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Quinta da Confusão – O nascimento de um império 86 Combatentes: Donos X Animais Forças: Donos – 300 funcionários, 35 carrinhas, 6 camiões; Animais – 5 animais, 1 carrinha Líderes: Donos – Afonso Gomes e Aníbal Gomes; Animais - Nenhum Baixas: Donos – 4 camiões; Animais – Nenhuma Ilustração 10 – Percurso do Resgate dos Animais da Quinta da Confusão (75 km), não incluindo o percurso entre a Quinta da Confusão e Carrazeda de Ansiães (10 km). Legenda: A a B – Perseguição dos animais aos funcionários (início na Quinta da Confusão, 20 km); B a C Ocupação dos camiões com animais (20 km); C a D – Perseguição aos donos (35 km); D – Local da captura dos donos

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Parte XVIII de «O nascimento de um império

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Quinta da Confusão – O nascimento de um império

86

• Combatentes: Donos X Animais • Forças: Donos – 300 funcionários, 35 carrinhas, 6 camiões;

Animais – 5 animais, 1 carrinha • Líderes: Donos – Afonso Gomes e Aníbal Gomes; Animais -

Nenhum • Baixas: Donos – 4 camiões; Animais – Nenhuma

Ilustração 10 – Percurso do Resgate dos Animais da Quinta da Confusão

(75 km), não incluindo o percurso entre a Quinta da Confusão e

Carrazeda de Ansiães (10 km). Legenda: A a B – Perseguição dos

animais aos funcionários (início na Quinta da Confusão, 20 km); B a C –

Ocupação dos camiões com animais (20 km); C a D – Perseguição aos

donos (35 km); D – Local da captura dos donos

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Quando o cão acabou a sua história, houve alguém da multidão que perguntou pelos funcionários. Aí, os animais lembraram-se de que os funcionários poderiam muito bem voltar para salvar os donos e os camiões roubados. Gerou-se logo uma agitação entre os animais, que só terminou quando Aníbal disse «Eles não vão voltar». Perante a estranheza dos animais, os Gomes explicaram que os funcionários tinham outros serviços a fazer, que só iriam a Bragança de propósito para deixarem os animais da Quinta da Confusão. Não tinham tempo para os perseguirem e resgatarem os camiões, pelo que o mais certo era terem seguido para os seus clientes seguintes. Como já não havia a ameaça da invasão dos funcionários, houve alguém que propôs fazer-se um novo conselho, para se planear o futuro dos animais depois da guerra e a punição dos donos. A ideia foi aceite por unanimidade: pouco depois eram escolhidos o presidente (o cavalo que ocupara o primeiro camião dos funcionários), o secretário (o cavalo 3, secretário do anterior conselho) e o contabilista (o cão que prendera e trouxera os donos). Os três animais, juntamente com os donos, foram para o telhado do abrigo nocturno, onde podiam ser vistos por todos os outros animais. Estava então tudo a postos para se começar o 2º Conselho da Quinta da Confusão. O cavalo 3, no cargo de secretário, preparou as folhas tiradas da casa dos donos e a caneta para começar a escrever. Então, o presidente do conselho deu início ao acontecimento, com um pequeno discurso:

«Caros animais, penso que a nossa situação actual é obsoleta para o que temos. Temos variedade de mercadorias, como caixas de madeira e pregos. Se eu quiser trocar pregos por uma caixa, ou uma carroça, como sei quantos pregos valem esses produtos? Por isso é que eu proponho introduzirmos o dinheiro na Quinta da Confusão. Para que possamos vender e comprar mais facilmente. Proponho também a criação de um espaço onde possamos comerciar as nossas mercadorias, que no futuro serão mais, e mais, e cada vez mais. O que acham?»

A proposta foi recebida com entusiasmo pelos animais, até os donos comentarem «E onde vão vocês arranjar dinheiro? Mesmo se tirarem todo o que nós temos, não ficam sequer 200 euros por animal. Para uns terem mais, outros terão que ter menos. Assim, vão arranjar desigualdades sociais, que poderão ter consequências graves! Os que têm pouco dinheiro irão revoltar-se contra os que têm muito, exigirão igualdade. E isso vai provocar confrontos». Os animais ficaram estupefactos a ouvir os donos, pois tais factos não lhes passavam pela cabeça. Os dois continuavam a falar: «Já existe desigualdade que chegue neste mundo, mais vale os animais não seguirem o mesmo caminho! Já que querem criar uma nova civilização, pois que criem uma melhor do que a das pessoas». O secretário, tentando apanhar os pontos-chave da conversa, perguntou o que

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se deveria fazer para evitar desigualdades sociais e as suas consequências, ao que os donos disseram que o ideal seria fazer-se uma Casa da Moeda, para que mesmo os animais com menos dinheiro pudessem ter que chegasse para viverem bem. O presidente do conselho acabou por levar a votação a criação do local de comércio (por sugestão dos donos foi chamada de feira) e da Casa da Moeda. Os animais votaram maioritariamente na criação dos dois espaços. Mas quem seriam os directores desses espaços? Quando o presidente pôs essa questão, os animais apontaram logo para ele e para o contabilista, que tanto tinham feito pela Quinta da Confusão. A Fuga do Mercado, no Dia 3, e o Resgate dos Animais, pouco antes. Tanto o cão como o cavalo perceberam que a maioria dos animais da quinta estava do seu lado, portanto não realizaram nenhuma votação. O cavalo tornou-se o director da feira, e o cão tornou-se o da Casa da Moeda. Faltava agora o momento mais aguardado do conselho: o julgamento dos donos. O presidente, ouvindo as propostas dos animais, acabou por decidir quais as hipóteses de escolha: absolvição, expulsão da quinta, trabalho comunitário, pagamento de uma sanção ou as duas últimas punições juntas.

Antes de se proceder à votação, foi dada aos donos a hipótese de se defenderem. Alegaram terem desrespeitado a jura do final da I Guerra dos Animais por não corresponder à sua vontade, por terem jurado não fazer mais capturas sob ameaças. Os animais acreditaram, mas em relação ao resto os donos não foram capazes de se defender. Nada do que disseram foi válido para justificar o facto de durante anos a fio terem maltratado os animais, não lhes dando condições decentes. O presidente, quando calculou que os donos já tinham esgotado todos os seus argumentos, decidiu fazer a votação. O que os donos mais temiam era serem expulsos da Quinta da Confusão, a sua casa desde 1954. Mas, para sua sorte, apesar de tal como no Conselho da Quinta da Confusão essa hipótese ser quase a vencedora (a margem fora de apenas 2 votos), não foi a escolhida. A punição dos donos acabou por ser o pagamento de uma sanção e auxílio na construção de uma das duas futuras construções da quinta à sua escolha. Os donos escolheram ajudar na construção da feira. Mas ainda faltava um pormenor: quanto dinheiro os donos deveriam entregar? Uma terceira votação decidiu: 10.000 euros, que seriam entregues à feira assim que esta estivesse pronta. Não havia mais temas, pelo que o presidente do conselho declarou-o encerrado. O facto de apenas ter durado 20 minutos, das 10:30 às 10:50, espantou alguns animais, pois o anterior conselho durara 1 hora. Mas, de resto, o conselho era semelhante ao seu antecessor: o relatório (terminado pelo cavalo 3 pouco depois do seu fim) tinha 2 páginas e meia, e as votações haviam sido 3. Depois do 2º Conselho, a Quinta da Confusão voltou ao seu normal: os animais voltaram às plantações, e os cientistas começaram a desenhar os projectos das novas obras da quinta. O problema foi quando se

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exigiu que os donos pagassem o dinheiro previsto no conselho. Naturalmente, os donos não tinham 10.000 euros em dinheiro em casa, pelo que o teriam de ir levantar ao banco. Três animais foram então com eles na carrinha para Carrazeda de Ansiães, onde ficava o banco mais próximo. A II Guerra dos Animais estava praticamente no fim, só faltava um acordo de paz para a terminar oficialmente.

12:00

Uma hora depois da partida dos donos, eles e os 3 animais acompanhantes ainda não tinham regressado, e os que tinham ficado na Quinta da Confusão começaram a pensar no pior. O que teria acontecido para demorarem tanto tempo a ir a Carrazeda de Ansiães e voltar? Por fim, surgiu ao longe a carrinha dos donos. Como estava sozinha, os animais calcularam que os donos tinham ido buscar o dinheiro e não haviam chamado os funcionários. E acertaram, pois a carrinha tinha dez mil euros em notas e moedas no chão do veículo. Mas se tudo tinha corrido normalmente, porque é que tinham demorado tanto tempo? Os donos responderam a essa pergunta:

«Nós fomos ao banco a que costumamos ir levantar dinheiro, mas como hoje é Domingo [o calendário dos animais não tinha dias da semana] o banco estava fechado. Tentámos ir a outra caixa multibanco que há em Carrazeda de Ansiães, mas não tinha dinheiro. Fomos à terceira, estava avariada. Como só conhecemos três caixas multibanco na povoação, contando com o banco, tivemos que ir a aldeias vizinhas. Mas nenhuma tinhas caixas multibanco, andámos a vaguear pelo concelho sem nenhum destino concreto. Ainda por cima tivemos um furo no pneu, gastámos uns 20 minutos a trocá-lo. Quando passámos pela aldeia seguinte trocámos o pneu furado por outro novo na oficina para ser o pneu suplente, que andar nestas zonas rurais sem pneus suplentes não dá jeito nenhum, e demorámos ainda mais tempo. Por fim, um dos animais sugeriu que fôssemos a alguma povoação importante como Carrazeda de Ansiães, que até ali só tínhamos ido a pequenas aldeias. Fomos a Vila Flor, que também é uma capital de concelho, e finalmente conseguimos encontrar um banco aberto. O banco deu-nos os 10.000 euros que queríamos, e depois regressámos».

O dinheiro foi então guardado na casa dos donos até a feira ficar pronta. Depois, os animais acharam que deveriam pôr fim à II Guerra dos Animais. Perante 5 testemunhas, os donos escreveram num papel o acordo de paz que poria fim à guerra, que dizia que os donos não fariam capturas durante os 5 dias seguintes e que os animais respeitariam os donos como respeitavam os seus companheiros. Por fim, assinaram-no. Terminava

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assim a II Guerra dos Animais, que chegara a ter 180 animais capturados mas que, incrivelmente, agora não tinha quaisquer vítimas.

II Guerra dos Animais – 22 horas (0 vítimas)

Para não haver só uma cópia do tratado, os donos digitalizaram-no com a sua scanner e imprimiram 3 cópias, que entregaram às testemunhas da sua assinatura. Nessa altura, os cientistas terminaram os projectos das futuras obras da Quinta da Confusão. A Casa da Moeda seria igual ao projecto do abrigo nocturno: 10 metros de lado, 5 de altura e dois andares. No rés-do-chão fabricar-se-ia o dinheiro, e no 1º andar ficaria o dinheiro fabricado e os materiais para o fazer. Era verdade que o tratado de paz assinado pelos donos dizia que não haveriam capturas durante 5 dias (dessa vez os donos não tinham sido obrigados, o tratado reflectia a sua vontade), mas depois desse tempo poderiam haver hordas de funcionários a invadir a quinta. Era preciso evitar que o dinheiro dos animais caísse nas suas mãos, pelo que as paredes, portas e persianas teriam 10 cm de espessura, impossíveis de arrombar. Quanto à feira, seria um edifício de 5 metros de lado, com um só andar. Teria um balcão com gavetas, para o funcionário que fosse atender os clientes meter o dinheiro. Um corredor de 5 metros ligaria a feira ao armazém, maior do que qualquer outra obra feita na Quinta da Confusão. Teria 20 metros de lado e 5 de altura, para se poderem empilhar mais mercadorias numa área menor. A Casa da Moeda ficaria no local do antigo celeiro, para que o túnel escavado no Dia 2 partisse de lá. Isso permitia que o dinheiro fosse evacuado se os inimigos, fossem eles quem fossem, conseguissem entrar na construção. Quanto à feira, ficaria na margem direita da ribeira, junto ao curso de água, para estar mesmo no centro da quinta e ficar mais perto de todos os animais. As construções já existentes, à excepção da casa dos donos, seriam demolidas, ficando a abertura do túnel desprotegida. Como a saída era vertical, a entrada seria modificada para ficar inclinada, para que se pudesse percorrer o túnel de carroça e evacuar mais facilmente o dinheiro.

Conforme planeado, os donos foram levados para o local da construção da feira. Ao contrário dos animais, eles não queriam atravessar a nado a ribeira, pelo que o fizeram usando um barco a remos que tinham. Depois, seguiram as instruções dos animais: escavar a terra para se meterem os alicerces, que eram feitos à parte. As pás eram escassas, pelo que tinham de escavar usando pedras ou mesmo as mãos. Mas os donos, apesar de terem passado os últimos anos em frente à televisão sentados no sofá, ainda praticavam exercício físico e mantinham-se em boa forma. Trabalhavam tão ou mais activamente do que os animais, na obra que lhes iria sugar 10.000 euros do seu saldo bancário.