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Partilhas Clínicas Reflexões sobre e para a prática clínica Reflexões clínicas dos Psicólogos da Oficina de Psicologia, com base na sua experiência efectiva do acompanhamento de casos, tendo em conta a sua aplicabilidade para uma maior eficácia do processo psicoterapêutico. Primeiro trimestre 2011, 28 Março. I_2011 Oficina de Psicologia www.oficinadepsicologia.com I_2011

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Partilhas Clínicas Reflexões sobre e para a prática clínica Reflexões clínicas dos Psicólogos da Oficina de Psicologia, com base na sua experiência efectiva do acompanhamento de casos, tendo em conta a sua aplicabilidade para uma maior eficácia do processo psicoterapêutico. Primeiro trimestre 2011, 28 Março.

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10:00 – 10: 30

Perturbação Borderline da Personalidade – Vinculação e trauma

Francisco de Soure

INTRODUÇÃO

Escrever sobre uma perturbação de personalidade (PP) resulta, quase sempre, numa tarefa

difícil. Por vezes, quase tão difícil como trabalhar com clientes que dela sofrem em

consultório! Desde logo porque,ainda hoje, a definição de PP como categoria de diagnóstico

se mantém controversa. Como Fischer-Kern e outros (2010) citam, quer pela heterogeneidade

e ausência de estabilidade nos sintomas e traços que as compõem, quer pela dificuldade em

avaliar a sua severidade, particularmente por contraste com as perturbações do Eixo I do

DSM. Neste contexto, a investigação em psicoterapia tem desenvolvido um conjunto de

correntes de investigação paralela cujo âmbito é tornar mais clara a natureza das PP,

extraindo factores e desenvolvendo teorias etiológicas para cada uma delas. Uma breve

revisão da literatura nesta área permite constatar a emergência recorrente de uma

perturbação em específico por contraponto com as restantes. É aquela que surge mais

integrada nas suas manifestações, mais coerente na sua etiologia, com os correlatos mais

sólidos, e considerada um dos “Adamastores” da psicoterapia: a perturbação borderline da

personalidade (PBP) (Fonagy et. Al., 1996; Fischer-kern et. Al., 2010; Livesley, Jackson &

Schroeder, 1992). Se a generalidade das descrições sintomáticas de PP vêm a sua utilidade

questionada, a PBP vem-se solidificando enquanto construto. Não apenas pela investigação

que continua a gerar, mas também pelas dores de cabeça que provoca a terapeutas pelo

mundo fora. Procuremos, nas páginas que se seguem, passar em revista as hipóteses mais

investigadas quanto à sua etiologia, manutenção e sintomatologia, convidando à reflexão

acerca de algumas implicações e limitações à prática clínica no seu tratamento.

PERTURBAÇÃO BORDERLINE DA PERSONALIDADE: VINCULAÇÃO E TRAUMA

O diagnóstico de PBP é aquele que se atribui a indivíduos que exibem reduzidos níveis de

controlo de impulsos, apresentam elevados níveis de instabilidade interpessoal, com

oscilações repentinas e aparentemente inexplicáveis do humor, dados a explosões de fúria e

que, no limite, exibem de forma continuada comportamentos auto-destrutivos. São

geralmente descritos como pessoas com elevada sensibilidade a todo o comportamento do

outro que possa ser percebido como uma instância de rejeição ou abandono. Quando formam

um laço com um outro significativo, são movidos por um medo inabalável de ver esse laço

cortado. Exigem manifestações recorrentes de afecto e atenção. Na sua ausência, o afecto

que sentem como não correspondido transforma-se numa fúria avassaladora que dirigem,

primeiro, para o outro e depois para si. Frequentemente colocam-se em situações de risco

(p.e. consumos de substâncias, comportamento sexual promíscuo desprotegido), sendo

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frequente a presença de comportamentos de auto-mutilação. O risco de suicídio para

pacientes PBP é elevadíssimo. (Benjamin, 1996).

A utilização do termo PBP enquanto diagnóstico, por si só, manteve-se envolta em

controvérsia durante anos. De tal forma que, ainda hoje, é frequente ouvir relatos de

pacientes com diagnóstico de PBP com anteriores falsos diagnósticos de Perturbação Bipolar

(PB). Uma das hipóteses historicamente colocadas a este respeito passava pela inclusão da

PBP no espectro bipolar das perturbações do humor. A investigação vem desconfirmando esta

hipótese. Benjamin e Wonderlich (1994) demonstraram que pacientes diagnosticados com PBP

diferiam significativamente daqueles diagnosticados com PB e depressão unipolar em vários

aspectos das suas crenças e percepções relacionais. Mesmo na ausência de diferença na

severidade da sintomatologia depressiva, pacientes PBP tinham uma probabilidade

significativamente mais elevada de reportar as suas relações maternais como hostis e

altamente autónomas; de igual forma, estes pacientes reportavam de forma

significativamente superior a percepção da sua relação com pessoal médico e outros

pacientes internados como hostil. No mesmo estudo, os resultados apontaram para índices de

auto-controlo em pacientes PBP significativamente inferiores aos exibidos por pacientes PB ou

deprimidos, e significativamente superiores de auto-agressão quando comparados com os

pacientes PB.

Se formos além da sintomatologia e olharmos para a etiologia da PBP, o seu estudo é quase

tão antigo como a própria psicoterapia. Já em 1938, Stern (cit. por Paris, 1993) observava a

existência de um “grupo borderline de neuroses”, no qual pelo menos 75% dos pacientes

relatava uma história continuada, desde a primeira infância, de ausência de afecto maternal

espontâneo, de conflito paternal com explosões de raiva dirigidas à criança, de separação ou

abandono precoces e de crueldade, negligência e brutalidade prolongadas por parte dos pais.

Paris fornece uma revisão bibliográfica na qual os autores convergem: a PBP tem a sua

origem, tendencialmente, em trauma por mau-trato na infância.

Será relativamente a este ponto que o estudo da PBP reúne mais consenso. A mais forte

corrente de investigação acerca da etiologia da PBP e seu desenvolvimento foca-se na

vinculação e suas sequelas. Em 2001, Schore adoptou uma perspectiva neuropsicológica de

desenvolvimento para sublinhar a forma como interacções diádicas emocionalmente

carregadas com uma figura cuidadora essencialmente “moldam” o hemisfério direito da

criança, para o melhor ou para o pior. Com um cuidador responsivo, que eficazmente regule o

afecto da criança, que seja capaz de a securizar e acalmar, que facilite a comunicação

emocional num ambiente em que predomine a brincadeira e o afecto positivo, desenvolver-

se-à um padrão de vinculação seguro, que permite um desenvolvimento cognivito e emocional

adequado, marcado pela capacidade de auto-regulação. Relações precoces traumáticas, nas

quais o cuidador é percebido como assustador ou assustado, e marcados por comportamentos

de abuso passivo ou activo face às emoções da criança, dão origem a um padrão de

vinculação desorganizado, marcado pelo conflito entre a procura de proximidade e a fuga da

figura do cuidador, há muito considerado um fortíssimo preditor de BPD.

Depois de Bowlby, outros autores como Fonagy e Kernberg trabalharam sobre a forma como a

vinculação precoce influencia as expectativas formadas face ao outro, e seu impacto na auto-

regulação emocional. Fonagy com outros, em 1994, apresentou resultados que apontam os

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pacientes PBP sentiam os seus pais como menos carinhosos e mais negligentes que pacientes

não PBP, assim como significativamente mais instâncias de abuso na sua história de vida.

Revelavam, também, uma capacidade de mentalização reduzida. Entenda-se, por

mentalização, a capacidade de reflectir acerca dos seus estados mentais, bem como dos

outros em interacção. A explicação dos autores passa pela necessidade dos pacientes, em

criança, precisarem de se abster de pensar acerca das intenções dos seus cuidadores ao

agredi-los, como forma de manter o laço vinculativo e, assim, garantir a sua sobrevivência.

Este mecanismo tornar-se-á uma resposta característica ao longo da vida, como forma de

encontrar protecção do comportamento sentido como abusador, abandonante, ou rejeitante –

tornando os pacientes cronicamente incapazes de perceber e reflectir sobre os seus estados

mentais e emocionais, bem como daqueles com quem interajem. Ao mesmo tempo que,

infelizmente, os torna cronicamente incapazes de gerir relações abusivas e resolver as suas

experiências traumáticas precoces. Fischer-Kern e outros citam Kernberg e a sua teoria em

linha com a abordagem das relações de objecto. Este também aponta a confusão na distinção

e reflexão acerca dos seus estados emocionais e de outros significativos como um factor

presente nos pacientes PBP, como resultado do impacto negativo de relações de vinculação

traumáticas no desenvolvimento da representação interna de self. Uma autora cujo

contributo para a compreensão e tratamento da PBP é inestimável tem sido Lorna Benjamin.

Em 1994, com Wonderlich, propôs que “(...) a pessoa borderline internaliza relações de

abandono hostil de uma forma que resulta no aumento do auto-ataque e auto-abandono.”.

Em 1996, fornece uma explicação que se afasta da lógica psicodinâmica que impera no estudo

da vinculação, aproximando-se da psicologia da aprendizagem. Já Freyd (1996) propõe uma

Teoria de Trauma de Traição: de forma a manter o laço necessário à sobrevivência, a criança

“opta” por se manter cega à traição que o comportamento abusivo por parte do cuidador

representa. Com Este seria o molde futuro para comportamentos dissociativos, e para a

permanência em relações de abuso.

Independentemente da semântica que queiramos aplicar, ou da teoria que optemos por

seguir, algumas regularidades parecem ser passíveis de extracção:

- A PBP resulta, tendencialmente, da generalização de comportamentos, emoções e crenças

adquiridas no seio da vinculação;

- As relações precoces dos pacientes PBP são, geralmente, caracterizadas por abuso (físico,

sexual, ou verbal), instabilidade, negligência, e percepção de perigo iminente;

- Relações precoces da natureza acima descrita constituem uma instância de trauma, cujo

impacto é profundo e pervasivo ao longo da vida, com limitações severas na capacidade de

mentalização, auto-regulação e manutenção de relações adequadas.

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PAPEL DA EMOÇÃO EM PSICOTERAPIA

Quando falamos em PBP falamos, inevitavelmente, na ausência da capacidade de auto-

regulação emocional. Falar em PBP no contexto da psicoterapia implica, necessariamente,

reflexão acerca do papel da emoção neste processo, bem como da forma como esta pode ser

trabalhada. A neurociência vai-se aproximando da importância da emoção na saúde mental.

Corrigan (2004) debruça-se sobre a forma como a experiência e o reprocessamento

emocionais adquirem lugar de destaque no alívio sintomático, apontando o cortéx cingulado

anterior como o substrato neurobiológico deste processo. Whelton (2004) faz uma revisão

bibliográfica em torno da forma como diferentes abordagens em psicoterapia concebem o

papel e importância da emoção no exercício clínico. Neste estudo, sublinha o trabalho

emocional como fulcral para a maioria das abordagens psicoterapêuticas. Neste particular,

destaca a importância da experiência emocional como factor decisivo para o sucesso em

psicoterapia, a par da capacidade de auto-regulação. Cita autores (particularmente das

correntes CBT e EFT) que defendem que a eficácia da experiência emocional adequada está

dependente do seu acontecimento no contexto desats competências de auto-regulação. A

aquisição destas competências encontra a sua base na relação terapêutica, tomemos o

terapeuta como modelo de regulação emocional eficaz, quer o tomemos como figura de

vinculação de substituição. Martsolf e Draucker (2005) compararam a eficácia de diferentes

abordagens no tratamento de vítimas de abuso sexual na infância. Não conseguiram

demonstrar maior eficácia de uma abordagem específica em detrimento de outras. Vincaram,

isso sim, a eficácia geral de abordagens centradas no abuso.

A questão que se impõe é: se a mudança em psicoterapia vive da experiência e

reprocessamento emocional, como as implementarmos com uma população em que a única

certeza é a instabilidade?

As abordagens focadas na emoção destacam este factor, e o modelo EMDR constitui-se como

uma abordagem capaz de focar conteúdos traumáticos e reprocessá-los quer emocional, quer

mnesicamente. No entanto, uma leitura cuidada da investigação expõe uma importante

questão: a generalidade das medidas de eficácia existentes são obtidas com pacientes PBP

sem comportamentos de auto-mutilação ou consumos. Inclusivamente, os manuais de algumas

destas intervenções recomendam extrema cautela na sua utilização com clientes com

qualquer uma destas características. Qual será a percentagem destes pacientes na população

que reunam estes critério? A generalidade dos clientes PBP que chegam a psicoterapia, diz-

me a experiência, desmentem esta expectativa. Neste contexto, qual o papel do

psicoterapeuta? E quando dar lugar a intervenções eminentemente emocionais?

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10:30 – 11: 00 Reflexão sobre o Luto e o seu impacto

Ana Crespim

INTRODUÇÃO AO TEMA

O que é o luto?

“O que temos mais certo na vida é a morte”

Esta é a dura realidade da nossa existência. Sabemos que é inevitável, que tudo o que nasce,

mais cedo ou mais tarde, morre. No entanto, uma coisa é saber, outra é viver uma

experiência de perda ou aceitarmos que a nossa existência vai ter um dia um último sopro de

vida… Não, não é fácil de aceitar, nem tão pouco de conviver com esta amiga negra, cuja

sombra nos persegue e atormenta, mais a uns, menos a outros. E quando esta decide levar

alguém que amamos, aí sim esta noção fantasma toma forma, contornos e materializa-se em

nós sobre a forma de sentimentos e emoções que até ali desconhecíamos. Nesse momento,

parece que passam a comandar o curso da nossa vida, sem final anunciado.

O impacto que a perda de alguém tem em nós, caminha de mão dada com o grau de

vinculação que estabelecemos com aquela pessoa.

“A vinculação proporciona-nos a energia indispensável para saltar todos os obstáculos, pois

sabemos que não estamos sós na corrida pela felicidade”

(Rebelo, 2004)

Temas como a vinculação e outros factores que podem interferir na intensidade da vivência

do luto, as fases do luto, a dificuldade em definir luto patológico, bem como os desafios que

se levantam para o terapeuta que trabalha com esta temática, vão ser o alvo da nossa

reflexão.

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Com este trabalho não pretendemos fazer uma descrição do luto baseada na literatura.

Pretendemos falar-vos da nossa prática e do que, em conjunto, fomos concluindo enquanto

discutíamos o que se passava nas consultas, cujo pedido se relacionava com o luto, com a

perda de alguém querido.

Esperamos que esta análise e levantamento de questões vá ao encontro das vossas

inquietações face ao tema. Ao escrever este trabalho, ao pensar sobre o tema, encontramos

mais perguntas do que respostas. No entanto, deixamos-vos com as nossas considerações

pessoais, na esperança que desta partilha surjam novas ideias e reflexões.

“O mundo ficou mais pobre no dia em que partiste… Sinto raiva do sol por continuar a

brilhar; da lua que em nada mudou a sua beleza; das estrelas porque me parecem mais

próximas de ti do que eu alguma vez conseguirei voltar a estar… como é que tudo à minha

volta pode continuar igual? Será que o mundo ainda não percebeu que nada voltará a ser

como era? Tu partis-te, deixaste-me sozinha num jardim que era nosso… não o rego, não faz

sentido… quero que tudo à minha volta murche para reflectir o que eu sinto… Superar?

Como? E se o fizer, não estarei a esquecer-te? Não, não quero. Deixem-me simplesmente

estar e nada ser”

Anónimo

ASPECTOS QUE QUEREMOS PARTILHAR CONVOSCO

Fases do luto

“Mais se tira com amor do que com dor”

Apesar de não serem estanques, as fases do luto dão-nos algumas indicações de como se

desenrola a expressão de sentimentos e de determinadas reacções físicas e comportamentais.

A este nível, diferentes autores procedem a diferentes classificações. Pelo carácter vivencial

que quisemos atribuir a este trabalho, demos preferência à classificação de Rebelo (2008),

por ele próprio ter sentido na pele a brutalidade do luto:

Negação ou torpor – no senso comum, considera-se que uma perda pode ter um impacto

diferente dependendo de ter sido anunciada (por uma doença prolongada e, portanto, já

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esperada) ou de surpresa (morte súbita, acidente de viação, etc., em que nada fazia prever

que aquela pessoa nos ia deixar de forma tão súbita). No entanto, quer numa, quer noutra,

numa primeira fase, perante aquelas palavras tão dolorosas que nos tiram o chão,

“Lamento…”; “Fizemos tudo o que podíamos”; “O seu familiar não resistiu” ou um simples

abanar de cabeça que nos dilacera por dentro, a primeira reacção é de choque. Nunca

estamos verdadeiramente preparados para isto, e, por vezes, só nos damos conta de tal

quando a notícia bombástica nos caí no colo. O choque pode durar de horas a semanas,

podendo ser atravessado por explosões exacerbadas de raiva e/ou de aflição. Por outro lado,

o indivíduo pode ser assaltado por doses de energia, fruto da acção do sistema nervoso

simpático, que provoca alterações físicas como o aumento da tensão arterial e do ritmo

cardíaco. E quantas vezes não presenciamos isto com conhecidos, elementos da família ou até

em nós próprios? Parece que a pessoa está a funcionar em modo automático e ligada à

electricidade. Resolve tudo, toma as rédeas da situação, parece deixar de sentir certas

necessidades básicas como fome, sede, sono.

Outro cenário possível é o de apatia. A pessoa parece estar desligada da realidade. Pode ter

algumas explosões emocionais, muitas vezes sobre a forma de crises de choro, de gritos, mas

que em breve dão lugar a um estado de desligamento da realidade. Parece que se voltam

para dentro de si próprios, que se perdem lá dentro e que por vezes, por meio desses

caminhos que não conhecemos, tocam na dor e reagem com fervor. Daí que seja necessário

voltar a desligar de seguida, pois parece a única forma de se conseguir aguentar.

Ao choque, segue-se a negação emocional da perda. Apesar de racionalmente o indivíduo

perceber o que aconteceu, que se trata de uma realidade irreversível, ao nível emocional a

informação parece não entrar. Quando nos surge um cliente que está a passar por esta fase,

não é de espantar ouvir relatos emocionais que nada correspondem à realidade. Há quase que

uma necessidade de protecção interna, que se manifesta muitas vezes por atitudes

direccionadas para o retorno da pessoa amada. Os objectos pessoais, o espaço que a pessoa

ocupava em casa, permanecem intactos e surgem recordações constantes da pessoa perdida.

Frase retirada de um caso clínico:

Sic.: “Ao fim de muito tempo sem sair de perto da cama onde ela estava sem qualquer

reacção, o meu marido convenceu-me a ir até ao bar. Não queria sair de perto dela… parecia

que sabia, que estava a prever o que ia acontecer. Demorei cerca de 5 minutos, foi tão pouco

tempo… mas já cheguei tarde. Os médicos e enfermeiros estavam de volta dela. Eu abanei-a

com força, pedi-lhe para voltar, para não me deixar, chorava desesperadamente… mas ela

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não me ouviu” – motivo da consulta: luto - dificuldade em lidar/aceitar a perda da mãe.

Frase proferida numa fase inicial do processo terapêutico.

Reconhecimento ou desorganização emocional – aqui, o contacto com a emoção, com a dor

da perda, são a chave. Como consequência da tomada de consciência emocional, o mundo

surge ao sujeito como vazio e sem sentido. Afinal, se o vínculo que tínhamos com a pessoa

que partiu sofreu uma quebra irreparável, se tomamos consciência que a presença, a voz, o

cheiro e o toque daquela pessoa, são contactos irrecuperáveis, tudo parece vazio e

desprovido de sentido. Neste momento, parece surgir um turbilhão de emoções, onde o

medo, a tristeza, a agressividade, a culpa, a agitação interior, vão tendo uma palavra a dizer.

Ficamos desorientados, em relação ao presente, ao futuro, ao que fazer, ao que pensar, como

agir, como sentir tanta coisa tão forte ao mesmo tempo. Pelo referido, a irritabilidade e a

introversão tornam-se os meios de comunicação preferenciais. E é aqui que se deprime,

alimentando esta tristeza com a solidão imposta pelo afastamento de amigos e familiares,

pelo congelamento da vida.

Mais tarde ou mais cedo, dependendo do ritmo de cada um, da sua capacidade para gerir

emoções, do suporte percebido, todas estas emoções começam a ser assimiladas, dando

espaço a um gradual sentimento de libertação em relação à perda, em consonância com a

tomada de consciência da sua inevitabilidade. A serenidade sobe ao palco das emoções,

permitindo que nos apercebamos de outros vínculos estabelecidos e da sua importância para

nos agarrar à vida.

Frase retirada de um caso clínico:

Sic.: “Eu não sei explicar… estou diferente. Já não sinto aquela presença constante… é como

se a tivesse deixado ir, como se aceitasse. No entanto, isto entristece-me…” – motivo da

consulta: luto - dificuldade em lidar/aceitar a perda da mãe. Frase utilizada após várias

sessões.

Aceitação emocional da perda ou reorganização emocional – aqui, a dor da perda vai-se

dissipando, como um balão que liberta o ar lentamente. Começamos a perceber e a aceitar

que nada poderá ser como era, mas que dos novos ajustes, reorganizações e mudanças de

planos, podem resultar coisas positivas, pelo que não estamos condenados a uma vida vazia e

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infeliz. As memórias da pessoa perdida, que outrora eram sinal de sofrimento, dão lugar a

uma consciência saciada pelos momentos partilhados, pelas recordações divertidas. A dor de

não podermos voltar a estar com aquela pessoa, começa a dar lugar à alegria pelos momentos

que vivemos com ela e a vida volta ao seu curso normal.

Frase retirada de um caso clínico:

Sic.: “Lembro-me das brincadeiras. Ele tinha um sentido de humor fantástico. Era ele que

fazia as festas lá em casa serem mesmo festas. Agora vou-me apercebendo que assumi esse

papel. Aprendi tanto com ele que foi tão natural que nem dei conta. Percebi também que a

minha relação com o meu pai é bem mais forte e de que o que eu sinto, digo ou faço tem

importância para eles”. Frase utilizada por uma cliente após várias sessões, referindo-se ao

avô.

Ter estas fases como pano de fundo da nossa actuação enquanto trabalhamos, não só com

luto, mas com a perda de uma forma geral, pode ajudar-nos a atingir uma maior compreensão

dos processos internos do sujeito, bem como de determinados padrões na relação connosco e

com o outro. É preciso, no entanto, flexibilidade e abertura para perceber que as coisas não

são estanques e que raramente encontramos aqueles casos “by the book”. Ajuda saber bem

estas fases, procurando pontos de toque entre elas e o discurso do cliente. As reflexões de

sentimento podem resultar em mais próximas da realidade, do que o cliente está de facto a

sentir, e a nossa intervenção pode ser mais focada no que impera naquele momento

específico e, portanto, no que o cliente mais precisa de trabalhar/abordar.

O que é afinal um luto patológico?

“Existe remédio para tudo, menos para a morte…”

Aqui começam as dificuldades. Como saber se estamos perante um luto “saudável” ou

“patológico”? Melhor, quem somos nós para nos virarmos para um cliente e dizer-lhe se o que

ele está a sentir está dentro ou fora do que é considerado como “normal”? Cada ser humano é

único. Nenhuma experiência é vivida por duas pessoas da mesma forma. Porque é que nos

preocupamos tanto em classificar? É isso que nos vai ajudar a conseguir uma melhor prática

clínica, a acompanhar de forma mais competente quem está a passar por uma perda? E se nos

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deixássemos guiar por quem temos à nossa frente, pelos relatos do nosso cliente? Nesta

questão, talvez fosse mais produtivo deixarmos os diagnósticos de lado e trabalharmos com o

que nos vai sendo dado pelo cliente. Afinal, se cada ser humano experiencia cada evento de

forma única, se nos prendermos a diagnósticos e a intervenções estanques, não estamos a

respeitar esta premissa.

Nesta matéria, podemos ouvir de tudo. Desde os relatos mais emocionais, aos mais frios,

ausentes de sentimento, como que contados por uma terceira pessoa, em que o afastamento,

a falta de contacto com a emoção, são para nós gritantes. Será o primeiro mais patológico

que o segundo? Lamentamos, mas não sabemos responder a esta questão. O que sentimos e

constatamos com a nossa prática clínica é que, como em todo o trabalho de psicoterapia,

devemos atender ao impacto que aquela experiência detém no funcionamento do indivíduo,

às alterações comportamentais, sem nunca deixarmos de ter em atenção a importância de

validarmos o que quer que seja que o cliente está a sentir, transmitindo suporte e aceitação.

Crítica e juízos de valor é o que o cliente mais encontra da porta do consultório para fora.

Frases retiradas de casos clínicos:

- Sic.: “Não aceito. Não aceito que as pessoas tenham que morrer. Penso nele todos os dias.

Acho que devia ter sido eu a ir em vez dele… ele fazia mais falta.”

Esta frase foi proferida por uma cliente de 36 anos que perdeu o pai há sensivelmente 7 anos

– o motivo da consulta: sintomatologia depressiva, Perturbação de Pânico e presença de

alguns critérios de Perturbação Obsessivo-Compulsiva;

- Sic.: “Nunca quis falar muito nisso. Nem na altura com o meu marido. Tento sempre não

pensar no assunto”.

Frase utilizada por uma cliente que perdeu o filho há 14 anos. Sofre daquilo que chama

“crises depressivas” todos os anos por altura do aniversário da morte – motivo da consulta,

sic.: “Sinto que me faz falta falar”.

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Quais os factores que podem interferir na intensidade da vivência do luto?

“Quem tem amores, tem dores”

Cada um de nós vive o luto com intensidades diferentes. Não existe um padrão de sofrimento

idêntico para quem perde um progenitor, um filho ou outra pessoa que ama. Existem,

contudo, factores que podem determinar a forma como percorrermos o caminho do luto:

- O grau de vinculação que detínhamos com a pessoa que perdemos;

- A personalidade, sobretudo no que concerne à gestão das emoções;

- O suporte social disponível;

- A forma como as pessoas com quem convivemos reagem à manifestação da nossa dor, ou

seja, o grau de aceitação por nós percebido.

No que respeita à vinculação, e de acordo com o já referido, dela depende o impacto que

dada perda tem sobre nós. Apesar de ser frequente ouvirmos “Eu amo ambos os meus filhos

exactamente da mesma forma”, é perfeitamente natural que, em virtude de processos de

identificação e desenvolvimento da relação, possa resultar um aumento da proximidade e,

portanto, do vínculo afectivo estabelecido, ou, por outro lado, em algum afastamento na

relação (por uma pobre identificação). O mesmo se passa em relação aos nossos progenitores,

em que sentimos alguma diferenciação no grau de apego. Quando falamos em vinculação, a

segurança física e emocional, bem como os momentos partilhados com a pessoa amada, vão

ter um peso chave na forma como vivenciamos o processo de quebra a que o luto nos obriga.

Em relação à personalidade, bem sabemos que o seu tipo ou a possibilidade de o indivíduo

sofrer algum tipo de perturbação a este nível, podem determinar a forma mais ou menos

saudável como gere os seus afectos. Assim, não é para nós qualquer surpresa que alguém com

personalidade dependente sinta uma maior incapacidade para lidar com as ondas emocionais

agressivas trazidas pelo luto.

No que concerne ao apoio social, facilmente percebemos a sua importância. O poder expelir

as emoções negativas através da catarse que é o desabafo, trás algum bem-estar aliado ao

alívio de quilos e quilos que “despejamos” para fora da nossa alma. Mas, implica que

tenhamos com quem o fazer… e aqui, a situação pode ficar um pouco mais complicada (tema

desenvolvido no tópico seguinte). Por outro lado, como resultado do turbilhão de emoções

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alimentado pelas dúvidas, culpa, sensação de abandono, de desprotecção, de incapacidade

para assumir como verdade inegável e irreversível que já não podemos recuperar a presença

daquela pessoa, o luto provoca quase que uma surdez temporária. A necessidade de falar

sobre tudo o que se está a passar no nosso mundo interior, dificulta a entrada de informação

que possa vir de fora. Afinal, estamos tão cheios de tanta coisa, que parece que não cabe

mais nada. E como a comunicação implica falar, mas também ouvir, isto pode colocar em

causa a socialização e, como tal, comprometer o apoio social de que tanto necessitamos.

Vivenciar o luto torna-se mais fácil se a pessoa tiver na sua rede relacional elementos que

consigam compreender esta limitação, tendo a generosidade de dar sem esperar retorno, de

ouvir sem julgar ou criticar e até mesmo de relevar algumas palavras menos amistosas, alguns

gestos mais agressivos. Com tudo o que implica a dor da perda, muitas vezes o bom senso

parece deixar de habitar em nós. Para quem ouve, importa ter isto em linha de conta.

Problema: muitas vezes, as pessoas não têm consciência disto…

Que outras situações podem ter impacto no estado do cliente?

“O que não tem remédio, remediado está!”

Decidimos separar do ponto anterior, apesar de se poder incluir no suporte social, por

considerarmos pertinente abordar uma realidade que muitas vezes temos ouvido da boca dos

nossas clientes.

Aqui pode começar outro problema: a pressão que a sociedade faz para que se ultrapasse o

luto o mais rapidamente possível. Frases como: “Mas ainda estás assim?”; “Já passou tanto

tempo”; “Tens que seguir com a tua vida para a frente?”; “Tens que apoiar o teu marido e o

teu filho. A vida é mesmo assim”; “Já estava na hora dele”; “Tens que ser forte”; Ela está

melhor agora. Está em paz”, são muito usuais, mas em nada ajudam. Fazem pressão… pressão

para que se vivam os sentimentos que nos assombram o mais rapidamente possível. É como se

nos dissessem que é errado o que estamos a sentir, que não está certo estarmos triste,

deprimir quando perdemos alguém. De tanto as ouvir, muitas vezes elas entram e entranham-

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se, vão ganhando cada vez mais espaço e eco dentro de nós, até que começamos quase que a

assumi-las como verdadeiras, embora que inconscientemente.

Como podemos fazer frente a isto? Campanhas de sensibilização? Será que resulta? É que isto

é quase como dizer a alguém à beira de um ataque de nervos para ter calma… e nós sabemos

bem o efeito contrário que isso tem. Aqui, além de, como no exemplo, não ajudar nada ouvir

frases feitas, ainda podemos assistir à referida sensação de inadequação, que pode levar a

que a pessoa esconda o que sente, que se sinta revoltada com o mundo por girar da mesma

maneira e não respeitar o ritmo da sua dor. Ou então, por outro lado, que coloque uma

máscara de cada vez que está acompanhada, do tipo “Eu estou bem”; “Tenho que aceitar e

seguir em frente”, quando por dentro nada disto faz sentido. O que acontece depois? Algumas

pessoas desmoronam quando estão sozinhas, chorando todas as lágrimas que engoliram

durante o dia. Outras, esquecem-se de tirar a máscara e a catarse do choro, do desabafo, dá

lugar a um maremoto de dor, que transborda muitas vezes para fora sobre a forma de

somatização.

Será utópico fazer algo a este nível?

E NÓS TERAPEUTAS? COMO É TRABALHAR COM O LUTO?

“Raramente nos arrependemos daquilo que não dizemos”

E nós? Como é para nós trabalhar com casos de luto? Tem impacto? É um caso como outro

qualquer?

Uma coisa sabemos: que é transversal a qualquer outro caso, mas que neste contexto tem

uma importância ainda maior: temos de ter muito cuidado com as palavras usadas. O cliente

está avassalado por um misto de emoções, difíceis de gerir, ainda mais de integrar. Estão

mais sensíveis e susceptíveis a tudo o que ouvem, que muitas vezes encaram como

hostilidade. Como referido acima, a capacidade de ouvir, de captar o verdadeiro significado

da mensagem, está alterado. Pelo que, numa primeira fase pode ser de muito maior eficácia

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e ajuda ouvir de forma apoiante e validante o que eles têm para nos dizer, do que nos

precipitarmos para intervenções de qualquer natureza. Nesta fase, os exercícios de regulação

emocional podem ser de grande ajuda, simultaneamente dando algum espaço ao cliente, uma

bolsa de ar, em vez de estarmos preocupados em fazer com que o cliente se comprometa com

a terapia.

No entanto não basta ouvir, validar e prover o cliente de técnicas de regulação emocional, é

preciso intervir a outros níveis. Deixamos algumas sugestões e possíveis objectivos

terapêuticos a desenvolver com o cliente, que podem ser um fio condutor para o processo

terapêutico que se segue:

Identificar e resolver os conflitos causados pela separação, pela falta, pela

ausência do ente querido. A resolução dos conflitos exige a vivência de

sentimentos e pensamentos que o cliente evita;

Permitir a readaptação. O enlutado passa a desempenhar papéis que antes

não desempenhava e isso é um desafio;

Identificar e descrever as situações problema, compreender as contingências

e desenvolver e treinar novo repertório comportamental;

Validar os bons momentos e sustentar a alegria quando ela vier;

Prevenir situações de perdas secundárias ao luto. A separação conjugal, no

caso de pais que perdem filhos, tem uma alta probabilidade durante o

primeiro ano após a morte;

Estimular e orientar a retoma do cuidado com aqueles que ficam;

Prevenir situações de desequilíbrio familiar após a perda de um membro da

família, mantendo a união e o partilhar da dor com transparência, evitando o

pacto de silêncio.

Como complemento à terapia individual ou como opção a esta, a terapia de grupo pode

constituir-se como uma mais-valia pela troca de experiências e sentimento de pertença a um

grupo, em que o cliente sabe que os restantes elementos também estão a passar por uma

perda, tendendo a percepcioná-los como mais aptos a compreender o que está a sentir. De

um modo geral, a combinação das duas resulta num acompanhamento mais eficaz, por

permitir, por um lado, a partilha de experiências, e, por outro, ter um espaço só seu onde

possam ser abordadas temáticas de natureza mais íntima e pessoal.

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Apesar de a forma de intervir depender do estilo de cada terapeuta e da sua escola de

referência, o referido constitui-se apenas como uma sugestão, que pode ser adaptada à

abordagem de cada um. Falamos apenas da nossa experiência, sem o querer impor ou

defender como mais eficaz.

Outro aspecto que importa ainda abordar neste tópico, muito mais do nosso lado, refere-se

ao impacto que pode ter em nós trabalhar com o luto. Todos nós temos a nossa vida privada,

somos de carne e osso como os clientes que temos à frente e, surpreendentemente e apesar

de puderem não acreditar, não é que temos sentimentos? Pois… os quais por vezes podem

atrapalhar o trabalho que estamos a fazer com o nosso cliente. E aqui, estar alerta é frase de

ordem. Se nós próprios estivermos a passar por um processo de luto, será que conseguimos

que isso não se reflicta no nosso trabalho? Estaremos isentos nas nossas intervenções? A salvo

de processos de identificação, que podem conduzir a processos de transferência e contra-

transferência? Este é um terreno minado. Quantos de nós passa um caso destes por sentir que

os seus próprios processos internos estão a interferir na terapia? Até que ponto conseguimos

separar as coisas?

É difícil. Apesar de sabermos que nenhum ser humano vive a mesma experiência da mesma

maneira, por vezes surgem no nosso consultório pessoas que fazem um relato fiel do que

estamos a sentir… O que é que vocês sentem quando isto acontece? Activam? Conseguem

racionalizar e fechar a janela? Pedem ajuda, trabalham este tema com desenvolvimento

pessoal ou fazem terapia?

Nem sempre é fácil gerir estes temas da melhor maneira para nós, nem da forma mais ética e

correcta para quem acompanhamos. Importa que, por mais questões que isto possa levantar,

pensemos sobre estes temas e suas implicações, visando o nosso bem-estar enquanto

terapeutas e pessoas, que precisam primeiro de estar para poder ser e fazer o que quer que

seja.

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11:30 – 12:00

Intervenção com adolescentes: (des)controlo parental vs (des)controlo terapêutico

Inês Marques / Inês Mota

RESUMO

Este trabalho procura reflectir curiosidades suscitadas no trabalho clínico individual com

adolescentes, especificamente na relação com os pais dos mesmos.

Com frequência, apercebemo-nos de uma (des)articulação face aos pais de certos

adolescentes, quer ao nível da relação, quer ao nível do processo terapêutico.

Percebemos também que, recorrentemente, para estes mesmos pais, o motivo associado ao

pedido da consulta não coincide com as queixas valorizadas pelos jovens.

Verificamos ainda que, para estes pais e estes jovens, os tipos de problemática apresentados

se relacionam directamente com um estilo parental específico.

A presente reflexão pretende responder à seguinte questão: Que impacto, que exigências e

que particularidades acarretam estas constatações para a nossa prática clínica?

Palavras-chave: adolescência, estilos parentais, controlo psicológico, controlo

comportamental, processo terapêutico

INTRODUÇÃO

A adolescência é um período turbulento, de densas e efervescentes rebentações de emoções,

um espaço de ambiguidades concorrentes.

Da relativa estabilidade do mundo da criança e dos adultos, encontramos de permeio a

instabilidade do adolescer. De facto, das crianças espera-se dependência e vulnerabilidade e

dos adultos responsabilidade e autonomia. (Gammer & Cabié, 1999). Mas o caminho do

adolescente é este espaço do porvir, do “para onde ir”?!

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Os desafios traduzidos na pergunta dos pais dos adolescentes “como reagir?”, desdobram-se

em diferentes tarefas de desenvolvimento referidas na literatura: a facilitação do equilíbrio

entre a liberdade e a responsabilidade e a partilha desta tarefa com a comunidade, bem

como o estabelecimento de interesses pós-parentais (Duvall, citado por Relvas, 2000); a

expansão relacional e a abertura ao exterior (Alarcão, 2002); a socialização, de forma a que a

criança se adapte às exigências do exterior, enquanto mantém um sentido de integridade

pessoal (Baumrind citada por Darling & Steinberg, 1993).

Os pais encaram estes desafios de distintas formas, sendo que as próprias crenças,

estereótipos e imagens transmitidas socialmente acerca da adolescência (ex: rebeldia,

questionamento de valores instituídos, comportamentos de risco, violência) influenciam o

modo como os pais interagem com os filhos, acabando também por determinar a escolha de

comportamentos, práticas educativas e estilos parentais.

Vários são os factores determinantes para as práticas parentais adoptadas, nomeadamente os

valores defendidos pelos pais, os objectivos de socialização que definem para os seus filhos,

os recursos emocionais e materiais dos pais e a personalidade dos pais e da criança (Belsky,

1984).

É relevante um olhar atento sobre as práticas educativas na adolescência, pois os estudos

apontam no sentido das influências parentais no desenvolvimento da personalidade dos

adolescentes serem mais profundas e duradouras que a influência dos pares (Brown, citado

por Collins, Maccoby, Steinberg, Hetherington e Bornstein, 2000).

Como desafio último desta tarefa recíproca entre pais e adolescentes nas palavras de Satir

(citada por Alarcão, 2002), o adolescente tem êxito no seu processo maturativo quando sabe

ser dependente, independente e interdependente, quando demonstra uma elevada auto-

estima e quando consegue ser congruente. Acrescentamos nós que os pais também têm êxito

quando estes desafios são cumpridos.

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DOS ESTILOS PARENTAIS AOS TIPOS DE CONTROLO

ESTILOS PARENTAIS, INSTÂNCIAS DE CONTROLO

Os pais autoritários demonstram um alto grau de controlo e exigência, centrando-se mais em

si próprios do que nas crianças. Estes pais valorizam principalmente a obediência. São rígidos,

afirmando o poder através de práticas disciplinares punitivas, proibições e restrições à

autonomia da criança. São pais que não respondem às necessidades e limitações das crianças,

fixando-lhes responsabilidades específicas e, eventualmente, inadequadas. Normalmente, não

encorajam as negociações que ponham em causa as diferenças tradicionais de estatuto entre

pais e filhos. Os pais autoritários tipificam um padrão educacional física e emocionalmente

abusivo.

Os pais permissivos embora se centrem na criança, evitam exercer muito controlo sobre os

filhos, não encorajando a que obedeçam a regras definidas pelo exterior, permitindo-lhes

assim elevados níveis de autonomia e auto-regulação. Estes pais não consideram ter um papel

activo e de responsabilidade em relação ao comportamento dos filhos. Por norma, consultam

e aceitam os seus pontos de vista, oferecendo frequentemente explicações diversas.

Os pais negligentes/indulgentes focam-se principalmente nas suas próprias necessidades e, ao

não exercerem controlo, exageram no grau de autonomia e auto-regulação incutido na

criança. Estes pais minimizam o tempo e o esforço de interacção com a criança, e quando os

filhos são adolescentes, não supervisionam as suas actividades, não sabem onde e com quem

estão, nem o que estão a fazer. São pais pouco exigentes e estruturantes, tipificando o estilo

de pais menos envolvente.

Os pais autoritativos apesar de exercem um nível elevado de controlo e de exigência,

centram-se, simultaneamente, na criança respondendo às suas necessidades. Estes pais

valorizam o controlo e a disciplina através de restrições moderadas e pela imposição de

limites razoáveis, implementados de forma firme e consistente. Na comunicação pais-filhos

existe reciprocidade, as regras são explicadas abertamente, procurando-se proporcionar um

ambiente estimulante. Os pais autoritativos reconhecem a autonomia da criança, tomando

em consideração as suas opiniões, interesses e idiossincrasias. Nesse sentido, não são

intrusivos e dão aos filhos liberdade de forma razoável, não recorrendo à coerção para as

crianças responderem às suas exigências.

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TIPOS DE CONTROLO: CONTROVÉRSIAS

CONTROLO PSICOLÓGICO VS CONTROLO COMPORTAMENTAL

O controlo psicológico refere-se às tentativas de controlo que influenciam o desenvolvimento

psicológico e emocional dos adolescentes (ex: processos de pensamento, expressão pessoal,

emoções e vinculação aos pais), enquanto o controlo comportamental se refere às acções que

pretendem intervir directamente no comportamento dos mesmos (Barber, 1996).

Sabatelli e Mazor (citados por Barber, Olsen & Shagle, 1994) definem o controlo psicológico

como os padrões de interacção familiar que são intrusivos ou impeditivos ao processo de

individualização da criança, ou grau relativo de distanciamento psicológico que a criança

experiencia relativamente aos seus pais e família.

Barber, Olsen e Shagle (1994) definem o controlo comportamental como as interacções

familiares desligadas e que fornecem regulação parental insuficiente em relação ao

comportamento da criança, como por exemplo quando é concedida excessiva autonomia,

quando não existem regras ou restrições ou quando há desconhecimento dos comportamentos

quotidianos da criança.

Os resultados de um estudo realizado por Barber, Olsen e Shagle (1994) apoiam a tese de que

controlo psicológico e controlo comportamental são dimensões empiricamente independentes

com efeitos específicos nas características dos jovens.

O controlo psicológico tem sido relacionado com padrões de sentimentos de culpa, auto-

responsabilização, agressividade directa ou não expressa, dependência, alienação e

percepção de retirada de amor, recursos frágeis, dificuldade em realizar escolhas

conscientes, baixa auto-estima, passividade, inibição e humor depressivo (Barber, 1996).

Em contraste, o controlo comportamental está mais directamente relacionado com problemas

(queixas) de externalização, impulsividade, agressividade, delinquência, uso de drogas e

precocidade nas relações sexuais (Baumrind, 1991 citada por Barber, 1996).

Esta diferenciação de estilos de controlo e a forma como os mesmos se inter-relacionam e

doseiam através dos estilos parentais é importante para a explicação da diferença observada

em adolescentes filhos de pais autoritários, ora extremamente submissos ora completamente

“fora de controlo”(Barber, 1996).

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Os estudos mostram também que o tipo de controlo psicológico é particularmente relevante

na adolescência, dada a orientação para a autonomização que ocorre na formação do

desenvolvimento da identidade e nas transformações das relações familiares e com os pares

(Barber, 1996).

A INTERVENÇÃO COM ADOLESCENTES

(DES)CONTROLO PARENTAL VS (DES)CONTROLO TERAPÊUTICO

É comum na nossa prática clínica confrontarmo-nos com a dificuldade de envolver os

pais/cuidadores no processo terapêutico, muito embora sejam eles que na maior parte das

vezes realizam o primeiro contacto. Tal não ocorre pela falta de vontade ou motivação dos

pais em fazê-lo, mas devido a estes acreditarem que o “problema” reside, de facto,

exclusivamente no adolescente, percepcionando-o assim como “o” alvo da intervenção.

É também comum assistirmos a visões completamente discordantes relativamente ao motivo

do pedido de consulta entre pais e adolescentes. Num estudo realizado por Yeh & Weisz

(2001) verificou-se que 63% das famílias (criança/adolescente - pais) não estava de acordo em

relação a nenhum dos problemas que os havia levado à consulta.

Assim, quando os pedidos entre pais e adolescentes não são concordantes, o terapeuta tem

como desafio, relacioná-los, e mantendo ambos os pedidos sob perspectiva, trabalhar com o

adolescente como cliente e os pais como partes necessárias à manutenção do adolescente em

terapia.

Independentemente do estilo de controlo e nível de queixas apresentadas - internalização vs

externalização - mesmo que diferentes por pais e adolescentes, é possível que quando os

familiares e os adolescentes apresentam mais problemas, tenham maior tendência a

percepcionar o trabalho terapêutico como relevante para a situação (Robbins et al, 2006), o

que até certo ponto pode facilitar o processo terapêutico.

A literatura refere ser também mais fácil conseguir que os pais de adolescentes que

apresentam queixas de externalização adiram mais facilmente ao processo. (Robbins et al,

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2006). Acreditamos que este facto se deva ao desgaste psicológico, associado às dificuldades

sentidas que estes pais revelam.

No entanto, quando este não é o caso, os desafios adensam-se. Os estudos sugerem que, no

trabalho individual, as intervenções dirigidas a crianças e adolescentes serão pouco

eficientes, a não ser que se dirijam às práticas parentais e as modifiquem (Dishion &

Stormshak, 2007), o que acrescenta um novo nível de intervenção.

O sucesso das intervenções familiares é, em parte, resultado da capacidade de manter tanto

os adolescentes como os pais em adesão ao processo terapêutico (Stanton & Shadish, citado

por Robbins et al, 2006)

Criar uma aliança com os pais é crucial, por duas razões. Primeiro, porque uma aliança forte

com os pais aumenta a probabilidade destes aderirem e participarem positivamente no

processo. Segundo, porque aumenta a possibilidade de “re-attachement” entre pais e filhos,

isto é, a probabilidade dos pais responderem à dor, mágoa e raiva dos adolescentes com

empatia e interesse é maior se estes se sentirem apoiados e compreendidos pelos terapeutas.

Pensamos que resultados conseguidos ao nível da Terapia Familiar possam ser também

utilizados no contexto da intervenção com adolescentes, ou seja, a força da aliança

terapêutica com os diferentes elementos familiares é informativa quanto ao risco de drop

out. Desta forma, realçamos a importância do terapeuta manter sob perspectiva o nível de

aliança com jovens e pais nas sessões iniciais. Desta forma é sugerido que o terapeuta ajuste

as suas intervenções de forma a influenciar a formação de alianças. (Robins et al, 2006)

Diamond, Diamond e Liddle (2000) realçam a fase de formação de tarefas, que envolve

ensinar aos pais competências que os ajudarão a facilitar a revelação de importantes

pensamentos e sentimentos, até então não abordados, por parte do jovem. As competências

transmitidas visam aumentar a capacidade de ouvir as histórias dos adolescentes sem fazer

julgamentos, de demonstrar curiosidade e respeito sinceros, e de resistir ao desejo de se

defenderem a si próprios.

Segundo Dishion e Stormshak (2007), existem seis práticas parentais particularmente

importantes e que poderão ser foco de atenção em terapia – a comunicação eficaz, a

estruturação dos contextos, o desenvolvimento de uma relação interpessoal positiva, a

monitorização do comportamento da criança, o reforço positivo e o estabelecimento de

limites.

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Acreditamos que o modelo das três fases de desenvolvimento da aliança terapêutica proposto

por Bordin (citado por Diamond, Diamond & Liddle, 2000) nos sugere um importante guia para

a prática clínica com adolescentes. Assim, importa, desde a primeira sessão, estabelecer um

laço com a família, identificar objectivos terapêuticos significativos para todos e acordar

como atingir os objectivos traçados. Para cada um destes três objectivos o terapeuta procura

resultados específicos. A título de exemplo, ao estabelecer laços com a família, o terapeuta

procura identificar forças e recursos dos pais, identificar stressores e ajudar os pais a olhar de

forma empática e articulada para as suas próprias experiências de vinculação, nas suas

famílias de origem.

EM JEITO DE CONCLUSÃO…

Acreditamos que, desde a primeira sessão, o terapeuta tem um desafio didáctico para com os

pais – o desafio de lhes ensinar “novas formas de controlo”. Formas de controlo mais

ajustadas e conducentes a práticas parentais cujo impacto é positivo tanto para os pais, como

para os filhos adolescentes. Formas de controlo que os ajudem a vivenciar as tarefas de

desenvolvimento como etapas de (re)definição de dinâmicas familiares e individuais mais

funcionais. Formas de controlo que contribuam para uma partilha construtiva de dificuldades

e, desse modo, promovam padrões de resiliência geradores de níveis mais elevados de bem-

estar.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Barber, B. K. (1996). Parental Psychological Control: Revisiting a Negleted Construct. Child

Development, 67, 3296-3319

Belsky, J. (1984). The determinants of parenting: a process model. Child Development, 55,

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Barber, B. K., Olsen, J. E., & Shagle, S. C. (1994). Associations between parental

psychological and behavioral control and youth internalized and externalized behaviors. Child

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Collins, W. A, Maccoby, E. E, Steinberg, L., Hetherington, E. M., & Bornstein, M. H. (2000).

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Diamond, G., Diamond, G., & Liddle, H. (2000). The therapist-parent alliance in family-based

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Dishion T. J., & Stormshak, E. (2007). Intervening in children’s lives: an ecological, family-

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Gammer, C., & Cabié, M. (1999). Adolescência e crise familiar (1ª ed.). Lisboa: Climepsi

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Relvas, A. P. (2000). O ciclo vital da família. Perspectiva sistémica (2ª ed.). Porto: Edições

Afrontamento.

Robbins, M. S, Liddle, H. A., Turner, C. W., Dakof, G. A., Alexander, J. F. & Kogan, S. M

(2006). Adolescent and Parent Therapeutic Alliances as Predictors of Dropout in

Multidimensional Family Therapy. .Journal of Family Psychology, 20(1), 108–116.

Yeh, M., & Weisz, J. (2001). Why are we here at the clinic? Parent-child (dis)agreement on

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12:00 – 12:30 Perturbações do comportamento alimentar – Propósitos escondidos

Joana Florindo

PERTURBAÇÕES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR

Mais do que uma moda, uma mania ou uma escolha de vida, as perturbações do

comportamento alimentar são um inquietante problema de saúde, cada vez mais presente nas

sociedades modernas. Tratam-se de perturbações psíquicas que acarretam com elas um

intenso e prolongado sofrimento, com sérias consequências psicológicas, físicas e sociais para

quem delas sofre (NEDA, 2010).

Resultantes de uma interacção entre factores biológicos, psicológicos e socioculturais,

são mais do que hábitos de dieta pouco saudáveis ou caprichos alimentares. Caracterizam-se

por uma atitude rígida e obsessiva, de controlo da alimentação, do peso e da forma corporal,

conduzindo a alterações dos hábitos alimentares, como a redução, a recusa, ou a ingestão

excessiva de alimentos, bem como a possível prática de comportamentos compensatórios

(APA, 2002). Com o tempo, essas atitudes e obsessões acerca da alimentação, do peso e da

forma corporal tomam conta do funcionamento diário da pessoa, e em alguns casos, chegam

mesmo a tomar conta da sua própria vida.

São perturbações que se verificam maioritariamente no sexo feminino, e que na sua

generalidade tendem a surgir na adolescência ou no início da idade adulta, embora possam

também emergir na infância ou numa idade mais avançada (NIMH, 2001).

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ANOREXIA NERVOSA

Embora revelem corpos perigosamente magros, as pessoas com anorexia sentem-se

insatisfeitas com a sua imagem corporal e tendem a ver-se sempre com excesso de peso. Na

realidade, embora consigam ver as suas formas corporais de modo autêntico e objectivo,

sentem-nas e interpretam-nas distorcidamente (APA, 2001; Sampaio, Bouça, Carmo & Jorge,

1999).

A perda de peso é o grande objectivo e rapidamente é transformada numa obsessão.

Jejuar ou limitar os alimentos ingeridos, controlando obsessivamente todas as calorias,

assumem-se como tarefas dominantes e podem ser acompanhadas por períodos de exercício

físico intenso (APA, 2001; Sampaio, Bouça, Carmo & Jorge, 1999). O recurso ao vómito e a

utilização de laxantes ou diuréticos para acentuar o emagrecimento, pode também ocorrer

(APA, 2001).

Toda a perda de peso é percebida como um triunfo, sinal de adequada disciplina e

sensação de controlo, e o percurso continua a ser dirigido no sentido do emagrecimento.

Assim, tendem a apresentar um peso inferior ao nível normal mínimo para a sua idade e

altura, e por vezes, chegam mesmo a atingir valores tão baixos, que põem em risco a sua

própria vida (APA, 2001; Sampaio, Bouça, Carmo Jorge, 1999).

A evolução da anorexia tende a ser variável de pessoa para pessoa. Algumas podem

apresentar um padrão de flutuação de perda e ganho de peso, enquanto outras podem

experienciar uma agravamento crónico da doença (NIMH, 2001).

Sintomas:

Recusa em manter um peso corporal igual ou superior ao normal para a sua

idade, altura, tipo de corpo e nível de actividade;

Medo intenso de ganhar peso ou engordar, mesmo quando o peso é baixo;

Perturbação na apreciação do peso e forma corporal; Sentir-se gorda ou

com excesso de peso, apesar de uma perda de peso dramática;

Nas raparigas após a menarca, amenorreia, isto é, inexistência de pelo

menos três ciclos menstruais sucessivos;

(APA, 2002)

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BULIMIA NERVOSA

Por detrás de uma imagem aparentemente normal esconde-se um corpo insatisfeito,

que deambula continuadamente entre ingestões excessivas de comida e comportamentos

compensatórios, para dela se tentar libertar.

Nessas ingestões, são consumidas compulsivamente, num curto espaço de tempo e a

um ritmo acelerado, quantidades de comida consideradas exageradas pela maioria das

pessoas, estando sempre presente uma sensação de falta de controlo sobre o que está a

acontecer (APA, 2002; Sampaio, Bouça, Carmo Jorge, 1999). O que é ingerido parece ser

variável, mas tende a verificar-se uma propensão para comida altamente calórica e de fácil

preparação e deglutição, como os gelados, os pudins ou as papas.

A fugaz sensação de prazer que pode ser inicialmente sentida, rapidamente dá lugar a

uma sensação de ineficácia, bem como a sentimentos de angústia, vergonha e culpa. E tudo

isto, associado ao mal-estar e ao medo intenso de ganhar peso, conduzem à urgência da

libertação do que foi ingerido. Surge a necessidade gritante de “limpar o corpo”, de remediar

o que foi feito e sentir algum controlo na situação. Então, é comum serem praticadas algumas

das seguintes estratégias: vómito auto-induzido, tomada de laxantes ou diuréticos, uso de

clisteres, actividade física exagerada ou períodos de jejum prolongados. A vergonha associada

aos comportamentos de ingestão/compensação, leva a que sejam na sua grande maioria

praticados secretamente, longe dos olhares e críticas dos outros (APA, 2002; Sampaio, Bouça,

Carmo Jorge, 1999).

Estes comportamentos compensatórios acabam por estimular a fome e conduzir a

novas ingestões compulsivas, facilitando a perpetuação do ciclo vicioso da bulimia.

Com o tempo, o impulso para comer tende a tornar-se cada vez mais intenso, levando

ao aumento da frequência e duração das ingestões, bem como ao da quantidade de alimentos

ingeridos. Consequentemente, o medo de engordar também se vai intensificando, podendo

surgir como resposta extrema, a tentativa de eliminação imediata de tudo o que é ingerido.

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INGESTÃO COMPULSIVA

Também conhecida por “Binge Eating”, caracteriza-se por um comer descontrolado,

impulsivo e continuado, de uma quantidade de alimentos considerada exagerada pela maioria

das pessoas, que só termina quando um intenso mal-estar ou a exaustão física são atingidos.

A ingestão é feita aceleradamente, num curto período de tempo, e acontece

normalmente quando a pessoa se encontra sozinha ou em locais mais isolados, onde a

possibilidade de se confrontar com os outros é muito reduzida. E se os primeiros momentos

podem ser referidos como agradáveis, sendo até possível saborear-se a comida, depressa se

transformam em momentos de angústia e desespero, que se intensificam com o aumento do

consumo alimentar (NEDA, 2005a; NEDA, 2005b; NIMH, 2001). Ai, surgem habitualmente

sentimentos de tristeza e fracasso, culpa e raiva, e enfartadas de comida, sentem-se vazias.

Apesar de não se registarem comportamentos de compensação, as pessoas com

ingestão compulsiva tendem a fazer dietas rápidas e esporádicas, como tentativa de resposta

ao evidente aumento de peso, ainda que não consigam obter o sucesso desejado (NEDA,

Sintomas:

Episódios repetidos de ingestão compulsiva/compensação;

Sentir perda de controlo durante um episódio de ingestão compulsiva e

comer para além do ponto de satisfação e conforto;

Compensação, depois de um episódio de ingestão compulsiva -

Tipicamente por vómito auto-induzido, abuso de laxantes, clisteres,

medicamentos de emagrecimento, e/ou diuréticos, exercício físico

excessivo ou jejuns;

Extrema preocupação com o peso e a forma corporal afectando a avaliação

da sua imagem;

(APA, 2002)

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2005a). Quanto mais peso ganham, mais se esforçam por cumprir as dietas, mas quanto mais

se esforçam por cumpri-las, mais se vêem envolvidas em ingestões excessivas, num ciclo que

parece não ter fim.

Embora não seja ainda reconhecida nos manuais de diagnóstico psiquiátrico como

uma Perturbação do Comportamento Alimentar, há indicações de que é assim identificada

desde a década de 90, pelos clínicos que trabalham nesta área. E prevê-se que será

reconhecida como uma perturbação independente, na próxima edição dos manuais de

diagnóstico.

Sintomas:

Episódios repetidos de ingestão compulsiva;

Perda de controlo durante o episódio de ingestão compulsiva e comer para

além do ponto de satisfação e conforto;

Sem comportamentos de compensação – embora possam iniciar dietas em

resposta ao evidente aumento de peso;

(NEDA, 2005a; NEDA, 2005b)

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O SEU DESENVOLVIMENTO

Para a grande maioria das pessoas, especialmente para quem não está familiarizado

com esta problemática, as perturbações alimentares assumem-se como uma questão de

moda, que se centra exclusivamente num grande objectivo: “querer ser magra(o)”. Pois,

convém esclarecer que esse não é de todo, o centro deste universo.

Independentemente do que acontecer ao peso, a perturbação alimentar permanece

(NEDA, 2004). Sempre que a pessoa perder peso, vai querer perder mais, e mais,

abandonando rapidamente todos os objectivos que vai estabelecendo. Entenda-se que a

questão não está no peso, ou no querer ser magro, ainda que pareça esconder-se atrás disso,

ela vai bastante além, e encontra-se no interior de cada pessoa com perturbação alimentar.

Embora resultem de uma complexa interacção entre factores biológicos, psicológicos

e socioculturais, a probabilidade de uma pessoa desenvolver estas perturbações, depende em

muito da forma como o seu corpo funciona biologicamente, de como vive emocionalmente as

experiências, e de como integra e processa as inúmeras mensagens dos diversos sistemas onde

está inserida.

Vejamos, no quadro seguinte, alguns dos factores que podem contribuir para o

desenvolvimento de uma perturbação alimentar:

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ALGUNS FACTORES DE VULNERABILIDADE

BIOLÓGICOS:

Genética;

Funcionamento neurotransmissores cerebrais;

Traços físicos particulares à fisiologia individual;

PSICOLÓGICOS:

Comorbilidade (Depressão, Ansiedade, PTSD, POC, Abuso Substâncias);

Baixa auto-estima; - Perfeccionismo; - Rigidez no funcionamento;

Sentimentos de solidão, inadequação ou falta de controlo;

Estabelecimento de relações interpessoais problemáticas;

Dificuldade em expressar e lidar com emoções e sentimentos;

Experiências de ridicularização face ao seu tamanho, forma corporal ou peso;

Experiências de abuso físico ou sexual;

SOCIAIS:

Envolvem a interacção com a família, amigos e cultura ocidental de um modo

geral;

Pressão cultural – “glorificação da magreza” e valorização do “corpo perfeito”;

Ser magra(o) = Ser poderosa(o) / amada(o) / valorizada(o) VS Não ser magra(o) =

Ser fraca(o) / feia(o) / desvalorizada(o);

Definições de beleza limitativas - Incluem apenas mulheres e homens dentro de

um peso e forma específicos;

(NEDA, 2004)

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Curiosamente, a própria perturbação acaba por se alimentar dela mesma, e estimular

a sua manutenção ao longo do tempo. Ao provocar visíveis alterações na forma corporal, bem

como alterações ao nível da química cerebral, desencadeia distorções cognitivas, que

impedem que a pessoa se aperceba claramente o que se está a passar consigo, e minimizam

ainda a sua capacidade de auto-controlo.

FORMAS DE LIDAR COM O MUNDO

A relação que desenvolvem com a comida, numa tentativa de compensar sentimentos

e emoções avassaladoras, que parecem impossíveis de gerir, é o movimento automatizado nas

pessoas com perturbações alimentares. A procura impulsiva ou a restrição dos alimentos, bem

como os movimentos de compensação, cumprem para estas pessoas, funções de

apaziguamento e regulação emocional relevantes, embora falaciosas e vãs.

Embora a grande maioria das pessoas com estes problemas, compreendam as

consequências negativas que eles provocam, experimentando na pele os danos ao nível da

saúde física e emocional, a verdade é que abdicar de uma perturbação alimentar, é lhes

bastante difícil. É ter de abdicar dos comportamentos de resposta que conhecem, perante

situações problemáticas, e que de alguma forma lhes garante uma sensação de segurança e

controlo (Dolhanty, 1998). É ter de abdicar da forma como lidam como o “Mundo”, o que é

para elas assustador.

E isto verifica-se com frequência na prática clínica. Embora estas pessoas explicitem

um enorme desejo de se libertarem destes problemas, e se mostrem motivadas nesse sentido,

vêem-se fortemente agarradas a eles, revelando uma grande resistência. E é curioso verificar,

nestas situações, que tal resistência não se baseia unicamente no medo do desconhecido ou

numa possível perda de controlo. Ela baseia-se também no enorme constrangimento de ter de

abdicar de uma situação que tem um papel central nas suas vidas, que serve um propósito

interior, que pode muitas vezes, até aqui, ter estado camuflado mesmo para a própria

pessoa.

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SUPOSTOS “BENEFÍCIOS” DAS PERTURBAÇÕES ALIMENTARES

Torna-se assim fundamental perceber qual, ou quais, os propósitos que a perturbação

alimentar tem vindo a servir na vida da pessoa. O que terá ela de abdicar, ao libertar-se

desta perturbação, e que lhe é, de alguma forma “importante” ou “positivo”? Quais são os

“benefícios”, que julga que o seu problema lhe tem trazido, e dos quais tem receio de abrir

mão?

De seguida, encontram-se alguns desses supostos benefícios, que vão sendo

descobertos na prática clínica, e que são destacados na literatura (Dolhanty, 1998).

* EFEITO “TRANQUILIZADOR”

No âmbito das perturbações alimentares, a ingestão é muitas vezes descrita como

uma forma rápida de “aliviar tensões”, “descontrair”, “fazer uma pausa aos problemas e ao

ritmo alucinante do dia-a-dia”. Para algumas destas pessoas, é também referida como a única

forma de acederem a um momento de prazer nas suas vidas, mesmo que depois disso sejam

invadidas por sentimentos de angústia ou aversão.

“Acabo por não querer pensar no que vem depois. A minha vida é tão vazia que se não me

permitisse cometer estes excessos, ela deixava de ter sentido”;

“É o único momento em que me sinto acarinhada, mesmo que tudo de seguida desapareça ”;

Testemunho de cliente

* REFORÇO SOCIAL

Quando o feedback que a pessoa recebe dos que a rodeiam, funciona como um

poderoso reforço para a manutenção da sua perturbação alimentar.

Esta situação pode acontecer quer através daqueles que desconhecem o seu

problema, quando revelam que têm por si uma grande admiração – elogiando a sua

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capacidade para comer pouco, o seu esforço para emagrecer ou para ir ao ginásio quase todos

os dias, quer através daqueles que sabem da sua existência, em consequência do carinho e da

atenção que lhe dão. O receio de poder perder esse carinho e atenção, bem como os elogios,

provocam elevado receio e resistência à recuperação.

Mas, mesmo quando a atenção recebida, é percebida como “negativa”, como por

exemplo, quando discutem com ela para comer, ou policiam todas as suas refeições e as idas

à casa de banho, ter de abdicar disso pode ser igualmente assustador.

“É muito difícil imaginar que depois não terei ninguém atrás de mim, a preocupar-se

comigo”; “E quem é que eles terão para se preocupar?”

Testemunho de cliente

* PROTECÇÃO DA UNIÃO FAMILIAR

Quando o problema alimentar está servir para desviar a atenção de outros problemas

relacionais ou familiares. Se estiverem todos centrados no seu problema, podem ignorar

outras dificuldades, como por exemplo os conflitos entre pai e mãe, ou entre marido e

mulher. A pessoa pode mesmo sentir que o seu problema está a funcionar como a “cola” que

mantém a família unida, e que se desaparecer, poderá significar uma desagregação familiar.

No caso de um casal, toda a relação poderá centrar-se no problema alimentar, não

havendo mais nada em comum para partilhar, à excepção do próprio problema, e desta

forma, se permanecer doente, poderá manter o seu casamento.

“Percebi que era eu que estava a manter o relacionamento dos meus pais, e por mais que

desejasse ficar bem, o que eu mais queria era que toda a família ficasse junta”

Testemunho de cliente

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* PROTECÇÃO CONTRA O FRACASSO

Quando o problema alimentar admite que toda a vida permaneça “pendurada”, numa

“espera” infindável. Quando devido a ele, foram deixados para trás importantes objectivos de

vida, quer a nível académico, profissional ou pessoal. A escola pode ter sido abandona

precocemente, a progressão na carreira “congelada”, ou o sonho antigo de viver sozinha,

substituído pela realidade de viver com os pais. A ideia inicial, de esperar ter o “peso certo”

para levar esses objectivos em frente, ficou cada vez mais distante, pois o crescente aumento

de tempo, energia e saúde que tinha de dedicar ao seu problema, incapacitaram-na de

prosseguir esses projectos. Por inexperiência, de lidar com os desafios do dia-a-dia, poderá

recear que a recuperação lhe traga difíceis funções e responsabilidades, e se veja

confrontada com possíveis situações de fracasso. E permanecendo com o problema alimentar,

não enfrenta a oportunidade de falhar nas tarefas que seria chamada a desempenhar, se

estivesse recuperada.

“Fico aterrorizada ao imaginar que se fosse enfermeira poderia pôr a vida de alguém em

risco. Se trocasse uma medicação, a pessoa podia morrer.Nem me quero imaginar com tanta

responsabilidade em mãos”;

Testemunho de cliente

* EVITAMENTO SEXUAL

Perante o surgimento de uma perturbação alimentar, é frequente assistir-se a uma

diminuição ou cessação da actividade sexual. Mas, quando essa diminuição ou cessação surge

associada a um historial de abuso, a perturbação alimentar pode transformar-se numa forma

de protecção face a qualquer contacto intimo, e possível sofrimento.

Nestes casos, a eminência da recuperação pode provocar um elevado receio na

mulher, podendo esta pensar, que é esperado que reaviva a sua resposta sexual. Ela poderá

temer que com o ganho de peso, o seu corpo se torne mais feminino e sexualmente atraente,

retome a menstruação e possibilite-a de engravidar, situações que teme bastante. E todos

estes problemas, podem para ela ser associados a uma perda de controlo sobre o seu corpo,

não apenas no que respeita ao ganho de peso, como também no que respeita à sua

intimidade, podendo esta passar a ser partilhada com outra pessoa.

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O mesmo pode acontecer a uma pessoa que coma compulsivamente, provocando um

acentuado ganho de peso, que no seu entender, facilitará uma maior protecção da sua

sexualidade.

“Sinto-me bem mais protegida. E tenho a certeza que assim ninguém olha para mim”;

Testemunho de cliente

* EVITAMENTO DE MEMÓRIAS OU SENTIMENTOS

Uma perturbação alimentar parece assumir-se “eficaz” no que respeita ao evitamento

de memórias ou sentimentos dolorosos. Ora vejamos: o peso extremamente baixo, ao criar

um estado de “dormência” ou “sonolência” cognitiva e emocional, mantém por si, os

sentimentos e as memórias a uma distância “segura”; o ciclo bulímico, e as suas

complicações, representam por si, uma poderosa distracção de outras preocupações; e o

vómito, parece ser para alguns, uma forma de “purificação” de sentimentos, “ajudando a

aliviar” intensas emoções.

Se considerarmos uma pessoa que sofreu um abuso, por exemplo, conseguimos

perceber, que ao manter-se num ciclo bulímico, e focar toda a sua atenção na comida, tende

a conseguir manter as memórias traumáticas a uma distância mais “segura”. Mas, à medida

que vai atingindo um peso mais saudável, comendo normalmente ou interrompendo o ciclo

ingestão/purgação, as memórias que até aqui se mantinham distantes, tendem a aproximar-

se e a intensificar-se. E se estas recordações foram para si insuportáveis, isso poderá consistir

numa poderosa resistência à recuperação.

Também os sentimentos negativos podem ser extremamente assustadores, ou mesmo

insuportáveis, quando uma pessoa não está habituada a lidar com eles. Ter que os enfrentar,

num processo de recuperação, torna-se extremamente difícil, e em alguns casos, as pessoas

chegam mesmo a expressar que se sentem pior do que quando começaram o tratamento. Mas

tal situação é positiva, e reveladora de que estão a enfrentar e a processar os seus

sentimentos negativos, até então desconhecidos.

“Deixar-me estar com o que vou sentindo é angustiante e inquietante”;

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* MANTER O CONTROLO

Embora as pessoas com perturbações alimentares se sintam frequentemente sem

qualquer controlo sobre o seu corpo e sobre a sua vida, sentem que a perturbação é a sua

única hipótese de exercer controlo, e que desistir dela, significa desencadear um descontrolo

total.

Embora também, todo o ciclo de comportamentos disruptivos possa falhar em

fornecer um sentido de auto-eficácia, abandoná-lo, pode representar uma desistência da

procura dessa auto-eficácia, o que se revela assustador. Apesar de sentirem, que com a

perturbação alimentar, são controladas pela sua vontade, na recuperação, terão de renunciar

a essa vontade e passar a serem controladas pelas exigências e expectativas de outros. Podem

também recear, que ao desistirem da perturbação, estejam a desistir das suas próprias

necessidades e sentimentos, e até temer que a fome possa surgir exagerada e

descontroladamente. Desta forma, a perturbação parece-lhes ser o único meio de negação, e

de controlo das suas necessidades físicas e emocionais, que tanto detestam.

Por último, uma outra forma de sentirem que têm as rédeas na mão, enquanto têm a

perturbação alimentar, é o sentimento de familiaridade e previsibilidade da sua vida. É, por

assim dizer, o “inimigo conhecido”. Imaginarem-se com a sua “vida de volta”, pode ser

aterrador. Não poderem prever o que o futuro trará, sem a perturbação alimentar: “E se

falhar nessas tarefas desconhecidas?” , antes a doença que conhece, do que o território

desconhecido da recuperação.

“O controlo para mim é algo muito importante”,

“Quando falho, para me sentir menos culpada e para atenuar o descontrolo, provoco o

vómito” ; “Fui sempre assim toda a vida, tentando controlar tudo, e não conseguindo

controlar rigorosamente nada”;

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* AUTO-CONCEITO

Conseguir um corpo magro pode desencadear sentimentos de orgulho e realização

individual, e ser uma fonte de auto-estima, de “ser especial e único”, chegando mesmo a ser

uma forma de se identificar e definir enquanto pessoa. Nas pessoas com perturbações

alimentares, devido à sua auto-avaliação desajustada, e/ou inteiramente focada na imagem

corporal, ser magra, ou trabalhar-se para isso, podem ser as únicas formas de se sentir bem

consigo mesma.

Ter uma perturbação alimentar, pode mesmo ser para algumas destas pessoas, a

única identidade que julgam ter, e quando confrontadas com a possibilidade de recuperação,

recearem intensamente uma espécie de destruição e extinção da sua própria vida.

“Não me conheço fora da Bulimia. Já assim sou há 15 anos e não sei se poderei algum dia

abdicar inteiramente dela. Será como apagar uma grande parte da minha vida ”

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CONCLUSÃO

Face ao exposto, e embora possamos compreender que as perturbações do

comportamento alimentar cumpram, de alguma forma, propósitos importantes na vida de

quem delas sofre, não podemos admitir que sejam assumidas como formas de estar, ou viver.

Relembramos que estamos perante doenças graves, que acarretam sérias consequências

físicas, psicológicas e sociais, e que podem mesmo conduzir à morte.

Procuramos neste trabalho, identificar e esclarecer alguns dos propósitos escondidos

que surgem mais frequentemente em consulta, e alertar para a necessidade de os ter em

conta, sempre que surjam casos clínicos desta natureza. Sempre no sentido de lhes promover

uma resposta mais adequada e eficaz, pois torna-se claro que se descobrirmos as reais

necessidades que a perturbação alimentar está a responder, mais adequadamente poderemos

dirigir a nossa intervenção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

American Psychiatric Association [APA]. (2002). Manual de diagnóstico e estatística

das perturbações mentais. 4ª Edição Texto Revisto. Lisboa: Climepsi Editores.

Dolhanty M. A., J. (1998). Giving Up An Eating Disorder: What Else Might You Be

Giving Up?. IN http://www.nedic.ca/.

National Institute of Mental Health [NIMH]. (2001). Eating Disorders. Facts About

Eating Disorders and the Search for Solutions. IN http://www.nimh.nih.gov/index.shtml.

National Eating Disorders Association [NEDA]. (2004). Factors that may Contribute to

Eating Disorders. IN www.nationaleatingdisorders.org.

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National Eating Disorders Association [NEDA]. (2005a). What is na Eating Disorder.

Some Basics Facts. IN www.nationaleatingdisorders.org.

National Eating Disorders Association [NEDA]. (2005b). Binge Eating Disorder. IN

www.nationaleatingdisorders.org.

National Eating Disorders Association [NEDA]. (2010). Fact Sheet on Eating Disorders.

IN www.nationaleatingdisorders.org.

Sampaio, D., Bouça, D., Carmo, I., Jorge, Z. (1999). Doenças do Comportamento

Alimentar – Manual para o clínico geral. Edições ASA.

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12:30 – 13:00

O contributo da avaliação e da intervenção psicológica na Cirurgia Plástica

Catarina Castro

RESUMO:

Este trabalho tem como objectivo salientar a importância da intervenção psicológica junto da

cirurgia plástica. Estas duas valências complementam-se e podem beneficiar bastante uma da

outra, pois mudanças no corpo estão directamente associadas a mudanças psicológicas e vice-

versa, pelo que, uma abordagem terapêutica que contemple as dimensões biopsicossociais do

individuo através de uma equipa multidisciplinar deve ser privilegiada de modo a assegurar o

êxito do tratamento e a sua manutenção a longo prazo, contribuindo para a melhoria de

saúde, qualidade de vida, bem-estar, aumento de auto-estima e satisfação com os resultados

obtidos através da cirurgia.

PAPEL DA PSICOLOGIA

O que a intervenção psicológica tem para oferecer à Cirurgia Plástica?

A literatura refere como relação entre estas duas disciplinas o ênfase dado às noções de auto-

estima e imagem corporal (Adamson, Hershberg & Shane, 1976). Ter uma aparência

socialmente aceitável pode ter impacto nas relações interpessoais, sentimento de auto-

valorização e de adaptação social (Bersheid & Gangestad, 1982). Estudos indicam que pessoas

mais atraentes têm mais oferta de trabalho e mais oportunidades a nível promocional

(Marlowe, Schneider & Nelson, 1996). Percepções subjectivas de atractividade, de melhoria

de sentimentos de confiança e melhoria no desempenho profissional têm sido relatadas após

cirurgia (Edgerton, Langman, Schmidt & Sheppe, 1982; Pertschuk & Whitaker, 1982). Num

estudo qualitativo realizado por Ferraz e Serralta (2007), verificou-se que a Cirurgia Plástica

Estética melhorou as vidas das entrevistadas, melhorou a deformidade física, as relações

interpessoais e sexuais, aumentou a auto-estima e estimulou a harmonia interna entre mente

e corpo.

Estes pacientes não têm doença nem lesões, o objectivo do tratamento não é simplesmente

voltar à aparência “normal” ou prévia, mas sim, melhorar uma aparência física que já se

encontra dentro dos padrões “normais”(Sarwer, Pruzinsky, Cash, Goldwyn, Persing &

Whitaker, 2006).

O papel do psicólogo que colabora com Cirurgião Plástico é determinar o tipo de cirurgia que

é pedida, a personalidade do paciente, a extensão da deformidade anatómica e como é que

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essa deformidade é sentida pelo paciente (Jacobson, Meyer & Edgerton, citado por Deaton &

Langman, 1986).

Uma avaliação inicial fornece respostas às perguntas dos cirurgiões acerca das motivações dos

pacientes, expectativas, personalidade, reacções ao stress e a capacidade para perceber os

riscos e procedimentos envolvidos na cirurgia. O Cirurgião Plástico simultaneamente avalia a

viabilidade e a necessidade de cirurgia assim como a forma como deve ser feita. O trabalho

conjunto do Cirurgião Plástico com o Psicólogo contribui para analisar quais os doentes que

provavelmente irão sentir-se insatisfeitos com as cirurgias (Deaton & Langman, 1986).

O resultado de uma triagem pré-cirurgica não é uma dicotomia cirurgia versus não- cirurgia.

Em vez disso, este processo resulta numa variedade de formas de tratamento, que requerem

a participação do Cirurgião Plástico e do Psicólogo em vários estadios. Depois de uma

avaliação pré-cirurgica, as opções de tratamento que surgem incluem:

a) Decidir não fazer a cirurgia devido à existência de psicopatologia (ex: paciente paranóico);

b) Decidir não fazer a cirurgia porque o cirurgião plástico acredita que a operação não terá

efeito na melhoria anatómica (ex: pessoa com inexistente ou mínimo defeito);

c) Usar a intervenção psicológica como substituta da cirurgia plástica (ex: intervenções

psicológicas que consistem em minimizar o sentimento de necessidade de cirurgia);

d) Adiar a cirurgia, dependendo do resultado do tratamento psicológico ou psiquiátrico;

e) Aconselhamento psicológico para preparar o paciente para a cirurgia (ex: preparação para

as mudanças na imagem corporal e para possíveis defeitos residuais, preparação para a dor e

temporários estados de imobilidade em alguns casos);

f) Tratamento de suporte durante o processo (ex: focado na aceitação de algumas rotinas,

diminuição da ansiedade, suportar a dor);

g) Psicoterapia pós-operatória para ajudar o paciente a consolidar os benefícios psicológicos

da cirurgia (Jacobson et al, citado por Deaton & Langman, 1986).

A avaliação psicológica e a triagem de pacientes interessados na cirurgia plástica é

importante pelo menos por duas razões. Primeiro, pode ajudar a determinar que pacientes é

que têm motivações pré-operatórias e expectativas pós-operatórias realistas. Segundo, é

essencial para identificar pacientes que têm condições psiquiátricas que podem ser contra-

indicadas para o tratamento. Uma avaliação compreensiva e em perspectiva dos pacientes

pode ajudar a identificar futuros problemas. Tendo em vista o pior cenário, estes pacientes

uma vez insatisfeitos, podem usar violência contra cirurgião ou levantar acções judiciais

(Sarwer et al, 2006).

Condições como a perturbação depressiva major, esquizofrenia não controlada e abuso de

substâncias são relativamente fáceis de identificar e contra-indicar para o tratamento, assim

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como a interacção com alguns tratamentos farmacológicos. No entanto, a relação entre

psicopatologia menos severa, como a depressão moderada ou ansiedade, e os resultados pós-

operatórios é menos clara. Pacientes nestas condições devem ser avaliados caso a caso. A

Perturbação Dismórfica Corporal e as Perturbações Alimentares estão sobre-representadas

nesta população, sendo necessário fazer o despiste. Cerca de 7% a 15% dos pacientes que

procuram a cirurgia plástica sofrem de Perturbação Dismorfica Corporal (Aouizerate, Pujol,

Grabot et al, 2003). Uma investigação recente verificou que 19% dos pacientes da Cirurgia

Plástica reportaram história de doença mental, percentagem muito maior do que os pacientes

que não são da cirurgia plástica (4%), 18% dos pacientes da cirurgia plástica reportaram usar

medicação psiquiátrica e apenas 5% dos pacientes que não são da cirurgia plástica o

reportaram (Sarwer, Zanville, LaRossa et al, 2004).

As motivações para a cirurgia devem ser avaliadas numa consulta inicial. Deve ser percebido

se as motivações são internas (submeter-se à cirurgia para melhorar a auto-estima) ou

externas (submeter à cirurgia para obter promoção no trabalho ou arranjar namorado). Para

aceder a esta informação deve-se perguntar ao paciente porque está interessado em fazer a

cirurgia neste momento. Esta distinção entre motivações internas e externas não é fácil, no

entanto, pessoas com motivações internas são mais recomendadas para cirurgia (Edgerton,

Langman & Pruzinsky, citado por Sarwer et al, 2006). Pelo menos três estudos sugeriram que

estar motivado para uma cirurgia para agradar ao parceiro está associado a um pobre

resultado pós-operatório (Wright & Wright, citado por Sarwer et al, 2006).

As expectativas pós-operatórias têm sido categorizadas como cirúrgicas, psicológicas e

sociais. As expectativas cirúrgicas acedem a conceitos específicos sobre a aparência física.

Expectativas psicológicas incluem potenciais melhorias no final do tratamento relativamente

ao funcionamento psicológico. As expectativas sociais têm a ver com benefícios sociais após

cirurgia (Pruzinsky, 1996). Alguns estudos verificaram que expectativas irrealistas estão

associadas a um mau resultado pós-operatório (Napoleleon, citado por Sarwer et al, 2006). No

entanto, pacientes com motivações internas e expectativas realistas podem ficar muito

satisfeitos com o resultado.

É importante avaliar as relações parentais dos pacientes assim como algumas experiências

que possam estar associadas à forma como percepcionam o seu corpo. Deve ser feita uma

avaliação cognitiva-comportamental aos pacientes interessados em se submeterem à cirurgia.

Esta avaliação deve explorar pensamentos, comportamentos e experiências que contribuíram

para a insatisfação que sentem relativamente à aparência e para a decisão de se submeterem

à intervenção. Deve ser explorada esta decisão e suas respostas comportamentais, as suas

preocupações acerca da aparência e as consequências esperadas.

No final da avaliação devem ser partilhados os resultados com o paciente, que inclui a

recomendação para cirurgia ou não. Pode ser recomendado fazer psicoterapia numa primeira

fase com o intuito de serem trabalhadas a imagem corporal, pensamentos e comportamentos

que mantêm a insatisfação com o corpo, auto-estima e auto-confiança (Sarwer et al, 2006).

Deve ser feito acompanhamento psicológico após intervenção com o objectivo de ajudar a

suportar e vivenciar o desconforto, acompanhar o processo de recuperação, diminuição da

ansiedade inerente a todo o processo, auxiliar na capacidade de suportar emoções e

sensações desconfortáveis. Posteriormente deve ser verificada a adaptação à sua nova

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imagem (choque/impacto, não reconhecimento de si mesmo) reacções de terceiros e

expectativas superadas, deve ser reavaliada a insatisfação corporal, bem como a existência

de psicopatologia (ver tabela).

Pré –Intervenção

Pós-Intervenção

1ª Sessão (Entrevista)

- Motivação Interna ou Externa? - Motivação só estética ou também funcional? - Verificar se esta relacionado com situação de vida actual/ acontecimento actual - Porquê agora? Quando começou a pensar nisso? - Desejos e fantasias; - Expectativas reais? - Sentimentos; - Consciência dos riscos e procedimentos que envolvem a cirurgia? - Verificar passado de cirurgias; - Historial de Problemas Psiquiátricos/Psicológicos - Estado Psicológico actual (verificar existência de psicopatologia) - Tendências suicidas (verificar possibilidade de boicotar pós-operatorio) - Apoio Familiar (verificar se não se submetem a cirurgia às escondidas)

- Ajudar a suportar e vivenciar desconforto (edemas, pruridos,etc); - Acompanhar processo de recuperação se necessário; - Diminuição da ansiedade inerente a todo o processo; - Exercícios de relaxamento; - Bio e neurofeedback; - Implementar atitude optimista; - Auxiliar na capacidade de suportar emoções e sensações desconfortáveis.

2ª Sessão Aplicação de Testes Psicológicos No dia da retirada dos pontos: - É a primeira vez que se olham ao espelho e se deparam com uma nova imagem que ainda não é o resultado final, desejado - Acompanhamento no impacto/choque da sua nova imagem - Acompanhamento no processo de não reconhecimento de si mesmo.

3ª Sessão Devolução do Relatório Feedback dos resultados

- Verificar adaptação à nova imagem, reacções de terceiros, expectativas superadas, etc. - Psicopatologia? - Analisar insatisfação Corporal. - Potenciar satisfação com a cirurgia. - Trabalhar imagem corporal se necessário (CBT).

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Os critérios de exclusão para a cirurgia:

Candidatos que têm expectativas irrealistas;

Que ficaram insatisfeitos com procedimentos anteriores

Que são alvo de pressões externas, dos outros, para alterarem a sua aparência;

A quem foi diagnosticada doença mental ou sintomatologia que está directamente

relacionada com a cirurgia que irá realizar.

Candidatos a quem foi diagnosticada doença mental deve-se intervir na doença ou

perturbação. Candidatos em que o cirurgião acredita que a operação não irá trazer grandes

resultados, que o defeito é mínimo ou que existe distorção da imagem corporal devem ser

acompanhados psicologicamente. Podem surgir casos em que será necessário preparar o

paciente para a cirurgia e em que se verifica que o paciente beneficiará de acompanhamento

psicológico antes de se submeter a cirurgia. Nestes casos devem ser feitos exercícios de

relaxamento, preparação para as mudanças na imagem corporal e preparação para a dor e

todo o processo pós-operatório.

O acompanhamento das situações acima descritas baseia-se e inclui o Modelo Cognitivo-

Comportamental para trabalhar a Imagem Corporal. Este modelo foi desenvolvido por Cash

em 1996 (Sarwer et al, 2006) para pessoas que têm uma auto-imagem (a forma como

percepcionam o seu corpo) negativa. É um programa constituído por 8 fases para as pessoas

aprenderem a gostar da sua aparência. O programa tem a duração de aproximadamente 5

meses. As sessões têm uma periodicidade semanal até ao 4º mês e quinzenal no 5ª mês. A

tabela em baixo refere-se ao resumo do trabalho feito em cada uma das fases do programa

(Cash, 2008).

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Programa CBT para a Imagem Corporal Fase 1

Descobrir pontos fortes e pontos fracos relativamente à imagem corporal. Testes de avaliação da imagem corporal. Definição de objectivos para a mudança.

Fase 2

Psicoeducação – informação detalhada sobre a natureza da imagem corporal e o que pode causar uma imagem corporal negativa. São identificadas causas históricas pessoais (eventos, situações) que contribuíram ou contribuem para uma auto-imagem negativa. Processo de auto-descoberta que inclui actividades de exposição (olhar ao espelho, etc) e a auto-biografia acerca do desenvolvimento da sua imagem corporal. Diário da Imagem Corporal – aprender a monitorizar experiencias e identificar gatilhos que provocam sofrimento e que activam “a conversa interna com o corpo”. Identificar que emoções surgem e que comportamentos estão associados. Este diário é usado sistematicamente durante todo o programa.

Fase 3

Relaxamento do corpo e da mente para gerir emoções disfóricas de imagem corporal. Competências úteis para capacitar as pessoas a aprenderem como controlam ou reduzem a sua disforia numa variedade de situações percepcionadas como problemáticas.

Fase 4

Identificar crenças ou esquemas cognitivos sobre a aparência que alimentam o sofrimento em relação à imagem corporal experienciada. P.e. “As pessoas gostam menos de mim por causa da minha aparência” ou “As pessoas atraentes conseguem tudo na vida.” Aprender como estes esquemas cognitivos operam na sua vida diária - podem questiona-los e discuti-los.

Fase 5

Envolve mais mudança. Capacitar as pessoas a identificar erros ou distorções cognitivas na sua “conversa interna com o seu corpo” e fornecer estratégias para as mudar.

Fase 6

Detalhar estratégias de comportamento específicas com vista a alterar comportamentos de evitamento relacionados com uma imagem corporal negativa – o evitamento de certas actividades, situações ou determinadas pessoas que provocam sofrimento. Identificar e modificar rituais de preocupação com a aparência, como verificações constantes ao espelho ou hábitos excessivos relativamente à aparência.

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Fase 7

Participantes comprometem-se a participar em actividades que promovem uma auto-imagem positiva e melhorada. P.e. actividades de exercício físico e saúde, desfrutar da sua aparência em vez de se esconderem.

Fase 8

Reavaliar a imagem corporal e dar feedback sobre as mudanças. Estabelecimento de objectivos para continuar a mudança. Prevenção de recaída – aprendem a identificar e a preparar situações futuras que poderão pôr e sua imagem corporal em risco. Aprender como manter uma relação com o corpo mais confiante, prazerosa e positiva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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body in surgery. In J. G. Howells (Ed.), Modern perspectives in the psychiatric aspects of

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Berscheid, E., & Gangestad, S. (1982). The social and psychological implications of facial

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Cash, T. F., (2008). The Body Image Workbook. Oakland: New Harbinger Publications, Inc.

Deaton, A. V. & Langman, M. I. (1986). The contribution of psychologists to the treatment of

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Edgerton, M. T., Langman, M. W., Schmidt, J. S., & Sheppe, W. (1982). Psychological

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Ferraz, S. B. & Serralta F. B. (2007). O impacto da cirurgia plástica na auto-estima. Estudos e

Pesquisas em Psicologia, Vol. 7, No. 3, pp. 100-112.

Marlowe C. M., Schneider, S. L. & Nelson S. E. Gender Ana atractiveness biases in hiring

decisions: are more experienced managers less biased? Journal App Psychology, 1996; 81: 11-

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Pertschuk, M. J., & Whitaker, L. A. (1982). Social and psychological effects of craniofacial

deformity and surgical reconstruction. Clinics in Plastic Surgery, 9, 297-306.

Pruzinsky T. Cosmetic plastic surgery and body image: critical factors in patient assessment.

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Psychological Association, 1996:109-127.

Sarwer, D. B., Pruzinsky, T., Cash, T. F., Goldwyn, R.M., Persing, J. A., & Whitaker, L. A.

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Lippincott Williams & Wilkins.

Sarwer DB, Zanville HA, LaRossa D, et al. Mental health histories and psychiatric medication

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14:00 – 14:30

Uma bússola em psicoterapia: a Mentalização

Luis Gonçalves

RESUMO

Esta apresentação pretende definir e situar a capacidade de mentalizar como abordagem

integrativa, multidisciplinar e preventiva de sofrimento psicológico. Procurar-se-á também

distingui-la de outros conceitos associados, enfatizando a sua especificidade e contributo

decisivo para o desenvolvimento conjunto de psicoterapeutas e clientes. Por último,

enquadrar-se-á a capacidade de mentalizar na perturbação borderline da personalidade,

apresentando-se em seguida a MBT (MENTALIZATION based therapy) como forma eficaz de

conceptualização e intervenção nesta população.

Palavras-chave: mentalização, mente, vinculação, significado, regulação, borderline,

espelhamento.

O QUE É A MENTALIZAÇÃO

T: “The mind can be a scary place.”

P: “Yes, and you wouldn’t want to go in there alone!”

Quanto ao conceito, mentalizar é a capacidade de observar em si próprio e nos outros uma

mente própria em termos de estados subjectivos, emoções, desejos e crenças (Bateman e

Fonagy, 2004).

Encara-se a mentalização como ver-se a si próprio do exterior e aos outros do interior;

constatam-se estados mentais do próprio e dos outros; percebem-se aspectos não

compreensíveis e “tem-se a mente na mente”. Esta capacidade leva então a que se aumente

a atenção para estados mentais do próprio e nos outros e incremente a consciência de várias

perspectivas, principalmente em situações de activação emocional. É que a mentalização tem

uma contribuição saliente ao facilitar a expressão, identificação e regulação das emoções.

Tem a sua origem nas Teorias da Vinculação e na Psicanálise, tendo três papéis de destaque:

é um factor comum num vasto leque de abordagens teóricas (psicanálise, CBT, terapia

cognitiva, psicoterapia interpessoal ou terapia centrada no cliente), participando também na

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abordagem ao trauma, depressão, consumo de substâncias, terapia familiar e educação

parental; no autismo (visto como a incapacidade permanente de mentalizar devido a défices

neurobiológicos – mindblindness) e na conceptualização e intervenção da perturbação

borderline (em que vinculações inseguras com os cuidadores levaram a ansiedade, vazio,

depressão, desconfiança ou frustração nas relações interpessoais). Vemos então que

mentalizar é um conceito multidisciplinar:

TABELA 1. CARACTERÍSTICAS DA MENTALIZAÇÃO

Características Aspectos

Conteúdo dos estados mentais Necessidades, desejos, emoções, pensamentos, alucinações, etc.

Objecto Próprio vs outros

Estrutura temporal Passado, presente ou futuro

Extensão Estreita (estado mental presente) vs larga (contexto autobiográfico)

Nível de representação Explícita (narrativa) vs implícita (intuitiva)

(Allen, Fonagy e Bateman, 2008)

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MENTALIZAR IMPLICITAMENTE E EXPLICITAMENTE

(ALLEN, FONAGY e BATEMAN, 2008)

ALGUMAS CURIOSIDADES…

A mentalização requer atenção nos estados mentais de outros, o que nem sempre é fácil,

podendo até ser doloroso ou tornar-se excessivo (hipervigilante ou paranóide). Tal como no

autismo, a psicopatia está associada geneticamente a défices de base neurobiológica. Assim,

um psicopata apresenta uma ruptura parcial da capacidade de mentalizar, fazendo uma

leitura da mente sem empatia ou emoção.

De acordo com um estudo de Kim-Cohen e seus colaboradores em 2003, cerca de 75% dos

adultos com desordens psiquiátricas tinham um transtorno diagnosticável antes dos 18 e 50%

tinham uma desordem antes dos 15. Concluíram então que a maior parte dos distúrbios da

idade adulta deve ser vista como a extensão de distúrbios juvenis.

Implícita Explícita

Percebida

Não consciente

Não verbal

Não reflectida

Ex: espelhar

interpretada

Consciente

Verbal

Reflectida

Ex: explicar

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TABELA 2. MENTALIZAÇÃO E TERMOS SEMELHANTES

Termo Diferenças

Mentalizar Foca-se nos estados mentais do próprio e dos outros e interpreta o comportamento respectivo

Mindfulness Foca-se no presente e não está limitado aos estados mentais

Leitura da mente Aplica-se a outros e foca-se na cognição

Teoria da mente Assenta no desenvolvimento cognitivo e fornece suporte conceptual para mentalizar

Metacognição Foca-se primariamente na cognição do próprio

Mindblindness Contrário de mentalizar e muito presente no autismo

Empatia Foca-se nos outros e enfatiza estados emocionais

Inteligência emocional Relaciona-se com o mentalizar da emoção no próprio e outros

Insight Conteúdo mental que é resultado do processo de mentalizar

(ALLEN, FONAGY e BATEMAN, 2008)

Combinando Mindfulness e Mentalização, chegamos ao termo mindfulness da mente (Allen,

2006b). Na realidade, uma parte considerável da mentalização está contida na investigação

do mindfulness, concretamente, “atenção receptiva a estados psicológicos” e “sensibilidade

para processos psicológicos a decorrer” (Brown e Ryan, 2003).

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INTERVENÇÕES QUE PROMOVEM A MENTALIZAÇÃO

Ter uma atitude exploratória e curiosa, querendo “perceber melhor”;

Fornecer uma experiência de base segura que facilite a exploração do paciente dos

seus estados mentais (próprios e do terapeuta);

Promover um nível de activação emocional confortável para o paciente;

Construir um processo de “espelhamento”, em que as emoções do terapeuta são

responsivas e contigentes a cada situação; em que emoções “marcadas” representam

o estado mental do paciente em direcção a ele mesmo;

Apresentar intervenções simples e objectivas;

Levar a um equilíbrio entre a exploração de estados mentais próprios e dos outros;

Motivar os pacientes a ver as experiências pessoais e interpessoais de várias

perspectivas;

Revelar momentos em que o terapeuta não está a ver o que fazer a seguir, pedindo a

ajuda do paciente no progresso terapêutico;

Trabalhar com a transferência de forma a ajuda o paciente a perceber como a sua

mente influencia a relação terapêutica;

Validar a experiência do paciente antes de invocar perspectivas alternativas;

Desafiar as ideias sem factos do paciente sobre as atitudes, emoções ou crenças do

terapeuta;

Fazer auto-revelações, de modo sensato, sobre a relação do terapeuta com o

paciente;

Partilhar em que pensa o terapeuta de forma a permitir ao paciente corrigir alguma

mentalização incorrecta do terapeuta;

Sublinhar as falhas de mentalização que o próprio terapeuta pode ter e fomentar a

sua correcção em sessão;

Admitir erros e explorar activamente a contribuição do terapeuta para as reacções

adversas do paciente.

(ALLEN, FONAGY e BATEMAN, 2008)

A ter em atenção

Reparar se ocorrem certas palavras como “só”, “claramente, “óbvio” ou “apenas”;

O terapeuta deve ser activo em vez de passivo;

O terapeuta deve fazer movimentos contrários:

o - Quando o paciente está excessivamente instrospectivo, convidá-lo a

considerar outra mente.

o - Quanto este está demasiado focado nos outros, convidá-lo a focar-se na

própria mente.

O terapeuta deve considerar-se normal e não um perito: mesmo que seja um

especialista em psicoterapia, não o é em relação à mente do paciente!

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A MENTALIZAÇÃO NA POPULAÇÃO BORDERLINE

Segundo Fonagy e Target (2002), a capacidade de mentalizar começa a formar-se a partir das

primeiras relações da criança. Assim, o tipo de vinculação que esta estabelece com os

cuidadores vai contribuir para o modo como começa a representar emoções, comportamentos

e pensamentos. Este processo gradual surge através da resposta dos pais aos seus

comportamentos e manifestações emocionais. É como se ganhassem sentido e coerência

internamente através das respostas externas dos cuidadores, sendo estes uma espécie de

“espelho” para a criança.

Surge assim como fundamental a criação e manutenção de, pelo menos, uma relação com

vinculação segura e estável para que a mentalização da criança se possa formar

adequadamente. Pelo contrário, se os pais não conseguem “pensar” sobre a experiência

mental da criança, estão a impedir a criação de um sentido de identidade própria pelo filho.

As experiências internas acabam por ser simbolizadas de forma muito limitada e

desorganizada, criando uma necessidade enorme de procura de “sentido” da vivência

psicológica no mundo exterior e que pode levar a experiências destrutivas como consumos,

procrastinação, auto-mutilações, acting-out ou drop-out da terapia.

Quando o meio envolvente é inseguro, ameaçador e caótico, a criança tem de se focar no

meio externo pelas consequências emocionais e físicas que lhe pode provocar. Não há

recursos disponíveis para a criação de um modo interno que seja separado do mundo exterior.

Em casos de abuso, a realidade física tem o papel central, já que a criança concebe o seu

mundo interior como incoerente, perigoso e não confiável. Em resumo, não existe

representação interna das experiências mas sim a experiência em si.

Em dados casos, a criança acabará até por limitar ou inibir a sua capacidade de mentalização

devido ao sofrimento associado ao contacto com os estados mentais de “cuidadores” que lhe

tenham provocado dor. Poderá também estar hipervigilante relativamente aos estados

mentais dos outros, procurando até sinais que a ajudem a antecipar futuros abusos físicos e

psicológicos, abandonos ou eventos negativos. No entanto, a ausência de um modo interno de

organizar a vivência favorece a repetição dos eventos traumáticos. Existem diversas causas

para a vinculação deficiente como limitações parentais, aspectos neurológicos, traumas e

outras experiências negativas (Fonagy e Target, 2002).

Ainda de acordo com os mesmos autores, os clientes borderline apresentam um défice na

capacidade de mentalizar. Vejamos então a origem dessa incapacidade:

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A TRANSMISSÃO INTERGERACIONAL DE VINCULAÇÃO INSEGURA E MENTALIZAÇÃO

DEFICITÁRIA

(ALLEN, FONAGY e BATEMAN, 2008)

IMPACTO DE UM AMBIENTE NÃO VALIDANTE

(ALLEN, FONAGY e BATEMAN, 2008)

Insegurança parental na vinculação <-> Baixa capacidade parental de mentalizar

Interacções com a criança sem mentalização

Vinculação insegura

Capacidade reduzida de mentalizar na infância

Desregulação

afectiva

Mentalização

deficitária

Relações não

mentalizadas

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A INTERVENÇÃO BASEADA NA MENTALIZAÇÃO

A recuperação da capacidade de mentalizar nas relações próximas é um factor comum de

muitas intervenções com pacientes borderline. O grande objectivo da MBT é então

desenvolver um processo terapêutico em que se construa a percepção do paciente da sua

própria mente e da dos outros.

Este deve descobrir como pensa e sente sobre si próprio e sobre os outros, como isso conduz o

seu comportamento e de que forma os erros de compreensão do próprio e dos outros levam a

acções que serão tentativas de recuperar a estabilidade e criar sentido a situações e emoções

que vê como incompreensíveis (Bateman e Fonagy, 2004, 2006). E para que isso aconteça, o

terapeuta deve facultar uma base segura ao paciente a partir da qual este possa explorar

vários eventos desconfortáveis e dolorosos da sua vida, passada e presente, muitos dos quais

achará difícil ou mesmo impossível de pensar sem a presença de um companheiro de

confiança que faculte suporte, apoio, empatia e orientação (Bowlby, 1988).

A intervenção com MBT apresenta três fases:

1) Verificação da capacidade de mentalização através da história do paciente, em termos de

relações significativas e que necessitem de mentalização significativa em resposta a emoções

intensas. Esta avaliação permite a clarificação das relações interpessoais mais importantes e

suas ligações com os problemas do paciente;

2) Construção de uma forte aliança terapêutica a partir da mentalização. O terapeuta foca-se

na mente do paciente enquanto dá a sua própria perspectiva sobre os estados desta. Quando

existem diferenças de opinião, são exploradas em sessão, tendo em vista oportunidades de

aprendizagem e aumento de flexibilidade. Desta forma, fomenta-se a curiosidade necessária

para responder à ambiguidade das relações próximas;

3) A última etapa tem o seu início após os 12 meses de terapia, enfatizando os aspectos

interpessoais e sociais do comportamento do paciente, consolidando trabalho anterior e

trabalhando a questão da perda ligada ao fim do processo terapêutico. Por último, é

desenvolvido colaborativamente um plano de follow-up (Bateman e Fonagy, 2006).

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Algumas questões que avaliam a mentalização

Olhando para trás, tem ideia da razão que levou os seus pais a ter esse

comportamento consigo?

E isso foi algo que aconteceu mais vezes?

Que achavam os seus outros familiares sobre essa situação?

Em relação a essa perda, como se sentiu na altura e em que medida essas emoções

têm mudado com o tempo?

Será que aquilo que se passou consigo está na base de como é actualmente?

Algumas questões que estimulam a mentalização (no cliente)

Qual a razão que terá levado o seu colega a comportar-se assim consigo?

Talvez tenha sentido que eu o julguei?

Estará essa sua dificuldade actual relacionada com os castigos que a sua mãe lhe

dava?

O que acha que o seu chefe pretende de si ao dar-lhe esse cargo?

O que achará o seu filho de si quando discute à frente dele com o seu marido?

Algumas questões que estimulam a mentalização (no terapeuta)

O que se está a passar agora na sessão?

Porque estará o cliente a falar deste evento neste momento?

Que estará a levar o cliente a chegar atrasado às sessões?

Porque estarei tão tenso nesta sessão?

Que terá acontecido em sessão para que o cliente tenha começado a sorrir tanto?

Evidências da sua eficácia

Os estudos realizados demonstram que a MBT é eficaz a curto e longo prazo quando aplicada

tanto em programas em contexto hospitalar como fora dele, o que contribui para a validade

externa desta abordagem. Em maior detalhe, existem reduções significativas no período de

internamento, quantidade de fármacos e tentativas de suicídio, assim como incremento das

competências sociais, interpessoais e ocupacionais nestes pacientes (Bateman, Fonagy 2006).

A ter em atenção!

Reparar se ocorrem certas palavras como “só”, “claramente”, “óbvio” ou “apenas”;

O terapeuta deve ser activo em vez de passivo: os pacientes borderline têm

conhecimentos mas não acreditam;

O terapeuta deve fazer movimentos contrários:

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o - Quando o paciente está excessivamente introspectivo, convidá-lo a

considerar outra mente.

o - Quanto este está demasiado focado nos outros, convidá-lo a focar-se na

própria mente.

O terapeuta deve considerar-se normal e não um perito: mesmo que seja um

especialista em psicoterapia, não o é em relação à mente do paciente!

Finalizando, para quê mentalizar?

Permite-nos determinar em quem confiar e quando podemos “relaxar”;

Permite-nos criar e manter relações seguras mutuamente satisfatórias;

Promove a autoconsciência fundamental para a aceitação do próprio e para a

regulação emocional (o botão de pausa);

Contribui para a resiliência, aumentando a capacidade para construir significado e

recursos a partir da adversidade;

Estimula a esperança, responsabilidade pelo próprio comportamento, tomada de

iniciativa e auto-aceitação;

Aumenta a flexibilidade, a descentração e a capacidade em usar o humor em

situações diárias de vida;

Favorece a expressão, identificação e regulação emocionais.

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Disorders: DSM-IV. 4th ed. Washington: Author.

Barlow D. (Ed.). (2001). Clinical handbook of psychological disorders: A step-by-step

treatment manual. (3rd ed.). New York: Guilford Press.

Bateman, A., & Fonagy, P. (2004). Psychotherapy for borderline personality disorder: a

mentalization-based treatment. Oxford: Oxford University Press.

Bowlby J. (1988). A Secure Base: Clinical Applications of Attachment Theory. London:

Routledge.

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14:30 – 15:00 Dizer adeus, o caminho a percorrer

Helena Gomes / Tânia da Cunha

RESUMO:

No presente trabalho pretende-se reflectir sobre as causas da reacção de persistência, os

efeitos sintomáticos na pessoa que persiste, algumas técnicas usadas em contexto

psicoterapêutico que facilitam “dizer adeus”, bem como o papel do terapeuta neste processo.

Palavras-Chave: Persistência; Assuntos pendentes; Luto; Terapia Gestalt.

Abstract: This paper seeks to reflect on the causes of persistence reaction, the symptomatic

effects on the person that persists, some techniques used in psychotherapeutic context that

facilitate "say goodbye" as well as the therapist's role in this process.

Keywords: Persistence; Outstanding issues; Mourning; Gestalt Therapy.

INTRODUÇÃO

Ao longo do nosso percurso como psicoterapeutas temos nos deparado com a dificuldade

por parte de alguns clientes em dizer adeus a uma série de pessoas e situações da sua vida,

bem como acompanhado o processo doloroso que pode consistir uma despedida. Esta

despedida pode estar relacionada com o fim de um relacionamento que derivou da morte,

divórcio, fim de um amor, ou de outro modo.

Algumas pessoas prendem-se a um momento que foi muito bom, por muito breve que

tenha sido e isso impossibilita-as de avançar, existe sempre a esperança de que esse

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momento volte. Por vezes esse bloqueio ocorre com receio de que resulte numa maior

consciencialização de tudo aquilo que se pretende esquecer e que causa sofrimento.

Temos constatado que as pessoas tendem a manter-se numa espécie de teia que as

bloqueia de seguir em frente, acumulando muitas situações inacabadas de grande intensidade

emocional, a este processo atribuímos a designação de Persistência.

CAUSAS DA REACÇÃO DE PERSISTÊNCIA

A dor de uma perda pode ser tão dolorosa, tão semelhante ao pânico, que a pessoa

recorre a formas de se defender contra a investida emocional do sofrimento. Está inerente o

medo de que ao se entregar totalmente à dor, será devastada para nunca mais emergir para

estados emocionais comuns outra vez (Sanders 1999 citado por Melo, 2004).

Segundo Stephen Tobin (1971), a reacção de adaptação à perda de uma pessoa amada é

um período de tristeza bastante longo, seguido por um interesse renovado em coisas e

pessoas vivas. A reacção de adaptação à perda de uma pessoa desprezada seria

supostamente um alívio. A reacção de “persistência” serve para inibir as emoções pela perda e

manter presente a fantasia.

Para o autor, uma reacção de persistência implica a presença de assuntos inacabados

entre duas pessoas, muito antes de o relacionamento terminar. Entende-se por assunto

inacabado a inibição de uma emoção que foi vivenciada, uma ou mais vezes durante o

relacionamento.

Numa primeira análise importa perceber como as pessoas impedem-se a si próprias de

fechar as situações. De acordo com a Gestalt Terapia, grande parte das pessoas começa na

infância a suprimir emoções dolorosas através da contracção crónica da musculatura e inibindo

a respiração. Esta cristalização das emoções no corpo e ausência de expressão das mesmas

desencadeia uma consciência sensorial limitada, facilitando a dificuldade de terminar situações

emocionais.

Nesta linha de raciocínio, Tobin (1971), enfatiza que mesmo tendo consciência das suas

emoções, as pessoas são capazes de reprimir as suas emoções. Imaginemos um painel de

controlo, o que a mente faz é accioná-lo no sentido de bloquear por exemplo a expressão da

zanga, do amor ou da tristeza. Este continuo de desconexão entre mente e corpo pode

despoletar dor física, tensão e ansiedade.

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FACTORES DE PERSISTÊNCIA APÓS O FIM DE UMA RELAÇÃO

Os assuntos inacabados podem ocorrer entre pai e filho, entre marido e mulher, entre

amantes, entre amigos ou quaisquer duas pessoas que tiveram um relacionamento longo e

intenso. Implica uma situação em que um indivíduo ainda traz consigo muitas emoções não

expressas acumuladas. Podem ser antigos ressentimentos, frustrações, dores e culpas ou até

mesmo amor e apreço não expostos.

A presença destas emoções que não foram expressas, não possibilita fechar o

relacionamento, até porque muitas vezes a pessoa não está mais presente para ouvi-las. Uma

das formas que isso pode ser feito é a pessoa expressar em fantasia os seus sentimentos em

relação ao outro que partiu.

As pessoas também adquirem ganhos secundários por não se soltarem. A título de

exemplo, a reacção de adaptação ao divórcio seria, cada pessoa expressar os sentimentos que

ainda tivesse, que cada um seguisse o seu caminho, mas em vez disso, a maioria das pessoas

divorciadas continuam a persistir num tipo de guerrilha, particularmente em situações de

questões de poder paternal relativo às crianças.

Outro factor que dificulta a despedida é a indisponibilidade para experienciar a dor e

sentirem que se libertaram, ou seja, o medo de sentir dor: dor da separação, do vazio ou da

saudade. Outras vezes, evitam dizer adeus porque sentem que libertarem-se, nomeadamente

de um ente querido morto, é uma desonra para eles.

Alguns autores (Ferreira, Leão & Andrade, 2008) expõem que no luto por morte do cônjuge

existe, a necessidade de aprender novos papéis, sem o apoio da pessoa com quem se

costumava contar. O luto é uma vivência de crise, e engloba alterações no nível de planos,

hábitos, costumes, circunstâncias e comportamentos. A falta do cônjuge traz sensações

subjectivas de insegurança, incapacidade e desprotecção.

CONSEQUÊNCIAS DA PERSISTÊNCIA

Ao depararem-se com a perda de alguém à qual a pessoa se sente próxima, são

suscitados sentimentos e manifestações corporais, como dor, tristeza, choro fácil, respiração

permeada por suspiros, apatia. (Eizirik, Michels & Gazal, 1998; Lira, 2005; Parkes, 1998 cit. por

Ferreira, Leão & Andrade, 2008).

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Assim sendo, os sintomas físicos e emocionais podem ser uma consequência da

persistência. As pessoas que apresentam muita dificuldade ou chegam mesmo a recusar-se

em dizer adeus, normalmente exibem sintomas emocionais. Há pessoas que por não

completarem o processo de luto, tornam-se cronicamente deprimidas de modo atenuado.

Permanecem num estado de apatia, melancolia e manifestam pouco interesse pela vida.

Outra consequência emocional comum da reacção de persistência é a atitude de

lamentação permanente e de auto-compaixão em relação a si próprio. Uma atitude de

culpabilizar e de se queixar da pessoa que partiu. Uma condição diferente é a pessoa que se

culpabiliza e sente-se culpada.

Outra forma das pessoas se protegerem da realidade neste casos é negarem o significado

da perda, aparente que esta é menos significativa do que na realidade, através de afirmações

como "ele não era um bom pai" ou "não éramos assim tão chegados” (Melo, 2004).

De acordo com Bowlby (s.d., cit.por Worden, 1991, cit. por Melo, 2004), mais cedo ou mais

tarde, a maioria dos indivíduos que evita o sofrimento consciente, acabam por cair em alguma

forma de depressão.

É ainda observado um outro sintoma relacionado com a inabilidade de estabelecer

relações de maior proximidade e intimidade. Alguém que vive fantasiando sobre o passado,

não permanece com as pessoas que estão “aqui e agora”.

ALGUMAS TÉCNICAS USADAS EM CONTEXTO PSICOTERAPÊUTICO QUE FACILITAM

“DIZER ADEUS”

Numa primeira fase, é fundamental no trabalho com alguém que apresenta resistência no

processo de dizer adeus, que este tome consciência da sua resistência ou persistência e, de

como a usa.

O dar-se conta é a capacidade que cada ser humano tem para perceber o que está a

acontecer dentro de si mesmo e do mundo que o rodeia. Por outras palavras, a capacidade de

compreender e entender aspectos de si mesmo e situações ou qualquer outra circunstância ou

acontecimento que suceda no seu mundo.

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O trabalho com assuntos pendentes é uma possibilidade de facilitar o processo saudável

de “dizer adeus”. Quando falamos de assuntos pendentes são realçados todos aqueles

sentimentos e emoções não resolvidos, que a pessoa ainda não se atreveu a expressar ou não

teve oportunidade de expressá-los no momento em que surgiram ou tomou consciência deles.

Perls (1976) sublinhou que os ressentimentos são os assuntos pendentes mais comuns e

importantes, e os que mais impedem terminar com uma situação ou relação. Nas relações de

intimidade o que ocorre é que depois de certo tempo se vão acumulando os ressentimentos e

as decepções não expressadas.

Para trabalhar os assuntos pendentes fazemos uma espécie de encontro com a pessoa

com a qual o paciente se encontra enganchado. Pedimos que expresse os sentimentos que

guarda por essa pessoa e que não conseguiu ainda expressar: zanga, dor, ressentimento,

amor, etc. Uma vez que a pessoa sente que já não tem mais coisas a expressar, perguntamos

se sente preparado para despedir-se. Se assim for, começa o processo de despedida. Pelo

tom de voz, pela postura podemos ver se realmente pode dizer adeus ou se ainda não está

preparado.

Os efeitos benéficos das despedidas em geral são duradouros e a pessoa vai adquirindo

maior interesse pela vida e pelas pessoas que a rodeiam. A energia desbloqueada com a

expressão dos assuntos pendentes faz com que a pessoa reapareça com uma vitalidade nova

e mais criativa.

PAPEL DO TERAPEUTA NO PROCESSO DE “DIZER ADEUS”

Salienta-se que a perda não provoca apenas dor ou tristeza, pode também ser

acompanhada por sentimentos de alívio, ira, vingança e culpa.

Com frequência nega-se o doloroso sentimento despoletado pela perda, pois é tentador

fugir da dor. O terapeuta no processo de despedida ou luto tem um papel fundamental de

apoio. Este apoio pode implicar simplesmente “estar presente” como ser humano,

testemunhando os acontecimentos, sentindo e demonstrando compaixão, ainda que mantendo

limites.

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Segundo Zinker (1997) ser testemunha de alguém, neste contexto, significa:

Permanecer com o processo da pessoa e ouvir.

Não pressionar por resultados.

Mostrar respeito pelo que estiver presente.

Ver a utilidade e mesmo a beleza do modo de o outro expressar o seu luto

Permitir-se ser um terreno firme no qual o outro possa estar.

A presença do terapeuta e seu testemunho permite que o outro veja o seu próprio

processo, em vez de fugir de si mesmo, que tenha awareness da dor e da sensação

de desamparo.

O terapeuta relembra, reconhece, fortalece, conforta e testemunha, raramente afirma a sua

própria sabedoria ou o seu heroísmo.

Parece não existir um processo certo ou errado para o luto. Alguns autores reconhecem

aspectos do luto como a negação, aceitação, raiva e tristeza.

CONCLUSÃO

Em última análise, o luto pode ser entendido como o processo psicológico para elaborar a

perda de um “objecto” significativamente emocional para alguém. As experiências de perda

acontecem dentro de estruturas básicas da nossa sociedade, com casais, amizades, famílias e

equipes de trabalho. De acordo com Zinker (1997) o espírito humano é nutrido nos

relacionamentos e sofre as suas perdas também por intermédio deles. A perda não segue

regras nem lógica.

Podemos ter um luto pela perda de um emprego, a perda de uma casa, um amigo com o

qual nos zangamos, de um filho que se autonomiza. Habitualmente falamos de processo de

luto quando a perda é “para sempre”, devido a uma separação, um divórcio ou mesmo a morte

de um ente querido, mas tal não tem de se verificar.

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Press

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15:00 – 15:30

Mudança em Psicoterapia e a utilização de imagens mentais como ferramenta para a activação emocional

António Norton

RESUMO:

Este artigo pretende reflectir sobre a mudança em psicoterapia, realçando a importância da

utilização das estratégias imagéticas.

Será feita uma breve exposição do uso das estratégias imagéticas em várias correntes da

psicoterapia, com especial destaque para a Psicoterapia de Focagem Emocional.

Palavras chave: Psicoterapia, Mudança, Imagens mentais.

IMAGENS MENTAIS... QUAL A SUA RELEVÂNCIA PARA A PSICOTERAPIA?

Durante o período do domínio do Comportamentalismo não fazia qualquer sentido falar de

imagens mentais. Tal era considerado uma divagação de carácter especulativo e contrária a

qualquer exigência e rigor objectivo e científico. A psicoterapia visava a mudança do

comportamento, através do ensaio de novos comportamentos, usando reforços e punições.

Com a revolução cognitiva surgiu outra liberdade e aceitação perante outras visões da

mudança em psicoterapia. A mudança deixou de ser unicamente exterior para passar a

admitir a abertura ao universo interior. Mudar não significa mudar apenas o comportamento,

mas vivênciar interiormente as emoções que pautam essa mudança.

Mas porque razão é importante recorrer à mudança interior? Não bastará mudar os

comportamentos, de uma forma objectiva e pragmática?

Por vezes, a mudança exterior, por sí só, conduz a mudanças de percepção e de vivência

emocional. Mudando determinados hábitos, invertendo determinados ciclos disfuncionais é

possível mudar interiormente, porém estas estratégias de carácter mais

comportamentalista, sem estarem aliadas ou alicerçadas numa vivência emocional da

mudança acabam, muitas vezes, por ser insuficientes e limitadas. Muitas vezes é necessária a

mudança interior... Mudando o interior, construindo outra preparação emocional, o

confronto com as exigências do exterior terá outro impacto.

Quando o sujeito clínico confronta-se com as suas inseguranças, os seus medos, os seus

fantasmas, as suas emoções, os seus assuntos inacabados, as suas divisões interiores e

reencontra a sua auto-estima, a sua segurança interior, quando o processo terapêutico

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permite outro nível de reconstrução da auto-estima, então “o mundo lá fora” será encarado

com outra segurança e confiança e a mudança do comportamento terá outro sucesso.

MUDAR INTERIORMENTE...

Mudar interiomente significa ter outra vivência emocional perante determinados estímulos.

Significa aceder a outros padrões emocionais funcionais e adaptativos perante a exposição a

determinadas situações quer internas, ligadas a memórias, quer externas, ligadas a pessoas,

objectos, contextos...

Mudar interiormente significa falar de emoções... Para facilitar a mudança interior no sujeito

clínico temos de chegar às emoções. E como chegamos às emoções em Psicoterapia? Primeiro

é importante perceber onde encontrá-las...

Existem dois canais de comunicação ou de apreensão das emoções: Um canal exterior e outro

interior.

O canal exterior é constituido por dois tipos de comportamento: O comportamento verbal e o

comportamento não verbal.

Quando falamos de comportamento verbal do sujeito clínico falamos de discurso verbal, do

uso das palavras, da escolha das palavras, da enfase com que as palavras são ditas, da

cadência do discurso, das pausas no discurso, das paragens abruptas, enfim de tudo o que é

possível apreender através da observação atenta e cuidada das particularidades do discurso

verbal.

Quando falamos de comportamento não verbal no sujeito clínico estamos a falar de gestos, da

posição que o sujeito clínico escolhe para se sentar, dos tiques que tem durante a sessão, da

expressão facial, do tremer do seu corpo, da expressão do seu olhar, enfim de tudo o que é

possível apreender através da observação do comportamento não verbal.

Relativamente ao canal interior, este é formado justamente pelas imagens mentais que

povoam, ilustram e coloram as emoções. Falar do canal interior é portanto falar de imagens

mentais.

Portanto, podemos encontrar emoções no sujeito clínico através das suas palavras, dos seus

gestos e das suas imagens mentais, sejam elas memórias, fantasias, sonhos, e.t.c.

Mas para se darem mudanças interiores, não basta perceber onde se encontram as

emoções... É importante provocar a sua activação, de modo a permitir a ressonância

emocional no sujeito clínico, ressonância essa, fundamental para a sua mudança interior.

Resumindo até agora as principais ideias defendidas: A mudança em psicoterapia implica

mudança interior,ou seja, chegar às emoções, através dos canais exterior e interior, activar

as emoções e permitir a sua ressonância emocional.

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Onde entra o destaque das imagens mentais? Ou, por outras palavras, a que se deve a sua

importância, defendida neste artigo?

Para falar sobre a sua importância talvez seja relevante falar sobre as limitações dos canais

exteriores.

Relativamente ao comportamento verbal:

O discurso verbal, muitas vezes é confortável, racional, estruturado, equilibrado, preparado,

defendido, estratégico, ensaiado. Por vezes, pouca activação emocional produz...

Muitas vezes, é uma zona de conforto para o sujeito clínico. Mesmo que ocorram falhas no

discurso, quebras, lapsos de memória ou outros micromarcadores emocionais (Greenberg et

al, 2004) muitas vezes estes micromomentos não permitem uma activação emocional intensa.

Ou seja, surgem estas falhas no discurso, o possível significado emocional dessas falhas é

trabalhado, mas rapidamente o sujeito clínico entra novamente em “piloto automático”, com

baixa ressonância emocional.

Segundo Lusebrink (1990), quando os eventos são codificados na forma de linguagem, tornam-

se abstractos e perdem o seu impacto sobre a nossa experiência (Singer & Pope,1974,1978).

Quanto ao comportamento não verbal, pode ser muito rico em termos de informações que dá

ao terapêuta, mas muitas vezes é um microdesconforto que se provoca...Rapidamente o

sujeito clínico, recupera o seu aparente conforto. O terapeuta pode reparar que o sujeito

clínico quando está a falar, por exemplo sobre o seu pai, cerra o punho. Pode lhe devolver o

que está a ver e pedir para ele prestar atenção a tal e perceber o que sente quando fala do

seu pai,mas por vezes, após este momento de alguma ressonância emocional volta o discurso

verbal e a baixa ressonância emocional.

Perante as limitações que,por vezes se encontram na tentativa de activação emocional

utilizando as informações fornecidas pelos canais verbal e não verbal surge a opção válida de

explorar as possibilidades fornecidas pelas imagens mentais.

Imagens mentais são representações internas de aspecto concreto, ou seja, são semelhantes a

experiências sensoriais mas ocorrem na ausência das condições estimulatórias que

genuinamente provocariam estas últimas (Richardson, 1964,1983).

Segundo Sheikh e Jordan (1983) as imagens mentais permitem a expressão de uma gama mais

ampla de conteúdos que a possibilitada pela linguagem verbal, além de permitir suplantar

limitações verbais em certos tipos de população.

O uso da imagética, do foco na imagem mental permite um maior contacto com um lado mais

íntimo, mais reservado e mais emocional. Permite um encontro mais profundo com as

emoções, conduzindo, muitas vezes, a uma maior activação emocional, fundamental para a

intensificação da distonia, chave da mudança terapêutica.

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Uma das vantagens do trabalho com imagens é a sua riqueza plástica. Perante uma imagem

mental o terapêuta poderá fazê-la encolher , aumentar, aproximar, distanciar. Alterando

componentes da imagem é possível alterar e induzir mudanças emocionais significativas.

Grande parte da literatura está voltada para aspectos visuais (Pinker e Kosslyn, 1983;

Richardson, 1983), mas as imagens mentais também podem ser analisadas sobre outras

modalidades sensoriais (Bandler & Grinder, 1982; Lusebrink, 1990; Richardson, 1969, 1983).

Existem várias estratégias que podem ser usadas através das imagens mentais:

-Plasticidade (Aumentar, encolher, distanciar, aproximar)

-Exploração dos cinco sentidos (cada imagem tem cores, cheiros, sabores, sons,

texturas... Todas estas informações e a exploração do que pode ser apreeendido por

uma imagem poderá contribuir para a activação emocional.

-Captação do seu significado (Cada imagem mental contém uma cognição sobre o

sujeito clínico, os outros e o seu mundo...Tal exploração é muitas vezes rica)

-Sensação corporal (Aceder a imagens mentais, permite activações emocionais que se

manifestam visceralmente no corpo, as informações que daí podem advir são algo

muito valioso no processo terapêutico).

Algumas utilizações das imagens mentais em várias correntes da Psicoterapia

Desde os primórdios da Psicoterapia que as imagens mentais tiveram um papel de destaque.

Freud (1900) e Breuer exploraram as imagens traumáticas dos seus sujeitos clínicos,

recorrendo à indução hipnótica.

Freud e Jung ( 1961) e os seus seguidores sempre se serviram da interpretação das imagens

mentais oniricas, para chegar ao Inconsciente, através da análise dos sonhos.

As terapias de natureza Cogntivo-Comportamental (CBT) utilizam algumas estratégias

imagéticas com grandes resultados do ponto de vista estatístico. Algumas das mais utilizadas

são:

Dessensibilização sistemática (Wolpe, 1978), onde o sujeto clínico é convidado a imaginar

estimulos que lhe provocam cada vez maior ansiedade, enquanto o seu corpo produz uma

contra-resposta de relaxamento profundo.

Modelagem coberta (Kazdin, 1978) , onde o sujeito clínico procura imaginar o seu modelo a

realizar eficazmente um determinado comportamento ou o sujeito clínico imagina-se a

realizar, passo a passo um comportamento seleccionado.

A terapia ACT, com principios na Terapia de Mindfullness, desenvolve no sujeito clínico uma

atitude de aceitação passiva perante as imagens mentais, as emoções e as cognições que

surgem resultantes de um determinado problema.

A terapia EMDR usa estratégias imagéticas para recriar imageticamente um lugar seguro, para

rememorar um acontecimento traumático e todo o trabalho em EMDR vive da vivência interior

do sujeito durante o processo de estimulação bilateral.

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A terapia de Focagem Emocional( Greenberg et al,2004) utiliza várias estratégias imagéticas

para promover a ressonância emocional no sujeito clínico, aqui ficam algumas:

Focagem (Gendlin, 1981) – Consiste numa técnica usada quando o sujeito clínico tem uma

sensação vaga, difusa e pouco clara, uma sensação vaga de ansiedade, ou um sentimento

desconfortável por qualquer coisa ou por alguém. O sujeito é convidado a simplesmente

fechar os olhos e a permancer alerta perante o que ainda não se formou na sua mente

(Leijssen,1990). Remete para um estado semelhante ao da meditação ou ao estado de

“mindfulness” (Linenhan, 1993), (Segal, Williams e Teasdale, 2001). Mas a sua mente não está

vazia, mas sim focada num objecto interno especifico que poderá ser uma doença, um outro

significativo, um emprego, na sua essência algo relacionado com a sensação difusa).

O objectivo último é o de permitir uma mudança na sensação difusa, justamente encotrando

a imagem mental, a palavra e necessidade que se encontra nesta sensação difusa.

Criar um espaço interno (Gendlin, 1981)- Está técnica é usada quando o sujeito clínico

apresenta dificuldades na regulação das suas emoções, podendo apresentar um excessivo

distanciamento emocional ou uma intensa sobrecarga de emoções. É pedido para imaginar um

espaço interno, um lugar seguro, real ou criado para o momento e um objecto contentor,

como por exemplo uma caixa, um armário, onde se poderão colocar temporariamente os

vários problemas enumerados previamente. Esta estratégia permite reequilibrar a regulação

emocional, ajudando o sujeito clínico a voltar ao aqui e agora terapêutico.

Desenrolar evocativo sistemático (Rice & Saperia,1984)-Esta éuma estratégia imagética usada

quando o sujeito clínico refere surpresa perante reacções emocionais inesperadas presentes

num determinado contexto. É pedido ao sujeito para fechar os olhos e para voltar ao

acontecimento onde se desencadeou a reacção emocional e para o relatar com o maior

detalhe possível como se estivesse a observar um filme.

Estas são apenas algumas técnicas que utilizam as estratégias imagéticas para promover a

activação emocional e a mudança em psicoterapia. Existem muitas outras aplicações das

estratégias imagéticas.

Por último gostaria de reflectir sobre o avanço do emprego das estratégias imagéticas. Cada

vez mais existe um interesse pela interioridade, pela viagem interior, pela procura da

compreensão do próprio. Estamos perante a mudança de uma paradigma, de uma visão do

mundo. Passámos do exterior para o interior, do comportamento físico e observável para a

subjectividade intima da experiência emocional.

Finalizo com algumas questões em aberto: Qual a direcção que a Psicoterapia vai tomar nos

próximos anos? Que novas correntes de Psicoterapia surgirão aliadas ao emprego das imagens

mentais? E que papel terão as imagens mentais no futuro da Psicoterapia?

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Paulo: Summus

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Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1900).

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16:00 – 16:30 Ansiedade da morte e imortalidade simbólica no contexto psicoterapêutico

Irina António / Isabel Policarpo

A ansiedade faz parte da nossa existência, de facto enquanto estamos vivos sentimos sempre

uma certa ansiedade perante tudo aquilo que é desconhecido, e particularmente perante a

morte.

Pese embora a morte e o morrer se encontrem de forma dissimulada na nossa sociedade, a

morte é inevitável. Ela pertence a todas as idades e condições, e está na origem de muitos

sintomas e doenças psíquicas, como a ansiedade, as insónias, a depressão, as doenças

psicossomáticas, bem como diferentes medos e obsessões.

A morte é um fenómeno complexo e interligado com o fenómeno da vida. Quando se fala de

morte, esta pode não ser tão somente física, mas também intelectual – no estado psicótico,

ou social – na perda do contacto com pessoas significativas ou na perda do estatuto, ou ainda

espiritual – quando há perda de ideais e/ou mudança de valores e princípios. Algumas fontes

de investigação sobre a morte definem o sofrimento psicológico como a morte psíquica: com

a morte da pessoa, portadora de uma “antiga” maneira de estar, abre-se uma oportunidade

para nascer uma “nova” pessoa.

Se a morte é a única certeza que temos na vida, importa saber como lidam os psicólogos

com a morte, um aspecto que pode ser relevante na prática clínica, uma vez que muitos são

os autores que entendem que o medo da morte é universal e que qualquer medo simboliza,

no fundo, o medo da morte.

Falar sobre a morte, seja do outro ou a de si próprio é uma tarefa difícil na actualidade, mas

nem sempre foi assim (Ariès, 1975). Só nos últimos séculos a morte e o morrer ganharam uma

conotação francamente negativa, sendo concebidas como fracasso e como inimigos.

Com a melhoria das condições de vida e com os avanços da medicina, a esperança de vida

aumentou e a morte foi sendo empurrada para idades mais avançadas, criando-se a ideia de

que a medicina será capaz de resolver todos os problemas.

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Vivemos assim como se fossemos imortais, mantemos a morte afastada e escondida nos

hospitais, mas por vezes ela impõe-se e torna-se presente, o que nos obriga a nomeá-la e a

pensá-la. O medo da morte é algo que a maioria das pessoas apenas experiência quando as

circunstâncias de vida a colocam perante a morte de alguém que lhe é próximo ou quando lhe

é diagnosticada uma doença grave.

O medo ou ansiedade perante a morte pode ser definido como um medo mais ou menos

concreto ou difuso, daquilo que rodeia o acto próximo e imediato de morrer, e daquilo que

eventualmente ocorrerá para além da morte.

Trata-se de um medo que vamos adquirindo ao longo do processo de socialização. O homem,

ao contrário dos outros animais, tem consciência do fim da vida. O conhecimento de que

vamos morrer obriga-nos a confrontarmo-nos com o nosso medo de sermos finitos. A morte

constitui-se como uma fonte de ansiedade, stress e medo, sendo considerada pela maioria dos

autores como um medo universal.

A nossa maior angústia consiste em deixarmos de ser e existir, ou seja a ansiedade perante a

morte e o homem aprendeu a lidar com ela, criando formas simbólicas que lhe permitem

estender-se cronologicamente para além da sua existência (Lifton, 1979).

Assim, perante a consciência da nossa finitude surgiu a necessidade de preservar e

desenvolver o sentido de continuidade e de duração após a morte, ou seja o desejo de

imortalidade simbólica. Este conceito corresponde ao sentimento que todos temos de fazer

parte de algo maior, com mais significado, com mais duração, do que simplesmente a nossa

própria existência.

De acordo com Lifton o desejo de imortalidade simbólica é uma necessidade básica e

universal do ser humano. A necessidade de continuidade com os vários elementos da vida,

para além do tempo e do espaço, relaciona-se com o desejo e o sentimento de continuar a

viver após a morte. Os diversos modos de imortalidade simbólica conectam-nos com o

presente e com o passado, ligando-nos aos que já partiram e aqueles que vão ficar quando

morrermos e que nos irão relembrar. Esta busca de imortalidade simbólica assegura que a

nossa identidade continuará a viver mesmo após o desaparecimento do corpo físico.

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Viktor Frankl foi um dos primeiros autores a constatar o quão importante é a questão do

sentido da vida. As pessoas que conseguem projectar-se no futuro e que têm um “para que”

viver conseguem na sua maioria suportar as situações adversas da vida.

É importante que o terapeuta tome consciência da sua própria ansiedade da morte.

Efectivamente, no contacto com ansiedade de morte do cliente, o terapeuta também pode

sentir sensações de impotência e a ansiedade, bem como sentimentos de falta de segurança.

É importante que o terapeuta crie e forme o seu próprio “sistema explicativo”, isso ajuda-o a

encontrar um ponto de orientação no trabalho com questão da morte do cliente, facilitando

ainda o encontro dos pontos de vista. Neste sentido, o movimento de abertura na direcção da

tomada de consciência e, mais importante, da aceitação do medo da morte, ajuda a baixar

ansiedade e promove a aproximação a outros temas do mundo interno, que podem ter ficado

bloqueados pela ansiedade. Na formação do “sistema explicativo” o conceito da imortalidade

simbólica, com as suas cinco categorias pode ser bastante útil.

Segundo Yalom, o sistema de orientação do terapeuta, permite controlar melhor o material

apresentado pelo cliente, ao mesmo tempo que alimenta a auto-segurança do terapeuta e

desperta no cliente uma sensação de confiança. O terapeuta não se “sente inundado” pelo

tema, e mais importante, transmite ao paciente a mensagem de que não existem temas tabu

- qualquer assunto pode ser discutido, todas as preocupações do cliente são no fundo

partilhadas por todos os seres humanos.

Nesta investigação estamos interessados em avaliar de que forma os psicólogos lidam com a

sua ansiedade de morte e as estratégias que desenvolvem para atingir a imortalidade

simbólica. Em última instância, a resposta a estas questões permite-nos perceber em que

medida estamos preparados para trabalhar com a ansiedade de morte dos nossos clientes.

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16:30 – 17:00

Interacção Terapeutas-Clientes e mudança narrativa: estudo de caso

Inês Franco Alexandre

INTRODUÇÃO

1.1. A PERSPECTIVA CONSTRUCIONISTA SOBRE O PROCESSO TERAPÊUTICO

A abordagem construcionista perspectiva o indivíduo como estando em contínua relação com

o meio que o rodeia, utilizando os recursos sociais e culturais na construção da significados

sobre si e sobre o mundo. A prática terapêutica é entendida, nesta perspectiva, como uma

construção conjunta entre terapeutas e clientes, um processo conversacional que permite aos

indivíduos adaptar-se e integrar-se através da construção de novos significados (e.g. Anderson

e Goolishian, 1992). Nesta abordagem, a comunicação torna-se um dos principais focos de

estudo e há uma mudança de atenção dos processos individuais para os relacionais.

1.2.IDENTIDADE E NARRATIVA

A identidade corrresponde, numa perspectiva construccionista, à nossa descrição de nós

mesmos, construída e moldada através das relações que estabelecemos com os outros. Alguns

autores consideram que a coerência e continuidade no tempo nos são dadas através de uma

estrutura narrativa, que estará presente no discurso que fazemos de nós próprios e dos outros

(e.g. Lax, 1992; Bruner, 2002/2004; Gonçalves, 2001; Botella, Herrero, Pacheco e Corbella,

2002; Mac Adams, 2001; White & Epston, 1990).

As pessoas dão significado às suas vidas e às suas relações com os outros transformando em

história a sua experiência (White & Epston, 1990). É no contar e recontar desta história, aos

outros e a nós mesmos, que ela se vai construindo.

OBJECTIVOS

Os principais objectivos deste estudo são:

- Desenvolver o método de análise estrutural das narrativas como ferramenta de

avaliação da mudança terapêutica

- Utilizar o método de análise conversacional para estudar a interacção entre

terapeutas e clientes

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- Explorar a relação entre os objectivos dos terapeutas e a mudança narrativa dos

clientes

METODOLOGIA

Neste estudo propomos a análise qualitativa de um caso de terapia de casal.

A análise do caso é feita a dois níveis: análise estrutural das narrativas dos clientes; análise

da interacção entre terapeutas e clientes.

3.1. NARRATIVAS: RECOLHA E ANÁLISE

As narrativas do casal foram recolhidas em dois momentos: antes de iniciado o processo

terapêutico e depois de terminada a primeira fase (após seis sessões). A recolha das

narrativas dos clientes foi realizada através de uma entrevista não estruturada, sendo

colocada apenas uma pergunta inicial em que era pedido ao casal que falasse sobre a sua

história (passado, presente e futuro) e sobre os acontecimentos relevantes que terão

contribuído para fazer da família o que ela é actualmente.

Foi pedido ao casal que um dos elementos fosse o narrador da história, podendo o outro

elemento intervir sempre que o desejasse.

Neste estudo, foi realizada uma análise estrutural das narrativas produzidas. Esta análise

permite uma percepção global sobre a história narrada. As narrativas são divididas em trechos

de discurso que correspondem a um objectivo final, ou ponto final (por exemplo, quando os

clientes contam como se conheceram, ou como surgiu um problema) (Feixas e Botella, 2003).

Cada trecho é classificado enquanto contendo uma estrutura progressiva, regressiva ou

estável (negativa ou positiva), relativamente ao seu ponto final (Feixas e Botella, 2003;

Gergen, 2009). Caso se considere que na narrativa apresentada o foco da história é no avanço

(relativamente ao seu ponto final, à sua meta, ao seu objectivo), esta é classificada como

progressiva. Caso, pelo contrário, o foco da história seja no declínio, em relação ao seu ponto

final, a narrativa é classificada como regressiva. No caso de não haver nem avanço nem

declínio, a narrativa é classificada como estável. Assim, é possível definir uma linha temporal

composta por períodos de progressão, regressão e estabilidade ou longo do tempo, que

constituirá a percepção global dos clientes sobre a sua história de vida.

Os trechos discursivos são ainda classificados quanto à atribuição que o narrador faz sobre o

ponto final (interna, externa ao cônjuge, ou externa/outros factores) e quanto à posição do

sujeito narrador (activa, passiva ou não definida).

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3.2. INTERACÇÃO TERAPEUTA CLIENTES: RECOLHA E ANÁLISE DAS SESSÕES DE

TERAPIA

As três sessões de terapia deste casal foram gravadas em DVD. Posteriormente, foram

transcritos excertos de dez minutos de todas as sessões para análise. Adicionalmente, foi

transcrito e analisado o momento apontado pelo casal como tendo sido o mais importante no

seu processo de mudança (recolhido através de entrevista ao casal no final da terapia).

Através da análise conversacional das sessões foi possível extrair os principais objectivos dos

terapeutas, as estratégias discursivas utilizadas para os concretizar e o tipo de respostas dos

clientes às acções discursivas dos terapeutas.

CONCLUSÕES

A análise das sessões referentes ao processo inicial, permitiu constatar uma evolução do tipo

de processo terapeutas-clientes: nas primeiras sessões verifica-se que os terapeutas utilizam

muitas estratégias que têm, de uma forma geral, a função de escuta activa ou de

transformação muito apoiada em material dos clientes. São utilizadas muitas formulações,

reguladores e perguntas, tratando-se assim de estratégias conversacionais características da

formação de alianças e empatia relacional terapeuta-cliente. Ao longo das seis sessões

verifica-se um crescendo no número de opiniões por parte dos terapeutas, ou de outras

estratégias que têm a função de oposição e contradição dos clientes, estratégias que se

pretendem mais activas e de transformação mais directa e externa ao casal.

Ao longo das sessões, observa-se que a maior parte das respostas dos clientes são esperadas,

mas que também aumenta o número de respostas não esperadas (ou se esperadas, com

continuação do registo de queixa de um elemento sobre o outro) quando os objectivos dos

terapeutas são, de alguma forma, de contraposição dos clientes. A última sessão é

paradigmática, uma vez que grande parte dos objectivos implica estratégias de confronto dos

clientes por parte dos terapeutas. As respostas da cliente são quase sempre não esperadas,

não correspondendo ao pedido e objectivos dos terapeutas, e desconfirmando o seu discurso.

É de salientar que, tanto Madalena quanto Hugo, na última entrevista, referem esta sessão

como tendo sido a mais importante em termos de transformação no casal, apesar de

verificarmos a resistência de Madalena em aceitar o pedido dos terapeutas. Estes dados

levam-nos a pensar sobre a importância de estratégias mais activas e de confronto dos

clientes na produção de transformações, sem no entanto esquecer a necessidade de,

concomitantemente, mostrar aos clientes que estes são aceites e compreendidos.

Relativamente à estrutura, verificamos que na última narrativa do casal existe um ponto de

viragem entre a estrutura regressiva do período anterior e o período presente. Este ponto

parece especialmente importante, tanto no elemento masculino como no feminino, sobretudo

na postura activa dos dois elementos na estrutura progressiva actual. A criação de

acentuações entre os períodos regressivos e os progressivos pode ser importante para criar

posturas de acção na resolução dos problemas.

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Uma vez que as grandes estruturas narrativas disponíveis culturalmente são utilizadas pelos

indivíduos para dar significado à sua experiência e para se sentirem parte integrante da

sociedade, a análise estrutural das narrativas dos clientes torna-se não só teoricamente

relevante mas revela-se também como uma boa ferramenta de avaliação do progresso da

mudança, permitindo uma perspectiva global do ponto de vista dos próprios clientes. Pode

ainda ser utilizada como meio de comunicação entre terapeutas e clientes sobre o tema da

mudança terapêutica, possibilitando aos clientes uma diferente perspectiva sobre a sua

evolução.

A análise conversacional das sessões de terapia permite aos terapeutas uma análise dos

micro-processos comunicacionais envolvidos no acto terapêutico e a sua relação com os

processos de mudança.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Therapy. In S. McNamee & K. Gergen (Eds.), Therapy as Social Construction. London: Sage

Botella, Herrero, Pacheco e Corbella (2002). In L. Angus & J. McLeod (Eds.). The Handbook of

Narrative ad Psychotherapy. London: Sage

Bruner, J. (2002). The Narrative Creation of Self. In L. Angus & J. McLeod (Eds.). The

Handbook of Narrative ad Psychotherapy. London: Sage

Bruner, J. (2004). Life as narrative. Social Research. Vol 71: No3

Elliott, R. Slatick, E. and Urman, M. (2001) Qualitative Change Process Research on

Psychotherapy: Alternative Strategies, In Frommer & Rennie: Qualitative Psychotherapy

Research – Methods and Methodology (69-111). Lengerich: PABST Science

Feixas, G. & Botella, L. (2005). Las Técnicas Subjectivas. In C. Rosset (Ed.). Evaluación

Psicológica: Concepto, proceso y aplicación en las áreas del desarrollo y de la inteligencia.

Madrid: Sanz y Torres

Gergen, K. (2009). An Invitation to Social Construction. London: Sage

Gonçalves, O. (2001). Da Psicopatologia como ficção à Psicoterapia como Criação : As Más

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construção conversacional da mudança (pp.65-90). Coimbra : Quarteto Editora

Gonçalves, Henriques e Machado (2002). L. Angus & J. McLeod (Eds.). The Handbook of

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Lax, W. D. (1992) Postmodern thinking in a clinical practice. In S. McNamee & K. Gergen

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Wagner J, Elliott R. (????) The Simplified Personal Questionnaire. Unpublished

Manuscript. In: Universidad de Toledo

White, M., & Epston, D. (1990). Narrative Means to therapeutic ends. New York: Norton

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17:00 – 17:30 Perfeito, quanto sofres? A necessidade de atingir padrões de excelência como estratégia de coping na personalidade narcísica

Nuno Mendes Duarte

Have no fear of perfection - you'll never reach it.

Salvador Dali

Ao longo da nossa prática clínica, independentemente de critérios de diagnóstico, existem

determinadas características dos nossos pacientes que nos confrontam com a dúvida sobre a

adaptabilidade do estilo de funcionamento dos mesmos. Neste artigo, dedico-me a uma breve

revisão sobre o perfeccionismo e o seu impacto na perturbação narcísica de personalidade,

reflectindo algumas propostas de intervenção específicas que derivam da prática clínica.

O perfeccionismo tem sido definido como um desejo privado de atingir a perfeição, um

impulso para atingir objectivos irrazoáveis e sem mácula, no fundo um esforço para ser

perfeito e evitar qualquer erro ou falha (Powers et al. 2004). Grande parte dos estudos

anteriores consideravam o perfeccionismo um construto unidimensional, na medida em que se

focam em cognições auto-dirigidas, apenas com referências implícitas a outras dimensões.

Segundo diversos estudos, o perfeccionismo adaptativo está positivamente correlacionado

com factores de personalidade como conscienciosidade, abertura à experiência e extroversão.

Estes resultados também suportam as conceptualizações de construtos que indicam que os

sujeitos que possuem padrões elevados procuram atingir elevados níveis de desempenho e

que parecem ter associadas características de competência e foco no êxito

(conscienciosidade), originalidade e imaginação (abertura à novidade) e assertividade

associada a emocionalidade eufórica (extroversão).

Para a compreensão das correlações entre a adaptabilidade do perfeccionismo e os estilos de

vinculação adultos relacionados com ansiedade (modelo de self) e evitamento (modelo do

outro) (Bartholomew e Horowitz), podemos debruçar-nos sobre a análise de Ulu e Tezer

(2010) segundo a qual, os indivíduos que apresentam perfeccionismo desadaptativo possuem

modelos de funcionamento negativos relativos a si próprios e aos outros e os seus estilos de

vinculação são ansiosos e evitantes, respectivamente.

Assim, estes estudos colocam-nos perante uma questão importante relativamente ao

perfeccionismo desadaptativo, pois quando surge um desafio, os indivíduos com este

funcionamento irão relatar falta de confiança, medo de falharem, sentimentos de abandono

ou rejeição porque têm a percepção que assim que forem descobertos os outros os irão

ignorar. Outro exemplo claro que decorre do perfeccionismo desadaptativo associa-se aos

indivíduos que nunca, ou raramente, estão satisfeitos com o seu desempenho, mesmo quando

indicadores objectivos denotam que deveriam estar bastante satisfeitos com os resultados.

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Esta luta desenfreada por cumprirem objectivos inalcançáveis determina que as tendências

de acção destes indivíduos estejam orientadas para satisfazer necessidade de produtividade

em detrimento da necessidade de tranquilidade.

Ulu e Teze (2010) acrescentam que a diferença principal entre perfeccionismo adaptativo e

desadaptativo reside na forma como o primeiro está mais orientado para o self e a melhoria

de competências do mesmo, e o segundo tem uma componente interpessoal, que implica as

expectativas dos outros significativos e o receio de sofrer com as críticas dos mesmos.

Resumindo o perfeccionismo desadaptativo parece obedecer à máxima “Se eu for perfeito, os

outros vão gostar de mim”.

Outros estudos ajudam-nos a compreender variáveis adicionais relativamente ao

perfeccionismo adaptativo ou desadaptativo. Uma destas variáveis é a auto-crítica, vista

aqui, como a tendência a focarmo-nos nos aspectos negativos do nosso auto-conceito, da

nossa vida, e do feedback que recebemos dos outros. A auto-crítica está associada a três

dimensões fundamentais: orientada para si próprio, orientada para os outros, prescrita

socialmente. Estes resultados que numa primeira análise poderão parecer estranhos, apontam

a possibilidade de estarmos perante um construto que poderá ser proveniente de diferentes

fontes (falhas do self, falhas dos outros, ou ser criticado pelos outros) como justificação para

as diferentes dimensões que o constituem (Hewitt&Flett, 1991).

Juntamente com a auto-crítica existe um outro conceito importante que nos pode ajudar a

compreender o perfeccionismo, e que envolve a existência da tendência que qualquer pessoa

tem para melhorar e tentar superar-se em cada desafio que a vida lhe coloca, aquilo a que

podemos chamar auto-melhoria. Tanto a auto-crítica como a auto-melhoria podem combinar-

se entre si de formas adaptativas ou desadaptativas (Sedikides&Luke, 2007). Quando as duas

se combinam para melhorar o nosso funcionamento temos acesso a uma componente bastante

adaptativa. Conseguimos facilmente depreender que quando nos confrontamos com uma

situação em que a realidade nos dá feedback indisputável e através da qual temos de nos

confrontar com as nossas próprias limitações activamos auto-crítica moderada, para nova

regulação através de auto-melhoria ajustada ao feedback fornecido. Se por alguma razão

recebemos feedback crítico sobre quem somos, iremos sentir alguma emoção dolorosa que

obriga a que nos questionemos sobre o que nos foi dito. Se sabemos que incide sobre algum

traço modificável vamos transformar esta auto-crítica numa hipótese de melhoria, na qual

redunda, por exemplo, uma maior percepção de controlo sobre o futuro. Ainda outro exemplo

da capacidade adaptativa resultante da auto-melhoria e da auto-crítica surge na sequência de

um momento de humor elevado, ou ao recordarmos uma experiência de sucesso, em que

procuramos feedback apurado que nos permita saber o que podemos melhorar ainda mais,

mesmo que esse feedback inclua algum tipo de crítica ou visão das nossas limitações. Nestes

três casos a auto-melhoria e a auto-crítica, emparelhadas, resultam de forma adaptativa

através de um sentido de controlo mais forte, elevação da percepção de auto-eficácia e

aumento da satisfação com a vida.

Ao possuirmos uma visão mais abrangente do perfeccionismo e das suas características

adaptativas e desadaptativas possuímos agora elementos para nos debruçarmos sobre a

relação deste com a perturbação narcísica da personalidade. Segundo Young (2003), os

pacientes com perturbação narcísica da personalidade possuem um de três modos de

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funcionamento (criança sozinha, auto-engrandecimento, auto-apaziguamento desligado) que

utilizam de forma predominante e que está relacionado com a existência de perfeccionismo.

Tendencialmente, o modo de auto-engrandecimento requer admiração por parte dos outros e

tende a ser muito crítico dos outros. Sabemos da literatura que comportamentos

competitivos, retaliar com zanga a desprezo percebido e querer ter sempre razão são alguns

exemplos de mecanismos compensatórios pois, no fundo, estes pacientes sentem-se

inferiorizados e insultados. Tipicamente é neste modo que os narcísicos funcionam e o que

verificamos é a sua tendência para se comportarem de forma abusiva, competitiva, grandiosa

e orientada para a busca de estatuto. Neste modo de funcionamento, eles tendem a mostrar

superioridade e desejam admiração. Importa diferenciar que o perfeccionismo está

normalmente relacionado com três dimensões: perfeccionismo orientado para o próprio;

perfeccionismo orientado para outros e perfeccionismo prescrito socialmente (Hewitt&Flett,

1991) e que os pacientes com perturbação narcísica da personalidade se caracterizam por

níveis mais elevados de perfeccionismo orientado para os outros e perfeccionismo prescrito

socialmente (McCown e Carlson, 2004). Desta forma, compreendemos que os seus mecanismos

de coping, tal como, procurar reconhecimento e estatuto sejam particularmente salientes no

que concerne às suas percepções de desempenho.

Se pensarmos na forte necessidade dos pacientes narcísicos se sentirem admirados por outros,

da sua resposta comportamental quando existem comparações sociais que desafiam a sua

superioridade auto-percebida (Bogart et. al, 2004) e da percepção positiva do self que

possuem acompanhada por uma percepção negativa dos outros (Griffin e Bartholomew, 1994),

encontramos um dos obstáculos ao desenvolvimento de uma relação terapêutica equilibrada,

que poderá ser sentido como uma ruptura de aliança por qualquer psicoterapeuta.

De acordo com esta breve revisão ficamos com a sensação de que poderá existir nos pacientes

narcísicos uma componente de desempenho, que os tem ajudado certamente em situações

escolares ou profissionais, e que constitui uma das suas fortes estratégias de recurso para

lidar com um modo de vulnerabilidade que têm dificuldade em admitir para si próprios. A

ausência de egodistonia relativamente à existência de vulnerabilidade pode resultar numa

situação de baixo insight e motivação para a mudança, que colocará em causa, algumas

vezes, a permanência na relação terapêutica.

Surpreendentemente, alguns estudos informam-nos que o narcisismo é benéfico para a saúde

mental desde que acompanhado por medidas elevadas de auto-estima, e que está,

inclusivamente, negativamente correlacionado com tristeza, solidão e depressão (Sedikides

et. al., 2004). Uma outra explicação que acompanha esta ideia, no que concerne ao

desempenho, demonstra que se conseguirem racionalizar eventuais falhas nas tarefas

executadas não hesitam em desistir. Mas enquanto estão motivados para atingir um objectivo,

eles conseguem mais facilmente lidar com experiências de falha para continuarem na busca

do seu sucesso (Wallace, 2009).

A questão que se coloca é que, por vezes, este comportamento pode ser adaptativo o que

poderá constituir um indicador de que nem sempre o narcisismo é inevitavelmente

disfuncional, particularmente no que concerne às questões de desempenho. Se pensarmos

que a atitude narcísica altamente orientada para o desempenho está ligada às auto-

percepções elevadas, então podemos concluir que eles perseguem objectivos de auto-

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melhoria, em parte, porque acreditam que está ao seu alcance e, por isso, acima da maioria

das pessoas.

Se recuarmos um pouco no que já foi dito e ao assumirmos que o perfeccionismo e o

narcissismo resultam de estruturas anti-simbióticas, observamos que no perfeccionismo, a

auto-crítica impede a auto-melhoria. Mas, nos pacientes narcísicos, a auto-melhoria impede a

auto-crítica, ou seja, neste caso não existe espaço para a crítica porque o paciente está

constantemente orientado para a auto-melhoria.

Ao observamos, de perto, este aparente paradoxo relativamente à relação entre auto-crítica,

auto-melhoria e consequências adaptativas, a verdade é que os estudos indicam que os

pacientes narcísicos são mais atreitos a variações de humor e à emergência de afectos

disfóricos como resposta a stressores interpessoais. Em termos relacionais procuram controlar

as relações sociais com a ilusão “os outros existem para mim” (Sedikides, Campbell, Reeder,

Elliot, and Gregg, 2002) e são mais atraídos por parceiros que demonstrem admiração ao

invés de intimidade, favorecendo, em consequência, jogos amorosos que envolvam baixos

níveis de compromisso. Segundo Wallace (2008), os pacientes narcísicos exibem um

sentimento de auto-importância exagerado, carregam consigo uma visão arrogante de que são

únicos, não conseguem empatizar com outros e possuem uma grande necessidade de

admiração. O facto de associarem ao seu desempenho grande parte das suas conquistas, e de

depositarem nos que os rodeiam a culpa pelas falhas, conduz a dificuldades no

estabelecimento de relações grupais sustentadas.

Esta é uma questão fundamental para a compreensão de como desenvolver uma abordagem

terapêutica com um paciente narcísico. Naturalmente, a emergência de qualquer instância de

desafio numa tarefa terapêutica será, provavelmente, encarada com facilidade pelo

paciente, excepto se estiverem em causa relacionamentos interpessoais ou de comparação

social. Entre muitas estratégias de intervenção com pacientes narcísicos existe uma que me

parece particularmente relevante neste contexto: a confrontação empática sempre que o

paciente desvalorizar o terapeuta (Young, 2003). O princípio de metacomunicação que deverá

assistir esta situação é de que o terapeuta assinale o comportamento do paciente, ao mesmo

tempo que demonstra entendimento pelas razões que sustêm a emergência daquele

comportamento e faz notar que o mesmo tem consequências nefastas para o relacionamento

interpessoal. Em suma, o terapeuta deverá tornar explícito o impacto que o modo de auto-

engrandecimento tem nas pessoas que rodeiam o paciente, para permitir a manutenção das

relações interpessoais e a proximidade empática do paciente narcísico.

Concluo com esta ideia para ressalvar, neste ponto, a importância das reacções internas do

terapeuta. É natural que o paciente seja bastante hábil em termos de algum desempenho

específico, como vimos atrás, o que poderá conduzir a um aumento de competição

psicoterapeuta-paciente ou subjugação do psicoterapeuta à acção controladora do paciente.

Ao tomar consciência deste impacto, o terapeuta deverá moldar o seu modo de intervenção

para permitir ao paciente ter acesso a uma noção de limites, empatia e desenvolvimento de

uma instância reflexiva sobre si próprio e as suas acções. Parece-me que o terapeuta estará a

promover um modo de funcionamento saudável em que auto-melhoria e auto-crítica passarão

a actuar em conjunto. Esta transformação no sentido de um perfeccionismo adaptativo,

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poderá permitir ao paciente narcísico a (re) construção de uma visão de generosidade sobre o

seu desempenho, mais orientado para o contacto com um self mais rico, e não para uma visão

competitiva do perfeccionismo orientado para os outros.