passando a cumprir então o nosso programa...
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Engenharia Biomédica – 3º ano, 1º semestreMecanismos Gerais da Doença (2006/2007)
Professor Afonso Fernandes
Aula desgravada por Susana Ramalho e André Pereira
Passando a cumprir então o nosso programa vamos falar primeiro de
aterosclerose.
[Slide 1] E para vos dar uma ideia mais concreta de como as coisas se passam
temos ali uma pequeníssima história clínica, digamos assim, que fala de um homem de
56 anos que teve uma dor muito intensa na região precordial com irradiação para o
braço. Portanto, doía-lhe o precórdio e braço esquerdo e faleceu um pouco antes de
chegar ao hospital, portanto, já não foi possível fazer nada por este homem de 56 anos
que teve este episódio agudo de dor. A filha contudo contava que o senhor Pedro
fumava, tinha hipertensão arterial e teve vários episódios de dor precordial
(precordialgia) nos últimos meses. Este doente, como é habitual quando se entra no
hospital sem se conhecer a causa de morte, deve ser submetido a uma autópsia para
esclarecimento do que é que se passa e na autópsia, no exame do cadáver, verificou-se
que ele tinha lesões de aterosclerose intensa com lesões obstrutivas, portanto com
obstrução, no território coronário, portanto as artérias coronárias têm aterosclerose com
obstrução nos três ramos. Recordam-se que existe uma coronária direita e uma
coronária esquerda, e que a coronária esquerda depois tem dois ramos, uma
interventricular anterior e uma circunflexa. Portanto, quando falamos em doença dos
três ramos é da coronária direita, da circunflexa e da interventricular anterior. Portanto
com trombose….
O que é uma trombose? É um coágulo intravascular, portanto a trombose
corresponde à coagulação do sangue dentro do vaso, que forma um trombo.
Portanto, com trombose no segmento inicial da artéria interventricular anterior.
E depois também se viu que tinha um enfarte do miocárdio.
Aula 12 – 13 de Dezembro de 2006Tema: Envelhecimento
O que é enfarte? Quando há enfarte há necrose. Necrose significa morte celular,
portanto há uma zona de morte do miocárdio, dos miófitos – células que constituem o
miocárdio. Falámos logo num dos primeiros módulos sobre a necrose isquémica (a
necrose por falta de sangue), e é o que acontece aqui porque há obstrução de uma
artéria. Havendo a obstrução de uma artéria há a necrose por falta de sangue.
Portanto, enfarte antero-septal – parede anterior e septo do ventrículo – muito
extenso.
[Slide 3] Aqui têm o que poderia ser a trombose coronária, reparem isto é um
vaso aberto longitudinalmente, portanto isto é uma estrutura tubular, como são os vasos.
Aqui têm um ramo, reparem há lesões de aterosclerose porque vêm que há aqui lesões
elevadas amarelas, comparem o que está aqui com o que está aqui. E depois não vemos
o resto porque está tapado por um trombo, o tal trombo sanguíneo, o tal coágulo
intravascular que causa obstrução ao fluxo sanguíneo. Portanto o sangue não passa e o
território que está irrigado pelo sangue morre.
Este é o aspecto de um corte transversal de um ventrículo esquerdo com um
enfarte do miocárdio. Portanto, isto é um corte transversal do ventrículo, isto é a
cavidade, isto são os pilares, isto é o miocárdio, isto é o epicárdio. Este é o aspecto
normal do miocárdio e este é o miocárdio necrosado.
Em histologia podemos ver os miócitos necrosados, reparem que não vêm os
núcleos das células, há aqui um núcleo há aqui outro núcleo, mas há muitas destas tiras,
que são as células miocárdicas, que não têm núcleos porque já desapareceram, faz parte
do processo pós-sofrimento isquémico.
E depois há uma infiltração. O que é que acham que são estas células azuis todas
que estão aqui entre as células necrosadas? No miocárdio normal só vêm estas células
grandes em fita que aqui aparecem cor-de-rosa todas juntinhas, com núcleos. São
neutrófilos e/ou macrófagos, o quer dizer que estamos sob um processo de inflamação.
Portanto estas células necrosadas libertam produtos que desencadeiam processos
que levam ao aparecimento de mediadores da inflamação [revejam o módulo sobre
inflamação], que depois chamam os neutrófilos. E o que é que este processo
inflamatório vai ali fazer? Porque que é que há ali um processo inflamatório? Porque há
necrose, portanto há que fazer ali uma reparação. O processo de reparação envolve uma
etapa de inflamação, em geral, na maior parte dos tecidos. Portanto o que há depois é
que remover estas células necrosadas e fazer aqui uma cicatriz porque infelizmente nós
não temos capacidade de renovar as células miocárdicas. Que dizer, não vai haver
substituição dessas células necrosadas por outras células com função de miócitos. O
miocárdio não tem capacidade regeneradora. Hoje em dia é um desafio para a ciência
encontrar maneira de conseguir a regeneração do miocárdio e admite-se que células da
medula óssea possam ir localizar-se nos tecidos e diferenciar-se nas células desses
mesmos tecidos.
Portanto estas foram as consequências daquela obstrução.
O que nós vamos falar então é de etiopatogénese da aterosclerose, de uma
maneira não muito detalhada.
Aqui têm um aspecto do que são lesões de aterosclerose. Isto é uma aorta aberta
longitudinalmente, portanto estamos a ver o interior da aorta. Isto é a intima e reparem
que esta íntima em vez de ser lisa como seria este bocadinho aqui, é quase normal. Se
toda a aorta tivesse este aspecto era uma aorta quase normal, mas não tem... tem este
ponteado amarelo, tem estas linhas amarelas, tem estas zonas mais elevadas, tem aqui,
pelo contrário, uma zona elevada mas que tem um buraco ao meio. Isto são lesões de
aterosclerose, quando se fala em aterosclerose é isto que estão aqui a ver. É uma doença
da íntima das artérias que causa esta irregularidade da superfície intimal. A estas lesões
amarelas nós chamamos manchas lipídicas (lipídicas de lípidos, daí a cor amarela) e às
lesões elevadas nós chamamos placas. As placas podem-se complicar, por exemplo,
perdendo substância, uma espécie de úlcera, “ferida da placa”, e o problema é que este
material que sai daqui vai circular com o sangue e pode ir entupir artérias pequeninas lá
longe. Em relação à aorta, por exemplo, pode ir entupir artérias do pé.
Aqui vêm cortes transversais de uma artéria coronária com lesões de
aterosclerose, reparem aqui há uma redução muito acentuada do calibre do lúmen.
Quando a redução é superior a 75% não há capacidade de compensar esta redução,
aumentando o fluxo coronário, e então a pessoa tem sintomas e tem sofrimento por isso,
e o sofrimento no miocárdio leva àquela dor que a filha dizia que o senhor tinha,
aqueles episódios dolorosos precordiais, que ele provavelmente tinha quando se
esforçava mais, quando andava mais, porque isso obrigava o coração a mandar mais
sangue para os tecidos periféricos e isso obriga o coração a contrair-se mais, a gastar
mais oxigénio, portanto em princípio tem que ser entregue mais sangue, mas se não é
entregue mais sangue o coração sofre por falta de oxigénio. Esse sofrimento leva à
libertação de mediadores que causam dor, que estimulam as terminações nervosas.
Sabe-se que um desses mediadores é um bem vosso conhecido, é a adenosina. O que é
que a adenosina tem a ver com isto? Porque é que se liberta adenosina? A adenosina
pode aparecer em concentrações aumentadas na célula na sequência da isquémia.
Porquê? De que é que é feito o ATP? É de adenosina! Quando há a degradação, quando
há falta de energia, o ATP –> ADP –> AMP –> adenosina, e a adenosina passa à
membrana celular, contrariamente ao ATP. Portanto a adenosina sai das células e
estimula as terminações nervosas. E sai das células porquê? Porque houve falta de
energia. E portanto há a tal dor precordial que o doente de que falámos sentia em
episódios quando andava mais ou quando corria, etc. De facto não consegue passar aqui
sangue suficiente para evitar a isquémia.
Aqui a situação ainda é mais grave. Os bons observadores já viram que aqui
além de haver as lesões de aterosclerose, (que é este espessamento brutal da íntima com
depósitos de lípidos, amarelos naturalmente) há um trombo, que causa a obstrução da
artéria.
Toda a gente sabe que a aterosclerose é a principal causa de morte nos países
ocidentais, ditos de maior civilização, através do enfarte do miocárdio, através do AVC.
A aterosclerose é exemplo de uma doença crónica multifactorial e podemos ser curiosos
em relação à forma como se formam estas lesões, como é que aparecem as manchas e as
placas e depois também queremos naturalmente saber o que é que está entre o
aparecimento dessas manchas, placas e trombos e as manifestações clínicas.
E o tudo isto para quê? Para tentarmos delinear estratégias para a prevenção para
a aterosclerose ou para o tratamento dessas complicações.
A aterosclerose dá então enfartes do miocárdio, dá AVCs, dá gangrena dos
membros, a necrose do pé por exemplo, e depois há manifestações doutro tipo que é o
chamado aneurisma. O que é um aneurisma? É uma dilatação sacular, parecem sacos, de
uma artéria. O problema dos aneurismas é que podem rebentar e imaginam que se um
aneurisma da aorta abdominal, que é o que está aqui representado, rebentar, a
probabilidade de um indivíduo morrer é muito grande. É necessário que haja uma
intervenção cirúrgica muito rápida para o salvar. Depois pode também haver enfarte
intestinal, pode haver uma série de doenças crónicas, sofrimento crónico dos órgãos,
tudo isso são complicações da aterosclerose.
Estas placas podem calcificar.
Lesões remanejadas significam lesões complicadas, são complicações das
placas. As placas podem calcificar, ficar com depósitos de cálcio, podem sangrar dentro
da própria placa (o problema é que se há uma hemorragia para dentro da placa esta
aumenta subitamente de volume e pode levar à obstrução do vaso), podem ulcerar (e
isso liberta êmbolos) e podem ter uma trombose suprajacente.
A aterosclerose é um desafio em termos de compreensão por várias razões. Por
um lado por causa da distribuição electiva quer geográfica quer no próprio indivíduo.
Geográfica porque a aterosclerose é muito mais grave nos países ditos civilizados do
que em África, por exemplo. Isso pode ter a ver com o aumento esperança média de
vida da população? É evidente que se um individuo morre com tuberculose ou cólera ou
febre tifóide aos 20 anos não tem tempo para acumular as lesões da aterosclerose. Mas
mesmo fazendo essa correcção a aterosclerose é mais frequente no ocidente.
Por outro lado há também uma distribuição electiva em termos da árvore
circulatória, de facto a aterosclerose é mais frequente e mais grave na aorta abdominal,
nas coronárias, nos vasos do polígono de Wíllis. É mais grave nesses vasos do que nas
artérias dos membros inferiores e dos membros superiores, por exemplo.
Depois as consequências podem ser diversas, pode causar obstrução mas
também pode causar dilatação (o aneurisma). Tem uma evolução descontínua, há
períodos em que se formam muitas lesões e depois períodos em que se formam poucas
lesões, também não sabemos porquê. E a expressão clínica é muito diversa, isto é, há
quem morra aos 40 anos de enfarte do miocárdio por aterosclerose, e também há quem
morra aos 95 por uma pneumonia, nós fazemos a autópsia e até tem a aterosclerose
muito grave mas não morreu disso, morreu da pneumonia.
[Slide 8] Aqui têm agora a composição das estrias e das placas e vamos
sobretudo preocuparmo-nos como é que elas se foram, sem grandes pormenores. As
estrias e manchas amarelas são constituídas sobretudo por estas células que aqui estão
representadas com pintinhas amarelas, representam células esponjosas que são células
carregadas de lípidos. Estas células ficam com um aspecto esponjoso porque quando se
faz a técnica histológica, incluem-se os fragmentos naqueles blocos de parafina e ao
fazer-se essa inclusão em blocos de parafina usam-se solventes dos lípidos e então tudo
o que é lípido acumulado no citoplasma da célula é dissolvido e quando depois vemos
ao microscópio não vemos os lípidos vemos buracos que correspondem ao sítio onde
estiveram os lípidos. Então as células foram chamadas de esponjosas porque têm os
buracos que estão aqui representadas a azul e a verde porque podem ser de facto de dois
tipos, podem ter origem em macrófagos (a verde) ou podem ter origem em células
muscular lisas (a azul). As células muscular lisas vêm da muscular das artérias para a
íntima, para captar lípidos na íntima, isto já é a doença aterosclerótida não é a situação
normal.
E depois há um pouco de proteínas, depositam-se algumas proteínas extra
celulares, isto ocupa espaço e faz aquela mancha amarela.
[Slide 9] A placa é isto em maior, claro que há mais células muscular lisas que
foram chamadas aqui da média, agora aqui já vemos toda a estrutura da parede da
artéria, que fazem mesmo uma espécie de carapaça na placa. E depois há mais células
claro, há algumas células inflamatórias, macrófagos, linfócitos, pode haver depósitos de
cálcio (aqui a preto), e depois no centro da placa com muita frequência as células
morrem e os lípidos ficam extra celulares então forma-se ali uma papa amarela que já
não tem uma estrutura celular e que se designa por atere, que era o nome que os gregos
usavam para a papa de cereais. Daí o nome de aterosclerose, esclorose de dureza, de
facto a parede das artérias é dura, e depois tem a papa de cereais. Tudo tem uma
explicação
A aterogénese é a formação das placas, génese dos ateromas. Qual é a hipótese
hoje em dia para a aterogénese? É a hipótese da resposta à lesão que foi enunciada por
estes autores, já tem uns aninhos. Então admite-se que há agressores que podem ser
circulantes, que há alterações do endotélio, que aqui está representado a azul, e que há
uma resposta da parede arterial à lesão. Esta é a teoria que hoje é aceite para a
aterogénese. Portanto, alguns factores lesam o endotélio, a parede da artéria responde e
ao responder gera estas lesões. Esta resposta é do tipo inflamatório e por isso hoje a
aterosclerose é considerada uma doença inflamatória crónica.
Quais são os tais agentes que podem lesar o endotélio? Mais lípidos no sangue
(concentrações elevadas de colesterol no sangue faz aterosclerose), hipertensão arterial,
o fumo do tabaco, concentrações mais elevadas do aminoácido homocisteína, factores
hemodinâmicos (a aterosclerose não tem igual intensidade nas zonas em que o fluxo é
laminar, onde não há estimulação do endotélio. O fluxo pode ser laminar ou turbulento.
Nas zonas em que é turbulento há estimulação do endotélio com lesão endotelial.
Quando há uma bifurcação de uma artéria, um ramo de uma artéria aligeira-se, pode-se
gerar um fluxo diferente o que pode gerar uma tensão de cisalhamento diferente sobre o
endotélio e portanto essa diferença de pressão sobre o endotélio pode lesa-lo e fazer
com que ele passe a expressar outras moléculas), toxinas, vírus e até respostas
imonulógicas.
O que é que acontece ao endotélio? É essencialmente este tipo de disfunção. O
aumento da permeabilidade deixa passar mais constituintes do sangue para a parede da
artéria, a expressão de moléculas de aderência (as moléculas de aderência são moléculas
que as células expressam para se tornarem pegajosas, que fazem com que os leucócitos
adiram ao endotélio e saiam para os tecidos no âmbito da resposta inflamatória, ou seja
o endotélio fica pegajoso) e uma superfície pró-trombótica com tendência para que o
sangue coagule sobre este endotélio alterado. O aumento da permeabilidade leva à
acumulação de lípidos e depois há uma resposta com a formação das células esponjosas,
com mais linfócitos, é uma resposta inflamatória, com a tal migração e proliferação das
células muscular lisas e depois estas células uma vez estimuladas produzem proteínas da
matriz, por exemplo colagénio. Tudo isto vai contribuir para a formação da placa.
Vamos seguir os vários passos que estão elucidados em relação à génese. [Slide
14 até 20] Portanto, há mais lipoproteínas circulantes que podem causar lesão
endotelial, passar o endotélio e acumular-se no espaço sob o endotélio, na íntima da
artéria; há uma grande afinidade destas lipoproteínas (sobretudo das LDL –
lipoproteínas de baixa densidade) para com as proteínas da matriz, é difícil tirar as
lipoproteínas desta ligação aos proteoglicanos da íntima; além disso acontece um
fenómeno que hoje em dia se conhece muito bem que é a modificação das LDL.
Quando inicialmente se tentou mostrar como é que se formavam as células esponjosas
os investigadores tiveram uma grande dificuldade em fazê-lo porque quando punham
LDL e macrófagos numa cultura de células os macrófagos não captavam as LDL. Como
é que os macrófagos se transformam em células esponjosas se eles não captam as LDL?
Era um mistério… Manipulações clínicas diversas das LDL, entre as quais a acetilação
– ligar um grupo acetil, mostraram aos investigadores que se colocassem macrófagos na
presença de LDL acetiladas, os macrófagos comiam as LDL acetiladas a grande
velocidade e faziam células esponjosas. Só que a acetilação não é um fenómeno que
ocorra in vivo nas LDL. Portanto o problema ainda não estava resolvido. Finalmente
descobriu-se que a oxidação das LDL, quer da parte lipidica quer da parte proteica, fazia
com que elas passassem a ser captadas pelas células da parede arterial e a formarem
células esponjosas. Uma das formas de modificar as LDL é oxidá-las. Outra é ligar
resíduos de glicose, isso acontece numa doença em que a aterosclerose é mais grave, ou
seja, a diabetes. Portanto, nos diabéticos há hiperglicémia, há aumento da concentração
de glicose e há a tendência para os resíduos de glicose se ligarem às proteínas fazendo a
chamada glicação das proteínas. Essas LDL modificadas por glicação também passam
para a parede da artéria e ligam-se ao proteoglicanos. Continuando a seguir o
processo…
As LDL modificadas têm uma série de acções de pró-aterogénicas e formam
então as células esponjosas.
Depois outra das alterações endoteliais era a expressão de aderência. Moléculas
de aderência que permitem a aderência dos monócitos circulantes ao endotélio e depois
a passagem pelas junções inter-celulares com transformação em macrófagos no espaço
sub-intimal, é daqui que vêm os macrófagos. Os macrófagos captam as LDL
modificadas.
O que é que estimula a expressão das células de aderência? Uma série de
substâncias, como as LDL modificadas propriamente, e várias citocinas que se libertam
no contexto do processo inflamatório. Entretanto também aparecem os linfócitos T.
depois formam-se as células esponjosas de que já falámos.
[Slide 21 a 29] Esta formação das células esponjosas requer a presença nos
macrófagos de receptores especiais chamados receptores captadores, o mais importante
é este CD36. São os receptores que captam avidamente as LDL e as metem dentro da
célula. Isto é muito diferente com o que se passa com o receptor para as LDL que
também capta o colesterol para as células, mas há um mecanismo de regulação que
impede que a célula capte colesterol a mais porque à medida que o colesterol vai
aumentando na célula há uma hipoexpressão do receptor das LDL na superfície e
portanto às tantas já não há receptores das LDL para captarem mais colesterol e por isso
a célula não se enche de colesterol. Mas os macrófagos com estes receptores que não
são os receptores normais das LDL, os tais receptores captadores, enche-se mesmo de
colesterol porque nestes receptores não há esse mecanismo de feedback, portanto as
células transformam-se mesmo em células esponjosas.
Depois há a tal chamada de células muscular lisas da camada muscular das
artérias para a íntima, há uma série de factores, factor de crescimento derivado das
plaquetas, cá estão as plaquetas a aderir ao endotélio lesado, inicialmente descobriu-se
que as plaquetas produziam este factor de crescimento derivado das plaquetas mas hoje
sabe-se que este factor é também produzido pelo endotélio, pelos macrófagos e até pelas
células muscular lisas. Uma série de mediadores da inflamação (factor de crescimento
fibroblástico, trombina, endotelina, interlocina 1, factor de necrose tumoral) que
provocam a chamada das células muscular lisas para a íntima. De facto, nós dizemos
que há uma alteração fenotípica, que dizer, a célula muscular lisa está na média para se
contrair e relaxar, só que aqui ela muda de fenótipo, em vez de ter este fenótipo
contráctil passa a ter um fenótipo que chamamos por elaborador, porque vai deixar de
servir para contracção e vai captar lípidos, transformar-se também em células
esponjosas, e vai produzir substâncias, como por exemplo, proteínas da matriz (o
colagénio que se encontra nas placas é produzido por estas células). É o fenótipo
elaborador, não contraem, migram, mexem-se, dividem-se, produzem todas estas
substâncias e captam lípidos.
Então formam-se também células esponjosas a partir das células muscular lisas,
cá temos os dois tipos de células esponjosas de que falámos.
Depois estas células muscular alteradas produzem proteínas da matriz que vão
também ser um componente das placas e um dos factores que estimula essa produção é
o factor de transformação de crescimento beta.
Depois as células necrosam e forma-se o tal núcleo, a tal papa de cereais no
centro da placa, e entretanto começa também uma neovascularização que é a formação
de novos vasos na parede da artéria. Esta neovascularização vai ser um problema porque
estes vasos são vasos formados de novo, são frágeis e podem rebentar. Se um vaso
destes rebenta há hemorragia dentro da placa então a placa pode subitamente aumentar
de tamanho e causar obstrução da artéria. Cá está a hemorragia.
Finalmente, sabe-se que estas placas tendem a calcificar, ficar duras. Há uma
série de proteínas nessas placas que explicam essa chamada de cálcio e a deposição
deste. Quando se vêm radiografias do toráx de doentes idosos é muito frequente ver-se a
parede da aorta desenhada na radiografia porque a parede está calcificada por causa da
aterosclerose (na radiografia os ossos são opacos).
[Slide 30] Vamos então ver os factores de risco. Quais são? É a dislipidémia, o
colesterol a mais, os triglicéridos a mais, a hipertensão arterial, o tabagismo e a diabetes
mellitus. Estes são os mais importantes, mas há mais que para o nosso estudo não têm
grande importância [Slide 31].
[Slide 32] É claro que existem alguns factores protectores. A remoção das
células esponjosas é um facto, mas em geral é um factor quantitativamente pouco
significativo senão as placas não se formavam. Há o chamado transporte reverso do
colesterol que sabe-se que as HLD (lipoproteinas de alta densidade) transportam o
colesterol das placas para o fígado, portanto fazem o oposto, isso é um mecanismo de
protecção naturalmente.
[Slide 33] E depois há uma série de factores anti-trombóticos e trombolíticos,
contra a formação do trombo ou para degradar o trombo já formado, que também são
factores de protecção uma vez que impedem o trombo obstrutivo. As HDL sabe-se que
são diminuídas numa série de situações que pré-dispõem a tuberculose e que estão
aumentadas numa série de situações que contrariam a aterosclerose (o fumo do cigarro e
a diabetes). As lesões de aterosclerose são muito mais importantes no sexo masculino
do que no feminino até à menopausa, a partir da menopausa a mulher começa a ter uma
tendência crescente para ter lesões maiores de aterosclerose e por volta dos 70-80 anos
já tem um risco aproximadamente semelhante ao do homem. Isto porque os estrogéneos
femininos aumentam a concentração das HDL, este é um dos factores protectores. Toda
a gente ouviu dizer que o exercício físico faz bem e que é contra a aterosclerose e
também aumenta as HDL e o consumo moderado de bebidas alcoólicas é também anti-
aterogénico. Até duas bebidas por dia na mulher e três no homem isso poderá ter
alguma acção protectora da aterosclerose. Uma bebida 10g de álcool 1 copo de
vinho, 1 caneca de cerveja ou uma bebida de whisky, etc. [Já sabem!]
[Slide 34] Este quadro é um resumo de tudo o que vos disse.
[Slide 35] Além disso, as lesões da aterosclerose importam também ser
analisadas em termos de evolução das placas porque isso é que vai determinar no fundo
as complicações clínicas. Entram e saem lipoproteinas, entram e saem leucócitos,
proliferam-se células, morrem células, produz-se matriz extracelular, calcificam-se,
neovascularizam-se.
[Slide 36] E do balanço entre tudo isto podem resultar as complicações e sabe-se
que há placas estáveis que são menos “perigosas”, são placas que têm uma carapaça
fibrosa espessa e pelo contrário há placas que até podem ser mais finas mas que são
instáveis, têm uma carapaça fibrosa mais fina ou quase inexistente, têm mais
macrófagos, são mais moles, têm mais linfócitos T, têm um núcleo de necrose maior,
têm mais proteases, menos proteínas da matriz, o factor dos tecidos é um factor da
coagulação, e portanto são estas placas são mais perigosas do que as outras, são estas
que levam à trombose que depois leva ao enfarte do miocárdio e a outras complicações.
Para além desta diferença entre placas há também este balanço entre factores que
levam à trombose e factores que evitam a trombose. Este balanço também é importante
para determinar o risco que um individuo tem em fazer um acidente isquémico agudo.
Por outro lado, em relação as localizações, que predominam nas bifurcações,
isso tem a ver com a tal tensão de cisalhamento. De facto há diferenças quando se
estuda o fluxo elevado e regular ou quando se estuda um fluxo oscilatório e turbulento.
Essa variação de fluxo faz com que haja ou a expressão de um fenótipo endotelial anti-
aterogénico ou um fenótipo aterogénico.
[Slide 41] Aqui deixo-vos uma lista dos mecanismos gerais implicados na
aterogénese, que foram todos aqui falados.
Envelhecimento
Ora bem, vamos agora falar de envelhecimento. É um tema que decidimos incluir nestes
cursos porque a compreensão fisiopatológica do envelhecimento é relevante, quer para a
Engenharia Biomédica, quer para a Dietética e Nutrição, por razões que, eu diria, são
óbvias. Quero eu dizer que as alterações que ocorrem durante este período da vida
podem condicionar determinadas limitações que é importante serem conhecidas e serem
compreendidas para se tenham em conta quer na actividade da Engenharia Biomédica,
quer na actividade da Dietética e Nutrição. E penso que este primeiro gráfico que trago
fala por si e mostra bem como é importante o que vos acabei de dizer. Vocês têm aqui
uma análise num número muito grande de queimados, são 11883 doentes (portanto não
é um pequeno estudo, é um grande estudo), em que se estuda a relação entre a área total
queimada (aqui 10%, 60%, 100% da superfície corporal) e a percentagem de
sobreviventes, em função da idade. Reparem que esta linha (a amarelo) representa o
grupo dos 5 aos 34 anos, e esta linha contínua (a vermelho) representa o grupo dos 75
aos 100 anos, e reparem que para uma mesma área total queimada, a percentagem de
sobreviventes varia muito com o grupo etário. Vamos pegar aqui nos 70% de área total
queimada, significa que no grupo dos 5 aos 34 anos existe 60% de sobreviventes, mas
no grupo dos 60 aos 74 anos não praticamente sobreviventes e no grupo dos 75 aos 100
anos não há sobreviventes. Portanto reparem como é importante considerarem este
factor e como, de facto, a idade limita, neste caso concreto, a capacidade de
sobrevivência a uma agressão. Esta ideia é a ideia central da compreensão
fisiopatológica do envelhecimento.
Recordam-se, provavelmente, que, logo no primeiro módulo, eu vos mostrei um
esquema muito parecido com este, em que vos falava precisamente da manutenção do
equilíbrio do meio interior, da sua alteração e dos mecanismos que nós tínhamos para
repor o equilíbrio perdido. Isto representava o estado de saúde e isto representa o estado
de doença. Naturalmente, o que falta no idoso, é a capacidade para repor o equilíbrio
perdido para níveis menores da alteração desse mesmo equilíbrio. Alguns autores,
utilizando a base da palavra “homeostase”, usam o termo “homeostenose” para designar
esta situação fisiopatológica do envelhecimento. Vocês sabem que “estenose” significa
aperto, e portanto a ideia é uma espécie de afunilamento da capacidade de resposta que
caracteriza este período da vida. E é esta ideia que é fundamental para lidar com este
grupo etário em termos de balança saúde/doença.
Aqui, nestes esquemas que vos deixo, dou-vos no fundo uma lista de alterações que se
encontram no idoso, mas é sempre importante ter em conta que uma coisa é a alteração
ainda de âmbito fisiológico que se sabe que acompanha a idade avançada (é esta coluna
do meio em relação com estas características), e outra coisa é as doenças. Portanto, nem
sempre é muito fácil, na prática, delimitar a alteração que ainda cabe no âmbito do
fisiológico da alteração que já cabe no âmbito da doença (e que, portanto, merece uma
atenção médica adicional e específica, no âmbito do diagnóstico de uma patologia).
Sabe-se que, com a idade, aumenta a gordura corporal e diminui a água corporal, por
exemplo. Isto tem importâncias práticas. Calculam que os fármacos podem ser mais ou
menos lipo ou hidrosolúveis. E portanto, com esta alteração da composição corporal, as
mesmas doses de medicamentos lipo ou hidrosolúveis têm uma distribuição diferente
nos vários compartimentos do nosso corpo, e isso tem que ser tido em conta. Mas é
claro que ser obeso já cai no âmbito da doença, não é o simples aumento da gordura
corporal descrita como uma alteração fisiológica ligada ao envelhecimento, e o ser
anoréxico também cai no campo da doença. Há alterações visuais relacionadas com o
envelhecimento, mas que nunca atingem o nível da cegueira ou, no caso do aparelho
auditivo, da surdez. Essas já são perturbações que caiem no âmbito da doença. Portanto,
reparem, aqui percorrem-se, mais ou menos, todos os sistemas. Por exemplo, em relação
ao aparelho respiratório há uma diminuição da elasticidade pulmonar e o aumento da
rigidez da parede torácica. Há uma rigidez progressiva das articulações condroesternais
e condrovertebrais. Isso causa uma certa rigidez e, portanto, o idoso tem mais
dificuldade em aumentar a capacidade torácica. Portanto, isso pode de facto determinar
alterações da relação ventilação/perfusão, que vocês falaram no módulo sobre
insuficiência respiratória com o Professor Barbas, mas não significa que leva à dispneia
ou à hipoxia, isso já é no âmbito da doença. E assim sucessivamente.
Em relação ao nível do rim, também há alterações da capacidade de concentração da
urina que podem determinar alterações na resposta à restrição ou sobrecarga salina, etc.
Portanto, tudo isto são alterações que importa ter uma ideiam que ocorrem na idade
avançada, e que impõem determinados cuidados.
Em relação ao envelhecimento, há duas ideias que também são fulcrais. Uma delas é
que as curvas de sobrevivência têm sofrido uma evolução ao longo dos tempos e com a
civilização. Toda a gente tem ideia que o Homem Neolítico, provavelmente, tinha uma
esperança média de vida de 20 anos, e que ainda hoje a esperança de vida das tribos
“selvagens” da Amazónia ou africanas é de 30 ou 40 anos, ao passo que, entre nós,
como sabem, a esperança de vida é à volta dos 76 anos. Reparem que temos aqui países
com índices diferentes de evolução, temos vários períodos, e há claramente uma
tendência para nos aproximarmos nesta curva, que é a curva em que, na espécie
humana, a maior parte dos elementos chegarão aos 90 anos, e depois morrerão entre os
90 ou 100. Admite-se que, de facto, o limiar de vida, para a espécie humana, anda à
volta dos 120 anos, mas são poucos os que chegam a essa idade, mas há claramente uma
tendência para cada vez mais chegarem a esse limite, como vêm aqui.
Por outro lado, também é um facto que o fenómeno do envelhecimento é um fenómeno
dos ambientes protegidos. Se pensarmos agora em vida animal no geral, de facto o
envelhecimento praticamente não existe nos animais que vivem em ambiente natural. O
envelhecimento existe é nos animais que estão no jardim zoológico. Portanto, o
envelhecimento não é um fenómeno natural neste sentido que eu agora estou a falar.
Têm aqui as curvas de sobrevivência nos ambientes naturais e nos jardins zoológicos,
são completamente diferentes. A predação, as doenças, levam a que, em ambientes
naturais, a curva de sobrevivência seja completamente diferente.
Por outro lado importa também ter ideia que a esperança de vida num homem e numa
mulher é substancialmente diferente, nomeadamente até determinados grupos etários.
Reparem que a esperança de vida de uma mulher com 65 a 79 anos era, nesta altura,
quando foi feito este estudo, 20 anos, mas no homem era de 13. E de facto, nós sabemos
que as viúvas são muito mais numerosas que os viúvos e quando nós fazemos, aqui no
hospital, autópsias a indivíduos idosos, em geral são mulheres, não são homens, porque
há uma esperança de vida diferente nos dois sexos. Aqui também se comparam aquilo a
que nós chamamos os anos capazes de existência independente. Vocês sabem que com a
idade as pessoas podem perder a independência da existência, pode começar a depender
de terceiros, e aqui também é contabilizada esta diferença, mas ambas as diferenças se
vão atenuando à medida que nos vamos aproximando dos grupos etários mais elevados.
Admitimos em geral que nos organismos multicelulares se podem distinguir duas fases
da vida. Uma primeira fase, corresponde à fase de diferenciação e crescimento, que
culmina com a maturação sexual e a reprodução. Depois, entramos claramente numa
segunda fase, do tal declínio progressivo da eficiência fisiológica, a tal perda de
eficácias dos mecanismos homeostáticos, que acaba por levar à morte. É claro que
aquela discussão de “quando é que começa o envelhecimento?” é uma questão um
pouco académica. Há aqueles que defendem que o envelhecimento começa ainda
durante a vida embrionária ou na vida fetal, quando começa a diminuir a capacidade de
formar matéria viva. De facto há uma fase do embrião em que esta capacidade é
enorme, depois vai diminuindo logo a partir do nascimento. Estas discussões podem
percorrer a literatura científica médica, e não só, mas em termos gerais será razoável a
divisão da vida nestas duas fases.
Para explicar o envelhecimento, nós ainda hoje não conseguimos compreender muito
bem este fenómeno, até porque, em relação a tudo o que vos disse até agora, têm sido
levantadas essencialmente dois tipos de teorias: As do envelhecimento geneticamente
programado e as do envelhecimento por causas ambientais, envelhecimento epigenético.
Em relação ao geneticamente programado, têm-se procurado os genes da vitalidade.
Existirão os genes da vitalidade que, ao deixarem de funcionar, determinarão o
envelhecimento genético? Ou existirão gerontogenes, ou seja, genes que passam a
funcionar a partir de certa altura da vida, determinando as alterações do envelhecimento.
De facto, nós não temos ainda hoje respostas claras a estas perguntas, se estes genes
existem, mas o que não há dúvida, e depois já voltamos outra vez ao envelhecimento
secundário à acumulação passiva de alterações, por razões exteriores à própria célula.
Em relação às teorias genéticas, o que sabemos é que sabemos é que existem síndromes
genéticos, relacionados com alterações genicas bem demonstradas de envelhecimento
precoce. Têm ali aquela fotografia dum teenager que têm aquele aspecto. Perdeu o
cabelo, tem artroses tão graves que já tem que andar de muletas, tem um aspecto de um
velho, mas só tem 12 ou 13 anos. Estes indivíduos, com estes síndromes de
envelhecimento precoce, morrem de enfarte do miocárdio aos 15 anos, ou têm um
acidente vascular cerebral aos 20. Há características fenotípicas de envelhecimento
precoce e há patologia que só se vê nos mais idosos. E estão identificados esses
síndromes, eu trago-vos aqui dois exemplos, sabem-se até os genes alterados, embora se
saiba mal a relação, eu diria que praticamente se desconhece, entre estas mutações
nestes genes e todas as alterações que acontecem nestes indivíduos, quer dizer, não
sabemos muito bem o que é que liga a mutação destes gene a todas as alterações que
acontecem nestes indivíduos (queda precoce do cabelo, o cabelo ficar branco mais cedo,
a pele perder a elasticidade, as articulações se deformarem, a artrosclerose ser uma
artrosclerose acelerada, estes indivíduos têm uma artrosclerose aos 10 anos como tem
um idoso de 60 ou 70). Mas de facto, isto mostra que há genes que interferem com o
envelhecimento, claramente. Por outro lado, sabe-se também que, quando procuramos
cultivar células, e vocês provavelmente já viram culturas de células, existe um limiar
para a replicação das células (estamos a falar em células normais). O Professor Luís
Costa, no módulo de neoplasia, deve ter-vos dito que as culturas de células neoplásicas
são praticamente eternas, é possível manter estas culturas durante anos e anos e anos…
Mas em relação às células normais, estas têm um potencial de replicação limitado, mais
ou menos 50 replicações. A partir daí não há mais divisão celular e a cultura entra em
cenescência, envelhece, não se reproduz mais. Inicialmente, não se tinha a ideia deste
fenómeno e até se pensava que isto não era assim. O autor que descreveu que as culturas
de células normais eram eternas, caiu num erro. É que ele manteve uma cultura de
células aparentemente normais durante 30 anos e escreveu sobre isso. Só que depois,
quando foi rever os trabalhos dele, quando Hayflick descreveu este fenómeno, foram-se
rever os trabalhos de [Carel] e verificou-se que ele juntava ao meio de cultura extractos
de embrião e não tinha o cuidado de garantir que esse extracto de embrião, que ele
juntava ao meio de cultura para alimentar as células, fossem extractos acelulares (sem
celulares). O que ele estava a fazer era juntar ao meio de cultura extractos com células e,
portanto, estavam sempre a entrar novas células na cultura e haviam sempre novas
células na cultura para se replicarem. Assim, manteram-se durante trinta e tal anos e as
pessoas convencidas as células se podiam cultivar indefinidamente.
Não é assim. Existe o chamado fenómeno de Hayflick que é isto que está aqui descrito.
Paragem em G1-S do ciclo celular ao fim de 40 a 60 duplicações. Quando foi descrito
este fenómeno, alguns reclamaram ter descoberto a causa do envelhecimento: As nossas
células têm uma capacidade replicativa limitada e, por isso, envelhecemos. Que
remédio… Mas também alguns, e vocês serão capazes de usar o argumento que eles
usaram, e dizer “Ah, isso não me convence!”.
Vocês sabem que existem órgãos que são constituídos por células sem capacidade
replicativa. Ainda há bocadinho falámos do miocárdio. Com o cérebro e o músculo
estriado passa-se o mesmo, e toda a gente sabe que há envelhecimento cardíaco,
muscular e cerebral. Por isso, existem células pós-mitóticas, que já não se dividem mais
durante toda a vida, e esses órgãos também envelhecem. Portanto, não é a multiplicação
das células que determina o envelhecimento, pelo menos a explicação global. Contudo,
houve também muitos dados colhidos da experimentação e da observação que levaram a
valorizar-se muito este fenómeno de Hayflick para explicar o envelhecimento. É que
quando se procura cultivar células de indivíduos mais novos, se eu colher fibroblastos
da pele de um indivíduo com 5 anos ou os meus, o potencial de replicação em cultura
das células do indivíduo de 5 anos é superior ao dos meus fibroblastos.
Por outro lado, o potencial replicativo (o número de divisões) das células de diferentes
espécies (e sabem que as espécies têm diferentes esperanças de vida) varia consoante a
esperança máxima de vida de cada uma.
Em relação à razão desta limitação para a duplicação, esta provavelmente está no
encurtamento telomérico. Sabem que a cada divisão celular há um encurtamento do
telómero. Os telómeros, de alguma forma, garantem a divisão celular certa porque
protegem as extremidades dos cromossomas e evitam alterações nos genes destas
extremidades e, por outro lado, evitam que os cromossomas se fundam e que hajam
alterações cromossómicas que tornariam as células inviáveis. O que acontece é que a
cada divisão celular há um encurtamento do telómero e admite-se que essa seja a razão
para que depois haja um limite para a duplicação. É que às tantas os telómeros são tão
curtos que deixam de garantir isto que vos disse e a célula passa a não se conseguir
dividir. As células cancerígenas, que o Professor Luís Costa no módulo de Cancro, têm
uma enzima activada que é a telomerase, que é uma enzima que garante a reposição do
telómero. Tudo isto parece jogar certo, aquelas células conseguem-se dividir
indefinidamente. Admite-se, como vocês já entenderam, com certeza, que uma das
estratégias de combater o cancro possa ser inibir a telomerase (e já há inibidores da
telomerase a serem ensaiados). Os telómero estão aqui representados, são estas
sequências nas extremidades dos cromossomas.
Ainda a favor da importância dos genes na cenescência celular, verificou-se que há
genes no cromossoma 1 que são dominantes em relação à característica da cenescência,
quer dizer, se vocês fundirem (e podem-se fazer experiências de fusão celular), células
cenescentes com células imortais (células transformadas, de cancro) vocês podem
verificar que a característica da cenescência é dominante em relação à característica da
imortalidade.
Depois há trabalhos, que já têm alguns anos, mas aqui trago-vos sobretudo os mais
recentes, que mostram que de facto há influência genética na longevidade da espécie
humana. Aqui é feito um estudo curioso entre irmãos monozigóticos e bizigóticos, são
os estudos a que se recorre para se saber a influência dos genes, e chega-se à conclusão
que a esperança de vida dos monozigóticos é semelhante entre si e é diferente dos
bizigóticos, porque tem os mesmos genes.
Também já se identificaram vários genes. Por vezes acorda-se com a notícia na TSF ou
na Antena 1: “Ah! Descoberto o gene do envelhecimento…”. É mais um… Já ouvimos
isto não sei quantas vezes. São vários genes que foram relacionados com o
envelhecimento, um destes foi o Sir2 que, de facto, tem esta acção de desacetilase, é um
gene modulador da resposta ao stress e, embora não se entenda muito bem a relação,
tem, de facto, a ver com o envelhecimento.
Falei-vos que além das teorias genéticas, existem as teorias epigenéticas. Estas partem
do princípio que o envelhecimento não está geneticamente programado, o que há são
factores do ambiente que determinam uma deterioração progressiva da estrutura e das
funções das células, que levam inevitavelmente às alterações do envelhecimento e à
morte.
E muitas teorias têm sido feitas à volta destas hipotéticas alterações epigenéticas. Uma
das mais aceites hoje em dia é a dos radicais livres aplicado ao envelhecimento. Eu já
vos falei sobre radicais livres, lembram-se que tivemos um pequeno módulo acerca
deste tema. A hipótese de Harman, já dos anos 50, mas é hoje uma das hipóteses com
defensores que podem usar argumentos mais sólidos do ponto de vista científico e
vamos já ver dois ou três desses argumentos. Mas outras teorias foram levantadas: As
alterações pós-tradução (que a alteração não estaria na produção de proteínas, mas nas
alterações das proteínas após a tradução), a Teoria do Erro-Catástrofe (admite que existe
erros na transcrição e tradução. Esta teoria não foi de todo comprovada), a acumulação
de resíduos nas células (também não há qualquer confirmação que seja esta uma causa
do envelhecimento), é verdade que com o envelhecimento há alteração, não na
qualidade da síntese proteica, mas sim na velocidade da renovação das proteínas, mas,
como vos disse a teoria dos radicais livres é a teoria epigenética mais relevante
provavelmente.
Mas está bem demonstrado a glicação das proteínas – eu já vos falei da glicação das
proteínas há bocadinho, recordam-se quando falei da modificação das LDL. De facto,
nos diabéticos, em que há um envelhecimento precoce, também há glicação das
proteínas, claro, esta é a doença em que a glicação por excelência está mais estimulada,
e sabemos que da glicação das proteínas resultam alterações, aqui esquematizadas pelas
fórmulas químicas, que levam depois às alterações das proteínas que podem explicar,
por exemplo, as cataratas senis (alterações das cristalinas, das proteínas que constituem
o cristalino) e essas alterações podem ser devidas precisamente à alteração destes
produtos de [Amazori], que resultam da glicação das proteínas (glicose + proteínas) e
que depois formam estes compostos [SSI] que têm tendência a formar ligações
cruzadas, as quais vão levar à opacificação do cristalino, por exemplo. Aqui têm
precisamente a formação destas ligações cruzadas entre proteínas, formando os
chamados “produtos finais da glicosilação (glicação) avançada das proteínas” (em
inglês AGE).
Mas o desequilibro entre factores oxidantes e factores desoxidantes é, de facto, a base
desta teoria, em que se admite que existe uma diminuição das capacidades de defesa
antioxidante (de que já vos falei na aula de radicais livres) e um aumento na produção
de radicais. [Heinz] criou o chamado Teste de [Heinz] para a detecção de substâncias
químicas que provocam o cancro. Vocês hoje ouviram falar, com certeza para quem
ouviu as notícias, que a Comissão Europeia definiu novas regras para o lançamento de
substâncias químicas, porque agora a indústria química tem que provar que as
substâncias não fazem mal à saúde, ao passo que, na regra anterior, eram os governos
que tinham que provar que as substâncias faziam mal à saúde, era o oposto. Ora bem,
[Heinz] criou um teste extremamente simples que partia de culturas de salmonelas e
estas eram expostas a determinada substância e uma determinada alteração que aparecia
nessas culturas permitia inferir que essa substância tinha a possibilidade de causar
mutações. Mas [Heinz] também descreveu que é possível dosear na urina produtos da
oxidação do ADN, pelos radicais livres, e de facto ele assim demonstrou que, todos os
dias, existe um número (que não está ali escrito e eu agora também não me lembro) de
alterações de oxidação de bases oxidadas, porque depois estas dão certos produtos que
são excretados na urina e isto serve como uma medida para o número de bases oxidadas,
e as bases oxidadas vão corresponder a mutações. A quantidade de produtos oxidados
na urina varia consoante a esperança de vida da espécie animal (o ratinho que vive 2 ou
3 anos oxida mais que o homem que vive 100 ou 120 anos), portanto há aqui relações
curiosas.
Por outro lado, existe uma relação directa entre a concentração da SOD (superoxide
dismutase), que provoca a dismutação do superóxido (um radical livre), e o tempo
máximo de vida – o ratinho tem menos, vive menos, e o chimpanzé tem mais, vive
mais, e o homem tem muito mais. Também é curioso, a defesa antioxidante é mais
eficaz nos que vivem mais tempo, uma relação que joga a favor desta teoria dos radicais
livres para razão para o envelhecimento.
Por outro lado, e, já agora, pensando ter uma intervenção neste fenómeno, alguns
autores procuraram prolongar a vida deste nematoda (o primeiro do qual se soube toda a
sequência genética, muito usado em laboratório) e o que eles verificaram é que se
administrassem substancias, com uma acção que imitam a acção SOD e caralase
(enzimas antioxidantes) conseguiam prolongar a vida destes bichinhos 44%. Não há
dúvida que o aumento da eficácia antioxidante pode prolongar o tempo de vida. Aqui
têm o mesmo, mas aplicado a um mamífero, a ratinhos.
E depois há observações muito curiosas, como esta que está aqui descrita. São capazes
de me ler o que está ali descrito naquele gráfico? Quanto mais come, menos tempo vive.
Isto demonstrado para a aranha, que se alimenta de moscas, como está ali bem descrito.
Dependendo do número de moscas que possibilitamos que a aranha coma, assim ela
vive mais ou menos.
E estas experiências já decorreram com roedores, mais uma vez os ratinhos, são sempre
uns infelizes nisto. E então, reparem que uma restrição calórica de aproximadamente 30
a 40% das calorias ingeridas por dias, que não interfere com os alimentos ditos
essenciais (estão lá as vitaminas, as proteínas, os aminoácidos essenciais, os ácidos
gordos essenciais), tem uma clara influência no tempo máximo de vida deste mamífero.
Então mas podemos inferir alguma coisa daí para a espécie humana? Não sei… Claro
que não se fazem estas experiências com humanos, mas estão-se a fazer experiências
com chimpanzés, mas estas demoram um bocado mais de tempo do que as feitas com
ratinhos, os chimpanzés duram 50 anos. Só daqui a uns aninhos é que se vai poder dizer
o que é que deram as experiências com chimpanzés. Mas o que é um facto é que a
restrição calórica parece ser um factor determinante da esperança de vida. E isto, claro,
não é alheio a aquela questão da produção de radicais livres, porque quanto mais
substratos houver para oxidar (cadeia respiratória) mais radicais livres se produzem.
Portanto admite-se que possa haver uma ligação entre as duas coisas.
Também se sabe que uma mosca sem asas vive mais que uma mosca com asas. Claro
que aqui se pode perguntar “Então, mas uma mosca sem asas é uma mosca?”. Pois, se
calhar não é, mas se se fizer esta experiência verifica-se isto, provavelmente, porque a
cadeia respiratória funciona muito menos (não tem que gastar a energia correspondente
ao exercício de voar), produz menos radicais e, então, vive mais. Os autores que
começaram por fazer esta experiência também verificaram que a restrição calórica
provocava um atraso na perda de uma série de funções importantes. Com esta controla-
se mais tempo a glicemia, a capacidade reprodutora feminina é mais longa, há mais
reparação do ADN, etc. Portanto, há uma série de funções que são poupadas durante
mais tempo. Por outro lado, há um atraso no aumento das ligações cruzadas das
proteínas (aquela glicação não-enzimática que eu já vos falei) e há também um atraso no
aumento nas lesões por oxidação não reparadas nos tecidos. Aqueles ratinhos com
restrição calórica têm menos doenças auto-imunes, menos cataratas, menos cancro,
menos hipertensão arterial, e menos insuficiência renal. Há uma série de doenças que se
tornam menos frequentes no grupo sujeito à restrição calórica.
As razões pelas quais a restrição calórica tem estes efeitos não estão perfeitamente
esclarecidas, mas admite-se que tem a ver com a diminuição da sobrecarga oxidante, a
diminuição dos níveis deste factor de crescimento insulínico, que se demonstrou estar,
de facto, diminuído. E há uma resposta adaptativa com modulação da expressão
genética, que tem a ver com aquele gene Sir2, e que se admite que, nas células sujeitas a
um certo grau de restrição calórica, há uma adaptação à sobrevivência com aquela
restrição, e que essa adaptação passa por gastar menos energia e, por isso, produzir
menos radicais. Aqui têm, precisamente, esta relação que acabei de estabelecer. Lá estão
os genes Sir2 de que vos disse que se admite que fazem a ponte entre esta capacidade de
adaptação celular à restrição calórica e a sobrevivência. Esta é uma revista de nutrição.
Depois, e na espécie humana, existe alguma evidência de que haja alguma influência da
restrição calórica? Não sabemos bem, mas temos aqui estes dados, desta ilha do Japão,
em que a alimentação tem cerca de 30% menos de calorias, e aqui nesta ilha existe 40%
mais de idosos centenários do que no resto do Japão e as doenças diabéticas também são
menos frequentes.
Admitimos então que há factores genéticos que podem depender da existência de genes
[?], de mecanismos de reparação de ADN, desta resposta ao stress, das defesas
antioxidantes (das quais algumas delas também são determinadas geneticamente), e
factores ambientas que têm a ver com a dieta, com as doenças e com o stress exógeno
(as radiações, as substâncias químicas) que podem alterar o metabolismo, levanto a uma
maior ou menor carga oxidativa, de que pode depender a lesão celular, o
envelhecimento e a morte.
Perguntas?
Aluno: [Inaudível] (Tem a ver com a limitação da replicação das células)
Professor: Sim, mas repare, o facto de ter esta limitação não implica um impedimento
da regeneração, porque, para que a regeneração seja possível, têm que ficar células e
quando essas células entram em replicação, cada vez que há uma replicação, duplica o
volume e repare que 50 vezes é muita vez. Isto é um crescimento exponencial não é?
Houveram alguns autores que fizeram contas e modelos matemáticos, para estudar se
esta limitação de “50 vezes” seria uma limitação aos 100 anos de vida. O que eles
criaram foram modelos em que apreciaram essa replicação, mas com divisão assíncrona
das células. Repare que todas as células não se têm que dividir todas ao mesmo tempo.
Hoje pode um fibroblasto começar-se a dividir, e são 50, mas amanhã é outro, e, no
outro dia, outro, e cada um 50 vezes. E como estamos a falar em muitos milhares de
células, fazendo o modelo com divisão assíncrona (é claro que se a divisão fosse ao
mesmo tempo, o tempo total era menor) chegaram à conclusão que isso não era de todo
uma limitação. Com a divisão assíncrona de células de reserva, estas 50 duplicações
chegam e sobram para garantirem os 100 anos.