LDB trouxe avanços significativos como a modificação

da intitulação de “ensino supletivo” para a educação de jovens e adultos, mais que

uma mera mudança vocabular, o próprio conceito adquiriu maior respaldo,

contextualização e abrangência no cenário educacional.

Compreende-se desta forma, que os sujeitos que não tiveram acesso à

educação na idade adequada, devem ser respeitados e caracterizados como

componentes de um sistema pedagógico específico, composto de métodos que

visam abordar a contextualidade subjetiva dos alunos.

É importante também ressaltar que a partir da idealização da LDB, por

volta de 1990 se iniciou o projeto de descentralização do ensino, através da

municipalização e estruturação de sistemas de ensino em cada município do país,

que passaram a assumir incumbências referentes ao ensino fundamental e

educação infantil. (BRASIL, 2001).

Outra proposta legislativa conquistada na época foi o Fundo de

Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF),

instituído pela Emenda Constitucional n° 14/96 e regulamentado pela Lei 9424/1996.

Sua aplicação modificou os métodos de financiamento relacionados ao Ensino

Fundamental dos Municípios.

Desta forma, o FUNDEF desamparou financeiramente a Educação Infantil

e os alunos integrantes do Ensino Supletivo, fato que desencadeou um processo

que ansiava a reformulação da distribuição do gasto público entre as modalidades

de ensino.

37

O ensino infantil juntamente com a educação de jovens e adultos passou

a concorrer aos recursos públicos que não eram utilizados pelo FUNDEF, o que não

perdurou muito tempo, pois houve o veto do Presidente da República Fernando

Henrique Cardoso (FHC), e com isso o ensino supletivo foi retirado dos benefícios

financeiros, o que ocasionou uma diminuição significativa nas matrículas desta

modalidade de ensino.

5.3 Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA (2000)

Diante dos debates ocasionados acerca da educação de jovens e adultos

em 1990, mediante os anseios por reformas legais na educação, foram estipuladas

em 10 de maio de 2000, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de

Jovens e Adultos, formuladas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que

passou a reconhecer o EJA como parte da educação básica, definindo parâmetros

de estruturas, conteúdos e funcionamentos. (CNE, 2000).

As Diretrizes lançadas em 2000 surgiram com o objetivo de reafirmar a

importância da EJA, especificando seu público alvo, bem como caracterizar a

abrangência do ensino, sem reduzi-la a apenas em um direito, devendo garantir e

afirmar quem integra sua composição. (CNE, 2000).

Os debates acerca das Diretrizes Curriculares Nacionais de EJA apontou

um momento de importantes mudanças no sistema educacional do país, tendo inicio

com a regulamentação e aprovação da LDB. (BRASIL, 1996).

Tais estipulações curriculares derrubaram os paradigmas preconceituosos

acerca do analfabeto, que afirmavam que estes sujeitos eram capazes apenas de

executar tarefas desvalorizadas no mundo profissional e social, além de reconhecer

a importância da diversidade cultural e regional existente nos vários grupos sociais.

Durante o processo de elaboração das Diretrizes da EJA outras

especificidades desta modalidade foram enfatizadas em seus documentos, dentre

elas:

Caraterísticas próprias de tempo e espaço;

Conteúdos curriculares voltados para o público de abordagem;

Enfatizar e distinguir a presença de duas faixas de idades: os jovens e os

adultos, integrados nesta modalidade de ensino;

38

A elaboração de projetos pedagógicos com ações específicas para os cursos

de EJA.

As Diretrizes de 2000, ainda ressaltaram a ideia da EJA como um direito

adquirido e não apenas uma ação de caráter assistencialista de compensação,

visando promover a equidade do ensino. Ocorreu também a estipulação e a

definição do Ensino Fundamental à maiores de 15 anos e o Ensino Médio a maiores

de 18 anos. (BRASIL, 2000).

Em 2001, a Lei Federal n° 10.172/2001 instituiu o Plano Nacional de

Educação (PNE), que estruturado pela Constituição de 1988, determinou diversas

metas e prazos estimados para a EJA, na tentativa de universalizar a garantia e o

acesso à Educação Básica, enfatizando as necessidades específicas dos jovens e

adultos. (BRASIL, 2010).

Dentre os principais objetivos do PNE para a EJA podem-se destacar:

Intensificação de projetos, com o objetivo de alfabetizar dez

milhões de jovens e adultos, num prazo de cinco anos e, ao final

de uma década atingir a total erradicação dos índices de

analfabetismo no país;

Garantir a oferta da educação de jovens e adultos, referente aos

quatros anos iniciais do Ensino Fundamental, em cinco anos, para

50% da população com 15 anos ou mais de idade, que não tenha

finalizado este nível escolar;

Inserção através da aprovação legislativa do PNE, da EJA nos

recursos de financiamento da Educação Básica. (BRASIL, 2001).

Apesar de o PNE possuir grande teor de abrangência ao público jovem,

adulto e idoso, índices estatísticos revelam que ainda é alarmante o número de

pessoas que não estão incluídas nos processos educacionais no país.

A tabela abaixo evidencia que a problemática do analfabetismo ainda se

encontra bastante presente nos índices estáticos, enfatizando no período de análise

o descaso referente ao investimento financeiro e valorização educacional da EJA.

39

Tabela 02 – evolução do analfabetismo no Brasil entre pessoas de 15 anos ou mais - 1920/2000.

Ano/Censo Total Analfabetos %

1920 17.557.282 11.401.715 64,90

1940 23.709.769 13.269.381 56,00

1950 30.249.423 15.272.632 50,50

1960 40.278.602 15.964.852 39,60

1970 54.008.604 18.146.977 33,60

1980 73.541.943 18.716.847 25,50

1991 95.837.043 19.233.758 20,07

1996 107.540.981 14.018.960 13,03

1997 108.025.650 15.883.372 14,07

2000 119.533.000 16.295.000 13,60

FONTE: IBGE/PNAD, 1997.

Diante desta preocupante problemática, em 2003 foi criado o Programa

Brasil Alfabetizado, destinado à alfabetização de jovens e adultos em todos os

municípios que possuíssem índices acima de 25% de analfabetismo, seguindo as

informações do Ministério da Educação (MEC). Os municípios que adotaram este

projeto receberam um auxilio financeiro, visando garantir a continuidade dos estudos

aos alunos. (BRASIL, 2012).

Em 2007, ocorreu a idealização do Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação

(FUNDEB), fundamentado pela Constituição Federal de 1988, seu surgimento

proporcionou a EJA o direito a participação na distribuição dos recursos financeiros

como uma modalidade de ensino. Pode-se compreender que as propostas

pedagógicas e legislativas referentes à EJA, bem como sua análise contextual e

histórica, mostraram que existe a necessidade de reestruturação educacional e

política da EJA. É preciso que se consolide de fato a identidade pedagógica da EJA,

pois só a partir deste fato, o ensino desta modalidade poderá ser mais flexível,

significativo e eficaz.

40

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final desta análise pode-se compreender que a problemática do

analfabetismo começou a ser motivo de preocupação no Brasil desde o século

passado, aspecto que impulsionou a criação de diversos programas educacionais na

tentativa de sanar a ocorrência de tal fato. No entanto a presença de jovens e

adultos sem escolaridade ainda é bastante evidente no cenário educacional do país.

A construção desta pesquisa objetivou explanar a caracterização histórica

da EJA, bem como as políticas públicas e as colocações bibliográficas referentes à

situação deste modelo de ensino no sistema educacional, visando compreender as

problemáticas existentes na educação de jovens e adultos.

Diante das referências abordadas a pesquisa contribuiu para a resolução

dos questionamentos, atingindo os objetivos lançados no inicio do estudo,

possibilitando a compreensão de que a efetivação da EJA só ocorrerá através da

conscientização por parte de educadores e governantes acerca da sua real

importância para a formação de cidadãos, cujo modelo de ensino deve ser composto

por metodologias específicas e diferenciadas que visem a criticidade e a

contextualização dos conteúdos curriculares com a realidade do grupo social da

EJA.

É possível constatar que a educação de jovens e adultos teve seu auge

com a aplicação da pedagogia de Paulo Freire por volta dos anos 60, que não

perdurou por muito tempo e o governo regido pela ditadura militar logo se

encarregou de abortar as ideias educacionais desta modalidade, que ameaçavam os

interesses políticos de implantar um sistema de formação educacional acrítico e

inconsciente quanto aos direitos sociais.

Com a chegada do século XXI, sugiram diversas mudanças positivas que

elevaram o patamar da educação de jovens e adultos, que passou a ser intitulada de

EJA, porém para que essa modalidade de ensino apresente resultados

verdadeiramente significativos no cenário educacional é preciso que seja

desenvolvido um projeto comprometido com os verdadeiros interesses dos alunos,

que estimule a motivação e o desejo em aprender os conteúdos escolares. (VIEIRA,

2004, p. 19).

Como Freire (2000) pregava, o ensino não pode ser simplesmente voltado

para o ato puro e técnico de ler, escrever e realizar operações matemáticas. É

41

importante instigar o pensamento crítico, reflexivo e consciente no indivíduo, para

que ele desperte para o seu real papel diante do meio social e possa a partir de

então atuar ativamente em função de transformar a sua realidade.

Diante dessas afirmações e do discurso enfatizado durante esta pesquisa,

considera-se que cabe às instituições escolares em parcerias com ações

governamentais, entrarem em um verdadeiro regime de preparo pedagógico para

oferecer um atendimento educacional que vise estimular uma aprendizagem global

que enfatize o desenvolvimento da autoestima, motivação e o interesse de maneira

significativa para o público jovem e adulto, que já carrega consigo uma experiência

escolar desastrosa, seguida por insegurança e medo de se encontrarem na mesma

situação anterior.

Portanto a EJA precisa ser configurada como uma educação que tem por

objetivo prioritário propiciar a formação cidadã crítica e comprometida em

desenvolver os valores humanos e sociais dos educandos.

Muito ainda há de se fazer para que a EJA se faça presente de forma

mais concreta e estruturada. O governo deve produzir políticas públicas que

confiram a essa modalidade de ensino leis que realmente a resguardem, valorizem e

garantam seu financiamento. Assim como há a necessidade da definição do perfil do

educador da EJA e uma formação regulamentada, nos cursos de graduação e pós-

graduação em todo o país.

42

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