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Arlindo Ugulino Netto – PATOLOGIA – MEDICINA P4 – 2009.1

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FAMENE NETTO, Arlindo Ugulino. PATOLOGIA

DEGENERAÇÕES CELULARES

(Professor Ivan Rodrigues) Degenerações são danos celulares não-letais caracterizados por um acúmulo intracelular de quantidades anormais de várias substâncias, devido a uma alteração metabólica na célula. As substâncias acumuladas pertencem a três categorias: (1) um componente celular normal, tal como água, lipídios, proteínas e carboidratos; (2) uma substância anormal, exógena, como um mineral ou produtos de agentes infecciosos, ou endógena, como um produto de uma síntese anormal ou do metabolismo; e (3) um pigmento. Essas substâncias podem se acumular transitoriamente ou permanentemente no citoplasma ou no núcleo, podendo ser inócuas para as células, mas ocasionalmente são altamente tóxicas. Vários processos resultam em uma deposição intracelular anormal:

1. Uma substância endógena normal é produzida a um índice normal ou aumentado, mas a velocidade de seu metabolismo é inadequada para removê-la. Um exemplo desse tipo de processo é a alteração gordurosa que ocorre no fígado devido ao acúmulo intracelular de triglicerídeos.

2. Mutações genéticas em proteínas específicas geram um defeito no dobramento e excreção da mesma, resultando em seu acúmulo dentro do retículo endoplasmático rugoso, trazendo posterior prejuízo à célula.

3. Uma substância endógena normal que se acumula devido à defeitos genéticos ou adquiridos do metabolismo, armazenamento, transporte ou secreção destas substâncias. Um exemplo é o grupo de condições causadas por defeitos genéticos de enzimas específicas envolvidas no metabolismo dos lipídios e dos carboidratos, resultando na deposição intracelular dessas substâncias, especialmente nos lisossomos.

4. Uma substância exógena anormal é depositada e se acumula, pois a célula não possui as enzimas necessárias para degradá-la nem a habilidade para transportá-la para outros locais. A deposição de partículas de carbono (derivados do petróleo) e substâncias químicas não-metabolizáveis, como a sílica, são exemplos deste tipo de alteração.

Qualquer que seja a natureza e a origem da deposição intracelular, ela implica o armazenamento de alguns produtos pelas células individualmente. Se o excesso ocorrer devido a uma alteração sistêmica que pode ser controlada, o acúmulo é reversível. Nas doenças genéticas de deposição, o acúmulo é progressivo e as células podem se tornar tão sobrecarregadas que ocorre lesão secundária, levando, em alguns casos, à morte do tecido e do paciente. As degenerações mais conhecidas e que serão aqui abordadas são:

� Degeneração hidrópica � Degeneração hialina � Degeneração lipídica � Degeneração com acúmulo de carboidratos

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DEGENERAÇÃO HIDRÓPICA A degeneração hidrópica (inchação turva ou hidrópica, tumefação turva ou celular, degeneração vacuolar ou edema celular) é uma alteração que se caracteriza pelo acúmulo de água no citoplasma, que se torna volumoso e pálido com núcleo normalmente posicionado. É vista com mais frequência nas células parenquimatosas, principalmente do rim, fígado e coração. Consiste na lesão não-letal celular mais comum, uma vez que pode ser causada por qualquer agente físico, químico (tetracloreto, toxinas, etc) ou biológico (deficiência de oxigênio, etc) que gera um desequilíbrio hidroeletrolítico na célula. A degeneração hidrópica ocorre em função do comprometimento da regulação do volume celular, que é um processo basicamente centrado no controle de sódio (Na+) e potássio (K+) no citoplasma. A bomba Na+/K+-ATPase é responsável por retirar o Na+ de dentro da célula e colocar e manter o K+ intracelularmente. Para este feito, é necessário o gasto de energia (ATP). Qualquer fator que altere o funcionamento desta bomba, seja por destruição da bomba Na+/K+ ou por carência de ATP celular, ocorre uma retenção de Na+ no citoplasma, deixando escapar o K+ e com isto há um aumento de água citoplasmática no intuito de manter as condições isosmósticas e o consequente inchaço da célula. A causa mais comum de degeneração hidrópica é a hipóxia (como ocorre no choque). A falta de oxigênio altera a respiração celular, reduzindo a respiração aeróbica, levando à queda de ATP. Todos os processo que requerer ATP, como a própria bomba Na+/K+-ATPase são afetados. Enfim, todos os processos que interfiram na fosforilação oxidativa que produzirá ATP, seja por hipóxia ou por falta de substratos como ocorre na desnutrição grave, seja pela lesão da membrana por enzimas de oxidação (toxinas bacterianas/químicas e radicais livres produzidos no processo inflamatório), podem produzir degeneração hidrópica. Condições que agridem a membrana celular como, por exemplo, os vírus, o cálcio, substâncias químicas e toxinas bacterianas podem lesar diretamente a membrana plasmática e levar a um edema celular. A hipóxia força, ainda, a célula a entrar em respiração anaeróbica, o que leva a um aumento na produção de ácido láctico. Esta condição leva a uma redução do pH, culminando no desacoplamento dos ribossmos e um decréscimo na síntese protéica, o que afeta, também, na síntese da Na+/K+-ATPase. Nos estados de vômitos constantes e diarréia, há perda acentuada de vários eletrólitos, incluindo o potássio (hipocalemia). Acredita-se que este fator reflita em uma alteração da bomba Na+/K+ pela perda do potássio intracelular, O K+ tem ainda uma importante função nas reações enzimáticas e na manutenção da permeabilidade da membrana. Todos estes fatores levam a uma retenção de Na+ e água dentro da célula seguidos de uma expansão isosmótica. ASPECTOS MORFOLÓGICOS Os órgãos acometidos por este tipo de degeneração aumentam de volume e apresentam certa palidez por motivo da compressão da microcirculação. Entretanto, a função dos órgãos continuará preservada. Microscopicamente, observa-se uma distensão das células, que passam a apresentar citoplasma completamente vacuolizado, mais alargado e mais claro. EVOLUÇÃO E CONSEQUÊNCIAS A degeneração hidrópica é um fenômeno reversível que, se o agente lesivo for retirado, a célula pode voltar ao normal, sem levar a nenhum comprometimento da função do órgão. DEGENERAÇÃO HIALINA O termo hialino refere-se simplesmente a qualquer material que, ao microscópio óptico, apresente-se homogeneamente corado em róseo pela HE, amorfo e acidofílico (coloração rósea). É importante conhecer tais constituições pois existe uma série de doenças de diferentes patogenias que cursam com o acúmulo deste material hialina.

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A degeneração hialina é classificada em extracelular (quando o material hialino se acumula no espaço intersticial ou ao longo da parede dos vasos) e intracelular (quando o material se acumula dentro das células). DEGENERAÇÃO HIALINA EXTRACELULAR (CONJUNTIVO-VASCULARES) Pode se apresentar na forma de degeneração hialina (DH) propriamente dita ou na forma da amiloidose.

• DH propriamente dita: é o tipo mais comum de DH, atingindo o tecido conjuntivo fibroso colágeno e a parede dos vasos. A hialinização do tecido conjuntivo fibroso é encontrada em cicatrizes antigas decorrentes de organização de processos inflamatórios. Ao microscópio, vê-se que nesta área cicatricial branca corada pela HE existem poucos fibroblastos, além de alargamento, fusão e compactação das fibras colágenas, dando a este tecido o aspecto eosinofílico, portanto, hialinizada.

o Cicatrizes antigas: quando ocorre um acúmulo de fibrina para o local de uma lesão prévia, acontece um recrutamento de fibroblastos que passam a sintetizar fibras colágenas e, posteriormente, desaparecem. Na microscopia, aparecem apenas feixes espessados de colágenos (praticamente acelular) corados em e róseo pela HE, caracterizando uma DH propriamente dita. Quando ocorre uma hiperprodução de colágeno para o reparo da lesão, ocorre o fenômeno denominado por quelóide.

o Trombos: do mesmo modo que a fibrina dos exsudatos inflamatórios, a fibrina dos trombos também se organiza, conferindo aos trombos, depois de um certo tempo, o aspecto hialino. Isso acontece depois que o trombo, aderido à parede do vaso, sofre uma infiltração por células da resposta inflamatória, em que ocorre a proliferação de fibroblastos e de colágeno, o qual substitui gradativamente o trombo.

o Lúpus eritematoso cutâneo: na junção da epiderme com a derme, ocorre um espessamento hialino causado por um depósito de complexos antígenos-anticorpos e fibrina justamente nessa região. Sabe-se que a patogenia do lúpus eritematoso, doença auto-imune, está relacionada à formação de auto-anticorpos contra fatores nucleares. As lesões do lúpus são caracterizadas pelo tipo de hipersensibilidade do complexo auto-imune, em que complexos Ag/Ac se depositam em regiões específicas e induzem a proliferação de fibroblastos.

o Diabetes millitus: pode aparecer hialinização das arteríolas sistêmicas, nas arteríolas renais e nas ilhotas de Langerhans. Na chamada microangiopatia diabética, que afeta as arteríolas sistêmicas, há hialinização da parede que corresponde ao espessamento da membrana basal e hiperplasia do músculo liso.

o Hipertensão arterial: ocorre espessamento hialino das arteríolas (arteriolosclerose) e também da arteríola aferente renais. Como consequência, os glomérulos tornam-se isquêmicos, atrofiam-se e hialinizam-se, transformando-se em bola hialina, homogênea e acidófila. Em cortes histológicos, o vaso apresenta-se espessado com a luz bastante diminuída. Isso ocorre porque a hipertensão estimula as células endoteliais a produzirem componentes da membrana basal sob a forma de colágeno e fibronectina. Neste processo, o glomérulo também aprisiona algumas proteínas plasmáticas e matriz mesangial, que fazem parte da composição do glomérulo hilaino. O rim atrofia, deixando a superfície capsular finamente granular (nefrosclerose arteriolar).

o Nefrosclerose vascular: é causada pelo mesmo processo que ocorre na hipertensão arterial (arteriosclerose hiperplásica), sendo a nefrosclerose arteriolar conseqüência da hipertensão. Os glomérulos que se tornam isquêmicos passam a atrofiar, fazendo com que a superfície renal torne-se irregular e descontínua, deixando a superfície com um aspecto granular e áspero. Esta condição pode ocorrer nas glomerulonefrites, devido ao espessamento hialino dos glomérulos que é dado geralmente por depósitos de imunoglobulinas (IgG) e complemento, bem como pode ocorrer no lúpus eritematoso devido ao próprio depósito de imunocomplexos nas paredes vasculares renais.

o Síndrome da Angústia Respiratória das crianças e dos adultos: nesta patologia, a membrana hialina que atapeta os alvéolos é composta de fibrina condensada extravasada do processo inflamatório, proteínas plasmáticas, lipídeos e restos de células epiteliais necróticas. Este revestimento hialínico na superfície alveolar dificulta as trocas gasosas, gerando a síndrome da angústia respiratória.

• Amiloidose: engloba um grupo de várias doenças que cursa com o depósito de uma substância amorfa de

origem protéica em nível do interstício e da parede vascular dos órgãos. Estas substâncias protéicas, geralmente, têm origem de imunoglobulinas. Conceitualmente, a amiloidose é uma síndrome que agrupa processos patológicos diversos, cuja característica comum é o depósito intercelular (intersticial) e na parede dos vasos de uma substância hialina, amorfa, proteinácea, patológica, que com o acúmulo progressivo induz atrofia por compressão isquêmica das células adjacentes. Podem ser sistêmicas ou localizadas.

o Classificação: � Primária (atípica): amiloidoses sem causa aparente; � Secundária: seguem a doenças crônicas como tuberculose, hanseníase, processos supurativos

crônicos, etc; � Forma tumoral: associada a algum processo neoplásico (geralmente, plasmocitomas)

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o Conseqüências do depósito: são muito variáveis. Os sintomas variam com a quantidade e o local dos depósitos, bem como a doença básica subjacente. As manifestações clínicas mais frequentes se relacionam com o envolvimento renal, cardíaco e gastrointestinal.

o Principais repercussões clínicas: os órgãos mais acometidos são rim (mais grave), fígado, coração e tubo digestivo.

� Nos rins, a proteinúria que se estabelece com a amioloidose renal consequente à síndrome nefrótica pode levar à grave hipoalbuminemia; como avanço dos depósitos e obliteração glomerular, há insuficiência renal, uremia forte e morte.

� O envolvimento cardíaco pode levar a arritmias fatais � O envolvimento gastrointestinal pode levar a síndromes de má absorção, constipação ou

diarréia ou mesmo dificuldade de deglutição ou da fala nos casos de tumor da língua. o Diagnóstico: o diagnóstico clínico da amiloidose não é fácil e é feito apenas por meio da biópsia

mostrando depósitos hialinos por coloração especial, mostrando-se estes depósitos róseos ao HE, vermelho-congo (coloração alaranjada) positivos e birrefringentes à luz polarizada firma o diagnóstico. A gengiva, o reto e o rim são os locais preferidos para biopsiar.

DEGENERAÇÃO HIALINA INTRACELULAR Nas DH intracelulares, encontramos a substância hialina no interior das células, sob a forma de pequeninos grânulos acidófilos, homogêneos ou na forma de aglomerados irregulares, resultando da coagulação de parte de proteínas citoplasmáticas e por isso representando grave alteração da célula.

• Degeneração hialina goticular: caracterizada pelo aumento de numerosas gotículas hialinias refrateis (geralmente menores do que o núcleo ou uma hemácia) no citoplasma de células dos túbulos contornados do rim. Isso acontece porque as proteínas que passam pelos glomérulos em processo patológios (como nas síndromes nefróticas) são pinocitadas pela célula tubular e se unem aos lisossomos formando um fagolisossomo, que é visto sob a forma de uma gotícula hialina ao microscópio.

• Corpúsculo de Russell: são corpúsculos hialinos esféricos em células localizadas na proximidade de certos cânceres. Sabe-se que as células que contém estes corpúsculos são os plasmócitos que podem fazer parte da reação inflamatória aparecendo sobretudo nos processos inflamatórios crônicos em que há prolongada estimulação antigênica. A substância hialina corresponde a imunoglobulinas (principalmente IgG) hiperproduzidas e não-excretadas por estas células, que se cristaliza no citoplasma dos plasmócitos no interior do retículo endoplasmático.

• Corpúsculos de Councilman-Rocha-Lima: nas doenças hepáticas virais (como as hepatites por vírus A ou B e na febre amarela), os hepatócitos podem entrar em apoptose e aparecerem diminuídos com citoplasma hialino (com organelas diminuídas por destruição apoptótica), soltos da trabécula e com núcleos, picnóticos, fragmentados ou ausentes. Estas verdadeiras “múmias” celulares, refringentes e vermelhas, são os corpúsculos de Councilman-Rocha-Lima.

• Degeneração hialina de Mallory: os hepatócitos acometidos apresentam no citoplasma massas hialinas grumosas de tamanho e formas diferentes com bordas irregulares floconosas ou filamentosas. É mais comum na cirrose hepática alcoólica. A DH de Mallory corresponde basicamente a filamentos paralelos de disposição irregular e tamanhos diferentes. Isso ocorre porque os produtos metabólicos do álcool atingem estruturas da mitocôndria, dos microtúbulos e microfilamentos (que formam os filamentos irregulares citoplasmáticos).

• Degeneração hialina com deficiência de alfa-1 antitripsina: a deficiência congênita de alfa-1 antitripsina promove o acúmulo de material hialino protéico nas células do fígado. Esta deposição ocorre porque a enzima não está sendo excretada, se acumulando nos hepatócitos sob a forma de inclusões globulares de hialina (quando coradas pelo ácido periódico de Shift, demonstrando-se PAS+) de diferentes tamanhos dentro das cisternas do retículo endoplasmático. A alfa-1 antitripsina é uma antiprotease produzida pelos fagócitos mononucleares do fígado e lançada no plasma que mantém um equilíbrio nos processos inflamatórios, destruindo as proteases produzidas pelas células inflamatórias. Deficiências nesta enzima propicia o sujeito à enfisema pulmonar, pancreatite, cirrose hepática, hepatite neonatal com evolução pra cirrose.

• Degeneração hialina de Crooke: esta DH é uma alteração observada nas células basofílicas hipofisárias produtoras de ACTH na Síndrome de Cushing. São caracterizados por agregados de filamentos intermediários.

• Degeneração cerea de Zenker: é secundária a processos degenerativos e necróticos celulares associados à coagulação focal de proteínas citoplasmáticas que levam ao aparecimento de massas homogêneas acidofílicas (hialinas). Ocorre principalmente na musculatura esquelética dos retroabdominais, gastrocnêmio e diafragma nos casos de doenças febris graves como a febre tifóide, difteria e no choque anafilático. O sarcoplasma dos

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músculos citados se coagula, perda e estriação, assumindo um aspecto róseo, homogêneo (hialino) nos cortes rotineiramente corados pela HE.

DEGENERAÇÃO MUCÓIDE Degeneração mucóide celular acontece nas células epiteliais que produzem muco. Nas inflamações das mucosas (inflamação catarral), há acumulo excessivo de muco no interior das células. Em alguns cânceres, como do estômago, intestino e ovário, o aspecto gelatinoso observado na macroscopia é dado por células malignas que produzem muco em excesso. Acúmulo de muco intesticial (mucopolissacarídeos) pode acontecer no tecido conjuntivo cartilaginoso dos discos intervertebrais e meniscos do joelho, promovendo as hérnias de disco e ruptura dos meniscos; no conjuntivo das valvas cardíacas ou subendocárdio nos casos de doença reumática, artrite reumatóide e lúpus eritematoso. DEGENERAÇÃO GORDUROSA (ESTEATOSE) Degeneração gordurosa ou esteatose se refere ao acúmulo anormal de lipídeos no interior das células parenquimatosas. Como o fígado é o órgão diretamente relacionado com o metabolismo lipídico, é nele que vamos encontrar mais comumente a esteatose. Mas esta pode desenvolver-se em órgãos como coração (miocardite diftérica que leva a esteatose), musculatura estriada e rins. Para entender a esteatose, devemos relembrar um pouco do metabolismo lipídico que ocorre em nível hepático. Diariamente ingerimos cerca de 25g-105g de lipídeos, que são geralmente ingeridos sob a forma de triglicérides (TG). No intestino delgado, sob ação da bile (constituída de saís biliares+fosfolipídeos+colesterol), os lipídeos da dieta são emulsionados. Juntam-se a eles então o colesterol e vitaminas lipossolúveis através de uma micela de bile, formando desta maneira uma micela mista que vai progressivamente incorporando mais colesterol e vitaminas. O TG+fosfolipíeos+colesterol e seus ésteres+ácidos graxos livres+vitaminas lipossolúveis reagem no RE Liso com proteínas lá sintetizadas, formando partículas estáveis denominadas quilomicrons. Uma vez na circulação, os quilomicrons passam através dos sinusóides hepáticos, que possuem uma parede descontínua, caem no especo de Disse e são ofertados às vilosidades dos hepatócitos. Dos quilomicrons, os hepatócitos removem os TG, hidrolizando-os em ácidos graxos livres e glicerol. Os AG livres são usados para o metabolismo energético ou são esterificados no RER, onde são conjugados com proteínas (apoproteínas), formando lipoproteínas que são exportadas pelo hepatócito para serem utilizadas por outros órgãos.

Não só da dieta, mas os lipídeos que chegam aos hepatócitos têm origem do próprio tecido gorduroso corporal ou da própria célula hepática. Os TG no RER podem ainda servir como fonte de energia, ao serem convertidos em colesterol e ésteres que, incorporando fosfolipídeos, são oxidados em corpos cetônicos. De acordo com as necessidades, os TG dos adipóctios são transformados em ácidos graxos livres e colesterol. Os ácidos graxos circulam ligados à albumina, que é então fundamental na utilização da gordura dos depósitos. CAUSA DA ESTEATOSE E PATOGÊNESE Se interferimos em vários passos desse metabolismo, podemos determinar o acúmulo de lipídeos no interior dos hepatócitos. Por vezes, uma única agressão pode determinar alterações em mais de um passo metabólico. Portanto, o aumento de TG no fígado pode ter as seguintes causas e gêneses:

1. Entrada excessiva de ácidos graxos livres: • A fome e o jejum produzem o aumento da mobilização de lipídeos dos depósitos corporais ofertados ao

fígado e transformados em TG. No entanto, na falta de proteínas, carboidratos ou lipídeos na dieta (desnutrição), não há como formar depósitos de gordura ou mobilizar tais lipídeos. A criança que come apenas carboidratos, isto é, tem um desbalanço protéico, mas não calórico (doença de Kwashiokor), desenvolve fígado gorduroso.

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• Dieta hipercalórica estimula o fígado a produzir mais TG e, quando sobrecarregado, estocar patologicamente,

• O aumento de ingestão de alimentos, observado nas dietas hipercalóricas, produz entrada excessiva de ácidos graxos livres no fígado.

• A adrenalina, o hormônio de crescimento e os corticóides também aumentam a mobilização de gordura dos depósitos, produzindo fígado gorduroso.

• O diabetes mellitus ou a falta de insulina favorece uma lipólise, promovendo uma maior mobilização de ácidos graxos livres do tecido adiposo para o fígado, acumulando-se neste tecido.

2. Decréscimo na síntese protéica: • Um decréscimo na síntese protéica resulta em uma formação deficiente de lipoproteínas, o que diminui

a excreção de TG do fígado, os quais passam a se acumular no fígado. Intoxicação por tetraciclina pode resultar neste processo.

• Através da formação de compostos tóxicos no seu metabolismo, o Tetracloreto de carbono (CCl4) lesa o RE impedindo a síntese de apoproteínas, o que compromete a formação de lipoproteínas.

• O álcool produz esteatose por vários mecanismos que agem conjuntamente. No seu metabolismo hepático, há formação de acetoaldeídos que são tóxicos mitocondriais, diminuindo assim a função mitocondrial de oxidação de ácidos graxos e de produção de proteínas.

• Falta de colina e seu precursor, a metionina, que são aminoácidos essenciais para a formação de fosfolipídeos e a ausência deles na dieta leva à formação de moléculas lipoprotéicas instáveis sem o essencial revestimento fosfolipídico.

• Drogas como o bismuto, a tetraciclina e a dietilnitrosamina são drogas capazes de interferir com a síntese protéica e, portanto, na produção de lipoproteínas.

3. Diminuição na oxidação de ácidos graxos:

• Déficit de O2 (anemias prolongadas, insuficiência cardíaca e choque): a diminuição na oxidação dos ácidos graxos resulta, por outro lado, na melhor esterificação para TG, fazendo com que haja assim maior acúmulo deles dentro da célula. Outros agentes hepatotóxicos que inferem na mitocôndria também levam a esteatose. Neste caso está o álcool e seus metabólitos (principalmente, o acetoaldeído, que é tóxico à membrana do retículo endoplasmático rugoso e mitocondrias).

4. Aumento na esterificação de ácidos graxos:

• Álcool: a esterificação de ácidos graxos para TG tem participação ativa do alfa-glicerolfosfato, que está aumentado no alcoolismo devido ao aumento do glicerol plasmático, promovendo assim acúmulo de maior quantidade de TG na célula.

• Outro fator que envolve o álcool seria uma concorrência do etanol com os ácidos graxos: o etanol, por ser mais facilmente metabolizado, impede o catabolismo dos TG, os quais passam a se acumular no fígado.

5. Aumento de TG plasmáticos

• Álcool: promove elevação dos TG plasmáticos, determinando maior chegada de gordura ao fígado. • Diabetes: no diabetes descompensado também existe uma maior elevação dos ácidos graxos livres,

colesterol e TG plasmáticos, aumentando a síntese de TG no fígado e tecido gorduroso. Este aumento na lipólise é consequência da influência inibitória que a insulina exerce na liberação de gordura do tecido adiposo.

6. Obstáculo na liberação de lipoproteínas:

• Álcool: o álcool impede a união adequada dos lipídeos (TG) às proteínas para a formação de complexos lipoprotéicos, levando assim ao acúmulo intracelular dos TG.

• Ácido orótico: apresenta-se como agente de fígado esteatótico pelo mesmo mecanismo: impedindo a conjugação de TG a proteínas.

ASPECTOS MORFOLÓGICOS O fígado gorduroso, esteatótico, apresenta-se aumentado de volume e peso (pode chegar a mais de 3kg). Tem a cor amarelada e a consistência amolecida de um pacote de manteiga.

Microscopicamente, quando a esteatose é discreta, as gotículas são adjacentes ao RE e são vistas ao microscópio óptico como pequenos vacúolos no citoplasma, próximo ao núcleo. Com a progressão do processo os pequenos vacúolos se fundem para criar um espaço claro maior que preenche todo o citoplasma (cistos gordurosos), deslocando o núcleo perifericamente.

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As conseqüências da esteatose hepática são variáveis, dependendo da intensidade e da associação com outros fatores. Na maioria dos casos, a lesão é rapidamente reversível e, cessada a causa, a célula volta ao normal. Quando a esteatose é grave e duradoura, pode ocasionar morte do hepatócito com alterações funcionais do órgão e a progressão para a cirrose hepática.

Acredita-se que a fibrose que acompanha a esteatose esteja relacionada com o consumo de álcool, uma vez que este tem a capacidade de estimular a fibrinogênese hepática. OUTRAS CONDIÇÕES EM QUE HÁ AUMENTO DE LIPÍDEOS INTRACITOPLASMÁTICOS

1. Doenças do acúmulo (ou armazenamento): existem doenças por erro genético do metabolismo, cujo resultado é o acúmulo da substância não-metabolizada no organismo. Das doenças por acúmulo de substâncias de origem lipídica (lipidoses), as mais freqüentes são:

� Doença de Niemann-Pick: deficiência de esfingomielinase, acumulando esfingomielina. � Doença de Gaucher: acumulação de glicocerebrosideo � Doença de Tay-Sachs: acumulação de gangliosídeo.

2. Aterosclerose: nesta condição, de enorme importância na patologia humana,

existem acúmulos de colesterol e seus ésteres no interior de células musculares lisas e macrófagos da íntima da aorta, grandes vasos arteriais, coronárias e polígono de Willis. Com o tempo, estes agregados podem sofrer fibrose e outras complicações (calcificações, ulcerações, hemorragias, etc), levando à obstrução do vaso e consequente infarto.

3. Hiperlipidemias: nas hiperlipidemias, que podem ter origem genética (primárias) ou adquiridas (secundárias), existe um aumento dos níveis de colesterol plasmático. São exemplos de hiperlipidemias secundárias aquelas que acompanham o diabetes mellitus, a síndrome nefrótica e o hipotireodismo.