patentes e criações [fgv]

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  • 7/29/2019 Patentes e criaes [FGV]

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    JURDICA

    Pedro Paranagu

    Renata Reis

    Patentes eCriaes Industriais

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    ISBN 978-85-225-0745-0

    Copyright 2009 Pedro Paranagu e Renata Reis, alguns direitos reservados

    Esta obra licenciada por uma Licena Creative CommonsAtribuio Uso No Comercial Compartilhamento pela mesma Licena, 2.5 Brasil.

    Voc pode usar, copiar, compartilhar, distribuir e modificar esta obra, sob as seguintes condies:

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    Direitos desta edio reservados EDITORA FGV, conforme ressalva da licena Creative Commonsaqui utilizada:Rua Jornalista Orlando Dantas, 3722231-010 | Rio de Janeiro, RJ | BrasilTels.: 08000-21-7777 | 21-3799-4427Fax: 21-3799-4430E-mail: [email protected] | [email protected]

    www.fgv.br/editora

    Impresso no Brasil | Printed in BrazilOs conceitos emitidos neste livro so de inteira responsabilidade do autor.

    Este livro foi editado segundo as normas do Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa, aprovado peloDecreto Legislativo no 54, de 18 de abril de 1995, e promulgado pelo Decreto no 6.583, de 29 desetembro de 2008.

    1aedio 2009

    PREPARAODE ORIGINAIS: Luiz Alberto Monjardim

    DIAGRAMAO: FA Editorao Eletrnica

    REVISO: Aleidis de Beltran e Fatima CaroniCAPA: Gisela Abad

    Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

    Paranagu, PedroPatentes e criaes industriais / Pedro Paranagu, Renata Reis. Rio de Janeiro :

    Editora FGV, 2009.150 p. (Srie FGV Jurdica)

    Inclui bibliografia.ISBN: 978-85-225-0745-0

    1. Patentes. 2. Propriedade industrial. I. Reis, Renata. II. Fundao Getulio Vargas.III. Ttulo. IV. Srie.

    CDD 342.271

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    Sumrio

    Introduo 11

    1. Patentes de inveno e patentes de modelo de utilidade 13

    O sistema de patentes 13O papel das patentes na inovao 13Patentes: controvrsias tericas 16

    As patentes como fator de estmulo inveno 18A patente como instrumento para medir odesenvolvimento tecnolgico 21

    Patentes de inveno e patentes de modelo de utilidade 23

    Que uma patente de inveno? 23Que uma patente de modelo de utilidade? 25Inveno versusdescoberta 25

    Tipos de patentes de inveno 27Comparao entre patente de inveno e modelode utilidade 28

    Certificado de adio 30Papel e funcionamento do Instituto Nacional de

    Propriedade Industrial (Inpi) 31Procuradores e agentes de propriedade industrial 31

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    2. Patentes e bases legais: escopos internacional

    e nacional 33

    Bases internacionais da propriedade industrial 33A Conveno da Unio de Paris (CUP) 33Princpios basilares da CUP 34

    A Organizao Mundial da Propriedade 37Intelectual (Ompi)

    A Organizao Mundial do Comrcio (OMC) 38

    O Acordo Trips ou ADPIC 40

    Propriedade industrial na Constituio brasileira 42O art. 5o da Constituio Federal 42Proteo industrial versusprincpio constitucionalda livre concorrncia 45

    A lei brasileira de propriedade industrial 46

    O Cdigo de Propriedade Industrial de 1971 46Breves apontamentos sobre o projetoda Lei no 9.279/96 47

    A Lei no 9.279/96 48Principais alteraes trazidas pela nova Lei dePropriedade Industrial 52

    Patentes no Brasil: possibilidade de pedido e titularidade 53Requisitos de patenteabilidade 53Matria no considerada como inveno ou modelode utilidade 54O que no patentevel? 57

    A quem pertence a inveno ou o modelo de utilidade

    realizado por empregado ou prestador de servios? 58

    3. Caminhos da concesso das patentes brasileiras 61

    Depositar no patentear 61

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    A busca prvia e os densos bancos de patente 62O pedido de patentes: exigncias 64Depsitos provenientes do exterior e o PCT 66Prioridade unionista 68Depositei o pedido, mas quero produzir a inveno:e agora? 69

    Desdobramento de pedidos de patentes e publicao dos

    pedidos 71

    O conceito inventivo e a possibilidade dedesdobramento dos pedidos 71Perodo de sigilo 73Efeitos da publicao 74Exceo ao princpio da publicao 74

    Exame tcnico 75

    Exame formal preliminar 75Requerimento de exame: quem requer? Quando? 75Novidade: requerimentos de exame prioritrio 76Subsdios ao exame: a lei brasileira e as oposies 77

    Concesso e vigncia das patentes de inveno 80Quando nasce uma patente? 80Prazo de validade de uma patente e de um modelo deutilidade 80

    A proteo conferida 81Exausto de direitos das patentes 82

    4. Desfazendo ns: extino, flexibilidades, nulidades e

    infraes patentrias 85

    Infraes e extino dos direitos concedidos pela carta patente 85Explorao indevida do objeto da patente 85Do usurio anterior de boa-f 86Causas de extino de patente de inveno 88

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    Flexibilidades do Trips e como foram incorporadas no

    ordenamento jurdico brasileiro 92Solues imperfeitas para um sistema imperfeito 92O que o Acordo Trips permite? 94Incorporaes moda brasileira: o que prevnossa legislao? 96Licenas compulsrias: limites e possibilidades 98

    Nulidade de patentes 101

    A amplitude da possibilidade de nulidade patentria 101Os efeitos da nulidade no tempo 101Processo administrativo de nulidade (PAN) 102

    Aes judiciais de nulidade 104

    Crimes contra patentes e prescrio 106Atos considerados crimes contra patentes 106

    Abrangncia civil e penal e reivindicaes constantesda carta patente 109

    A prescrio para reparar danos causados aos direitosde propriedade industrial 112

    5. Questes atuais sobre patentes de inveno: vendo o

    noticirio e entendendo a notcia 113

    Patentes farmacuticas 113A garantia da sade no Brasil e o acesso aantiretrovirais (ARVs) 114

    A licena compulsria do medicamento Efavirenzno Brasil 117

    A Declarao de Doha 119

    A anuncia prvia da Anvisa 120O caso indiano 122

    Patentespipeline no Brasil 123

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    Que so patentespipeline? 123Operacionalizao dopipeline 124O questionamento da constitucionalidade daspatentespipeline 127

    Patentes de biotecnologia 132Biotecnologia e patentes 133Biotecnologia e patentes no Brasil 136Projetos de lei sobre a matria 137

    Bibliografia 141

    Sobre os autores 149

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    Introduo

    Este livro se destina a todos aqueles que lidam com tecnologia,inovao, invenes e patentes, e tem por objetivo apresentar umaviso atualizada do arcabouo legal que embasa o sistema de pa-tentes de inveno e dos modelos de utilidade. Mostra a impor-

    tncia da patente nos cenrios internacional e nacional, as formasde proteo das criaes tcnicas, a estrutura dos documentos depatentes, seu preparo e tramitao, e sua utilizao como fontede informao tecnolgica. Por fim, aborda questes atuais epouco exploradas, como as patentes farmacuticas, as patentes

    pipelinee as patentes de biotecnologia.

    O livro est dividido em cinco captulos. O primeiro abordaos aspectos tericos relativos s patentes. Inicialmente tecemosalgumas consideraes sobre as patentes de inveno e os mode-los de utilidade, mostrando suas principais caractersticas e dife-renas. Por ltimo, tratamos do Instituto Nacional de PropriedadeIndustrial (Inpi), rgo responsvel no Brasil pelo processamen-

    to, anlise e concesso das patentes.No segundo captulo apresentamos o arcabouo legal daspatentes, mostrando os principais tratados e acordos internacio-nais que regem a matria, os direitos patrimoniais e morais e a

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    questo do domnio pblico, bem como os aspectos gerais da leibrasileira de propriedade industrial.

    No captulo 3 percorremos os caminhos da concesso daspatentes no Brasil, analisando seus principais aspectos legais.

    O quarto captulo aborda os crimes contra patentes, as pos-sibilidades de extino e nulidade, e as flexibilidades da lei brasi-leira temas controvertidos e importantes para depositantes etitulares, bem como advogados, engenheiros, bilogos e qumi-

    cos especializados no assunto.O captulo final focaliza temas de relevncia nacional e in-ternacional envolvendo patentes, tais como a recente licena com-pulsria da patente do Efavirenz e as patentespipeline, entre outros.

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    1 Patentesde invenoe patentes demodelo de

    utilidade

    O sistema de patentes

    O papel das patentes na inovao

    As patentes esto na ordem do dia. Num mundo cada vez

    mais baseado em tecnologia, as patentes tornaram-se ttulosdisputados pelos setores pblico e privado, j que conferemexclusividade a seu titular para explorar seu invento. Em vir-tude disso, as patentes seguem procedimentos mais comple-xos e mais rigorosamente regulamentados do que outras formasde proteo.

    As patentes de inveno, principal forma de proteo no es-copo das patentes, visam assegurar que uma inovao tecnolgicatenha um titular reconhecido, de modo que o inventor ou o li-cenciado possa usufruir de exclusividade de explorao por umdeterminado tempo. As inovaes tecnolgicas so processos de-correntes de um conjunto de atividades que levam a introduzirpela primeira vez no mercado uma idia em forma de produtos

    ou processos novos ou melhorados. A questo da apropriao deuma tecnologia atravs do sistema de patentes toma corpo atual-mente, dada a sua importncia para a competitividade e o desen-volvimento da indstria.

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    Vejamos, inicialmente, algumas informaes fornecidas peloMinistrio da Cincia e Tecnologia (MCT) sobre o perfil da ino-

    vao privada no Brasil: em 2000, o Brasil possua mais de 72 mil empresas industriais

    com 10 ou mais pessoas ocupadas e cuja receita lquida devenda global ultrapassou R$ 582 bilhes;

    destas empresas, 19 mil implementaram produtos e/ou pro-cessos tecnologicamente novos ou substancialmente aprimo-

    rados, investindo, para tanto, R$ 22,3 bilhes; mais de 7 mil empresas realizaram dispndios em atividades

    internas de pesquisa e desenvolvimento (P&D), ocupando maisde 20 mil tcnicos de nvel superior, dos quais quase 3 milcom ps-graduao;

    em 2003, com a evoluo da economia, o nmero de empre-

    sas com 10 ou mais pessoas ocupadas cresceu 17%, passando a84.262;

    alm disso, o nmero de empresas que implementaram inova-es cresceu 23%, mostrando uma tendncia de aumento dosgastos com atividades internas de P&D (36%) e do nmerode tcnicos de nvel superior ocupados em tais atividades (8%).

    Desde logo, cabe informar que no h consenso entre os es-tudiosos quanto relao direta entre inovao, patentes e desen-volvimento. Alguns autores destacam a importncia da inovaopara impulsionar a competitividade ampliando os mercados, en-quanto outros sustentam que o excesso de proteo podedesacelerar as inovaes.

    A economista Judith Penrose,1 uma das principais estudiosas

    do sistema de patentes no perodo de 1950 a 1970, considera

    1 Apud Tachinardi, 1993.

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    duvidosa a premissa de que a concesso de direitos de proprieda-de a inventores estrangeiros, por exemplo, estimule internamen-te a inveno num dado pas. A seu ver, o monoplio de umatecnologia pode, ao contrrio do esperado, afugentar os empre-srios e faz-los reorientar seu capital para outros campos, umavez que o interesse maior do detentor de uma patente retardar odesenvolvimento de seus concorrentes.

    Por exemplo, se um setor inovador desenvolver um elevado

    grau de apropriao industrial atravs de patentes, ele poder setornar monopolista, dificultando o acesso aos consumidores fi-nais de seus produtos ou processos. Alm disso, em algumas in-dstrias, vrias empresas podem possuir direitos de propriedadeintelectual sobre fraes de uma inovao. Assim, a utilizao datecnologia exige o licenciamento cruzado, sendo necessrio queos usurios dessa tecnologia entrem em acordo com os diversos

    detentores dos direitos proprietrios para poderem operar legal-mente no mercado.2 Esse malabarismo jurdico envolve tempo,recursos e mo de obra especializada, de modo que o inovadorpode desistir, dirigindo seus esforos para outros campos.

    Costuma-se enfatizar, na literatura especializada, a relaodireta entre inovao tecnolgica, patentes e crescimento econ-

    mico. A gerao de novo conhecimento tcnico geralmente con-siderada essencial ao aumento da produo e da competitividadeda indstria. A necessidade das naes de se adequarem novaordem induz adoo de medidas capazes de estimular a criaoe manter o fluxo de inovaes.3 Assim, uma das formas de desen-volver prticas inovadoras seria a proteo da criao atravs delegislaes sobre propriedade industrial.

    2 Carvalho e Pessanha, 2001.3 Scholze, 2002a.

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    Rapp e Rosek (1990), por sua vez, reforam a ligao entredesenvolvimento econmico e ampliao das inovaes atravs

    de patentes, alegando que os pases que possuem um sistema depatentes bem estruturado experimentam crescimento econmi-co mais rpido por trs razes: primeiramente, porque os direitospatentrios estimulam o crescimento econmico, podendo essespases esperar maior fluxo de invenes e maiores investimentosem atividades inovadoras; em segundo lugar, a proteo inade-

    quada dos direitos de propriedade industrial est ligada ao atrasoeconmico; e, finalmente, h maior desenvolvimento econmi-co, pois as patentes e outros mecanismos protetores aumentamas perspectivas de vendas e lucros derivados.

    Esse tema tem suscitado acalorados debates entre os pesqui-sadores em todo o mundo, e h sinais de que tal discusso setornar ainda mais acirrada, medida que os argumentos e as

    evidncias empricas tomam corpo e se aprofundam.

    Patentes: controvrsias tericas

    No so poucos os crticos do sistema de patentes, notada-mente nos pases que se ressentem de dependncia tecnolgica e,portanto, arcam com altos pagamentos de royaltiese possuem

    balanas comerciais desfavorveis.Os problemas ligados aos privilgios advindos de patentes,sobretudo no caso dos pases em desenvolvimento, tm a ver coma dificuldade de implantar uma poltica nacional efetiva de pro-teo de seus interesses em face de outras naes; com a disparidadeno desenvolvimento de tecnologias e na apropriao do conheci-mento gerado, j que ambas as coisas exigem recursos financeiros

    altos e de risco; e com a desigualdade na distribuio, para a so-ciedade, dos lucros advindos das patentes.

    Ainda segundo Judith Penrose, o sistema internacional depatentes favorece apenas o interesse de grandes grupos indus-

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    triais sediados em pases desenvolvidos, com infraestrutura ade-quada e alto nvel de inovao, sendo nulos os ganhos dos peque-nos pases industrializados e dos pases no industrializados. Abalana seria perversa para estes ltimos, pois nada receberiampela utilizao das invenes estrangeiras, e o volume do que pa-tenteiam e arrecadam no exterior nfimo, se no inexistente.

    Assim, por exemplo, se um hipottico pas Alfa possui uma in-dstria incipiente ou mesmo no conta com determinada inds-

    tria em seu territrio, todos os bens que as empresas dessesegmento produzem no exterior e patenteiam em Alfa sero ad-quiridos pelos consumidores desse pas, onerados pelos direitosconcedidos aos titulares das patentes, e Alfa no poder concor-rer produzindo localmente esses produtos. Tal situao se agra-vou com o Acordo Trips, determinando que os pases devemconceder patentes para todos os campos tecnolgicos.

    Outro aspecto criticado o acesso ao conhecimento, que paraalguns, como a fsica e filsofa indiana Vandana Shiva (2001), de-veria ser irrestrito. Essa autora alega que as patentes so mtodosexclusivos de acumulao de capital e de execuo de biopirataria,alm de mecanismo de controle dos pases ricos sobre os pobres.

    O tempo de proteo do invento tambm suscita crticas.Um prazo excessivamente longo traria prejuzos para a sociedade,em contraposio a lucros muito acima do preo de custo para osproprietrios do direito de exclusividade. O acordo Trips estabe-leceu proteo mnima de 20 anos para patentes de inveno.

    Alguns tratados de livre-comrcio (TLCs),4 bilaterais ou regio-

    4

    Tais tratados consideram o aumento temporal necessrio para compensar o atra-so da concesso da patente. Por exemplo, os TLCs entre EUA e Chile (2003) eentre EUA e Cingapura (2003); o Tratado de Livre-Comrcio da Amrica doNorte (Nafta), envolvendo EUA, Canad e Mxico; e o Tratado de Livre-Co-mrcio da Repblica Dominicana, Amrica Central e EUA (DR-Cafta).

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    nais, firmados entre pases desenvolvidos e pases em desenvolvi-mento prolongam o tempo estabelecido pelas leis nacionais, esti-pulando mais tempo de proteo exclusiva.

    Entre os economistas h tambm crticas ao sistema patentriono que se refere limitao livre concorrncia, que pode serprejudicial aos consumidores e ao livre-comrcio. A grande ques-to, no caso, saber se a recompensa aos inovadores e os poten-ciais incentivos inovao compensam os custos da criao de

    ilhas de monoplios jurdicos e se h perspectivas de benefciospara os pases em desenvolvimento.

    Por outro lado, as consideraes sobre as vantagens e os cus-tos do sistema de patentes so abundantes e, por si s, constitui-riam tema para um livro parte. Aqui no se tem a pretenso detrat-las exaustivamente, tendo em vista a limitao de tempo eespao. Porm, um ponto-chave na discusso mundial que se tra-va sobretudo na OMC e nos acordos bilaterais entre pases de-senvolvidos e em desenvolvimento a uniformizao de regrasmonopolsticas para bens essenciais, como medicamentos e se-mentes, e bens no essenciais, como produtos estticos e algunsobjetos eletroeletrnicos, por exemplo. Essa uniformizao re-sultaria talvez em maior equilbrio nos marcos regulatrios, res-

    peitando-se os diferentes nveis de desenvolvimento de cada pas.

    As patentes como fator de estmulo inveno

    Alguns especialistas, no entanto, veem as patentes como ins-trumento de divulgao cientfica, dada a obrigatoriedade de tor-nar pblicas as informaes descritivas dos inventos. Os direitos

    de exclusividade, ainda que temporrios, podem apresentardistores ao trazer preos monopolsticos. Contudo, a divul-gao de informaes contidas nas patentes de certa forma umacontrapartida social do direito de exclusividade, j que o titular

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    da patente revela ao pblico em geral todos os passos do inventopara que mais tarde, quando a patente cair em domnio pblico,ele possa ser livremente produzido por qualquer interessado. Adescrio do invento atravs das patentes tambm pode impediro surgimento dos segredos industriais, que, apesar de permitidospela legislao, em nada contribuem para o desenvolvimento ci-entfico e tecnolgico. Para os defensores desse ponto de vista, afuno social da propriedade que logicamente inclui a pro-

    priedade industrial , apregoada pelas legislaes de muitospases, estaria assim resguardada.Denis Barbosa (2002e) afirma que o objetivo principal de

    um pas, ao conceder patentes, promover a industrializao lo-cal. No entanto, a seu ver, o sistema de patentes isoladamentemostra-se um instrumento ineficaz para alterar um quadro deestagnao industrial. Assim, a existncia de monoplios jurdi-

    cos de inveno numa legislao que enfatiza a produo localfacilitaria o fomento da indstria nacional, caso esteja aliado aoutras polticas industriais. Posicionamento intermedirio entendeser possvel e salutar a proteo do conhecimento, desde que vis-lumbrado como uma recompensa material ao esforo e ao inves-timento empregados, e como uma benesse pblica, estimulando

    o desenvolvimento da cincia.Em relao s crticas feitas ao sistema de patentes no que tan-ge ao longo prazo de proteo o que supostamente acarretariadanos sociedade , h vozes discordantes que alegam que umprazo excessivamente curto poderia significar uma taxa de retornodo investimento privado inibidora do processo de inovao.5

    H quem defenda que a complexidade do sistema industrial

    moderno e a velocidade dos avanos tecnolgicos impem a ado-

    5 Pereira, 1993.

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    o de mecanismos protetores e disciplinadores, para no haverproblemas na maturao de novas tecnologias nem infrao dapropriedade privada.6

    No obstante o surgimento de uma nova concepo de socieda-de, a chamada sociedade do conhecimento, a questo da apropria-o do saber tcnico se faz ainda mais premente: o deslocamento doparadigma de sociedade industrial para sociedade do conhecimentocoloca no centro da discusso o conhecimento e sua gesto como fato-

    res relacionados capacidade competitiva da empresa e pases.7

    O mundo desenvolvido convive hoje amplamente com osdireitos ligados a inovaes industriais. Embora se possa concor-dar que o sistema encontra dificuldades reais de execuo, o fato que o grande capital dispe de meios legais e econmicos parasuper-las, se no com um nvel timo de vantagem, pelo menoscom a menor desvantagem possvel. Tambm no seria temerrio

    afirmar que essa mxima no se aplica aos pases em desenvolvi-mento, nem ao setor pblico, mais afastado da prtica mercado-lgica da tecnologia. Assim, o impacto das patentes e os resultadosde uma poltica ineficiente de proteo industrial provavelmentesero mais sentidos nos pases menos desenvolvidos, em virtudeda maior fragilidade do mercado, da abundncia (em muitos ca-

    sos) de matria-prima e recursos naturais, e da menor sofistica-o de outras regulaes concorrenciais que poderiam minoraros desajustes e abusos. Dessa forma, preciso que os profissionaise os pesquisadores, sobretudo nos pases mais atingidos, conhe-am as regras de propriedade industrial e as utilizem da melhorforma possvel, visando ao desenvolvimento tecnolgico e socialde empresas, universidades e pases.

    6 Furtado, 1996.7 Fujino, Stal e Plonsky, 1999.

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    A patente como instrumento para medir o desenvolvimento

    tecnolgico

    As patentes tm sido cada vez mais utilizadas como instru-mento de mensurao do resultado da pesquisa tecnolgica reali-zada nos pases. Os nmeros de patentes depositadas e de cartaspatentes concedidas refletem os esforos em P&D por eles em-preendidos. Tais nmeros revelam o grau de acumulao de capi-tal intelectual e de competncia tecnolgica de um determinado

    pas. Para ilustrar a medio de esforos em P&D e inovao,vejamos a tabela.

    Total de empresas no Brasil e nmero das que

    implementaram inovaes, com indicao de depsitosde patentes e de patentes em vigor no pas, por regies e unidades

    da Federao, 1998 a 2000 e 2001 a 2003

    Que implementaram inovaes

    Regies Perodo Total Com depsito Com patente

    Total de patente em vigor

    Brasil 1998 a 2000 72.005 22.698 1.827 1.930

    Regio Norte 2001 a 2003 84.262 28.036 1.721 1.399

    1998 a 2000 1.965 588 22 33

    Amazonas 2001 a 2003 2.498 872 22 22

    1998 a 2000 428 225 12 23Par 2001 a 2003 530 203 14 16

    1998 a 2000 743 124 7 5

    Regio Nordeste 2001 a 2003 1.106 378 6 4

    1998 a 2000 6.799 2.119 75 122

    Bahia 2001 a 2003 8.194 2.653 57 72

    1998 a 2000 1.502 461 5 7

    Cear 2001 a 2003 1.928 641 2 2

    1998 a 2000 1.471 511 52 36

    Pernambuco 2001 a 2003 1.785 603 6 10

    1998 a 2000 1.411 485 7 9

    Regio Sudeste 2001 a 2003 1.674 485 10 51

    1998 a 2000 41.502 12.647 1.124 1.210

    Continua

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    Que implementaram inovaes

    Regies Perodo Total Com depsito Com patente

    Total de patente em vigor

    Esprito Santo 2001 a 2003 46.922 14.724 1.011 805

    1998 a 2000 1.972 468 5 8

    Minas Gerais 2001 a 2003 1.776 645 12 18

    1998 a 2000 8.272 2.303 100 92

    Rio de Janeiro 2001 a 2003 10.028 3.503 148 90

    1998 a 2000 4.661 1.212 82 78

    So Paulo 2001 a 2003 5.468 1.367 58 41

    1998 a 2000 26.597 8.664 938 1.031Regio Sul 2001 a 2003 29.650 9.209 793 656

    1998 a 2000 18.502 6.349 595 499

    Paran 2001 a 2003 22.245 8.391 597 466

    1998 a 2000 6.030 1.890 137 117

    Rio Grande do Sul 2001 a 2003 7.057 2.607 150 106

    1998 a 2000 7.204 2.413 292 279

    Santa Catarina 2001 a 2003 8.273 3.304 293 246

    1998 a 2000 5.268 2.046 166 104

    RegioCentro-Oeste 2001 a 2003 6.915 2.480 153 114

    1998 a 2000 3.238 995 12 66

    Gois 2001 a 2003 4.403 1.396 35 33

    1998 a 2000 1.398 464 6 17

    Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Departamento de Indstria, Pesquisa Industrial-Inovao

    Tecnolgica 2000 e 2003. Elaborao: Coordenao Geral de Indicadores, Ascav/Sexec, Ministrio

    da Cincia e Tecnologia.

    Nota: Foram consideradas as empresas industriais com 10 ou mais pessoas ocupadas e que

    implementaram produto e/ou processo tecnologicamente novo ou substancialmente aprimorado.Atualizada em: 28 mar. 2006.

    No entanto, h limitaes nessas informaes, uma vez quemuitos pases no adotam a poltica de registrar patentes.

    Os indicadores de patentes depositadas e concedidas vm sesomar a uma estrutura maior de mensurao de atividades de

    cincia e tecnologia (C&T).8 Segundo os manuais metodolgicos

    8 Tais como a contabilizao do dispndio interno bruto em P&D e de recursoshumanos em P&D.

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    PATENTES DE INVENO E PATENTES DE MODELO DE UTILIDADE 23

    internacionalmente aceitos,9 C&T compreende as atividades depesquisa e desenvolvimento experimental P&D e ativida-

    des cientficas e tcnicas correlatas ACTC.Juntamente com os indicadores de patentes, costuma-se uti-

    lizar a bibliometria para medir os resultados das atividades deC&T, considerando que os resultados mais provveis de pesqui-sas so publicaes ou patentes (utilidades tcnicas). A bibliometriapode ser definida como a disciplina que mede e analisa a produ-

    o ou outputda cincia sob a forma de artigos, publicaes, cita-es e outros indicadores derivados mais complexos.10 O Brasilconstantemente criticado por no proteger os conhecimentosque desenvolve atravs de pesquisas em universidades e centrosde investigao. A livre circulao de conhecimento, atravs dapublicao irrestrita da informao cientfica, uma mxima daforma de operar as universidades no mundo. As patentes so uma

    nova maneira, ainda pouco utilizada no pas, de demonstrar ograu de inovao dos grupos de pesquisa.

    Patentes de inveno e patentes de modelo de utilidade

    Que uma patente de inveno?

    Os criadores de objetos ou mtodos capazes de propiciarnovos resultados industriais tm assegurado o direito (alienvelatravs de licena ou cesso) de obter patente da propriedade deinvento e a exclusividade de utilizao do bem patenteado, medi-ante deferimento por rgo especfico. A titulao que comprovaesse direito o certificado de patente de inveno, expedido peloEstado, mediante o cumprimento de uma srie de exigncias le-

    9 Como, por exemplo, oManual Frascatie o Manual de Oslo.10 Okubo, 1997.

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    gais. A propriedade no perptua: findo o prazo de proteo(no Brasil, 20 anos), o bem cai em domnio pblico. SegundoChavanne e Burst,

    O direito de patente de inveno o ttulo, fornecido pelo Estado,

    que confere a seu titular um direito exclusivo de explorao da

    inveno de que objeto. O inventor que oferece sociedade um

    produto novo ou um processo novo quer que lhe seja reconheci-

    do, a seu pedido, um direito privativo em troca da revelao dosmeios de sua inveno. Esse direito exclusivo traduz-se em um

    direito de propriedade sobre conhecimentos tcnicos. O direito de

    patente , portanto, um direito de propriedade que diz respeito a

    conhecimentos apropriados pelo titular; a apropriao realizada

    pela concesso de patente.11

    A patente confere ao seu possuidor o direito de impedir queterceiros, na ausncia de seu consentimento, produzam,comercializem, utilizem ou importem com esses propsitos oproduto objeto da patente.

    Patentear descobertas significa obter monoplio12 tempo-rrio da explorao em escala industrial de determinado bem, oque leva o consumidor desse bem a adquiri-lo com o valor agre-gado da tecnologia empregada em sua criao. Uma vez protegi-do o produto, sua explorao sem consentimento do inventor oudo licenciado poder ocasionar demandas judiciais, tanto civisquanto penais, buscando o ressarcimento de danos causados aoreal criador. Portanto, proteger o conhecimento assegurarmercados e diminuir riscos de cpias indesejveis.

    11 Apud Scholze, 2002a:80-81.12 Esse termo, considerado impreciso pela seara econmica, amplamente utiliza-

    do pela literatura especializada em propriedade industrial.

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    Que uma patente de modelo de utilidade?

    Modelo de utilidade o objeto de uso prtico, ou partedeste, suscetvel de aplicao industrial, que apresente nova for-ma ou disposio, envolvendo ato inventivo, que resulte emmelhoria funcional no seu uso ou em sua fabricao.13

    Essa modalidade de patente est associada melhoria funcionalno uso ou fabricao de objetos conhecidos, ou seja, possui menorgrau de inventividade e por isso goza de um perodo de proteo

    menor que as patentes de inveno, como veremos adiante.So exemplos prticos e conhecidos de modelos de utilida-

    de:14 o grampo de cabelo em cujas extremidades foram colocadosprotetores para no machucar o usurio; o canudo em cuja partemdia superior foram criadas dobras em forma de sanfona, quepermitem uma curvatura em vrios ngulos, propiciando ao usu-rio maior comodidade na ingesto de lquidos.

    Invenoversus descoberta

    As descobertas no so consideradas invenes15 e, portanto,no so passveis de patenteamento. A mera descoberta no re-sulta,per se, de uma criao humana, no fazendo jus categoriade inveno, caracterstica essencial s patentes. Porm, tema

    polmico a mensurao do nvel de interferncia humana neces-srio para que algo deixe de ser uma descoberta e passe a ser con-siderado uma inveno.

    Essa questo ganha vulto com o nmero crescente dos dep-sitos e concesses de patentes biotecnolgicas. O patenteamentode alguns produtos e processos pode colidir com o requisito da

    13 Art. 9o da Lei no 9.279/96, a chamada Lei de Propriedade Industrial (LPI).14 Souza, 2003.15 Art. 10 da LPI.

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    atividade inventiva,16 na medida em que h uma relao por de-mais tnue entre descoberta e inventividade. Os argumentos re-

    ferentes proibio do patenteamento de descobertas ressaltam,por exemplo, que as inovaes biolgicas carecem de capacidadeinventiva, originando-se da manipulao ou recombinao demateriais genticos preexistentes ou, ainda, do isolamento de pro-dutos e substncias que ocorrem na natureza, tratando-se, por-tanto, de descobertas, e no de invenes.

    Para tentar esclarecer a questo, citamos dois exemplos apon-tados por Chamas (2006): a sentena Antamanid, do tribunal competente em matria de

    propriedade industrial da Alemanha (Bundespatentgericht), de28 de julho de 1977, tratou dos limites entre descoberta e in-veno. Uma reivindicao para um decapeptdeo cclico deno-minado Antamanid uma substncia de ocorrncia na natureza,presente no fungogreen amanite foi concedida com base nodesenvolvimento de tcnica de isolamento e de preparao dasubstncia, conferindo-lhe valor econmico. O requisito novi-dade tambm foi atendido, uma vez que no havia conheci-mento prvio da sua existncia entre os especialistas no tema;

    o microbiologista Mohan Chakrabarty trabalhava com a bac-tria Pseudomonas, modificada geneticamente para degradar

    hidrocarbonetos de petrleo e potencialmente til em situa-es de derramamento de leo. O pedido de patente, deposi-tado em 1972, foi rejeitado pelo United States Patent andTrademark Office, uma vez que seu objeto foi consideradoproduto da natureza. A deciso final, no entanto, apresentou-se favorvel ao inventor, influenciando fortemente outros pa-ses e regies, desde a dcada de 1980 at os dias atuais. A

    interpretao da Corte considerou a inveno patentevel, posto

    16 Ver captulo 2

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    que a bactria era isolada de seu meio, apresentando caracte-rsticas diferentes da bactria encontrada na natureza e preen-

    chendo o pr-requisito de utilidade.

    Definir quando uma descoberta cientfica passa a ser considera-da uma inveno e pode ser patenteada questo bastante contro-versa. Deve-se ter sempre em mente que as patentes constituemexcees ao princpio da livre concorrncia e da livre circulao deconhecimento, sendo portanto recomendveis interpretaes restri-

    tivas por parte dos examinadores de patentes e julgadores em geral.Tipos de patentes de inveno

    As patentes podem ser classificadas quanto ao seu objeto empatentes de processo e de produto. Ambos os modos devemconstituir mecanismos para se obter solues para um determi-nado problema tcnico. Vejamos os dois tipos separadamente: patente de processo quando o objeto da patente refere-se a

    formas de obter determinado resultado de ordem tcnica. Pode-sedizer que os processos dignos de patentes de inveno constituemuma srie de aes humanas, mecnicas ou qumicas que ao fimlevaro a um resultado. Cabe ressaltar que as patentes de modelode utilidade jamais sero de processo. Por exemplo: um processoespecfico para fabricao do polmeroXou do filme fino Y;

    patente de produto quando a tecnologia patenteada umobjeto fsico determinado. Por exemplo: antena bidirecional,bateria para celular etc.

    Alguns autores discorrem tambm sobre patentes de aparelho,que so patentes de produto cuja incluso numa reivindicao noofenderia o requisito da unidade da patente. Assim, seria possvel

    reivindicar simultaneamente um produto e o aparelho para fabric-lo.17 Por exemplo: um dispositivo de preparo de mistura industrial.

    17 Barbosa, 2002d.

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    Comparao entre patente de inveno e modelo de utilidade

    Na maioria dos casos, a diferena entre patentes de invenoe modelo de utilidade aparente, e no h o risco de confusopor ocasio do depsito do titular.

    No caso de depsito de patente de inveno as exigncias somaiores, uma vez que a proteo conferida tambm maior. Odepositante precisa ento buscar referncias na concorrncia, com-provando que o processo ou produto depositado til, e apontar

    as vantagens de sua inveno.A patente de modelo de utilidade, em regra, exige menos

    detalhamento, j que se trata de melhoria na utilizao de um objeto.

    F i g u r a 1

    Exemplo de modelo de utilidade: parafuso canuladopara cirurgia ortopdica

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    Este modelo de utilidade se refere a um parafuso canulado,

    aplicado como implante ortopdico. O parafuso compreende um

    corpo alongado (1) provido de canal interno (5), o qual possui

    uma ponte de penetrao (6) com rosca soberba e hlices (7)

    dotadas de ranhuras (8), seguida por uma seo lisa (9) com ros-

    ca (10) em toda sua extenso e, finalmente, uma seo triangular

    (11) tambm com rosca (10), sendo dito parafuso provido de

    uma arruela (3) e conjunto de porca (2) e contraporca (4).

    F i g u r a 2

    Exemplo de patente de inveno: monitortrmico da fermentao

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    Esta inveno se refere a um equipamento especialmentedesenvolvido para monitorar, em tempo real, o efeito trmico

    decorrente dos processos fermentativos. O monitor trmico dafermentao desenvolvido compreende duas celas (1; 2), sendouma cela de reao (1) e uma cela de referncia (2), ambas do-tadas de um sensor trmico Peltier (3; 3') fixado na base defrascos (4; 4') por uma de suas faces e, por outra, a trocadoresde calor (5; 5') providos de aletas suportes (8; 8'), sendo ditosfrascos (4; 4') de cobre niquelado, providos de tampas de PVC(15; 15') e recobertos com material isolante (6; 6') e dispostosno interior de caixas de alumnio (7; 7'). A cela de reao (1)possui ainda uma resistncia eltrica (9), um sensor de tempe-ratura (10) e tubos de alimentao (14) e de sada (11) para usoem processos contnuos.

    Certificado de adio

    O depositante do pedido ou titular da patente de invenopode requerer, mediante pagamento de retribuio especfica,certificado de adio.18 Tal certificado, que uma novidade trazidapela LPI de 1996, visa proteger um aperfeioamento elaboradoem matria para a qual j se tem um pedido ou mesmo a patenteconcedida. No necessrio que o objeto do certificado de adi-

    o tenha atividade inventiva, desde que a matria se inclua nomesmo conceito inventivo.As modificaes que se transformam em certificados de adi-

    o so, em geral, detalhamentos de uma patente ou depsito eno constituem inovao suficiente que merea novo depsito ounova patente.

    O certificado de adio acessrio patente, e seu prazo

    finda quando findar o prazo da patente principal.

    18 Art. 76 da LPI.

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    Papel e funcionamento do Instituto Nacional dePropriedade Industrial (Inpi)

    O Inpi uma autarquia federal criada em 1970 e sediada noRio de Janeiro.19 Vinculado ao Ministrio do Desenvolvimento,Indstria e Comrcio Exterior, veio substituir o antigo Departa-mento Nacional de Propriedade Industrial (DNPI). Alm de tra-tar das questes clssicas ligadas a marcas e patentes, atualmentecuida tambm de averbao dos contratos de transferncia de

    tecnologia, registro de programas de computador, contratos de fran-quia empresarial e registro de desenho industrial e de indicaesgeogrficas. Cabe ao Inpi processar os pedidos de patente, realizaro exame que atestar ou no sua conformidade com a lei nacionale por fim expedir a carta patente ou mesmo indeferir o pedido.

    O Inpi, como qualquer membro da administrao pblica,est, em todos os seus atos, sujeito ao dever de atingir determinada

    finalidade legal que, em ltima anlise, se consubstancia na tutelado interesse pblico e social. O interesse pblico o principal cri-trio balizador da atividade administrativa, uma vez que dele de-pendem a validade e a legitimidade dos atos administrativos.

    Procuradores e agentes de propriedade industrial

    De acordo com o art. 216 da LPI, os atos legais sero prati-

    cados pelas partes interessadas (usurios), ou por seus procurado-res, devidamente qualificados. Alm disso, o Ato Normativo doInpi no 141/98 assegura a qualquer interessado, pessoa fsica ou

    jurdica residente, domiciliada ou estabelecida no Brasil, o direi-to de praticar quaisquer atos perante o Inpi diretamente, sem oacompanhamento de qualquer procurador, seja ele agente dapropriedade industrial ou advogado.

    19 A lista de delegacias regionais e representaes estaduais est disponvel em:.

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    Dessa forma, qualquer cidado que resida e esteja domiciliadono Brasil tem por lei o direito de praticar qualquer ato junto ao

    Inpi. O domiciliado no exterior, no entanto, dever obrigatoria-mente constituir procurador domiciliado no Brasil com poderespara represent-lo administrativa e judicialmente, caso haja ne-cessidade.

    Os procuradores devero ser institudos atravs de procura-o redigida em lngua portuguesa, dispensados a legalizao con-

    sular e o reconhecimento de firma. O instrumento de procurao,na forma e nos termos previstos no art. 216 da LPI, poder serapresentado no prazo de 60 dias contados da prtica do primeiroato da parte no processo, independentemente de notificao ouexigncia.

    Os agentes de propriedade industrial so profissionais queesto legalmente habilitados para o exerccio da funo de procu-

    radores perante o Inpi. A profisso de agente da propriedade in-dustrial regulamentada pelo Decreto-Lei no 8.933/46. A Portariano 32/98 do Ministrio da Indstria e do Comrcio delegou com-petncia ao Inpi para autorizar o exerccio da profisso. O Inpiento publicou as disposies sobre a habilitao de agentes depropriedade industrial.20

    Pessoas fsicas e jurdicas podem se habilitar junto ao Inpi,cumprindo requisitos elencados no referido decreto. Os advoga-dos possuem a prerrogativa de atuar como procuradores, inde-pendentemente de seu cadastramento como agentes,21 bastandoque mencionem seu nmero de inscrio na Ordem dos Advoga-dos do Brasil (OAB).

    20 Ver Ato Normativo no 141/98 (disponvel em: ).

    21 Os advogados que desejarem podero se habilitar como agentes da propriedadeindustrial, na forma do Ato Normativo no 141/98.

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    2 Patentes e baseslegais: escoposinternacional enacional

    Bases internacionais da propriedade industrial

    A Conveno da Unio de Paris (CUP)

    A necessidade de proteger as novas tecnologias desenvolvi-

    das para e pela nova produo em escala industrial culminoucom a realizao da histrica Conveno de Paris, reunida pelaprimeira vez em 1883 e tendo como objetivo a harmonizaointernacional do sistema de propriedade industrial. Da origi-nou-se o atual Sistema Internacional da Propriedade Industrial.Surge assim o vnculo entre uma nova classe de bens de natureza

    imaterial e a pessoa do autor, assimilado ao direito de proprie-dade. Os trabalhos preparatrios dessa conveno internacio-nal se iniciaram em Viena, no ano de 1873. Cabe lembrar queo Brasil foi um dos 14 pases signatrios originais. A Conven-o de Paris sofreu revises peridicas, a saber: Bruxelas (1900),

    Washington (1911), Haia (1925), Londres (1934), Lisboa(1958) e Estocolmo (1967). A conveno conta hoje com 171

    pases signatrios.22

    22 Ver .

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    A CUP, em seu art. 1o, estabelece os objetos da propriedadeindustrial, quais sejam: as patentes de inveno, os modelos deutilidade, as marcas de comrcio, os desenhos ou modelos indus-triais, as marcas de fbrica ou de comrcio, as marcas de servio,o nome comercial e as indicaes de provenincia ou denomina-es de origem, bem como a represso concorrncia desleal.

    A CUP marcou o incio da internacionalizao da matria,uma vez que, apesar de prever liberdade para os pases signatrios

    estabelecerem suas leis nacionais, exigiu paridade no tratamentodispensado aos inventores, atravs do princpio da no discrimi-nao, homogeneizando os direitos e obrigaes de residentesou no no pas de depsito. Tais princpios so de observnciaobrigatria pelos pases signatrios. Cria-se um territrio daUnio,23 constitudo pelos pases contratantes, onde se aplicamos princpios gerais de proteo aos direitos de propriedade in-

    dustrial.Esse acordo administrado pela Organizao Mundial da

    Propriedade Intelectual (Ompi).

    Princpios basilares da CUP

    Tratamento nacional

    Esse princpio encontra-se no art. 2o da CUP e estabeleceque os nacionais de cada um dos pases-membros devem gozar,em todos os outros da Unio, da mesma proteo, vantagens edireitos concedidos (presentes e futuros) pela legislao do pas aseus nacionais, sem que nenhuma condio de domiclio ou deestabelecimento seja exigida. Assim, os domiciliados ou os que

    possuem estabelecimentos industriais ou comerciais efetivos noterritrio de um dos pases-membros da CUP (art. 3o) so equi-

    23 Ver .

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    parados aos nacionais do pas onde foi requerida a patente ou odesenho industrial.

    Ressalva expressamente a CUP as disposies das legislaesnacionais, no que tange aos processos judicial e administrativo,relativas competncia, escolha de domiclio ou de estabeleci-mento no pas ou designao de mandatrio.

    Prioridade unionista

    Esse princpio tem seu fulcro no art. 4o, que dispe que oprimeiro pedido de patente depositado em qualquer um dos pa-ses-membros servir de base para depsitos subsequentes relacio-nados mesma matria, efetuados pelo mesmo depositante ouseus sucessores legais. O prazo para exercer tal direito de 12meses para inveno e modelo de utilidade.

    O direito de prioridade unionista regulado por parmetrosque devem ser observados pelos pases da Unio, entre os quaispodemos destacar: reconhece-se como dando origem ao direito de prioridade

    qualquer pedido com valor de pedido nacional regular, emvirtude da legislao nacional de cada pas da Unio ou detratados bilaterais ou multilaterais celebrados entre pases da

    Unio. Deve entender-se por pedido nacional regular qual-quer pedido efetuado em condies de estabelecer a data emque o mesmo foi apresentado no pas em causa, independente-mente do resultado ulterior do pedido (art. 4o, A);

    a possibilidade de o direito de prioridade estar fundamentadonos pedidos de patente de naturezas diversas; assim, um pedi-do de inveno poder servir de base para um pedido de mo-delo de utilidade e vice-versa (art. 4o, E);

    a possibilidade de que um nico pedido ulterior seja depo-sitado com base em diversos pedidos anteriores (priorida-

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    des mltiplas), mesmo que provenientes de diferentes pa-ses (art. 4o, F);

    a impossibilidade de recusar o direito de prioridade de umpedido ulterior com o fundamento de que o mesmo contmelementos no compreendidos no pedido anterior que deuorigem prioridade. Nesse caso, o direito de prioridade cobri-r somente a matria contida no pedido anterior, e o pedidoulterior dar lugar a um direito de prioridade em relao aos

    elementos novos apresentados (art. 4o, F);

    no obrigatria a identidade entre as reivindicaes do pedi-do que deu origem ao direito de prioridade e o pedido ulte-rior, contanto que a matria esteja totalmente descrita noprimeiro pedido (art. 4o, H).

    Territorialidade

    Esse princpio consagrado estabelece que a proteo conferidapelos Estados atravs da patente ou do registro do desenho in-dustrial tem validade somente nos limites territoriais do pas quea concede.

    Note-se que a existncia de patentes regionais, como por

    exemplo a patente europia, no constitui exceo a tal princpio,visto que tais patentes resultam de acordos regionais determina-dos, pelos quais os pases-membros acordam o reconhecimentode patente concedida pela instituio regional como se fora ou-torgada pelo prprio Estado nacional.

    Independncia dos direitos

    Esse princpio est disposto no art. 4o bis da CUP e comple-menta o princpio da territorialidade. Por ele se define que as paten-tes concedidas (ou os pedidos depositados) em quaisquer dos pases

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    pertencentes Unio so independentes das patentes concedidas (oudos pedidos depositados) correspondentes em qualquer outro passignatrio ou no da conveno. Tal dispositivo tem carter absolu-to. A independncia est relacionada s causas de nulidade e de ca-ducidade, tambm do ponto de vista da vigncia.

    A Organizao Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi)

    A Ompi foi criada atravs de um convnio firmado em Esto-

    colmo em 1967 e emendado em 1979. Seus objetivos iniciaiseram fomentar a proteo da propriedade intelectual em todo omundo mediante a cooperao dos Estados, em colaborao comoutras organizaes internacionais, e assegurar a cooperao ad-ministrativa entre as Unies de Paris e de Berna.

    Segundo Paranagu (2006), a Ompi foi concebida por ad-

    vogados que tinham como clientes empresas interessadas em pro-teo intelectual. Em 1974, a Ompi passou a ser um organismoespecializado do sistema da Organizao das Naes Unidas, coma prerrogativa especfica de lidar com as questes de propriedadeintelectual, mas agora a Ompi no deveria to somente protegerpropriedade intelectual, mas sim promover o desenvolvimento eco-nmico, social e cultural dos pases membros. Propriedade

    intelecutal no deveria mais ser vista como um fim em si mesmo,mas sim como um meio para o desenvolvimento econmico, so-cial e cultural.

    O papel da Ompi no sistema internacional de propriedade in-telectual comeou a dar sinais de enfraquecimento quando o temados direitos de propriedade intelectual passou a ser discutido no

    mbito do comrcio internacional, durante a chamada Rodada Uru-guai do Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio (Gatt), ocorrida en-tre 1986 e 1994. Essa rodada culminou com a criao da OrganizaoMundial do Comrcio (OMC), como veremos a seguir.

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    A discusso do tema de propriedade intelectual no Gatt foiconsequncia de fortes presses de setores industriais norte-ame-

    ricanos de computadores, softwares, microeletrnicos, produtosqumicos, produtos farmacuticos e biotecnologia.24

    Com a entrada em vigor do Acordo Trips e a criao da OMC,a Ompi perdeu parte importante do seu espao de atuao e pas-sou a fornecer assistncia tcnica nos assuntos relacionados a esseacordo aos pases-membros da OMC.

    A Organizao Mundial do Comrcio (OMC)

    A OMC estabelece regras comerciais em nvel mundial, comefeitos vinculativos para seus membros. No apenas uma insti-tuio, mas tambm um conjunto de acordos. O regime da OMCconstitui um sistema multilateral de comrcio baseado em regras.

    Sua histria teve incio em 1947, quando foi estabelecido o

    Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio (Gatt) para reduzir tari-fas, eliminar obstculos comerciais e facilitar o comrcio de mer-cadorias. Com o passar do tempo, o Gatt se desdobrou em oitorodadas de negociaes comerciais multilaterais, sendo a RodadaUruguai (1986-94) a mais extensa de todas at o momento. AOMC foi estabelecida em Marrakesh em 1o de janeiro de 1995,

    aps a concluso da Rodada Uruguai. Posteriormente o Gatt dei-xou de existir, e seus textos jurdicos foram incorporados OMCcom o nome de Gatt de 1994.

    A OMC buscou cristalizar normas globais para uma econo-mia que se globalizava. Conforme anlise de Cruz (2005), o re-sultado da Rodada Uruguai do Gatt pode ser definido como umaverdadeira reforma constitucional, sobretudo se levarmos em

    considerao a implementao de um mecanismo de soluo de

    24 Sell, 2005.

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    controvrsias e o acordo alcanado na seara da propriedade in-telectual. O contedo deste ltimo envolve no apenas padres

    gerais a serem observados pelas legislaes nacionais, mas tam-bm disposies detalhadas sobre os procedimentos que deveroser aplicados para sancionar direitos individuais (e corporativos)de propriedade, conforme veremos no tpico seguinte. Essascaractersticas exemplificam um fenmeno: o deslocamento dofoco do regime de comrcio, cujas disciplinas, mais do que li-

    mitar as prticas dos governos, passam a regular positivamentepolticas nacionais.25

    O Gatt j dispunha de um mecanismo institucional de reso-luo de disputas, mas sua importncia era reduzida pela exign-cia de consenso que devia ser atendida pelos pases para que talmecanismo fosse acionado.26 No mbito da OMC, o mecanismode soluo de controvrsias considerado um dos grandes resul-

    tados das negociaes da Rodada Uruguai, pois representa o pi-lar do sistema multilateral de comrcio. Com efeito, ele quegarante a executoriedade dos acordos da organizao.27

    O Entendimento sobre Soluo de Controvrsias (ESC), tam-bm conhecido como Anexo 2 do Tratado de Marrakesh, contmos dispositivos de carter geral para a soluo das controvrsiasno que tange interpretao e aplicao dos acordos concludosno mbito do tratado.

    O Tratado de Marrakesh, que estabeleceu a OMC, incor-porou diversos acordos novos de grande abrangncia, em virtu-

    25 Ostry, 2002.26 Segundo Cruz (2005), como o pas responsvel em situao irregular podia

    bloquear a abertura de painis, o funcionamento do sistema favorecia muito abusca de solues negociadas por meio de barganhas, onde falava mais alto,evidentemente, a voz do mais forte.

    27 Salvio e Cabral, 2006:21.

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    de dos quais se recomendou que a OMC tivesse um mandatomuito mais amplo que o do Gatt ou de qualquer outro acordo

    comercial, entre eles o Acordo Geral sobre o Comrcio de Ser-vios (Gats) e o Acordo Trips (Trade Related Intellectual PropertyRights Agreement) ou Acordo sobre os Aspectos dos Direitosde Propriedade Intelectual Relacionados com o Comrcio(ADPIC).

    O Acordo Trips ou ADPIC

    Desde fins do sculo XIX as patentes, bem como os outrosdireitos de proteo intelectual, vm sendo includas nas agendasinternacionais e debatidas em esferas multilaterais. A tentativa dehomogeneizao das normas que regulamentam o tema, em seuprimeiro documento, a CUP, em 1883, empenhava-se sobretudona regulao da paridade das relaes entre os pases, como os pac-

    tos de no discriminao entre inventores residentes e no resi-dentes, tempo mnimo de proteo e requisitos de patenteabilidade.

    Nesses primeiros tempos, ainda havia uma margem mais els-tica de eleio de matria patentevel e salvaguardas, com respei-to unicamente ao livre-arbtrio das legislaes especficas nacionais,ou seja, os pases possuam maior liberdade de deciso internasobre o que patentear e quais os limites das patentes concedidas.

    Outro fator a se destacar que a CUP no possua nenhum ins-trumento de soluo de controvrsias sobre temas que a Unioregulava. No havia, pois, instrumentos de sano em caso deinfrao das normas.

    No final do sculo XX, novas regras passaram a dominar ointercmbio comercial entre as naes, com a criao da OMCem 1995. Nessa ocasio, o discurso que introduzia as novas re-

    gras ligadas ao direito de propriedade intelectual era quase sem-pre pautado pelo aumento substancial de transferncia de tecnologiae desenvolvimento local, sobretudo no campo da pesquisa. O acor-do firmado no mbito da OMC aglutina atualmente 148 pases,

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    por onde circula a maioria das riquezas comercializadas no mun-do. O Acordo Trips surge no cenrio internacional como um ve-

    culo de enrijecimento normativo e padronizao sobre limitesconsiderados amplos de proteo.

    O Acordo Trips mudou o cenrio internacional de forma inde-lvel: definiu as regras-padro mnimas tocantes propriedade inte-lectual, introduziu mecanismos de aplicao para os pases signatrios,criou um sistema internacional de soluo de controvrsias e am-pliou a gama de produtos e processos objetos de concesso de paten-te, ao declarar que todos os campos tecnolgicos so passveis depatenteamento. O novo acordo trouxe ainda a exigncia de inclusode suas normas nas legislaes nacionais dos pases-membros, vincu-lando a forma de os Estados administrarem a questo internamente(enforcement). Nas palavras de Gontijo (1995:181):

    foroso lembrar que o Acordo Trips surge em total contradiocom os demais acordos firmados no mbito do Gatt. Enquantotodos os demais se apresentam no sentido da liberao de barrei-ras, derrubada de monoplios e eliminao de sistema de subsdi-os, bem na linha liberalizante do comrcio advogada pelos pasesindustrializados, o Acordo Trips aparece como esforo de enrijeci-mento de normas, imposio de padronizao, consagrao de

    monoplio, justamente incidente sobre o mais valioso dos agenteseconmicos desse fim de milnio: o conhecimento humano. Abrem-se os mercados, mas, por outro lado, consolida-se e fortalece-se osistema existente de produo de novas tecnologias, concentrado,no por coincidncia, nos pases que exigem maior proteo paraos titulares da propriedade intelectual.

    Assim, alguns tericos vislumbraram o Trips como uma es-pcie de contrassenso em relao crescente liberalizao comer-cial e diminuio gradual de barreiras de circulao de servios eprodutos entre os pases do globo.

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    Propriedade industrial na Constituio brasileira

    O art. 5o

    da Constituio Federal

    O direito s patentes no Brasil preceito constitucional, es-tando arrolado entre os direitos e garantias fundamentais, em seuart. 5o, XXIX:

    a lei assegurar aos autores de inventos industriais privilgio tem-porrio para sua utilizao, bem como a proteo s criaes in-dustriais, propriedade das marcas, aos nomes de empresas e outrossignos distintos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvi-mento tecnolgico e econmico do pas.

    Segundo Ferraz Jr. (1994), a incluso da proteo da pro-priedade industrial no art. 5o da Constituio Federal no a trans-

    forma em um dos direitos fundamentais da pessoa humana. Emsuas palavras:

    No se deve menosprezar a importncia deste texto j pelo fato deele constar de um dos incisos do artigo 5o da Constituio Federal.Por outro lado, bem verdade que por este simples fato no pode-mos ser conduzidos ao exagero de pensar que a propriedade do

    inventor industrial tout court tenha-se transformado numdos direitos fundamentais da pessoa humana. A propriedade, pelocaputdo artigo 5o, o . Mas na forma da disposio, o inciso XXIXtem antes o sentido de um comando constitucional ao legislador

    ordinrio a lei assegurar aos autores ... , e no propriamen-te de um reconhecimento, na autoria intelectual, de um direitofundamental do autor industrial. A forma correta, na tradio cons-

    titucional, exige que direitos bsicos sejam declarados, isto , reco-nhecidos, e no institudos. Ordenar que a legislao ordinria

    assegure protrair a eficcia da norma, e no, como exige o par-grafo 1o do artigo 5o, garantir-lhe aplicao imediata.

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    Como exposto acima, no h consenso sobre a proteo in-dustrial (patentes) figurar como uma garantia fundamental.

    O art. 2o da LPI repete as palavras desse inciso da Constitui-o ao listar as formas de proteo industrial estabelecendo que aproteo dos direitos relativos propriedade industrial deve con-siderar o seu interesse social e o desenvolvimento tecnolgico eeconmico do pas.

    Interpretando o interesse social e o desenvolvimento tecnolgico e

    econmico do pas

    O art. 5o, XXIX, prev em sua parte final que tal determina-o (qual seja, o privilgio industrial) ser constitucional na me-dida em que atender aos seguintes objetivos: visar o interesse social do pas;

    favorecer o desenvolvimento tecnolgico nacional; favorecer o desenvolvimento econmico nacional.

    Para Barbosa (2002e), o legislador constitucional buscouprioritariamente ressalvar e valorizar os interesses e necessidadesnacionais numa rea fundamental para a soberania do pas, aocontrrio de priorizar o desenvolvimento tecnolgico em si ou

    ainda o desenvolvimento de outros povos.Outro ponto importante analisado por Barbosa foi a necessida-de de equilbrio entre os preceitos expressos no inciso XXIX, nohavendo pois hierarquia entre o interesse social, o desenvolvimentotecnolgico e o econmico, devendo todos serem satisfeitos.

    Por esse entendimento, inconstitucional lei ou norma queabra mo do desenvolvimento de indstria nacional em favor de

    compras exclusivamente no mercado exterior, por exemplo.Ao examinar os pedidos de patentes, deve o Inpi perseguir as

    finalidades e objetivos do sistema de patentes. A concesso deuma patente um privilgio legal, exceo aos princpios cons-

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    titucionais da livre-iniciativa e da livre concorrncia, e, como tal,deve ser moderada e legitimada pelas suas vantagens para a socie-dade como um todo.

    Desse modo, a concesso de toda e qualquer proteopatentria deve observar, alm dos requisitos estabelecidos pelaLPI, a clusula finalstica especfica prevista na ConstituioFederal. Assim, se a concesso de uma patente desrespeitar asexigncias legais, for contrria ao interesse social ou ao desenvol-

    vimento do pas, no poder ser deferida.O Acordo Trips tambm estabelece como objetivos da con-

    cesso de direitos de propriedade intelectual a promoo da ino-vao tecnolgica e a transferncia e difuso de tecnologia, embenefcio mtuo de usurios e produtores:

    Art. 7o Objetivos: A proteo e a aplicao de normas de prote-

    o dos direitos de propriedade intelectual devem contribuir para a

    promoo da inovao tecnolgica e para a transferncia e difuso

    de tecnologia, em benefcio mtuo de produtores e usurios de co-

    nhecimento tecnolgico e de uma forma conducente ao bem-estar

    social e econmico e a um equilbrio entre direitos e obrigaes.

    Assim, o Estado, no caso representado por seu rgo Inpi,ao analisar qualquer pedido de concesso de patente, est vincu-lado a observar, alm da existncia dos requisitos especficos depatenteabilidade previstos pela LPI, se o pedido atende aos pre-ceitos estabelecidos internacional e constitucionalmente, em es-pecial e a priorise tal proteo atender aos interesses pblicos e

    sociais.Vale lembrar que os princpios constitucionais possuem for-a normativa vinculativa, sendo de observao obrigatria, so-bretudo, aos atos da administrao pblica.

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    Proteo industrialversus princpio constitucional da livre

    concorrncia

    Estabelece a Constituio brasileira, no ttulo VII da or-dem econmica , em seu captulo I, os princpios gerais daatividade econmica, entre os quais, inserido no inciso IV do art.170, o princpio da livre concorrncia. Alm disso, o 4o do art.173 estipula que a lei reprimir o abuso do poder econmicoque vise dominao dos mercados, eliminao da concorrn-

    cia e ao aumento arbitrrio dos lucros.Sobre o dispositivo legal, Silva (1998) argumenta que:

    A livre concorrncia est configurada no art. 170, IV, como umdos princpios da ordem econmica. Ela uma manifestao da li-berdade de iniciativa e, para garanti-la, a Constituio estatui que alei reprimir o abuso de poder econmico que vise dominao dos

    mercados, eliminao da concorrncia e ao aumento arbitrrio doslucros. Os dois dispositivos se complementam no mesmo objetivo.Visam tutelar o sistema de mercado e, especialmente, proteger alivre-concorrncia contra a tendncia aambarcadora da concentra-o capitalista. A Constituio reconhece a existncia do poder eco-nmico. Este no , pois, condenado pelo regime constitucional.No raro esse poder econmico exercido de maneira anti-social.

    Cabe, ento, ao Estado coibir este abuso.

    Os direitos relacionados s patentes e tambm constantes daCarta Constitucional, como visto acima, em aparncia constituemum elemento conflitante com o princpio da livre concorrncia.Enquanto a livre iniciativa garantida de forma clara em nossaConstituio, por outro lado a mesma Carta limita tal direito ao

    restringir a concorrncia atravs da concesso de direitos exclusivosde explorao de produtos e processos, por meio das patentes.Sobre o tema Barbosa (2003b:97), que amplamente o discu-

    te em sua obra, reflete:

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    O direito de competir (...) o direito de livre cpia das criaestcnicas e estticas. A chave da propriedade intelectual que, fora

    dos limites muito estritos da proteo concedida, o pblico temdireito livre de copiar. (...) Assim a tenso constitucional mximaem matria de propriedade intelectual existe entre a liberdade cons-titucional bsica da livre cpia e o direito constitucional de exclu-sividade sobre as criaes intelectuais.

    Ainda segundo Barbosa, a soluo da tenso apresentada se

    encontra no princpio da razoabilidade, da ponderao ou dobalanceamento.

    A lei brasileira de propriedade industrial

    O Cdigo de Propriedade Industrial de 1971

    Antes da atual legislao de propriedade industrial vigia o

    chamado Cdigo de Propriedade Industrial (Lei no 5.988), pro-mulgado em 1971, em substituio ao anterior, de 1969.

    Ao contrrio dos cdigos antecessores,28 o cdigo de 1971foi votado pelo Congresso Nacional, a partir de discusses com aindstria nacional e a estrangeira e contando com advogadosespecializados. Havia, naquela poca, a influncia tcnica, espe-cialmente alem,29 propiciada pelo incio do programa de assis-

    tncia da Organizao Mundial da Propriedade Intelectual(Ompi).30

    28 Decretos-Leis de 1945,1967 e 1969.29 A influncia alem talvez possa ser ilustrada pela visita, um ano antes da pro-

    mulgao do novo cdigo, do diretor-geral do Departamento Nacional de Pro-priedade Industrial (DNPI), rgo antecessor do Inpi, Alemanha. O presidente

    do escritrio alemo fez o convite ao diretor brasileiro, que l compareceu etomou conhecimento em detalhes do funcionamento daquele rgo. Na voltaao Brasil o diretor-geral promoveu a fundao de um novo rgo governamen-tal, o Inpi (IDS, 2005).

    30 Barbosa, 2002e.

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    Breves apontamentos sobre o projeto da Lei no 9.279/96

    Segundo Barbosa (2002e), indiscutivelmente um dos maio-res estudiosos do tema no Brasil, a gnese do processo de mudan-a da Lei de Propriedade Industrial estava intimamente ligada presso exercida pelo governo dos EUA a partir de 1987.

    No governo Collor tm incio as propostas de reforma nos do Cdigo de Propriedade Industrial, mas tambm da Lei deSoftware, da Lei de Informtica e da Lei do Plano Nacional deInformtica e Automao (Planin).

    A tarefa de redigir um projeto de lei de propriedade indus-trial ficou a cargo da Comisso Interministerial instituda pelaPortaria Interministerial no 346, de julho de 1990. O grupo reu-niu representantes dos ministrios da Justia, da Economia, dasRelaes Exteriores, da Sade e da Secretaria de Cincia e Tecno-logia, alm dos tcnicos do Inpi e de consultores externos.

    Na anlise de Barbosa31 (2002e), havia uma diretriz polticana reviso da legislao de 1971; alm disso, outras condicionantestambm estavam presentes na elaborao da nova lei: o aperfeioamento tcnico e administrativo que se impunha

    aps quase 20 anos de experincia com o cdigo anterior;

    as modificaes do contexto tecnolgico e econmico brasileiro;

    os exerccios de padronizao, ditos de harmonizao, dos

    sistemas nacionais de patentes e marcas realizados na Ompi; o estgio das negociaes do Gatt no momento da concluso

    da redao;

    a necessidade, percebida pelos tcnicos do Inpi, de melhorarsua interface com o pblico, com destaque para os inventoresnacionais, propiciando uma inter-relao ainda mais dialtica

    e cooperativa do escritrio de propriedade industrial com osseus usurios.

    31 Tambm ele, por certo tempo, fez parte da referida comisso.

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    A Lei no 9.279/96

    O contexto histrico que culminou com a nova Lei de Pro-priedade Industrial (LPI) foi marcado por uma ampla modifica-o de legislaes direta ou indiretamente ligadas reatecnolgica. Entre as principais alteraes podemos citar:32

    o fim das reservas de mercado e a alterao do tratamentodiscriminatrio do capital estrangeiro;

    a aprovao da Lei de Biossegurana (Lei no 8.974/95);

    a adequao do escopo legal brasileiro s regras de convivnciainternacional no que tange aos temas de segurana (rea nu-clear e de materiais sensveis Abacc, Acordo Quadripartite,criao de agncia espacial de carter civil etc.);

    o estabelecimento de leis de incentivo fiscal realizao deP&D pelas empresas (Leis no 8.248/91 e no 8.661/93).

    O texto do projeto de lei foi enviado em 2 de maio de 1991ao Congresso, em regime de urgncia. Diversos grupos de lobistasatuaram junto aos congressistas.

    Negociar novas normas de propriedade industrial e entenderseus efeitos e consequncias, com frequncia de amplo alcance,demandam um nvel de competncia tcnica, jurdica e diplomti-

    ca que dispendioso e difcil para pases em desenvolvimento.33

    O projeto de lei tramitou mais de cinco anos, de forma aci-dentada, no Congresso Nacional. A anlise dos posicionamentosdos diversos atores envolvidos, tais como parlamentares, jornalis-tas, sociedade civil organizada, empresas privadas, associaes depropriedade industrial etc., constituiria um trabalho de flego,que merecia um estudo isolado. Aqui trataremos apenas de for-

    ma ilustrativa de algumas posies e questes levantadas poca

    32 Sholze, 2001.33 Latif, 2005.

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    da tramitao do projeto. A simples leitura de tais trechos j nospossibilita mensurar a complexidade do tema e o mosaico de in-

    teresses envolvidos.Vejamos primeiramente um trecho do discurso do senador

    Roberto Requio (PMDB-PR) no Senado, em 17 de maro de 1995:

    Os pases desenvolvidos, em particular os Estados Unidos, bus-cam ampliar seu controle sobre os mercados internacionais, em

    especial o mercado farmacutico e o dos processos tecnolgicosavanados. J em 1987, a Associao Farmacutica dos Estados

    Unidos ameaou adotar sanes comerciais contra o Brasil, casonosso pas no criasse uma lei para proteger os produtos farmacu-ticos norte-americanos. A Lei no 5.772/71 Cdigo de Proprie-dade Industrial no reconhece patentes para processos deprodutos, entendendo que produtos alimentcios e farmacuticos

    no esto sujeitos a patente. No entanto, o governo nos pressionapara acelerar a votao da propriedade industrial. Quem tem pres-sa quer mal feito, e o Brasil no merece isso.

    Ao enviar o atual projeto ao Congresso, o governo brasileiro estcedendo s presses que se valem da renegociao da dvida exter-na para fazer com que o Brasil entregue, de mo beijada, a conces-so de monoplios de patentes para multinacionais das reas

    qumico-farmacutica, alimentcia e biotecnolgica.

    J o editorial do jornal O Estado de S. Paulo do dia 9 de abrilde 1995 afirmou:

    A trgua usufruda pelo comrcio externo brasileiro, durante cercade dois anos, est em via de ser rompida. Prazos legais e fatores

    econmicos internos convergem no sentimento de turvar os esfor-os de crescimento das exportaes brasileiras com ameaas de san-es e medidas compensatrias. (...) O que preocupa o escritriodo representante comercial nos Estados Unidos USTR o

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    tema de sempre: a falta de uma lei de propriedade industrial queproteja, no Brasil, as patentes americanas.

    As inexplicveis e imotivadas delongas do Congresso no exame doprojeto foram absorvidas pelo USTR e pelo Departamento de Es-tado e entendidas dentro do ento complicado quadro poltico

    brasileiro. (...)Finalmente aprovado na Cmara, o projeto passou para o Senado, aotempo da concluso da Rodada Uruguai e do Gatt, e l recebeu emen-

    da. Est paralisado, espera de votao para que volte reviso da C-mara dos Deputados. Sem a lei aprovada, o USTR ser obrigado a

    colocar o Brasil na lista dos pases sujeitos a retaliaes comerciais.

    O artigo do deputado Sarney Filho no Correio Braziliensedemaro de 2005, intitulado A Lei de Patentes e a tica, traz aseguinte opinio:

    A discusso sobre o projeto de lei (Substitutivo Ney Lopes) sobre pa-tentes que tramita atualmente no Congresso Nacional no mereceuainda a devida ateno por parte da sociedade organizada. Isso tantomais importante na medida em que a Lei de Patentes tem implicaesno s econmicas e polticas, mas tambm de natureza tica.

    Por fim, trazemos a ntegra de uma carta enviada em 27 demaro de 1995 pelo jornalista Barbosa Lima Sobrinho ao sena-dor Ney Suassuna, relator da Comisso de Constituio, Justiae Cidadania, do Senado Federal, apresentando suas preocupa-es com o projeto em tela:

    No momento em que se anuncia a tentativa de aprovao acelera-

    da, no Senado, do Projeto de Lei no 115/93, da Propriedade In-dustrial, para que o presidente Fernando Henrique Cardoso possaanunciar, em sua prxima viagem aos Estados Unidos, em abril,que as presses norte-americanas surtiram efeito, sentimo-nos no

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    dever de ratificar as nossas posies contra o referido projeto, porconsider-lo lesivo aos interesses nacionais.

    Cumpre lembrar que pases que assinaram a lei de patentes, inclu-sive os do chamado Primeiro Mundo, s o fizeram aps o seu de-senvolvimento indispensvel em tecnologia.

    Cumpre lembrar ainda que o Parlamento Europeu acaba de vetara polmica legislao que visava a garantir o registro de patente deformas de vida. O veto encerra sete anos de acalorados debates

    entre vrias instituies da Unio Europia.J no pudemos aceitar a pressa com que foi aprovado o acordo do

    Gatt, sem um amplo debate de conhecimento por parte dos srs.senadores e deputados federais, bem como da sociedade civil orga-nizada. Nada, pois mas nada mesmo , justifica o aodamentona aprovao do projeto de lei em causa. Nele fundamental quese preservem: o prazo de transio de 10 anos; a no-retroatividade

    de qualquer direito concedido; as garantias de licenas obrigat-rias ou do uso no autorizado pelo titular, desde que interessem aodesenvolvimento ou segurana do Brasil; o direito importaoparalela; a descrio detalhada do invento e do seu processo deobteno; a total liberdade de pesquisa e da utilizao do objetopatenteado nos procedimentos de desenvolvimento tecnolgico,cientfico e industrial; a no-incluso de microorganismos e de

    seres vivos, pois o prprio Gatt admite revisar o assunto em 1999,e o Parlamento Europeu rejeitou patentear a vida, como dissemosacima; a liberdade do uso do conhecimento, impedindo a institui-o do segredo do negcio, prtica incompatvel com o conceitode patente (conceder monoplio em troca da revelao do conhe-cimento); a obrigatoriedade da produo local de qualquer inven-to no interesse do desenvolvimento do pas e de acordo com os

    princpios do Gatt.

    Como vemos, a aprovao da LPI seguiu eivada de crticas,mas tambm de apoio ao seu contedo por parte de diversos seto-

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    res da sociedade. A seguir trataremos das principais alteraestrazidas pela LPI. Ressaltamos que diversos pontos da lei, tais comoo dispositivo denominadopipeline, surgiro, com suas devidas ex-plicaes e consideraes, ao longo do livro.

    Principais alteraes trazidas pela nova Lei de Propriedade Industrial

    A nova Lei de Propriedade Industrial revogou e substituiu oantigo Cdigo de Propriedade Industrial de 1971, incluindo asnormas penais constantes do Decreto-Lei no 7.903/45 (as nor-mas penais passaram a integrar o ttulo V da LPI).

    O no reconhecimento, no Brasil, de patentes da seara far-macutica motivou, na dcada de 1980, um longo perodo deconflito comercial com os EUA. Esse pas imps ento ao Brasilseveras sanes comerciais.

    A LPI trouxe o reconhecimento da patenteabilidade de subs-tncias, matrias ou produtos obtidos por meios ou processosqumicos e de substncias, matrias, misturas ou produtos ali-mentcios, qumico-farmacuticos e medicamentos de qualquerespcie, bem como seus respectivos processos de obteno oumodificao. A nova lei tambm inclui os micro-organismos trans-

    gnicos, ou seja, obtidos por meio da engenharia gentica, quesatisfaam aos requerimentos necessrios de novidade, atoinventivo e utilidade industrial.

    As novas possibilidades de patententeamento impactaramreas importantes, como os oramentos governamentais para as-sistncia farmacutica e os prprios consumidores. A importn-cia econmica da entrada de patentes qumico-farmacuticas ealimentcias evidenciou-se com a incorporao, na nova lei, daschamadas patentes pipeline, que veremos mais detidamente no

    captulo 5.

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    Patentes no Brasil: possibilidade de pedido e titularidade

    Requisitos de patenteabilidade

    Trs so os requisitos bsicos para a concesso de uma paten-te brasileira (arts. 8o, 11, 12, 13 e 15): novidade o ineditismo caracteriza-se por tudo que no este-

    ja compreendido no estado da tcnica, ou seja, tudo aquilo tor-nado acessvel ao pblico antes da data de depsito do pedido

    de patente, por descrio escrita ou oral, por uso ou qualqueroutro meio.34 O fundamento desse requisito o cumprimentoda prpria essncia do sistema de patentes, ou seja, a revelaodo invento para a sociedade em troca do privilgio concedidopelo Estado. No havendo revelao, caso o invento j sejaconhecido ou divulgado, no h que se falar em proteo dotitular por concesso de patente;

    atividade inventiva quando o invento no resultar de ma-neira bvia dos conhecimentos j existentes na tcnica ou campode conhecimento relativo. Esse requisito limita a patente aoestrito escopo da inveno, impossibilitando sua ampliao parauma proposio trivial ou bvia para um tcnico no assunto;

    aplicabilidade industrial supondo sua utilizao em alguma

    atividade prtica e industrial ou possvel produo industrial.

    Levando em conta os requisitos descritos acima, uma inven-o que no cumpra nenhum deles no patentevel, e o pedido

    34 Vale ressaltar que h uma exceo: o perodo de graa estipulado no art. 12 daLPI, sendo este o perodo assegurado ao inventor para que no seja prejudicado

    com a divulgao de informaes sobre uma inveno. A lei brasileira estabele-ce o prazo de 12 meses que antecedem o depsito, desde que a revelao sejafeita pelo prprio inventor, pelo Inpi ou por terceiros tendo por base informa-es obtidas direta ou indiretamente pelo inventor.

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    de patente no pode ser deferido pelo Inpi. Vale lembrar que,para ser patentevel, uma inveno deve atender ao mesmo tem-po os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicao in-dustrial. A falta de qualquer um deles impede a concesso dobenefcio.

    Matria no considerada como inveno ou modelo de utilidade

    A LPI estabelece distino entre as matrias que no podem

    ser consideradas invenes nem modelos de utilidade (art. 10) eo que no poder ser patenteado por ser declaradamente proibi-do, mesmo que seja, em realidade, uma inovao indita e comaplicao industrial (art. 18).

    Vejamos o que a lei brasileira atual no considera invenonem modelo de utilidade: descobertas, teorias cientficas e mtodos matemticos como

    visto no captulo 1, uma mera descoberta no pode ser con-siderada uma inovao e portanto no atende aos requisitoslegais de patenteabilidade. Teorias cientficas e mtodos mate-mticos no podem ser considerados processos patenteveis,pois no cumprem o requisito de aplicao industrial, mesmosendo inovadores e inditos (por exemplo, um mtodo para

    ensinar idiomas ou teorias sociolgicas); concepes puramente abstratas; esquemas, planos, princpios

    ou mtodos comerciais, contbeis, financeiros, educativos,publicitrios, de sorteio e de fiscalizao; regras de jogo sobre tais matrias incide o mesmo que ocorre com as teorias emtodos: no h aplicabilidade industrial;

    obras literrias, arquitetnicas, artsticas e cientficas ou qual-quer criao esttica as criaes do esprito arroladas aquiso alvo de proteo atravs de direito autoral, e no atravs depatentes;

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    programas de computador em si o tema da excluso depatenteamento de programas de computador em si bastante

    discutido hoje. No Brasil, como vimos, excluem-se no s osprogramas como as criaes artsticas, as teorias cientficas e asfrmulas e mtodos matemticos. Nessas frmulas e mtodos que se assentam as estruturas operativas das tecnologias deinformao e comunicao (TICs). Assim, as chamadas pa-tentes de software afetam a funo socioeconmica dessas

    tecnologias.

    35

    Vale dizer que o Inpi, em suas diretrizes de exa-me para a matria, explicita que:

    o programa de computador em si excludo de proteo patentria;

    todavia, se o programa controla a operao de um computador,

    mesmo convencional, de modo a alterar tecnicamente o seu fun-

    cionamento, a unidade resultante do programa e do computador

    combinados pode ser uma inveno patentevel como mtodo ou

    dispositivo.

    apresentao de informaes essa matria tambm no con-templada pela LPI, assim como cartazes, banners, folhetos etc.;

    tcnicas e mtodos operatrios ou cirrgicos, bem como m-todos teraputicos ou de diagnstico, para aplicao no corpohumano ou animal esse dispositivo tem sua importnciaatestada pelo fato de que essa matria consta do Acordo Trips.36

    Tais tcnicas e mtodos so conceituados da seguinte formapelas diretrizes do Inpi para o setor biotecnolgico:37

    35 Rezende e Lacerda, 2005.36

    Art. 27, 3 Os membros tambm podem considerar como no patenteveis:a) mtodos diagnsticos, teraputicos e cirrgicos para o tratamento de sereshumanos ou de animais (...).

    37 Disponvel em: .

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    Todo mtodo que requeira uma etapa cirrgica, ou seja, uma eta-

    pa invasiva do corpo humano ou animal (por exemplo, implanta-

    o de embries fertilizados artificialmente, cirurgia esttica,

    cirurgia teraputica etc.), considerado como mtodo cirrgico,

    incidindo naquilo que o art. 10 (VIII) diz no ser inveno. (...)

    Mtodos teraputicos so aqueles que implicam na cura e/ou pre-

    veno de uma doena ou mau funcionamento do corpo huma-

    no ou animal, ou alvio de sintomas de dor, sofrimento e

    desconforto, objetivando restabelecer ou manter suas condiesnormais de sade. (...)

    Mtodos de tratamento no-teraputicos so aqueles que tm como

    ponto de partida as condies normais de sade do ser, e no

    objetivam qualquer profilaxia ou cura de doenas, nem alvio de

    sintomas de dor ou desconforto. Exemplos de tais mtodos seriam

    os tratamentos de animais para promover seu crescimento, ou

    melhorar a qualidade/produo de carne ou l, e mtodos cosm-ticos que objetivam resultados apenas estticos. Mtodos no-

    teraputicos, desde que apresentem um carter tcnico, no sejam

    essencialmente biolgicos (processos biolgicos naturais) e no se-

    jam de uso exclusivamente individual, so patenteveis. (...)

    Mtodos de diagnstico so aqueles que diretamente concluem quan-

    to ao estado de sade de um paciente como resultado da tcnica utili-

    zada, e no so patenteveis de acordo com o art. 10 (VIII) da LPI.

    o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biolgicosencontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusiveo genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e osprocessos biolgicos naturais no tocante proteo da bio-

    tecnologia, diversos pases optaram por no permitir patentea-mento de seres vivos, material biolgico existente na naturezae processos biolgicos naturais. Esta a posio adotada peloBrasil, como se pode observar pelo inciso IX do art. 10, com

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    relao ao que no se considera inveno nem modelo de uti-lidade, para fins de patenteamento. Porm, so passveis de

    obteno de patente os micro-organismos transgnicos, ou seja,aqueles que podem ser obtidos por meio de interveno hu-mana direta na sua composio gentica e que apresentam di-ferenas em relao aos da mesma espcie existentes na natureza.

    A possibilidade de patenteamento de micro-organismos trans-gnicos est contida, como exceo, no art. 18, que estabeleceo que no patentevel, ou seja, o rol da LPI de proibies de

    concesso de privilgio.

    O que no patentevel?

    Como vimos, a LPI faz distino entre as matrias que nopodem ser consideradas invenes nem modelos de utilidade (art.10) e o que no pode ser patenteado por expressa proibio legal

    (art. 18). No so patenteveis: o que for contrrio moral, aos bons costumes e segurana, ordem e sade pblicas;

    as substncias, matrias, misturas, elementos ou produtos dequalquer espcie, bem como a modificao de suas proprieda-des fsico-qumicas e os respectivos processos de obteno oumodificao, quando resultantes de transformao do ncleo

    atmico. Esse dispositivo j constava do cdigo de 1971. Se-gundo o Inpi,38 so patenteveis somente os equipamentos,mquinas, dispositivos e similares e, eventualmente, processosextrativos que no alterem ou modifiquem as propriedades f-sico-qumicas dos produtos ou matrias.

    o todo ou parte dos seres vivos, exceto os micro-organismostransgnicos que atendam aos trs requisitos de patenteabilidade

    38 Disponvel em: .

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    novidade, atividade inventiva e aplicao industrial pre-vistos no art. 8o e que no sejam mera descoberta. Transgni-

    cos so definidos pela lei como os organismos, exceto o todoou parte de plantas ou de animais, que expressem, medianteinterveno humana direta em sua composio gentica, umacaracterstica normalmente no alcanvel pela espcie em con-dies naturais. Por essa proibio legal, por exemplo, a desco-berta de micro-organismos existentes na natureza e queapresentem a caracterstica de degradar material no poderser protegida por patentes, mesmo que o uso dos mesmos, comomeio para degradar material anteriormente no degradvel,seja til, novo e com ntida aplicao industrial.

    A quem pertence a inveno ou o modelo de utilidade realizado por

    empregado ou prestador de servios?

    Essas so as chamadas patentes de servio.39

    A LPI, em seusarts. 88 a 93, trata dos principais aspectos relativos a invenes emodelos de utilidade decorrentes de contrato de trabalho ou deprestao de servios. A LPI estende tais disposies, no que cou-ber, s relaes entre o trabalhador autnomo ou o estagirio e aempresa contratante, e entre empresas contratantes e contrata-das. Alm disso, estende seus dispositivos, no que couber, s en-

    tidades da administrao pblica, direta, indireta e fu